As Veias (penianas) Abertas da Geração Z – Pele Suja Minha Carne
É interessante que o primeiro som do filme “Pele Suja Minha Carne” seja a suave voz do Metrô Rio indicando para observar atentamente o espaço entre o trem e a plataforma. Partes de um conjunto arquitetônico dinâmico separados por um espaço que merece atenção é uma bela metáfora que nos remete ao próprio título do curta e a seu protagonista João, em sua difícil jornada de autoconhecimento da sexualidade, e o quão doloroso pode ser vencer o espaço que existe entre ela e as cobranças sociais típicas do dia a dia de todo adolescente.
“Pele Suja Minha Carne” é o filme de estreia do jovem diretor e roteirista Bruno Ribeiro e conta a história do menino negro tijucano e peladeiro João (Diego Francisco) lidando com o turbilhão de hormônios e sentimentos canalizados em seu parceiro de pelada Cauã (André Muniz). Genuíno representante da geração Z, filho de uma mãe jovem que talvez dedique menos tempo à educação do filho do que a encontrar bons aplicativos para seu smartfone, a jornada de João está longe da alegria e doçura das baladas teens, acertadamente deixadas de fora da trilha sonora do filme, composta apenas por uma ótima coleção de sons diegéticos.
Bruno Ribeiro apresenta um bom trabalho de direção; os enquadramentos e a mise-en-scène são corretos em sua maior parte, com destaque a decisão de filmar seus personagens muitas vezes de costas, permitindo-os que guardem seus segredos e as belas sequências do jogo de futebol que compensam uma incômoda câmera parada quando João e Cauã caminham voltando da escola. A cena em que João toma banho em casa após a pelada com os amigos esfregando-se vigorosamente enquanto a espuma de sabão desce ralo abaixo mimetizando sua própria tentativa de desvencilhar-se de um sentimento crescente que provavelmente lhe é estranho e incômodo é belíssima.
A arte do filme aposta certeiramente em uma claustrofobia criada pelos padrões de gradis quadriculados seja das paredes metálicas que enjaulam a quadra de futebol, ou os pequenos azulejos e o tecido do pano de prato da cozinha do apartamento onde mora João – belos reflexos do reprimido e nascente aflorar da homossexualidade do protagonista. Na correta fotografia destaca-se a excelência nas cenas onde utiliza a luz direta. Os sons diegéticos que preenchem a ausência de trilha musical são louváveis, porém eclipsados por uma grotesca e amadora falha no som da cena inicial onde o anúncio da estação do metrô não corresponde ao que vemos geograficamente na tela, um erro primário que não combina com a grandiosidade do projeto. A dupla de jovens atores do elenco é uma pérola. Diego Francisco, o protagonista, é belo e fotografa maravilhosamente bem, o que compensa sua atuação por vezes monocórdica. O coadjuvante André Muniz rouba a cena e brilha, é o grande destaque do filme e espero vê-lo em outros trabalhos no cinema nacional.
“Pele Suja Minha Carne” toca de forma não homogênea em feridas seculares de preconceito contra a cor de pele (menos) e orientação sexual (mais) que em pleno século XXI ainda vergonhosamente mancham nossa sociedade. Reflete uma tendência do cinema atual de voltar seu olhar às minorias sempre relegadas a um segundo plano, e por isso é urgente e necessário. É envolvente, é intenso, mas não perde a ternura ao tratar temas tão delicados e difíceis.
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Pele Suja Minha Carne
3.7 10As Veias (penianas) Abertas da Geração Z – Pele Suja Minha Carne
É interessante que o primeiro som do filme “Pele Suja Minha Carne” seja a suave voz do Metrô Rio indicando para observar atentamente o espaço entre o trem e a plataforma. Partes de um conjunto arquitetônico dinâmico separados por um espaço que merece atenção é uma bela metáfora que nos remete ao próprio título do curta e a seu protagonista João, em sua difícil jornada de autoconhecimento da sexualidade, e o quão doloroso pode ser vencer o espaço que existe entre ela e as cobranças sociais típicas do dia a dia de todo adolescente.
“Pele Suja Minha Carne” é o filme de estreia do jovem diretor e roteirista Bruno Ribeiro e conta a história do menino negro tijucano e peladeiro João (Diego Francisco) lidando com o turbilhão de hormônios e sentimentos canalizados em seu parceiro de pelada Cauã (André Muniz). Genuíno representante da geração Z, filho de uma mãe jovem que talvez dedique menos tempo à educação do filho do que a encontrar bons aplicativos para seu smartfone, a jornada de João está longe da alegria e doçura das baladas teens, acertadamente deixadas de fora da trilha sonora do filme, composta apenas por uma ótima coleção de sons diegéticos.
Bruno Ribeiro apresenta um bom trabalho de direção; os enquadramentos e a mise-en-scène são corretos em sua maior parte, com destaque a decisão de filmar seus personagens muitas vezes de costas, permitindo-os que guardem seus segredos e as belas sequências do jogo de futebol que compensam uma incômoda câmera parada quando João e Cauã caminham voltando da escola. A cena em que João toma banho em casa após a pelada com os amigos esfregando-se vigorosamente enquanto a espuma de sabão desce ralo abaixo mimetizando sua própria tentativa de desvencilhar-se de um sentimento crescente que provavelmente lhe é estranho e incômodo é belíssima.
A arte do filme aposta certeiramente em uma claustrofobia criada pelos padrões de gradis quadriculados seja das paredes metálicas que enjaulam a quadra de futebol, ou os pequenos azulejos e o tecido do pano de prato da cozinha do apartamento onde mora João – belos reflexos do reprimido e nascente aflorar da homossexualidade do protagonista. Na correta fotografia destaca-se a excelência nas cenas onde utiliza a luz direta. Os sons diegéticos que preenchem a ausência de trilha musical são louváveis, porém eclipsados por uma grotesca e amadora falha no som da cena inicial onde o anúncio da estação do metrô não corresponde ao que vemos geograficamente na tela, um erro primário que não combina com a grandiosidade do projeto. A dupla de jovens atores do elenco é uma pérola. Diego Francisco, o protagonista, é belo e fotografa maravilhosamente bem, o que compensa sua atuação por vezes monocórdica. O coadjuvante André Muniz rouba a cena e brilha, é o grande destaque do filme e espero vê-lo em outros trabalhos no cinema nacional.
“Pele Suja Minha Carne” toca de forma não homogênea em feridas seculares de preconceito contra a cor de pele (menos) e orientação sexual (mais) que em pleno século XXI ainda vergonhosamente mancham nossa sociedade. Reflete uma tendência do cinema atual de voltar seu olhar às minorias sempre relegadas a um segundo plano, e por isso é urgente e necessário. É envolvente, é intenso, mas não perde a ternura ao tratar temas tão delicados e difíceis.