O filme peca em determinados momentos ao se estender demais, mas nem por isso perde seu mérito ou deixa de ser um ótimo exemplo da ficção científica de sua época. O foco na microbiologia e pesquisa laboratorial acaba por criar um suspense "cientificamente estruturado" totalmente distinto do que estamos acostumados a ver. Dentro da categoria de invasão alienígena, é um filme bastante realista, preciso e que esbanja tecnologia. Pra quem gosta da estética de sci-fi retro, em especial, é um prato cheio.
A obra de um artista diz mais sobre quem ele foi do que quaisquer dados biográficos crus poderiam, e isso se torna claro nessa homenagem sensível de Wenders a Pina. Sabemos quem ela foi ao assistir a forma como orquestrou o corpo de seus dançarinos para representar suas criações e ao ouvi-los falar do impacto que ela teve em suas vidas. Que importa as datas exatas do nascimento e da morte de Pina após ver sua visão viva, se movendo e dançando? O corpo de Pina não se moverá nunca mais, mas suas ideias sim. Nada mais adequado para ilustrar a transcendência da arte.
Não achei nem um pouco arrastado. O diálogo flui com naturalidade e cria um bom ritmo. Alguns podem argumentar que, enquanto a proposta da história é genial, a escolha de execução deixa a desejar, e nisso devo discordar:
um filme que acompanhasse a longa trajetória de John Oldman através das eras não teria o efeito desejado sobre nós, que é exatamente nos fazer questionar a sanidade do narrador e, quer acreditemos ou não na história que ele conta, despertar nossa curiosidade; afinal, tenho certeza que qualquer pessoa que assista Man From Earth vai terminar o filme com perguntas que gostaria de ter feito se tivesse a oportunidade de estar naquela sala com ele, ou ao menos se perguntando se conseguiria acreditar num relato como esse se partisse de um amigo respeitado.
quando John diz que conheceu outro homem como ele, mas durante suas conversas os dois admitiram que não eram capazes de saber se deveriam acreditar um no outro porque não era possível confirmar se estavam falando a verdade ou apenas "ecoando". E depois quando John diz pensar ter visto esse mesmo homem 200 anos depois em uma estação de metrô, mas o perdeu de vista.
Quanto ao fato de John ser Jesus, se eu tivesse recebido esse spoiler antes de assistir o filme teria achado muita forçação de barra, mas a forma como a história optou por explicar isso parece bastante lógica e possível. Como disseram em outro comentário, "mais convincente do que a própria Bíblia".
Pra terminar esse comentário gigante, duas coisas que achei fracas e me fizeram diminuir a nota do filme, que do contrário seria 5 estrelas:
o final, que achei bem tosco; e o fato de que as personagens femininas tão ali com o propósito de serem idiotas e realmente não contribuírem para a discussão.
Indescritível, muito além do que eu esperava em termos de qualidade visual e narrativa. Dispensa qualquer pedantismo ao falar de ciência e de traumas humanos e particulares, concedendo a voz tanto a astrônomos quanto a sobreviventes da ditadura militar de Pinochet, sem diminuir o sofrimento individual mesmo perante a vastidão do universo. Um documentário revolucionário em toda a sua simplicidade, algo para o qual o adjetivo "tocante" aproxima-se de um eufemismo. Levarei comigo para sempre.
Comentei antes que esse filme parece algo saído de um conto de Virginia Woolf, e que talvez por isso eu o ache de uma sensibilidade tão bela. No entanto, não o vejo como uma história de amor, e imagino que quem o vê dessa forma se precipita um pouco - talvez ele viesse a ser se a narrativa se prolongasse e pudessemos acompanhar a vida de ambas juntas no passar dos anos, mas o que enxergo aqui é uma história de paixão, de entrega desenfreada e total sem pensar em um momento nas consequências, e a mudança que algo tão intenso pode provocar. Carol seduziu Therese inicialmente por motivos superficiais, diversão ou interesse próprio, porém apegou-se. Therese deixou tudo para trás para perseguir um sentimento que até então lhe era desconhecido.
E, após o (suposto) término desse breve relacionamento, Therese se vê abandonada, porém encontra ali uma oportunidade de amadurecimento que agarra, e começa a conhecer a si própria melhor após ter conhecido Carol.
Nem toda história sobre relacionamentos é uma história de amor, mas nem por isso possuem menos beleza, ou tem menos capacidade de mudar a percepção de mundo dos envolvidos ou suas histórias. Afinal, as duas terminam o filme mudadas, aceitando a si próprias e se redescobrindo individualmente após terem começado a se descobrir mutualmente. Reduzir algo assim às palavras "mais um romance lésbico" é desmerecer demais.
Comentário, versão estendida: quem subestima as produções do Studio Ghibli como sendo apenas animações divertidas e leves, só faz isso porque ainda não levou esse soco no estômago vulgarmente conhecido como Túmulo dos Vagalumes: um filme que já começa com uma tragédia anunciada (desde as primeiras cenas sabemos que Setsuko e Seita morrerão - mais especificamente, que Setsuko morrerá ANTES de Seita), mas que nem por isso perde qualquer parcela de seu impacto e de sua beleza. É digna de aplausos a forma como o roteiro diminui a sua lente de alcance para focar-se em apenas duas pessoas atingidas pela guerra e, ao mesmo tempo, consegue abranger toda a extensão de seus horrores, todo o estrago causado por ela em uma população inteira. É dolorosa a inocência de Setsuko, uma criança que se comporta e reage como uma criança realmente faria frente a situações difíceis (e neste ponto o filme mostra o quanto uma animação pode ser mais realista do que infinitas outras obras com atores reais, contrariando preconceitos), assim como a dedicação ferrenha de Seita à irmã, do começo ao fim e até mesmo após o fim, quando usa suas últimas forças para chamar por ela. Ele, que não teve a oportunidade de realmente tornar-se soldado, demonstrou ter a resistência de um e, como qualquer soldado, não escapou ileso da guerra, foi esmagado por ela tanto quanto seria se estivesse em uma frente de batalha. Quem já assistiu A Vida É Bela pode perceber semelhanças entre as duas obras na forma como Seita busca proteger Setsuko, porém a principal e mais grave diferença entre os dois filmes é que Seita falha.
Chorei feito uma condenada. Inclusive vou ali chorar mais.
Comecei a assistir sem esperar muito do filme, imaginando que seria algo pretensioso e enfadonho demais - eu estava errada, felizmente. Birdman é um belo tapa na cara da indústria cinematográfica e de entretenimento, o que torna ainda mais fantástico o fato de ter sido ele o ganhador de um dos mais significativos prêmios do cinema. Quem imaginava encontrar nessa narrativa mais uma história de super-herói teve que lidar com o próprio personagem de Birdman criticando esse padrão exaustivo enquanto encara o espectador nos olhos. Essa mesma crítica se estende por outros momentos do filme, porém os artistas que levam a "arte culta" a sério demais, ao ponto de beirar o ridículo e se perder em seu próprio ego (ver Mike e suas crises de estrelismo, por exemplo), também são alvo de censura, assim como os muitos críticos de arte que falam sem propriedade. Citando comentários anteriores: Birdman saiu "distribuindo socos" em quem merecia e não deixou nenhum escapar. Merecedor do Oscar que recebeu.
O cenário apocalíptico tecido por Alfonso Cuarón em “Filhos da Esperança” é único, simples e devastador: graças a uma súbita e inexplicável onda de infertilidade, os seres humanos estão condenados a assistir sua própria espécie definhar lenta e dolorosamente. Imersa em um profundo caos sociopolítico em pleno ano de 2027, a última geração da humanidade carrega sobre si a amargura de ver seu fim definitivo cada vez mais próximo – uma amargura refletida no semblante do protagonista Theo Faron, um homem que outrora fora um ávido ativista a favor de um mundo melhor, porém que agora conhecemos como alguém permanentemente destruído por tragédias pessoais e repleto de um cansaço desesperançoso.
É através de Theo que enfrentamos a realidade difícil e caótica retratada pelo belíssimo roteiro e pelos planos sequências magistrais de Cuarón; realidade esta que parecia, como o próprio Theo, completamente despida de qualquer esperança, ao menos até o surgimento de Kee, a primeira mulher grávida em mais de dezoito anos. Restringir Kee a isso, no entanto, seria reduzir demais seu personagem e seu papel poderoso tanto no enredo quanto no grande esquema diegético do filme: Kee, que carrega em seu ventre o possível pioneiro de uma nova geração, é uma adolescente, negra, pobre e imigrante ilegal – em outras palavras, a mais inaceitável candidata a dar à luz ao “novo messias” sob a perspectiva daquela sociedade europeia.
A cena em que Kee, assustada porém determinada, expõe sua gravidez dentro de um estábulo em meio aos animais e perante o perplexo Theo, compõe um paralelo bíblico simultaneamente impactante e delicado, um paradoxo semelhante à esperança ao mesmo tempo forte e frágil que nasce naquele momento.
Presenciamos, pelo olhar de Theo, o ressurgimento de um sentimento poderoso que tanto ele quanto toda a humanidade julgava morto, porém que se manifesta ali, nítido, palpável e desprotegido. Recai então, exatamente sobre o homem preso ao passado e que já não via na vida qualquer ideal pelo qual lutar ou qualquer motivo válido para seguir em frente, a responsabilidade colossal de proteger e levar a um lugar seguro a mulher que carrega dentro de si nada menos do que o futuro.
Assim como a desilusão (seja causada pela perda de um ente querido, como vemos em Theo, ou pela expectativa de um fim trágico, como vemos em todos), a esperança é avassaladora: somente graças a ela podemos, mesmo após sucumbir, nos reerguer e enfrentar aquilo que nos assola, seja a nível pessoal, seja a nível global. É também um sentimento retratado frequentemente de forma clichê e melodramática, mas que na narrativa de Cuáron assume uma roupagem forte e recebe o devido louvor.
A grandiosidade de “Filhos da Esperança” se constrói, assim, por seu roteiro, seus personagens, seu humor sutil, sua crítica sociopolítica, sua direção impecável e, talvez acima de tudo, por sua emoção e humanidade.
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O Paradoxo Cloverfield
2.7 780 Assista AgoraA estrela é pelo monstro que apareceu no final.
O Enigma de Andrômeda
3.6 77O filme peca em determinados momentos ao se estender demais, mas nem por isso perde seu mérito ou deixa de ser um ótimo exemplo da ficção científica de sua época. O foco na microbiologia e pesquisa laboratorial acaba por criar um suspense "cientificamente estruturado" totalmente distinto do que estamos acostumados a ver. Dentro da categoria de invasão alienígena, é um filme bastante realista, preciso e que esbanja tecnologia. Pra quem gosta da estética de sci-fi retro, em especial, é um prato cheio.
Pina
4.4 408A obra de um artista diz mais sobre quem ele foi do que quaisquer dados biográficos crus poderiam, e isso se torna claro nessa homenagem sensível de Wenders a Pina. Sabemos quem ela foi ao assistir a forma como orquestrou o corpo de seus dançarinos para representar suas criações e ao ouvi-los falar do impacto que ela teve em suas vidas. Que importa as datas exatas do nascimento e da morte de Pina após ver sua visão viva, se movendo e dançando? O corpo de Pina não se moverá nunca mais, mas suas ideias sim. Nada mais adequado para ilustrar a transcendência da arte.
O Homem da Terra
4.0 452 Assista AgoraNão achei nem um pouco arrastado. O diálogo flui com naturalidade e cria um bom ritmo. Alguns podem argumentar que, enquanto a proposta da história é genial, a escolha de execução deixa a desejar, e nisso devo discordar:
um filme que acompanhasse a longa trajetória de John Oldman através das eras não teria o efeito desejado sobre nós, que é exatamente nos fazer questionar a sanidade do narrador e, quer acreditemos ou não na história que ele conta, despertar nossa curiosidade; afinal, tenho certeza que qualquer pessoa que assista Man From Earth vai terminar o filme com perguntas que gostaria de ter feito se tivesse a oportunidade de estar naquela sala com ele, ou ao menos se perguntando se conseguiria acreditar num relato como esse se partisse de um amigo respeitado.
Um momento em particular que achei brilhante:
quando John diz que conheceu outro homem como ele, mas durante suas conversas os dois admitiram que não eram capazes de saber se deveriam acreditar um no outro porque não era possível confirmar se estavam falando a verdade ou apenas "ecoando". E depois quando John diz pensar ter visto esse mesmo homem 200 anos depois em uma estação de metrô, mas o perdeu de vista.
Quanto ao fato de John ser Jesus, se eu tivesse recebido esse spoiler antes de assistir o filme teria achado muita forçação de barra, mas a forma como a história optou por explicar isso parece bastante lógica e possível. Como disseram em outro comentário, "mais convincente do que a própria Bíblia".
Pra terminar esse comentário gigante, duas coisas que achei fracas e me fizeram diminuir a nota do filme, que do contrário seria 5 estrelas:
o final, que achei bem tosco; e o fato de que as personagens femininas tão ali com o propósito de serem idiotas e realmente não contribuírem para a discussão.
Nostalgia da Luz
4.3 61Indescritível, muito além do que eu esperava em termos de qualidade visual e narrativa. Dispensa qualquer pedantismo ao falar de ciência e de traumas humanos e particulares, concedendo a voz tanto a astrônomos quanto a sobreviventes da ditadura militar de Pinochet, sem diminuir o sofrimento individual mesmo perante a vastidão do universo. Um documentário revolucionário em toda a sua simplicidade, algo para o qual o adjetivo "tocante" aproxima-se de um eufemismo. Levarei comigo para sempre.
Carol
3.9 1,5K Assista AgoraComentei antes que esse filme parece algo saído de um conto de Virginia Woolf, e que talvez por isso eu o ache de uma sensibilidade tão bela. No entanto, não o vejo como uma história de amor, e imagino que quem o vê dessa forma se precipita um pouco - talvez ele viesse a ser se a narrativa se prolongasse e pudessemos acompanhar a vida de ambas juntas no passar dos anos, mas o que enxergo aqui é uma história de paixão, de entrega desenfreada e total sem pensar em um momento nas consequências, e a mudança que algo tão intenso pode provocar. Carol seduziu Therese inicialmente por motivos superficiais, diversão ou interesse próprio, porém apegou-se. Therese deixou tudo para trás para perseguir um sentimento que até então lhe era desconhecido.
E, após o (suposto) término desse breve relacionamento, Therese se vê abandonada, porém encontra ali uma oportunidade de amadurecimento que agarra, e começa a conhecer a si própria melhor após ter conhecido Carol.
Nem toda história sobre relacionamentos é uma história de amor, mas nem por isso possuem menos beleza, ou tem menos capacidade de mudar a percepção de mundo dos envolvidos ou suas histórias. Afinal, as duas terminam o filme mudadas, aceitando a si próprias e se redescobrindo individualmente após terem começado a se descobrir mutualmente. Reduzir algo assim às palavras "mais um romance lésbico" é desmerecer demais.
Túmulo dos Vagalumes
4.6 2,2KComentário, versão condensada: eu tô bem triste.
Comentário, versão estendida: quem subestima as produções do Studio Ghibli como sendo apenas animações divertidas e leves, só faz isso porque ainda não levou esse soco no estômago vulgarmente conhecido como Túmulo dos Vagalumes: um filme que já começa com uma tragédia anunciada (desde as primeiras cenas sabemos que Setsuko e Seita morrerão - mais especificamente, que Setsuko morrerá ANTES de Seita), mas que nem por isso perde qualquer parcela de seu impacto e de sua beleza. É digna de aplausos a forma como o roteiro diminui a sua lente de alcance para focar-se em apenas duas pessoas atingidas pela guerra e, ao mesmo tempo, consegue abranger toda a extensão de seus horrores, todo o estrago causado por ela em uma população inteira. É dolorosa a inocência de Setsuko, uma criança que se comporta e reage como uma criança realmente faria frente a situações difíceis (e neste ponto o filme mostra o quanto uma animação pode ser mais realista do que infinitas outras obras com atores reais, contrariando preconceitos), assim como a dedicação ferrenha de Seita à irmã, do começo ao fim e até mesmo após o fim, quando usa suas últimas forças para chamar por ela. Ele, que não teve a oportunidade de realmente tornar-se soldado, demonstrou ter a resistência de um e, como qualquer soldado, não escapou ileso da guerra, foi esmagado por ela tanto quanto seria se estivesse em uma frente de batalha. Quem já assistiu A Vida É Bela pode perceber semelhanças entre as duas obras na forma como Seita busca proteger Setsuko, porém a principal e mais grave diferença entre os dois filmes é que Seita falha.
Chorei feito uma condenada. Inclusive vou ali chorar mais.
Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)
3.8 3,4K Assista AgoraComecei a assistir sem esperar muito do filme, imaginando que seria algo pretensioso e enfadonho demais - eu estava errada, felizmente. Birdman é um belo tapa na cara da indústria cinematográfica e de entretenimento, o que torna ainda mais fantástico o fato de ter sido ele o ganhador de um dos mais significativos prêmios do cinema. Quem imaginava encontrar nessa narrativa mais uma história de super-herói teve que lidar com o próprio personagem de Birdman criticando esse padrão exaustivo enquanto encara o espectador nos olhos. Essa mesma crítica se estende por outros momentos do filme, porém os artistas que levam a "arte culta" a sério demais, ao ponto de beirar o ridículo e se perder em seu próprio ego (ver Mike e suas crises de estrelismo, por exemplo), também são alvo de censura, assim como os muitos críticos de arte que falam sem propriedade. Citando comentários anteriores: Birdman saiu "distribuindo socos" em quem merecia e não deixou nenhum escapar. Merecedor do Oscar que recebeu.
Filhos da Esperança
3.9 940 Assista AgoraO cenário apocalíptico tecido por Alfonso Cuarón em “Filhos da Esperança” é único, simples e devastador: graças a uma súbita e inexplicável onda de infertilidade, os seres humanos estão condenados a assistir sua própria espécie definhar lenta e dolorosamente. Imersa em um profundo caos sociopolítico em pleno ano de 2027, a última geração da humanidade carrega sobre si a amargura de ver seu fim definitivo cada vez mais próximo – uma amargura refletida no semblante do protagonista Theo Faron, um homem que outrora fora um ávido ativista a favor de um mundo melhor, porém que agora conhecemos como alguém permanentemente destruído por tragédias pessoais e repleto de um cansaço desesperançoso.
É através de Theo que enfrentamos a realidade difícil e caótica retratada pelo belíssimo roteiro e pelos planos sequências magistrais de Cuarón; realidade esta que parecia, como o próprio Theo, completamente despida de qualquer esperança, ao menos até o surgimento de Kee, a primeira mulher grávida em mais de dezoito anos. Restringir Kee a isso, no entanto, seria reduzir demais seu personagem e seu papel poderoso tanto no enredo quanto no grande esquema diegético do filme: Kee, que carrega em seu ventre o possível pioneiro de uma nova geração, é uma adolescente, negra, pobre e imigrante ilegal – em outras palavras, a mais inaceitável candidata a dar à luz ao “novo messias” sob a perspectiva daquela sociedade europeia.
A cena em que Kee, assustada porém determinada, expõe sua gravidez dentro de um estábulo em meio aos animais e perante o perplexo Theo, compõe um paralelo bíblico simultaneamente impactante e delicado, um paradoxo semelhante à esperança ao mesmo tempo forte e frágil que nasce naquele momento.
Assim como a desilusão (seja causada pela perda de um ente querido, como vemos em Theo, ou pela expectativa de um fim trágico, como vemos em todos), a esperança é avassaladora: somente graças a ela podemos, mesmo após sucumbir, nos reerguer e enfrentar aquilo que nos assola, seja a nível pessoal, seja a nível global. É também um sentimento retratado frequentemente de forma clichê e melodramática, mas que na narrativa de Cuáron assume uma roupagem forte e recebe o devido louvor.
A grandiosidade de “Filhos da Esperança” se constrói, assim, por seu roteiro, seus personagens, seu humor sutil, sua crítica sociopolítica, sua direção impecável e, talvez acima de tudo, por sua emoção e humanidade.