Singelo voto de esperança para a humanidade para esses tempos que estão mudando, como ilustra a famosa canção de Bob Dylan tocada na subida dos créditos – a resposta de Shyamalan para as intempéries do mundo atual cada vez mais cínico vem na forma de um filme provocante justamente por sua proposta de descruzar os braços, acreditar no próximo e, assim, resgatar um senso de coletividade já meio perdido, em um discurso que, embora não seja bem articulado e certeiro no tom quanto seus trabalhos anteriores, toca por sua honestidade.
Uma viagem em busca de um tempo perdido, redescoberto através de velhas memórias que ganham vida em imagens, despertando um desejo sentimental e agridoce de regresso a um certo momento da vida onde tudo tinha outras cores, sabores e durações, pela via mais ligeira, ainda que complexa, a da identificação – não importa o quão velhos estejamos hoje, veremos sempre, aqui, o mundo pelos olhos curiosos e inocentes das crianças que fomos um dia. Desses filmes raros que, particularmente, não consigo explicar direito por outro meio, que não o do simples e puro afeto.
A sacralização da família – não apenas por laços de sangue, mas por reconhecimento, semelhança, afeto –, vista enquanto única instituição social verdadeiramente segura, através de um retrato romantizado e canonizador da organização criminosa em que esse senso de união é determinante pela maneira em que não apenas honra as tradições do lugar natal, mas as mantem preservadas entre os pares imigrantes na América, que tendiam a perder de vista as próprias raízes para o individualismo pouco acolhedor da terra do Tio Sam.
Faz todo o sentido o filme encarar sob uma ótica distorcida as instituições que inicialmente parecem sérias – a família, o casamento, a justiça – por perceber a comicidade do fingimento e se aproveitar, sem culpa, do potencial das mentiras usadas para sustentar uma relação, vender uma imagem, manobrar opiniões etc. É um material que, nas mãos de outro qualquer, poderia acabar com a gravidade genérica desses suspenses de Supercine, mas é trabalhado por Fincher através da farsa, que se desenrola em reviravoltas mirabolantes e é pontuada por decisões sacanas, que lembram o estilo usado pelo diretor, lá no final dos anos 90, com filmes tão descarados e divertidos quanto esse aqui.
Os geeks pós-modernos e a velha guarda nerd reunidos em um churrasco pop organizado por um Spielberg tiozão, a fim de se enturmar com os primeiros e reafirmar os laços com os segundos, com direito a muito mas muito pastiche, (auto)referências e fan services, sem, é claro, deixar de dar seu sábio conselho moralista final, antes de encerrar a festa e mandar a galera para casa.
Tudo aqui é questão de ponto de vista, e como ele constrói e atribui sentido ao mundo ao redor de seus personagens – a cor que pode representar a violência ou o amor, a inocência que pode ser ignorância, a proteção que pode ser controle, a cegueira que, enfim, pode ser a verdadeira visão. Não por acaso é um filme que se renova dentro de si, a cada revisão feita, justamente por redimensionar expectativas previamente criadas, jogando sempre uma nova luz sobre a maneira de ver as coisas.
- Are you upset you can't see? - I see the world, Lucius Hunt, not as you see it.
O conto da mansão mal-assombrada pervertido por um tipo de horror paranoico que se dá menos pelas dúbias presenças sobrenaturais e mais pelas lacunas que formam a partir de acontecimentos imprecisos, ambíguos e mal explicados – há sempre uma neblina muito suspeita encobrindo as possíveis verdades por trás daquelas misteriosas circunstâncias, que, pasme, seriam mais assustadoras que qualquer fantasma.
Quem diria que um filme chamado Desobediência seria ao final uma espécie de exaltação, consciente ou não, do ideal da ‘bela, recatada e do lar’ – ao invés de assumir os riscos que se poderia esperar, permanece sempre comportado, impotente, submisso. O desfecho só reafirma. Se eu tivesse percebido logo que o título poderia ser uma ironia das grandes, teria pelo menos ajustado as expectativas.
Quando a rotina perde seu encanto e arriscar perdê-la parece a única maneira de lhe dar um novo sentido – a comodidade do lar que aprisiona o protagonista e que lhe oprime tanto no início é justamente aquilo de que ele sabe que mais sentirá falta, no fim das contas; e é isso o que justifica aquele desfecho tão apropriado (mesmo que, dizem, não tenha sido querido pelo diretor), ainda que inevitavelmente devastador.
O que há depois do ‘felizes para sempre’ de um conto de fadas (e do que depende essa resolução) pela perspectiva de um casal que, após o encanto da primeira vista, precisa dividir o mesmo cotidiano: o embate de idiossincrasias, as negociações afetivas e os jogos de dominação entre um homem e uma mulher cujo amor só encontra equilíbrio na doença. Não só um dos grandes filmes do ano, mas também um dos melhores de seu diretor.
Obra-prima de Bergman em que os silêncios vociferam, os sentimentos mais terríveis nunca são ao todo externados e as palavras mais cruéis ficam atravessadas na garganta – talvez o mais dilacerante e o meu preferido do diretor.
Rosemary parece temer menos o Diabo em si e mais a prisão em que ela invariavelmente é colocada ao estar atada aos papeis de mãe, esposa, dona de casa e submissa, tendo seu corpo e mente controlados pelos que estão a sua volta, intrusos que lhe dizem o que fazer, como agir, se portar, etc., tudo isso contextualizado em plena década de revolução sexual e feminista. Para uma mulher, creio, não deve haver horror maior – e mais real.
O que Carpenter faz aqui é coisa de gênio mesmo: cria um jogo de perspectivas perverso em que nossa visão inadvertidamente se confunde com o olhar do assassino nos tornando ao mesmo tempo vítimas e cúmplices dele. Revisto pela sei-lá-que-vez e a cada nova revisão fica sempre mais claro o porquê de esse filme representar tudo o que representa.
A Dama na Água
2.8 784 Assista AgoraSingelo voto de esperança para a humanidade para esses tempos que estão mudando, como ilustra a famosa canção de Bob Dylan tocada na subida dos créditos – a resposta de Shyamalan para as intempéries do mundo atual cada vez mais cínico vem na forma de um filme provocante justamente por sua proposta de descruzar os braços, acreditar no próximo e, assim, resgatar um senso de coletividade já meio perdido, em um discurso que, embora não seja bem articulado e certeiro no tom quanto seus trabalhos anteriores, toca por sua honestidade.
Conta Comigo
4.3 1,9K Assista AgoraUma viagem em busca de um tempo perdido, redescoberto através de velhas memórias que ganham vida em imagens, despertando um desejo sentimental e agridoce de regresso a um certo momento da vida onde tudo tinha outras cores, sabores e durações, pela via mais ligeira, ainda que complexa, a da identificação – não importa o quão velhos estejamos hoje, veremos sempre, aqui, o mundo pelos olhos curiosos e inocentes das crianças que fomos um dia. Desses filmes raros que, particularmente, não consigo explicar direito por outro meio, que não o do simples e puro afeto.
O Poderoso Chefão
4.7 2,9K Assista AgoraA sacralização da família – não apenas por laços de sangue, mas por reconhecimento, semelhança, afeto –, vista enquanto única instituição social verdadeiramente segura, através de um retrato romantizado e canonizador da organização criminosa em que esse senso de união é determinante pela maneira em que não apenas honra as tradições do lugar natal, mas as mantem preservadas entre os pares imigrantes na América, que tendiam a perder de vista as próprias raízes para o individualismo pouco acolhedor da terra do Tio Sam.
Garota Exemplar
4.2 5,0K Assista AgoraFaz todo o sentido o filme encarar sob uma ótica distorcida as instituições que inicialmente parecem sérias – a família, o casamento, a justiça – por perceber a comicidade do fingimento e se aproveitar, sem culpa, do potencial das mentiras usadas para sustentar uma relação, vender uma imagem, manobrar opiniões etc. É um material que, nas mãos de outro qualquer, poderia acabar com a gravidade genérica desses suspenses de Supercine, mas é trabalhado por Fincher através da farsa, que se desenrola em reviravoltas mirabolantes e é pontuada por decisões sacanas, que lembram o estilo usado pelo diretor, lá no final dos anos 90, com filmes tão descarados e divertidos quanto esse aqui.
Jogador Nº 1
3.9 1,4K Assista AgoraOs geeks pós-modernos e a velha guarda nerd reunidos em um churrasco pop organizado por um Spielberg tiozão, a fim de se enturmar com os primeiros e reafirmar os laços com os segundos, com direito a muito mas muito pastiche, (auto)referências e fan services, sem, é claro, deixar de dar seu sábio conselho moralista final, antes de encerrar a festa e mandar a galera para casa.
A Vila
3.3 1,6KTudo aqui é questão de ponto de vista, e como ele constrói e atribui sentido ao mundo ao redor de seus personagens – a cor que pode representar a violência ou o amor, a inocência que pode ser ignorância, a proteção que pode ser controle, a cegueira que, enfim, pode ser a verdadeira visão. Não por acaso é um filme que se renova dentro de si, a cada revisão feita, justamente por redimensionar expectativas previamente criadas, jogando sempre uma nova luz sobre a maneira de ver as coisas.
- Are you upset you can't see?
- I see the world, Lucius Hunt, not as you see it.
Os Inocentes
4.1 396O conto da mansão mal-assombrada pervertido por um tipo de horror paranoico que se dá menos pelas dúbias presenças sobrenaturais e mais pelas lacunas que formam a partir de acontecimentos imprecisos, ambíguos e mal explicados – há sempre uma neblina muito suspeita encobrindo as possíveis verdades por trás daquelas misteriosas circunstâncias, que, pasme, seriam mais assustadoras que qualquer fantasma.
Desobediência
3.7 721 Assista AgoraQuem diria que um filme chamado Desobediência seria ao final uma espécie de exaltação, consciente ou não, do ideal da ‘bela, recatada e do lar’ – ao invés de assumir os riscos que se poderia esperar, permanece sempre comportado, impotente, submisso. O desfecho só reafirma. Se eu tivesse percebido logo que o título poderia ser uma ironia das grandes, teria pelo menos ajustado as expectativas.
Chamas Que Não se Apagam
4.0 11Quando a rotina perde seu encanto e arriscar perdê-la parece a única maneira de lhe dar um novo sentido – a comodidade do lar que aprisiona o protagonista e que lhe oprime tanto no início é justamente aquilo de que ele sabe que mais sentirá falta, no fim das contas; e é isso o que justifica aquele desfecho tão apropriado (mesmo que, dizem, não tenha sido querido pelo diretor), ainda que inevitavelmente devastador.
Trama Fantasma
3.7 804 Assista AgoraO que há depois do ‘felizes para sempre’ de um conto de fadas (e do que depende essa resolução) pela perspectiva de um casal que, após o encanto da primeira vista, precisa dividir o mesmo cotidiano: o embate de idiossincrasias, as negociações afetivas e os jogos de dominação entre um homem e uma mulher cujo amor só encontra equilíbrio na doença. Não só um dos grandes filmes do ano, mas também um dos melhores de seu diretor.
Gritos e Sussurros
4.3 472Obra-prima de Bergman em que os silêncios vociferam, os sentimentos mais terríveis nunca são ao todo externados e as palavras mais cruéis ficam atravessadas na garganta – talvez o mais dilacerante e o meu preferido do diretor.
O Bebê de Rosemary
3.9 1,9K Assista AgoraRosemary parece temer menos o Diabo em si e mais a prisão em que ela invariavelmente é colocada ao estar atada aos papeis de mãe, esposa, dona de casa e submissa, tendo seu corpo e mente controlados pelos que estão a sua volta, intrusos que lhe dizem o que fazer, como agir, se portar, etc., tudo isso contextualizado em plena década de revolução sexual e feminista. Para uma mulher, creio, não deve haver horror maior – e mais real.
Halloween: A Noite do Terror
3.7 1,2K Assista AgoraO que Carpenter faz aqui é coisa de gênio mesmo: cria um jogo de perspectivas perverso em que nossa visão inadvertidamente se confunde com o olhar do assassino nos tornando ao mesmo tempo vítimas e cúmplices dele. Revisto pela sei-lá-que-vez e a cada nova revisão fica sempre mais claro o porquê de esse filme representar tudo o que representa.