Um dos defeitos desta série australiana protagonizada por Anna Torv (de "Fringe" e "Mindhunter"), e cuja segunda temporada já está em pré-produção, é o resultado do processo de adaptação, que mesclou dois livros escritos por Chris Uhlmann e Steve Lewis em uma trama só. Múltiplos personagens com agendas próprias e subtramas paralelas para o que der e vier, a maior parte mal resolvida, avolumam em um todo confuso, atropelado e atrapalhado, que permanece se alimentando de traições e de revelações até restarem 10 minutos para o término da temporada.
Se a cada episódio a trama embaralha-se mais, ela não deixa de ser envolvente por esta razão, talvez porque desafie o espectador a permanecer atento às alianças e a quem está manipulando quem, ou mesmo por ser contemporânea, impondo a cessão de liberdades individuais (a privacidade, p. ex.) em troca de monitoramento frequente por parte do governo. Dá gosto ainda viajar à Austrália e desvendar que, mesmo sem oferecer aos políticos os luxos hedonistas de nossa democracia (observe o design de produção do gabinete do primeiro ministro), a politicagem segue sendo corrosiva, e a imprensa mero instrumento dos poderosos.
Também é gostoso reencontrar Anna Torv, atriz competente que admiro, e Jackie Weaver, interpretando da maneira que faz melhor, em uma narrativa com causas e consequências concretas, em que ninguém parece estar seguro. O caldo misturado pode não descer suave quanto deveria, mas há o que ser aproveitado deste thriller.
Esqueça as comparações com o mundo nerd de "Jogador Nº 1", pois nesta adaptação do livro young adult escrito por Lottie Moggach o ambiente virtual é visto como a forma de escapismo de juventudes traumatizadas e perdidas: a protagonista, que acabara de auxiliar a eutanásia da mãe; Tess, viciada em drogas; sem esquecer de mencionar os lares destruídos, o flerte com o suicídio etc. São tantos temas FORTES que é difícil eu recomendar esta série sem alertar para o sem número de gatilhos que ela possui. E é bom que estes sejam discutidos, ainda mais usando uma linguagem mais acessível à juventude.
A questão é que a narrativa é mal costurada: certos episódios parecem esquecer de se comunicar com o antecessor, que acaba com um gancho não respondido no próximo. E isto afeta o desenvolvimento dos personagens, e basta pegar Tess como exemplo para não saber mais bulhufas sobre o estado emocional dela de um episódio para o outro ou quem está se relacionando com quem, sexual ou romanticamente, em certo instante. A própria forma como os personagens abandonam seus avatares e despontam no mundo real já prejudica a narrativa em tentar alcançar seus objetivos.
Com todos esses defeitos, sua premissa, que não é somente interessante do ponto de vista da ficção-científica, mas de tudo aquilo que esta permite narrar, é razão bastante para encarar os dramas retratados. Ainda mais quando protagonizados por uma atriz segura como Tallulah Rose Haddon.
Dentre as séries francesas que estão à disposição na Netflix e que já assisti (A Louva-a-Deus e Glace), esta é a melhor. Sua atmosfera é densa como a da floresta onde se deu o desaparecimento de uma adolescente, seus personagens guardam segredos no fundo de um baú escondido em um armário mofado, mal-iluminado e seu desenvolvimento, se não é o mais desafiador, ao menos não incita que façamos reanálises em retrospecto ou procurar pontos de falha.
Nem mesmo o amadorismo da força policial pode ser oposto como defeito do roteiro, já que estamos falando de uma cidade pequena no norte francês, que mal sabe como lidar com um crime dessa magnitude. Ok, em momentos achei que surgiam policial onde não havia nenhum antes, mas ignoremos. Tudo flui bem para o tipo de thriller investigativo, e existe também certo envolvimento do espectador com os dramas dos personagens, em especial da detetive Virgine ou da professora Eve.
Meu maior inconveniente com a série é que sua abordagem nos afasta, completamente, do centro da investigação, oferecendo pistas falsas que sabemos serem desde o início e nenhuma outra dica na narrativa para que antecipemos os eventos que irão suceder. É como se fôssemos meros espectadores, quando narrativas como esta se beneficiam ao permitir que seu público brinque de detetive, formule teorias, imagine o criminosos e se surpreenda ao descobrir que estava errado etc. Faltou isto para ser mais do que a boa diversão que é.
Nem toda comédia deve provocar risos para funcionar, e a terceira produção brasileira sabe que a característica distinta do gênero é enxergar a realidade mediante as lentes bem-humoradas do absurdo, do humor negro ou da sátira. E é o caso de "Samantha!", que pretende discutir o universo da fama usando como mola narrativa uma ex-estrela infantil pentelha a ponto de esconder a perna de Roberto Carlos, por exemplo.
Mas sátiras precisam encontrar o elemento humano para que funcionem bem; isto está em falta nesta produção. Emanuelle Araújo dá seu melhor para transformar Samanthá! (risos) em uma mulher forte e que está disposta a tudo para retornar à fama (os meios tomados passam pelo culto à subcelebridade), apesar de faltar seu elemento redentor, que retribua o investimento do espectador. Seus filhos poderiam ser a opção, embora sirvam apenas aos fins cômicos da narrativa; Dodói não chega a tanto, já que ninguém compra o relacionamento dos dois; Cigarrinho idem, pois o personagem dá adeus de modo precoce.
Ser bem realizada, tecnicamente, não é sinônimo da trama ser envolvente, interessante ou divertida porque falta verossimilhança no roteiro: todas as situação são construídas de modo muitíssimo apressado e resolvidas igualmente. As participações especiais não chegam a empolgar. Enfim, decepcionante, com ressalva a Emanuelle.
A continuação desta história inspirada em fatos reais amadureceu em comparação com a divertida e eficiente temporada passada. Ela está mais consciente de sua importância, discutindo temas caros desde sempre, embora somente recentemente combatidos pelo que são: assédio sexual por parte dos figurões da indústria, o machismo de quem detém poder de decisão e mesmo aquele absorvido como normal pelas próprias mulheres.
Ciente de todo esse contexto, a narrativa dá seu melhor: suas personagens estão bem melhores construídas em torno de seus dramas de vida (ainda que haja mais espaço e oportunidades para mais), enquanto o Sam Sylvia de Marc Maron se converte em uma bússola masculina, que retrata, com honestidade, a mudança de comportamento dos (bons) homens após enxergarem, com clareza, tudo por que passam as mulheres em sua luta por direitos iguais e contra a humilhação orquestrada pelo sexo oposto.
As lutas também estão melhor resolvidas e o gostinho de época adoça, agradavelmente, toda a atmosfera, com destaque ao episódio contado como se fôssemos espectadores do programa. Uma melhora considerável em uma temporada imperdível.
Com apenas 4 episódios, esta série documental retrata um caso bizarro e embaralhado que a ficção jamais conseguiria reproduzir com as mesmas nuances, e o faz de maneira bem estruturada, com faro investigativo, revelando, com parcimônia, suas informações ao público, e apresentando uma personagem fascinante, Marjorie Diehl.
É verdade que certas informações poderiam ser exibidas com maior clareza - algo que só ocorre no primeiro episódio -, e quando começam a se acumular mais personagens, motivações e conexões, a sensação é a de que ou perdemos o fio da meda ou, pior, de que a narrativa forçou a barra por inaptidão em fazê-lo mais cinematograficamente. Sim, pode ser culpa de não ser um crime cheio de provas materiais a lá C. S. I. (como afirma um agente FBI), mas isto não deveria ser desculpa.
De todo modo, devorei compulsivamente. Cada episódio sabe a importância de encerrar com um gancho irresistível ao final, a fim de atiçar o espectador enquanto desvenda, ou tenta fazer, um caso que certamente te levará a recorrer ao Google para conhecer mais aspectos sobre como nossos roteiristas ainda têm muito a aprender com o mundo real.
Existem milhares de formas que os irmãos-diretores Naudet poderiam narrar o terror derramado sobre Paris em 13 de novembro de 2015, mas eles preferiram fazê-lo por meio de depoimentos dos policiais, do Presidente da França naquele período e dos sobreviventes. E são estes últimos que transformam a câmera em um confessionário, onde podem exorcizar tudo por que passaram na trágica noite, enquanto confiam na empatia e inteligência do espectador para absorver seus relatos complementares e montar um quebra-cabeças que contrapõe a covardia dos terroristas e a coragem dos franceses.
Essa abordagem de cabeças-falantes pode parecer maçante, embora seja bem sucedida em retratar o atentado com humanidade, deixando para as filmagens amadoras de smartphones e os recursos de reconstituição de cena empregados pelo documentário a tarefa de demarcar os momentos mais intensos. Podemos imaginar o terror, preencher as lacunas com nosso conhecimento de mundo, porém somente com os depoimentos é que podemos sentir com o coração e oferecer o consolo, a distância, a todas as vítimas.
Com elementos sobrenaturais e ocultismo, esta minissérie inglesa em 6 episódios pode ser devorada rapidamente por quem aprecia aqueles mistérios escondidos no fundo do baú, desenterrado, pouco a pouco, por uma protagonista que ignora que sua teimosia é o que a impede de enxergar o perigo ao seu redor.
A trama não tem nada de ineditismo: sua parcela de traições e revelações, facilmente antevistas por quem já conhece as malandragens do gênero, bem como os arquétipos dos coadjuvantes. O diferencial é o apelo a ferramentas do terror, embora com timidez (vozes, aparições breves etc), que apenas começa a ser deixada para trás já no último episódio.
Mas no que tem de competente em fotografia e ambientação, a narrativa desaponta por causa da busca da protagonista. A verdade é que Matilda sequer sabe o que procura, e mal degusta as (muitas) descobertas que faz (como a identidade do homem na floresta, p. ex.); isto sem esquecer tramas paralelas subdesenvolvidas e personagens por quem não nos interessamos. O resultado é morno, mas pode satisfazer quem aprecia thrillers.
A fórmula da Marvel de fazer séries continua a deixar terra arrasada no seu caminho, já que ao longo de cansativos 13 episódios, alguns acima de 1 hora, a solução é insistir na repetição (Bushmaster tem a mesma conversa com o tio ao menos 5 vezes), introduzir cenas banais, como a vigésima em que os bandidos atiram em Luke Cage apenas para que este adquirir um novo moletom, e propor uma história em que personagens mudam de lado a todo momento (vide Tilda).
Mas ainda sem cortar os excessos (ou episódios inteiros que não vão a lugar nenhum), a segunda temporada é mais consistente do que a passada, porque retrata o percurso de Luke em direção à metafórica coroa do Harlem e o que isto demanda dele. Melhora porque o antagonista Bushmaster esta à altura do protagonista, inclusive em se falando de sua motivação, ao passo que a mudança progressiva e irreversível de Mariah Dillard (ou melhor, Stokes) resulta em uma tragédia ao estilo Shakespeare, de bem encenada que é.
Os coadjuvantes estão muito bem, sobretudo Misty Knight, ao passo que a trilha sonora é irrepreensível, introduzida como um adendo à narrativa, com o objetivo de enaltecer a cultura musical negra e, ao mesmo tempo, de fortalecer mais a narrativa. Sem a gordura da Marvel, enxuta em 8 episódios, seria uma seriezaça. Do jeito que está, por mais que admire a coerência dramática do episódio final e esteja afim para a próxima temporada, o senso crítico ainda fala mais algo. E se a Marvel não mudará seu estilo de contar suas histórias, que ao menos pense em roteiros que se deem bem em 13 episódios.
Se você for familiarizado com a literatura policialesca do escritor Harlan Coben e, claro, apreciá-la, ficará satisfeito com este seu trabalho inédito: nele encontrará toda sorte de personagens típicos do autor, que fogem do maniqueísmo de mocinhos ou bandidos, e percorrem a linha tênue da moralidade, ética e responsabilidade, assim como mistérios em forma de cebola (não riam), que expõem camadas adicionais à medida que a anterior é retirada.
A questão é que a solução do desaparecimento de Jenny, filha do cirurgião interpretado por Michael C. Hall (o eterno Dexter), é muito pretensiosa, às vezes, flertando o ridículo. Certos comportamentos dos personagens nascem da semente do novelesco, antes de frutificarem no melodramático, extrapolando o bom senso e introduzindo um número de reviravoltas excessivas, na forma de ganchos ao término de cada episódio que parecem esquecidos nos episódios subsequentes. As performances aquém à média também não colaboram com a trama que acredita ser mais do que é.
Além disso, o tema central - a responsabilidade paterna e a culpabilização destes (a geração passada) por parte dos próprios filhos (a nova geração) - é mal abordado na narrativa, que não sabe bem em que ponto do julgamento se posiciona. Embora certa turvação seja bem-vinda, pois revela que não há gabarito imediato para as perguntas efetuadas, a narrativa não sabe a melhor forma de evidenciar isto ao espectador. Só sabe, muito bem, criar uma montanha-russa que exige o binge-watching, em episódios curtos e misteriosos.
A melhor forma de celebrar e homenagear os fãs de uma série, que teve vida mais curta do que merecia e só ganhou desfecho por causa da mobilização daqueles, não consiste em inserir todas as referências e personagens possíveis e imagináveis, e sim fazer com que o adeus esteja na embalagem de uma grande narrativa.
Esse episódio final é tudo menos isso, justamente porque está só preocupado em reunir todo mundo (mesmo que às vezes certos encontros não façam o menor sentido ou nem estão bem explicados) em uma jornada contra o tempo que não entende o significado de causa e consequência, além de continuar acrescentando mitologia à série (p. ex.: a Lacuna) mesmo sabendo que o pouco tempo que tem mal dá conta de concluir as subtramas construídas em duas temporadas. Parte da decepção está em assistir a personagens lutando pela sobrevivência e, ainda assim, fazendo piadas fora de contexto. A outra parte ao descobrir que Lana Wachowski (sem o auxílio da irmã Lilly) não tem criatividade nos set-pieces senão para trocas de tiros (daqueles inverossímeis, em que nenhum tiro disparado pelos vilões acerta o alvo) ou um disparo de bazuca que resolve tudo. Os diálogos também são ruins.
O que sobra é a memória afetiva do cluster de que a maioria gostaria de participar - isto pode embaçar o senso crítico - e os 10 minutos finais incapazes de reparar os restantes 140 minutos. Reconheço que a produção deve ter tido sérias restrições de orçamento e tempo, e a dificuldade de resolver tudo em um episódio único quando o planejamento envolvia mais temporadas. Sense8 merecia não apenas um desfecho, mas um melhor.
As discussões raciais propostas na primeira temporada tomam uma guinada diferente, com a presença, nas sombras, da Extrema Direita norte-americana, do noticiários fake news, dos trolls de redes sociais e de tudo mais que envolveu o período pós-eleição de Donald Trump. É uma obra mais madura e consciente da importância social do debate, apesar de ter perdido um quê de improviso e impulsividade da temporada passada, que surpreendia a cada nova história.
Os personagens permanecem sendo alguns dos mais interessantes da televisão, com suas personalidades imperfeitas e, por esta razão, humanas. Há espaço maior para a intimidade, com episódios que, apesar de sempre serem marcados por discussões de cunho racial, usam-nas como pano de fundo para aspectos pessoais (do romântico ao profissional). Máscaras são removidas e descobrimos quem está debaixo delas, e isto até injeta mistério na descoberta da identidade do personagem AltIvyW, que escondido debaixo do manto do anonimato, ataca sem dó nem piedade (como muitos fazem por essas redes sociais, né?).
Além disso, existe um quê de metalinguagem por esta temporada reapresentar Tessa Thompson (que interpretava a Sam na versão cinematográfica), posicionando-a numa posição diferente da que esperávamos encontrá-la. E é gratificante atingirmos o fim de cada episódio sendo praticamente impelidos a refletir acerca da nossa participação no racismo sistêmico da sociedade.
Capitalizar sobre o sucesso não deveria ser o motivo central para o criador Brian Yorkey revisitar a tragédia da Liberty High School deste modo decepcionante. Tampouco seria a preguiça do público em não preencher as pontas soltas deixadas anteriormente (qual a dificuldade ponderar o destino de Bryce e o que aconteceu com Alex dentro do universo das ideias, como ocorre com os livros? Por que essa ânsia por respostas mastigadas e insatisfatórias?).
Assim, mesmo que toque em assuntos mais sensíveis do que antes (o suicídio como consequência do bullying, como também a conivência das instituições ante os abusos físicos e sexuais sofridos pelos seus, sobretudo por mulheres, dentro do contexto do movimento #MeToo, e a crítica ao armamentismo da sociedade norte-americana), com a cabeça no lugar certo, é bom reconhecer, a temporada faz isto de modo desastrado e desfocado em uma tentativa de ser relevante repetindo mantras e reencenando conflitos que transbordam ao criminal.
Para isto, vai e volta no tempo, enfraquecendo os porquês que levaram Hannah ao suicídio (já que insere novos eventos a bel prazer, mesmo que a releitura não faça sentido) em uma estrutura desgastante de drama de tribunal que não obedece as regras jurídicas mais elementares: como a ordem de testemunhas (primeiro, as de acusação; depois, de defesa) e das perguntas ou até o que se está julgando, se a negligência escolar ou os estupros cometidos na Clubhouse. Mas nada pior do que ressuscitar Hannah Baker como alucinação / fantasma encosto de Clay ou então o subdesenvolvimento dos personagens em absurdas 13 horas. Que mais parecem a eternidade.
Seria impossível mensurar a importância de David Letterman em um texto curto, mas ao menos vale afirmar que ele, ao lado do mentor Johnny Carson, revolucionou a televisão mundial com programas de entrevistas que mesclavam informação e conhecimento com o timing cômico de seus apresentadores.
Este programa em seis partes (ou sete, se contar o especial com Jerry Seinfeld) retira o comediante / entrevistador da aposentadoria para entrevistar pessoas que admira. Só a lista já seria o bastante para entretê-lo: Barack Obama, George Clooney, Malala, Jay Z, Tina Fey e Howard Stern. E, mesmo que as entrevistas não sejam as mais reveladoras e ambiciosas (Letterman já foi mais incisivo), ainda sim são conversas agradáveis bem conduzidas e equilibradas por Letterman. O bate-papo, em várias ocasiões, ultrapassam os limites do teatro onde foram filmadas.
Mas o mais bacana é como a seleção de convidados também fala muito sobre o liberal democrata David Letterman, trazendo aspectos e porções da própria vida debaixo dos holofotes. O reencontro com esse mito da televisão é gostoso, especialmente ao lado de igualmente lendas da política, cinema, música, televisão e sociedade.
Brian Taylor, diretor de "Adrenalina", comanda esta série baseada nas histórias em quadrinhos de Grant Morrison, e o resultado é caótico no melhor sentido: o cenário corrosivo e imoral relacionando amigos imaginários, o Natal, a máfia italiana, o tráfico infantil e até mesmo zumbis (?!) é construído a partir da violência extrema, do humor politicamente incorreto e de comentários ácidos da cultura pop (p. ex.: os reality shows, os animadores infantis etc). Tudo isto em torno de um personagem central muitíssimo bem trabalhado por Christopher Meloni.
Ele carrega consigo a aura típica do anti-herói auto-destrutivo, resmungão, desbocado, sem pudor, nem vergonha misturado com um quê do detetive clássico do cinema noir e aquela micro fagulha de redenção que o humaniza, enquanto o unicórnio azul voador, Happy, age como o ponto de vista do espectador, cuja inocência é maculada por aquele mundo desumanamente cruel que serve de reflexo da realidade. Nisto, as extrapolações e ilogicidades da narrativas são seu trunfo, já que conferem certo ar cartunesco, embora mantendo a visceralidade da trama.
Os 8 episódios são curtos (40 minutos aproximadamente), passam voando como Happy e misturam uma dúzia de personagens em um redemoinho que agigante em violência e imprevisibilidade. E Meloni, eis um daqueles personagens que aprenderemos a amar odiando durante bastante tempo.
O que a temporada passada tinha de despretensiosa, esta tem de ambiciosa. Para quem aprendeu a apreciar o debate bem humorado e adulto a respeito do cotidiano, inovações tecnológicas, relacionamentos, preconceito etc do ponto de vista de Aziz Ansari, Eric Wareheim, Lena Waithe e outros, será recompensado na mesma medida como ocorreu anteriormente.
Agora, se você procura uma experiência ainda mais desafiadora, a série retribui com episódios amadurecidos e inesquecíveis. O primeiro, flerta com o neorrealismo italiano, até mesmo no preto e branco do típico cinema de rua e na proposta minimalista, e não simplória; o quarto episódio é uma aula de montagem, misturando encontros amorosos dentro de ambientes repetidos, ajudando no estabelecimento de Dev como um alguém rotineiro e sistemático; já o sexto, em linhas gerais, é tudo aquilo que "Nova Iorque, Eu Te Amo" tentou ser, mas não conseguiu completamente.
O que nos leva aos melhores episódios da temporada, o nono e o décimo: aquele, com cerca de 1 hora, é uma das melhores comédias românticas a que assisti recentemente, debatendo com franqueza o relacionamento Dev e Francesca, enquanto o último não se furta do dever de tocar em uma ferida aberta na indústria (o assédio sexual), fazendo-o de forma breve, mas honesta e, no processo, encerra o arco romântico do episódio passado e dá a deixa para a terceira temporada.
Debater racismo pode parecer simples (afinal, basta respeitar o próximo!), mas não é bem assim, sobretudo quando o preconceito já está enraizado e institucionalizado no meio social, e quando as ideias surgem dentro do contexto acadêmico efervescente e inflamado. Isso porque jovens adultos são verdadeiras fontes de energia, ávidas para serem canalizadas na direção de uma causa social por que vale realmente a pena levantar a bandeira, e, nesta condição, também são propensos a medidas radicais e típicas da idade.
Assim, essa série inspirada no filme homônimo cuida, desde o primeiro momento, de expor o elefante no meio da sala e discutir racismo a partir de exemplos extraídos da sociedade e adaptados ao meio acadêmico. Entram em cena a militância, os negros tidos como se fossem brancos, o branco empático e demais personagens muito bem construídos por um roteiro que privilegia e procura individualizá-los por capítulos em meio à questão central: o tratamento da minoria pela universidade, um microcosmos representativo da nossa sociedade racista, embora teime em não se enxergar como tal.
Majoritariamente dirigida por homens e mulheres negros (o vencedor do Oscar Barry Jenkins, por "Moonlight", comanda seu episódio mais intenso e devastador), a série é dramática por natureza, com os personagens amadurecendo e dançando no ritmo do debate, e honesta, sem a vitimização desmedida nem proselitismo, mas com um claro enfoque no comportamento sorrateiro de forças, às vezes invisíveis, que promovem a segregação social que deveríamos combater com todas nossas forças.
Não estranhe se você concluir esta minissérie documental com sentimentos misturados. Em uma história tão complexa quanto esta narrada, não existem verdades absolutas ou a iluminação, somente um conjunto de peças bem montadas pelos diretores Chapman e Maclain Way sobre um caso emblemático que possibilita um sem número de discussões.
Naturalmente, a forma como Bhagwan chega aos Estados Unidos e toma uma cidade para si, subvertendo seus costumes e tradições e empregando a democracia em seu favor, revolta os habitantes, reféns, como eles próprios afirmam, no mesmo lugar onde antes chamavam de lar. Ao mesmo tempo, a narrativa escancara, com certa facilidade, a hipócrita terra da liberdade como os norte-americanos gostam de ser conhecidos, já que livre é só aquele que professa a mesma religião e tem hábitos iguais ou similares aos de sua comunidade. Não demora para os seguidores de Bhagwan serem acusados de satanismo (como se isto fosse um xingamento para quem não crê em Deus) pelos membros de uma religião que costumava ser perseguida da mesma forma como tende a perseguir outros.
Mas também os Rajneeshees tinham teto de vidro, e a narrativa retrata, com acurácia e dúvida razoável para deixar o espectador refletindo, crimes periclitantes, como tentativa de assassinato e envenenamento da municipalidade; sem contar que as táticas usadas por Sheela para obter o que desejava eram, apesar de legais, anti-éticas e até imorais. Resta a certeza de que é bom conversar a espiritualidade íntegra (seja qual for a sua), mas ter discernimento acerca da religião organizada. E curtir uma história boa demais que tem que ser verdade.
É, em muitos aspectos, similar a "The Sinner", especialmente na forma com que obriga a protagonista a revisitar as memórias para descobrir a solução de um crime. Mas, este thriller belga com elementos de terror viaja no tempo sem a convicção de que o público é inteligente o bastante para preencher lacunas e a astúcia para compreender quando acelerar ou diminuir o ritmo e modificar o tom da narrativa.
A verdade é que tudo é tão bagunçado quanto o mistério central: muitos personagens, que a todo momento mudam o comportamento convenientemente; muitas reviravoltas, das mais absurdas e inverossímeis (tipo, a última) e apenas com a intenção de atear álcool no fogaréu; e muitas oportunidades perdidas em construir uma série relevante e verdadeiramente tensa, ainda que ela vá bem quando namora o terror psicológico.
Reconheço que o público, naturalmente, permanecerá vidrado para saber sobre o novo desdobramento, ainda que ele não venha a fazer tanto sentido assim, e ficará delirando ao longo dos 9 episódios para saber a solução do mistério, especialmente com ganchos inseridos oportunamente para por tudo sob uma perspectiva diferente. Mas aí, chega o novo episódio e modifica tudo, não a bem da narrativa, mas do sensacionalismo barato, com um desfecho para lá de inconstante e novelesco.
Era de se esperar que uma das características dessa série documental fosse a irregularidade, já que cada episódio retrata um artista distinto, com percepções diferentes. Não que fugisse do tema, o diálogo do hip hop com a sociedade e a influência mútua de ambos os lados, nem que fosse superficial.
É verdade que há episódios que atingem o objetivo na mosca, como aqueles sobre Logic e T. I., e outros bons o bastante para que ignoremos suas falhas, é o caso de Rapsody e Nas e David East. Entretanto, todos os demais pecam por uma ausência preocupante de foco: note que o episódio do Just Blaze, depois de consolidar seu início de carreira e as razões de seu sucesso, recorre a visitas a outros produtores musicais. Mas o que poderia enriquecer a narrativa com pontos de vista e métodos diversos do biografado, acaba por enfraquecer já que ninguém tem tempo suficiente para pontuar como enxerga a cena musical do hip hop. Isto sem contar os episódios de G-Eazy e A Boogie wit da Hoodie, artistas que descobrimos ser antipáticos em um curto espaço de tempo: o último acha engraçado eletrocutar seu guarda-costas, por exemplo.
Recomendado para quem for fã dos profissionais retratados e do gênero musical, que admiro bastante por combinar poesia em versos ágeis e furiosos e absorção de imensa quantidade de informações (tanto do eu, quanto da sociedade).
Poderia definir este thriller antes do advento do século XX como uma combinação de "Mindhunter" e "Do Inferno", substituindo a Londres deste por uma Nova Iorque, suja, imunda, marginal, longe de ser o império sobre que profetiza J. P. Morgan em certo instante. Assim, se você gosta de investigações policiais sobre a psicologia de serial killers e tem estômago para encarar sua obra animalesca, esta série é para você.
Os personagens centrais, todos párias daquela sociedade de castas (um deficiente físico, um alcoólatra em recuperação, uma mulher solteira e dois judeus), são bem estabelecidos e trabalhados pelo roteiro, especialmente Sara, em mais uma atuação digna de nota de Dakota Fanning (o mero ato de enquadrá-la em close encarando o interlocutor retrata a torrente de emoções que ela aprendeu a engolir para preservar sua dignidade entre o machismo da polícia). Curiosamente, o contraponto razão e emoção feito por Brühl e Evans, com Sara intermediando-os, lembrou-me da trinca clássica de Kirk, Spock e McCoy da formatação original de Star Trek.
Divagações de lado, como série investigativa, esta funciona bastante por tropeçar em pistas falsas e cair em becos sem saída, polvilhar distrações e decepções no público, estimulando-o a continuar assistindo a fim de alcançar a explicação para crimes tão bárbaros, além de contar com discussões sociais sobre a corrupção na polícia (com personagens que aprendemos a odiar com força). Tudo bem feito, em particular a reconstrução de época, através do misto de design de produção e figurinos bem elaborados com efeitos especiais próprios aos planos mais abertos. A conclusão pode frustrar, por ser mais apressada do que deveria e também ao recusar respostas fáceis ao Dr. Kreizler, embora seja justamente isto seu ápice. E, não se desespere, a série de livros escrita por Caleb Carr já conta com dois outros livros (que poderão ser adaptados) e outros em produção.
Narrativamente fascinante de tal modo que provoca repulsa, asco e incômodo em testemunhar toda sorte de abuso (sexual, físico, psicológico) que sofrem não só as criadas como Offred, mas todas as mulheres e, por que não, todos os homens que teimam em apoiá-las e desafiar o sistema teocrático misógino que se instaura nos Estados Unidos. E se você, dono daquelas miopias contemporâneas, acha assustador o islamismo extremista, o que dirá do cristianismo da série, que, por exemplo, legaliza estupros frequentes e apedrejamentos apenas cumprindo fielmente a Palavra de Deus.
É para ter medo, de verdade, de qualquer regime fundamentalista religioso, não importa a denominação, pois todos se alimentam da corrupção do homem (gênero, sobretudo) e da insistência em subjugar as mulheres a seus desígnios. Neste sentido, a série traz um elenco feminino admirável, desde Elisabeth Moss, Alexis Bledel e Madeline Brewer a Yvonne Strahovski, que interpreta a mais complexa das personagens, já que sua Mrs. Waterford é tão vítima do sistema que ajudou a criar quanto algoz, sendo capaz de alternar entre instantes de pura maldade e egoísmo e outros que provocam pena pela situação em que ela se encontra.
Além disto, a distopia baseada na obra de Margaret Atwood (dá também ótima "Alias Grace") é dirigida com um olhar peculiar dirigido a enquadramentos desconfortáveis, que imergem o espectador naquele mundo, enquanto a fotografia é de cair o queixo (repare as frequentes vezes em que a luz do sol invade, por entre persianas, o interior da mansão dos Waterford, e como ele teima em conferir alento em uma situação desesperadora). É um soco no estômago, construído com esmero e perfeccionismo e, sobretudo, uma preocupação latente com o mundo cada vez mais insano em que estamos vivendo.
Perdi as contas de quantas vezes assisti a (excepcionais) documentários que enfatizam o lado mais truculento e violento da polícia norte-americana e o desrespeito aos direitos humanos e à população afro-americana, em geral. Assim, é bem-vindo o retrato tirado a partir do ponto de vista do departamento policial de Flint, cidade miserável, há décadas presente no topo do ranking de maiores índices de criminalidade nos Estados Unidos e que ainda amarga uma crise hídrica sem precedentes, tudo isto durante ano eleitoral e de mudanças de pensamento e tomadas de ação no órgão.
Menos procedimental do que imaginaríamos a princípio, a minissérie documental busca humanizar a força policial, enaltecendo o trabalho diário mesmo ante a precariedade de condições de trabalho (viaturas antigas e reduzidas, piso salarial baixíssimo etc). Porém, isto não impede os documentaristas de retratar a opinião da comunidade e revelar que nem sempre boa vontade basta para prestar um serviço público digno. Os relatos, bem ao estilo confessionário, são porções relevantes para compreender as frustrações e os anseios, e o esforço coletivo necessário para tirar Flint do buraco em que se encontra.
Há lacunas em aberto (ex: no que resultou a venda de armas antigas apreendidas pela polícia?), mas o panorama apresentado revela personagens contraditórios e complexos (como Robert Frost, de quem sentimos pena por não ter a oportunidade de gozar férias ou sequer viajado de avião) e uma cidade a mercê da política e de maus gestores. É um cenário melancólica e brutalmente real e imperdível.
Uma reimaginação do seriado sessentista (um dos primeiros que assisti na vida) em vez de uma refilmagem, a saga da família Robinson ganha efeitos especiais mais modernos, diversidade no elenco e história e dramas melhor explorados (frequentemente, por meio de flashbacks) e preserva a âncora emocional no relacionamento entre seus membros, em especial Will com o Robô, sendo o expressivo e convincente garotinho Max Jenkins o grande achado dessa série.
Infelizmente, a série satisfez-se com soluções convenientes a problemas complexos e a questões de vida e morte, e se isto poderia parecer natural e inocente na década de 60, agora é apenas a prova de seu desenvolvimento atrapalhado e apressado. Repare que a maioria das questões é resolvida com um misto de fé e física que sempre dá certo, ou com a chegada, no momento derradeiro, de um personagem que vem para salvar o dia (o deus ex machina do teatro grego, papel atribuído com regularidade ao Robô, apesar de não somente a ele) ou mesmo fora do campo de tão absurda que é a saída (ou seja, não mostrado ao espectador). Até a abordagem acessível a toda família tem regras que precisam ser respeitadas de tempos em tempos; as desta primeira temporada parecem frouxas. Isso sem contar os personagens descartáveis e romances tolinhos, típicos fillers sem finalidade alguma.
Ainda assim, há o que ser resgatado e aproveitado: gosto de detestar a versão da Dra. Smith de Parker Posey, sobretudo por causa da contraditoriedade entre seu instinto de sobrevivência e o desejo (aparentemente legítimo) de não desejar machucar ninguém (apesar de vir a fazê-lo), assim como da dinâmica e relacionamento dos Robinson, que, juntos, combinadas as qualidades que os definem (inteligência, força, determinação, senso de humor e inocência), podem superar todos os obstáculos. Quem sabe até conquistar um novo séquito de fãs.
Secret City (1ª Temporada)
3.6 19 Assista AgoraUm dos defeitos desta série australiana protagonizada por Anna Torv (de "Fringe" e "Mindhunter"), e cuja segunda temporada já está em pré-produção, é o resultado do processo de adaptação, que mesclou dois livros escritos por Chris Uhlmann e Steve Lewis em uma trama só. Múltiplos personagens com agendas próprias e subtramas paralelas para o que der e vier, a maior parte mal resolvida, avolumam em um todo confuso, atropelado e atrapalhado, que permanece se alimentando de traições e de revelações até restarem 10 minutos para o término da temporada.
Se a cada episódio a trama embaralha-se mais, ela não deixa de ser envolvente por esta razão, talvez porque desafie o espectador a permanecer atento às alianças e a quem está manipulando quem, ou mesmo por ser contemporânea, impondo a cessão de liberdades individuais (a privacidade, p. ex.) em troca de monitoramento frequente por parte do governo. Dá gosto ainda viajar à Austrália e desvendar que, mesmo sem oferecer aos políticos os luxos hedonistas de nossa democracia (observe o design de produção do gabinete do primeiro ministro), a politicagem segue sendo corrosiva, e a imprensa mero instrumento dos poderosos.
Também é gostoso reencontrar Anna Torv, atriz competente que admiro, e Jackie Weaver, interpretando da maneira que faz melhor, em uma narrativa com causas e consequências concretas, em que ninguém parece estar seguro. O caldo misturado pode não descer suave quanto deveria, mas há o que ser aproveitado deste thriller.
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Kiss Me First
3.2 60 Assista AgoraEsqueça as comparações com o mundo nerd de "Jogador Nº 1", pois nesta adaptação do livro young adult escrito por Lottie Moggach o ambiente virtual é visto como a forma de escapismo de juventudes traumatizadas e perdidas: a protagonista, que acabara de auxiliar a eutanásia da mãe; Tess, viciada em drogas; sem esquecer de mencionar os lares destruídos, o flerte com o suicídio etc. São tantos temas FORTES que é difícil eu recomendar esta série sem alertar para o sem número de gatilhos que ela possui. E é bom que estes sejam discutidos, ainda mais usando uma linguagem mais acessível à juventude.
A questão é que a narrativa é mal costurada: certos episódios parecem esquecer de se comunicar com o antecessor, que acaba com um gancho não respondido no próximo. E isto afeta o desenvolvimento dos personagens, e basta pegar Tess como exemplo para não saber mais bulhufas sobre o estado emocional dela de um episódio para o outro ou quem está se relacionando com quem, sexual ou romanticamente, em certo instante. A própria forma como os personagens abandonam seus avatares e despontam no mundo real já prejudica a narrativa em tentar alcançar seus objetivos.
Com todos esses defeitos, sua premissa, que não é somente interessante do ponto de vista da ficção-científica, mas de tudo aquilo que esta permite narrar, é razão bastante para encarar os dramas retratados. Ainda mais quando protagonizados por uma atriz segura como Tallulah Rose Haddon.
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O Bosque (1ª Temporada)
3.6 182 Assista AgoraDentre as séries francesas que estão à disposição na Netflix e que já assisti (A Louva-a-Deus e Glace), esta é a melhor. Sua atmosfera é densa como a da floresta onde se deu o desaparecimento de uma adolescente, seus personagens guardam segredos no fundo de um baú escondido em um armário mofado, mal-iluminado e seu desenvolvimento, se não é o mais desafiador, ao menos não incita que façamos reanálises em retrospecto ou procurar pontos de falha.
Nem mesmo o amadorismo da força policial pode ser oposto como defeito do roteiro, já que estamos falando de uma cidade pequena no norte francês, que mal sabe como lidar com um crime dessa magnitude. Ok, em momentos achei que surgiam policial onde não havia nenhum antes, mas ignoremos. Tudo flui bem para o tipo de thriller investigativo, e existe também certo envolvimento do espectador com os dramas dos personagens, em especial da detetive Virgine ou da professora Eve.
Meu maior inconveniente com a série é que sua abordagem nos afasta, completamente, do centro da investigação, oferecendo pistas falsas que sabemos serem desde o início e nenhuma outra dica na narrativa para que antecipemos os eventos que irão suceder. É como se fôssemos meros espectadores, quando narrativas como esta se beneficiam ao permitir que seu público brinque de detetive, formule teorias, imagine o criminosos e se surpreenda ao descobrir que estava errado etc. Faltou isto para ser mais do que a boa diversão que é.
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Samantha! (1ª Temporada)
3.6 141 Assista AgoraNem toda comédia deve provocar risos para funcionar, e a terceira produção brasileira sabe que a característica distinta do gênero é enxergar a realidade mediante as lentes bem-humoradas do absurdo, do humor negro ou da sátira. E é o caso de "Samantha!", que pretende discutir o universo da fama usando como mola narrativa uma ex-estrela infantil pentelha a ponto de esconder a perna de Roberto Carlos, por exemplo.
Mas sátiras precisam encontrar o elemento humano para que funcionem bem; isto está em falta nesta produção. Emanuelle Araújo dá seu melhor para transformar Samanthá! (risos) em uma mulher forte e que está disposta a tudo para retornar à fama (os meios tomados passam pelo culto à subcelebridade), apesar de faltar seu elemento redentor, que retribua o investimento do espectador. Seus filhos poderiam ser a opção, embora sirvam apenas aos fins cômicos da narrativa; Dodói não chega a tanto, já que ninguém compra o relacionamento dos dois; Cigarrinho idem, pois o personagem dá adeus de modo precoce.
Ser bem realizada, tecnicamente, não é sinônimo da trama ser envolvente, interessante ou divertida porque falta verossimilhança no roteiro: todas as situação são construídas de modo muitíssimo apressado e resolvidas igualmente. As participações especiais não chegam a empolgar. Enfim, decepcionante, com ressalva a Emanuelle.
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GLOW (2ª Temporada)
4.3 93A continuação desta história inspirada em fatos reais amadureceu em comparação com a divertida e eficiente temporada passada. Ela está mais consciente de sua importância, discutindo temas caros desde sempre, embora somente recentemente combatidos pelo que são: assédio sexual por parte dos figurões da indústria, o machismo de quem detém poder de decisão e mesmo aquele absorvido como normal pelas próprias mulheres.
Ciente de todo esse contexto, a narrativa dá seu melhor: suas personagens estão bem melhores construídas em torno de seus dramas de vida (ainda que haja mais espaço e oportunidades para mais), enquanto o Sam Sylvia de Marc Maron se converte em uma bússola masculina, que retrata, com honestidade, a mudança de comportamento dos (bons) homens após enxergarem, com clareza, tudo por que passam as mulheres em sua luta por direitos iguais e contra a humilhação orquestrada pelo sexo oposto.
As lutas também estão melhor resolvidas e o gostinho de época adoça, agradavelmente, toda a atmosfera, com destaque ao episódio contado como se fôssemos espectadores do programa. Uma melhora considerável em uma temporada imperdível.
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Gênio Diabólico
3.9 129Com apenas 4 episódios, esta série documental retrata um caso bizarro e embaralhado que a ficção jamais conseguiria reproduzir com as mesmas nuances, e o faz de maneira bem estruturada, com faro investigativo, revelando, com parcimônia, suas informações ao público, e apresentando uma personagem fascinante, Marjorie Diehl.
É verdade que certas informações poderiam ser exibidas com maior clareza - algo que só ocorre no primeiro episódio -, e quando começam a se acumular mais personagens, motivações e conexões, a sensação é a de que ou perdemos o fio da meda ou, pior, de que a narrativa forçou a barra por inaptidão em fazê-lo mais cinematograficamente. Sim, pode ser culpa de não ser um crime cheio de provas materiais a lá C. S. I. (como afirma um agente FBI), mas isto não deveria ser desculpa.
De todo modo, devorei compulsivamente. Cada episódio sabe a importância de encerrar com um gancho irresistível ao final, a fim de atiçar o espectador enquanto desvenda, ou tenta fazer, um caso que certamente te levará a recorrer ao Google para conhecer mais aspectos sobre como nossos roteiristas ainda têm muito a aprender com o mundo real.
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13 de Novembro: Terror em Paris
4.4 25 Assista AgoraExistem milhares de formas que os irmãos-diretores Naudet poderiam narrar o terror derramado sobre Paris em 13 de novembro de 2015, mas eles preferiram fazê-lo por meio de depoimentos dos policiais, do Presidente da França naquele período e dos sobreviventes. E são estes últimos que transformam a câmera em um confessionário, onde podem exorcizar tudo por que passaram na trágica noite, enquanto confiam na empatia e inteligência do espectador para absorver seus relatos complementares e montar um quebra-cabeças que contrapõe a covardia dos terroristas e a coragem dos franceses.
Essa abordagem de cabeças-falantes pode parecer maçante, embora seja bem sucedida em retratar o atentado com humanidade, deixando para as filmagens amadoras de smartphones e os recursos de reconstituição de cena empregados pelo documentário a tarefa de demarcar os momentos mais intensos. Podemos imaginar o terror, preencher as lacunas com nosso conhecimento de mundo, porém somente com os depoimentos é que podemos sentir com o coração e oferecer o consolo, a distância, a todas as vítimas.
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Requiem
3.2 84Com elementos sobrenaturais e ocultismo, esta minissérie inglesa em 6 episódios pode ser devorada rapidamente por quem aprecia aqueles mistérios escondidos no fundo do baú, desenterrado, pouco a pouco, por uma protagonista que ignora que sua teimosia é o que a impede de enxergar o perigo ao seu redor.
A trama não tem nada de ineditismo: sua parcela de traições e revelações, facilmente antevistas por quem já conhece as malandragens do gênero, bem como os arquétipos dos coadjuvantes. O diferencial é o apelo a ferramentas do terror, embora com timidez (vozes, aparições breves etc), que apenas começa a ser deixada para trás já no último episódio.
Mas no que tem de competente em fotografia e ambientação, a narrativa desaponta por causa da busca da protagonista. A verdade é que Matilda sequer sabe o que procura, e mal degusta as (muitas) descobertas que faz (como a identidade do homem na floresta, p. ex.); isto sem esquecer tramas paralelas subdesenvolvidas e personagens por quem não nos interessamos. O resultado é morno, mas pode satisfazer quem aprecia thrillers.
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Luke Cage (2ª Temporada)
3.5 147A fórmula da Marvel de fazer séries continua a deixar terra arrasada no seu caminho, já que ao longo de cansativos 13 episódios, alguns acima de 1 hora, a solução é insistir na repetição (Bushmaster tem a mesma conversa com o tio ao menos 5 vezes), introduzir cenas banais, como a vigésima em que os bandidos atiram em Luke Cage apenas para que este adquirir um novo moletom, e propor uma história em que personagens mudam de lado a todo momento (vide Tilda).
Mas ainda sem cortar os excessos (ou episódios inteiros que não vão a lugar nenhum), a segunda temporada é mais consistente do que a passada, porque retrata o percurso de Luke em direção à metafórica coroa do Harlem e o que isto demanda dele. Melhora porque o antagonista Bushmaster esta à altura do protagonista, inclusive em se falando de sua motivação, ao passo que a mudança progressiva e irreversível de Mariah Dillard (ou melhor, Stokes) resulta em uma tragédia ao estilo Shakespeare, de bem encenada que é.
Os coadjuvantes estão muito bem, sobretudo Misty Knight, ao passo que a trilha sonora é irrepreensível, introduzida como um adendo à narrativa, com o objetivo de enaltecer a cultura musical negra e, ao mesmo tempo, de fortalecer mais a narrativa. Sem a gordura da Marvel, enxuta em 8 episódios, seria uma seriezaça. Do jeito que está, por mais que admire a coerência dramática do episódio final e esteja afim para a próxima temporada, o senso crítico ainda fala mais algo. E se a Marvel não mudará seu estilo de contar suas histórias, que ao menos pense em roteiros que se deem bem em 13 episódios.
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Safe
3.6 268 Assista AgoraSe você for familiarizado com a literatura policialesca do escritor Harlan Coben e, claro, apreciá-la, ficará satisfeito com este seu trabalho inédito: nele encontrará toda sorte de personagens típicos do autor, que fogem do maniqueísmo de mocinhos ou bandidos, e percorrem a linha tênue da moralidade, ética e responsabilidade, assim como mistérios em forma de cebola (não riam), que expõem camadas adicionais à medida que a anterior é retirada.
A questão é que a solução do desaparecimento de Jenny, filha do cirurgião interpretado por Michael C. Hall (o eterno Dexter), é muito pretensiosa, às vezes, flertando o ridículo. Certos comportamentos dos personagens nascem da semente do novelesco, antes de frutificarem no melodramático, extrapolando o bom senso e introduzindo um número de reviravoltas excessivas, na forma de ganchos ao término de cada episódio que parecem esquecidos nos episódios subsequentes. As performances aquém à média também não colaboram com a trama que acredita ser mais do que é.
Além disso, o tema central - a responsabilidade paterna e a culpabilização destes (a geração passada) por parte dos próprios filhos (a nova geração) - é mal abordado na narrativa, que não sabe bem em que ponto do julgamento se posiciona. Embora certa turvação seja bem-vinda, pois revela que não há gabarito imediato para as perguntas efetuadas, a narrativa não sabe a melhor forma de evidenciar isto ao espectador. Só sabe, muito bem, criar uma montanha-russa que exige o binge-watching, em episódios curtos e misteriosos.
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Sense8 - Episódio Final
4.2 343A melhor forma de celebrar e homenagear os fãs de uma série, que teve vida mais curta do que merecia e só ganhou desfecho por causa da mobilização daqueles, não consiste em inserir todas as referências e personagens possíveis e imagináveis, e sim fazer com que o adeus esteja na embalagem de uma grande narrativa.
Esse episódio final é tudo menos isso, justamente porque está só preocupado em reunir todo mundo (mesmo que às vezes certos encontros não façam o menor sentido ou nem estão bem explicados) em uma jornada contra o tempo que não entende o significado de causa e consequência, além de continuar acrescentando mitologia à série (p. ex.: a Lacuna) mesmo sabendo que o pouco tempo que tem mal dá conta de concluir as subtramas construídas em duas temporadas. Parte da decepção está em assistir a personagens lutando pela sobrevivência e, ainda assim, fazendo piadas fora de contexto. A outra parte ao descobrir que Lana Wachowski (sem o auxílio da irmã Lilly) não tem criatividade nos set-pieces senão para trocas de tiros (daqueles inverossímeis, em que nenhum tiro disparado pelos vilões acerta o alvo) ou um disparo de bazuca que resolve tudo. Os diálogos também são ruins.
O que sobra é a memória afetiva do cluster de que a maioria gostaria de participar - isto pode embaçar o senso crítico - e os 10 minutos finais incapazes de reparar os restantes 140 minutos. Reconheço que a produção deve ter tido sérias restrições de orçamento e tempo, e a dificuldade de resolver tudo em um episódio único quando o planejamento envolvia mais temporadas. Sense8 merecia não apenas um desfecho, mas um melhor.
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Cara Gente Branca (Volume 2)
4.2 123 Assista AgoraAs discussões raciais propostas na primeira temporada tomam uma guinada diferente, com a presença, nas sombras, da Extrema Direita norte-americana, do noticiários fake news, dos trolls de redes sociais e de tudo mais que envolveu o período pós-eleição de Donald Trump. É uma obra mais madura e consciente da importância social do debate, apesar de ter perdido um quê de improviso e impulsividade da temporada passada, que surpreendia a cada nova história.
Os personagens permanecem sendo alguns dos mais interessantes da televisão, com suas personalidades imperfeitas e, por esta razão, humanas. Há espaço maior para a intimidade, com episódios que, apesar de sempre serem marcados por discussões de cunho racial, usam-nas como pano de fundo para aspectos pessoais (do romântico ao profissional). Máscaras são removidas e descobrimos quem está debaixo delas, e isto até injeta mistério na descoberta da identidade do personagem AltIvyW, que escondido debaixo do manto do anonimato, ataca sem dó nem piedade (como muitos fazem por essas redes sociais, né?).
Além disso, existe um quê de metalinguagem por esta temporada reapresentar Tessa Thompson (que interpretava a Sam na versão cinematográfica), posicionando-a numa posição diferente da que esperávamos encontrá-la. E é gratificante atingirmos o fim de cada episódio sendo praticamente impelidos a refletir acerca da nossa participação no racismo sistêmico da sociedade.
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13 Reasons Why (2ª Temporada)
3.2 587 Assista AgoraCapitalizar sobre o sucesso não deveria ser o motivo central para o criador Brian Yorkey revisitar a tragédia da Liberty High School deste modo decepcionante. Tampouco seria a preguiça do público em não preencher as pontas soltas deixadas anteriormente (qual a dificuldade ponderar o destino de Bryce e o que aconteceu com Alex dentro do universo das ideias, como ocorre com os livros? Por que essa ânsia por respostas mastigadas e insatisfatórias?).
Assim, mesmo que toque em assuntos mais sensíveis do que antes (o suicídio como consequência do bullying, como também a conivência das instituições ante os abusos físicos e sexuais sofridos pelos seus, sobretudo por mulheres, dentro do contexto do movimento #MeToo, e a crítica ao armamentismo da sociedade norte-americana), com a cabeça no lugar certo, é bom reconhecer, a temporada faz isto de modo desastrado e desfocado em uma tentativa de ser relevante repetindo mantras e reencenando conflitos que transbordam ao criminal.
Para isto, vai e volta no tempo, enfraquecendo os porquês que levaram Hannah ao suicídio (já que insere novos eventos a bel prazer, mesmo que a releitura não faça sentido) em uma estrutura desgastante de drama de tribunal que não obedece as regras jurídicas mais elementares: como a ordem de testemunhas (primeiro, as de acusação; depois, de defesa) e das perguntas ou até o que se está julgando, se a negligência escolar ou os estupros cometidos na Clubhouse. Mas nada pior do que ressuscitar Hannah Baker como alucinação / fantasma encosto de Clay ou então o subdesenvolvimento dos personagens em absurdas 13 horas. Que mais parecem a eternidade.
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O Próximo Convidado Dispensa Apresentação com David Letterman (1ª Temporada)
4.3 19 Assista AgoraSeria impossível mensurar a importância de David Letterman em um texto curto, mas ao menos vale afirmar que ele, ao lado do mentor Johnny Carson, revolucionou a televisão mundial com programas de entrevistas que mesclavam informação e conhecimento com o timing cômico de seus apresentadores.
Este programa em seis partes (ou sete, se contar o especial com Jerry Seinfeld) retira o comediante / entrevistador da aposentadoria para entrevistar pessoas que admira. Só a lista já seria o bastante para entretê-lo: Barack Obama, George Clooney, Malala, Jay Z, Tina Fey e Howard Stern. E, mesmo que as entrevistas não sejam as mais reveladoras e ambiciosas (Letterman já foi mais incisivo), ainda sim são conversas agradáveis bem conduzidas e equilibradas por Letterman. O bate-papo, em várias ocasiões, ultrapassam os limites do teatro onde foram filmadas.
Mas o mais bacana é como a seleção de convidados também fala muito sobre o liberal democrata David Letterman, trazendo aspectos e porções da própria vida debaixo dos holofotes. O reencontro com esse mito da televisão é gostoso, especialmente ao lado de igualmente lendas da política, cinema, música, televisão e sociedade.
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Feliz! (1ª Temporada)
4.1 79 Assista AgoraBrian Taylor, diretor de "Adrenalina", comanda esta série baseada nas histórias em quadrinhos de Grant Morrison, e o resultado é caótico no melhor sentido: o cenário corrosivo e imoral relacionando amigos imaginários, o Natal, a máfia italiana, o tráfico infantil e até mesmo zumbis (?!) é construído a partir da violência extrema, do humor politicamente incorreto e de comentários ácidos da cultura pop (p. ex.: os reality shows, os animadores infantis etc). Tudo isto em torno de um personagem central muitíssimo bem trabalhado por Christopher Meloni.
Ele carrega consigo a aura típica do anti-herói auto-destrutivo, resmungão, desbocado, sem pudor, nem vergonha misturado com um quê do detetive clássico do cinema noir e aquela micro fagulha de redenção que o humaniza, enquanto o unicórnio azul voador, Happy, age como o ponto de vista do espectador, cuja inocência é maculada por aquele mundo desumanamente cruel que serve de reflexo da realidade. Nisto, as extrapolações e ilogicidades da narrativas são seu trunfo, já que conferem certo ar cartunesco, embora mantendo a visceralidade da trama.
Os 8 episódios são curtos (40 minutos aproximadamente), passam voando como Happy e misturam uma dúzia de personagens em um redemoinho que agigante em violência e imprevisibilidade. E Meloni, eis um daqueles personagens que aprenderemos a amar odiando durante bastante tempo.
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Master of None (2ª Temporada)
4.4 214 Assista AgoraO que a temporada passada tinha de despretensiosa, esta tem de ambiciosa. Para quem aprendeu a apreciar o debate bem humorado e adulto a respeito do cotidiano, inovações tecnológicas, relacionamentos, preconceito etc do ponto de vista de Aziz Ansari, Eric Wareheim, Lena Waithe e outros, será recompensado na mesma medida como ocorreu anteriormente.
Agora, se você procura uma experiência ainda mais desafiadora, a série retribui com episódios amadurecidos e inesquecíveis. O primeiro, flerta com o neorrealismo italiano, até mesmo no preto e branco do típico cinema de rua e na proposta minimalista, e não simplória; o quarto episódio é uma aula de montagem, misturando encontros amorosos dentro de ambientes repetidos, ajudando no estabelecimento de Dev como um alguém rotineiro e sistemático; já o sexto, em linhas gerais, é tudo aquilo que "Nova Iorque, Eu Te Amo" tentou ser, mas não conseguiu completamente.
O que nos leva aos melhores episódios da temporada, o nono e o décimo: aquele, com cerca de 1 hora, é uma das melhores comédias românticas a que assisti recentemente, debatendo com franqueza o relacionamento Dev e Francesca, enquanto o último não se furta do dever de tocar em uma ferida aberta na indústria (o assédio sexual), fazendo-o de forma breve, mas honesta e, no processo, encerra o arco romântico do episódio passado e dá a deixa para a terceira temporada.
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Cara Gente Branca (Volume 1)
4.3 304 Assista AgoraDebater racismo pode parecer simples (afinal, basta respeitar o próximo!), mas não é bem assim, sobretudo quando o preconceito já está enraizado e institucionalizado no meio social, e quando as ideias surgem dentro do contexto acadêmico efervescente e inflamado. Isso porque jovens adultos são verdadeiras fontes de energia, ávidas para serem canalizadas na direção de uma causa social por que vale realmente a pena levantar a bandeira, e, nesta condição, também são propensos a medidas radicais e típicas da idade.
Assim, essa série inspirada no filme homônimo cuida, desde o primeiro momento, de expor o elefante no meio da sala e discutir racismo a partir de exemplos extraídos da sociedade e adaptados ao meio acadêmico. Entram em cena a militância, os negros tidos como se fossem brancos, o branco empático e demais personagens muito bem construídos por um roteiro que privilegia e procura individualizá-los por capítulos em meio à questão central: o tratamento da minoria pela universidade, um microcosmos representativo da nossa sociedade racista, embora teime em não se enxergar como tal.
Majoritariamente dirigida por homens e mulheres negros (o vencedor do Oscar Barry Jenkins, por "Moonlight", comanda seu episódio mais intenso e devastador), a série é dramática por natureza, com os personagens amadurecendo e dançando no ritmo do debate, e honesta, sem a vitimização desmedida nem proselitismo, mas com um claro enfoque no comportamento sorrateiro de forças, às vezes invisíveis, que promovem a segregação social que deveríamos combater com todas nossas forças.
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Wild Wild Country
4.3 265 Assista AgoraNão estranhe se você concluir esta minissérie documental com sentimentos misturados. Em uma história tão complexa quanto esta narrada, não existem verdades absolutas ou a iluminação, somente um conjunto de peças bem montadas pelos diretores Chapman e Maclain Way sobre um caso emblemático que possibilita um sem número de discussões.
Naturalmente, a forma como Bhagwan chega aos Estados Unidos e toma uma cidade para si, subvertendo seus costumes e tradições e empregando a democracia em seu favor, revolta os habitantes, reféns, como eles próprios afirmam, no mesmo lugar onde antes chamavam de lar. Ao mesmo tempo, a narrativa escancara, com certa facilidade, a hipócrita terra da liberdade como os norte-americanos gostam de ser conhecidos, já que livre é só aquele que professa a mesma religião e tem hábitos iguais ou similares aos de sua comunidade. Não demora para os seguidores de Bhagwan serem acusados de satanismo (como se isto fosse um xingamento para quem não crê em Deus) pelos membros de uma religião que costumava ser perseguida da mesma forma como tende a perseguir outros.
Mas também os Rajneeshees tinham teto de vidro, e a narrativa retrata, com acurácia e dúvida razoável para deixar o espectador refletindo, crimes periclitantes, como tentativa de assassinato e envenenamento da municipalidade; sem contar que as táticas usadas por Sheela para obter o que desejava eram, apesar de legais, anti-éticas e até imorais. Resta a certeza de que é bom conversar a espiritualidade íntegra (seja qual for a sua), mas ter discernimento acerca da religião organizada. E curtir uma história boa demais que tem que ser verdade.
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Tabula Rasa (1ª Temporada)
3.9 138É, em muitos aspectos, similar a "The Sinner", especialmente na forma com que obriga a protagonista a revisitar as memórias para descobrir a solução de um crime. Mas, este thriller belga com elementos de terror viaja no tempo sem a convicção de que o público é inteligente o bastante para preencher lacunas e a astúcia para compreender quando acelerar ou diminuir o ritmo e modificar o tom da narrativa.
A verdade é que tudo é tão bagunçado quanto o mistério central: muitos personagens, que a todo momento mudam o comportamento convenientemente; muitas reviravoltas, das mais absurdas e inverossímeis (tipo, a última) e apenas com a intenção de atear álcool no fogaréu; e muitas oportunidades perdidas em construir uma série relevante e verdadeiramente tensa, ainda que ela vá bem quando namora o terror psicológico.
Reconheço que o público, naturalmente, permanecerá vidrado para saber sobre o novo desdobramento, ainda que ele não venha a fazer tanto sentido assim, e ficará delirando ao longo dos 9 episódios para saber a solução do mistério, especialmente com ganchos inseridos oportunamente para por tudo sob uma perspectiva diferente. Mas aí, chega o novo episódio e modifica tudo, não a bem da narrativa, mas do sensacionalismo barato, com um desfecho para lá de inconstante e novelesco.
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Rapture
3.8 2 Assista AgoraEra de se esperar que uma das características dessa série documental fosse a irregularidade, já que cada episódio retrata um artista distinto, com percepções diferentes. Não que fugisse do tema, o diálogo do hip hop com a sociedade e a influência mútua de ambos os lados, nem que fosse superficial.
É verdade que há episódios que atingem o objetivo na mosca, como aqueles sobre Logic e T. I., e outros bons o bastante para que ignoremos suas falhas, é o caso de Rapsody e Nas e David East. Entretanto, todos os demais pecam por uma ausência preocupante de foco: note que o episódio do Just Blaze, depois de consolidar seu início de carreira e as razões de seu sucesso, recorre a visitas a outros produtores musicais. Mas o que poderia enriquecer a narrativa com pontos de vista e métodos diversos do biografado, acaba por enfraquecer já que ninguém tem tempo suficiente para pontuar como enxerga a cena musical do hip hop. Isto sem contar os episódios de G-Eazy e A Boogie wit da Hoodie, artistas que descobrimos ser antipáticos em um curto espaço de tempo: o último acha engraçado eletrocutar seu guarda-costas, por exemplo.
Recomendado para quem for fã dos profissionais retratados e do gênero musical, que admiro bastante por combinar poesia em versos ágeis e furiosos e absorção de imensa quantidade de informações (tanto do eu, quanto da sociedade).
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O Alienista (1ª Temporada)
4.0 281 Assista AgoraPoderia definir este thriller antes do advento do século XX como uma combinação de "Mindhunter" e "Do Inferno", substituindo a Londres deste por uma Nova Iorque, suja, imunda, marginal, longe de ser o império sobre que profetiza J. P. Morgan em certo instante. Assim, se você gosta de investigações policiais sobre a psicologia de serial killers e tem estômago para encarar sua obra animalesca, esta série é para você.
Os personagens centrais, todos párias daquela sociedade de castas (um deficiente físico, um alcoólatra em recuperação, uma mulher solteira e dois judeus), são bem estabelecidos e trabalhados pelo roteiro, especialmente Sara, em mais uma atuação digna de nota de Dakota Fanning (o mero ato de enquadrá-la em close encarando o interlocutor retrata a torrente de emoções que ela aprendeu a engolir para preservar sua dignidade entre o machismo da polícia). Curiosamente, o contraponto razão e emoção feito por Brühl e Evans, com Sara intermediando-os, lembrou-me da trinca clássica de Kirk, Spock e McCoy da formatação original de Star Trek.
Divagações de lado, como série investigativa, esta funciona bastante por tropeçar em pistas falsas e cair em becos sem saída, polvilhar distrações e decepções no público, estimulando-o a continuar assistindo a fim de alcançar a explicação para crimes tão bárbaros, além de contar com discussões sociais sobre a corrupção na polícia (com personagens que aprendemos a odiar com força). Tudo bem feito, em particular a reconstrução de época, através do misto de design de produção e figurinos bem elaborados com efeitos especiais próprios aos planos mais abertos. A conclusão pode frustrar, por ser mais apressada do que deveria e também ao recusar respostas fáceis ao Dr. Kreizler, embora seja justamente isto seu ápice. E, não se desespere, a série de livros escrita por Caleb Carr já conta com dois outros livros (que poderão ser adaptados) e outros em produção.
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O Conto da Aia (1ª Temporada)
4.7 1,5K Assista AgoraNarrativamente fascinante de tal modo que provoca repulsa, asco e incômodo em testemunhar toda sorte de abuso (sexual, físico, psicológico) que sofrem não só as criadas como Offred, mas todas as mulheres e, por que não, todos os homens que teimam em apoiá-las e desafiar o sistema teocrático misógino que se instaura nos Estados Unidos. E se você, dono daquelas miopias contemporâneas, acha assustador o islamismo extremista, o que dirá do cristianismo da série, que, por exemplo, legaliza estupros frequentes e apedrejamentos apenas cumprindo fielmente a Palavra de Deus.
É para ter medo, de verdade, de qualquer regime fundamentalista religioso, não importa a denominação, pois todos se alimentam da corrupção do homem (gênero, sobretudo) e da insistência em subjugar as mulheres a seus desígnios. Neste sentido, a série traz um elenco feminino admirável, desde Elisabeth Moss, Alexis Bledel e Madeline Brewer a Yvonne Strahovski, que interpreta a mais complexa das personagens, já que sua Mrs. Waterford é tão vítima do sistema que ajudou a criar quanto algoz, sendo capaz de alternar entre instantes de pura maldade e egoísmo e outros que provocam pena pela situação em que ela se encontra.
Além disto, a distopia baseada na obra de Margaret Atwood (dá também ótima "Alias Grace") é dirigida com um olhar peculiar dirigido a enquadramentos desconfortáveis, que imergem o espectador naquele mundo, enquanto a fotografia é de cair o queixo (repare as frequentes vezes em que a luz do sol invade, por entre persianas, o interior da mansão dos Waterford, e como ele teima em conferir alento em uma situação desesperadora). É um soco no estômago, construído com esmero e perfeccionismo e, sobretudo, uma preocupação latente com o mundo cada vez mais insano em que estamos vivendo.
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Flint Town
3.9 6 Assista AgoraPerdi as contas de quantas vezes assisti a (excepcionais) documentários que enfatizam o lado mais truculento e violento da polícia norte-americana e o desrespeito aos direitos humanos e à população afro-americana, em geral. Assim, é bem-vindo o retrato tirado a partir do ponto de vista do departamento policial de Flint, cidade miserável, há décadas presente no topo do ranking de maiores índices de criminalidade nos Estados Unidos e que ainda amarga uma crise hídrica sem precedentes, tudo isto durante ano eleitoral e de mudanças de pensamento e tomadas de ação no órgão.
Menos procedimental do que imaginaríamos a princípio, a minissérie documental busca humanizar a força policial, enaltecendo o trabalho diário mesmo ante a precariedade de condições de trabalho (viaturas antigas e reduzidas, piso salarial baixíssimo etc). Porém, isto não impede os documentaristas de retratar a opinião da comunidade e revelar que nem sempre boa vontade basta para prestar um serviço público digno. Os relatos, bem ao estilo confessionário, são porções relevantes para compreender as frustrações e os anseios, e o esforço coletivo necessário para tirar Flint do buraco em que se encontra.
Há lacunas em aberto (ex: no que resultou a venda de armas antigas apreendidas pela polícia?), mas o panorama apresentado revela personagens contraditórios e complexos (como Robert Frost, de quem sentimos pena por não ter a oportunidade de gozar férias ou sequer viajado de avião) e uma cidade a mercê da política e de maus gestores. É um cenário melancólica e brutalmente real e imperdível.
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Perdidos no Espaço (1ª Temporada)
3.7 271 Assista AgoraUma reimaginação do seriado sessentista (um dos primeiros que assisti na vida) em vez de uma refilmagem, a saga da família Robinson ganha efeitos especiais mais modernos, diversidade no elenco e história e dramas melhor explorados (frequentemente, por meio de flashbacks) e preserva a âncora emocional no relacionamento entre seus membros, em especial Will com o Robô, sendo o expressivo e convincente garotinho Max Jenkins o grande achado dessa série.
Infelizmente, a série satisfez-se com soluções convenientes a problemas complexos e a questões de vida e morte, e se isto poderia parecer natural e inocente na década de 60, agora é apenas a prova de seu desenvolvimento atrapalhado e apressado. Repare que a maioria das questões é resolvida com um misto de fé e física que sempre dá certo, ou com a chegada, no momento derradeiro, de um personagem que vem para salvar o dia (o deus ex machina do teatro grego, papel atribuído com regularidade ao Robô, apesar de não somente a ele) ou mesmo fora do campo de tão absurda que é a saída (ou seja, não mostrado ao espectador). Até a abordagem acessível a toda família tem regras que precisam ser respeitadas de tempos em tempos; as desta primeira temporada parecem frouxas. Isso sem contar os personagens descartáveis e romances tolinhos, típicos fillers sem finalidade alguma.
Ainda assim, há o que ser resgatado e aproveitado: gosto de detestar a versão da Dra. Smith de Parker Posey, sobretudo por causa da contraditoriedade entre seu instinto de sobrevivência e o desejo (aparentemente legítimo) de não desejar machucar ninguém (apesar de vir a fazê-lo), assim como da dinâmica e relacionamento dos Robinson, que, juntos, combinadas as qualidades que os definem (inteligência, força, determinação, senso de humor e inocência), podem superar todos os obstáculos. Quem sabe até conquistar um novo séquito de fãs.
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