"The End Of The F***ing World" é uma série deliciosa e viciante. Vi todos os episódios quase numa tacada só. Alyssa e James são dois adolescentes completamente disfuncionais, mas apaixonantes. A série é britânica e está disponível pela Netflix. São apenas 8 episódios de 20 minutos, baseada numa HQ homônima de Charles S. Forsman. Alex Lawther e Jessica Barden vivem o casal protagonista e arrasam! A trilha sonora é uma delícia! RECOMENDO!!!!
Partindo de uma premissa satírica em relação aos documentários criminais que tanto se popularizaram nos últimos anos, os criadores conseguem deixar a gente completamente preso no sofá tentando descobrir quem pichou os pintos nos carros dos professores. Sim. Esse é o enredo! Mais absurdo impossível, né? Mas essa é a genialidade da obra. Toda a culpa cai em Dylan, garoto problemático, que é visto por todos como um idiota. Sem chances de defesa, o garoto é expulso da escola e obrigado a pagar os danos nos carros dos professores. É ai que surge Peter Maldonado, um cinéfilo que estuda na mesma escola que Dyllan e decide investigar o que realmente aconteceu... O mais bacana de "American Vandal" é que é impossível classificá-la num só gênero. É totalmente anárquica. É um falso documentário. É comédia. É drama. Tudo ao mesmo tempo. E ainda proporciona altas reflexões sobre a maneira como uma educação não libertária pode devastar a vida da maioria dos alunos. Além de questionar como nossa sociedade está viciada em julgamentos baseados tão somente na aparência. Daí que a série começa como uma grande piada e termina como algo bastante sério. Essa obrigatoriedade de nos definirmos o tempo todo, de buscarmos entender os meandros de quem e o que somos, se torna totalmente doentia. Não permitindo que possamos viver e contemplar a verdadeira vida.
"Better Things" é uma série apaixonante. Vi os 10 episódios da primeira temporada praticamente todos de um vez. São curtinhos, 20 minutos cada um. Mas são profundos, engraçados, tristes e contestadores. É uma dramédia encantadora e muito simples. Seu enredo gira em torno de Sam, atriz e mãe de três meninas. Cada uma delas numa fase entre a infância e adolescência e isso acaba sempre por revelar novas facetas nessa mãe contemporânea. Duke é a caçula e a responsável por mostrar um lado mais fofo e meigo de Sam. Frank é a filha do meio, e a mais negligenciada, e por isso mesmo, a mais interessante. Nitidamente é transgênera, mas isso é retratado de maneira sutil. É a mais contestadora tb. Mas é a mais velha e a que mais dá trabalho. Quer se desgarrar da mãe, mas ao mesmo tempo que quer ser protegida dos perigos da vida "adulta". É a mais contraditória das três. Fora isso, tb acompanhamos a relação da protagonista com sua mãe. Esse é o calcanhar de Aquiles dela. Uma relação bem mal resolvida e que nos traz um certo incomodo pela maneira grosseira com é tratada pela filha. Os relacionamentos de Sam com o ex-marido e alguns flertes tb aparecem na série. Assim como o ambiente de trabalho dela. Sam é uma atriz que já foi muito conhecida, mas como envelheceu perdeu valor no mercado. Ainda faz um trabalho ou outro, mas nunca está realizado ou feliz com aquilo. Esses são os arcos tragicômicos representados na série. Não tem plot twist, nem nada disso. Mas é muito prazeroso de assistir. E Pamela Adlon é MARAVILHOSA!!!!!
Confesso que chorei em todos os episódios. É uma série tão linda, tão nostálgica que nos encanta e enternece. Não. Não é uma série perfeita. Tem seus defeitos. Mas a humanidade que ela nos transmite é uma coisa absurda. É impossível não se apegar aos personagens, seus dramas, seus romances. Discutindo filosofia em sala de aula temos o protagonista Merlí, um daqueles professores que fazem diferença na vida de um aluno. Merlí é alma da série. É imperfeito, contestador e encantador como ela. Ele me faz lembrar de professoras que eu tive e que fizeram diferença em quem sou hoje. Minha mais pura gratidão a todos vocês! Essa terceira temporada foi ainda mais crítica e politizada, em sala de aula Merlí discutiu pensadores como Walter Benjamin, Adam Smith, Albert Camus, Karl Marx, Hannah Arendt, Kierkegaard, Thoreau, Bauman, Heidegger, Hegel, Santo Agostinho. E teve um sabor todo especial. Era o último ano dos alunos. E tudo parecia embevecido de nostalgia e perda da inocência. Impossível não lembrar da nossa própria adolescência, dos amigos que fizemos e que nunca mais vimos, dos aprendizados, dos professores, da escola, de tudo. Merlí deixará saudades!
É uma série apaixonante e necessária para pensarmos uma porção de coisas. Parte grande desses méritos vem do protagonista da série, um professor de filosofia com métodos nada ortodoxos que encanta seus alunos e os faz pensar por si próprios. É lindo, gente! Merlí é um apaixonado pelo que faz e consegue transmitir isso aos seus alunos. Mas longe de ser um personagem idealizado. Não. Ele tem defeitos. Aos montes. Mas seus vícios e vicissitudes são parte integrante de seu charme. Merlí é um anti-herói por natureza. Falastrão. Sedutor. Se envolve amorosamente com uma professora e uma mãe de um aluno. Se envolve nos problemas pessoais dos alunos. Aconselha. Briga com a diretoria da escola. Provoca inveja em outros professores. Mas sabe dar aulas como poucos. E seus alunos se apaixonam por ele e pela filosofia. Volto a repetir, é lindo! Ah, a série é permeada por reflexões filosóficas. Cada episódio se discute um filósofo ou uma vertente filosófica. Só na primeira temporada discutiu-se Platão, Maquiavel, Aristóteles, Sócrates, Schopenhauer, Foucault, Guy Debord, Epicuro, Hume, Nietzsche, além dos céticos, sofistas e peripatéticos. Cada um desses serve de gancho para a reflexão de problemas que os personagens passam ao longo do episódio. Os temas também são amplos e tratados com respeito e profundidade. Fora isso, todo o elenco é maravilhoso e isso é surpreendente visto que a maioria é adolescente. Cada personagem tem suas características bastante definidas e cumprem num primeiro momento aquele estereótipo adolescente: o galã rebelde que pratica bullying, o estudioso tímido, a amiga fiel, a problemática e assim vai... Além disso, tem um personagem que abandonou às aulas por sofrer de agorafobia e o filho de Merlí que também terá aulas com ele. O menino é gay, mas completamente enrustido. Os pais dos alunos também aparecem e fica bem claro que na maioria das vezes, o problema dos alunos tem início dentro de suas próprias casas. Pais autoritários ou omissos demais. Assim como professores que já estão de saco cheio de suas profissões. Temos com isso, um panorama bastante amplo de questões que poderiam se perder ou acabar virando uma mistura nada agradável. Mas o roteiro é muito bom e te faz ficar preso em cada uma daquelas histórias, sem julgá-las, mas procurando entender como cada coisa acabou acontecendo. Toda a série é falada em catalão e isso é uma poesia para os ouvidos. Como possíveis pontos negativos destaco a ausência de alunos negros que participem do enredo principal e um certo tom novelesco que perpassa algumas tramas. Mas nem isso é capaz de estragar o deleite que é assisti-la. Hoje mesmo já comecei a assistir a segunda temporada e já já posto o que achei. Sim. Fiquei muito viciado nessa série. A terceira e última temporada estará disponível em fevereiro tb na Netflix e eu não quero perder de jeito nenhum!!!!!
PS: Ah, a série provoca na gente uma nostalgia muito peculiar. Todos nós já assistimos filmes ou novelas que mostram o cotidiano de uma escola. Me peguei pensando em “Carrossel”, na professora Helena e seus alunos, em algumas temporadas de “Malhação” ou em “Sociedade dos Poetas Mortos”. Preparem os lencinhos!
Acabei de assistir ao episódio "Hang The DJ" e estou devastado. "Black Mirror" é uma série interessantíssima por possibilitar que o olhar do espectador possa passear por suas propostas e tirar suas próprias conclusões. Apesar de parecer um episódio "mais feliz" que os demais, é triste para caramba. Pois nos fala sobre a incapacidade que a imensa maioria da humanidade tem de gostar de sua própria companhia, de desfrutar daquilo que Clarice Lispector chama de o mais precioso que podemos ter: a nossa solidão. Num mundo cada vez mais cheio de aparelhos, aplicativos e barulho é quase impossível exercitar nossa capacidade de estar bem sozinho. Somos constantemente impelidos a buscar algo que está fora de nós. Tudo o que se precisa para “evitar” o tédio e a solidão é um aparelho celular, conexão wi-fi ou de dados e muita conversa fiada. Nada de muito importante é dito ali. Faça um teste, pense nas notificações que você recebe nesses aplicativos e diga para si mesmo qual a porcentagem de relevância delas? Provavelmente quase nenhuma. Mas eis a contradição moderna, quase tudo, apesar de banal, é encarado como urgente. No episódio, não há qualquer perspectiva de se ficar sozinho. Essa probabilidade é tenebrosa. De relacionamento em relacionamento, vão embarcando numa situação incômoda. Estão desesperados não para amar alguém (ou toda a humanidade, o que seria lindo e utópico), mas para se acharem dignos de receber o amor de alguém. Essa condição é de uma miserabilidade tão profunda, que me fez chorar várias e várias durante o episódio. Como não somos ensinados ao autoconhecimento e a gostar de nós mesmo e de nossa própria companhia, buscamos num outro aquilo que não temos. O tal sistema (não muito diferente do nosso) sabe que existem milhões de pessoas que se sentem solitárias e que odeiam essa sensação e apenas se utiliza da promessa de encontro perfeito para lucrar. Foi assim com a televisão, com o walkman e agora com os celulares e as redes sociais. Sem essas bugigangas quantos de nós saberíamos como preencher as horas? A internet foi então encarada como um “milagre” para os solitários de plantão. Num simples clique e pronto. Tudo muda. E o melhor, se a conversa não tiver boa, é só sair ou encerrar o papo ou deletar a pessoa e recomeçar tudo outra vez. Sem traumas. Não é uma maravilha? Se usado com parcimônia e sabedoria pode até ser, mas e o quanto disso é fuga da realidade ou medo da solidão? Tudo isso se potencializa ao habitarmos um mundo consumista, que deseja algo ou alguém para consumo imediato. Buscamos satisfação garantida ou nosso dinheiro de volta. O mais poderoso e triste do episódio em questão é que o amor é uma mercadoria iguais a todas às outras. E o sociólogo polonês Zigmunt Bauman já escreveu que “o amor é uma hipoteca baseada num futuro incerto e inescrutável”. E essa talvez seja sua maior beleza. Porque é preciso coragem para pular do trapézio sem rede de proteção. Sim. A possibilidade do amor não é para os fracos, nem para os medrosos, nem para os desesperados. O amor só pode existir para aquele que sabe desfrutar de sua solitude e ainda se encantar e maravilhar diante da alteridade radical.
Confesso que comecei a assistir “Big Little Lies” por causa do elenco. Pensa numa série com Nicole Kidman, Laura Dern, Reese Witherspoon e Shailene Woodley... Mas a trama é tão fabulosa que do nada você se pega refém daquele universo, tentando entender e proteger aquelas personagens. Tudo acontece em dois planos narrativos: o presente e o passado. Quando a série começa sabemos que aconteceu um crime, que alguém morreu e que está ocorrendo uma investigação para se descobrir quem matou. Mas não sabemos nada. Nem mesmo quem morreu, como morreu, nem quem matou. NADA! No passado, acompanhamos a rotina de cinco mulheres até o acontecimento. São elas:
Madeline, casada com Ed, mãe de duas meninas (uma delas já adolescente com o primeiro marido Nathan). Ela é esquentada, gosta de se envolver nos rolos dos outros e extremamente amiga, daquelas que se pode contar pra tudo.
Celeste, casada com Perry, mãe de gêmeos. Aparentemente tem um casamento perfeito e invejado por todos. Abandonou a carreira de advogada para cuidar do marido e dos filhos.
Renata, casada, mãe de uma menina. É uma executiva de sucesso. E se culpa por não poder se dedicar à educação da filha como gostaria. É superprotetora e agressiva quando mexem com sua família.
Jane, cria um filho sozinha. É a única pobre das mulheres. Chega meio que fugida na cidade. Tem um passado nebuloso.
Bonnie, é casada com o ex-marido de Madeline. Mãe de uma menina. É a mais alternativa das mulheres.
Importante salientar que as crianças estão todas na mesma faixa de idade e estudam juntas na mesma escola e classe. E todo o rolo acontece no primeiro dia de aula quando a filha de Renata acusa o filho de Jane de machucá-la. Renata que não é muito querida pelas outras mães faz um escândalo e exige que o menino se desculpe publicamente. Ele se recusa e a balbúrdia está feita. As mães dos outros alunos se dividem e até mesmo uma petição pedindo a expulsão do garoto da escola é iniciada. A briga das crianças acaba por revelar ressentimentos escondidos daquelas mães e pouco a pouco vamos sabendo mais das pequenas grandes mentiras daquele local.
Na excelente abertura da série já dá pra sacar muita coisa. Somente as mães aparecem dirigindo os carros que irão levar seus filhos para a escola. Os pais são omissos e parecem não fazer questão de participar da vida escolar das crianças. O quebra-cabeça que a série nos propõe exige paciência. Tudo vai sendo desvelado aos poucos. E o que posso dizer aqui sem incorrer no risco de soltar spoilers é que é uma das séries mais incisivas sobre as variadas formas de violência contra as mulheres já vista. Incrível a habilidade dos roteiristas, diretores e elenco de contar essa história de maneira tão realista. O cenário é paradisíaco e as mansões dos personagens são cinematográficas. Mas tudo está ali com um propósito muito bem definido. Aquelas mansões são fachadas que escondem as fissuras dos personagens que as habitam. Tudo é um jogo de cena. E nada é o que parece. A hipocrisia reina e todos têm muito a esconder. O que faz com que tudo fique ainda mais emocionante de se acompanhar.
É preciso que se diga que é louvável que uma série se proponha a esmiuçar os meandros das relações amorosas e familiares com essa coragem e ousadia. É uma obra feminista como poucas vezes se viu. São 5 protagonistas femininas com seus dramas. São tramas que discutem abertamente as conseqüências nefastas da socialização machista e misógina dos homens. Nem mesmo as crianças estão isentas. É chocante! No domingo (02 de abril) a HBO levou ao ar o último capítulo e eu simplesmente fiquei sem ar o episódio inteiro. Vou repetir: É chocante!
Sei que vou chover no molhado, mas o elenco inteiro dá um show. Mas o destaque absoluto é para a composição da atriz Nicole Kidman. Que performance!!!! É impossível ficar indiferente a sua história. A trilha sonora é uma personagem do enredo. É maravilhosa! Olha, vou parar por aqui, do contrário vou ficar elogiando, elogiando, elogiando. Se você ainda não viu, pare tudo que você está fazendo e veja! São apenas 7 episódios de 50 minutos cada. Vale muito a pena! Queria poder escrever mais coisas, mas sinto que revelaria trechos importantes do enredo e não quero estragar a experiência de quem não viu.
" - Eu te amo e nunca vou te magoar. Eu não vou embora, nem agora, nem nunca. Eu te amo, Hannah. - Mas por que você não disse isso quando eu estava viva?”
Gostaria de começar esse meu texto sobre a série “13 Reasons Why" da Netflix indo bem direto ao ponto. Comecei a assistir devido a enxurrada de textos que dominaram as redes sociais. No começo eram só elogios e aos poucos opiniões profissionais alertando dos perigos da série. Fiquei curioso e fui assistir. Confesso que os dois primeiros episódios não me pegaram tanto. Achei a direção um tanto quanto preguiçosa e depois que fui perceber que o diretor era o mesmo do filme “Spotlight” que eu odiei. Depois do segundo episódio a direção muda e eu comecei a gostar e me envolver com os personagens e história. Durante os episódios seguintes fiquei tentando entender tanto as críticas positivas quanto as negativas e meu pensamento ia sempre para uma outra direção. Explico. Não acho que o tema central seja suicídio ou depressão ou coisa parecida. Creio que a coisa é muito mais profunda que isso e pouca gente conseguiu captar por causa dessa polarização idiota de gostar ou não. Mas evitei falar sobre isso porque queria assistir aos episódios todos e só depois emitir uma opinião ou não.
Bom, no meu ponto de vista o tema central da série é a socialização masculina e suas conseqüências desastrosas na sociedade. Repare que todos, sim, eu disse todos os personagens são vítimas desse processo civilizatório. O que Hannah faz com suas fitas é trazer consciência de cada ato. Sim. De um jeito torto, adolescente, mas ela está tentando entender. E esse é o aspecto que mais gosto na série. Precisamos falar sobre isso. Homens e mulheres são educados de maneira diferentes, conflitantes até. A polícia de gênero vigia os corpos antes mesmo de eles nascerem. Toda educação, sonhos e futuro são definidos quando o médico diz o sexo dos bebês. É como se fosse um nefasto sistema de castas indiano. Nasceu homem e se manteve heterossexual? Toma aqui alguns inúmeros privilégios. Deu a infelicidade de nascer mulher? Vamos te constranger psicologicamente e te fazer submissa. Quase sem nenhuma possibilidade de sair fora ou se mover dentro desse sistema.
E o que a série nos apresenta é um estudo assustador dessa socialização masculina. A esmagadora maioria dos meninos retratados possui uma dormência emocional assustadora. Falta-lhes o essencial: empatia, compaixão. Mas não foram ensinados a ter. Não chore. Seja homem. Não demonstre sentimento, emoção. Seja homem. Pegue o máximo de meninas que conseguir, sem se importar com nada. Seja homem. E acima de tudo não seja um gay, não seja mulherzinha. E o que é ser gay ou mulherzinha nesse contexto? É ter sentimentos. É se importar com os sentimentos alheios. É nesse momento em que todos são vítimas e ao mesmo tempo algozes de si mesmo e uns dos outros. É preciso se vigiar. É preciso vigiar o amigo. Então, tome brincadeirinhas de gosto duvidoso. Elas servem de alertas. Olha aqui, se você ousar sair do esperado, vai se dar muito mal. Todos os personagens masculinos da série são extremamente solitários. Não dividem segredos. Não conversam sobre nada que não seja videogame, mulher, cerveja, sexo e esporte. São inábeis emocionalmente. Todos sofrem, mas não sabem como sair desse círculo vicioso.
Na outra ponta, temos as personagens femininas. Elas até querem ser amigas umas das outras, mas não conseguem. O estado de competição que são impostos a elas também cobra seu preço. Elas precisam disputar os meninos entre si. Você nunca se perguntou os motivos daquele garoto idiota sempre estar namorando uma garota muito mais interessante que ele? Garotos assim raramente ficam sem namorar. Repara! Mulheres são socializadas para serem mantenedoras da vida, das relações. Aceitam a submissão e perdem o seu melhor. É triste. Mas é assim.
"Tem que melhorar, a maneira que tratamos uns aos outros e olhamos uns pelos outros, de alguma forma temos que melhorar."
E correndo por fora. Temos os “outsiders”. Aqueles que são diferentes dos demais e que podem fazer a diferença no mundo. Na série são representados por Hannah e Clay. Esses são talvez os que mais sofrem. Porque representam tudo aquilo que incomoda os demais. Então, pagaram o preço também. Toda a história que acompanhamos é do ponto de vista desses dois personagens. Eles se gostam, mas não conseguem admitir o sentimento que nutrem um pelo outro. Clay é o típico adolescente nerd, intovertido, magro demais, sensível demais, inteligente demais, não faz nenhum esporte, não tem traquejo com as meninas.. Ele também sobre bullying dos outros garotos. E seu contato com Hannah é apenas superficial. Embora ambos queiram estreitar esses laços, não conseguem. Com a morte de Hannah, Clay se revolta contra tudo e todos e mergulha num processo destrutivo e necessário.
"Este armário é especial, ele era de uma garota que se matou. Estão vendo todos esses cartaz de "não se mate" nas paredes? Eles não estavam ali antes. Eles foram colocados porque ela se matou. E por que ela fez isso? Por que os jovens daqui a trataram feito merda, mas ninguém admite. Então pintaram os banheiros e fizeram um memorial, porque esta escola é assim. Todos são muito legais até que fazem você se matar. E cedo ou tarde, a verdade virá à tona. Ela vira à tona. Bem-vindos a escola Liberty."
Essa suposta ordem é brutal e representa uma visão de mundo machista e misógina que chamamos de Patriarcado. Um sistema que oprime, explora e objetifica mulheres. E é exatamente esse o conteúdo de todas as 13 fitas gravadas por Hannah. Ela não está depressiva. Ela não quer se suicidar. Ela só não aguenta mais conviver com tudo isso. Daí, que é preciso mudar um pouco o foco do nosso entendimento da série. Não é sobre vingança como vi muita gente escrevendo por ai. Ela não quer se vingar de nada. Ela quer entender os porquês disso tudo acontecer com ela. Ela não é uma sociopata (!!!!!) como também li algumas críticas. Ela é uma adolescente com toda uma vida pela frente que descobre cedo demais como o mundo pode ser cruel com mulheres que não se submetem aos seus desmandos. Hannah rompe com o silenciamento que é imposto às mulheres. Ela fala. Ela dá nome aos bois. Ela tenta. Mas infelizmente acaba por não encontrar saídas. Que sim existiam. Mas ela é uma adolescente. E essa fase tudo se amplia, se complica e parece que não existe uma outra possibilidade. Hannah não é uma suicida. Ela é alguém que foi esmagada em sua mais profunda sensibilidade. E suas treze fitas não é um acerto de contas. É um chamado para a conscientização. Precisamos disso. Precisamos colocar a boca no trombone e falar dos abusos que nos são impingidos. Fale! Fale! Fale! Por isso não acredito que a série romantize o suicídio. Mas de jeito nenhum. Reparem na jornada de Jéssica, outra personagem feminina da série, e vejam como é sobre isso também. Romper com o silenciamento. Elas são parecidas. Passaram por situações parecidas. E o final da personagem conversando com o seu pai sobre o estupro que ela sofreu é de arrepiar os pelos do corpo inteiro. Quem já passou por um abuso sexual sabe o quanto é complicado falar sobre isso com alguém. Medo. Vergonha. Nojo. Repulsa. Culpa. Muita culpa. Tudo isso passa pela cabeça da pessoa abusada. E falar sobre isso é um processo libertador. A jornada de Jéssica é exemplar nesse sentido. Justin também é outro personagem que passa por uma conscientização dolorosa. Ele é o menininho bonito da escola, aquele que todas as meninas querem exibir como troféu. No começo é só mais um babaca, mas pouco a pouco suas fichas vão caindo. A cena em que ele é expulso de casa pelo namorado machista da mãe, que o agride, humilha é o retrato fiel de quem ele se tornará se não mudar urgentemente de comportamento. E ele se vê ali. Vê toda a merda que poderá vir a seguir. Também vê sua mãe ali, submissa, imóvel, inábil, destruída emocionalmente, mas escolhendo aquele homem abusivo em detrimento do filho ainda adolescente. É chocante! Até mesmo Bryce (que não tem como defender suas ações) é um garoto a quem não foi dado nenhum limite. Menino rico, melhor esportista da escola, os pais dele estão sempre viajando e nunca aparecem na série. No fundo, é tudo sobre privilégios e consequências desse machismo em nossa sociedade.
"Sonhe grande, eles dizem. Mire alto. Depois eles nos trancam por 12 anos e dizem onde sentar, quando fazer xixi e o que pensar. Então fazemos 18 anos e, mesmo que nunca tenhamos pensado sozinhos, temos que tomar a decisão mais importante de nossas vidas."
Os pais retratados na série não fazem ideia de quem são seus filhos. Ou são omissos ou superprotetores. E tanto um quanto outro comportamento podem produzir filhos imaturos, dependentes, com baixa autoestima, ansiosos, depressivos. Os diretores, orientadores e professores da escola não possuem qualquer empatia com os adolescentes. São mundos paralelos que não se encontram jamais. Todos (adultos e adolescentes) parecem ter que dar conta de seus problemas sozinhos. Não há interação possível. Não há liberdade. Não há diálogo. Nada! É assustador! E o mais triste de tudo isso é a série se passar num ambiente escolar. Escola essa que deveria educar meninos e meninas para a liberdade, mas só repetem clichês, sem nenhuma possibilidade de mudança. Porque no fundo não há interesse de mudança. Durante todos os episódios me peguei pensando numa frase do Paulo Freire que define a série pra mim e com ela encerro meu texto:
”Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é tornar-se opressor”.
Encerrada a série “The Leftovers” é possível traçar um panorama do que os seus criadores tinham em mente ao criá-la. Executada em três maravilhosas temporada (cada uma melhor que a outra), a série nos jogou numa espécie de limbo emocional ao mostrar um mundo onde 2% da população simplesmente some do nada. Não há explicações. Nada. Simplesmente somem. E o mais genial de tudo é que nunca foi sobre o que teria acontecido. Mas sobre quem dolorosamente ficou. Sobre os que sobraram. Os deixados para trás. Ainda no final da segunda temporada eu escrevi lá no facebook:
É tudo sobre o amor. Sobre a capacidade humana de seguir. Mesmo não sabendo nada de nada. Somos uns perdidos. Jogados ao léu. Obrigados a existir em meio a tantas coisas. É tudo sobre a verdade. Não como conceito. Mas como prática. Somos ensinados a mentir. Suportar. Esconder nossas dores e fracassos. Mentir que está tudo bem mesmo quando não está. É preciso fazer um movimento hercúleo em direção a si mesmo. É preciso saber que se há um mal, ele se esconde na negação de si mesmo e do outro.
Sim. Ainda é sobre isso. E sempre será. A jornada de Kevin e Norah é também a nossa. A jornada em busca de respostas e soluções só traz mais sofrimento. Simplesmente não há respostas. É assim e ponto. O encontro só pode acontecer através da aceitação. O único movimento possível. Ir de encontro à verdade, ao outro ou a si mesmo só acontece quando nos voltamos para dentro. Quando limpamos nosso espelho cheio de poeira (que são as crenças, as certezas, nossos pseudos conhecimentos). Quando nos tornamos inocentes outra vez. De certa forma habitamos universos paralelos. E todos os pensadores foram unânimes em afirmar que quando olhamos para fora, tudo é escuro, e o oposto se dá quando olhamos para dentro. Mas não somos ensinados para lidar com as coisas de dentro. Não somos ensinados a contemplar o silêncio e a solidão. Não somos ensinados a amar. Pelo contrário. Somos doutrinados a mentir, a crer, a buscar, a temer. E o que “The Leftovers” nos escancara de maneira avassaladora é que tudo é muito mais simples do que pensávamos. O mundo é apenas uma projeção do nosso medo. Buscamos respostas para coisas que não existem e nos esquecemos do que existe. Do que sempre esteve ali na nossa cara escancarado o tempo todo. A questão toda não era sobre em como descobrir a verdade, mas como se lembrar dela. Uma coisa que sempre me chamou a atenção na série é que todo mundo que desapareceu estava numa situação de não ser desejado. O bebê que chorava enquanto a mãe estava na lavanderia, a amante de Kevin, os filhos e marido de Norah, o bebê ainda na barriga de Laurie e assim vai. Pra mim, a série é sobre isso. Sobre lembrar de algo que existe, mas que em algum momento se perdeu.
Certa vez a escritora Clarice Lispector perguntou ao dramaturgo Nelson Rodrigues qual era a coisa mais importante do mundo. “É amor”, ele disse. Ela então perguntou; Qual a coisa mais importante para uma pessoa como indivíduo? “É a solidão!”
Sim! Sim! Mil vezes sim!
Daí que "The Leftovers" sempre se destacou por sua jornada extremamente sensível no que diz respeito à sensação desestabilizadora diante da perda. Não a aceitamos. Não fomos preparados para ela. E muito menos somos preparados para aceitar o mistério. Queremos respostas. O mais bonito de tudo é que a "resposta" que a série nos proporcionou ao final de sua jornada é que o que realmente importa é o aqui e o agora. Chegou finalmente a hora de cessar os sonhos e as recordações e viver o presente. Belíssimo!
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The End of the F***ing World (1ª Temporada)
3.8 817 Assista Agora"The End Of The F***ing World" é uma série deliciosa e viciante. Vi todos os episódios quase numa tacada só. Alyssa e James são dois adolescentes completamente disfuncionais, mas apaixonantes. A série é britânica e está disponível pela Netflix. São apenas 8 episódios de 20 minutos, baseada numa HQ homônima de Charles S. Forsman. Alex Lawther e Jessica Barden vivem o casal protagonista e arrasam! A trilha sonora é uma delícia! RECOMENDO!!!!
Vândalo Americano (1ª Temporada)
4.1 97 Assista AgoraPartindo de uma premissa satírica em relação aos documentários criminais que tanto se popularizaram nos últimos anos, os criadores conseguem deixar a gente completamente preso no sofá tentando descobrir quem pichou os pintos nos carros dos professores. Sim. Esse é o enredo! Mais absurdo impossível, né? Mas essa é a genialidade da obra. Toda a culpa cai em Dylan, garoto problemático, que é visto por todos como um idiota. Sem chances de defesa, o garoto é expulso da escola e obrigado a pagar os danos nos carros dos professores. É ai que surge Peter Maldonado, um cinéfilo que estuda na mesma escola que Dyllan e decide investigar o que realmente aconteceu... O mais bacana de "American Vandal" é que é impossível classificá-la num só gênero. É totalmente anárquica. É um falso documentário. É comédia. É drama. Tudo ao mesmo tempo. E ainda proporciona altas reflexões sobre a maneira como uma educação não libertária pode devastar a vida da maioria dos alunos. Além de questionar como nossa sociedade está viciada em julgamentos baseados tão somente na aparência. Daí que a série começa como uma grande piada e termina como algo bastante sério. Essa obrigatoriedade de nos definirmos o tempo todo, de buscarmos entender os meandros de quem e o que somos, se torna totalmente doentia. Não permitindo que possamos viver e contemplar a verdadeira vida.
Better Things (1ª Temporada)
4.1 25 Assista Agora"Better Things" é uma série apaixonante. Vi os 10 episódios da primeira temporada praticamente todos de um vez. São curtinhos, 20 minutos cada um. Mas são profundos, engraçados, tristes e contestadores. É uma dramédia encantadora e muito simples. Seu enredo gira em torno de Sam, atriz e mãe de três meninas. Cada uma delas numa fase entre a infância e adolescência e isso acaba sempre por revelar novas facetas nessa mãe contemporânea. Duke é a caçula e a responsável por mostrar um lado mais fofo e meigo de Sam. Frank é a filha do meio, e a mais negligenciada, e por isso mesmo, a mais interessante. Nitidamente é transgênera, mas isso é retratado de maneira sutil. É a mais contestadora tb. Mas é a mais velha e a que mais dá trabalho. Quer se desgarrar da mãe, mas ao mesmo tempo que quer ser protegida dos perigos da vida "adulta". É a mais contraditória das três. Fora isso, tb acompanhamos a relação da protagonista com sua mãe. Esse é o calcanhar de Aquiles dela. Uma relação bem mal resolvida e que nos traz um certo incomodo pela maneira grosseira com é tratada pela filha. Os relacionamentos de Sam com o ex-marido e alguns flertes tb aparecem na série. Assim como o ambiente de trabalho dela. Sam é uma atriz que já foi muito conhecida, mas como envelheceu perdeu valor no mercado. Ainda faz um trabalho ou outro, mas nunca está realizado ou feliz com aquilo. Esses são os arcos tragicômicos representados na série. Não tem plot twist, nem nada disso. Mas é muito prazeroso de assistir. E Pamela Adlon é MARAVILHOSA!!!!!
Merlí (3ª Temporada)
4.4 186Confesso que chorei em todos os episódios. É uma série tão linda, tão nostálgica que nos encanta e enternece. Não. Não é uma série perfeita. Tem seus defeitos. Mas a humanidade que ela nos transmite é uma coisa absurda. É impossível não se apegar aos personagens, seus dramas, seus romances. Discutindo filosofia em sala de aula temos o protagonista Merlí, um daqueles professores que fazem diferença na vida de um aluno. Merlí é alma da série. É imperfeito, contestador e encantador como ela. Ele me faz lembrar de professoras que eu tive e que fizeram diferença em quem sou hoje. Minha mais pura gratidão a todos vocês! Essa terceira temporada foi ainda mais crítica e politizada, em sala de aula Merlí discutiu pensadores como Walter Benjamin, Adam Smith, Albert Camus, Karl Marx, Hannah Arendt, Kierkegaard, Thoreau, Bauman, Heidegger, Hegel, Santo Agostinho. E teve um sabor todo especial. Era o último ano dos alunos. E tudo parecia embevecido de nostalgia e perda da inocência. Impossível não lembrar da nossa própria adolescência, dos amigos que fizemos e que nunca mais vimos, dos aprendizados, dos professores, da escola, de tudo. Merlí deixará saudades!
Merlí (1ª Temporada)
4.5 220É uma série apaixonante e necessária para pensarmos uma porção de coisas. Parte grande desses méritos vem do protagonista da série, um professor de filosofia com métodos nada ortodoxos que encanta seus alunos e os faz pensar por si próprios. É lindo, gente! Merlí é um apaixonado pelo que faz e consegue transmitir isso aos seus alunos. Mas longe de ser um personagem idealizado. Não. Ele tem defeitos. Aos montes. Mas seus vícios e vicissitudes são parte integrante de seu charme. Merlí é um anti-herói por natureza. Falastrão. Sedutor. Se envolve amorosamente com uma professora e uma mãe de um aluno. Se envolve nos problemas pessoais dos alunos. Aconselha. Briga com a diretoria da escola. Provoca inveja em outros professores. Mas sabe dar aulas como poucos. E seus alunos se apaixonam por ele e pela filosofia. Volto a repetir, é lindo! Ah, a série é permeada por reflexões filosóficas. Cada episódio se discute um filósofo ou uma vertente filosófica. Só na primeira temporada discutiu-se Platão, Maquiavel, Aristóteles, Sócrates, Schopenhauer, Foucault, Guy Debord, Epicuro, Hume, Nietzsche, além dos céticos, sofistas e peripatéticos. Cada um desses serve de gancho para a reflexão de problemas que os personagens passam ao longo do episódio. Os temas também são amplos e tratados com respeito e profundidade. Fora isso, todo o elenco é maravilhoso e isso é surpreendente visto que a maioria é adolescente. Cada personagem tem suas características bastante definidas e cumprem num primeiro momento aquele estereótipo adolescente: o galã rebelde que pratica bullying, o estudioso tímido, a amiga fiel, a problemática e assim vai... Além disso, tem um personagem que abandonou às aulas por sofrer de agorafobia e o filho de Merlí que também terá aulas com ele. O menino é gay, mas completamente enrustido. Os pais dos alunos também aparecem e fica bem claro que na maioria das vezes, o problema dos alunos tem início dentro de suas próprias casas. Pais autoritários ou omissos demais. Assim como professores que já estão de saco cheio de suas profissões. Temos com isso, um panorama bastante amplo de questões que poderiam se perder ou acabar virando uma mistura nada agradável. Mas o roteiro é muito bom e te faz ficar preso em cada uma daquelas histórias, sem julgá-las, mas procurando entender como cada coisa acabou acontecendo. Toda a série é falada em catalão e isso é uma poesia para os ouvidos. Como possíveis pontos negativos destaco a ausência de alunos negros que participem do enredo principal e um certo tom novelesco que perpassa algumas tramas. Mas nem isso é capaz de estragar o deleite que é assisti-la. Hoje mesmo já comecei a assistir a segunda temporada e já já posto o que achei. Sim. Fiquei muito viciado nessa série. A terceira e última temporada estará disponível em fevereiro tb na Netflix e eu não quero perder de jeito nenhum!!!!!
PS: Ah, a série provoca na gente uma nostalgia muito peculiar. Todos nós já assistimos filmes ou novelas que mostram o cotidiano de uma escola. Me peguei pensando em “Carrossel”, na professora Helena e seus alunos, em algumas temporadas de “Malhação” ou em “Sociedade dos Poetas Mortos”. Preparem os lencinhos!
Black Mirror (4ª Temporada)
3.8 1,3K Assista AgoraSOBRE O EPISÓDIO "HANG THE DJ":
Acabei de assistir ao episódio "Hang The DJ" e estou devastado. "Black Mirror" é uma série interessantíssima por possibilitar que o olhar do espectador possa passear por suas propostas e tirar suas próprias conclusões. Apesar de parecer um episódio "mais feliz" que os demais, é triste para caramba. Pois nos fala sobre a incapacidade que a imensa maioria da humanidade tem de gostar de sua própria companhia, de desfrutar daquilo que Clarice Lispector chama de o mais precioso que podemos ter: a nossa solidão. Num mundo cada vez mais cheio de aparelhos, aplicativos e barulho é quase impossível exercitar nossa capacidade de estar bem sozinho. Somos constantemente impelidos a buscar algo que está fora de nós. Tudo o que se precisa para “evitar” o tédio e a solidão é um aparelho celular, conexão wi-fi ou de dados e muita conversa fiada. Nada de muito importante é dito ali. Faça um teste, pense nas notificações que você recebe nesses aplicativos e diga para si mesmo qual a porcentagem de relevância delas? Provavelmente quase nenhuma. Mas eis a contradição moderna, quase tudo, apesar de banal, é encarado como urgente. No episódio, não há qualquer perspectiva de se ficar sozinho. Essa probabilidade é tenebrosa. De relacionamento em relacionamento, vão embarcando numa situação incômoda. Estão desesperados não para amar alguém (ou toda a humanidade, o que seria lindo e utópico), mas para se acharem dignos de receber o amor de alguém. Essa condição é de uma miserabilidade tão profunda, que me fez chorar várias e várias durante o episódio. Como não somos ensinados ao autoconhecimento e a gostar de nós mesmo e de nossa própria companhia, buscamos num outro aquilo que não temos. O tal sistema (não muito diferente do nosso) sabe que existem milhões de pessoas que se sentem solitárias e que odeiam essa sensação e apenas se utiliza da promessa de encontro perfeito para lucrar. Foi assim com a televisão, com o walkman e agora com os celulares e as redes sociais. Sem essas bugigangas quantos de nós saberíamos como preencher as horas? A internet foi então encarada como um “milagre” para os solitários de plantão. Num simples clique e pronto. Tudo muda. E o melhor, se a conversa não tiver boa, é só sair ou encerrar o papo ou deletar a pessoa e recomeçar tudo outra vez. Sem traumas. Não é uma maravilha? Se usado com parcimônia e sabedoria pode até ser, mas e o quanto disso é fuga da realidade ou medo da solidão? Tudo isso se potencializa ao habitarmos um mundo consumista, que deseja algo ou alguém para consumo imediato. Buscamos satisfação garantida ou nosso dinheiro de volta. O mais poderoso e triste do episódio em questão é que o amor é uma mercadoria iguais a todas às outras. E o sociólogo polonês Zigmunt Bauman já escreveu que “o amor é uma hipoteca baseada num futuro incerto e inescrutável”. E essa talvez seja sua maior beleza. Porque é preciso coragem para pular do trapézio sem rede de proteção. Sim. A possibilidade do amor não é para os fracos, nem para os medrosos, nem para os desesperados. O amor só pode existir para aquele que sabe desfrutar de sua solitude e ainda se encantar e maravilhar diante da alteridade radical.
Big Little Lies (1ª Temporada)
4.6 1,1K Assista AgoraConfesso que comecei a assistir “Big Little Lies” por causa do elenco. Pensa numa série com Nicole Kidman, Laura Dern, Reese Witherspoon e Shailene Woodley... Mas a trama é tão fabulosa que do nada você se pega refém daquele universo, tentando entender e proteger aquelas personagens. Tudo acontece em dois planos narrativos: o presente e o passado. Quando a série começa sabemos que aconteceu um crime, que alguém morreu e que está ocorrendo uma investigação para se descobrir quem matou. Mas não sabemos nada. Nem mesmo quem morreu, como morreu, nem quem matou. NADA! No passado, acompanhamos a rotina de cinco mulheres até o acontecimento. São elas:
Madeline, casada com Ed, mãe de duas meninas (uma delas já adolescente com o primeiro marido Nathan). Ela é esquentada, gosta de se envolver nos rolos dos outros e extremamente amiga, daquelas que se pode contar pra tudo.
Celeste, casada com Perry, mãe de gêmeos. Aparentemente tem um casamento perfeito e invejado por todos. Abandonou a carreira de advogada para cuidar do marido e dos filhos.
Renata, casada, mãe de uma menina. É uma executiva de sucesso. E se culpa por não poder se dedicar à educação da filha como gostaria. É superprotetora e agressiva quando mexem com sua família.
Jane, cria um filho sozinha. É a única pobre das mulheres. Chega meio que fugida na cidade. Tem um passado nebuloso.
Bonnie, é casada com o ex-marido de Madeline. Mãe de uma menina. É a mais alternativa das mulheres.
Importante salientar que as crianças estão todas na mesma faixa de idade e estudam juntas na mesma escola e classe. E todo o rolo acontece no primeiro dia de aula quando a filha de Renata acusa o filho de Jane de machucá-la. Renata que não é muito querida pelas outras mães faz um escândalo e exige que o menino se desculpe publicamente. Ele se recusa e a balbúrdia está feita. As mães dos outros alunos se dividem e até mesmo uma petição pedindo a expulsão do garoto da escola é iniciada. A briga das crianças acaba por revelar ressentimentos escondidos daquelas mães e pouco a pouco vamos sabendo mais das pequenas grandes mentiras daquele local.
Na excelente abertura da série já dá pra sacar muita coisa. Somente as mães aparecem dirigindo os carros que irão levar seus filhos para a escola. Os pais são omissos e parecem não fazer questão de participar da vida escolar das crianças. O quebra-cabeça que a série nos propõe exige paciência. Tudo vai sendo desvelado aos poucos. E o que posso dizer aqui sem incorrer no risco de soltar spoilers é que é uma das séries mais incisivas sobre as variadas formas de violência contra as mulheres já vista. Incrível a habilidade dos roteiristas, diretores e elenco de contar essa história de maneira tão realista. O cenário é paradisíaco e as mansões dos personagens são cinematográficas. Mas tudo está ali com um propósito muito bem definido. Aquelas mansões são fachadas que escondem as fissuras dos personagens que as habitam. Tudo é um jogo de cena. E nada é o que parece. A hipocrisia reina e todos têm muito a esconder. O que faz com que tudo fique ainda mais emocionante de se acompanhar.
É preciso que se diga que é louvável que uma série se proponha a esmiuçar os meandros das relações amorosas e familiares com essa coragem e ousadia. É uma obra feminista como poucas vezes se viu. São 5 protagonistas femininas com seus dramas. São tramas que discutem abertamente as conseqüências nefastas da socialização machista e misógina dos homens. Nem mesmo as crianças estão isentas. É chocante! No domingo (02 de abril) a HBO levou ao ar o último capítulo e eu simplesmente fiquei sem ar o episódio inteiro. Vou repetir: É chocante!
Sei que vou chover no molhado, mas o elenco inteiro dá um show. Mas o destaque absoluto é para a composição da atriz Nicole Kidman. Que performance!!!! É impossível ficar indiferente a sua história. A trilha sonora é uma personagem do enredo. É maravilhosa! Olha, vou parar por aqui, do contrário vou ficar elogiando, elogiando, elogiando. Se você ainda não viu, pare tudo que você está fazendo e veja! São apenas 7 episódios de 50 minutos cada. Vale muito a pena! Queria poder escrever mais coisas, mas sinto que revelaria trechos importantes do enredo e não quero estragar a experiência de quem não viu.
13 Reasons Why (1ª Temporada)
3.8 1,5K Assista AgoraTEM SPOILER! SE NÃO VIU A SÉRIE, NÃO LEIA!
" - Eu te amo e nunca vou te magoar. Eu não vou embora, nem agora, nem nunca. Eu te amo, Hannah.
- Mas por que você não disse isso quando eu estava viva?”
Gostaria de começar esse meu texto sobre a série “13 Reasons Why" da Netflix indo bem direto ao ponto. Comecei a assistir devido a enxurrada de textos que dominaram as redes sociais. No começo eram só elogios e aos poucos opiniões profissionais alertando dos perigos da série. Fiquei curioso e fui assistir. Confesso que os dois primeiros episódios não me pegaram tanto. Achei a direção um tanto quanto preguiçosa e depois que fui perceber que o diretor era o mesmo do filme “Spotlight” que eu odiei. Depois do segundo episódio a direção muda e eu comecei a gostar e me envolver com os personagens e história. Durante os episódios seguintes fiquei tentando entender tanto as críticas positivas quanto as negativas e meu pensamento ia sempre para uma outra direção. Explico. Não acho que o tema central seja suicídio ou depressão ou coisa parecida. Creio que a coisa é muito mais profunda que isso e pouca gente conseguiu captar por causa dessa polarização idiota de gostar ou não. Mas evitei falar sobre isso porque queria assistir aos episódios todos e só depois emitir uma opinião ou não.
Bom, no meu ponto de vista o tema central da série é a socialização masculina e suas conseqüências desastrosas na sociedade. Repare que todos, sim, eu disse todos os personagens são vítimas desse processo civilizatório. O que Hannah faz com suas fitas é trazer consciência de cada ato. Sim. De um jeito torto, adolescente, mas ela está tentando entender. E esse é o aspecto que mais gosto na série. Precisamos falar sobre isso. Homens e mulheres são educados de maneira diferentes, conflitantes até. A polícia de gênero vigia os corpos antes mesmo de eles nascerem. Toda educação, sonhos e futuro são definidos quando o médico diz o sexo dos bebês. É como se fosse um nefasto sistema de castas indiano. Nasceu homem e se manteve heterossexual? Toma aqui alguns inúmeros privilégios. Deu a infelicidade de nascer mulher? Vamos te constranger psicologicamente e te fazer submissa. Quase sem nenhuma possibilidade de sair fora ou se mover dentro desse sistema.
E o que a série nos apresenta é um estudo assustador dessa socialização masculina. A esmagadora maioria dos meninos retratados possui uma dormência emocional assustadora. Falta-lhes o essencial: empatia, compaixão. Mas não foram ensinados a ter. Não chore. Seja homem. Não demonstre sentimento, emoção. Seja homem. Pegue o máximo de meninas que conseguir, sem se importar com nada. Seja homem. E acima de tudo não seja um gay, não seja mulherzinha. E o que é ser gay ou mulherzinha nesse contexto? É ter sentimentos. É se importar com os sentimentos alheios. É nesse momento em que todos são vítimas e ao mesmo tempo algozes de si mesmo e uns dos outros. É preciso se vigiar. É preciso vigiar o amigo. Então, tome brincadeirinhas de gosto duvidoso. Elas servem de alertas. Olha aqui, se você ousar sair do esperado, vai se dar muito mal. Todos os personagens masculinos da série são extremamente solitários. Não dividem segredos. Não conversam sobre nada que não seja videogame, mulher, cerveja, sexo e esporte. São inábeis emocionalmente. Todos sofrem, mas não sabem como sair desse círculo vicioso.
Na outra ponta, temos as personagens femininas. Elas até querem ser amigas umas das outras, mas não conseguem. O estado de competição que são impostos a elas também cobra seu preço. Elas precisam disputar os meninos entre si. Você nunca se perguntou os motivos daquele garoto idiota sempre estar namorando uma garota muito mais interessante que ele? Garotos assim raramente ficam sem namorar. Repara! Mulheres são socializadas para serem mantenedoras da vida, das relações. Aceitam a submissão e perdem o seu melhor. É triste. Mas é assim.
"Tem que melhorar, a maneira que tratamos uns aos outros e olhamos uns pelos outros, de alguma forma temos que melhorar."
E correndo por fora. Temos os “outsiders”. Aqueles que são diferentes dos demais e que podem fazer a diferença no mundo. Na série são representados por Hannah e Clay. Esses são talvez os que mais sofrem. Porque representam tudo aquilo que incomoda os demais. Então, pagaram o preço também. Toda a história que acompanhamos é do ponto de vista desses dois personagens. Eles se gostam, mas não conseguem admitir o sentimento que nutrem um pelo outro. Clay é o típico adolescente nerd, intovertido, magro demais, sensível demais, inteligente demais, não faz nenhum esporte, não tem traquejo com as meninas.. Ele também sobre bullying dos outros garotos. E seu contato com Hannah é apenas superficial. Embora ambos queiram estreitar esses laços, não conseguem. Com a morte de Hannah, Clay se revolta contra tudo e todos e mergulha num processo destrutivo e necessário.
"Este armário é especial, ele era de uma garota que se matou. Estão vendo todos esses cartaz de "não se mate" nas paredes? Eles não estavam ali antes. Eles foram colocados porque ela se matou. E por que ela fez isso? Por que os jovens daqui a trataram feito merda, mas ninguém admite. Então pintaram os banheiros e fizeram um memorial, porque esta escola é assim. Todos são muito legais até que fazem você se matar. E cedo ou tarde, a verdade virá à tona. Ela vira à tona. Bem-vindos a escola Liberty."
Essa suposta ordem é brutal e representa uma visão de mundo machista e misógina que chamamos de Patriarcado. Um sistema que oprime, explora e objetifica mulheres. E é exatamente esse o conteúdo de todas as 13 fitas gravadas por Hannah. Ela não está depressiva. Ela não quer se suicidar. Ela só não aguenta mais conviver com tudo isso. Daí, que é preciso mudar um pouco o foco do nosso entendimento da série. Não é sobre vingança como vi muita gente escrevendo por ai. Ela não quer se vingar de nada. Ela quer entender os porquês disso tudo acontecer com ela. Ela não é uma sociopata (!!!!!) como também li algumas críticas. Ela é uma adolescente com toda uma vida pela frente que descobre cedo demais como o mundo pode ser cruel com mulheres que não se submetem aos seus desmandos. Hannah rompe com o silenciamento que é imposto às mulheres. Ela fala. Ela dá nome aos bois. Ela tenta. Mas infelizmente acaba por não encontrar saídas. Que sim existiam. Mas ela é uma adolescente. E essa fase tudo se amplia, se complica e parece que não existe uma outra possibilidade. Hannah não é uma suicida. Ela é alguém que foi esmagada em sua mais profunda sensibilidade. E suas treze fitas não é um acerto de contas. É um chamado para a conscientização. Precisamos disso. Precisamos colocar a boca no trombone e falar dos abusos que nos são impingidos. Fale! Fale! Fale! Por isso não acredito que a série romantize o suicídio. Mas de jeito nenhum. Reparem na jornada de Jéssica, outra personagem feminina da série, e vejam como é sobre isso também. Romper com o silenciamento. Elas são parecidas. Passaram por situações parecidas. E o final da personagem conversando com o seu pai sobre o estupro que ela sofreu é de arrepiar os pelos do corpo inteiro. Quem já passou por um abuso sexual sabe o quanto é complicado falar sobre isso com alguém. Medo. Vergonha. Nojo. Repulsa. Culpa. Muita culpa. Tudo isso passa pela cabeça da pessoa abusada. E falar sobre isso é um processo libertador. A jornada de Jéssica é exemplar nesse sentido. Justin também é outro personagem que passa por uma conscientização dolorosa. Ele é o menininho bonito da escola, aquele que todas as meninas querem exibir como troféu. No começo é só mais um babaca, mas pouco a pouco suas fichas vão caindo. A cena em que ele é expulso de casa pelo namorado machista da mãe, que o agride, humilha é o retrato fiel de quem ele se tornará se não mudar urgentemente de comportamento. E ele se vê ali. Vê toda a merda que poderá vir a seguir. Também vê sua mãe ali, submissa, imóvel, inábil, destruída emocionalmente, mas escolhendo aquele homem abusivo em detrimento do filho ainda adolescente. É chocante! Até mesmo Bryce (que não tem como defender suas ações) é um garoto a quem não foi dado nenhum limite. Menino rico, melhor esportista da escola, os pais dele estão sempre viajando e nunca aparecem na série. No fundo, é tudo sobre privilégios e consequências desse machismo em nossa sociedade.
"Sonhe grande, eles dizem. Mire alto. Depois eles nos trancam por 12 anos e dizem onde sentar, quando fazer xixi e o que pensar. Então fazemos 18 anos e, mesmo que nunca tenhamos pensado sozinhos, temos que tomar a decisão mais importante de nossas vidas."
Os pais retratados na série não fazem ideia de quem são seus filhos. Ou são omissos ou superprotetores. E tanto um quanto outro comportamento podem produzir filhos imaturos, dependentes, com baixa autoestima, ansiosos, depressivos. Os diretores, orientadores e professores da escola não possuem qualquer empatia com os adolescentes. São mundos paralelos que não se encontram jamais. Todos (adultos e adolescentes) parecem ter que dar conta de seus problemas sozinhos. Não há interação possível. Não há liberdade. Não há diálogo. Nada! É assustador! E o mais triste de tudo isso é a série se passar num ambiente escolar. Escola essa que deveria educar meninos e meninas para a liberdade, mas só repetem clichês, sem nenhuma possibilidade de mudança. Porque no fundo não há interesse de mudança. Durante todos os episódios me peguei pensando numa frase do Paulo Freire que define a série pra mim e com ela encerro meu texto:
”Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é tornar-se opressor”.
The Leftovers (3ª Temporada)
4.5 427 Assista AgoraEncerrada a série “The Leftovers” é possível traçar um panorama do que os seus criadores tinham em mente ao criá-la. Executada em três maravilhosas temporada (cada uma melhor que a outra), a série nos jogou numa espécie de limbo emocional ao mostrar um mundo onde 2% da população simplesmente some do nada. Não há explicações. Nada. Simplesmente somem. E o mais genial de tudo é que nunca foi sobre o que teria acontecido. Mas sobre quem dolorosamente ficou. Sobre os que sobraram. Os deixados para trás. Ainda no final da segunda temporada eu escrevi lá no facebook:
É tudo sobre o amor. Sobre a capacidade humana de seguir. Mesmo não sabendo nada de nada. Somos uns perdidos. Jogados ao léu. Obrigados a existir em meio a tantas coisas. É tudo sobre a verdade. Não como conceito. Mas como prática. Somos ensinados a mentir. Suportar. Esconder nossas dores e fracassos. Mentir que está tudo bem mesmo quando não está. É preciso fazer um movimento hercúleo em direção a si mesmo. É preciso saber que se há um mal, ele se esconde na negação de si mesmo e do outro.
Sim. Ainda é sobre isso. E sempre será. A jornada de Kevin e Norah é também a nossa. A jornada em busca de respostas e soluções só traz mais sofrimento. Simplesmente não há respostas. É assim e ponto. O encontro só pode acontecer através da aceitação. O único movimento possível. Ir de encontro à verdade, ao outro ou a si mesmo só acontece quando nos voltamos para dentro. Quando limpamos nosso espelho cheio de poeira (que são as crenças, as certezas, nossos pseudos conhecimentos). Quando nos tornamos inocentes outra vez. De certa forma habitamos universos paralelos. E todos os pensadores foram unânimes em afirmar que quando olhamos para fora, tudo é escuro, e o oposto se dá quando olhamos para dentro. Mas não somos ensinados para lidar com as coisas de dentro. Não somos ensinados a contemplar o silêncio e a solidão. Não somos ensinados a amar. Pelo contrário. Somos doutrinados a mentir, a crer, a buscar, a temer. E o que “The Leftovers” nos escancara de maneira avassaladora é que tudo é muito mais simples do que pensávamos. O mundo é apenas uma projeção do nosso medo. Buscamos respostas para coisas que não existem e nos esquecemos do que existe. Do que sempre esteve ali na nossa cara escancarado o tempo todo. A questão toda não era sobre em como descobrir a verdade, mas como se lembrar dela. Uma coisa que sempre me chamou a atenção na série é que todo mundo que desapareceu estava numa situação de não ser desejado. O bebê que chorava enquanto a mãe estava na lavanderia, a amante de Kevin, os filhos e marido de Norah, o bebê ainda na barriga de Laurie e assim vai. Pra mim, a série é sobre isso. Sobre lembrar de algo que existe, mas que em algum momento se perdeu.
Certa vez a escritora Clarice Lispector perguntou ao dramaturgo Nelson Rodrigues qual era a coisa mais importante do mundo. “É amor”, ele disse. Ela então perguntou; Qual a coisa mais importante para uma pessoa como indivíduo? “É a solidão!”
Sim! Sim! Mil vezes sim!
Daí que "The Leftovers" sempre se destacou por sua jornada extremamente sensível no que diz respeito à sensação desestabilizadora diante da perda. Não a aceitamos. Não fomos preparados para ela. E muito menos somos preparados para aceitar o mistério. Queremos respostas. O mais bonito de tudo é que a "resposta" que a série nos proporcionou ao final de sua jornada é que o que realmente importa é o aqui e o agora. Chegou finalmente a hora de cessar os sonhos e as recordações e viver o presente. Belíssimo!