Apesar da temática batida, baseada na indústria do Holocausto, a qualidade da estória, em si, compensa qualquer possível crítica ideológica que possa ser feita, em um primeiro momento.
As atuações são excelentes (Com destaque infinito a Christopher Plummer I - A iniciativa de colocar um protagonista idoso na trama foi brilhante, aliás, e quebrou padrões hollywoodianos), a trilha sonora me lembrou as dos filmes do Hitchcock e a fotografia não deixa a desejar (Mesmo sendo bastante objetiva, ainda reserva momentos de contemplação paisagística, conciliando a beleza audiovisual com o desenvolvimento da narrativa).
Enfim, o filme é bom técnica e idealmente. É, no mínimo, inspirador, para quem gosta de cinema. E espero que Atom Egoyan faça mais filmes como esse.
A história do Mané Galinha é um exemplo extremamente realista de determinismo. Apesar de exagerada, se aplica, mesmo que de forma desproporcional, para muitos casos de pessoas que "partem para a realidade do crime" por não terem mais o que fazer, ou seja, por falta de alternativas e oportunidades na vida. E o filme te faz refletir sobre a situação de cada morador da Cidade de Deus, além dele, do Mané Galinha, apesar de ele ser o exemplo mais escancarado de alguém que estava resistindo às influências desumanas que o meio trazia mas que teve que ceder. E então é impossível não traçar um paralelo entre a condição do Zé Pequeno e a do Mané Galinha. Porque o primeiro foi um psicopata bem adaptado ao que o meio determinava que ele devia fazer; enquanto o segundo foi alguém resistente, que tentou não se corromper. E aí, apesar da resistência, no final, começou a fazer tudo que não queria fazer antes, até ser naturalmente punido, de todas as formas possíveis, assim como todos os outros que já haviam se submetido àquela realidade.
Vide a trajetória do personagem após ter sua vida destruída por Zé Pequeno, quando resolve que deve se aliar com Cenoura (O concorrente do Zé Pequeno) para se vingar: 1º Assalto: "Regra é regra" 2º Assalto: "Exceção da regra." 3º Assalto: "A Exceção virou regra."
Depois desse terceiro assalto, Mané Galinha foi punido primeiro pelo Estado e depois, naturalmente, pela humanidade - Ou seja, de todas as formas possíveis. Primeiro, ele foi preso e, depois, o filho do primeiro homem que ele matou (Para se "defender", ainda por cima), vingou a morte do pai, matando o Mané.
E é por conta da trajetória dessa personagem, principalmente, que esse filme traz uma reflexão social muito forte. É para exemplificar algo que acontece todos os dias no Brasil, desde os anos 70 (Lembrando que o filme se passa inicialmente nessa época e que é baseado em fatos reais), e calar a boca de gente que fala hoje que "na época do regime militar não tinha criminalidade" ou que acredita em meritocracia ou que acha que a pena de morte seria justa. Basta pensar em quantos Manés Galinhas já existiram, existem e existirão na história da humanidade para perceber que a miséria corrompe pessoas de boa índole. É necessário destacar isso tudo para mostrar como esses discursos são falaciosos e retratar da forma mais desconfortável possível a realidade do nosso país.
Levando tudo isso em conta, não tenho dúvidas de que esse tapa na cara que Cidade de Deus dá é obrigatório, atualmente. As pessoas não podem esquecer desse filme.
Mas eu achei a produção brilhante, tecnicamente. O jeito como a história é contada é cheio de reviravoltas e é sempre parcial, oscilando ora a favor de Amanda e outrora a favor da mídia e das autoridades. E a conclusão ainda relativiza o desfecho do caso. Ou seja, a condução do documentário te prende do início ao fim.
Como Slavoj Žižek analisou Solaris em Lacrimae Rerum: "É um terror junguiano". Pois é, estando de acordo, é impossível não ver como anagrama às condições do planeta Solaris toda a teoria de C. J. Jung. Essa é a premissa do filme. Todo o fenômeno da trama vai desde as projeções das introspecções do herói, Kris Kelvin, até o inconsciente coletivo que se restabelece uma vez dada a presença de cada indivíduo no ambiente em questão - Se você é um ser humano e está lá no planeta, ele, que tem internalizado um cérebro multiforme, maleável, consciente e ardiloso, se adapta à sua mente, penetra nela, e realiza os seus desejos inconscientes; se você corresponde à tal vontade, conscientemente, pouco importa. O comportamento do planeta Solaris, apesar de sistematizado, é irracional e invasivo. A materialização das preciosidades do inconsciente de cada habitante, em sua singularidade, é o que lá está, compactado no local. Em resumo: "Projeções ou exteriorizações do inconsciente", isso é o junguismo de Tarkóvski.
Diante desse contexto, não sobram dúvidas de que estamos diante do universo tarkovskiano: toda essa circunstância segue o maior estilo de Stalker, pois, apesar de Solaris realizar praticamente o que propõe em sua teoria (E a tal Zona de Stalker, não, por um desdobramento contrário do roteiro), o argumento ainda é o mesmo. Considerando a Zona e o planeta Solaris respectivamente como “Coisa” e “Outra Coisa”, em Stalker, para quem sabe, tem um triângulo A'B'C' que define o elenco da estória, e esse triângulo, ou seja, a união entre as personagens, se desfaz no final da trama para os situados A' e C' virarem as costas para o B' e destruírem a Coisa, traindo o protagonista. As três personagens principais (A, B e C: Escritor, Stalker e Professor), não são nada mais do que a personificação de cada lado do triângulo. E isso se confirma com a simbologia da cena final, que também se encaixa ao anagrama contextual, em que a filha do “Stalker”, com poderes telecinéticos, move três copos: o copo A tem álcool porque corresponde à arte, ou seja, coisa que exclui da razão e entrega aos prazeres mundanos, às pulsões de Vida, Eros, etc; o B é Deus, a religião e/ou quem tenta propor isso, como uma espécie de sacerdote, e ele é o único que cai entre os três, pois, de fato, se vê desmoronado por ter sido traído pelos seus dois clientes; e C é a ciência, o gelo, ou seja, das três é a coisa mais sólida, pura, rígida e vazia. Essa cena final, inclusive, confirma o poder da Zona, apesar de se manifestar apenas com efeitos indiretos. Enquanto que, em Solaris, a “Outra Coisa” interage com o protagonista constantemente porém, tem um estopim, é feita uma interação final e suprema, e quem estimula Solaris para isso são seus colegas, Sartorius e Snout, que decidem o deixar em Solaris após realizarem seu encefalograma, para comprovar a potência fenomenal do planeta, materializando a vontade dele de voltar à Terra, porém, o aprisionando para sempre em uma ilha de Solaris, junto com os Neutrinos que esculpem a imagem do pai e de seu cachorro de estimação (Que, para terem sido materializados, obviamente morreram enquanto Kris esteve fora da Terra e que são frutos do encefalograma de Kris) em sua querida Datcha terrena. E, sobre a simbologia dessa cena final, vale lembrar do misterioso cão de estimação que ilustra o quadro (Como em Nostalghia e Stalker, aqui Tarkóvski firma seus simbolismos particulares) para fechar o filme com chave de ouro para quem sabe o que ele pode representar. Todos os cães do cinema de Tarkóvski aparecem nas horas certas, como verdadeiros companheiros dos homens, para aliviar os desamparos dos protagonistas quando eles se encontram em situações de extremo vazio existencial e, muitas vezes, próximos à morte talvez não física mas espiritual, ou, se também estiverem frente à morte dupla, também é válida a presença do animal.
É importante destacar que, para confirmar a forte base psicanalítica em Solaris, o que estabelece o "fenômeno de materialização" da Coisa - Hari - são as alucinações hipnagógicas de Kelvin. A partir desse elemento se fixa o argumento onírico de Tarkovski em Solaris. A via em que o roteiro optou para ser o "meio da concretização" da Coisa, confirma de modo incontestável toda a influência do movimento psicológico aqui presente, ou seja, o da psicanálise. Então, dentro de Solaris, o ato de sonhar liga as duas divisões da mente (Consciente e inconsciente), abre as portas da mente, e, assim, acaba exteriorizando os devidos elementos sonhados. Assim, a psicanálise diz que os sonhos são manifestações representativas do subconsciente sobre os maiores valores do ser, relacionadas às nossas vontades, que se manifestam deformadas sob um viés latente. É exatamente isso que acontece quando Kelvin dorme. Nós, espectadores, não podemos saber do que o sonho se trata; porém, recalcado, dá para saber que se trata de Hari, e só dela, não importando sua apresentação pictórica, o protagonista apenas dorme, e, logo em seguida vemos os resultados lá, projetados no mundo exterior. E além dessa consistência onírica de Solaris, a justiça que Tarkóvski já fazia ao seu modelo estético é admirável, por ter harmonia total com o conteúdo do filme. Os quadros oníricos e fílmicos da estética sempre adotam um caráter quixotista - Em relação a essa característica, basta notar a estética P&B, do início ao fim, de cada sonho em cada filme -. Lembremos da ideia principal de Andrei Rublev: o filme todo se desenvolve no seu próprio passado, e a direção guarda uma carta debaixo da manga em relação à sua própria singularidade. Ou seja, na época em que foi produzido, já havia recursos para fazer filmes coloridos, mas, só para Tarkóvski se manter fiel ao seu estilo, as cores se manifestam apenas na cena final, quando a trama se desdobra até o presente. Isso ocorre porque somente o presente pode ser colorido, enquanto que qualquer tipo de desvio temporal, se retratado, para o diretor, deve aderir à estética P&B (É aí que dá para perceber que toda a trama não passa de um conjunto de memórias relembradas tanto por Andrei como por todo o ciclo paradoxal que reúne o conjunto de personagens presentes no elenco; e que o desfecho é a única cena que se passa no "presente do filme". À vista disso, abstratamente, o filme "vive" por si só.) Os componentes fundamentais para determinar e contrastar os sonhos tarkovskianos são, principalmente: estado de vigília em consonância repetitiva com a vida onírica (Condição quixotesca), ausência de diálogos, um razoável slow motion, memórias, etc. Mas nunca os sonhos se aproximam de espécies de surrealismos. Sempre se mantêm sutis e mais próximos de lembranças dos sonhadores do que de manipulações de desejos determinantes.
Agora, voltando a falar sobre Solaris. Aqui, no filme em questão, Kelvin sonha com sua Datcha e com um plano nevado, consecutiva e repetidamente, alternando entre o mesmo sonho e a realidade, sem parar, do início ao fim da estória. Para tornar incontestável esse traço elementar do cinema de Tarkovski, além de Andrei Rublev, é engraçado lembrar que esse mesmo comportamento subjetivo do protagonista está, também, em Andrei, o herói de Nostalghia. Então, no final de contas, podemos ficar à vontade para afirmar que a maioria dos protagonistas tarkovskianos (O homônimo Andrei Rublev, Andrei de Nostalghia, Kris em Solaris...) é definida por sonhadores quixotescos e que essa "coisa intrínseca" e puramente psicológica sempre se retrata com um padrão visual correspondente às personalidades dos heróis dos filmes.
É fundamental levar em conta as referências artísticas de Solaris: citações literárias que vão desde as lamentações de um suposto "Dostoiévski de segunda", o inconveniente sentimento de Tolstoi de falta de amor pela humanidade, e o materialismo de Sancho Pança e o idealismo de Dom Quixote, até o dilema de Fausto; a trilha sonora composta por Ich ruf zu dir, Herr Jesu Christ, de Bach, reproduzida magistralmente por Edward Artemiev; a fotografia pictórica e contemplativa de Vadim Yusov; e, por fim, a exibição do quadro Caçadores na Neve, de Bruegel. Todas essas referências e apologias à arte se sobrepõem com significado no decorrer do filme, porém, no final, chega o clímax, ou seja, a cena da levitação: em que todas as artes abordadas se somam (Literatura, música, fotografia e pintura), resultam em uma coisa só, e todos os elementos que compõem esse quociente se manifestam simultaneamente, formando um verdadeiro espetáculo dinâmico e poético, baseado em todos os fantasmas e feridas subjetivas de Kris. Essa base é o que torna todo esse “show sensorial”, acima de tudo, humano, filosófico, sutil e anticientificista, contrastando com o argumento de 2001, de Kubrick, que discursa sobre “Até onde vamos chegar? Até onde podemos transcender para além da Terra?”; enquanto que, aqui, o discurso é “Será que vamos chegar a algum lugar? afinal, não conseguimos nem transcender para além de nós mesmos”. Desprezo pela hipocrisia da corrida especial e da Guerra Fria é mais um argumento de Solaris. E, também, antes disso, o método para fazer essa crítica é um ode à arte! Tudo isso resultou na cena mais perfeita que já vi no cinema.
Sobre meu argumento de autoridade usado no início da crítica, para quem quiser saber mais sobre a análise do filósofo citado, recomendo a leitura de Lacrimae Rerum.
Assisti só para ver as participações da Kim Gordon e do Harmony Korine mas acabei gostando do filme como um todo. Por que é tão criticado? a "chatice" e a lentidão são propositais e repletas de significados.
E é por isso que a direção do Gus Van Sant é sutil e reflexiva. A fotografia tem perspectiva própria e entra em harmonia constante com a trilha sonora (Principalmente na cena em que toca Venus in Furs), que é o elemento cinematográfico principal para o tema de Últimos Dias, e assim tem suficiência para expressar toda a ideia contida no roteiro.
Não consegui entender por que esse filme é tão desprezado e repudiado pela maioria de quem assistiu.
"Videogames são o primeiro estágio num plano para as máquinas ajudarem os humanos. É o único plano que reserva um futuro para a inteligência. Agora, a principal filosofia de nossa época se expressa através da situação do Pac-man. Sacrificando minhas moedas para jogar, eu não percebi que esse jogo iria conquistar o mundo: Sendo uma perfeita metáfora gráfica para a condição humana, provavelmente expressa o equilíbrio entre o indivíduo e o meio-ambiente, e, sabiamente, nos alerta que, embora possamos ganhar renomes e méritos com nossas vitórias, as nossas vidas sempre acabarão mal."
O argumento político presente nos últimos dois contos me surpreendeu por ser a última coisa que esperei ver depois de me decepcionar com o primeiro e com o segundo curta. Nesses últimos contos, em suas abordagens históricas, Borowczyk filtrou e selecionou duas personagens perfeitas para expressar seu discurso sobre a depravação e a corrupção que vêm de cima para baixo. As histórias de Isabel Báthory e de Lucrécia Bórgia evidenciam, por si só, uma única e grande crítica realista não só à nobreza húngara e ao papado italiano mas a qualquer grupo que estabeleça uma hegemonia em qualquer sociedade. Então, a partir daí, se expressa a ideia de que a imoralidade vem mesmo da elite, que prega hipocritamente a moralidade, e que castra as castas inferiores para suprir ao máximo suas próprias necessida(vonta)des, que são, por trás de tudo, sexuais. É uma crítica que resume toda a relação intrínseca entre poder e sexo, e que exprime um sintoma presente em qualquer sociedade desde os tempos mais remotos da existência.
E a estética é tosca mas ao mesmo tempo poética e erótica - às vezes soa tão estúpida quanto uma pornochanchada brasileira. Assim se vê o que se espera de um filme desse gênero. A fotografia é extremamente sexualizada e então é recorrente o foco forçoso da câmera nas partes íntimas das personagens (Porém, nunca ocorre em momentos de cenas de sexo, pois não há cena nenhuma de sexo explícito); a trilha sonora clássica não tem a mínima harmonia com as estórias dos curtas, o que contribui com a absurdez dos momentos de clímax sexual e desesperador, por exemplo, no momento do estupro no segundo conto; os scripts são minimalistas, dando um tom misterioso e desconfortável; e o desenrolar dos começos, dos meios e dos finais de todos os curtas é sempre o mesmo, e, assim, é estabelecido um clichê cíclico e sufocante para os desenvolvimentos de todos esses curtas. Lembra um pouco dos estilos de Sade e de Pasolini, só que com um tom mais tosco.
Um bônus que você ganha ao assistir esse filme é: ver a filha caçula do Picasso atuando como a condessa Bathory.
Através de estéticas teatrais um turbilhão de conceitos filosóficos e sociais se manifesta: do inconsciente coletivo o espectador vai parar no determinismo e na negação dos nacionalismos em pleno momento histórico de Guerra Fria. Tudo para construir uma das mais poéticas críticas à pena de morte no sistema judiciário japonês. Apesar do estilo surreal e "à la nouvelle vague", ao pensar, em primeiro lugar, em referências posteriores, é impossível não lembrar e apor o discurso com Não Matarás, de Kiéslowski e Dançando no Escuro, de Lars Von Trier. Os argumentos são sutis e pueris mas não deixam de ter uma suficiente carga filosófica e social para abrir os olhos dos ouvintes diante de um absurdo que passou por despercebido, sendo aceito por muitas culturas durante determinada época, e que depois foi superado, mas que até hoje assim passa, em alguns países, despercebido, e perdura e é aceito. Por exemplo:
"-Matar é errado? -Claro. -Então nesse caso me matar é errado também, não é?", diz o protagonista condenado à morte.
Identificando com a literatura, cumpre o papel da arte para Kafka, ou seja, de desmascarar o real para expor seus absurdos intrínsecos diante do público. Afinal de contas, quem é que já leu Kafka e não lembrou de O processo ao assistir esse filme? acredito que ninguém. A sinopse é basicamente a mesma. O protagonista é um criminoso, não se identifica como tal e tenta se safar de um sistema orgânico, complexo e, acima de tudo, abstrato, como é destacado pelo próprio R. ao dizer "Eu não quero morrer por uma abstração". Essa é uma influência que não pode deixar de ser apontada pois está, não só na crítica e no significado da coisa em si, mas também na estética, porque esse humor negro, esse aspecto grotesco e sufocante, e, enfim, esse realismo fantástico, são todos atributos kafkaescos que embelezam Koshikei como um todo.
Além das boas referências artísticas, é por esses trechos do script, citados anteriormente, e por quase todos os outros, que o filme se consagra. Os diálogos são muito subjetivos e profundos por serem desenvolvidos diante de contextos de tensão, de disputa e de sufoco em busca da razão e de um consenso geral, embora nem todos visem a mesma finalidade e então uns queiram buscar, para resolver o problema, a solução humanitária e outros a mais mecanicista. A partir desse clima se apresenta um dos pontos mais fortes do filme. E para quem entende sobre a história da Ásia e conhece as consequências do constante imperialismo japonês presente há seculos no continente, pode ter, além de seu valor psicológico e filosófico, um quê cientificamente sociológico e histórico.
Se não é a obra-prima da New Wave Japonesa, é, pelo menos, a do Ōshima.
Enquanto assistia ao filme, só pensava em como foi que fizeram para produzi-lo. Esse ver "idiossincrásico", que quero compartilhar com vocês, é um dos melhores caminhos para compreender a beleza, a grandiosidade e a imersão de A montanha sagrada. Embora cada cena soe simples, sem preliminares para serem expostas, tudo se desfecha e desdobra naturalmente, com espontaneidade e indiferença, sendo que uma cena supera a outra no quesito de qualidade! E isso passa por despercebido. Se o ouvinte for ignorante, vai considerar tudo como algo fútil, normal e simplório; porém, se lhe ocorrer o contrário, e este tiver sensibilidade para o cinema, ele se apaixonará não só pela proposta do filme, mas pela obra em si, e pelo diretor. Do início ao fim de A montanha sagrada, não há cena que não seja rica e grandiosa. Para enxergar a beleza da obra, basta reparar nos detalhes, no figurino, na ambientação e no cenário, e nos contextos absurdos - Fazendo jus ao gênero surrealista -, que, juntos, engrenam uma trama superficialmente nonsense, mas, simultaneamente, poética, ácida e crítica em sua profundidade.
É importante ressaltar que, em seu conteúdo, A montanha sagrada não só critica e sintetiza ideias, mas também homenageia e faz suas apologias. Na primeira parte do filme, em que não há diálogos e segue o pretexto da trajetória do "Ladrão" (Ou Jesus Cristo... que seja!), antes de ele se encontrar com o monge interpretado por Jodorowsky, na cena das formigas caminhando sobre a mão de um personagem randômico, quem não se lembrou de Un chien andalou? E, além do mais, ainda houve uma cena que fez abordagem óbvia à "boca" de Le charme discret de la burgeoisie. Enfim, além de a significação dos hieróglifos de A montanha sagrada se dispor à função de ser uma "metralhadora de críticas", como já disseram aqui antes, apresenta, concomitantemente, uma série de homenagens ao grande Buñuel.
Sendo tão inteligente e recheado, A montanha sagrada, ainda por cima, foi lançado em 73! Vale lembrar isso. Perdoem-me o clichê, mas Jodorowsky é um verdadeiro gênio. Em 1973, sem a existência da internet, ter, conhecer e organizar ideias, críticas, e filosofias, estar a par da estética surrealista, só pode acontecer a alguém muito articulado intelectualmente. Este alguém, entretanto, a partir desse momento, se legitima como um artista. Alejandro, sendo assim, apto para o talento artístico e inclinado para o surrealismo, quando ele resolveu pegar e sintetizar tudo que aprecia em uma só obra, buscando faze-la grandiosa por via de uma produção extensa, exagerada e recheada de técnicas pesadas para e época, só podia gerar uma coisa: uma obra-prima. Sabendo dessas coisas, dá para entender que não estou usando tal termo gratuitamente. Pense em cada elemento que se apresenta na película. Por exemplo: pense nos balões, nos sapos vestidos de soldados, nos atores bizarros, nos passarinhos voando dos corpos dos personagens/figurantes que morrem, nas tarântulas caminhando pelo corpo de um dos atores etc etc etc. E, inclusive, sobretudo, lembre da primeira cena, em que duas atrizes se dispõem a raspar suas cabeças, ficando carecas! - Logo na introdução, expõe-se o registro de uma legítima, real e ousada impressão do tempo em prol da arte -. Pensou? Imagina o processo para registrar cada uma dessas cenas. E então, viu só como não dá para discordar que é uma obra-prima?
"Esperei-te ontem toda a manhã, sabiam eles que tu não vinhas. Mas o tempo... sabes? estava uma maravilha! Mas hoje, quando estás aqui, fizeram eles um dia escuro, com a chuva. E pelos ramos frios as gotas deslizam, e nada, nem as palavras, nem o lenço as paralisam."
Uma psicanálise filmada, com diálogos teatrais e basicamente realistas sobre o amor, num clima louco e latente. Apesar de ser uma produção simplória, com um elenco de apenas dois personagens e sem muitos detalhes, é um filme bem interessante.
Memórias Secretas
4.1 353 Assista AgoraQue exemplo de roteiro! Criativo, conciso, simples, diferente, surpreendente e imprevisível. Esses são os melhores adjetivos para definir Remember.
Apesar da temática batida, baseada na indústria do Holocausto, a qualidade da estória, em si, compensa qualquer possível crítica ideológica que possa ser feita, em um primeiro momento.
As atuações são excelentes (Com destaque infinito a Christopher Plummer I - A iniciativa de colocar um protagonista idoso na trama foi brilhante, aliás, e quebrou padrões hollywoodianos), a trilha sonora me lembrou as dos filmes do Hitchcock e a fotografia não deixa a desejar (Mesmo sendo bastante objetiva, ainda reserva momentos de contemplação paisagística, conciliando a beleza audiovisual com o desenvolvimento da narrativa).
Enfim, o filme é bom técnica e idealmente. É, no mínimo, inspirador, para quem gosta de cinema. E espero que Atom Egoyan faça mais filmes como esse.
Cidade de Deus
4.2 1,8K Assista AgoraA história do Mané Galinha é um exemplo extremamente realista de determinismo. Apesar de exagerada, se aplica, mesmo que de forma desproporcional, para muitos casos de pessoas que "partem para a realidade do crime" por não terem mais o que fazer, ou seja, por falta de alternativas e oportunidades na vida. E o filme te faz refletir sobre a situação de cada morador da Cidade de Deus, além dele, do Mané Galinha, apesar de ele ser o exemplo mais escancarado de alguém que estava resistindo às influências desumanas que o meio trazia mas que teve que ceder. E então é impossível não traçar um paralelo entre a condição do Zé Pequeno e a do Mané Galinha. Porque o primeiro foi um psicopata bem adaptado ao que o meio determinava que ele devia fazer; enquanto o segundo foi alguém resistente, que tentou não se corromper. E aí, apesar da resistência, no final, começou a fazer tudo que não queria fazer antes, até ser naturalmente punido, de todas as formas possíveis, assim como todos os outros que já haviam se submetido àquela realidade.
Vide a trajetória do personagem após ter sua vida destruída por Zé Pequeno, quando resolve que deve se aliar com Cenoura (O concorrente do Zé Pequeno) para se vingar:
1º Assalto: "Regra é regra"
2º Assalto: "Exceção da regra."
3º Assalto: "A Exceção virou regra."
Depois desse terceiro assalto, Mané Galinha foi punido primeiro pelo Estado e depois, naturalmente, pela humanidade - Ou seja, de todas as formas possíveis. Primeiro, ele foi preso e, depois, o filho do primeiro homem que ele matou (Para se "defender", ainda por cima), vingou a morte do pai, matando o Mané.
E é por conta da trajetória dessa personagem, principalmente, que esse filme traz uma reflexão social muito forte. É para exemplificar algo que acontece todos os dias no Brasil, desde os anos 70 (Lembrando que o filme se passa inicialmente nessa época e que é baseado em fatos reais), e calar a boca de gente que fala hoje que "na época do regime militar não tinha criminalidade" ou que acredita em meritocracia ou que acha que a pena de morte seria justa. Basta pensar em quantos Manés Galinhas já existiram, existem e existirão na história da humanidade para perceber que a miséria corrompe pessoas de boa índole. É necessário destacar isso tudo para mostrar como esses discursos são falaciosos e retratar da forma mais desconfortável possível a realidade do nosso país.
Levando tudo isso em conta, não tenho dúvidas de que esse tapa na cara que Cidade de Deus dá é obrigatório, atualmente. As pessoas não podem esquecer desse filme.
Amanda Knox
3.6 229 Assista AgoraGuede tem tudo para ser o culpado. O resto é espetacularização midiática para lucrar em cima da história. Uma tempestade num copo d'água.
Mas eu achei a produção brilhante, tecnicamente. O jeito como a história é contada é cheio de reviravoltas e é sempre parcial, oscilando ora a favor de Amanda e outrora a favor da mídia e das autoridades. E a conclusão ainda relativiza o desfecho do caso. Ou seja, a condução do documentário te prende do início ao fim.
Um Conto Chinês
4.0 852 Assista AgoraSe eu fosse o Roberto eu traduziria pelo Google Translate tudo que o Jun tinha para falar.
Um Dia na Vida de Andrei Arsenievitch
4.5 5Que final maravilhoso.
Santa Sangre
4.2 150Mr. Fenix é uma mistura de Norman Bates com Vega e Narrador do Clube da Luta.
Solaris
4.2 369 Assista AgoraComo Slavoj Žižek analisou Solaris em Lacrimae Rerum: "É um terror junguiano". Pois é, estando de acordo, é impossível não ver como anagrama às condições do planeta Solaris toda a teoria de C. J. Jung. Essa é a premissa do filme. Todo o fenômeno da trama vai desde as projeções das introspecções do herói, Kris Kelvin, até o inconsciente coletivo que se restabelece uma vez dada a presença de cada indivíduo no ambiente em questão - Se você é um ser humano e está lá no planeta, ele, que tem internalizado um cérebro multiforme, maleável, consciente e ardiloso, se adapta à sua mente, penetra nela, e realiza os seus desejos inconscientes; se você corresponde à tal vontade, conscientemente, pouco importa. O comportamento do planeta Solaris, apesar de sistematizado, é irracional e invasivo. A materialização das preciosidades do inconsciente de cada habitante, em sua singularidade, é o que lá está, compactado no local. Em resumo: "Projeções ou exteriorizações do inconsciente", isso é o junguismo de Tarkóvski.
Diante desse contexto, não sobram dúvidas de que estamos diante do universo tarkovskiano: toda essa circunstância segue o maior estilo de Stalker, pois, apesar de Solaris realizar praticamente o que propõe em sua teoria (E a tal Zona de Stalker, não, por um desdobramento contrário do roteiro), o argumento ainda é o mesmo. Considerando a Zona e o planeta Solaris respectivamente como “Coisa” e “Outra Coisa”, em Stalker, para quem sabe, tem um triângulo A'B'C' que define o elenco da estória, e esse triângulo, ou seja, a união entre as personagens, se desfaz no final da trama para os situados A' e C' virarem as costas para o B' e destruírem a Coisa, traindo o protagonista. As três personagens principais (A, B e C: Escritor, Stalker e Professor), não são nada mais do que a personificação de cada lado do triângulo. E isso se confirma com a simbologia da cena final, que também se encaixa ao anagrama contextual, em que a filha do “Stalker”, com poderes telecinéticos, move três copos: o copo A tem álcool porque corresponde à arte, ou seja, coisa que exclui da razão e entrega aos prazeres mundanos, às pulsões de Vida, Eros, etc; o B é Deus, a religião e/ou quem tenta propor isso, como uma espécie de sacerdote, e ele é o único que cai entre os três, pois, de fato, se vê desmoronado por ter sido traído pelos seus dois clientes; e C é a ciência, o gelo, ou seja, das três é a coisa mais sólida, pura, rígida e vazia. Essa cena final, inclusive, confirma o poder da Zona, apesar de se manifestar apenas com efeitos indiretos. Enquanto que, em Solaris, a “Outra Coisa” interage com o protagonista constantemente porém, tem um estopim, é feita uma interação final e suprema, e quem estimula Solaris para isso são seus colegas, Sartorius e Snout, que decidem o deixar em Solaris após realizarem seu encefalograma, para comprovar a potência fenomenal do planeta, materializando a vontade dele de voltar à Terra, porém, o aprisionando para sempre em uma ilha de Solaris, junto com os Neutrinos que esculpem a imagem do pai e de seu cachorro de estimação (Que, para terem sido materializados, obviamente morreram enquanto Kris esteve fora da Terra e que são frutos do encefalograma de Kris) em sua querida Datcha terrena. E, sobre a simbologia dessa cena final, vale lembrar do misterioso cão de estimação que ilustra o quadro (Como em Nostalghia e Stalker, aqui Tarkóvski firma seus simbolismos particulares) para fechar o filme com chave de ouro para quem sabe o que ele pode representar. Todos os cães do cinema de Tarkóvski aparecem nas horas certas, como verdadeiros companheiros dos homens, para aliviar os desamparos dos protagonistas quando eles se encontram em situações de extremo vazio existencial e, muitas vezes, próximos à morte talvez não física mas espiritual, ou, se também estiverem frente à morte dupla, também é válida a presença do animal.
É importante destacar que, para confirmar a forte base psicanalítica em Solaris, o que estabelece o "fenômeno de materialização" da Coisa - Hari - são as alucinações hipnagógicas de Kelvin. A partir desse elemento se fixa o argumento onírico de Tarkovski em Solaris. A via em que o roteiro optou para ser o "meio da concretização" da Coisa, confirma de modo incontestável toda a influência do movimento psicológico aqui presente, ou seja, o da psicanálise. Então, dentro de Solaris, o ato de sonhar liga as duas divisões da mente (Consciente e inconsciente), abre as portas da mente, e, assim, acaba exteriorizando os devidos elementos sonhados. Assim, a psicanálise diz que os sonhos são manifestações representativas do subconsciente sobre os maiores valores do ser, relacionadas às nossas vontades, que se manifestam deformadas sob um viés latente. É exatamente isso que acontece quando Kelvin dorme. Nós, espectadores, não podemos saber do que o sonho se trata; porém, recalcado, dá para saber que se trata de Hari, e só dela, não importando sua apresentação pictórica, o protagonista apenas dorme, e, logo em seguida vemos os resultados lá, projetados no mundo exterior. E além dessa consistência onírica de Solaris, a justiça que Tarkóvski já fazia ao seu modelo estético é admirável, por ter harmonia total com o conteúdo do filme. Os quadros oníricos e fílmicos da estética sempre adotam um caráter quixotista - Em relação a essa característica, basta notar a estética P&B, do início ao fim, de cada sonho em cada filme -. Lembremos da ideia principal de Andrei Rublev: o filme todo se desenvolve no seu próprio passado, e a direção guarda uma carta debaixo da manga em relação à sua própria singularidade. Ou seja, na época em que foi produzido, já havia recursos para fazer filmes coloridos, mas, só para Tarkóvski se manter fiel ao seu estilo, as cores se manifestam apenas na cena final, quando a trama se desdobra até o presente. Isso ocorre porque somente o presente pode ser colorido, enquanto que qualquer tipo de desvio temporal, se retratado, para o diretor, deve aderir à estética P&B (É aí que dá para perceber que toda a trama não passa de um conjunto de memórias relembradas tanto por Andrei como por todo o ciclo paradoxal que reúne o conjunto de personagens presentes no elenco; e que o desfecho é a única cena que se passa no "presente do filme". À vista disso, abstratamente, o filme "vive" por si só.) Os componentes fundamentais para determinar e contrastar os sonhos tarkovskianos são, principalmente: estado de vigília em consonância repetitiva com a vida onírica (Condição quixotesca), ausência de diálogos, um razoável slow motion, memórias, etc. Mas nunca os sonhos se aproximam de espécies de surrealismos. Sempre se mantêm sutis e mais próximos de lembranças dos sonhadores do que de manipulações de desejos determinantes.
Agora, voltando a falar sobre Solaris. Aqui, no filme em questão, Kelvin sonha com sua Datcha e com um plano nevado, consecutiva e repetidamente, alternando entre o mesmo sonho e a realidade, sem parar, do início ao fim da estória. Para tornar incontestável esse traço elementar do cinema de Tarkovski, além de Andrei Rublev, é engraçado lembrar que esse mesmo comportamento subjetivo do protagonista está, também, em Andrei, o herói de Nostalghia. Então, no final de contas, podemos ficar à vontade para afirmar que a maioria dos protagonistas tarkovskianos (O homônimo Andrei Rublev, Andrei de Nostalghia, Kris em Solaris...) é definida por sonhadores quixotescos e que essa "coisa intrínseca" e puramente psicológica sempre se retrata com um padrão visual correspondente às personalidades dos heróis dos filmes.
É fundamental levar em conta as referências artísticas de Solaris: citações literárias que vão desde as lamentações de um suposto "Dostoiévski de segunda", o inconveniente sentimento de Tolstoi de falta de amor pela humanidade, e o materialismo de Sancho Pança e o idealismo de Dom Quixote, até o dilema de Fausto; a trilha sonora composta por Ich ruf zu dir, Herr Jesu Christ, de Bach, reproduzida magistralmente por Edward Artemiev; a fotografia pictórica e contemplativa de Vadim Yusov; e, por fim, a exibição do quadro Caçadores na Neve, de Bruegel. Todas essas referências e apologias à arte se sobrepõem com significado no decorrer do filme, porém, no final, chega o clímax, ou seja, a cena da levitação: em que todas as artes abordadas se somam (Literatura, música, fotografia e pintura), resultam em uma coisa só, e todos os elementos que compõem esse quociente se manifestam simultaneamente, formando um verdadeiro espetáculo dinâmico e poético, baseado em todos os fantasmas e feridas subjetivas de Kris. Essa base é o que torna todo esse “show sensorial”, acima de tudo, humano, filosófico, sutil e anticientificista, contrastando com o argumento de 2001, de Kubrick, que discursa sobre “Até onde vamos chegar? Até onde podemos transcender para além da Terra?”; enquanto que, aqui, o discurso é “Será que vamos chegar a algum lugar? afinal, não conseguimos nem transcender para além de nós mesmos”. Desprezo pela hipocrisia da corrida especial e da Guerra Fria é mais um argumento de Solaris. E, também, antes disso, o método para fazer essa crítica é um ode à arte! Tudo isso resultou na cena mais perfeita que já vi no cinema.
Sobre meu argumento de autoridade usado no início da crítica, para quem quiser saber mais sobre a análise do filósofo citado, recomendo a leitura de Lacrimae Rerum.
Últimos Dias
2.9 348 Assista AgoraAssisti só para ver as participações da Kim Gordon e do Harmony Korine mas acabei gostando do filme como um todo. Por que é tão criticado? a "chatice" e a lentidão são propositais e repletas de significados.
E é por isso que a direção do Gus Van Sant é sutil e reflexiva. A fotografia tem perspectiva própria e entra em harmonia constante com a trilha sonora (Principalmente na cena em que toca Venus in Furs), que é o elemento cinematográfico principal para o tema de Últimos Dias, e assim tem suficiência para expressar toda a ideia contida no roteiro.
Não consegui entender por que esse filme é tão desprezado e repudiado pela maioria de quem assistiu.
Sem Sol
4.2 36 Assista Agora"Videogames são o primeiro estágio num plano para as máquinas ajudarem os humanos. É o único plano que reserva um futuro para a inteligência. Agora, a principal filosofia de nossa época se expressa através da situação do Pac-man. Sacrificando minhas moedas para jogar, eu não percebi que esse jogo iria conquistar o mundo: Sendo uma perfeita metáfora gráfica para a condição humana, provavelmente expressa o equilíbrio entre o indivíduo e o meio-ambiente, e, sabiamente, nos alerta que, embora possamos ganhar renomes e méritos com nossas vitórias, as nossas vidas sempre acabarão mal."
Duna de Jodorowsky
4.5 143Vá se foder, Hollywood.
Contos Imorais
2.9 43 Assista AgoraO argumento político presente nos últimos dois contos me surpreendeu por ser a última coisa que esperei ver depois de me decepcionar com o primeiro e com o segundo curta. Nesses últimos contos, em suas abordagens históricas, Borowczyk filtrou e selecionou duas personagens perfeitas para expressar seu discurso sobre a depravação e a corrupção que vêm de cima para baixo. As histórias de Isabel Báthory e de Lucrécia Bórgia evidenciam, por si só, uma única e grande crítica realista não só à nobreza húngara e ao papado italiano mas a qualquer grupo que estabeleça uma hegemonia em qualquer sociedade. Então, a partir daí, se expressa a ideia de que a imoralidade vem mesmo da elite, que prega hipocritamente a moralidade, e que castra as castas inferiores para suprir ao máximo suas próprias necessida(vonta)des, que são, por trás de tudo, sexuais. É uma crítica que resume toda a relação intrínseca entre poder e sexo, e que exprime um sintoma presente em qualquer sociedade desde os tempos mais remotos da existência.
E a estética é tosca mas ao mesmo tempo poética e erótica - às vezes soa tão estúpida quanto uma pornochanchada brasileira. Assim se vê o que se espera de um filme desse gênero. A fotografia é extremamente sexualizada e então é recorrente o foco forçoso da câmera nas partes íntimas das personagens (Porém, nunca ocorre em momentos de cenas de sexo, pois não há cena nenhuma de sexo explícito); a trilha sonora clássica não tem a mínima harmonia com as estórias dos curtas, o que contribui com a absurdez dos momentos de clímax sexual e desesperador, por exemplo, no momento do estupro no segundo conto; os scripts são minimalistas, dando um tom misterioso e desconfortável; e o desenrolar dos começos, dos meios e dos finais de todos os curtas é sempre o mesmo, e, assim, é estabelecido um clichê cíclico e sufocante para os desenvolvimentos de todos esses curtas. Lembra um pouco dos estilos de Sade e de Pasolini, só que com um tom mais tosco.
Um bônus que você ganha ao assistir esse filme é: ver a filha caçula do Picasso atuando como a condessa Bathory.
O Enforcamento
4.1 22Através de estéticas teatrais um turbilhão de conceitos filosóficos e sociais se manifesta: do inconsciente coletivo o espectador vai parar no determinismo e na negação dos nacionalismos em pleno momento histórico de Guerra Fria. Tudo para construir uma das mais poéticas críticas à pena de morte no sistema judiciário japonês. Apesar do estilo surreal e "à la nouvelle vague", ao pensar, em primeiro lugar, em referências posteriores, é impossível não lembrar e apor o discurso com Não Matarás, de Kiéslowski e Dançando no Escuro, de Lars Von Trier. Os argumentos são sutis e pueris mas não deixam de ter uma suficiente carga filosófica e social para abrir os olhos dos ouvintes diante de um absurdo que passou por despercebido, sendo aceito por muitas culturas durante determinada época, e que depois foi superado, mas que até hoje assim passa, em alguns países, despercebido, e perdura e é aceito. Por exemplo:
"-Matar é errado?
-Claro.
-Então nesse caso me matar é errado também, não é?", diz o protagonista condenado à morte.
Identificando com a literatura, cumpre o papel da arte para Kafka, ou seja, de desmascarar o real para expor seus absurdos intrínsecos diante do público. Afinal de contas, quem é que já leu Kafka e não lembrou de O processo ao assistir esse filme? acredito que ninguém. A sinopse é basicamente a mesma. O protagonista é um criminoso, não se identifica como tal e tenta se safar de um sistema orgânico, complexo e, acima de tudo, abstrato, como é destacado pelo próprio R. ao dizer "Eu não quero morrer por uma abstração". Essa é uma influência que não pode deixar de ser apontada pois está, não só na crítica e no significado da coisa em si, mas também na estética, porque esse humor negro, esse aspecto grotesco e sufocante, e, enfim, esse realismo fantástico, são todos atributos kafkaescos que embelezam Koshikei como um todo.
Além das boas referências artísticas, é por esses trechos do script, citados anteriormente, e por quase todos os outros, que o filme se consagra. Os diálogos são muito subjetivos e profundos por serem desenvolvidos diante de contextos de tensão, de disputa e de sufoco em busca da razão e de um consenso geral, embora nem todos visem a mesma finalidade e então uns queiram buscar, para resolver o problema, a solução humanitária e outros a mais mecanicista. A partir desse clima se apresenta um dos pontos mais fortes do filme. E para quem entende sobre a história da Ásia e conhece as consequências do constante imperialismo japonês presente há seculos no continente, pode ter, além de seu valor psicológico e filosófico, um quê cientificamente sociológico e histórico.
Se não é a obra-prima da New Wave Japonesa, é, pelo menos, a do Ōshima.
A Igualdade é Branca
4.0 366 Assista AgoraO melhor filme da trilogia das cores.
A Montanha Sagrada
4.3 467 Assista AgoraEnquanto assistia ao filme, só pensava em como foi que fizeram para produzi-lo. Esse ver "idiossincrásico", que quero compartilhar com vocês, é um dos melhores caminhos para compreender a beleza, a grandiosidade e a imersão de A montanha sagrada. Embora cada cena soe simples, sem preliminares para serem expostas, tudo se desfecha e desdobra naturalmente, com espontaneidade e indiferença, sendo que uma cena supera a outra no quesito de qualidade! E isso passa por despercebido. Se o ouvinte for ignorante, vai considerar tudo como algo fútil, normal e simplório; porém, se lhe ocorrer o contrário, e este tiver sensibilidade para o cinema, ele se apaixonará não só pela proposta do filme, mas pela obra em si, e pelo diretor. Do início ao fim de A montanha sagrada, não há cena que não seja rica e grandiosa. Para enxergar a beleza da obra, basta reparar nos detalhes, no figurino, na ambientação e no cenário, e nos contextos absurdos - Fazendo jus ao gênero surrealista -, que, juntos, engrenam uma trama superficialmente nonsense, mas, simultaneamente, poética, ácida e crítica em sua profundidade.
É importante ressaltar que, em seu conteúdo, A montanha sagrada não só critica e sintetiza ideias, mas também homenageia e faz suas apologias. Na primeira parte do filme, em que não há diálogos e segue o pretexto da trajetória do "Ladrão" (Ou Jesus Cristo... que seja!), antes de ele se encontrar com o monge interpretado por Jodorowsky, na cena das formigas caminhando sobre a mão de um personagem randômico, quem não se lembrou de Un chien andalou? E, além do mais, ainda houve uma cena que fez abordagem óbvia à "boca" de Le charme discret de la burgeoisie. Enfim, além de a significação dos hieróglifos de A montanha sagrada se dispor à função de ser uma "metralhadora de críticas", como já disseram aqui antes, apresenta, concomitantemente, uma série de homenagens ao grande Buñuel.
Sendo tão inteligente e recheado, A montanha sagrada, ainda por cima, foi lançado em 73! Vale lembrar isso. Perdoem-me o clichê, mas Jodorowsky é um verdadeiro gênio. Em 1973, sem a existência da internet, ter, conhecer e organizar ideias, críticas, e filosofias, estar a par da estética surrealista, só pode acontecer a alguém muito articulado intelectualmente. Este alguém, entretanto, a partir desse momento, se legitima como um artista. Alejandro, sendo assim, apto para o talento artístico e inclinado para o surrealismo, quando ele resolveu pegar e sintetizar tudo que aprecia em uma só obra, buscando faze-la grandiosa por via de uma produção extensa, exagerada e recheada de técnicas pesadas para e época, só podia gerar uma coisa: uma obra-prima. Sabendo dessas coisas, dá para entender que não estou usando tal termo gratuitamente. Pense em cada elemento que se apresenta na película. Por exemplo: pense nos balões, nos sapos vestidos de soldados, nos atores bizarros, nos passarinhos voando dos corpos dos personagens/figurantes que morrem, nas tarântulas caminhando pelo corpo de um dos atores etc etc etc. E, inclusive, sobretudo, lembre da primeira cena, em que duas atrizes se dispõem a raspar suas cabeças, ficando carecas! - Logo na introdução, expõe-se o registro de uma legítima, real e ousada impressão do tempo em prol da arte -. Pensou? Imagina o processo para registrar cada uma dessas cenas. E então, viu só como não dá para discordar que é uma obra-prima?
O Espelho
4.3 264 Assista Agora"Esperei-te ontem toda a manhã,
sabiam eles que tu não vinhas.
Mas o tempo... sabes?
estava uma maravilha!
Mas hoje, quando estás aqui,
fizeram eles um dia escuro,
com a chuva.
E pelos ramos frios as gotas deslizam,
e nada, nem as palavras, nem o lenço as paralisam."
Grande Sertão Veredas
3.1 18rapaz, as adaptações de livros para o cinema já eram ruins em 65.
A Chinesa
3.9 135MAO, MAO!
Drive
3.9 3,5K Assista Agorarip waltão
Eu Sei Que Vou Te Amar
3.6 140Uma psicanálise filmada, com diálogos teatrais e basicamente realistas sobre o amor, num clima louco e latente. Apesar de ser uma produção simplória, com um elenco de apenas dois personagens e sem muitos detalhes, é um filme bem interessante.