Se em "No Tempo das Diligências" John Ford funda John Wayne como o mito do faroeste norte-americano, aqui Sergio Leone faz semelhante com Clint Eastwood no faroeste italiano.
Após o vômito na minha cara (“Pi”), a infantilidade formal (“Réquiem para um Sonho”), a falta de noção do ridículo (“Fonte da Vida”), filmes que dão sinal de que o cineasta até poderia ser minimamente decente (“O Lutador” e “Cisne Negro”) e uma merda esquecida (“Noé”); chego em “Mãe!”. Que decepção. A conclusão da minha incursão no cinema de Aronofsky é a certeza de uma candente fragilidade estética e narrativa e de uma presunção absurda.
Para quem quiser entrar nessa comigo, recomendo a leitura das críticas de "Cisne Negro", de "Noé" e de "Mãe!" presentes no site cineplayers.
Adia o confronto final para que na angústia da espera os personagens sejam desenvolvidos em uma trama de companheirismo e redenção, que não se limita ao tempo comprimido da narrativa, estendendo-se ao passado e até ao futuro dos envolvidos.
Simbologias imagéticas e metafóricas não escondem a fragilidade narrativa gritante – quem não consegue mostrar, insistentemente diz – e a afetação estética - narcisista, exaure paulatinamente uma beleza visual - de Makoto Shinkai.
Tem aventura, tem comédia, tem melodrama, tem musical, tem faroeste, tem romance... E, se prestarmos atenção nas minúcias do filme, ele se torna inesquecível desde o primeiro segundo.
As cortinas sobem. Em cada janela se passa um filme: o suspense, o drama, o romance, o musical e o erótico; e James Stewart (como nós) é o espectador, inapto de alterar o encadeamento dos fatos, preso pelo limiar da quarta parede. As cortinas descem.
Com 4 filmes na carreira, Carpenter já havia revisitado Hawks (este "Assalto à 13ª DP") e Hitchcock ("Alguém Me Vigia") com extrema qualidade. A década de 80 prometia.
Tão bom é ver um cineasta com total noção do alcance do seu cinema e da validade dos seus planos. Na escada, à esquerda (oeste) da imagem, diversas pessoas passam durante os longos minutos que o monge, à direita (leste), toma para fazer o mesmo.
Resenha para a mostra "Fora do Caminho" do Cineclube CAASO:
Dois jovens motoqueiros, Wyatt (Peter Fonda, filho do inefável ator Henry Fonda) e Billy (Dennis Hopper), viajam pelos Estados Unidos custeados com o dinheiro recebido em uma transação de drogas no México. No caminho encontram companheiros, entre eles o advogado alcoólatra George Hanson (Jack Nicholson), mas também muito preconceito. Enfim, rumam ao carnaval de Mardi Grass em Nova Orleans.
No entanto, a quintessência está no deslocamento, não em locais preestabelecidos. Ideia reforçada pela opção fílmica de inserir grandes músicas da época nas sequências das viagens de chopper, o que faz da experiência um deleite, não só visual. Com vento no rosto e muito anseio por liberdade, filmava-se então um ícone da contracultura. É um pouco da geração sexo, drogas e rock’n’roll, verdadeira contestadora do conservadorismo.
Este embate entre gerações transcende o campo da diegese e encontra a indústria do cinema norte-americano. Devido a uma profunda crise econômica e ao status quo do momento, os grandes estúdios se viram obrigados a renovar a concepção de produção, com isso a “Era de Ouro de Hollywood” foi substituída pela “Nova Hollywood”. Este filme que vos escrevo foi um dos pioneiros deste período.
Resenha para a mostra "Fora do Caminho" do Cineclube CAASO:
Três jovens – duas inglesas, Liz Hunter (Cassandra Magrath) e Kristy Earl (Kestie Morassi), e um australiano, Ben Mitchell (Nathan Phillips) – viajam pela Austrália até que, durante visita à cratera de Wolf Creek, o carro para de funcionar. Imobilizados e sozinhos na noite de um ambiente ermo, a esperança surge com a chegada de um caminhoneiro local que lhes oferece ajuda. História baseada em fatos reais.
Na região em que a cratera de Wolf Creek se situa, apesar de haver relatos de aparições alienígenas, os protagonistas perceberão que o horror vem de muito perto, vem do homem. A maldade erige da intolerância – da xenofobia e da misoginia, no caso –, e a psicopatia é uma situação extrema entre tanto preconceito e exploração.
O diretor e roteirista Greg McLean optou por prolongar o desenvolvimento dos personagens para gerar apego junto ao público, e seu próprio trabalho de câmera reflete essa intimidade no trato, devido à filmagem com a câmera na mão – com predileção por planos detalhes ou closes –, método que causa trepidação na imagem (usado também para transmitir tensão na segunda metade). Alternando essa proximidade com planos abertos (nestes, a fotografia é das mais belas), a ambientação, que faz ser tangível a grandiosidade e o isolamento do meio, é concebida. Intercalando essas diferentes opções de enquadramento, a montagem consegue ser orgânica na transição de tempo e espaço. Com os artifícios supracitados, a marca autoral do estreante cineasta australiano neste filme alcançou notabilidade (e algumas discórdias) nos festivais de Sundance e de Cannes.
Resenha para a mostra "O Sangue de Tarantino" do Cineclube CAASO:
Estados Unidos pré-Guerra Civil, um país dividido. Especificamente na parte geograficamente inferior, é onde Dr. King Schultz (Christoph Waltz), um alemão caçador de recompensas, está em busca de procurados criminosos, no entanto pouco sabe a respeito de suas aparências. Quem sabe é o ex-escravo, agora liberto pelo estrangeiro, Django (Jamie Foxx), pois esses mesmos foragidos foram seus proprietários no passado. Depois de completada a busca, a dupla continua unida durante todo o inverno, aprimorando as habilidades de caça de Django – a fim de ser o gatilho mais rápido do Sul –, pois o objetivo agora é encontrar e libertar sua esposa, Broomhilda (Kerry Washington), há anos distante de seu amado. Eis que os protagonistas são levados a Calvin Candie (Leonardo DiCaprio), inescrupuloso – quase diabólico – dono de uma plantação e de diversos escravos, muitos deles relacionados à luta de mandingo (espécie de briga de galo entre negros a mando de seus senhores). E é sob o pretexto desses brutais combates que todos os personagens se encontrarão na casa grande de Candie, incluindo seu escravo de confiança, Stephen (Samuel L. Jackson).
A influência mais forte aqui vem do chamado western spaghetti: os faroestes italianos foram realizados nas décadas de 1960 e 1970, filmados costumeiramente na Itália e na Espanha, e conhecidos por trazer uma acentuada estilização gráfica em relação à clássica concepção do faroeste produzido nos Estados Unidos. Seus representantes mais significativos foram Sergio Leone (divindade cinematográfica) e Sergio Corbucci (diretor de “Django” (1966), inspiração primeira deste filme de Quentin Tarantino). A trilha sonora também traz temas típicos desse cinema de gênero, mas faz variação com o rap, ilustrando a potência crescente do negro na cultura estadunidense.
Há quem diga que Tarantino, cineasta já pouco conciso, aqui se excedeu, que faltaram cortes no todo, talvez por ser seu primeiro filme com montagem não creditada a Sally Menke, falecida em 2010. E Broomhilda, das personagens femininas que regem o cinema tarantinesco, é a mais fraca, é uma mulher pouco presente na ação. Independentemente disso, há, sem dúvidas, ricos elementos audiovisuais.
Resenha para a mostra "O Sangue de Tarantino" do Cineclube CAASO:
A capitulação de “Bastardos Inglórios” (Inglourious Basterds, 2009) – com a grafia do título original propositalmente incorreta por motivos não explicados – desliza pela Europa durante a Segunda Guerra Mundial, com ênfase na França ocupada pelo exército alemão. Local este onde, em 1941, a judia Shosanna Dreyfus (Mélanie Laurent) vê, como única sobrevivente, sua família ser massacrada a mando do coronel nazista Hans Landa (Christoph Waltz, no papel que construiu sua fama). Já em 1944, ela conseguira mudar seu nome e se tornar dona de um pequeno cinema francês. Neste mesmo período, “Os Bastardos”, liderados pelo tenente Aldo Raine, o “Apache” (Brad Pitt) – apelido em homenagem ao seu modus operandi –, aterrorizam os nazistas. Esse violento grupo se alia a uma atriz alemã e agente secreta (Diane Kruger) e juntos transformam o que era uma operação dispersa de revide ao genocídio de judeus, em um plano profissional que visa atingir o âmago do Terceiro Reich. Concomitantemente, Shosanna, ao ter conhecimento do uso de seu cinema para exibição de um filme propagandístico de Goebbels (“Orgulho da Nação”) para o alto escalão do governo alemão, também arquiteta sua vingança aos causadores da morte de sua família e de seu povo.
O cinema, sim, pode burlar a História para orquestrar uma farsa, afinal é a ficção propriamente dita; e é justamente este descompromisso com fatos históricos que permite a Quentin Tarantino construir uma poderosa observação da barbárie da guerra. Descomprometimento que se estende à falta de especificação de um gênero fílmico, sendo que o amálgama já é prenunciado pelas diversas formatações dos letreiros da abertura. Se o gênero não é definido, o caráter autoral de seu cineasta é: longos diálogos que não funcionam apenas como ferramenta narrativa, mas também como deleite; violência gráfica; técnica apurada; e fragmentação da narrativa a partir de saltos temporais que retomam situações e personagens.
Impossível chegar a um consenso se é a obra-prima do diretor, mas talvez seja sua maior declaração de amor à sétima arte, a mais sublime de suas metalinguagens.
Resenha para a mostra "O Sangue de Tarantino" do Cineclube CAASO:
Fim de tarde em Austin (Texas), as amigas Jungle Julia (Sydney Tamiia Poitier), Arlene (Vanessa Ferlito) e Shanna (Jordan Ladd) se encontram para passear em bares da cidade. Dentre outros observadores masculinos, o mais peculiar e atento é Stuntman Mike (Kurt Russell), um dublê, como o próprio nome diz, que dirige seu carro indestrutível de profissão.
“À Prova de Morte” (Death Proof, 2007) de Quentin Tarantino e “Planeta Terror” (Planet Terror, 2007) de Robert Rodriguez são a dupla de filmes, originalmente exibidos juntos nas salas estadunidenses (o que não ocorreu no Brasil), que constitui o projeto Grindhouse (nome dado aos cinemas norte-americanos baratos que apresentavam dois filmes de baixo orçamento em sequência), uma homenagem dos dois cineastas ao cinema B.
No filme de Tarantino, a reverência também é à forma. Erros de continuidade na montagem, película danificada, fotografia granulada e a sensação de projeção vagabunda fazem a imersão neste universo de segunda categoria ser imediata.
E quando o diretor alcança isso com seu público, ele está livre para trabalhar o tema da obra: o feminismo. Enquanto o grande embasamento referencial é particular de uma época, o cunho feminista é atemporal e vive por si só. Isto pelo fato da dicotomia ser proposta a partir da construção do machismo, para, depois, catárticos punhos femininos buscarem aluir a desigualdade.
Resenha para a mostra "O Sangue de Tarantino" do Cineclube CAASO:
Pulp: Revista ou livro contendo assunto lúgubre, que é caracteristicamente impresso em papel de segunda classe.
A narrativa não linear apresenta histórias paralelas de protagonismo descentralizado. Vincent Vega (John Travolta, em seu reerguimento no mundo cinematográfico) e Jules Winnfield (Samuel L. Jackson, merecidamente uma constância no cinema tarantinesco) são dois mafiosos designados, pelo chefe Marsellus Wallace (Ving Rhames), de fazer uma cobrança. O mesmo Vincent Vega, embora sabendo dos boatos acerca do obsessivo ciúme de seu superior quando se trata da esposa, Mia Wallace (Uma Thurman, que se imortalizaria como “a noiva” em “Kill Bill – Volumes 1 e 2” (2003, 2004)), deve acompanhá-la em um divertimento noturno enquanto seu chefe viaja; nesta passagem ocorre a famigerada dança entre John Travolta e Uma Thurman (inspirada em “8½” (1963) de Federico Fellini). Butch Coolidge (Bruce Willis, em sua persona habitual), um pugilista no crepúsculo da carreira, envolve-se em uma luta com vencedor previamente acordado, mas não cumpre o trato e agora deve fugir do mafioso que havia lhe dado dinheiro pelo negócio, Marsellus Wallace.
Com total controle da mise-en-scène, bem como da tensão presente em diversos momentos, o preciso trabalho de câmera de Quentin Tarantino – com auxílio da montagem inventiva de Sally Menke (junto do diretor, também responsável pela cronologia desmontada) – aborda a violência naturalmente inserida no cotidiano de personagens atípicos, e, assim, ecoa a amoralidade do espaço, onde o próprio humor negro é orgânico, culminando em um limite situacional quase escatológico. Haveria esperança para os sujeitos desse meio?
Filme símbolo de uma geração, um verdadeiro ícone pop.
Por um Punhado de Dólares
4.2 421 Assista AgoraSe em "No Tempo das Diligências" John Ford funda John Wayne como o mito do faroeste norte-americano, aqui Sergio Leone faz semelhante com Clint Eastwood no faroeste italiano.
Mãe!
4.0 3,9K Assista AgoraApós o vômito na minha cara (“Pi”), a infantilidade formal (“Réquiem para um Sonho”), a falta de noção do ridículo (“Fonte da Vida”), filmes que dão sinal de que o cineasta até poderia ser minimamente decente (“O Lutador” e “Cisne Negro”) e uma merda esquecida (“Noé”); chego em “Mãe!”. Que decepção. A conclusão da minha incursão no cinema de Aronofsky é a certeza de uma candente fragilidade estética e narrativa e de uma presunção absurda.
Para quem quiser entrar nessa comigo, recomendo a leitura das críticas de "Cisne Negro", de "Noé" e de "Mãe!" presentes no site cineplayers.
Onde Começa o Inferno
4.2 128 Assista AgoraAdia o confronto final para que na angústia da espera os personagens sejam desenvolvidos em uma trama de companheirismo e redenção, que não se limita ao tempo comprimido da narrativa, estendendo-se ao passado e até ao futuro dos envolvidos.
5 Centímetros por Segundo
3.9 383Simbologias imagéticas e metafóricas não escondem a fragilidade narrativa gritante – quem não consegue mostrar, insistentemente diz – e a afetação estética - narcisista, exaure paulatinamente uma beleza visual - de Makoto Shinkai.
Sangue de Heróis
3.9 35 Assista AgoraTem aventura, tem comédia, tem melodrama, tem musical, tem faroeste, tem romance... E, se prestarmos atenção nas minúcias do filme, ele se torna inesquecível desde o primeiro segundo.
Janela Indiscreta
4.3 1,2K Assista AgoraAs cortinas sobem. Em cada janela se passa um filme: o suspense, o drama, o romance, o musical e o erótico; e James Stewart (como nós) é o espectador, inapto de alterar o encadeamento dos fatos, preso pelo limiar da quarta parede. As cortinas descem.
O Jardim das Palavras
4.0 363Acredito ser o melhor que o cinema esteticamente presunçoso de Makoto Shinkai pode produzir.
Assalto à 13ª DP
3.7 83Com 4 filmes na carreira, Carpenter já havia revisitado Hawks (este "Assalto à 13ª DP") e Hitchcock ("Alguém Me Vigia") com extrema qualidade. A década de 80 prometia.
Jornada ao Oeste
3.8 20Tão bom é ver um cineasta com total noção do alcance do seu cinema e da validade dos seus planos. Na escada, à esquerda (oeste) da imagem, diversas pessoas passam durante os longos minutos que o monge, à direita (leste), toma para fazer o mesmo.
Sem Destino
4.0 580 Assista AgoraResenha para a mostra "Fora do Caminho" do Cineclube CAASO:
Dois jovens motoqueiros, Wyatt (Peter Fonda, filho do inefável ator Henry Fonda) e Billy (Dennis Hopper), viajam pelos Estados Unidos custeados com o dinheiro recebido em uma transação de drogas no México. No caminho encontram companheiros, entre eles o advogado alcoólatra George Hanson (Jack Nicholson), mas também muito preconceito. Enfim, rumam ao carnaval de Mardi Grass em Nova Orleans.
No entanto, a quintessência está no deslocamento, não em locais preestabelecidos. Ideia reforçada pela opção fílmica de inserir grandes músicas da época nas sequências das viagens de chopper, o que faz da experiência um deleite, não só visual. Com vento no rosto e muito anseio por liberdade, filmava-se então um ícone da contracultura. É um pouco da geração sexo, drogas e rock’n’roll, verdadeira contestadora do conservadorismo.
Este embate entre gerações transcende o campo da diegese e encontra a indústria do cinema norte-americano. Devido a uma profunda crise econômica e ao status quo do momento, os grandes estúdios se viram obrigados a renovar a concepção de produção, com isso a “Era de Ouro de Hollywood” foi substituída pela “Nova Hollywood”. Este filme que vos escrevo foi um dos pioneiros deste período.
Wolf Creek: Viagem ao Inferno
3.1 391Resenha para a mostra "Fora do Caminho" do Cineclube CAASO:
Três jovens – duas inglesas, Liz Hunter (Cassandra Magrath) e Kristy Earl (Kestie Morassi), e um australiano, Ben Mitchell (Nathan Phillips) – viajam pela Austrália até que, durante visita à cratera de Wolf Creek, o carro para de funcionar. Imobilizados e sozinhos na noite de um ambiente ermo, a esperança surge com a chegada de um caminhoneiro local que lhes oferece ajuda. História baseada em fatos reais.
Na região em que a cratera de Wolf Creek se situa, apesar de haver relatos de aparições alienígenas, os protagonistas perceberão que o horror vem de muito perto, vem do homem. A maldade erige da intolerância – da xenofobia e da misoginia, no caso –, e a psicopatia é uma situação extrema entre tanto preconceito e exploração.
O diretor e roteirista Greg McLean optou por prolongar o desenvolvimento dos personagens para gerar apego junto ao público, e seu próprio trabalho de câmera reflete essa intimidade no trato, devido à filmagem com a câmera na mão – com predileção por planos detalhes ou closes –, método que causa trepidação na imagem (usado também para transmitir tensão na segunda metade). Alternando essa proximidade com planos abertos (nestes, a fotografia é das mais belas), a ambientação, que faz ser tangível a grandiosidade e o isolamento do meio, é concebida. Intercalando essas diferentes opções de enquadramento, a montagem consegue ser orgânica na transição de tempo e espaço. Com os artifícios supracitados, a marca autoral do estreante cineasta australiano neste filme alcançou notabilidade (e algumas discórdias) nos festivais de Sundance e de Cannes.
Dito tudo isso, que o gore comece!
Django Livre
4.4 5,8K Assista AgoraResenha para a mostra "O Sangue de Tarantino" do Cineclube CAASO:
Estados Unidos pré-Guerra Civil, um país dividido. Especificamente na parte geograficamente inferior, é onde Dr. King Schultz (Christoph Waltz), um alemão caçador de recompensas, está em busca de procurados criminosos, no entanto pouco sabe a respeito de suas aparências. Quem sabe é o ex-escravo, agora liberto pelo estrangeiro, Django (Jamie Foxx), pois esses mesmos foragidos foram seus proprietários no passado. Depois de completada a busca, a dupla continua unida durante todo o inverno, aprimorando as habilidades de caça de Django – a fim de ser o gatilho mais rápido do Sul –, pois o objetivo agora é encontrar e libertar sua esposa, Broomhilda (Kerry Washington), há anos distante de seu amado. Eis que os protagonistas são levados a Calvin Candie (Leonardo DiCaprio), inescrupuloso – quase diabólico – dono de uma plantação e de diversos escravos, muitos deles relacionados à luta de mandingo (espécie de briga de galo entre negros a mando de seus senhores). E é sob o pretexto desses brutais combates que todos os personagens se encontrarão na casa grande de Candie, incluindo seu escravo de confiança, Stephen (Samuel L. Jackson).
A influência mais forte aqui vem do chamado western spaghetti: os faroestes italianos foram realizados nas décadas de 1960 e 1970, filmados costumeiramente na Itália e na Espanha, e conhecidos por trazer uma acentuada estilização gráfica em relação à clássica concepção do faroeste produzido nos Estados Unidos. Seus representantes mais significativos foram Sergio Leone (divindade cinematográfica) e Sergio Corbucci (diretor de “Django” (1966), inspiração primeira deste filme de Quentin Tarantino). A trilha sonora também traz temas típicos desse cinema de gênero, mas faz variação com o rap, ilustrando a potência crescente do negro na cultura estadunidense.
Há quem diga que Tarantino, cineasta já pouco conciso, aqui se excedeu, que faltaram cortes no todo, talvez por ser seu primeiro filme com montagem não creditada a Sally Menke, falecida em 2010. E Broomhilda, das personagens femininas que regem o cinema tarantinesco, é a mais fraca, é uma mulher pouco presente na ação. Independentemente disso, há, sem dúvidas, ricos elementos audiovisuais.
Bastardos Inglórios
4.4 4,9K Assista AgoraResenha para a mostra "O Sangue de Tarantino" do Cineclube CAASO:
A capitulação de “Bastardos Inglórios” (Inglourious Basterds, 2009) – com a grafia do título original propositalmente incorreta por motivos não explicados – desliza pela Europa durante a Segunda Guerra Mundial, com ênfase na França ocupada pelo exército alemão. Local este onde, em 1941, a judia Shosanna Dreyfus (Mélanie Laurent) vê, como única sobrevivente, sua família ser massacrada a mando do coronel nazista Hans Landa (Christoph Waltz, no papel que construiu sua fama). Já em 1944, ela conseguira mudar seu nome e se tornar dona de um pequeno cinema francês. Neste mesmo período, “Os Bastardos”, liderados pelo tenente Aldo Raine, o “Apache” (Brad Pitt) – apelido em homenagem ao seu modus operandi –, aterrorizam os nazistas. Esse violento grupo se alia a uma atriz alemã e agente secreta (Diane Kruger) e juntos transformam o que era uma operação dispersa de revide ao genocídio de judeus, em um plano profissional que visa atingir o âmago do Terceiro Reich. Concomitantemente, Shosanna, ao ter conhecimento do uso de seu cinema para exibição de um filme propagandístico de Goebbels (“Orgulho da Nação”) para o alto escalão do governo alemão, também arquiteta sua vingança aos causadores da morte de sua família e de seu povo.
O cinema, sim, pode burlar a História para orquestrar uma farsa, afinal é a ficção propriamente dita; e é justamente este descompromisso com fatos históricos que permite a Quentin Tarantino construir uma poderosa observação da barbárie da guerra. Descomprometimento que se estende à falta de especificação de um gênero fílmico, sendo que o amálgama já é prenunciado pelas diversas formatações dos letreiros da abertura. Se o gênero não é definido, o caráter autoral de seu cineasta é: longos diálogos que não funcionam apenas como ferramenta narrativa, mas também como deleite; violência gráfica; técnica apurada; e fragmentação da narrativa a partir de saltos temporais que retomam situações e personagens.
Impossível chegar a um consenso se é a obra-prima do diretor, mas talvez seja sua maior declaração de amor à sétima arte, a mais sublime de suas metalinguagens.
À Prova de Morte
3.9 2,0K Assista AgoraResenha para a mostra "O Sangue de Tarantino" do Cineclube CAASO:
Fim de tarde em Austin (Texas), as amigas Jungle Julia (Sydney Tamiia Poitier), Arlene (Vanessa Ferlito) e Shanna (Jordan Ladd) se encontram para passear em bares da cidade. Dentre outros observadores masculinos, o mais peculiar e atento é Stuntman Mike (Kurt Russell), um dublê, como o próprio nome diz, que dirige seu carro indestrutível de profissão.
“À Prova de Morte” (Death Proof, 2007) de Quentin Tarantino e “Planeta Terror” (Planet Terror, 2007) de Robert Rodriguez são a dupla de filmes, originalmente exibidos juntos nas salas estadunidenses (o que não ocorreu no Brasil), que constitui o projeto Grindhouse (nome dado aos cinemas norte-americanos baratos que apresentavam dois filmes de baixo orçamento em sequência), uma homenagem dos dois cineastas ao cinema B.
No filme de Tarantino, a reverência também é à forma. Erros de continuidade na montagem, película danificada, fotografia granulada e a sensação de projeção vagabunda fazem a imersão neste universo de segunda categoria ser imediata.
E quando o diretor alcança isso com seu público, ele está livre para trabalhar o tema da obra: o feminismo. Enquanto o grande embasamento referencial é particular de uma época, o cunho feminista é atemporal e vive por si só. Isto pelo fato da dicotomia ser proposta a partir da construção do machismo, para, depois, catárticos punhos femininos buscarem aluir a desigualdade.
Pulp Fiction: Tempo de Violência
4.4 3,7K Assista AgoraResenha para a mostra "O Sangue de Tarantino" do Cineclube CAASO:
Pulp: Revista ou livro contendo assunto lúgubre, que é caracteristicamente impresso em papel de segunda classe.
A narrativa não linear apresenta histórias paralelas de protagonismo descentralizado. Vincent Vega (John Travolta, em seu reerguimento no mundo cinematográfico) e Jules Winnfield (Samuel L. Jackson, merecidamente uma constância no cinema tarantinesco) são dois mafiosos designados, pelo chefe Marsellus Wallace (Ving Rhames), de fazer uma cobrança. O mesmo Vincent Vega, embora sabendo dos boatos acerca do obsessivo ciúme de seu superior quando se trata da esposa, Mia Wallace (Uma Thurman, que se imortalizaria como “a noiva” em “Kill Bill – Volumes 1 e 2” (2003, 2004)), deve acompanhá-la em um divertimento noturno enquanto seu chefe viaja; nesta passagem ocorre a famigerada dança entre John Travolta e Uma Thurman (inspirada em “8½” (1963) de Federico Fellini). Butch Coolidge (Bruce Willis, em sua persona habitual), um pugilista no crepúsculo da carreira, envolve-se em uma luta com vencedor previamente acordado, mas não cumpre o trato e agora deve fugir do mafioso que havia lhe dado dinheiro pelo negócio, Marsellus Wallace.
Com total controle da mise-en-scène, bem como da tensão presente em diversos momentos, o preciso trabalho de câmera de Quentin Tarantino – com auxílio da montagem inventiva de Sally Menke (junto do diretor, também responsável pela cronologia desmontada) – aborda a violência naturalmente inserida no cotidiano de personagens atípicos, e, assim, ecoa a amoralidade do espaço, onde o próprio humor negro é orgânico, culminando em um limite situacional quase escatológico. Haveria esperança para os sujeitos desse meio?
Filme símbolo de uma geração, um verdadeiro ícone pop.