Existem várias categorias para chamar os filmes – e outros objetos artísticos também – que fruímos, aproveitamos, curtimos. Tem uma categoria que é boa, mas é informal, e varia muito de pessoa a pessoa por ser uma categoria subjetiva: a dos filmes lindos. É claro que estou fazendo uma brincadeira aqui, pois estamos acostumados a ver como “categorias de filmes” o suspense, a comédia, o drama, e por aí vai – e estes também tem muito de subjetivo por trás de sua pretensa objetividade. Mas sigamos com a nomenclatura subjetiva lindo. O que é um filme lindo? Tenho certeza que muitos de nós já ouviram isso: “tal filme é lindo, lindíssimo”, ou variantes, como “que filme belo”, “é um filme muito bonito”, etc. etc.
Eu acho Túmulo dos vaga-lumes um filme lindíssimo em todo o horror que aborda e com a sensibilidade com que trata das questões relacionadas ao casal de irmãos japoneses no final da Segunda Guerra; também acho O sabor da vida, da Naomi Kawase, um filme muito bonito, novamente um filme japonês e novamente com trato sensível tocante; Morangos silvestres, do Bergman, também entra nesse rol, com a beleza da memória do protagonista. Numa linha mais filosófica, Asas do desejo, de Wim Wenders, é um filme lindo ao questionar a existência, o ser e o não ser, ao questionar o tempo vinculado à existência humana. Por outra razão Cinema paradiso é lindo, maravilhoso ao trazer a experiência cinematográfica e novamente o tempo, pois o protagonista cresce ao longo do filme e se depara com a lembrança de sua vivência passada. Tomboy é um filme bonito ao retratar a homossexualidade de uma criança de modo nada caricato, ao contrário, mostrando suas tensões; A melhor juventude, uma odisséia de 6 horas que atravessa a história recente da Itália é outra maravilha, filme lindo ao mostrar as vicissitudes da vida, os caminhos diversos, as paixões, as lutas...
Paro por aqui porque se não este texto será somente uma enumeração dos tais filmes lindos. Vou me concentrar a partir de agora – e sumariamente – no filme Antes de amanhecer, a lindeza de Richard Linklater (1995). Ali temos duas coisas centrais para o entendimento do filme e que se relacionam com os filmes acima citados: a experiência do amor e do tempo. Acima, de um jeito ou de outro, todos os filmes lidam com ao menos um destes temas, amor e/ou tempo, e os tratam de maneira bela, delicada, sensível, sem caricatura, sem forçação de barra, sem clichês – ou quando com clichês, estes se relacionam bem com o amor e com o tempo de modo a integrar à experiência de amor e de tempo. Digo experiência porque quero dizer que é algo que encontra eco na vida real, vida real aqui entendida como uma experiência de vida, uma vivência, algo que vira memória. Em suma: coisa de humano, de ser vivo, que para ser assim deve ser humano e manter relações humanas, ou seja, interpessoais, intergrupais, recusando assim, pois, as relações de internet, as relações robóticas e mecanizadas, etc.
O que é então o filme do Linklater? Há dois jovens num trem na Europa, ambos lendo, ela na frente e ele atrás do vagão – eles não se conhecem, mas já percebemos que tem algo em comum, o hábito de leitura. Por algo do acaso, algo tão particular e presente nas nossas vidas, ela troca de lugar e senta ao lado dele, mas na fileira do lado. Trocam algumas palavras e, também por razoes circunstanciais, ele, Jesse (Ethan Hawke), a convida (Celine, interpretada por Julie Delpy) para ir ao vagão de restaurante. Aqui começa uma breve história de amor, que dura mais ou menos 24h – tempo da narrativa, que começa agora e termina no outro dia, pela manhã, quando Jesse deve embarcar para os EUA (estão em Viena, Áustria). A cena que estamos comentando – a conversa no vagão do restaurante – é o ponto de partida de uma relação que vai ser muito profunda e intensa, porém breve. Jesse e Celine, americano e francesa, conversam como se se conhecessem desde crianças, falam de suas vidas, de seus gostos, brincam, enfim, uma conversa que todo mundo gostaria de ter e quem já teve sabe como é bom, de perceber a reciprocidade e a intimidade, as semelhanças com o outro, num processo incipiente de alteridade, com muitas trocas, enfim... (Acho que aqui vale um pequeno parêntese para dizer de onde eu vejo esse filme e a sociedade que está representada lá: eu sou uma pessoa que acredita no amor, porque vivo cada dia intensamente imerso nesse sentimento – no meu caso com minha companheira, a Evelin, mas nos filmes citados o amor se mostra de muitas formas e entre pessoas variadas. Acreditar no amor não é, em hipótese alguma, negar a banalização que há dessa palavra no mundo globalizado em que vivemos. A palavra “amor”, esse substantivo abstrato, assim como muitos outros é banalizado, as pessoas dizem que amam a todo instante, quando na verdade muitas dessas relações duram alguns meses, são inócuas, enfim. Dizer que o amor existe não excluí o fato, visto a olho nu, de que as relações interpessoais estão cada vez mais escasseando no mundo, devido à internet, a todos os processos tecnológicos e econômicos que nos afastam do ser humano, da experiência vivida e sentida.) Agora voltemos ao filme.
Quando Jesse precisa descer, faz uma proposta indecorosa, com o perdão da brincadeira, para Celine: a convida para passar o dia com ele, pois amanha ele viajará e eles possivelmente nunca mais se verão. Lembremos: é um homem estranho que convida uma mulher para passar um dia com ele, sozinhos, num país distante de suas casas. É um quadro que, para as pessoas minimamente atentas, remete ao machismo e possibilidade de violência de gênero. Não é isso que acontece. O filme vai contando as horas que eles passam juntos, cada vez imersos numa relação importante, intensa, verdadeira, na qual se jogam de cabeça como se não houvesse amanhã. Pode soar clichê, mas pensemos que tipo de experiência esse filme nos conta. É uma vivência muito real, muito viva que é retratada ali. Ao longo da narrativa descobrimos mais sobre duas vidas, sobre as desilusões amorosas que tiveram; assistimos a cena linda – e um tanto clichê – do primeiro beijo, no alto da roda-gigante, e do abraço em seguida ao beijo – isto é muito importante, um abraço depois do beijo demonstra afeto, não foi um simples caso, um beijo qualquer, percebe-se que ambos desejam um ao outro com algum sentimento, não só pulsão sexual ou algo do tipo.
O filme avança, passa pela noite, bares, caminhadas, conversas. O assunto fatídico vai se aproximando: e quando se separarem? Depois de algumas horas de relacionamento intenso (por favor não pensar em sexo, pois eles nem transam no filme) já não são meros estranhos, e sim companheiros. As conversas sinceras desencadeadas a partir disso, os olhares, as apreensões presentes nas cenas são prá lá de humanas e remetem a um tipo de experiência escassa numa sociedade cada vez mais objetificada. O filme se encerra com a partida de Jesse, e depois Celine também embarca no trem de volta para Londres – estamos em 1995, não existe internet, eles estão separados pelo oceano Atlântico e as cartas são motivo de piada entre o casal, que ironizam quem diz que vai escrever e nunca escreve. Tem ainda uma esperança, contudo: combinam de se encontrar naquele mesmo lugar 6 meses depois, uma promessa que, naquele momento, ambos endossam com o coração apertado pela separação.
Ultimo comentário para encerrar: essa marcação do lugar do encontro e da despedida é simbólica: a concretude do espaço geográfico é algo interessante porque fica bem registrado na memória como algo vivido ali, naquele lugar e não em outro. Também é notável o uso do tempo no filme, cuja narrativa transpassa mais ou menos 24 horas do dia dos amantes, dando tempo ao tempo, construindo uma relação, nada de coisas apressadas, forçadas, reificadas. Sabemos, é claro, que o Linklater (mesmo diretor de Escola de rock) é o mestre do tempo no cinema: Antes do amanhecer, título que também remete à idéia de tempo, perdida no caos da globalização, é o primeiro filme de uma trilogia gravado com os mesmos atores num intervalo de, salvo engano, 30 anos. Há ainda outros dois filmes, que ainda não vi, chamados Antes do entardecer e Antes da meia-noite, que devem ser tão belos e vivificantes como o primeiro. É também do Linklater a obra majestosa Boyhood, filme gravado em 12 anos, que acompanha seu protagonista desde a tenra idade a ida à faculdade, já adulto. Que filmes lindos...
Que filme... deu até vontade de escrever (algo praticamente subjetivo, não se pretende nada mais que isso).
Seria uma ode ao Rio de Janeiro se não mostrasse com vontade a desigualdade social e tensão que esse tipo de interação provoca na sociedade. Belíssimo retrato do Rio da década de 50, mostrando o "outro lado" da "cidade maravilhosa".
Já no primeiro movimento do filme, a câmera acoplada em um helicóptero grava a cidade de cima. Nelson Pereira dos Santos foge da imagem tradicional do Cristo e do Pão de Açúcar como única referência e leva sua câmera para o que podemos dizer de início da ocupação dos morros na cidade.
O filme seguirá acompanhando cinco crianças negras da periferia indo vender amendoim em pontos turísticos. De maneira bem poética em vários momentos, deixa claro o protagonismo do filme: os de baixo. A cena que o menino entra de repente em um parque-zoológico e se encanta com os animais que estão lá é lindíssima, tocante. Mas Nelson não nos deixa esquecer da desigualdade e do preconceito e o menino é tirado à força, interrompendo aquele momento de êxtase.
Unindo a cultura popular brasileira como o futebol e o carnaval de maneira muito natural ao enredo que pretende contar, o diretor nos dá uma grande amostra de nossa sociedade. Construção narrativa interessante, intercalando cenas distintas mas fazendo-as conectarem-se analogamente (como o gol e o atropelamento), percebemos os abismos sociais que hoje, mais de meio século depois, ainda persistem fortemente.
Considerado o filme precursor do movimento que emergiria na década de 60, o Cinema Novo, que se propunha mostrar a realidade brasileira, temos aqui um dos grandes filmes nacionais, no qual é possível perceber uma profunda crítica social alinhada a uma qualidade estética invejável.
A perda da virgindade é um tema assaz corriqueiro na história do cinema. No entanto, poucos conseguiram trazer à tona a verdadeira face dessa descoberta, com seus nervosismos e incertezas, tão bem como Mike Nichols em The Graduate (A primeira noite de um homem).
Sem soar caricato ou clichê em nenhum momento, Nichols compõem o personagem de Ben, interpretado maravilhosamente por Hoffman, como um homem que, ao voltar da faculdade depois de ter dedicado todo seu tempo somente aos estudos, nunca sequer cogitou a hipótese de ter um relacionamento e agora se vê em uma crise existencial.
A partir dos primeiros planos, o diretor já utiliza closes, nos deixando apreensivos pela tensão do personagem, que é ressaltada tanto pelo enquadramento quanto pela atuação de Hoffman. Ben sofre de uma incomunicabilidade perante sua família: provavelmente formou-se em algo que não gosta e agora tem de suportar os afagos dos amigos e familiares e as congratulações por tal feito. Ben está preso, o que é personificado na cena bizarra na qual ele cai na piscina com roupa de mergulho, e o diretor, acertadamente, utiliza uma câmera subjetiva, mostrando assim ao expectador a barreira que existe entre ele e seus parentes. Distância esta também ilustrada, logo no início e ao longo do filme, pela música Sounds of Silence, aliás, de muito bom gosto do realizador além de exercer função narrativa.
A criatividade do diretor é tamanha que, desde o momento em que Ben perde a virgindade e os dias que se seguem, vemos tal progressão de tempo na tela durante 1 minuto ou mais. A montagem incrível usada na cena transmiti além da passagem do tempo, a repetição das situações e também a contínua tensão de Ben, que age como uma criança, desconfiado que seus pais possam supor ou terem conhecimento do que ele e Sr. Robinson fazem no hotel.
Ao fim, vemos um epílogo um tanto fantasioso e, digamos, clichê. Contudo, a narrativa de Nichols é tão ágil e bem construída que faz com que acreditemos naquele desfecho. É fácil saber porquê esse filme marcou época.
Noé parece estar cada vez mais excêntrico e preocupado em chamar atenção em seus filmes. Love, sua última produção, prometeu ser um filme no qual as relações interpessoais seriam a chave que desencadearia o sexo. Contudo, o sexo que desencadeava tais relações, e estas não foram nem um pouco aprofundadas, mantendo a superficialidade em tão alto nível que chegou ao cúmulo do ridículo nas cenas de discussões exacerbadas, como na cena do taxi ou no apartamento de Electra, cenas estas que faziam o espectador rir ao invés de se chocar ou preocupar-se com o que acontecia.
O filme, como um todo, parece ser uma ode – de mal gosto – ao próprio diretor, quase como uma metalinguagem, já que a todo instante percebemos símbolos que remetem ao diretor e sua filmografia, tais como: o VHS de I Stand Alone na prateleira, a maquete do motel Love, o nome de alguns personagens (Gaspar e Noé) e a própria atuação do diretor como um ex-namorado de Electra.
Como dito acima, não houve aprofundamento de personagens e relações (uma pena, pois havia um conteúdo que poderia ter sido aproveitado), e, na contramão, o diretor utilizou o preguiçoso recurso da narração, que além de ser um método clichê para contar a história foi utilizado de maneira grotesca, idiota, soando extremante caricato nas vezes que ouvíamos Murphy vociferar seus pensamentos.
Como sabemos, Noé adora o sexo e o mostra em quase todos seus filmes. Em alguns, funciona, como Irreversível (obra-prima), ou em Enter the Void (bom filme do diretor), porém, em Love, Noé decidiu ir além, mostra-lo de forma crua. Outros diretores já o fizeram e de formas infinitamente superiores, vide Os Idiotas de Lars Von Trier ou Pola X, de Leos Carax. Mas Noé o trouxe com o 3D (mais um ponto para chamar atenção). O 3D é usado em filmes que usam em demasia planos gerais, aprofundando desse modo o campo de visão do espectador. Em Love, vemos praticamente só closes, o que torna o uso desse recurso totalmente descartável. Talvez o diretor tenha usado apenas para dar a sensação de voyeur ao telespectador, ponto este que o diretor parece ter acertado.
Noé, como visto em outros de seus filmes, sabe compor uma atmosfera incrível através de cores e movimentos de câmeras, (brilhantemente usado em Irreversível). Neste filme não é diferente. A troca de cores e enquadramentos têm função narrativa e contribuem muito mais para a história do que propriamente os diálogos.
Como um todo, é um filme mediano. Prometeu bem mais do que cumpriu e talvez seja o pior filme do diretor. Noé precisa dedicar-se mais à narrativa e ao roteiro e deixar de apelar em todas suas cenas. Talvez, quando volte a fazer filmes como Carne ou Irreversível, Noé volte a acertar. Um filme DR (como magistralmente classificado por um crítico) é a melhor análise que podemos fazer de Love, um filme com muito sexo e pouca história.
ps: “Love” aparece ao final do filme, contradizendo o diretor mas fazendo jus ao que assistimos.
Que La Dolce Vita é um dos principais filmes do cinema italiano e mundial ninguém nega. Que Fellini é um dos maiores realizadores do cinema também não. Contudo, a primeira vez que assisti, achei a obra um tanto hermética. Entretanto, com a belíssima exibição feita pelo Itaú Cinemas de uma cópia restaurada dessa obra-prima, pude perceber o quão genial o filme é.
O título, assim como a trilha sonora que pincela o filme todo são um tanto alegres, vivas, com graça. No desenvolver da narrativa, percebemos o quão irônica são e como bem representam a vida do personagem de Mastroianni, magnífico em cena, interpretando um jornalista em meio ao furor da aristocracia romana que se vê em crise existencial tamanho o vazio que aquela vida de aparências lhe causa.
La Dolce Vita é uma superprodução. De constantes planos abertos a multidões de figurantes em praticamente todas as cenas. Fellini usa esse contingente demasiado de pessoas e sua mise-en-scène de forma incrível, ilustrando o tamanho da falta de interesse de Marcello (Mastroianni) em sua vida. Na cena em que estão em um castelo medieval, o andar pelos labirintos representa metaforicamente a própria busca de Marcello por algo a mais, algo que faça valer sua desprezível vida.
Tal movimentação em cena junto à fotografia com planos fechados dão um ar de claustrofobia, mais uma vez evidenciando a angustia do personagem principal. Mastroianni consegue manter uma expressão serena, às vezes até sorrindo, porém, ao mesmo tempo, dá indícios de sua solidão. Só um ator deste calibre conseguiria mostrar tanto em pouco.
As três horas de duração da película são necessárias para que Fellini consiga aprofundar seus personagens, principalmente Marcello, e mostrar ao público diversas facetas da sociedade de Roma, desde os jornalistas vorazes sem respeito algum (qualquer semelhança com a nossa sociedade atual não é mera coincidência) à relação de Marcello com seu pai ou com sua “amante”, a quem visita de quando em quando.
Aproximando-se do final, Marcello parece mesmo fadado à solidão e a pobreza de espírito. Depois da grande cena da festa em uma casa na beira da praia, temos um farrapo humano, desiludido em suas relações e completamente desajustado à sociedade. Quando, enfim, chega à praia, reconhece, do outro lado da margem, a doce menina que encontrara certa vez em um restaurante. Tal encontro foi fundamental para reacender a vontade de viver. Viu naquela menina o chama da juventude, a vontade de viver e contribuir ao mundo, porém, ele já não é capaz de se ajudar. Há um muro entre sua consciência e a sociedade em que vive – exemplificada pelo trecho de água de corre e o separa da menina – e não esperamos mais nada a não ser a queda de Marcello. E então, de joelhos sobre a areia da praia, olha triste à menina que lhe sorri. Esperançoso para a menina, melancólico para Marcello. E chega ao fim La Dolce Vita, um dos maiores retratos do Homem em sua sociedade.
Béla Tarr e Ágnes Hranitzky transformam o simples cinema em um espelho da vida, demonstrando a rotina com uma verossimilhança esplêndida. A começar pelos longos planos (em torno de 20), estes transmitem a verdade em seus movimentos lentos, tanto de câmera quando de mise-en-scène, o estudo de cada cena vai ao seu auge no plano-sequência no hospital, onde os diretores transmitem uma agitação e uma crescente tensão de modo natural, contando apenas com seus atores, sem uma trilha que implique artificialmente isso ou uma câmera agitada.
O ponto alto da película é, sem sombra de dúvidas, o roteiro, com seus simbolismos e significados profundos acerca da existência humana e da vida levada ao longos dos anos pela sociedades. O filme, desde seu princípio, coloca o Homem em um patamar de inferioridade assustadoramente verdadeiro, e durante a projeção nos confrontamos com isso em diversos momentos, seja pela encenação do sistema solar na cena inicial, ou pelo contraste enorme que a baleia (atração que um circo leva à cidade) provoca ao vermos János ou seu tio ao lado dela.
A chegada de um circo à cidade com uma grande baleia empalhada e um "Príncipe", trazem consigo uma tensão que os moradores locais não estavam habituados, e o uso do inverno rigoroso como metáfora à essa recente onda de tensão representa brilhantemente a opressão que os moradores sofrerão a seguir.
Um filme estranho, que demonstra sua força no decorrer do tempo, com uma atmosfera sombria e sua tensão crescente, de modo que acabamos o filme refletindo profundamente sobre o papel do Príncipe na manipulação de massas, no comportamento ético e moral da sociedade diante de acontecimentos catastróficos e, mais uma vez, vemos a inferioridade do Homem em relação não só ao universo, mas a ele mesmo.
Extremamente irônico, criativo e crítico, o grande diretor Miguel Gomes, em seu último filme, mostra ao mundo de forma inventiva os sérios problemas enfrentados por Portugal (mas o filme coloca-se em posição universal) a partir de um plano de austeridade imposto ao país nos últimos anos.
De maneira única, o diretor cria uma atmosfera que começa num tom documental e as poucos vai à ficção, flertando com a fantasia, e tem seu resultado final em uma análise sobre toda população de portuguesa, em todo seu âmbito.
O cinema português parece gostar de filmes monumentais - vide a obra-prima Mistérios de Lisboa, de Raul Ruiz. Para nós, resta esperar os próximos volumes para ter uma interpretação geral da obra, que provavelmente manterá o nível do primeiro e se colocará como um testamente de Portugal (e do mundo) frente a medidas canalhas de austeridade.
Em um recorte com um quê de Árvore da Vida, a dupla de diretoras compõem um filme diferente, estranho em alguns momentos, mesclando o real e a ficção de modo extraordinário - não foi à toa que comentou-se exacerbadamente a respeito desse tópico.
Olmo e a Gaivota pode representar a própria personagem principal, em seus momentos de antagonismo ao longo da película, no caso, antes, durante e depois da gravidez. Se antes era livre e podia quase que voar (e as cenas no palco dão essa impressão de leveza), quando engravida é obrigada a ficar em casa a fim de evitar um possível problema, permanecendo, assim, presa como um olmo.
Com uma fotografia lindíssima, mostrando ao mesmo tempo Natureza viva e morta, com uma mixagem estranha, lembrando assim o já citado filme de Malick assim como O Bandido da Luz Vermelha, ao final temos um belíssimo resultado, em uma atividade documental-ficcional e de inventividade narrativa de grande qualidade para o cinema.
O cinema, assim como a arte em geral, tende, em sua maioria, a direcionar seus temas a situações recorrentes e usuais referentes ao momento em que a sociedade vive. Talvez, nos últimos anos, o Brasil não tenha chego tão perto da realidade quanto Que Horas Ela Volta?. Alguns filmes abordaram temas semelhantes como: O Som ao Redor ou Branco Sai, Preto Fica. Contudo, o poder do filme de Anna Muylaert supera barreiras entre as classes sociais e coloca-se, ao fim, como um estudo claríssimo e crível das desigualdades que o Brasil padece.
Talvez como recurso de metalinguagem, a escolha de Regina Cazé para o papel principal seja mais que adequada, já que a conhecemos como uma pessoa simples que, sempre que pode, demonstra sua sensibilidade para com os mais desfavorecidos. Sua personagem, Val, uma empregada doméstica domesticada, aceita, ingenuamente, os muros impostos por Bárbara, sua patroa. Quando analisamos tal personagem temos o perfeito exemplo de como são descriminadas tais pessoas. É como se, inconscientemente, seguissem à risca o pensamento aristocrático das massas por Durkheim. Val sente-se inferior e coloca-se nesta posição. Quando sua filha vem morar com ela a fim de prestar vestibular para Arquitetura (o curso escolhido pode significar, analogicamente, como a arquitetura das classes sociais e como elas ergueram-se) o contexto social da casa onde vivem começa a mudar, momento este construído magistralmente pela diretora, que aprofunda seus personagens de modo fantástico e sem apelar a desfechos já esperados.
É interessantíssimo analisar que, com a chegada da filha de Val, as personalidades dos personagens, principalmente os patrões, começam a mudar drasticamente, mostrando ao espectador que tais sentimentos encontravam-se apenas adormecidos, e que quando chegasse a hora, se mostrariam arrogantes e egoístas frente aos problemas muito maiores da menina. Tal representação em cena não teria sido tão bem sucedida se não fosse as atuações seguras dirigidas firmemente por Muylaert. Naturalmente, a protagonista nos chama mais atenção. Cazé incorpora Val de modo brilhante, não há outro adjetivo. Em muitos momentos, Cazé trabalha apenas com o olhar, como na cena inicial em que limpa o vidro junto a sua colega de serviço e esta pronuncia algo que não deveria. Ou, de quando em quando, Val parece não chorar, porém, não está alegre ou séria, mantendo seu rosto triste entre tais sentimentos, criando uma áurea de sentimentos exacerbados em gestos mínimos. Fantástica.
Muito se falou no alcance que a película teve, dialogando com todas classes sociais do Brasil, inclusive com a dominante, a direita, a reacionária, os principais alvos a que o filme pretendia chegar. Pois, para abaixarmos e aniquilarmos a desigualdade, é preciso que a parte que está no poder, a que possui meios para tal, convença-se de que isto é realmente necessário. A abordagem de Muylaert facilita tal encontro, pois, a qualquer momento, poderia facilmente tender a diálogos raivosos por parte dos trabalhadores, criticando tal discrepância na sociedade. Mas não, mantém-se simples e deixa que suas imagens falem por si só. Há alguns exageros dentro desse último quesito, como nas cenas em que a diretora mostra exaustivamente Val em ambientes sujos ao redor de varais ou mostrando a personagem em um ônibus lotado. Entretanto, tais cenas descartáveis não são suficientes para abaixar o nível do filme.
Em meio às diferenças econômicas, Muylaert uni Bárbara e Val (e depois a filha desta) pelo meio familiar. Este talvez seja o ponto mais genial do filme, e que, por fim, justifica seu título. A pergunta “Que horas ela volta?” junta as três protagonistas mulheres, porém, percebemos a clara diferença ao analisarmos as respectivas vidas separadamente. Val e sua filha padeceram na hora de cuidar de seus filhos pois precisavam de renda para sustenta-los. No revés, Bárbara tinha tudo que precisava para tal, porém, não conseguia dar a atenção necessária a seu filho, que por fim, acaba por buscar afeto em Val, que o trata como se fosse seu próprio descendente e doa-lhe todo o amor que, por motivos maiores, não pode dar à sua filha. É uma relação intrínseca de grande complexidade, triste, e que é conduzida, como dito acima, de modo magnífico pela diretora.
Tal relação de amor mãe-filho(a) é também aprofundada na cena em que Val entra, pela primeira vez, na piscina. Tal localidade da casa era considerada como a última divisa entre patrões e empregados, e que havia sido quebrada na cena maravilhosa em que Jéssica (filha de Val), cai de supetão na piscina. Não foi à toa que Anna filmou esta parte em câmera lenta, para que o espectador percebesse claramente a imersão total de Jéssica na vida de Bárbara e sua família. Dialogando com a cena citada acima, (Val na piscina) Anna estabelece uma forte ligação entre mãe e filha. Val acaba por cometer tal ato impensado por causa de sua filha. Foi a aprovação no vestibular desta que faz com que a mãe se sentisse à vontade para, enfim, ter alguns minutos de alegria dentro da piscina, compondo, assim, uma das cenas mais bonitas do filme.
Ao final, temos Val saindo do emprego, finalmente negando tal situação a fim de cuidar de sua filha e seu neto, (recém descoberto), que proporcionou a última peça de ligação entre as mulheres (citado acima). Na derradeira cena, a utilização da trilha sonora junto à palavra “mãe”, tão esperada por Val, acaba prejudicando o impacto que esse simples substantivo possui no contexto. Contudo, mais uma vez, tal problema não influencia no poder do filme de Anna, e assim esperamos que a película sirva como mais um exemplo à situação de milhares de empregadas domésticas, que são obrigadas a ver a vida pela cozinha, jamais sentindo-se à vontade na sala de estar.
Orestes faz jus à sua posição de documentário ficcional e, influenciado claramente pelo decano Coutinho e por Furtado, compõem um documentário interessantíssimo, fazendo um paralelo entre a violência no Brasil desde os tempos da ditadura (aquele tempo horrível que imbecis pedem de volta) aos dias atuais.
Usando como base a tragédia de Ésquilo sobre um parricídio, Siqueira estabelece tal analogia atemporal com a Grécia clássica ao mesmo tempo que estamos tão longe e perto daqueles quase inalcançáveis tempos. E é de se preocupar que, uma peça com mais de 2500 anos de história contenha elementos de nossa vida cotidiana.
Que a violência no Brasil é um tema recorrente todos sabemos. Contudo, como grande parte da mídia golpista no Brasil serve ao lado oposto ao bom senso, a população acaba desnorteada e passa, assim como a pobre mulher do filme (a que usa uma camiseta estampada "Justiça é o que se pede!") a compactuar com ações absurdas, como a pena de morte.
O filme é inteligente ao abordar diversos casos relacionados a essa violência, e o fato da narrativa não ser totalmente linear, cria, assim, um ambiente confuso onde o que prevalece é o caos e a morte.
Repleto de entrevistas que evidenciam a crueldade dos militares, a película surge como uma crítica veemente aos métodos adotados por estes desde 1964, polícias estas que deveriam garantir a segurança dos cidadãos ao invés do contrário. Junto a isso, uma trilha sonora interessante pontuando o filme com altas notas de quando em quando e uma direção segura do diretor, faz com que Orestes seja mais um dos muito bons documentários brasileiros produzidos nos últimos tempos.
Allen recupera sua forma nesse filme, entre os poucos muito bons do diretor no séc. XXI. Peca por ser, em alguns momentos drama e outros comédia (o filme se encaixa muito mais no drama). Junto a isso uma narração preguiçosa para contar a história e aprofundar o estudo nos seus personagens. Entretanto, são pontos que diminuem infimamente a obra, pois esta tem uma história poderosa que carrega a película. As atuações, assim como design de produção estão em grande nível, como de costume, junto à trilha sonora tipica do diretor. Pode ser comparado a Match Point e outros de seus filmes pelo tema "Crime e Castigo", a diferença reside na motivação de nosso protagonista - nesse vemos Phoenix ótimo, como lhe é corriqueiro, e na não diferenciação, como dito acima, do gênero cinematográfico. Em suma, um filme muito bom de um grande diretor que parece ter encontrado novamente o caminho da qualidade.
Um filme estranho, inquieto, barulhos no silêncio mortal, literalmente. A dicotomia entre o passado e o presente que acarretará consequências ao futuro. Um filme diferente, onde não há uma narrativa claramente estabelecida. O diretor prefere andar em círculos, como a própria vida, em seu ciclo infinito. Sim, é um grande filme, com muito simbolismos e sutilezas (como a cicatriz do pai e avô do protagonista, realizando assim uma analogia com a posição fetal dos indígenas enterrados em seu terreno).
Inquietações sobre morte e vida, deus e o diabo, fé e descrença, sempre fizeram parte da vida de Bergman. Em consequência disso, o diretor sueco construiu O Sétimo Selo, provavelmente seu filme mais pessoal, que conta a história de um cavaleiro (Max Von Sydow, em atuação fantástica) que retorna das cruzadas e depara-se com a peste e com as muitas mortes causadas por ela.
Nos primeiros planos do filme, assistimos a cenas lindíssimas, magistralmente fotografadas em preto e branco (nem imagino se o diretor de fotografia fosse Sven Nykvist). Dois cavalos à beira mar, águas revoltas batem às pedras, um pássaro negro sobrevoa a paisagem, funcionando quase como um presságio de Morte.
Nesse tom, ouvimos uma narração, recitando uma parte do Apocalipse, e então o cavaleiro encontra a Morte pela primeira vez. O design de produção assume logo no inicio um papel importantíssimo no filme, compondo o personagem da Morte com uma face pálida e uma capa preta, mantendo-se minimalista e não chamando atenção ao que não interessa. Os figurinos e locações ao longo do filme são excelentes, atendo-se e sendo fieis à época que o filme está inserido.
A Morte pergunta se o cavaleiro está preparado, ele responde que seu corpo está, mas ele não. Este último convida a Morte para uma partida de xadrez, e com isso ganha tempo para realizar algo de bom em sua vida, algo pelo que possa se orgulhar, já que passou a vida inteira procurando uma direção, uma crença, algo que justificasse sua existência. Tais questionamentos sempre afligiram Bergman, e não é à toa que este tema seja recorrente em toda sua filmografia. Além de tratar com perfeição e realismo as relações interpessoais, e de forma muito atemporal, Bergman doa tempo do filme a cada apresentação de personagens, deixando clara a diversidade de pensamentos unificados em uma terra onde o caos reina e com apenas uma coisa em comum: a inevitável vinda da Morte. Os pensamentos demasiados de Block são os que, pelo menos uma vez na vida, nós também tivemos, e com isso Bergman nos aproxima do personagem e dos seus problemas. Block é um personagem extremamente fascinante. Ao mesmo tempo que vai às Cruzadas em nome da Igreja, consequentemente, em nome da religião, ele procura um sinal de Deus e da razão de estar fazendo isso. Ele age como todos agiam na época, seguindo preceitos já estabelecidos sem ao menos questionar essas ordens. Perdido em dúvidas, surge a Morte, onipresente no filme, ao contrário de deus (Bergman faz uma inversão de papéis magnífica), que não existe.
A Morte oferece a Block o fim para seus tormentos, o fim dos questionamentos. Entretanto, essa saída do mundo dos vivos o levaria aonde? O que aconteceria se ele largasse tudo e fosse com a Morte? Há aí outro questionamento. Porém, Block não almeja só respostas, mas também, como falei acima, fazer de sua vida terrena um motivo de orgulho.
Quando encontra o casal de circenses (a lindíssima e talentosa Bibi Anderson e Nils Poppe), vê sua chance de se redimir consigo mesmo. Protegê-los da morte é sua única saída de livrar-se do remorso e poder, enfim, juntar-se à ela. E há uma cena lindíssima que ilustra esse sentimento, enfim encontrado. A cena em que ele diz à Mia (Anderson), quando a conhece: “Jamais esquecerei esse momento. Guardarei na memória esses morangos, esse leite...”. Cena esta que além de linda, expõem o sentimento de forma pura, simples e muito natural.
Por mais ínfima que seja, a busca encontra seu fim quando ele e seus amigos são buscados pela morte em sua casa. Não há mais o que procrastinar. É chegada a hora. A presença da morte não assusta, mas emociona. Uma figura ardilosa como ela, capaz de fingir-se de padre para trapacear no xadrez (em uma das melhores cenas do filme), uma figura que cerra uma árvore com uma frieza incrível (em uma cena triste e bizarra, construída de modo fantástico pelo diretor), essa figura consegue, ainda sim, por sua imponência, poder incontestável e sua áurea de mistérios, provocar ansiedade e comoção no espectador e nos personagens, fazendo desse epílogo um dos mais autorais e verdadeiros do cinema.
Em um filme onde o personagem principal é a natureza, nos perguntamos: até onde o tempo e a natureza podem interferir na nossa vida?
Em Jauja, planos longos e silenciosos tratam com uma verossimilhança incrível a passagem do tempo e de como ele destrói e consome as pessoas. E não é a toa que, em duas ou três falas do filme, ouvimos falar que "o deserto nos consome".
Esses planos longos são necessários para mostrar o passar lento do tempo e de como o personagem principal (Gunnar), a procura de sua filha, vai se perdendo em meio a ele. Consequentemente, a narrativa desenrola-se vagarosamente, o que não impede de desfrutarmos totalmente desse grande filme.
É de modo incrível como o diretor ilustra os problemas causados por essa reclusão em meio ao nada, como por exemplo, logo nas cenas iniciais, vemos um dos líderes do acampamento se masturbando, e logo em seguida, não hesita em mostrar-se interessado pela filha de Gunnar (Mortensen), uma menina que deve estar no auge dos seus 18 anos. E o diretor não para por aí. Na sequência em que a menina foge com o seu amor, Gunnar encontra este último a beira da morte, morte esta que o rapaz credita à Pittaluga, o líder do início do filme.
A relação já estabelecida de tempo/natureza/ser humano chega ao seu ápice na fantástica sequência na caverna, onde Gunnar encontra sua filha, porém esta está mais velha, idosa já, e com uma sabedoria que não tinha quando Gunnar a perde. Seguem-se diálogos magníficos, em que os pensamentos se cruzam, em momentos parecem não fazer sentido, mas ao final, analisados como um todo, soam fantasticamente verossímeis.
Após essa licença poética utilizada pelo diretor, há um corte (uma elipse grande, aliás) para a Dinamarca dos tempos atuais, e vemos a mesma menina, provavelmente uma descendente de Gunnar. Nesse epílogo, o diretor finaliza uma história sobre o tempo e a vida de modo brilhante, pois nada mais didático do que mostrar a mesma atriz em dois pontos totalmente distintos da história (leia-se: anos), interpretando uma menina de uma mesma família e ainda sim com as mesmas idiossincrasias, e não é a toa que, antes de acabar o filme, há uma fusão entre o lago da casa onde a menina atual mora e um pequeno pedaço de água de "Jauja", mostrando com isso que o passado e o presente estarão sempre unidos ao longo dos anos.
Em um estudo de personagem interessantíssimo, Aronofsky nos apresenta Nina (Portman), uma bailarina que vive obcecada pela perfeição, que luta contra o fracasso de sua mãe quando esta dançava e que, em meio a uma educação rigorosa, deixa de aproveitar a sua juventude, apenas existindo ao invés de viver, e isso é ilustrado quando Nina escuta de sua colega em uma boate: "O que você vai fazer? Voltar para a mamãe? Viva um pouco!", estabelecendo a diferença grande que há entre as duas.
E essa dualidade permanece no filme o tempo inteiro. O diretor filma constantemente Nina com reflexos a sua volta, demonstrando assim a outra persona da bailarina a ser confrontada (confronto este que faz uma alusão clara à dança dos Cisnes, a batalha entre o Branco e o Negro ao final, na derradeira apresentação).
A partir dessa premissa, Natalie Portman compõe o personagem magnificamente bem, alterando sua voz de tempos em tempos, as vezes demonstrando sua total infantilidade, outras parecendo expor seu lado mais maduro, ou, já no terceiro ato, gritando completamente transtornada em seu quarto. Quase sempre Nina aparece com o cenho franzido, olhares intensos e inquietantes, a respiração ofegante, e isso juntamente com a fotografia nervosa do diretor e closes constantes aumenta assim a intensidade e tensão da película.
Há cuidado em todos aspectos do filme, desde o figurino (Nina usa muito roupas rosa claro, remetendo à vestimenta infantil), direção de arte (quando Nina está na banheira, vemos no canto direito inferior da tela um desenho de um cisne, desse modo exemplificando como a personagem não consegue desligar-se da dança e como isso a consome) e a trilha sonora, que mantém-se no âmbito do ballet durante toda projeção.
Assim, Darren Aronofsky finaliza um grande trabalho, não o seu melhor, mas ainda sim uma obra a ser contemplada e apreciada. Natalie mereceu o grande reconhecimento que teve, pois é a peça chave que orquestra a película, merecendo os aplausos que a personagem tanto almejava.
Assistir a filmes do Dragon Ball hoje em dia está cada vez mais difícil. O excesso escancarado de efeitos especiais distancia-se tanto das séries de tevê originais que chegamos ao ponto de não reconhecermos Gohan, por exemplo, a não ser pela voz (pelo menos os narradores originais permaneceram).
Desde o último filme (A Batalha dos Deuses), percebemos que o público alvo de Dragon Ball mudou, já que agora acompanhamos diálogos rasos e idiotas no decorrer da narrativa. Nem a arrogância e frieza de Vegeta soam como verdadeiras tamanha a falta de expressão dos personagens. Personagens estes tão expressivos ao longo dos anos em que os acompanhamos nas primeiras histórias.
A distância entre esse filme e a primeira temporada de Dragon Ball é tão grande que nem a música tema, tão marcante para todos fãs do anime, permaneceu na película. A trilha sonora muito boa usada nos episódios televisivos dão lugar agora a uma trilha que remete à ópera, não de todo ruim, mas mal utilizada.
Por um lado, o uso demasiado de efeitos tem seu lado positivo. Quando o exército de Freeza sai da nave, logo que chegam à Terra, temos um plano geral onde enxergamos a magnitude de tal, e o plano perderia um pouco do impacto caso tivesse sido feito de modo mais pueril.
As cenas de luta são as partes em que o filme mais acertou, golpes velozes, duros e cheios de força, fazem com que o espectador relembre, mesmo que com dificuldade, as grandes lutas do passado, como Gohan vs Cell (e nesse filme há uma cena em especial que Gohan golpeia o adversário igualmente como fez com Cell), ou Goku vs Vegeta, (principalmente o primeiro combate).
Nas lutas também é onde o filme peca novamente. Não há construção de tensão ou suspense como havia antigamente, parece que o filme tem pressa em mostrar as transformações novas. Se tu lembrares de quando Goku torna-se super saiyajin 3, todos os novos níveis atingidos nesse filme soam simplórios, para não dizer risíveis.
Há alguns planos interessantes no decorrer da projeção e algumas cenas como as citadas acima, mas é só. É bom vermos para lembrarmos nostálgicos dos bons tempos de Dragon Ball, porém, no revés, ficamos tristes ao perceber como estamos longe do "verdadeiro" Dragon Ball Z.
Revisitando o tema militar (vide, Hoje Não Haverá Saída Livre) e também a relação interpessoal inusitada (O Rolo Compressor e o Violinista), Tarkovsky imprimi neste - que é seu primeiro longa - o que veríamos no decorrer de sua carreira: planos gerais da natureza como um "personagem", alterações entre realidades (sonhos, imaginação ou delírios) e transformando cada quadro em uma obra de arte.
Desse modo, acompanhamos a infeliz infância (cujo título poderia ser interpretado como uma cruel ironia, já que quando remetemos à palavra 'infância', pensamos em momentos alegres e carinhosos) de Ivan, um menino que padece com a morte de sua família e vê, na figura de três militares do exército russo, as figuras paternas que jamais tivera.
É lindo como Tarkovsky mostra, logo no início do filme, o menino lembrando de sua "verdadeira infância" ao lado da mãe, em um dia ensolarado (o sol só aparece em dois momentos no filme), despreocupado e sem saber ainda as sequelas que a guerra provocaria, (sequelas estas que acompanhariam o menino durante toda película). Após esse prólogo, o diretor corta repentinamente para o presente, e assistimos a Ivan, cansado e enfermo, em uma total discrepância com o que acabamos de ver (e essa diferença exacerbada é acentuada pela grande atuação de Nikolai Burlyayev).
A mudança de trilha sonora, fotografia e locações em momentos de lembranças e realidade vivida por Ivan é espetacular e precisa, personificando os sentimentos do menino para tal momento, e é bonito que ao final do filme, mesmo quando sabemos o destino de Ivan, Tarkovsky acabe em uma lembrança, mais uma vez com o dia ensolarado e com sua irmã ao lado, amenizando o fatídico fim que nosso herói teve de enfrentar.
Primeiro trabalho independente e com cores de Tarkovsky, relata de modo sutil, bonito e bem estruturado, a vida de Sasha, um menino apaixonado por violino que trava uma inusitada amizade com um motorista de um rolo compressor. A discrepância é enorme, porém, é atenuada pela câmera de Tarkovsky, que consegue imprimir um sentimento verídico no espectador e com isso nos aproxima da vida do garoto.
Um belo trabalho para inicio de uma filmografia repleta de grandes obras, que faz com que o diretor seja considerado um dos maiores que o cinema já teve.
É impressionante como através de planos simples e uma movimentação pequena de atores, Fritz Lang consiga transmitir uma intensidade assustadora à já magnífica e sombria lenda escandinava, que acompanha Siegfried -o Aquiles dos escandinavos- em uma jornada envolvente de poder, amor e traição.
Cada plano do filme é uma pintura, com uma direção de arte espetacular, criando cenários como uma floresta infestada de Nibelungos (anões grotescos), ou uma sublime catedral e o imponente castelo do Rei Guther.
A trilha sonora que permeia quase todo filme em sua projeção é uma alteração entre altos e baixos, mixados de forma magnífica na película, abrindo espaços ao silêncio em momentos de luto, ou em uma intensidade nas cenas tensas e de ação.
Lang transmite uma veracidade impressionante através da direção de atores, com gestos e expressões faciais fortes, quase caricatas, mas que percebemos claramente a razão para tal quando analisamos o movimento em que o filme está inserido.
(Spoiler) No penúltimo canto, por exemplo, vemos a construção de um assassinato premeditado e com o público inserido nesse contexto, e é de modo cruel que assistimos às últimas cenas de nosso herói com sua amada, pois ela, assim como nós, pressente o futuro fatídico. E mais uma vez, Lang nos mostra sua capacidade incrível de criar planos memoráveis e marcantes, cuja utilização de luz e sombra os transformam em personagens na história, tamanha sua importância na criação do ambiente sombrio e surreal do filme.
É por isso que, ao analisarmos o Expressionismo Alemão, é fácil compara-lo à catarse dos filmes de Méliès uma década antes, pela construção fantástica e surreal dos filmes e principalmente pelo poder impressionante que as imagens possuem, em filmes onde não é preciso cor ou falas para transmitir tamanha intensidade e verossimilhança ao espectador.
Béla Tarr e Ágnes Hranitzky transformam o simples cinema em um espelho da vida, demonstrando a rotina com uma verossimilhança esplêndida. A começar pelos longos planos (em torno de 20), estes transmitem a verdade em seus movimentos lentos, tanto de câmera quando de mise-en-scène, o estudo de cada cena vai ao seu auge no plano-sequência no hospital, onde os diretores transmitem uma agitação e uma crescente tensão de modo natural, contando apenas com seus atores, sem uma trilha que implique artificialmente isso ou uma câmera agitada.
O ponto alto da película é, sem sombra de dúvidas, o roteiro, com seus simbolismos e significados profundos a cerca da existência humana e da vida levada ao longos dos anos pela sociedades. O filme, desde seu princípio, coloca o Homem em um patamar de inferioridade assustadoramente verdadeiro, e durante a projeção nos confrontamos com isso em diversos momentos, seja pela encenação do sistema solar na cena inicial, ou pelo contraste enorme que a baleia (atração que um circo leva à cidade) provoca ao vermos János ou seu tio ao lado dela.
A chegada de um circo à cidade com uma grande baleia empalhada e um "Príncipe", trazem consigo uma tensão que os moradores locais não estavam habituados, e o uso do inverno rigoroso como metáfora à essa recente onda de tensão representa brilhantemente a opressão que os moradores sofrerão a seguir.
Um filme estranho, que demonstra sua força no decorrer do tempo, com uma atmosfera sombria e sua tensão crescente, de modo que acabamos o filme refletindo profundamente sobre o papel do Príncipe na manipulação de massas, no comportamento ético e moral da sociedade diante de acontecimentos catastróficos e, mais uma vez, vemos a inferioridade do Homem em relação não só ao universo, mas a ele mesmo.
Léa Seydoux dispensa apresentações. Desde seus primeiros trabalhos no cinema, tem demonstrado toda sua técnica e beleza nas atuações, e aqui nos presenteia com mais uma personagem magnífica, ao lado do sempre maravilhoso Vicent Lindon.
Seydoux da vida à Célestine (nome tão lindo quando à atriz), e em toda película acompanhamos a vida da camareira que, com peculiaridades, não fica muito tempo em seus serviços.
O filme parece andar em círculos, ação proposital escolhida pelo diretor, afinal, trata-se de um diário, e acompanhar a vida do dono(a) deste é o que se espera quando lê-se um. Entretanto, o ritmo é prejudicado por conta dessa escolha, mesmo que esta tenha função narrativa e com ela possamos acompanhar o arco dramático da personagem durante a projeção.
O filme tem por pano de fundo uma França do início do século XX, e parece usar a vida de Célestine como um pretexto para abordar temas maiores em relação à sociedade, como a discrepância de tratamento entre patrões e empregos e a exploração que esses sofrem de seus empregadores, a vontade dos pobres de se rebelarem frente a esse abuso em uma sociedade desigual e o preconceito às religiões diferentes, que leva à segregação já prevendo o holocausto que ocorreria décadas depois.
Jacquot aposta em uma câmera traseira quase a altura dos olhos, transformando o espectador em testemunhas oculares dos acontecimentos descritos no diário da camareira, mantendo-nos próximos à ela (já que isso é um tanto difícil) não só pela câmera mas também pela narração em alguns momentos do filme.
Embora com alguns problemas, o filme de Benoît Jacquot nos transporta para o século anterior de modo muito natural - design de produção mais uma vez esplêndido (vide Adeus, Minha Rainha) e com ele as atuações naturais e belas dos protagonistas, seja com olhares cheios de emoção e significados, ou suspiros de cansaço e emoção ou por palavras singelas e sublimes que ilustram o mundo tão atual de 1900.
De modo simples, o filme de Emmanuelle Bercot, que abriu Cannes esse ano, nos mostra a história de um garoto cuja vida já nasce destruída e mostra, ao longo dos anos, as consequências dessa destruição.
A narrativa se desenvolve bem durante os dois primeiros atos da película, mas no terceiro arrasta-se para um final óbvio e longínquo (poderia ter reduzido a duração do filme em 30 minutos que não perderíamos nada) porque, na última parte do filme não acompanhamos nenhum arco dramático, nada que acrescente à narrativa nos é apresentado, logo, é descartável.
A direção de fotografia, apostando em uma câmera errante, jamais parada, dá um tom de nervosismo e tensão ao filme, fazendo uma analogia à mente e vida de Malony. Este último, personagem principal, esbanja técnica e coragem em sua interpretação impecável. Atuando em nível de igualdade com a sempre maravilhosa Deneuve, toma conta de todas ações do filme e jamais sente-se ameaçado pela presença da veterana, pelo contrário, mostrando-se maduro é incrivelmente talentoso.
Filme pontuado por um roteiro estruturado, com pouca trilha sonora, escolhida e usada em momentos adequados, sempre com músicas agitadas mostrando a verdadeira realidade vivida por Malony (talvez uma realidade longe da nossa). O filme termina como previsto, há algumas aberturas e fechamentos de planos, sem sentido durante a projeção que atrapalham um pouco, mas não a ponto de tirar muita qualidade desse bom filme de Emmanuelle Bercot.
Filme interessante de Garrel, mostrando as relações interpessoais do ponto de vista do jovem alfaiate. Léa Seydoux como sempre, bela e talentosa, nos brinda com sua atuação firme, sensível e docemente melancólica. Com um aprimoramento em sua misé-en-scène e mais cuidado com a superficialidade dos personagens, Garrel pode ser tão bom na direção quanto é atuando.
Um dos grandes filmes do século XXI. Manoel de Oliveira parte de uma premissa inusitada e complexa para falar de diversos assuntos existenciais, e se propõe, logo de inicio, a falar sobre a vida e a morte, divisadas por uma pequena linha tênue controlada por Átropos.
Com uma fotografia lindíssima, um roteiro estruturado e atuações seguras, Oliveira nos brinda com um filme encantador em todos seus aspectos, e uma cena final estupenda, com os trabalhadores e seu cântico entoado.
Antes do Amanhecer
4.3 1,9K Assista AgoraExistem várias categorias para chamar os filmes – e outros objetos artísticos também – que fruímos, aproveitamos, curtimos. Tem uma categoria que é boa, mas é informal, e varia muito de pessoa a pessoa por ser uma categoria subjetiva: a dos filmes lindos. É claro que estou fazendo uma brincadeira aqui, pois estamos acostumados a ver como “categorias de filmes” o suspense, a comédia, o drama, e por aí vai – e estes também tem muito de subjetivo por trás de sua pretensa objetividade. Mas sigamos com a nomenclatura subjetiva lindo. O que é um filme lindo? Tenho certeza que muitos de nós já ouviram isso: “tal filme é lindo, lindíssimo”, ou variantes, como “que filme belo”, “é um filme muito bonito”, etc. etc.
Eu acho Túmulo dos vaga-lumes um filme lindíssimo em todo o horror que aborda e com a sensibilidade com que trata das questões relacionadas ao casal de irmãos japoneses no final da Segunda Guerra; também acho O sabor da vida, da Naomi Kawase, um filme muito bonito, novamente um filme japonês e novamente com trato sensível tocante; Morangos silvestres, do Bergman, também entra nesse rol, com a beleza da memória do protagonista. Numa linha mais filosófica, Asas do desejo, de Wim Wenders, é um filme lindo ao questionar a existência, o ser e o não ser, ao questionar o tempo vinculado à existência humana. Por outra razão Cinema paradiso é lindo, maravilhoso ao trazer a experiência cinematográfica e novamente o tempo, pois o protagonista cresce ao longo do filme e se depara com a lembrança de sua vivência passada. Tomboy é um filme bonito ao retratar a homossexualidade de uma criança de modo nada caricato, ao contrário, mostrando suas tensões; A melhor juventude, uma odisséia de 6 horas que atravessa a história recente da Itália é outra maravilha, filme lindo ao mostrar as vicissitudes da vida, os caminhos diversos, as paixões, as lutas...
Paro por aqui porque se não este texto será somente uma enumeração dos tais filmes lindos. Vou me concentrar a partir de agora – e sumariamente – no filme Antes de amanhecer, a lindeza de Richard Linklater (1995). Ali temos duas coisas centrais para o entendimento do filme e que se relacionam com os filmes acima citados: a experiência do amor e do tempo. Acima, de um jeito ou de outro, todos os filmes lidam com ao menos um destes temas, amor e/ou tempo, e os tratam de maneira bela, delicada, sensível, sem caricatura, sem forçação de barra, sem clichês – ou quando com clichês, estes se relacionam bem com o amor e com o tempo de modo a integrar à experiência de amor e de tempo. Digo experiência porque quero dizer que é algo que encontra eco na vida real, vida real aqui entendida como uma experiência de vida, uma vivência, algo que vira memória. Em suma: coisa de humano, de ser vivo, que para ser assim deve ser humano e manter relações humanas, ou seja, interpessoais, intergrupais, recusando assim, pois, as relações de internet, as relações robóticas e mecanizadas, etc.
O que é então o filme do Linklater? Há dois jovens num trem na Europa, ambos lendo, ela na frente e ele atrás do vagão – eles não se conhecem, mas já percebemos que tem algo em comum, o hábito de leitura. Por algo do acaso, algo tão particular e presente nas nossas vidas, ela troca de lugar e senta ao lado dele, mas na fileira do lado. Trocam algumas palavras e, também por razoes circunstanciais, ele, Jesse (Ethan Hawke), a convida (Celine, interpretada por Julie Delpy) para ir ao vagão de restaurante. Aqui começa uma breve história de amor, que dura mais ou menos 24h – tempo da narrativa, que começa agora e termina no outro dia, pela manhã, quando Jesse deve embarcar para os EUA (estão em Viena, Áustria). A cena que estamos comentando – a conversa no vagão do restaurante – é o ponto de partida de uma relação que vai ser muito profunda e intensa, porém breve. Jesse e Celine, americano e francesa, conversam como se se conhecessem desde crianças, falam de suas vidas, de seus gostos, brincam, enfim, uma conversa que todo mundo gostaria de ter e quem já teve sabe como é bom, de perceber a reciprocidade e a intimidade, as semelhanças com o outro, num processo incipiente de alteridade, com muitas trocas, enfim... (Acho que aqui vale um pequeno parêntese para dizer de onde eu vejo esse filme e a sociedade que está representada lá: eu sou uma pessoa que acredita no amor, porque vivo cada dia intensamente imerso nesse sentimento – no meu caso com minha companheira, a Evelin, mas nos filmes citados o amor se mostra de muitas formas e entre pessoas variadas. Acreditar no amor não é, em hipótese alguma, negar a banalização que há dessa palavra no mundo globalizado em que vivemos. A palavra “amor”, esse substantivo abstrato, assim como muitos outros é banalizado, as pessoas dizem que amam a todo instante, quando na verdade muitas dessas relações duram alguns meses, são inócuas, enfim. Dizer que o amor existe não excluí o fato, visto a olho nu, de que as relações interpessoais estão cada vez mais escasseando no mundo, devido à internet, a todos os processos tecnológicos e econômicos que nos afastam do ser humano, da experiência vivida e sentida.) Agora voltemos ao filme.
Quando Jesse precisa descer, faz uma proposta indecorosa, com o perdão da brincadeira, para Celine: a convida para passar o dia com ele, pois amanha ele viajará e eles possivelmente nunca mais se verão. Lembremos: é um homem estranho que convida uma mulher para passar um dia com ele, sozinhos, num país distante de suas casas. É um quadro que, para as pessoas minimamente atentas, remete ao machismo e possibilidade de violência de gênero. Não é isso que acontece. O filme vai contando as horas que eles passam juntos, cada vez imersos numa relação importante, intensa, verdadeira, na qual se jogam de cabeça como se não houvesse amanhã. Pode soar clichê, mas pensemos que tipo de experiência esse filme nos conta. É uma vivência muito real, muito viva que é retratada ali. Ao longo da narrativa descobrimos mais sobre duas vidas, sobre as desilusões amorosas que tiveram; assistimos a cena linda – e um tanto clichê – do primeiro beijo, no alto da roda-gigante, e do abraço em seguida ao beijo – isto é muito importante, um abraço depois do beijo demonstra afeto, não foi um simples caso, um beijo qualquer, percebe-se que ambos desejam um ao outro com algum sentimento, não só pulsão sexual ou algo do tipo.
O filme avança, passa pela noite, bares, caminhadas, conversas. O assunto fatídico vai se aproximando: e quando se separarem? Depois de algumas horas de relacionamento intenso (por favor não pensar em sexo, pois eles nem transam no filme) já não são meros estranhos, e sim companheiros. As conversas sinceras desencadeadas a partir disso, os olhares, as apreensões presentes nas cenas são prá lá de humanas e remetem a um tipo de experiência escassa numa sociedade cada vez mais objetificada. O filme se encerra com a partida de Jesse, e depois Celine também embarca no trem de volta para Londres – estamos em 1995, não existe internet, eles estão separados pelo oceano Atlântico e as cartas são motivo de piada entre o casal, que ironizam quem diz que vai escrever e nunca escreve. Tem ainda uma esperança, contudo: combinam de se encontrar naquele mesmo lugar 6 meses depois, uma promessa que, naquele momento, ambos endossam com o coração apertado pela separação.
Ultimo comentário para encerrar: essa marcação do lugar do encontro e da despedida é simbólica: a concretude do espaço geográfico é algo interessante porque fica bem registrado na memória como algo vivido ali, naquele lugar e não em outro. Também é notável o uso do tempo no filme, cuja narrativa transpassa mais ou menos 24 horas do dia dos amantes, dando tempo ao tempo, construindo uma relação, nada de coisas apressadas, forçadas, reificadas. Sabemos, é claro, que o Linklater (mesmo diretor de Escola de rock) é o mestre do tempo no cinema: Antes do amanhecer, título que também remete à idéia de tempo, perdida no caos da globalização, é o primeiro filme de uma trilogia gravado com os mesmos atores num intervalo de, salvo engano, 30 anos. Há ainda outros dois filmes, que ainda não vi, chamados Antes do entardecer e Antes da meia-noite, que devem ser tão belos e vivificantes como o primeiro. É também do Linklater a obra majestosa Boyhood, filme gravado em 12 anos, que acompanha seu protagonista desde a tenra idade a ida à faculdade, já adulto. Que filmes lindos...
Rio, 40 Graus
3.9 86 Assista AgoraQue filme... deu até vontade de escrever (algo praticamente subjetivo, não se pretende nada mais que isso).
Seria uma ode ao Rio de Janeiro se não mostrasse com vontade a desigualdade social e tensão que esse tipo de interação provoca na sociedade. Belíssimo retrato do Rio da década de 50, mostrando o "outro lado" da "cidade maravilhosa".
Já no primeiro movimento do filme, a câmera acoplada em um helicóptero grava a cidade de cima. Nelson Pereira dos Santos foge da imagem tradicional do Cristo e do Pão de Açúcar como única referência e leva sua câmera para o que podemos dizer de início da ocupação dos morros na cidade.
O filme seguirá acompanhando cinco crianças negras da periferia indo vender amendoim em pontos turísticos. De maneira bem poética em vários momentos, deixa claro o protagonismo do filme: os de baixo. A cena que o menino entra de repente em um parque-zoológico e se encanta com os animais que estão lá é lindíssima, tocante. Mas Nelson não nos deixa esquecer da desigualdade e do preconceito e o menino é tirado à força, interrompendo aquele momento de êxtase.
Unindo a cultura popular brasileira como o futebol e o carnaval de maneira muito natural ao enredo que pretende contar, o diretor nos dá uma grande amostra de nossa sociedade. Construção narrativa interessante, intercalando cenas distintas mas fazendo-as conectarem-se analogamente (como o gol e o atropelamento), percebemos os abismos sociais que hoje, mais de meio século depois, ainda persistem fortemente.
Considerado o filme precursor do movimento que emergiria na década de 60, o Cinema Novo, que se propunha mostrar a realidade brasileira, temos aqui um dos grandes filmes nacionais, no qual é possível perceber uma profunda crítica social alinhada a uma qualidade estética invejável.
A Primeira Noite de Um Homem
4.1 809 Assista AgoraA perda da virgindade é um tema assaz corriqueiro na história do cinema. No entanto, poucos conseguiram trazer à tona a verdadeira face dessa descoberta, com seus nervosismos e incertezas, tão bem como Mike Nichols em The Graduate (A primeira noite de um homem).
Sem soar caricato ou clichê em nenhum momento, Nichols compõem o personagem de Ben, interpretado maravilhosamente por Hoffman, como um homem que, ao voltar da faculdade depois de ter dedicado todo seu tempo somente aos estudos, nunca sequer cogitou a hipótese de ter um relacionamento e agora se vê em uma crise existencial.
A partir dos primeiros planos, o diretor já utiliza closes, nos deixando apreensivos pela tensão do personagem, que é ressaltada tanto pelo enquadramento quanto pela atuação de Hoffman. Ben sofre de uma incomunicabilidade perante sua família: provavelmente formou-se em algo que não gosta e agora tem de suportar os afagos dos amigos e familiares e as congratulações por tal feito. Ben está preso, o que é personificado na cena bizarra na qual ele cai na piscina com roupa de mergulho, e o diretor, acertadamente, utiliza uma câmera subjetiva, mostrando assim ao expectador a barreira que existe entre ele e seus parentes. Distância esta também ilustrada, logo no início e ao longo do filme, pela música Sounds of Silence, aliás, de muito bom gosto do realizador além de exercer função narrativa.
A criatividade do diretor é tamanha que, desde o momento em que Ben perde a virgindade e os dias que se seguem, vemos tal progressão de tempo na tela durante 1 minuto ou mais. A montagem incrível usada na cena transmiti além da passagem do tempo, a repetição das situações e também a contínua tensão de Ben, que age como uma criança, desconfiado que seus pais possam supor ou terem conhecimento do que ele e Sr. Robinson fazem no hotel.
Ao fim, vemos um epílogo um tanto fantasioso e, digamos, clichê. Contudo, a narrativa de Nichols é tão ágil e bem construída que faz com que acreditemos naquele desfecho. É fácil saber porquê esse filme marcou época.
Love
3.5 883Love, dirigido por Gaspar Noé, 2015
Noé parece estar cada vez mais excêntrico e preocupado em chamar atenção em seus filmes. Love, sua última produção, prometeu ser um filme no qual as relações interpessoais seriam a chave que desencadearia o sexo. Contudo, o sexo que desencadeava tais relações, e estas não foram nem um pouco aprofundadas, mantendo a superficialidade em tão alto nível que chegou ao cúmulo do ridículo nas cenas de discussões exacerbadas, como na cena do taxi ou no apartamento de Electra, cenas estas que faziam o espectador rir ao invés de se chocar ou preocupar-se com o que acontecia.
O filme, como um todo, parece ser uma ode – de mal gosto – ao próprio diretor, quase como uma metalinguagem, já que a todo instante percebemos símbolos que remetem ao diretor e sua filmografia, tais como: o VHS de I Stand Alone na prateleira, a maquete do motel Love, o nome de alguns personagens (Gaspar e Noé) e a própria atuação do diretor como um ex-namorado de Electra.
Como dito acima, não houve aprofundamento de personagens e relações (uma pena, pois havia um conteúdo que poderia ter sido aproveitado), e, na contramão, o diretor utilizou o preguiçoso recurso da narração, que além de ser um método clichê para contar a história foi utilizado de maneira grotesca, idiota, soando extremante caricato nas vezes que ouvíamos Murphy vociferar seus pensamentos.
Como sabemos, Noé adora o sexo e o mostra em quase todos seus filmes. Em alguns, funciona, como Irreversível (obra-prima), ou em Enter the Void (bom filme do diretor), porém, em Love, Noé decidiu ir além, mostra-lo de forma crua. Outros diretores já o fizeram e de formas infinitamente superiores, vide Os Idiotas de Lars Von Trier ou Pola X, de Leos Carax. Mas Noé o trouxe com o 3D (mais um ponto para chamar atenção). O 3D é usado em filmes que usam em demasia planos gerais, aprofundando desse modo o campo de visão do espectador. Em Love, vemos praticamente só closes, o que torna o uso desse recurso totalmente descartável. Talvez o diretor tenha usado apenas para dar a sensação de voyeur ao telespectador, ponto este que o diretor parece ter acertado.
Noé, como visto em outros de seus filmes, sabe compor uma atmosfera incrível através de cores e movimentos de câmeras, (brilhantemente usado em Irreversível). Neste filme não é diferente. A troca de cores e enquadramentos têm função narrativa e contribuem muito mais para a história do que propriamente os diálogos.
Como um todo, é um filme mediano. Prometeu bem mais do que cumpriu e talvez seja o pior filme do diretor. Noé precisa dedicar-se mais à narrativa e ao roteiro e deixar de apelar em todas suas cenas. Talvez, quando volte a fazer filmes como Carne ou Irreversível, Noé volte a acertar. Um filme DR (como magistralmente classificado por um crítico) é a melhor análise que podemos fazer de Love, um filme com muito sexo e pouca história.
ps: “Love” aparece ao final do filme, contradizendo o diretor mas fazendo jus ao que assistimos.
A Doce Vida
4.2 316 Assista AgoraQue La Dolce Vita é um dos principais filmes do cinema italiano e mundial ninguém nega. Que Fellini é um dos maiores realizadores do cinema também não. Contudo, a primeira vez que assisti, achei a obra um tanto hermética. Entretanto, com a belíssima exibição feita pelo Itaú Cinemas de uma cópia restaurada dessa obra-prima, pude perceber o quão genial o filme é.
O título, assim como a trilha sonora que pincela o filme todo são um tanto alegres, vivas, com graça. No desenvolver da narrativa, percebemos o quão irônica são e como bem representam a vida do personagem de Mastroianni, magnífico em cena, interpretando um jornalista em meio ao furor da aristocracia romana que se vê em crise existencial tamanho o vazio que aquela vida de aparências lhe causa.
La Dolce Vita é uma superprodução. De constantes planos abertos a multidões de figurantes em praticamente todas as cenas. Fellini usa esse contingente demasiado de pessoas e sua mise-en-scène de forma incrível, ilustrando o tamanho da falta de interesse de Marcello (Mastroianni) em sua vida. Na cena em que estão em um castelo medieval, o andar pelos labirintos representa metaforicamente a própria busca de Marcello por algo a mais, algo que faça valer sua desprezível vida.
Tal movimentação em cena junto à fotografia com planos fechados dão um ar de claustrofobia, mais uma vez evidenciando a angustia do personagem principal. Mastroianni consegue manter uma expressão serena, às vezes até sorrindo, porém, ao mesmo tempo, dá indícios de sua solidão. Só um ator deste calibre conseguiria mostrar tanto em pouco.
As três horas de duração da película são necessárias para que Fellini consiga aprofundar seus personagens, principalmente Marcello, e mostrar ao público diversas facetas da sociedade de Roma, desde os jornalistas vorazes sem respeito algum (qualquer semelhança com a nossa sociedade atual não é mera coincidência) à relação de Marcello com seu pai ou com sua “amante”, a quem visita de quando em quando.
Aproximando-se do final, Marcello parece mesmo fadado à solidão e a pobreza de espírito. Depois da grande cena da festa em uma casa na beira da praia, temos um farrapo humano, desiludido em suas relações e completamente desajustado à sociedade. Quando, enfim, chega à praia, reconhece, do outro lado da margem, a doce menina que encontrara certa vez em um restaurante. Tal encontro foi fundamental para reacender a vontade de viver. Viu naquela menina o chama da juventude, a vontade de viver e contribuir ao mundo, porém, ele já não é capaz de se ajudar. Há um muro entre sua consciência e a sociedade em que vive – exemplificada pelo trecho de água de corre e o separa da menina – e não esperamos mais nada a não ser a queda de Marcello. E então, de joelhos sobre a areia da praia, olha triste à menina que lhe sorri. Esperançoso para a menina, melancólico para Marcello. E chega ao fim La Dolce Vita, um dos maiores retratos do Homem em sua sociedade.
As Harmonias de Werckmeister
4.3 94Béla Tarr e Ágnes Hranitzky transformam o simples cinema em um espelho da vida, demonstrando a rotina com uma verossimilhança esplêndida. A começar pelos longos planos (em torno de 20), estes transmitem a verdade em seus movimentos lentos, tanto de câmera quando de mise-en-scène, o estudo de cada cena vai ao seu auge no plano-sequência no hospital, onde os diretores transmitem uma agitação e uma crescente tensão de modo natural, contando apenas com seus atores, sem uma trilha que implique artificialmente isso ou uma câmera agitada.
O ponto alto da película é, sem sombra de dúvidas, o roteiro, com seus simbolismos e significados profundos acerca da existência humana e da vida levada ao longos dos anos pela sociedades. O filme, desde seu princípio, coloca o Homem em um patamar de inferioridade assustadoramente verdadeiro, e durante a projeção nos confrontamos com isso em diversos momentos, seja pela encenação do sistema solar na cena inicial, ou pelo contraste enorme que a baleia (atração que um circo leva à cidade) provoca ao vermos János ou seu tio ao lado dela.
A chegada de um circo à cidade com uma grande baleia empalhada e um "Príncipe", trazem consigo uma tensão que os moradores locais não estavam habituados, e o uso do inverno rigoroso como metáfora à essa recente onda de tensão representa brilhantemente a opressão que os moradores sofrerão a seguir.
Um filme estranho, que demonstra sua força no decorrer do tempo, com uma atmosfera sombria e sua tensão crescente, de modo que acabamos o filme refletindo profundamente sobre o papel do Príncipe na manipulação de massas, no comportamento ético e moral da sociedade diante de acontecimentos catastróficos e, mais uma vez, vemos a inferioridade do Homem em relação não só ao universo, mas a ele mesmo.
As Mil e Uma Noites: Volume 1, O Inquieto
4.1 28Extremamente irônico, criativo e crítico, o grande diretor Miguel Gomes, em seu último filme, mostra ao mundo de forma inventiva os sérios problemas enfrentados por Portugal (mas o filme coloca-se em posição universal) a partir de um plano de austeridade imposto ao país nos últimos anos.
De maneira única, o diretor cria uma atmosfera que começa num tom documental e as poucos vai à ficção, flertando com a fantasia, e tem seu resultado final em uma análise sobre toda população de portuguesa, em todo seu âmbito.
O cinema português parece gostar de filmes monumentais - vide a obra-prima Mistérios de Lisboa, de Raul Ruiz. Para nós, resta esperar os próximos volumes para ter uma interpretação geral da obra, que provavelmente manterá o nível do primeiro e se colocará como um testamente de Portugal (e do mundo) frente a medidas canalhas de austeridade.
Olmo e a Gaivota
3.9 149Em um recorte com um quê de Árvore da Vida, a dupla de diretoras compõem um filme diferente, estranho em alguns momentos, mesclando o real e a ficção de modo extraordinário - não foi à toa que comentou-se exacerbadamente a respeito desse tópico.
Olmo e a Gaivota pode representar a própria personagem principal, em seus momentos de antagonismo ao longo da película, no caso, antes, durante e depois da gravidez. Se antes era livre e podia quase que voar (e as cenas no palco dão essa impressão de leveza), quando engravida é obrigada a ficar em casa a fim de evitar um possível problema, permanecendo, assim, presa como um olmo.
Com uma fotografia lindíssima, mostrando ao mesmo tempo Natureza viva e morta, com uma mixagem estranha, lembrando assim o já citado filme de Malick assim como O Bandido da Luz Vermelha, ao final temos um belíssimo resultado, em uma atividade documental-ficcional e de inventividade narrativa de grande qualidade para o cinema.
Que Horas Ela Volta?
4.3 3,0K Assista AgoraO cinema, assim como a arte em geral, tende, em sua maioria, a direcionar seus temas a situações recorrentes e usuais referentes ao momento em que a sociedade vive. Talvez, nos últimos anos, o Brasil não tenha chego tão perto da realidade quanto Que Horas Ela Volta?. Alguns filmes abordaram temas semelhantes como: O Som ao Redor ou Branco Sai, Preto Fica. Contudo, o poder do filme de Anna Muylaert supera barreiras entre as classes sociais e coloca-se, ao fim, como um estudo claríssimo e crível das desigualdades que o Brasil padece.
Talvez como recurso de metalinguagem, a escolha de Regina Cazé para o papel principal seja mais que adequada, já que a conhecemos como uma pessoa simples que, sempre que pode, demonstra sua sensibilidade para com os mais desfavorecidos. Sua personagem, Val, uma empregada doméstica domesticada, aceita, ingenuamente, os muros impostos por Bárbara, sua patroa. Quando analisamos tal personagem temos o perfeito exemplo de como são descriminadas tais pessoas. É como se, inconscientemente, seguissem à risca o pensamento aristocrático das massas por Durkheim. Val sente-se inferior e coloca-se nesta posição. Quando sua filha vem morar com ela a fim de prestar vestibular para Arquitetura (o curso escolhido pode significar, analogicamente, como a arquitetura das classes sociais e como elas ergueram-se) o contexto social da casa onde vivem começa a mudar, momento este construído magistralmente pela diretora, que aprofunda seus personagens de modo fantástico e sem apelar a desfechos já esperados.
É interessantíssimo analisar que, com a chegada da filha de Val, as personalidades dos personagens, principalmente os patrões, começam a mudar drasticamente, mostrando ao espectador que tais sentimentos encontravam-se apenas adormecidos, e que quando chegasse a hora, se mostrariam arrogantes e egoístas frente aos problemas muito maiores da menina. Tal representação em cena não teria sido tão bem sucedida se não fosse as atuações seguras dirigidas firmemente por Muylaert. Naturalmente, a protagonista nos chama mais atenção. Cazé incorpora Val de modo brilhante, não há outro adjetivo. Em muitos momentos, Cazé trabalha apenas com o olhar, como na cena inicial em que limpa o vidro junto a sua colega de serviço e esta pronuncia algo que não deveria. Ou, de quando em quando, Val parece não chorar, porém, não está alegre ou séria, mantendo seu rosto triste entre tais sentimentos, criando uma áurea de sentimentos exacerbados em gestos mínimos. Fantástica.
Muito se falou no alcance que a película teve, dialogando com todas classes sociais do Brasil, inclusive com a dominante, a direita, a reacionária, os principais alvos a que o filme pretendia chegar. Pois, para abaixarmos e aniquilarmos a desigualdade, é preciso que a parte que está no poder, a que possui meios para tal, convença-se de que isto é realmente necessário. A abordagem de Muylaert facilita tal encontro, pois, a qualquer momento, poderia facilmente tender a diálogos raivosos por parte dos trabalhadores, criticando tal discrepância na sociedade. Mas não, mantém-se simples e deixa que suas imagens falem por si só. Há alguns exageros dentro desse último quesito, como nas cenas em que a diretora mostra exaustivamente Val em ambientes sujos ao redor de varais ou mostrando a personagem em um ônibus lotado. Entretanto, tais cenas descartáveis não são suficientes para abaixar o nível do filme.
Em meio às diferenças econômicas, Muylaert uni Bárbara e Val (e depois a filha desta) pelo meio familiar. Este talvez seja o ponto mais genial do filme, e que, por fim, justifica seu título. A pergunta “Que horas ela volta?” junta as três protagonistas mulheres, porém, percebemos a clara diferença ao analisarmos as respectivas vidas separadamente. Val e sua filha padeceram na hora de cuidar de seus filhos pois precisavam de renda para sustenta-los. No revés, Bárbara tinha tudo que precisava para tal, porém, não conseguia dar a atenção necessária a seu filho, que por fim, acaba por buscar afeto em Val, que o trata como se fosse seu próprio descendente e doa-lhe todo o amor que, por motivos maiores, não pode dar à sua filha. É uma relação intrínseca de grande complexidade, triste, e que é conduzida, como dito acima, de modo magnífico pela diretora.
Tal relação de amor mãe-filho(a) é também aprofundada na cena em que Val entra, pela primeira vez, na piscina. Tal localidade da casa era considerada como a última divisa entre patrões e empregados, e que havia sido quebrada na cena maravilhosa em que Jéssica (filha de Val), cai de supetão na piscina. Não foi à toa que Anna filmou esta parte em câmera lenta, para que o espectador percebesse claramente a imersão total de Jéssica na vida de Bárbara e sua família. Dialogando com a cena citada acima, (Val na piscina) Anna estabelece uma forte ligação entre mãe e filha. Val acaba por cometer tal ato impensado por causa de sua filha. Foi a aprovação no vestibular desta que faz com que a mãe se sentisse à vontade para, enfim, ter alguns minutos de alegria dentro da piscina, compondo, assim, uma das cenas mais bonitas do filme.
Ao final, temos Val saindo do emprego, finalmente negando tal situação a fim de cuidar de sua filha e seu neto, (recém descoberto), que proporcionou a última peça de ligação entre as mulheres (citado acima). Na derradeira cena, a utilização da trilha sonora junto à palavra “mãe”, tão esperada por Val, acaba prejudicando o impacto que esse simples substantivo possui no contexto. Contudo, mais uma vez, tal problema não influencia no poder do filme de Anna, e assim esperamos que a película sirva como mais um exemplo à situação de milhares de empregadas domésticas, que são obrigadas a ver a vida pela cozinha, jamais sentindo-se à vontade na sala de estar.
Orestes
4.1 8Orestes faz jus à sua posição de documentário ficcional e, influenciado claramente pelo decano Coutinho e por Furtado, compõem um documentário interessantíssimo, fazendo um paralelo entre a violência no Brasil desde os tempos da ditadura (aquele tempo horrível que imbecis pedem de volta) aos dias atuais.
Usando como base a tragédia de Ésquilo sobre um parricídio, Siqueira estabelece tal analogia atemporal com a Grécia clássica ao mesmo tempo que estamos tão longe e perto daqueles quase inalcançáveis tempos. E é de se preocupar que, uma peça com mais de 2500 anos de história contenha elementos de nossa vida cotidiana.
Que a violência no Brasil é um tema recorrente todos sabemos. Contudo, como grande parte da mídia golpista no Brasil serve ao lado oposto ao bom senso, a população acaba desnorteada e passa, assim como a pobre mulher do filme (a que usa uma camiseta estampada "Justiça é o que se pede!") a compactuar com ações absurdas, como a pena de morte.
O filme é inteligente ao abordar diversos casos relacionados a essa violência, e o fato da narrativa não ser totalmente linear, cria, assim, um ambiente confuso onde o que prevalece é o caos e a morte.
Repleto de entrevistas que evidenciam a crueldade dos militares, a película surge como uma crítica veemente aos métodos adotados por estes desde 1964, polícias estas que deveriam garantir a segurança dos cidadãos ao invés do contrário. Junto a isso, uma trilha sonora interessante pontuando o filme com altas notas de quando em quando e uma direção segura do diretor, faz com que Orestes seja mais um dos muito bons documentários brasileiros produzidos nos últimos tempos.
O Homem Irracional
3.5 555 Assista AgoraAllen recupera sua forma nesse filme, entre os poucos muito bons do diretor no séc. XXI. Peca por ser, em alguns momentos drama e outros comédia (o filme se encaixa muito mais no drama). Junto a isso uma narração preguiçosa para contar a história e aprofundar o estudo nos seus personagens. Entretanto, são pontos que diminuem infimamente a obra, pois esta tem uma história poderosa que carrega a película.
As atuações, assim como design de produção estão em grande nível, como de costume, junto à trilha sonora tipica do diretor. Pode ser comparado a Match Point e outros de seus filmes pelo tema "Crime e Castigo", a diferença reside na motivação de nosso protagonista - nesse vemos Phoenix ótimo, como lhe é corriqueiro, e na não diferenciação, como dito acima, do gênero cinematográfico.
Em suma, um filme muito bom de um grande diretor que parece ter encontrado novamente o caminho da qualidade.
Obra
3.0 48Um filme estranho, inquieto, barulhos no silêncio mortal, literalmente. A dicotomia entre o passado e o presente que acarretará consequências ao futuro. Um filme diferente, onde não há uma narrativa claramente estabelecida. O diretor prefere andar em círculos, como a própria vida, em seu ciclo infinito. Sim, é um grande filme, com muito simbolismos e sutilezas (como a cicatriz do pai e avô do protagonista, realizando assim uma analogia com a posição fetal dos indígenas enterrados em seu terreno).
ps: Resta tentar decifrá-los.
O Sétimo Selo
4.4 1,0KInquietações sobre morte e vida, deus e o diabo, fé e descrença, sempre fizeram parte da vida de Bergman. Em consequência disso, o diretor sueco construiu O Sétimo Selo, provavelmente seu filme mais pessoal, que conta a história de um cavaleiro (Max Von Sydow, em atuação fantástica) que retorna das cruzadas e depara-se com a peste e com as muitas mortes causadas por ela.
Nos primeiros planos do filme, assistimos a cenas lindíssimas, magistralmente fotografadas em preto e branco (nem imagino se o diretor de fotografia fosse Sven Nykvist). Dois cavalos à beira mar, águas revoltas batem às pedras, um pássaro negro sobrevoa a paisagem, funcionando quase como um presságio de Morte.
Nesse tom, ouvimos uma narração, recitando uma parte do Apocalipse, e então o cavaleiro encontra a Morte pela primeira vez. O design de produção assume logo no inicio um papel importantíssimo no filme, compondo o personagem da Morte com uma face pálida e uma capa preta, mantendo-se minimalista e não chamando atenção ao que não interessa. Os figurinos e locações ao longo do filme são excelentes, atendo-se e sendo fieis à época que o filme está inserido.
A Morte pergunta se o cavaleiro está preparado, ele responde que seu corpo está, mas ele não. Este último convida a Morte para uma partida de xadrez, e com isso ganha tempo para realizar algo de bom em sua vida, algo pelo que possa se orgulhar, já que passou a vida inteira procurando uma direção, uma crença, algo que justificasse sua existência.
Tais questionamentos sempre afligiram Bergman, e não é à toa que este tema seja recorrente em toda sua filmografia. Além de tratar com perfeição e realismo as relações interpessoais, e de forma muito atemporal, Bergman doa tempo do filme a cada apresentação de personagens, deixando clara a diversidade de pensamentos unificados em uma terra onde o caos reina e com apenas uma coisa em comum: a inevitável vinda da Morte.
Os pensamentos demasiados de Block são os que, pelo menos uma vez na vida, nós também tivemos, e com isso Bergman nos aproxima do personagem e dos seus problemas. Block é um personagem extremamente fascinante. Ao mesmo tempo que vai às Cruzadas em nome da Igreja, consequentemente, em nome da religião, ele procura um sinal de Deus e da razão de estar fazendo isso. Ele age como todos agiam na época, seguindo preceitos já estabelecidos sem ao menos questionar essas ordens.
Perdido em dúvidas, surge a Morte, onipresente no filme, ao contrário de deus (Bergman faz uma inversão de papéis magnífica), que não existe.
A Morte oferece a Block o fim para seus tormentos, o fim dos questionamentos. Entretanto, essa saída do mundo dos vivos o levaria aonde? O que aconteceria se ele largasse tudo e fosse com a Morte? Há aí outro questionamento. Porém, Block não almeja só respostas, mas também, como falei acima, fazer de sua vida terrena um motivo de orgulho.
Quando encontra o casal de circenses (a lindíssima e talentosa Bibi Anderson e Nils Poppe), vê sua chance de se redimir consigo mesmo. Protegê-los da morte é sua única saída de livrar-se do remorso e poder, enfim, juntar-se à ela. E há uma cena lindíssima que ilustra esse sentimento, enfim encontrado. A cena em que ele diz à Mia (Anderson), quando a conhece: “Jamais esquecerei esse momento. Guardarei na memória esses morangos, esse leite...”. Cena esta que além de linda, expõem o sentimento de forma pura, simples e muito natural.
Por mais ínfima que seja, a busca encontra seu fim quando ele e seus amigos são buscados pela morte em sua casa. Não há mais o que procrastinar. É chegada a hora. A presença da morte não assusta, mas emociona. Uma figura ardilosa como ela, capaz de fingir-se de padre para trapacear no xadrez (em uma das melhores cenas do filme), uma figura que cerra uma árvore com uma frieza incrível (em uma cena triste e bizarra, construída de modo fantástico pelo diretor), essa figura consegue, ainda sim, por sua imponência, poder incontestável e sua áurea de mistérios, provocar ansiedade e comoção no espectador e nos personagens, fazendo desse epílogo um dos mais autorais e verdadeiros do cinema.
Jauja
3.5 40Em um filme onde o personagem principal é a natureza, nos perguntamos: até onde o tempo e a natureza podem interferir na nossa vida?
Em Jauja, planos longos e silenciosos tratam com uma verossimilhança incrível a passagem do tempo e de como ele destrói e consome as pessoas. E não é a toa que, em duas ou três falas do filme, ouvimos falar que "o deserto nos consome".
Esses planos longos são necessários para mostrar o passar lento do tempo e de como o personagem principal (Gunnar), a procura de sua filha, vai se perdendo em meio a ele. Consequentemente, a narrativa desenrola-se vagarosamente, o que não impede de desfrutarmos totalmente desse grande filme.
É de modo incrível como o diretor ilustra os problemas causados por essa reclusão em meio ao nada, como por exemplo, logo nas cenas iniciais, vemos um dos líderes do acampamento se masturbando, e logo em seguida, não hesita em mostrar-se interessado pela filha de Gunnar (Mortensen), uma menina que deve estar no auge dos seus 18 anos. E o diretor não para por aí. Na sequência em que a menina foge com o seu amor, Gunnar encontra este último a beira da morte, morte esta que o rapaz credita à Pittaluga, o líder do início do filme.
A relação já estabelecida de tempo/natureza/ser humano chega ao seu ápice na fantástica sequência na caverna, onde Gunnar encontra sua filha, porém esta está mais velha, idosa já, e com uma sabedoria que não tinha quando Gunnar a perde. Seguem-se diálogos magníficos, em que os pensamentos se cruzam, em momentos parecem não fazer sentido, mas ao final, analisados como um todo, soam fantasticamente verossímeis.
Após essa licença poética utilizada pelo diretor, há um corte (uma elipse grande, aliás) para a Dinamarca dos tempos atuais, e vemos a mesma menina, provavelmente uma descendente de Gunnar. Nesse epílogo, o diretor finaliza uma história sobre o tempo e a vida de modo brilhante, pois nada mais didático do que mostrar a mesma atriz em dois pontos totalmente distintos da história (leia-se: anos), interpretando uma menina de uma mesma família e ainda sim com as mesmas idiossincrasias, e não é a toa que, antes de acabar o filme, há uma fusão entre o lago da casa onde a menina atual mora e um pequeno pedaço de água de "Jauja", mostrando com isso que o passado e o presente estarão sempre unidos ao longo dos anos.
Cisne Negro
4.2 7,9K Assista AgoraEm um estudo de personagem interessantíssimo, Aronofsky nos apresenta Nina (Portman), uma bailarina que vive obcecada pela perfeição, que luta contra o fracasso de sua mãe quando esta dançava e que, em meio a uma educação rigorosa, deixa de aproveitar a sua juventude, apenas existindo ao invés de viver, e isso é ilustrado quando Nina escuta de sua colega em uma boate: "O que você vai fazer? Voltar para a mamãe? Viva um pouco!", estabelecendo a diferença grande que há entre as duas.
E essa dualidade permanece no filme o tempo inteiro. O diretor filma constantemente Nina com reflexos a sua volta, demonstrando assim a outra persona da bailarina a ser confrontada (confronto este que faz uma alusão clara à dança dos Cisnes, a batalha entre o Branco e o Negro ao final, na derradeira apresentação).
A partir dessa premissa, Natalie Portman compõe o personagem magnificamente bem, alterando sua voz de tempos em tempos, as vezes demonstrando sua total infantilidade, outras parecendo expor seu lado mais maduro, ou, já no terceiro ato, gritando completamente transtornada em seu quarto. Quase sempre Nina aparece com o cenho franzido, olhares intensos e inquietantes, a respiração ofegante, e isso juntamente com a fotografia nervosa do diretor e closes constantes aumenta assim a intensidade e tensão da película.
Há cuidado em todos aspectos do filme, desde o figurino (Nina usa muito roupas rosa claro, remetendo à vestimenta infantil), direção de arte (quando Nina está na banheira, vemos no canto direito inferior da tela um desenho de um cisne, desse modo exemplificando como a personagem não consegue desligar-se da dança e como isso a consome) e a trilha sonora, que mantém-se no âmbito do ballet durante toda projeção.
Assim, Darren Aronofsky finaliza um grande trabalho, não o seu melhor, mas ainda sim uma obra a ser contemplada e apreciada. Natalie mereceu o grande reconhecimento que teve, pois é a peça chave que orquestra a película, merecendo os aplausos que a personagem tanto almejava.
Dragon Ball Z: O Renascimento de Freeza
3.3 258Assistir a filmes do Dragon Ball hoje em dia está cada vez mais difícil. O excesso escancarado de efeitos especiais distancia-se tanto das séries de tevê originais que chegamos ao ponto de não reconhecermos Gohan, por exemplo, a não ser pela voz (pelo menos os narradores originais permaneceram).
Desde o último filme (A Batalha dos Deuses), percebemos que o público alvo de Dragon Ball mudou, já que agora acompanhamos diálogos rasos e idiotas no decorrer da narrativa. Nem a arrogância e frieza de Vegeta soam como verdadeiras tamanha a falta de expressão dos personagens. Personagens estes tão expressivos ao longo dos anos em que os acompanhamos nas primeiras histórias.
A distância entre esse filme e a primeira temporada de Dragon Ball é tão grande que nem a música tema, tão marcante para todos fãs do anime, permaneceu na película. A trilha sonora muito boa usada nos episódios televisivos dão lugar agora a uma trilha que remete à ópera, não de todo ruim, mas mal utilizada.
Por um lado, o uso demasiado de efeitos tem seu lado positivo. Quando o exército de Freeza sai da nave, logo que chegam à Terra, temos um plano geral onde enxergamos a magnitude de tal, e o plano perderia um pouco do impacto caso tivesse sido feito de modo mais pueril.
As cenas de luta são as partes em que o filme mais acertou, golpes velozes, duros e cheios de força, fazem com que o espectador relembre, mesmo que com dificuldade, as grandes lutas do passado, como Gohan vs Cell (e nesse filme há uma cena em especial que Gohan golpeia o adversário igualmente como fez com Cell), ou Goku vs Vegeta, (principalmente o primeiro combate).
Nas lutas também é onde o filme peca novamente. Não há construção de tensão ou suspense como havia antigamente, parece que o filme tem pressa em mostrar as transformações novas. Se tu lembrares de quando Goku torna-se super saiyajin 3, todos os novos níveis atingidos nesse filme soam simplórios, para não dizer risíveis.
Há alguns planos interessantes no decorrer da projeção e algumas cenas como as citadas acima, mas é só. É bom vermos para lembrarmos nostálgicos dos bons tempos de Dragon Ball, porém, no revés, ficamos tristes ao perceber como estamos longe do "verdadeiro" Dragon Ball Z.
A Infância de Ivan
4.3 156 Assista AgoraRevisitando o tema militar (vide, Hoje Não Haverá Saída Livre) e também a relação interpessoal inusitada (O Rolo Compressor e o Violinista), Tarkovsky imprimi neste - que é seu primeiro longa - o que veríamos no decorrer de sua carreira: planos gerais da natureza como um "personagem", alterações entre realidades (sonhos, imaginação ou delírios) e transformando cada quadro em uma obra de arte.
Desse modo, acompanhamos a infeliz infância (cujo título poderia ser interpretado como uma cruel ironia, já que quando remetemos à palavra 'infância', pensamos em momentos alegres e carinhosos) de Ivan, um menino que padece com a morte de sua família e vê, na figura de três militares do exército russo, as figuras paternas que jamais tivera.
É lindo como Tarkovsky mostra, logo no início do filme, o menino lembrando de sua "verdadeira infância" ao lado da mãe, em um dia ensolarado (o sol só aparece em dois momentos no filme), despreocupado e sem saber ainda as sequelas que a guerra provocaria, (sequelas estas que acompanhariam o menino durante toda película). Após esse prólogo, o diretor corta repentinamente para o presente, e assistimos a Ivan, cansado e enfermo, em uma total discrepância com o que acabamos de ver (e essa diferença exacerbada é acentuada pela grande atuação de Nikolai Burlyayev).
A mudança de trilha sonora, fotografia e locações em momentos de lembranças e realidade vivida por Ivan é espetacular e precisa, personificando os sentimentos do menino para tal momento, e é bonito que ao final do filme, mesmo quando sabemos o destino de Ivan, Tarkovsky acabe em uma lembrança, mais uma vez com o dia ensolarado e com sua irmã ao lado, amenizando o fatídico fim que nosso herói teve de enfrentar.
O Rolo Compressor e o Violinista
4.0 47Primeiro trabalho independente e com cores de Tarkovsky, relata de modo sutil, bonito e bem estruturado, a vida de Sasha, um menino apaixonado por violino que trava uma inusitada amizade com um motorista de um rolo compressor. A discrepância é enorme, porém, é atenuada pela câmera de Tarkovsky, que consegue imprimir um sentimento verídico no espectador e com isso nos aproxima da vida do garoto.
Um belo trabalho para inicio de uma filmografia repleta de grandes obras, que faz com que o diretor seja considerado um dos maiores que o cinema já teve.
Os Nibelungos Parte 1 - A Morte de Siegfried
4.3 24É impressionante como através de planos simples e uma movimentação pequena de atores, Fritz Lang consiga transmitir uma intensidade assustadora à já magnífica e sombria lenda escandinava, que acompanha Siegfried -o Aquiles dos escandinavos- em uma jornada envolvente de poder, amor e traição.
Cada plano do filme é uma pintura, com uma direção de arte espetacular, criando cenários como uma floresta infestada de Nibelungos (anões grotescos), ou uma sublime catedral e o imponente castelo do Rei Guther.
A trilha sonora que permeia quase todo filme em sua projeção é uma alteração entre altos e baixos, mixados de forma magnífica na película, abrindo espaços ao silêncio em momentos de luto, ou em uma intensidade nas cenas tensas e de ação.
Lang transmite uma veracidade impressionante através da direção de atores, com gestos e expressões faciais fortes, quase caricatas, mas que percebemos claramente a razão para tal quando analisamos o movimento em que o filme está inserido.
(Spoiler) No penúltimo canto, por exemplo, vemos a construção de um assassinato premeditado e com o público inserido nesse contexto, e é de modo cruel que assistimos às últimas cenas de nosso herói com sua amada, pois ela, assim como nós, pressente o futuro fatídico. E mais uma vez, Lang nos mostra sua capacidade incrível de criar planos memoráveis e marcantes, cuja utilização de luz e sombra os transformam em personagens na história, tamanha sua importância na criação do ambiente sombrio e surreal do filme.
É por isso que, ao analisarmos o Expressionismo Alemão, é fácil compara-lo à catarse dos filmes de Méliès uma década antes, pela construção fantástica e surreal dos filmes e principalmente pelo poder impressionante que as imagens possuem, em filmes onde não é preciso cor ou falas para transmitir tamanha intensidade e verossimilhança ao espectador.
As Harmonias de Werckmeister
4.3 94Béla Tarr e Ágnes Hranitzky transformam o simples cinema em um espelho da vida, demonstrando a rotina com uma verossimilhança esplêndida. A começar pelos longos planos (em torno de 20), estes transmitem a verdade em seus movimentos lentos, tanto de câmera quando de mise-en-scène, o estudo de cada cena vai ao seu auge no plano-sequência no hospital, onde os diretores transmitem uma agitação e uma crescente tensão de modo natural, contando apenas com seus atores, sem uma trilha que implique artificialmente isso ou uma câmera agitada.
O ponto alto da película é, sem sombra de dúvidas, o roteiro, com seus simbolismos e significados profundos a cerca da existência humana e da vida levada ao longos dos anos pela sociedades. O filme, desde seu princípio, coloca o Homem em um patamar de inferioridade assustadoramente verdadeiro, e durante a projeção nos confrontamos com isso em diversos momentos, seja pela encenação do sistema solar na cena inicial, ou pelo contraste enorme que a baleia (atração que um circo leva à cidade) provoca ao vermos János ou seu tio ao lado dela.
A chegada de um circo à cidade com uma grande baleia empalhada e um "Príncipe", trazem consigo uma tensão que os moradores locais não estavam habituados, e o uso do inverno rigoroso como metáfora à essa recente onda de tensão representa brilhantemente a opressão que os moradores sofrerão a seguir.
Um filme estranho, que demonstra sua força no decorrer do tempo, com uma atmosfera sombria e sua tensão crescente, de modo que acabamos o filme refletindo profundamente sobre o papel do Príncipe na manipulação de massas, no comportamento ético e moral da sociedade diante de acontecimentos catastróficos e, mais uma vez, vemos a inferioridade do Homem em relação não só ao universo, mas a ele mesmo.
Diário de uma Camareira
2.7 93 Assista AgoraLéa Seydoux dispensa apresentações. Desde seus primeiros trabalhos no cinema, tem demonstrado toda sua técnica e beleza nas atuações, e aqui nos presenteia com mais uma personagem magnífica, ao lado do sempre maravilhoso Vicent Lindon.
Seydoux da vida à Célestine (nome tão lindo quando à atriz), e em toda película acompanhamos a vida da camareira que, com peculiaridades, não fica muito tempo em seus serviços.
O filme parece andar em círculos, ação proposital escolhida pelo diretor, afinal, trata-se de um diário, e acompanhar a vida do dono(a) deste é o que se espera quando lê-se um. Entretanto, o ritmo é prejudicado por conta dessa escolha, mesmo que esta tenha função narrativa e com ela possamos acompanhar o arco dramático da personagem durante a projeção.
O filme tem por pano de fundo uma França do início do século XX, e parece usar a vida de Célestine como um pretexto para abordar temas maiores em relação à sociedade, como a discrepância de tratamento entre patrões e empregos e a exploração que esses sofrem de seus empregadores, a vontade dos pobres de se rebelarem frente a esse abuso em uma sociedade desigual e o preconceito às religiões diferentes, que leva à segregação já prevendo o holocausto que ocorreria décadas depois.
Jacquot aposta em uma câmera traseira quase a altura dos olhos, transformando o espectador em testemunhas oculares dos acontecimentos descritos no diário da camareira, mantendo-nos próximos à ela (já que isso é um tanto difícil) não só pela câmera mas também pela narração em alguns momentos do filme.
Embora com alguns problemas, o filme de Benoît Jacquot nos transporta para o século anterior de modo muito natural - design de produção mais uma vez esplêndido (vide Adeus, Minha Rainha) e com ele as atuações naturais e belas dos protagonistas, seja com olhares cheios de emoção e significados, ou suspiros de cansaço e emoção ou por palavras singelas e sublimes que ilustram o mundo tão atual de 1900.
De Cabeça Erguida
3.7 59 Assista AgoraDe modo simples, o filme de Emmanuelle Bercot, que abriu Cannes esse ano, nos mostra a história de um garoto cuja vida já nasce destruída e mostra, ao longo dos anos, as consequências dessa destruição.
A narrativa se desenvolve bem durante os dois primeiros atos da película, mas no terceiro arrasta-se para um final óbvio e longínquo (poderia ter reduzido a duração do filme em 30 minutos que não perderíamos nada) porque, na última parte do filme não acompanhamos nenhum arco dramático, nada que acrescente à narrativa nos é apresentado, logo, é descartável.
A direção de fotografia, apostando em uma câmera errante, jamais parada, dá um tom de nervosismo e tensão ao filme, fazendo uma analogia à mente e vida de Malony. Este último, personagem principal, esbanja técnica e coragem em sua interpretação impecável. Atuando em nível de igualdade com a sempre maravilhosa Deneuve, toma conta de todas ações do filme e jamais sente-se ameaçado pela presença da veterana, pelo contrário, mostrando-se maduro é incrivelmente talentoso.
Filme pontuado por um roteiro estruturado, com pouca trilha sonora, escolhida e usada em momentos adequados, sempre com músicas agitadas mostrando a verdadeira realidade vivida por Malony (talvez uma realidade longe da nossa). O filme termina como previsto, há algumas aberturas e fechamentos de planos, sem sentido durante a projeção que atrapalham um pouco, mas não a ponto de tirar muita qualidade desse bom filme de Emmanuelle Bercot.
Aprendiz de Alfaiate
4.1 63Filme interessante de Garrel, mostrando as relações interpessoais do ponto de vista do jovem alfaiate. Léa Seydoux como sempre, bela e talentosa, nos brinda com sua atuação firme, sensível e docemente melancólica. Com um aprimoramento em sua misé-en-scène e mais cuidado com a superficialidade dos personagens, Garrel pode ser tão bom na direção quanto é atuando.
O Estranho Caso de Angélica
3.4 40Um dos grandes filmes do século XXI. Manoel de Oliveira parte de uma premissa inusitada e complexa para falar de diversos assuntos existenciais, e se propõe, logo de inicio, a falar sobre a vida e a morte, divisadas por uma pequena linha tênue controlada por Átropos.
Com uma fotografia lindíssima, um roteiro estruturado e atuações seguras, Oliveira nos brinda com um filme encantador em todos seus aspectos, e uma cena final estupenda, com os trabalhadores e seu cântico entoado.