“Trainspotting – Sem Limites” é uma experiência curiosa. É um filme que tenta ser cult, mas cuja mensagem (quando enfim revelada), soa nada menos que trivial. É um filme que tenta ser comédia, mas que não é engraçado. É um filme que tenta ser um estudo de personagem, mas que possui um protagonista um tanto quanto raso de tanta droga que tem na cabeça. Enfim, Trainspotting é um filme que tenta ser muitas coisas, e no fim consegue ser nada mais do que uma bagunça bonitinha, com tanta profundidade quanto as revoltas de um pré-adolescente contra o mundo que o cerca.
O filme conta a história de cinco amigos – liderados pelo jovem Mark Renton (Ewan McGregor, sua estreia nos cinemas) – que vivem em Edimburgo, Escócia, durante os anos 90, e que são viciados em heroína (com exceção do personagem vivido por Robert Carlyle). Partindo da decisão de Mark de tentar parar com as drogas, o filme segue retratando as várias tentativas dele de ficar limpo, ao mesmo tempo em que mostra pequenas desventuras vividas pelos seus outros amigos. E se o filme não derrapa para a besteira completa, é justamente pelo fato de Ewan McGregor fazer um ótimo papel, mostrando que era bom de serviço já no início da carreira. De fato, o jovem carrega o filme inteiro praticamente nas costas e se compramos os absurdos do filme, é justamente porque McGregor consegue vender perfeitamente a ideia dele ser um drogado completo.
Com um roteiro sem coerência alguma, com diversos momentos que saem do nada e partem pro lugar nenhum, nunca sendo concluídas e, portanto, sendo totalmente desperdiçadas, a história perde a oportunidade de desenvolver situações muito mais interessantes do que aquelas para qual o filme vai se encaminhando. Assim, abandonando boas ideias como a da fita pornográfica perdida ou a da moça menor de idade completamente devassa, mas que vira uma recatada na frente dos pais (vivida por Kelly McDonald, e sendo a segunda melhor atuação do filme); o roteiro opta por ideias nem um pouco interessantes e sem graça como McGregor tendo que morar com seus amigos em Londres ou deles tentando revender um lote de heroína.
Da mesma forma, se a sequência de delírios no quarto do protagonista é o melhor momento do filme, isso não consegue compensar a besteira que é aquela cena pseudo-dramática em que algo acontece com um bebê (e que é sabotada ainda mais por aquele boneco horroroso que o diretor Danny Boyle utiliza para tentar nos convencer de que aquilo, de fato, é um bebê). E se eu digo pseudo-dramática, é porque a cena nunca consegue evocar a força que se esperaria de seu contexto e os próprios personagens parecem esquecer do acontecido minutos depois, como se realmente não tivesse muita importância.
Demonstrando ter um pendor desde cedo para fazer filmes que viriam a ser superestimados (como também acontece com “Quem Quer Ser um Milionário?” e “127 Horas”), Danny Boyle faz um filme esteticamente bonito e que até pode agradar aqueles que gostam da rebeldia apenas pela rebeldia, sem sequer compreender o alcance e a importância das coisas contra as quais estão se revoltando. Afinal, Trainspotting é um grito infantil de ódio contra as pessoas que aceitam viver suas vidas conforme um padrão. Acontece que, se não fosse pelos padrões, não haveria sociedade que resistisse ao tempo, pois o ser humano necessita de um sistema de regras sociais para viver em grupo, do contrário o mundo se tornaria uma anarquia completa. E isso é algo que, ao menos é o que parece, o jovem Mark Renton compreende nos minutos finais da projeção. Ao menos isso.
Se tem uma coisa que o diretor Paul Greengrass sabe fazer bem, é recriar acontecimentos reais tensos e que tiveram alguma relevância para a geopolítica internacional (são dele os ótimos “Vôo United 93” e “Zona Verde”). Assim, ele se mostra a escolha perfeita para comandar a história do Capitão Richard Phillips (mais uma ótima atuação de Tom Hanks) e o fato do filme ser tão impactante e envolvente se deve em boa parte a ele.
Bom, para quem não acompanhou o jornalismo internacional dos últimos anos, em 2009, quatro piratas somalianos invadiram um navio de carga norte-americano e, descontentes por levarem apenas 30 mil dólares, resolvem sequestrar o Capitão Phillips do navio e fugirem em um barco salva-vidas. Objetivando conseguir mais dinheiro com o resgate do americano, o plano dos piratas começou a dar errado quando eles passaram a ser seguidos de perto por três navios da Marinha norte-americana. Assim deu-se início a um cerco em alto-mar que durou dias e que, no primeiro passo em falso, poderia pôr um fim a vida do Capitão.
Sendo o tipo de história que Paul Greengrass adora imortalizar no cinema, logo o diretor demonstrou interesse pelo projeto e que bom que foi assim, pois nas mãos de um diretor menos competente a projeção facilmente viraria mais um filme de ação genérico. No entanto, Greengrass é um diretor que se preocupa com a estética e com a mensagem que o filme quer passar. Assim, além de contar com a famosa câmera inquieta (marca registrada do diretor) o filme possui planos bonitos esteticamente e funcionais (como o que nos apresenta o porto situado em Omã, ou o que, logo nos primeiros minutos de projeção, mostra um pirata somaliano dormindo com a sua arma encostada na parede ao lado, apontada para a sua cabeça, tecendo um sutil comentário sobre o modo de vida suicida dessas pessoas).
Da mesma forma, o filme nunca abandona a racionalidade e a crítica em prol do puro entretenimento descerebrado. As ações realizadas pelo grupo de piratas são bárbaras sim, mas, como um personagem aponta em um determinado o momento, países ricos também esgotam os recursos naturais de países pobres, sem oferecer nenhum tipo de retribuição, abalando economicamente essas nações e fazendo, assim, uma “pirataria às avessas”. É claro, e é prudente ressaltar, que um erro não justifica o outro. Mas, pelo menos, ao agir assim, o filme não se mostra alheio à situação política mundial, e reconhece que a situação real é ainda mais complexa do que aquela que está sendo retratada ali (algo que outro diretor como Michael Bay, por exemplo, jamais se preocuparia em fazer).
Acertando ao trazer um rosto conhecido para viver o protagonista, o filme garante assim o laço de empatia do espectador com o personagem já de cara (Tom Hanks, gente! Sério, tem como não torcer por ele?). Aliás, Hanks aqui garante mais uma ótima atuação para a coleção, e é maravilhoso vê-lo em cena, em um momento crítico, sempre tentando ser gentil com seus sequestradores, ao mesmo tempo em que tenta manter sua tripulação à salvo (cena essa que, inclusive, só fez aumentar a minha estima pelo Capitão Phillips verdadeiro). Mas quem realmente rouba a cena do filme é o ator africano Barkhad Abdi, ao viver o sequestrador Muse. Com um corpo preocupantemente magro e um olhar que consegue transmitir ao mesmo tempo ódio e desconfiança, Muse é um oponente muito mais perigoso e imprevisível do que seus companheiros, justamente por estar consciente de que estes o subestimam. No fundo, ele é um garoto mais preocupado na reputação dentro do bando, do que no dinheiro propriamente dito (e o orgulho mal-disfarçado com que conta um saque anterior bem sucedido é a prova viva disso).
Intenso e inteligente do começo ao fim, Capitão Phillips é mais uma obra-prima nas carreiras, tanto de Paul Greengrass, quanto de Tom Hanks. E, espero conferir outros trabalhos deste moço, Abdi. E também é a prova de que não precisa explodir coisas (ou cortar cenas) a cada cinco segundos para conferir algum tipo de ação a um filme. Basta ter talento.
É oficial, “A Hora do Pesadelo 6 – Pesadelo Final: A Morte de Freddy” é o pior filme daquela que foi uma das maiores franquias de terror dos anos 80 (franquia que era, inclusive, superior às suas contemporâneas “Halloween” e “Sexta-Feira 13” no quesito criatividade). Infelizmente, com a chegada dos anos 90, os produtores da New Line Cinema aparentemente já não sabiam mais para onde levar uma história cuja fórmula havia sido desgastada ao máximo nos 5 filmes anteriores. Assim, “A Hora do Pesadelo 6” acabou seguindo a mesma sina de outras franquias de terror que se estendem demais: a autoparódia.
Tudo começa quando o jovem John (Shon Greenblatt) acorda na estrada desmemoriado, tendo com ele apenas um velha reportagem de jornal sobre um suposto filho de Freddy Krueger. O garoto é levado até um retiro/orfanato/hospício (o filme nunca se preocupa em explicar o que realmente é o estabelecimento), onde ele começa a ser assistido pela psicóloga Maggie (Lisa Zane). Na tentativa de recuperar suas lembranças, os dois partem com uma van até a cidade de Springwood (que, após os eventos dos filmes anteriores, é agora praticamente uma cidade-fantasma onde os escassos cidadãos remanescentes sofrem diversos traumas psicológicos decorrentes da misteriosa onda de “suicídios estranhos” ocorrida entre os adolescentes). O que eles não contavam é que três outros jovens fugitivos do estabelecimento se escondem dentro da van, apenas descobrindo a presença deles ao chegarem na cidade.
Assim, com uma nova leva de almas frescas para saciar a sua vontade, Freddy Krueger (Robert Englund) se prepara para fazer um novo banquete. É uma pena, porém, que o filme tenha achado mais interessante investir na veia cômica do personagem do que no seu lado aterrorizante. Ok, nos filmes anteriores Freddy era uma personagem irônica, mas sempre aterrorizante. Entretanto, aqui, temos que presenciar cenas realmente constrangedoras, como ele fazendo gracinha pra câmera enquanto caminha por trás de um garoto surdo. E se nos filmes anteriores tínhamos pesadelos icônicos e criativos envolvendo transformações físicas e labirintos paradoxais, aqui temos que nos contentar com Freddy arranhando suas garras num quadro negro, ou controlando um personagem como se ele fosse um jogo de vídeo game do tipo Mario Bros (com direito, inclusive, a sonoplastia de desenho animado digna dos Looney Tunes).
Ademais, o filme erra também ao tentar dar um passado “família” pro Freddy Krueger, (mesmo erro que foi cometido na série Sexta-Feira 13 com o pavoroso “Jason Vai Para o Inferno – A Última Sexta-Feira”) diminuindo assim a sua aura de “entidade onírica do mal”, e enfraquecendo o personagem. E a cena final do filme está entre uma das piores cenas que eu já vi filmada para o antigo formato 3D (empatando em mediocridade com o ridículo final de “Tubarão 3”).
Com um elenco que não merece absolutamente nenhum destaque (nem mesmo por parte de Robert Englund, afinal de contas ele devia se envergonhar de ter participado dessa joça), e um design de produção que acerta apenas ao retratar as ruas desertas e canteiros sem vida de Springwood, A Hora do Pesadelo 6 é uma mancha na reputação da franquia. E é realmente surpreendente (e até mesmo um alívio) saber que o filme não enterrou a franquia de vez. Afinal de contas, Wes Craven estava chegando para retomar a franquia e pôr ordem na casa.
Em algum momento do passado Caminhos da Floresta já foi uma ideia legal. Pelo menos até a ocasião em que alguém deu a brilhante ideia: “Ei! Que tal fazermos um musical???”. E, o pior, não basta ser um musical com canções que intercalam uma cena e outra, “os personagens podem dizer suas falas cantando também, porque não???”. Mas para completar a cereja do bolo, foi quando fizeram a seguinte sugestão: “Ei?! Que tal fazermos um filme baseado naquele musical bacana da Broadway??! Ah, mas não podemos nos esquecer do mais importante: as falas cantantes dos personagens!!” Assim, Rob Marshall (diretor dos medianos “Chicago” e “Piratas do Caribe – Navegando em Águas Misteriosas”) transforma rapidamente um filme que poderia ser uma fantasia interessante em uma tortura cantante de duas horas.
Sim, porque a história do filme num primeiro momento é bacana. James Corden e Emily Blunt interpretam um casal de padeiros que não conseguem ter filhos até que, certo dia, recebem a visita de uma bruxa (Meryl Streep) que diz que concederá a vontade do casal, desde que estes lhe proporcionem ingredientes para uma poção que a rejuvenesça. Os ingredientes? Um sapatinho mais precioso que o ouro, uma capa vermelha, uma vaca totalmente branca, e um fio de cabelo dourado. Assim, o filme vai misturando os elementos de quatro contos de fadas clássicos: “Cinderela”, “Chapeuzinho Vermelho”, “João e o Pé de Feijão” e “Rapunzel”. E a sequência de acontecimentos do filme mostra que essa mistura funciona de forma orgânica como se realmente fosse plausível que todos esses personagens vivessem juntos.
Entretanto, o que prejudica o filme, como já dito, é a insistência em utilizar o gênero musical uma vez que sabota qualquer conexão que o espectador possa ter com a história. Assim, fica difícil se envolver com os personagens e os seus problemas, principalmente nas situações mais tensas, se eles não param de cantar alegremente. Afinal, como temer pelo destino de personagens quando parece que eles próprios não estão nem aí pra isso?
Mas se esse fosse o único problema Caminhos da Floresta, ainda assim, poderia ser um filme razoável. Para piorar, quando tudo parece estar se encaminhando para um desfecho e um final feliz, uma reviravolta nos acontecimentos faz com que o espectador descubra que ele está à recém na metade do filme, e em sua segunda metade a projeção começa a contar uma nova história, quase que independente da primeira e completamente descartável. Jogando para o alto a divisão clássica de um filme em 3 atos, o filme conta duas histórias, cada uma com seus 3 atos individuais, sendo que a segunda, aparentemente, está lá apenas para perdurar a tortura e assegurar que o espectador arruíne ambos os ouvidos.
Com questões técnicas que estão bem abaixo dos padrões Disney de qualidade, Caminhos da Floresta nos decepciona com sua falta de criatividade nos efeitos especiais, por exemplo, na cena em que Chapeuzinho desce por dentro da garganta de uma determinada criatura. E engraçado ver como a giganta que aparece no terceir... digo, na segunda história, aparece sempre com o rosto tapado por galhos e árvores, como se o próprio estúdio tentasse esconder algo que eles sabem que não ficou muito bom. Da mesma forma, a maquiagem utilizada para enrugar e dar ares de bruxa à Meryl Streep se parece demais com uma máscara, jamais soando convincente. E, se por um lado é uma grata surpresa ver a Disney trazendo perturbadores elementos originais das histórias que ela conscientemente deixou de lado em suas animações (as irmãs de Cinderela realmente cortam pedaços dos pés para conseguirem calçar o sapatinho), por outro é estranho ver como o estúdio deixou passar furos gritantes no roteiro (como na cena em que Rapunzel é vista com suas longas tranças, algumas cenas após elas terem sido cortadas).
Com uma fotografia e um design de produção competentes, mas não muito originais (trabalhos semelhantes já foram feitos em Irmãos Grimm e no recente Malévola) “Caminhos da Floresta” conta, ainda, com bons momentos divertidos que acontecem uma vez que outra. Como o grito da Chapeuzinho quando um personagem tira a sua capa, ou a cena em que Cinderela percebe que o Príncipe é mais esperto do que ela esperava. Mas isso, depois de toda a cantoria, não é o suficiente para salvar o conjunto da obra, infelizmente.
Um viciado é uma pessoa que, angustiada pelo próprio tédio de sua vida, se entrega a alguma experiência escapista com uma regularidade tal que dela já não consegue mais se desvencilhar. Por conta disso, o viciado acaba passando por um processo de ruptura social, em que ele, aos poucos, não consegue mais se reconectar com o mundo que o cerca, restabelecer as relações familiares e, até mesmo, a estabelecer novas relações com novas pessoas.
É o caso do personagem Brandon, interpretado por Michael Fassbender no filme Shame, dirigido por Steve McQueen. Brandon é um nova-iorquino de 30 anos que possui um vício bastante peculiar: ele é homem viciado em sexo. E por mais que certos rotulistas possam afirmar que o final da frase anterior é um pleonasmo, é bom deixar bem claro que, no caso de Brandon, essa sua característica realmente atinge graus extremos à ponto de se aproximar a uma doença. Brandon é uma pessoa que mal consegue ficar mais de um dia sem ter uma relação sexual com alguém, e o seu próprio computador do trabalho é tão lotado de pornografia, que seu chefe chega a afirmar em um momento da projeção que ninguém teria tanto tempo livre para ver tudo. No entanto, a gravidade da situação de Brandon só se torna realmente grave quando ele descobre que sua irmã Sissy (Carey Mulligan), pretende passar uns dias morando com ele. Impedido de ter a privacidade necessária para sanar seus vícios, Brandon então se submete a um período de abstinência quase forçado.
Michael Fassbender faz aqui, então, uma grande performance, ao encarnar Brandon em todos os seus detalhes, construindo gradualmente a tensão e a agonia que vai se crescendo à medida que a presença da irmã o afeta (presença essa, aliás, que pode ser entendida como um último sentimento de vínculo familiar que tenta trazer um viciado de volta do mundo das drogas, enquanto que este resiste e tenta renega-lo). Assim, Brandon está sempre tendo explosões de raiva com a irmã e a sua atuação em uma determinada cena em que ele se vê numa situação na qual é obrigado a escutar uma relação sexual de um casal, é marcante justamente por mostrar o seu profundo incômodo e a gravidade de seu vício (afinal de contas, ele só tinha um dia de abstinência até então). Da mesma forma, Fassbender também nos oferece outro momento marcante quando ele finalmente percebe que o seu vício o impedirá derradeiramente de construir um relacionamento normal com alguém (afinal de contas, ao tentar envolver emoções ao ato, ele “falha” sexualmente). E chega a ser palpável, nesse momento, a dor que o personagem sente ao se conscientizar do seu problema, e como este pode, derradeiramente, impedi-lo de ser feliz.
Investindo em diversos planos-sequência (algo cada vez mais raro hoje em dia), alguns inclusive de câmera parada, McQueen acerta ao criar um filme esteticamente agradável e que obriga que a atenção do espectador se volte para as atuações dos atores. Meus planos-sequência preferidos são o que a câmera acompanha o personagem Brandon enquanto ele faz um cooper pelas ruas de Nova York, e aquele que, utilizando uma câmera parada, filma um encontro de um casal no restaurante, e que vai utilizando um zoom quase imperceptível, fechando o quadro à medida em que a conversa vai se tornando mais íntima. O primeiro é interessante pela sua estética, e o segundo pela sua funcionalidade.
Entretanto, o diretor pesa um pouco a mão em outras cenas, tornando o filme um pouquinho mais arrastado do que deveria, o que pode incomodar algumas pessoas. Cenas como, por exemplo, o momento em que Sissy canta New York, New York irritam, não só pela voz da moça ser monotônica e sem emoção, como também pelo fato dela cantar a música na íntegra, o que se revela um pouco desnecessário.
Silencioso e um tanto melancólico, Shame é um filme que merece ser visto. Seria superficial demais dizer que ele é um filme sobre sexo, porque ele é mais do que isso. Shame é um filme que lamenta o vazio da existência de certas pessoas. Um vazio que pode ser percebido em seus momentos finais quando o personagem, ao se entregar novamente ao seu vício, não demonstra nenhum sinal de prazer, apenas de angústia.
No conto original “O Lago dos Cisnes” a princesa Odette é amaldiçoada e transformada em um cisne branco pelo terrível mago Rothbart, apenas podendo retornar a forma humana durante a noite. Podendo se livrar da maldição somente por um homem que a ame, o apaixonado príncipe Siegfried promete que será ele quem quebrará o feitiço. Entretanto, ao descobrir isso, Rothbart transforma sua filha Odille – o cisne negro - em uma cópia perfeita de Odette, confundindo o príncipe a mantendo a doce Odette cativa na forma de cisne para sempre. Assim, tomada pelo desgosto, Odette se suicida tragicamente.
Em “Cisne Negro”, filme dirigido por Darren Aronofsky, Natalie Portman vive a dançarina de balé Nina que, doce, meiga e pura é a escolha perfeita para viver Odette, o Cisne Branco, na mais nova adaptação de O Lago dos Cisnes da sua companhia de balé. Entretanto, Nina é protegida de forma sufocante pela mãe, e, até certo ponto, infantilizada em excesso (notem o quarto da garota repleto de bichinhos de pelúcia). Isso, somado ao fato da garota possuir uma sexualidade tremendamente reprimida – algo que, diga-se de passagem, também se deve a mãe – Nina tem enormes dificuldades em encarnar com paixão e vivacidade o papel da sensual Odille, o Cisne Negro. Assim, não demora muito e o problema começa a perturbá-la seriamente, pois pode perder o papel principal para sua colega de trabalho Lily (Mila Kunis), que consegue interpretar Odille sem maiores dificuldades.
Desta forma, ansiosa para conseguir colocar para fora o “cisne negro” dentro dela, Nina, que já possuía uma mentalidade um pouco instável (vide sua paranoia, sua obsessão pela perfeição e sua bulimia) começa a gradualmente desenvolver uma segunda personalidade, que nada mais é do que o fruto de sua sexualidade reprimida por anos. O filme Cisne Negro é, portanto, o retrato de uma batalha psicológica entre duas personalidades distintas, “Odette” e “Odille”, para ver quem tomará conta da mente e do corpo de Nina, subjugando a outra no processo. Recheado de camadas e simbolismos do início ao fim, Cisne Negro é, talvez, um dos filmes mais brilhantes já feitos na área da psicologia.
O filme acerta em cheio na escalação do elenco, ao passo que conta com atuações soberbas desde os papeis principais, até os secundários. Assim, Natalie Portman nunca deixa de convencer ao empregar uma voz fraca que mal consegue sair de sua boca, retratando com perfeição à sensibilidade da personagem Nina. Mila Kunis, por sua vez, age como seu extremo oposto, sendo sempre convincente como “Odille”, (e não é à toa que, a partir de um determinado momento, o subconsciente de Nina comece a utilizar a aparência de Lily como um arquétipo para definir a sua outra personalidade). Da mesma forma, o diretor da companhia vivido por Vincent Cassel nunca deixa de convencer como um profissional competente que ama, admira e é capaz de ir a extremos por sua arte. E se a dançarina veterana vivida por Winona Ryder tem pouquíssimo tempo de tela, o que é uma pena, Barbara Hershey faz outra grande atuação como a sufocante mãe de Nina. E é curioso notar que, por baixo de todo amor incondicional, há um forte ressentimento por parte da mãe com relação à filha, uma vez que teve que interromper a sua carreira de bailarina no passado por conta de sua gravidez.
Os aspectos técnicos do filme é outro deleite à parte. Aronofsky acerta nos elementos mais aparentes da trama, como a fotografia (que utiliza uma alternância constante entre luz e sombra, que enfatiza a ideia de dualidade do filme), a trilha sonora (que, não podia deixar de ser, é composta de várias versões da belíssima “O Lago dos Cisnes” de Tchaikovsky), e os efeitos especiais (gosto particularmente da transformação ocorrida próximo ao final do filme, que serve também para ilustrar qual das duas personalidades venceu a batalha). Mas, mais interessante ainda, é notar como Aronofsky acerta também nos detalhes sutis e que, na maioria das vezes, passa despercebido pelo grande público. Como o vestuário dos personagens, por exemplo: notem que Nina sempre veste roupas de tons claras, enquanto que Lily, seu contraponto, é vista praticamente durante todo o filme com roupas de tom escuro, uma nova alusão à dualidade e aos opostos. Da mesma forma, é impressionante perceber que 99% das cenas de Cisne Negro se passam em um ambiente onde haja, no mínimo, um espelho ou uma superfície reflexiva, novamente trazendo à tona a ideia de dualidade.
E, para completar, Aronofsky nos presenteia com um final nada menos que espetacular (literalmente), não só pelas atuações, pela beleza do espetáculo final, pela força emocional que a trilha sonora evoca, mas, também, pela genialidade com que ele encerra tudo. Afinal de contas, não possuo nem palavras para descrever o quão brilhante é se utilizar de um caco de espelho como arma para matar o seu outro eu.
Muitos anos antes de Martin Scorsese ter virado o mundo das finanças de cabeça para baixo em seu esplêndido O Lobo de Wall Street, Oliver Stone já havia tecido sua crítica ao mundo caótico do capitalismo selvagem em “Wall Street – Poder e Cobiça”. Mas, diferentemente de Scorsese que fez uma crítica escrachada e caricatural salientando o ridículo daquele mundo, Stone desenvolveu um filme sério e incisivo, mostrando de forma fria e crua os bastidores da corrupção encravada naquele meio.
Resumindo o filme, Charlie Sheen (o mesmo que se popularizou entre as gerações mais jovens nos últimos anos com a série Two and a Half Man) vive o ambicioso Bud Fox que, após dar uma informação lucrativa e valiosa ao milionário Gordon Gekko (Michael Douglas), se torna uma espécie de corretor particular de Gekko. Trabalhando juntos, Gekko convence Bud a utilizar de seus contatos dentro da bolsa de valores para fazer espionagem industrial e, assim, saber a hora certa de comprar ou vender as ações de determinadas empresas, lucrando rios de dinheiro no processo.
Com atuações convincentes, Charlie Sheen aqui apresenta um de seus melhores trabalhos na carreira (perdendo apenas, talvez, para o soldado que ele interpretou em Platoon). Cuidadosamente, Sheen constrói a fascinação que aquele mundo exerce sobre Bud Fox, desde o momento em que entra pela primeira vez no escritório de Gekko com um olhar inseguro e subserviente, até a força de expressão que o acompanha durante boa parte da segunda metade do filme (e é uma pena perceber o quanto Charlie Sheen simplesmente desperdiçou o seu talento nos últimos anos). Mas, quem realmente merece destaque é Michael Douglas. Vencedor do Oscar por este filme, Douglas está perfeitamente sublime, e exala maldade e ganância desde a sua primeira cena. Admirador de Sun Tzu, e com uma lábia incrivelmente persuasiva, Gordon Gekko é o pior inimigo que alguém poderia ter no mundo das finanças.
Os demais atores do filme também fazem trabalhos competentes: Martin Sheen faz um ótimo serviço em suas poucas cenas como o pai de Charlie Sheen (e o fato dos dois serem pai e filho na vida real ajuda-os a ter uma enorme química no set). Já Daryl Hannah por outro lado, se não faz um trabalho ruim, pelo menos não compromete. Na verdade, sua personagem existe tão somente para que haja uma mulher na história, pois é completamente dispensável para o roteiro.
O trabalho de direção de Oliver Stone é caprichado, o que é comum nas filmagens do diretor. Pessoalmente, gosto muito da cena de abertura do filme, onde Oliver Stone retrata com perfeição como é caótico e absurdo o ambiente de trabalho dos corretores da bolsa (fonte da qual Scorsese beberia, anos mais tarde). E se temos uma cena maravilhosa no início, Stone nos brinda com outra ao final: o plano-sequência em que Bud Fox entra na empresa em que trabalha, e passa por centenas de olhares apreensivos de seus colegas de trabalho, antecipando para o espectador que algo muito grave aconteceu. Pontos positivos também para o design de produção do filme que consegue fazer do escritório e da casa de Gordon Gekko lugares incrivelmente suntuosos com todos seus quadros e obras de arte caras, mas excessivamente frio.
Na verdade, o filme falha, apenas, ao não simplificar para o espectador as complexas transações comerciais que ocorrem durante o filme. Assim, o público leigo que não possui muitas noções de economia e de como funciona o mercado de ações certamente ficará perdido em várias ocasiões, sem saber exatamente o que está ocorrendo em tela. Isso é um problema, afinal o filme trata-se de uma crítica e, portanto, deveria ser o mais acessível possível a todos os públicos. Mas mesmo com esse porém, a essência do filme consegue ser captada, não prejudicando a sua mensagem sobre até onde a ganância sem limites pode nos levar.
“Road movies” são um subgênero do cinema que reúne exatamente isso: filmes de estrada. Ou, de forma mais didática, são aqueles filmes que retratam uma viagem empreendida pelos protagonistas, sendo que, para um road movie, a viagem em si pouco importa realmente, sendo mais interessante acompanhar a evolução dos personagens e a mudança que eles sofrem através das experiências pelas quais passam juntos durante a jornada. Assim, o destino geográfico desse tipo de filme acaba se mostrando irrelevante, a sua função é mostrar o destino psicológico dos indivíduos.
É o caso desse belíssimo Nebraska, filme dirigido por Alexander Payne. Na história, um homem idoso (Bruce Dern) recebe uma carta informando que ganhou um milhão de dólares, entretanto, para obter o prêmio, precisa viajar até a cidade de Lincoln, Nebraska. Relutantemente, o seu filho (Will Forte) aceita viajar com ele até o destino para buscar o suposto prêmio, que acredita ser, na verdade, fruto de um golpe. Durante o percurso, os dois acabam passando pela cidade onde o pai passou os seus anos de juventude e a maior parte da vida, e assim, ao descobrir várias histórias do passado, o filho começa a repensar a imagem que ele possuía de sua figura paterna.
Contando com atuações estupendas dos dois atores principais (e também de June Squibb, que vive a divertida mãe como uma velhinha nada convencional), a grande força do filme está na compreensão gradual do filho em perceber que, na verdade, a viagem será a última oportunidade que ele terá de passar mais tempo com seu pai, antes que ele se entregue completamente à senilidade ou coisa pior, e a cena em que os personagens param para visitar um cemitério é bastante evocativa nesse sentido. Assim, se no início o jovem é impaciente com o velho, é tocante notar que aos poucos ele vai desistindo de tentar convencê-lo de que tudo não passa de uma mentira, até chegar ao bonito final onde ele se esforça ao máximo para proporcionar um momento de fantasia lúdica ao pai.
Por outro lado, se o filho percebe que a viagem é uma forma de “redescobrir” o seu pai, é curioso notar que os demais parentes voltam a rondar apenas quando o boato do prêmio se espalha, como um bando de abutres esfomeados, deixando ainda mais em evidência a mudança de comportamento pela qual o filho passa. Assim, o diretor consegue fazer um eficiente comentário sobre as relações familiares contemporâneas, na medida em que estas vem trocando gradativamente o amor fraterno por uma indiferença mal-disfarçada e interesses meramente materialistas.
Auxiliado por uma fotografia em preto e branco que casa perfeitamente com o filme, ao possuir um tom melancólico e nostálgico, Alexander Payne consegue ainda construir planos perfeitos, que dão vontade de recortar da tela e emoldurar numa parede. Como a cena em que pai e filho esperam sentados em um ponto de ônibus, as várias cenas que se passam em uma sala de estar, com a família olhando para um ponto fixo (o televisor nunca é revelado) e trocando breves diálogos desinteressados (como se os personagens fizessem as perguntas apenas por convenção social, e não por estarem realmente interessados no que o seu parente tem a dizer), e claro, nas inúmeras cenas em que retratam a viagem propriamente dita, onde o quadro é completado pela paisagem estonteante do belíssimo deserto americano.
Surpreendendo por seus bons momentos de humor (como o gesto que a mãe faz no cemitério, ou a cena em que dois personagens roubam um compressor de ar), Nebraska encanta, diverte e nos deixa melancólicos ao mesmo tempo, afinal, tem que ser muito insensível para ver este filme e não começar a pensar nos seus parentes próximos, principalmente, os mais idosos. É importante dar valor a cada momento que a vida nos permite estar com eles, afinal de contas, nunca se sabe a hora da despedida.
“A Hora do Pesadelo” foi, juntamente com “Halloween” e “Sexta-Feira 13”, as principais séries de terror que marcaram o cinema dos anos 80. Mas a série estrelada pelo sanguinário Freddy Krueger se diferenciava das suas congêneres justamente pela ideia mais original de ter um assassino demoníaco que só atacava durante os sonhos das pessoas, existindo apenas no mundo onírico e sendo, portanto, mais difícil de ser destruído. Desta forma, A Hora do Pesadelo era uma série que proporcionava mortes mais criativas e únicas, que muitas vezes refletiam algo da personalidade de suas vítimas.
No entanto, apesar de realmente ser mais criativa, com o tempo a série começou a apresentar sintomas do mesmo mal que, já às vésperas dos anos 90, assolava as suas irmãs: a repetitividade. Em “A Hora do Pesadelo 5 – O Maior Horror de Freddy” os assassinatos continuam criativos, sim. Mas a estrutura do filme é praticamente a mesma dos filmes anteriores: um bando de jovem adolescentes, liderados pelo casal sobrevivente do filme anterior Alice (Lisa Wilcox) e Dan (Danny Hassel), começam a ter novos pesadelos com o terrível assassino do chapéu de feltro, sendo eliminados um por um, até que o último encontre um meio (outro) de “matar” (novamente) Freddy Krueger. Para dar o braço a torcer e admitir que o filme tentou dar um toque diferencial dentro da própria série, a personagem Alice descobre que está grávida, e o bebê logo se torna uma peça essencial nos planos do vilão.
Assim, não tem como assistir esta quinta parte da franquia, sem ficar com aquela sensação de “Hmmm... já vi esse filme antes”. O que é uma pena, porque o filme em si não é ruim, o defeito aqui referido não está no filme, mas sim na série como um todo (e que também poderia se aplicar perfeitamente as infinitas continuações de Halloween e Sexta-Feira 13).
Bem, o filme realmente ainda conta com cenas de pesadelos bem elaboradas. As minhas preferidas são a motocicleta que tenta absorver quem a pilota e o banquete da morte, onde uma certa personagem morre de tanta comida que lhe fazem comer à força. Por outro lado, se um determinado pesadelo começa promissor com tons de preto e branco, a ideia de fazer uma homenagem aos seriados de super-heróis dos anos 40 acaba soando apenas divertida, mas jamais assustadora. Dessa forma, ainda que haja um resquício de criatividade, as mortes aqui já não tem a mesma força daquelas vistas em filmes anteriores da franquia (principalmente nos filmes 3 e 4).
Mas isso não pode ser considerado culpa do diretor do filme Stephen Hopkins, mas sim do estúdio que lhe impôs a absurda missão de filmar e finalizar o filme em apenas oito semanas. Levando isto em consideração, pode-se perceber que Stephen Hopkins conseguiu um milagre ao tirar água de pedra. Até porque, mesmo com seus probleminhas, o diretor ainda consegue inserir elementos muito bons. O design de produção, por exemplo, acerta em cheio ao retratar o quarto de um determinado personagem repleto de estantes, livros, desenhos, gibis e máscaras, soando sempre convincente como o lugar de recolhimento de um amante dos quadrinhos. Da mesma forma, Stephen Hopkins acerta também na forma fluída como utiliza a câmera, se esgueirando pelos cantos enquanto espiona os personagens, como se fosse uma ameaça sempre à espreita.
Assim, A Hora do Pesadelo se despediu da década de 80 com um filme apenas razoável e que é melhor, apenas, do que o segundo filme da série. À época de seu lançamento “A Hora do Pesadelo 5” foi a menor bilheteria da franquia, quase como que preparando o terreno para os anos 90 (que, infelizmente, acabariam jogando as séries clássicas de terror ao escárnio completo).
Bom, antes de começar a falar sobre Shortbus, é prudente dar um aviso importante. Shortbus é um filme que, justamente por sua temática, não faz nenhuma economia nas cenas de sexo explícito (contando, inclusive, com uma em que dezenas de pessoas fazem uma orgia em uma mesma sala). Assim, se você for o tipo de pessoa que, por algum motivo, sente-se incomodada em ver relações sexuais alheias dentro de um filme, devo alertá-lo desde já que esse não é o seu tipo de entretenimento, e aproveito para aconselhá-lo a procurar outra coisa.
Aviso dado, vamos ao filme. Shortbus é um filme que se concentra basicamente em três núcleos narrativos: O primeiro corresponde a terapeuta de casais Sofia (Sook-Yin Lee), que, apesar de já ter ajudado centenas de casais, nunca conseguiu ter um orgasmo com o seu esposo. O seu contraponto é a personagem vivida pela atriz Lindsay Beamish, a dominatrix Severin, que, apesar de ter enorme facilidade em ter orgasmos, nunca conseguiu estabelecer um relacionamento “real” com alguém. Por fim, temos o casal homossexual James (Paul Downson) e Jamie (PH DeBoy), que, passando por uma crise no casamento, começam a cogitar a possibilidade de trazer outra pessoa para a cama, a fim de realizarem um ménage à trois para esquentar um pouco as coisas. O ponto de união das três tramas é que todos estes personagens frequentam o “Shortbus”, um estabelecimento no subúrbio de Nova York que é uma mistura de pub, centro cultural e casa de swing.
Contando com atores e arcos dramáticos eficientes, Shortbus se revela um bom filme de se assistir, à medida em que vamos conhecendo os personagens e os seus conflitos internos (principalmente o núcleo do casal James e Jamie, que, no decorrer da trama, se revela ser a história mais trágica de todas). Desta forma, sabendo que o desenvolvimento dos personagens é o mais importante, e que as cenas de sexo, por si só, já chamariam a atenção o suficiente, o diretor John Cameron Mitchell opta por fazer uma direção mais discreta, o que acaba sendo uma opção acertada.
E mesmo assim, nas poucas vezes em que resolve aparecer, sua intervenção se mostra eficaz, como a edição rápida das cenas que antecipam uma relação sexual específica (que ilustra a hesitação e a insegurança emocional dos envolvidos), ou no corte abrupto que encerra o início de uma discussão, apenas para mostrar os envolvidos na briga, minutos depois, tentando se reconciliar. Entretanto, se por um lado a transição entre cenas na forma de maquete é bonitinha, por outro, a ideia do blecaute no terceiro ato soa um pouco óbvia, fazendo com que a analogia do retorno da energia elétrica com o retorno da energia sexual dos personagens soe um pouco... cafona.
Já os poucos momentos em que tenta fazer humor, o diretor não consegue conduzir os atores para esse objetivo. Assim, a cena em que uma personagem está com um pequeno vibrador acionado por controle remoto dentro da calcinha, se torna mais constrangedora do que realmente engraçada. Da mesma forma, o recurso irônico do “vigilante” que, ao invés de vigiar, está dormindo em serviço, é tão velha que merecia ser banido do cinema.
Mas o mais triste é ver que o filme nunca consegue alcançar a profundidade que tanto ambiciona. John Cameron Mitchell até tenta incluir diálogos sobre redenção e a necessidade de encontrar forças em si mesmo para vencer os obstáculos, mas não é o suficiente. Por ser literal demais, a projeção deixa pouco espaço para metáfora (esqueçam a ideia do blecaute), sendo apenas aquilo que ele exatamente é: pessoas buscando a superação dos seus dilemas sexuais.
Mas ainda assim, ele é um filme interessante (e bastante corajoso, inclusive). Sendo uma boa recomendação para quem não vê problemas na junção “sexo + cinema”.
Há duas coisas para serem ditas sobre esta refilmagem americana do maravilhoso filme coreano Oldboy, uma boa e uma ruim. A boa é que a refilmagem muda poucas coisas na história, mantendo-se fiel ao material original. A ruim é que a refilmagem muda poucas coisas na história, fazendo com que a necessidade da existência desse filme no universo seja praticamente nula.
Explico melhor: considerando que os filmes não são apenas entretenimento, mas sim manifestações artísticas com um propósito maior (e eles são, por mais que a indústria tente negar isso), uma refilmagem só se justifica quando: a) é feita após muito tempo do filme original; e b) o diretor quer acrescentar um pouco da sua visão ao material original, somando, modificando ou adaptando a mensagem do filme para os dias de hoje (e não precisa necessariamente mudar a história para isso). O caso de Oldboy – Dias de Vingança não cumpre nenhum dos dois requisitos. Primeiro, porque foi feito apenas 10 anos de diferença do filme original (e antes que a “geração iphone” venha reclamar que 10 anos é muito tempo, vamos nos lembrar que, para o cinema, que possui mais de 100 anos de idade, uma década não é nada). E segundo, porque o diretor Spike Lee não acrescenta absolutamente nada ao filme do diretor Park Chan-Wook, pelo contrário, o filme empalidece bastante em relação ao seu original, soando apenas como uma versão paraguaia pobre. Na verdade, só há uma coisa que “justifica” a existência desse filme: a má vontade dos americanos em ver um filme que fale uma língua diferente da sua, acompanhada da preguiça de ler legenda.
Bom, terminada a sessão desabafo, vamos ao filme: Oldboy é a história do executivo Joe (Josh Brolin) que é misteriosamente sequestrado e mantido em cativeiro durante vinte anos, sem ter a menor ideia de quem é o seu sequestrador e qual é a sua motivação. Sendo enfim solto de forma repentina, o que torna tudo ainda mais misterioso, Joe inicia uma jornada obsessiva na busca de respostas e vingança. A ele se junta a jovem assistente social Marie (Elizabeth Olsen) que se apieda da situação do pobre homem e resolve ajudá-lo a investigar o que aconteceu de verdade.
Errando já no primeiro ato, ao estabelecer Joe como um verdadeiro canalha ao dizer com todas as letras que não estava nem aí pro aniversário de 3 anos de sua filha, o filme estraga qualquer empatia que o espectador possa desenvolver com o personagem principal , mostrando já nos seus primeiros minutos de projeção a sua inferioridade ao original. No filme coreano, o personagem principal (vivido lá pelo ator Min-Sik Choi) é mulherengo, sim, mas jamais deixa de demonstrar um enorme carinho pela filha pequena, cuja foto guardada na carteira ele mostra para todos já na primeira cena, exibindo um ar orgulhoso, e garantindo assim a simpatia do espectador. Já a personagem de Elizabeth Olsen, fracassa em seu propósito essencial: nunca entendemos realmente o quê motiva a moça a ajudar de livre e expontânea vontade um estranho, pois esta também não demonstra – pelo menos no início – o menor interesse pela história bizarra do homem. De fato, quando ela descobre sobre o sequestro desmotivado e inexplicável de 20 anos, age como se alguém tivesse lhe contado como foi a ida ao shopping, e quase esperei ver ela dar de ombros e se perguntar “Por que não?” (novamente advogando em defesa do filme original, a atriz Hye-Jeong Kang ao menos revela uma enorme empatia e compaixão por aquele homem, o que engrandece a sua boa atuação e a torna crível).
Mas não é só nos atores que o filme é inferior. É também na estrutura, na estética e no efeito emocional causado no espectador. O tempo que Joe vive no cativeiro, por exemplo, apesar de ser alternado com reportagens e imagens de arquivos, nunca soa como se tivessem se passado realmente 20 anos! Já o maravilhoso plano-sequência do filme original (que envolve uma briga de um personagem contra vários outros em um estreito corredor) volta, aqui, numa versão pobrinha, curta, e desapontadora, na medida em que há um corte próximo ao final do plano sequência, tirando um pouco a magia da cena. Da mesma forma, o final do filme, apesar de quase manter as mesmas reviravoltas, nunca consegue se igualar ao final espetacular, impactante e profundamente perturbador do filme original, surgindo apenas como uma mera sombra.
Dessa forma, tendo pouquíssimos momentos em que o filme se sobressai criativamente (vem a minha mente apenas a breve cena em que Joe faz amizade com uma rata com filhotinhos durante o seu cativeiro, e também a decisão tomada por ele próxima ao desfecho do filme), “Oldboy – Dias de Vingança” se mostra uma grande decepção. É chato ter que analisar um filme, tomando por base outra produção, mas nesse caso é obrigatório. Dessa forma meu conselho é: entre no Netflix e procure pelo filme coreano “Oldboy”. Você certamente sairá mais satisfeito.
Crescer pode ser uma experiência bastante traumática. Afinal, era muito comum que nós, quando crianças, olhássemos para os mais velhos e sentíssemos um leve fascínio misturado com inveja daquela estranha liberdade que era “ser adulto”. Entretanto, é só quando realmente crescemos e sentimos o toque das responsabilidades que nos damos conta do estranho paradoxo: a liberdade, a verdadeira liberdade, se encontra na infância, a fase mais pura e bela da vida que, infelizmente, não volta mais.
Em certa medida, é isso que o personagem Josh (David Moscow) aprende no decorrer de Quero Ser Grande, filme da diretora Penny Marshall. Após ter um desapontamento amoroso com uma garota mais velha, o menino de 13 anos encontra em um parque de diversão um brinquedo do tipo “realizo o seu desejo”. Após brincar despretensiosamente com a máquina e voltar para casa, o menino leva um susto no outro dia ao acordar e descobrir que seu pedido se realizara: ele se tornara adulto... e com a cara do Tom Hanks.
Tom Hanks que, já nos anos 80, mostrava sinais do porquê viria a ser considerado um dos melhores artistas da atualidade. O ator, que na época catapultou a sua carreira fazendo comédias “sessão-da-tarde” (como os divertidos “Meus Vizinhos são um Terror” e “Splash – Uma Sereia em Minha Vida”) já demonstrava saber que, o que diferencia uma grande performance não são as expressões faciais histriônicas, mas sim os detalhes sutis que compõe o personagem (algo que Jennifer Garner aparentemente não sabia ao fazer o bobinho “De Repente 30”). Assim, quando descobre ter envelhecido, Josh não apenas faz caretas de pavor com o que aconteceu, mas também se mostra profundamente desconfortável e desengonçado com o novo corpo (como mostra a cena em que, não acostumado com o próprio tamanho, bate direto com a cabeça na cama de cima do beliche). Aliás, se na metade de “De Repente 30” Garner simplesmente esquece de agir como uma garota de 13 anos e passa repentinamente a agir como uma mulher normal, aqui, Hanks é convincente como uma criança durante toda a projeção (seja na forma despreocupada em que rouba uma cereja do sorvete do amigo, seja no olhar carente e inseguro que lança através da fresta de uma porta ao ser deixado sozinho), comprovando assim a superioridade de sua atuação.
E é bom que o filme tenha um ator do calibre de Tom Hanks no papel principal. Primeiro, porque sem uma atuação deste nível o filme não sobreviveria. E, segundo, porque o próprio roteiro não gasta muito tempo com os demais personagens. Ao se concentrar nas interações de Tom Hanks com o mundo dos adultos, o filme se dedica apenas a mais dois personagens: o leal amigo Billy (vivido por Jared Rushton), e a moça Susan (interpretada por Elizabeth Perkins). E já que citei a personagem de Susan não posso deixar de referir que o fato dela se apaixonar pelo Josh adulto, mesmo quando conhece seus hábitos infantis (ele tem uma cama elástica na sala de estar), é, no mínimo, estranho.
Aliás, o filme cai um pouco em sua segunda metade justamente por tentar dar um toque de comédia romântica. Sim, Tom Hanks e Elizabeth Perkins até possuem uma química um com o outro, mas o interesse dela acaba soando estranho demais, como se fosse um mero requisito do roteiro e não algo verossímil. Assim, o filme comete o seu maior pecado ao optar pelo caminho mais fácil, ao invés de tecer um comentário sobre a forma como desperdiçamos nosso tempo de adulto, se tornando escravos das nossas responsabilidades.
Com uma direção guiada no piloto automático, Penny Marshall tenta ousar um plano mais elaborado apenas uma vez: o momento em que o jovem Josh, desapontado por ser barrado em um brinquedo do parque de diversão pelo seu tamanho, caminha lentamente com a roda gigante ao fundo completando o resto do quadro. Infelizmente, o plano é sabotado pela própria obviedade, o que é uma pena.
Mas mesmo com esses tropeços, Quero Ser Grande se mostra um ótimo filme. Poderia ser ainda melhor, é verdade. Mas Tom Hanks faz por merecer a recomendação para todos que ainda não viram irem correndo assistir... E quem chegar por último é a mulher do padre!
“Carpe Diem. Aproveitem o dia, garotos. Façam suas vidas extraordinárias”.
A frase, citada por Robin Willians em Sociedade dos Poetas Mortos, é uma das mais famosas da história do cinema, e não é à toa. Afinal, atrás de suas palavras simples, esta pequena frase sintetiza uma grande lição que pode ser encontrada nesse belo filme de Peter Weir.
Em um colégio-internato convencional americano, os alunos são ensinados a sempre aceitar à ordem vigente, mas nunca a questioná-la, como se a sua simples existência fosse um dogma absoluto. Isso muda radicalmente quando o professor de literatura John Keating (vivido com brilhantismo pelo saudoso Robin Willians) é admitido na escola. Com seus métodos incomuns, Keating ensina aos seus alunos a ver o mundo por outras perspectivas, a não ter medo de expressar suas opiniões, por mais que elas sejam diferentes do senso comum, e, principalmente, os ensina a refletir sobre o mundo que os cercam. Assim, o professor consegue fascinar um pequeno grupo de alunos com a sua filosofia de vida, incentivando-os indiretamente a (re)criar uma sociedade secreta (a tal Sociedade dos Poetas Mortos).
Assim, é bacana ver como os membros da Sociedade começam a aplicar os ensinamentos do mestre em seu dia a dia, e perceber realmente como as coisas aos poucos vão mudando. Como acontece com o aluno Knox (Josh Charles), que finalmente toma a coragem necessária para declarar sua paixão platônica por uma garota, ou com o jovem Todd (Ethan Hawke) que é excessivamente introvertido, mas que revela possuir um grande espírito artístico entalado em sua garganta. De outra forma, o menino Charle..., digo, Nuwanda (Gale Hansen) acaba se revelando um rebelde e líder-nato, e suas tentativas de fazer terrorismo com o sistema escolar garantem as cenas mais divertidas do filme. Mas é, sem dúvida, o protagonista Neil (Robert Sean Leonard) que tem a jornada mais significativa ao decidir investir na carreira de ator, contrariando drasticamente as expectativas de seus pais, que pretendem que seu filho seja médico (e, o fato do ator Robert Sean Leonard realmente viver um médico anos mais tarde na série House M. D., é algo bastante curioso).
Mas essas boas atuações de nada valeriam se não fosse pela presença de Robin Willians e, confesso, que foi só ao assistir a Sociedade dos Poetas Mortos que eu, enfim, consegui sentir a o peso da perda desse grande ator. Sendo memorável em cada cena, Robin Willians brilha tanto nas cenas mais sérias quanto nas mais extrovertidas (a minha preferida é quando ele imita Don Vito Corleone de O Poderoso Chefão recitando Shakespeare). Com aulas que, mais do que apenas explicar o que está escrito nos livros, instigam os alunos a pensar sobre o que eles leram, o professor mostra como toda aula deveria ser. E eu, admito, teria aprendido bem mais coisas importantes no colégio, se tivesse tido mais professores como ele.
Isso porquê as aulas do professor Keating não se limitam somente ao que está dentro da sala de aula, mas são lições para serem aplicadas na vida concreta, no dia-a-dia, no cotidiano. Lições que não objetivam transformar os garotos em melhores alunos, mas sim em melhores seres humanos.
Pecando apenas em seus minutos finais, ao se estender desnecessariamente após o seu clímax emocional, Sociedade dos Poetas Mortos é muito mais que uma aula de poesia, o filme é uma aula de filosofia e devia ser visto (e, principalmente, pensado) por todos, para que mais pessoas pudessem, simplesmente, aproveitar o dia. Afinal, a pior coisa que pode acontecer ao ser humano é morrer e perceber que não viveu.
Vamos resumir da seguinte maneira: Natalie Portman ama Jude Law, que seduz Julia Roberts, que ama Clive Owen, que por sua vez ama Julia Roberts também, mas que não perderia a oportunidade de transar com Natalie Portman. Pronto, em uma frase se consegue resumir os 104 minutos de projeção de Closer – Perto Demais, filme dirigido por Mike Nichols. Agora você pode gastar o seu tempo poupado da melhor forma que quiser.
Ok, o filme não é tão ruim assim. Na verdade, o que compensa o tom novelesco da história é a força da atuação dos quatro protagonistas. Começando com o escritor Dan (Jude Law) que consegue nos enganar já na primeira cena onde se comporta como um príncipe do cavalo branco, apenas para agir como um completo cafajeste na cena seguinte e durante todo o resto do filme (apesar de que, uma determinada cena em um escritório médico revele que toda a ausência de moral do seu personagem oculta um ser inseguro e infeliz, sendo portanto digno de pena e não de ódio). Seu contraponto, o médico Larry (Clive Owen) é exatamente o oposto: se em sua primeira cena poderíamos julgá-lo como o típico homem machista e escroto (ele está acessando um site pornográfico), não demora muito para notarmos que ele é um cara bacana, gentil e, sim, emotivo, mostrando que seus instintos sexuais não tem nada a ver com o seu caráter (e afinal, porque deveriam ter?). Quanto às atrizes, Natalie Portman consegue a proeza de encontrar o equilíbrio perfeito entre a doçura e a sensualidade ao encarnar a stripper Alice (e devo ressaltar a minha incompreensão sobre o fato do personagem Jude Law tê-la trocado pela personagem de Julia Roberts, uma vez que Alice se apresenta como uma parceira muito mais madura e interessante do que a sua “rival”). Para finalizar, Julia Roberts vive a fotógrafa Anna que, dos quatro, é a figura menos interessante, passando praticamente todo o filme com um ar depressivo (sua auto-estima baixa aliás, é a única coisa que justifica o fato dela ser o personagem que toma o maior número de decisões estúpidas durante o decorrer da trama).
E, falando em trama, chegou a hora de falar daquilo que mais me incomoda no filme: a história. A verdade é que são tantos encontros, desencontros, troca de casais, mais encontros, desencontros e troca de casais, que ao chegar no terceiro ato você já nem se interessa mais em saber quem vai ficar com quem e torce para que o filme termine logo de uma vez para acabar com esse tormento. O roteiro, aliás, se utiliza de amarras realmente irritantes. Se por um lado é divertido ver o diálogo que ocorre através da internet nos primeiros minutos de projeção, por outro as consequências dessa conversa soam completamente artificiais e manipuladas (Afinal, não tinha como um determinado personagem saber com certeza que tal pessoa estaria em tal lugar e em tal hora). Da mesma forma, os diálogos do filme denunciam a origem teatral do roteiro, além de conter certas “cafonices” como:
-Sempre te amei. Odiaria te magoar. -Então porque está me magoando? -Porque sou egoísta.
Blergh. Com uma direção razoável, o diretor Mike Nichols acerta em manter a fotografia do filme ambígua. O filme é bastante iluminado sim, mas é uma luminosidade fria, quase como que comentando a vida emocional dos protagonistas. Por outro lado, ele não se sai muito bem em retratar as passagens de tempo que sempre soam bruscas e inesperadas, fazendo com que o espectador se sinta perdido várias vezes durante o filme.
Responsável ainda por popularizar a canção “Blower’s Daughter” (que é bela, sim, mas que de tão repetida se tornou irritante), Closer – Perto Demais nada mais é do que uma versão hollywoodiana de alguma novela de Manoel Carlos. E o fato do título do livro do personagem de Jude Law se chamar ‘O Aquário’ vem bem a calhar para designar o filme: Até pode ser bonito de se olhar, mas possui um conteúdo um tanto quanto raso.
Mais que um filme de ficção científica, “Alien – O Oitavo Passageiro” é um grande clássico espacial do gênero terror/suspense, responsável por determinar normas que foram repetidas à exaustão por filmes de ambos os gêneros nas gerações seguintes. E não é à toa, uma vez que, mesmo passados quase 40 anos e mesmo tendo estabelecido diversas situações que com o tempo se tornariam clichês, o filme, até hoje, é nada menos que impressionante.
Inovando em trazer uma heroína forte, e não um herói (talvez sendo um dos primeiros filmes a fazer isso), o longa traz Sigourney Weaver encarnando a Tenente Ellen Ripley com uma impetuosidade e uma dureza que faria muitos homens recuarem. Racional e pragmática, ela sempre busca fazer o que é melhor para missão, jamais deixando que seus sentimentos pelos outros membros da tripulação interfiram em suas escolhas e estabelecendo, assim, a quebra do paradigma do cinema clássico de que “mulheres são sentimentais, homens são racionais”. Outro membro do elenco que também merece destaque é o tripulante Ash, vivido por Ian Holm com brilhantismo ao banhar sua atuação em uma ambiguidade sutilmente dissimulada. E é muito interessante ver como a relação entre Ripley e Ash vai gradualmente se tornando mais áspera, até culminar em um dos grandes momentos do filme.
E se eu falo em “um dos grandes momentos” é porque "Alien – O Oitavo Passageiro" é repleto deles. Desde o belo plano em que os astronautas encontram um gigantesco cadáver alienígena, até a emocionante sequência final que marca pelo seu desespero angustiante e cria a expectativa de saber como Ripley irá se livrar da criatura. Da mesma forma, a primeira vez que vemos o pequeno alien saindo do abdome de um personagem (marca registrada oficial da franquia) impressiona pelo seu realismo. E considerando que o filme é de 1979, o fato da cena funcionar até hoje mostra que efeitos práticos não envelhecem tão facilmente como os efeitos digitais, comprovando assim a sua superioridade em eficácia (basta compará-los com as cenas intercambiáveis no recente "Alien - Covenant).
Com um design de produção brilhante, a nave Nostromo brilha em sua riqueza de detalhes como a tecnologia analógica dos computadores, os longos corredores sujos, as centenas de cabos que cruzam a nave, e as superfícies dos maquinários repletas de graxa. Assim, Nostromo nunca deixa de ser convincente como um cargueiro espacial real, não dando a impressão de ser apenas um mero cenário (erro bastante recorrente com a sua congênere Enterprise na série Star Trek).
Mas como falar de “Alien – O Oitavo Passageiro” sem falar no personagem-título criado pelo diretor Ridley Scott e pelo designer H. R. Giger? Com seus dois metros de altura, mandíbula dupla, sangue de ácido e uma pele que lembra a textura de uma borracha gosmenta, a criatura se tornou, provavelmente, a pior ameaça já criada em filme de terror do sub-gênero monstro até hoje! Sua ferocidade e a sua indestrutibilidade é o grande segredo do sucesso do filme, uma vez que prende o interesse do espectador em saber como (e se) Ripley conseguirá pará-lo, fazendo-nos temer pela vida da protagonista.
Ganhando 3 continuações, 2 crossovers e 2 prequels, a franquia Alien conseguiu se manter viva através dos anos mais pela qualidade do filme original, do que a de seus derivados. E tudo isso garante vida longa nos cinemas à essa máquina de matar. Portanto, preparem-se e comecem a rezar, afinal de contas, do espaço não dá para ouvir o grito de vocês.
A Disney durante muitas décadas deteve o monopólio do mercado de animações voltadas para o cinema e, em decorrência disto, são dela os maiores clássicos do gênero, indiscutivelmente. No entanto, esse quadro mudou a partir dos anos 2000, quando outras gigantes se ergueram como a Pixar e a Dreamworks, e o surgimento da animação digital. Assim, a Disney começou a investir cada vez menos em animações tradicionais (erroneamente chamada de “animação 2D”), direcionando-a para histórias menores. É o caso desse Lilo & Stitch.
Se por um lado a historinha encanta os mais jovens, na verdade o filme empalidece bastante se comparado aos seus irmãos mais velhos. A história é singela e tenta ser piegas em alguns momentos, e a qualidade da animação deixa um pouco a desejar para os padrões Disney. Os movimentos dos personagens, por exemplo, acabam sendo fluídos demais, quase como se, naquele mundo, eles não tivessem peso, um retrocesso se você comparar com outras obras do estúdio como Aladdin, O Corcunda de Notre-Dame, e Mulan (cujo pôster faz uma rápida participação em Lilo & Stitch).
Mas há coisas bacanas em Lilo & Stitch, como algumas sacadas de roteiro (o planeta Terra serve para a proliferação dos mosquitos, haja vista que eles são uma espécie em extinção na galáxia), ou mesmo a dinâmica entre os personagens-títulos. Principalmente da menininha Lilo que consegue ser absolutamente encantadora (como na cena em que tenta explicar o porquê de ter se atrasado para a aula de dança), enquanto nos diverte com sua sinceridade ingênua típica das crianças (“Você já matou alguém?”, pergunta ela ao conhecer um assustador assistente social). O alienígena Stitch, por outro lado, não faz nada além de seguir o arco do personagem deslocado que primeiro é visto como ameaça para depois descobrirem que há bondade nele. Clichê? Sim, mas não chega a decepcionar.
Por outro lado, os vilões alienígenas do filme nunca chegam a passar a sensação de ameaça, revelando ser, talvez, o grande deslize do filme. Afinal, não é porque é infantil que os vilões precisam necessariamente ser bobalhões, crianças aguentam situações mais ameaçadoras (cof-cof Jafar, cof-cof Scar, cof-cof Úrsula). Desta forma, o único antagonista de peso na projeção é o personagem do assistente social, e o seu desfecho, de longe, é o mais curioso e interessante dentre os personagens.
Acertando na trilha sonora ao som de Elvis Presley, e na ambientação no Hawaii (o que dá um toque de originalidade ao filme). Lilo & Stitch se revela um passatempo despretensioso. Um filme bom de se assistir na infância, mas que dificilmente consegue se manter na memória afetiva.
Não é fácil escrever sobre um filme complexo como Psicopata Americano. O filme fala de um mundo dominado pelo egoísmo, pela inveja e pela hipocrisia, tudo isso com um tom de fábula grotesca (auxiliado no intento pela narração em off e pelo ponto de vista do personagem principal: o absurdo Patrick Bateman). O mais triste, porém, é que apesar desse tom fabulesco, o mundo retratado pelo filme é semelhante em demasia com o nosso mundo, uma vez que as pessoas são cada vez mais medidas pelo o que elas tem, e não pelo o que elas são.
Mas vamos ao que interessa, Patrick Bateman é o vice-presidente de uma grande empresa, uma pessoa completamente ambiciosa, fútil, cínica, narcisista, competitiva, invejosa e, como o próprio título do filme já indica, com tendências homicidas bastante evidentes. Mas, com um protagonista com tantos defeitos, como o filme consegue sobreviver? A resposta é simples: Christian Bale. Talvez em uma de suas melhores performances, Christian Bale encarna o psicopata de forma absurdamente exagerada, chegando aos limites da caricatura e, assim, deixando bem claro que a pretensão do filme é tecer uma crítica, e não enaltecer o que está sendo mostrado. Algo bastante semelhante ao ótimo trabalho de Leonardo DiCaprio em O Lobo de Wall Street.
No entanto, o pior defeito de Bateman (e justamente o que torna-o tão perigoso) é a necessidade latente de ser admirado pelas outras pessoas como se fosse um deus banhado a ouro. E a frustração decorrente da indiferença alheia é o principal propulsor da sua sede de sangue. Assim, a construção do personagem por parte de Bale é incrivelmente habilidosa, como no momento em que ele hesita quando duas prostitutas se mostram desinteressadas na sua profissão, ou no momento em que quase podemos vê-lo se retorcer internamente enquanto seus colegas de trabalho ficam comparando quem é que tem o melhor cartão de visitas (e a metáfora sexual desta cena é, também, o que a torna tão interessante). Da mesma forma, as cenas de morte do filme são sempre marcantes, não só por serem bastante gráficas, mas também pelo toque “levemente absurdo” em que elas geralmente ocorrem.
Com um protagonista assim, realmente resta pouco espaço para o desenvolvimento dos demais personagens do filme, o que talvez seja o seu único defeito. Willem Dafoe é uma espécie de antagonista do filme, ao passo que encarna um policial que investiga o desaparecimento de uma das vítimas de Bateman (e se Bateman é a representação física do id, o policial poderia muito bem ser entendido como a representação do superego, que tenta reprimir o id. Infelizmente a ideia não é desenvolvida pelo roteiro). Já Chloë Sevigny faz bem a secretária de Bateman e representa um dos únicos vínculos deste com a realidade (e a cena em que os dois protagonizam juntos é fascinante por revelar que, apesar de tudo, ainda há um resquício de humanidade em Bateman). Por fim, o filme também conta com um Jared Leto antes da fama (seu personagem não diz muito a que veio, uma vez que tem pouco tempo de tela, mas vale a menção pela curiosidade).
Entretanto, é bom avisar que talvez o final incomode a quem prefira filmes que possuam um desfecho mais conciso. Pessoalmente aprecio muito a coragem de como o filme se encerra. Afinal, sempre evitando spoilers, é só no final que conseguimos ter noção de até onde vai a insanidade de Bateman. O que de certa forma torna tudo ainda mais perturbador.
Para o verdadeiro cinéfilo, assistir a Crepúsculo dos Deuses é uma experiência fascinante. É como ver um pedaço da história da Sétima Arte ganhando vida através da própria Sétima Arte (no caso, a passagem exponencial do cinema mudo ao cinema sonoro).
Ademais, é interessante notar que, mesmo passado mais de 60 anos, a mensagem do filme continua atual. A ideia de que bons profissionais do cinema acabem sendo esquecidos e desvalorizados apenas por que trabalhavam com tecnologias hoje tidas como ultrapassadas, encontra eco atualmente no desprestígio que as animações em stop motion vem recebendo em frente as animações digitais, por exemplo. Ou, para ser mais coerente com o tema de Crepúsculo dos Deuses, podemos citar o atual ganhador do Oscar: Birdman. Ambos os filmes falam de grandes atores do passado, que acabam sendo esquecidos pela Academia a medida que foram envelhecendo... Algo que infelizmente é muito comum de se acontecer em Hollywood, principalmente se você for mulher (a não ser, é claro, que você se chame Meryl Streep).
Mas divago. Voltando ao filme, Billy Wylder nos presenteia com um show de atuações formidáveis, começando pelo personagem principal Joe, que nos cativa por ser o típico cara simples e boa-praça, mas com problemas financeiros (como não se identificar com ele?). Joe é aquele personagem que várias vezes se sacrifica pelo próximo, muitas vezes esquecendo de seu próprio bem-estar. E é triste o momento em que ele precisa contar uma mentira para alguém, mesmo sabendo quais seriam as consequências desse ato, apenas para evitar que outra personagem fizesse uma besteira. Da mesma forma, a atuação do mordomo Max brilha em seus detalhes sutis, porém reveladores, como a entonação de sua voz que, num primeiro momento aparenta ser profissional, mas que na verdade carrega um tom ressentido. Da mesma forma, o olhar melancólico que ele lança a um casal dançando diz muito sem dizer absolutamente nada.
Mas a verdade é que esse filme jamais seria o mesmo se não fosse por Gloria Swanson. Norma Desmond é a personagem mais fascinante do filme a ponto de ofuscar quase que completamente seus companheiros de elenco. Ela é a alma do filme. Sendo uma ex-atriz do cinema mudo, é engraçado ver suas reações saturadas de over-acting, como se cada momento exigisse um gesto e uma careta específica. Da mesma forma, é diabolicamente divertido vê-la olhando com rancor para um microfone ou se utilizando da pantomima toda vez que quer convencer o personagem Joe a fazer algo, sendo talvez a maior chantagista emocional da história do cinema.
Contando ainda com um trabalho de produção muito bem elaborado, a casa onde se passa a maior parte da projeção acaba se revelando um atrativo a parte. Com a fachada em ruínas e sujeita aos efeitos do tempo, mas por dentro repleta de luxo e - principalmente - de fotos da juventude da atriz, a mansão acaba se revelando como um reflexo da personalidade da sua residente: decadente, egocêntrica e megalomaníaca. Não obstante, é interessante notar que apesar dos cômodos não terem fechaduras nas portas (o que daria uma falsa sensação de liberdade), a porta da frente da mansão é rodeada de grades como uma prisão, ilustrando com perfeição a situação do personagem Joe.
Possuindo um dos melhores momentos de metalinguagem da história do cinema (com direito a Cecil B. DeMille interpretando... ora, essa! Cecil B. DeMille!!!) Crepúsculo dos Deuses é obrigatório no histórico de qualquer cinéfilo que se preze. Não exatamente por ele ser um grande filme, mas porque aqueles que vieram depois terem se tornado pequenos...
"Invencível" tinha tudo para ser um grande filme, mas, infelizmente, acaba por ser sabotado pela inexperiência de sua própria diretora: a mega estrela Angelina Jolie. Com o histórico de apenas 1 filme na carreira, o segundo filme da atriz acaba oscilando de maneira curiosa... não é de forma alguma um filme ruim, mas a minha sensação é que nas mãos de um diretor mais experiente a história poderia ter sido contada de forma muito mais marcante.
Com um primeiro ato que, inexplicavelmente, alterna entre duas linhas temporais diferentes (até porque a partir do segundo ato o filme segue em apenas uma única linha narrativa, sem prejuízo algum para a trama, mostrando que isso poderia ter sido feito desde o início), Angelina já começa estabelecendo as características do personagem principal: sua garra, determinação, e uma grande empatia com seus companheiros de equipe. Aliás, é na composição do personagem de Louis Zamperini que reside a grande força do filme, pois é essencial para que o público se importe com ele e o veja como uma figura heroica (coisa que, de fato, ele é).
O filme também acerta nas questões técnicas como fotografia, design de produção, e efeitos visuais que, se não são soberbas, ao menos são competentes o bastante para a história que se pretende contar (com a única exceção apenas de um efeito visual específico de uma cena envolvendo tempestade em alto mar que transborda chroma key).
Entretanto, o grande problema na direção de Angelina é que a atriz ainda não consegue se desviar de certas besteiras, obviedades e cenas desnecessárias existentes no roteiro, fazendo um filme muito mais longo do que ele poderia ser e com um grande problema de ritmo. Assim, somos obrigados a assistir erros crassos como uma cena em que um personagem diz para outro à quantos dias eles estão à deriva no mar (sendo que a informação já havia sido dada ao espectador poucos minutos antes a partir de um letreiro), ou a cena em que todos os personagens presentes param o que estão fazendo para receberem uma notícia que, até pode ser interessante do ponto de vista histórico, mas que é completamente irrelevante para a história que está sendo contada.
Soma-se a isso a diversas frases clichês de filmes de superação ("Um instante de dor, vale uma vida de glória", ou "ele trocou a vingança pela fé") e realmente se torna espantoso acreditar que este filme foi roteirizado pelos irmãos Coen. De fato, fiquei surpreso ao ler o nome deles nos créditos, pois não há nada nesse filme que lembre os roteiros maravilhosos de Arizona Nunca Mais, Fargo, Queime Depois de Ler e Onde os Fracos Não Tem Vez.
Assim, Invencível é um filme que peca pelos excessos, e pela (insegurança?) de Angelina em não cortar cenas. Não é uma total perda de tempo, é verdade, pois suas qualidades mostram que a novata no ramo tem potencial. Apenas precisa comer mais feijão com arroz...
Trainspotting: Sem Limites
4.2 1,9K Assista Agora“Trainspotting – Sem Limites” é uma experiência curiosa. É um filme que tenta ser cult, mas cuja mensagem (quando enfim revelada), soa nada menos que trivial. É um filme que tenta ser comédia, mas que não é engraçado. É um filme que tenta ser um estudo de personagem, mas que possui um protagonista um tanto quanto raso de tanta droga que tem na cabeça. Enfim, Trainspotting é um filme que tenta ser muitas coisas, e no fim consegue ser nada mais do que uma bagunça bonitinha, com tanta profundidade quanto as revoltas de um pré-adolescente contra o mundo que o cerca.
O filme conta a história de cinco amigos – liderados pelo jovem Mark Renton (Ewan McGregor, sua estreia nos cinemas) – que vivem em Edimburgo, Escócia, durante os anos 90, e que são viciados em heroína (com exceção do personagem vivido por Robert Carlyle). Partindo da decisão de Mark de tentar parar com as drogas, o filme segue retratando as várias tentativas dele de ficar limpo, ao mesmo tempo em que mostra pequenas desventuras vividas pelos seus outros amigos. E se o filme não derrapa para a besteira completa, é justamente pelo fato de Ewan McGregor fazer um ótimo papel, mostrando que era bom de serviço já no início da carreira. De fato, o jovem carrega o filme inteiro praticamente nas costas e se compramos os absurdos do filme, é justamente porque McGregor consegue vender perfeitamente a ideia dele ser um drogado completo.
Com um roteiro sem coerência alguma, com diversos momentos que saem do nada e partem pro lugar nenhum, nunca sendo concluídas e, portanto, sendo totalmente desperdiçadas, a história perde a oportunidade de desenvolver situações muito mais interessantes do que aquelas para qual o filme vai se encaminhando. Assim, abandonando boas ideias como a da fita pornográfica perdida ou a da moça menor de idade completamente devassa, mas que vira uma recatada na frente dos pais (vivida por Kelly McDonald, e sendo a segunda melhor atuação do filme); o roteiro opta por ideias nem um pouco interessantes e sem graça como McGregor tendo que morar com seus amigos em Londres ou deles tentando revender um lote de heroína.
Da mesma forma, se a sequência de delírios no quarto do protagonista é o melhor momento do filme, isso não consegue compensar a besteira que é aquela cena pseudo-dramática em que algo acontece com um bebê (e que é sabotada ainda mais por aquele boneco horroroso que o diretor Danny Boyle utiliza para tentar nos convencer de que aquilo, de fato, é um bebê). E se eu digo pseudo-dramática, é porque a cena nunca consegue evocar a força que se esperaria de seu contexto e os próprios personagens parecem esquecer do acontecido minutos depois, como se realmente não tivesse muita importância.
Demonstrando ter um pendor desde cedo para fazer filmes que viriam a ser superestimados (como também acontece com “Quem Quer Ser um Milionário?” e “127 Horas”), Danny Boyle faz um filme esteticamente bonito e que até pode agradar aqueles que gostam da rebeldia apenas pela rebeldia, sem sequer compreender o alcance e a importância das coisas contra as quais estão se revoltando. Afinal, Trainspotting é um grito infantil de ódio contra as pessoas que aceitam viver suas vidas conforme um padrão. Acontece que, se não fosse pelos padrões, não haveria sociedade que resistisse ao tempo, pois o ser humano necessita de um sistema de regras sociais para viver em grupo, do contrário o mundo se tornaria uma anarquia completa. E isso é algo que, ao menos é o que parece, o jovem Mark Renton compreende nos minutos finais da projeção. Ao menos isso.
Capitão Phillips
4.0 1,6K Assista AgoraSe tem uma coisa que o diretor Paul Greengrass sabe fazer bem, é recriar acontecimentos reais tensos e que tiveram alguma relevância para a geopolítica internacional (são dele os ótimos “Vôo United 93” e “Zona Verde”). Assim, ele se mostra a escolha perfeita para comandar a história do Capitão Richard Phillips (mais uma ótima atuação de Tom Hanks) e o fato do filme ser tão impactante e envolvente se deve em boa parte a ele.
Bom, para quem não acompanhou o jornalismo internacional dos últimos anos, em 2009, quatro piratas somalianos invadiram um navio de carga norte-americano e, descontentes por levarem apenas 30 mil dólares, resolvem sequestrar o Capitão Phillips do navio e fugirem em um barco salva-vidas. Objetivando conseguir mais dinheiro com o resgate do americano, o plano dos piratas começou a dar errado quando eles passaram a ser seguidos de perto por três navios da Marinha norte-americana. Assim deu-se início a um cerco em alto-mar que durou dias e que, no primeiro passo em falso, poderia pôr um fim a vida do Capitão.
Sendo o tipo de história que Paul Greengrass adora imortalizar no cinema, logo o diretor demonstrou interesse pelo projeto e que bom que foi assim, pois nas mãos de um diretor menos competente a projeção facilmente viraria mais um filme de ação genérico. No entanto, Greengrass é um diretor que se preocupa com a estética e com a mensagem que o filme quer passar. Assim, além de contar com a famosa câmera inquieta (marca registrada do diretor) o filme possui planos bonitos esteticamente e funcionais (como o que nos apresenta o porto situado em Omã, ou o que, logo nos primeiros minutos de projeção, mostra um pirata somaliano dormindo com a sua arma encostada na parede ao lado, apontada para a sua cabeça, tecendo um sutil comentário sobre o modo de vida suicida dessas pessoas).
Da mesma forma, o filme nunca abandona a racionalidade e a crítica em prol do puro entretenimento descerebrado. As ações realizadas pelo grupo de piratas são bárbaras sim, mas, como um personagem aponta em um determinado o momento, países ricos também esgotam os recursos naturais de países pobres, sem oferecer nenhum tipo de retribuição, abalando economicamente essas nações e fazendo, assim, uma “pirataria às avessas”. É claro, e é prudente ressaltar, que um erro não justifica o outro. Mas, pelo menos, ao agir assim, o filme não se mostra alheio à situação política mundial, e reconhece que a situação real é ainda mais complexa do que aquela que está sendo retratada ali (algo que outro diretor como Michael Bay, por exemplo, jamais se preocuparia em fazer).
Acertando ao trazer um rosto conhecido para viver o protagonista, o filme garante assim o laço de empatia do espectador com o personagem já de cara (Tom Hanks, gente! Sério, tem como não torcer por ele?). Aliás, Hanks aqui garante mais uma ótima atuação para a coleção, e é maravilhoso vê-lo em cena, em um momento crítico, sempre tentando ser gentil com seus sequestradores, ao mesmo tempo em que tenta manter sua tripulação à salvo (cena essa que, inclusive, só fez aumentar a minha estima pelo Capitão Phillips verdadeiro). Mas quem realmente rouba a cena do filme é o ator africano Barkhad Abdi, ao viver o sequestrador Muse. Com um corpo preocupantemente magro e um olhar que consegue transmitir ao mesmo tempo ódio e desconfiança, Muse é um oponente muito mais perigoso e imprevisível do que seus companheiros, justamente por estar consciente de que estes o subestimam. No fundo, ele é um garoto mais preocupado na reputação dentro do bando, do que no dinheiro propriamente dito (e o orgulho mal-disfarçado com que conta um saque anterior bem sucedido é a prova viva disso).
Intenso e inteligente do começo ao fim, Capitão Phillips é mais uma obra-prima nas carreiras, tanto de Paul Greengrass, quanto de Tom Hanks. E, espero conferir outros trabalhos deste moço, Abdi. E também é a prova de que não precisa explodir coisas (ou cortar cenas) a cada cinco segundos para conferir algum tipo de ação a um filme. Basta ter talento.
A Hora do Pesadelo 6: Pesadelo Final, A Morte de …
3.0 376 Assista AgoraÉ oficial, “A Hora do Pesadelo 6 – Pesadelo Final: A Morte de Freddy” é o pior filme daquela que foi uma das maiores franquias de terror dos anos 80 (franquia que era, inclusive, superior às suas contemporâneas “Halloween” e “Sexta-Feira 13” no quesito criatividade). Infelizmente, com a chegada dos anos 90, os produtores da New Line Cinema aparentemente já não sabiam mais para onde levar uma história cuja fórmula havia sido desgastada ao máximo nos 5 filmes anteriores. Assim, “A Hora do Pesadelo 6” acabou seguindo a mesma sina de outras franquias de terror que se estendem demais: a autoparódia.
Tudo começa quando o jovem John (Shon Greenblatt) acorda na estrada desmemoriado, tendo com ele apenas um velha reportagem de jornal sobre um suposto filho de Freddy Krueger. O garoto é levado até um retiro/orfanato/hospício (o filme nunca se preocupa em explicar o que realmente é o estabelecimento), onde ele começa a ser assistido pela psicóloga Maggie (Lisa Zane). Na tentativa de recuperar suas lembranças, os dois partem com uma van até a cidade de Springwood (que, após os eventos dos filmes anteriores, é agora praticamente uma cidade-fantasma onde os escassos cidadãos remanescentes sofrem diversos traumas psicológicos decorrentes da misteriosa onda de “suicídios estranhos” ocorrida entre os adolescentes). O que eles não contavam é que três outros jovens fugitivos do estabelecimento se escondem dentro da van, apenas descobrindo a presença deles ao chegarem na cidade.
Assim, com uma nova leva de almas frescas para saciar a sua vontade, Freddy Krueger (Robert Englund) se prepara para fazer um novo banquete. É uma pena, porém, que o filme tenha achado mais interessante investir na veia cômica do personagem do que no seu lado aterrorizante. Ok, nos filmes anteriores Freddy era uma personagem irônica, mas sempre aterrorizante. Entretanto, aqui, temos que presenciar cenas realmente constrangedoras, como ele fazendo gracinha pra câmera enquanto caminha por trás de um garoto surdo. E se nos filmes anteriores tínhamos pesadelos icônicos e criativos envolvendo transformações físicas e labirintos paradoxais, aqui temos que nos contentar com Freddy arranhando suas garras num quadro negro, ou controlando um personagem como se ele fosse um jogo de vídeo game do tipo Mario Bros (com direito, inclusive, a sonoplastia de desenho animado digna dos Looney Tunes).
Ademais, o filme erra também ao tentar dar um passado “família” pro Freddy Krueger, (mesmo erro que foi cometido na série Sexta-Feira 13 com o pavoroso “Jason Vai Para o Inferno – A Última Sexta-Feira”) diminuindo assim a sua aura de “entidade onírica do mal”, e enfraquecendo o personagem. E a cena final do filme está entre uma das piores cenas que eu já vi filmada para o antigo formato 3D (empatando em mediocridade com o ridículo final de “Tubarão 3”).
Com um elenco que não merece absolutamente nenhum destaque (nem mesmo por parte de Robert Englund, afinal de contas ele devia se envergonhar de ter participado dessa joça), e um design de produção que acerta apenas ao retratar as ruas desertas e canteiros sem vida de Springwood, A Hora do Pesadelo 6 é uma mancha na reputação da franquia. E é realmente surpreendente (e até mesmo um alívio) saber que o filme não enterrou a franquia de vez. Afinal de contas, Wes Craven estava chegando para retomar a franquia e pôr ordem na casa.
Caminhos da Floresta
2.9 1,7K Assista AgoraEm algum momento do passado Caminhos da Floresta já foi uma ideia legal. Pelo menos até a ocasião em que alguém deu a brilhante ideia: “Ei! Que tal fazermos um musical???”. E, o pior, não basta ser um musical com canções que intercalam uma cena e outra, “os personagens podem dizer suas falas cantando também, porque não???”. Mas para completar a cereja do bolo, foi quando fizeram a seguinte sugestão: “Ei?! Que tal fazermos um filme baseado naquele musical bacana da Broadway??! Ah, mas não podemos nos esquecer do mais importante: as falas cantantes dos personagens!!” Assim, Rob Marshall (diretor dos medianos “Chicago” e “Piratas do Caribe – Navegando em Águas Misteriosas”) transforma rapidamente um filme que poderia ser uma fantasia interessante em uma tortura cantante de duas horas.
Sim, porque a história do filme num primeiro momento é bacana. James Corden e Emily Blunt interpretam um casal de padeiros que não conseguem ter filhos até que, certo dia, recebem a visita de uma bruxa (Meryl Streep) que diz que concederá a vontade do casal, desde que estes lhe proporcionem ingredientes para uma poção que a rejuvenesça. Os ingredientes? Um sapatinho mais precioso que o ouro, uma capa vermelha, uma vaca totalmente branca, e um fio de cabelo dourado. Assim, o filme vai misturando os elementos de quatro contos de fadas clássicos: “Cinderela”, “Chapeuzinho Vermelho”, “João e o Pé de Feijão” e “Rapunzel”. E a sequência de acontecimentos do filme mostra que essa mistura funciona de forma orgânica como se realmente fosse plausível que todos esses personagens vivessem juntos.
Entretanto, o que prejudica o filme, como já dito, é a insistência em utilizar o gênero musical uma vez que sabota qualquer conexão que o espectador possa ter com a história. Assim, fica difícil se envolver com os personagens e os seus problemas, principalmente nas situações mais tensas, se eles não param de cantar alegremente. Afinal, como temer pelo destino de personagens quando parece que eles próprios não estão nem aí pra isso?
Mas se esse fosse o único problema Caminhos da Floresta, ainda assim, poderia ser um filme razoável. Para piorar, quando tudo parece estar se encaminhando para um desfecho e um final feliz, uma reviravolta nos acontecimentos faz com que o espectador descubra que ele está à recém na metade do filme, e em sua segunda metade a projeção começa a contar uma nova história, quase que independente da primeira e completamente descartável. Jogando para o alto a divisão clássica de um filme em 3 atos, o filme conta duas histórias, cada uma com seus 3 atos individuais, sendo que a segunda, aparentemente, está lá apenas para perdurar a tortura e assegurar que o espectador arruíne ambos os ouvidos.
Com questões técnicas que estão bem abaixo dos padrões Disney de qualidade, Caminhos da Floresta nos decepciona com sua falta de criatividade nos efeitos especiais, por exemplo, na cena em que Chapeuzinho desce por dentro da garganta de uma determinada criatura. E engraçado ver como a giganta que aparece no terceir... digo, na segunda história, aparece sempre com o rosto tapado por galhos e árvores, como se o próprio estúdio tentasse esconder algo que eles sabem que não ficou muito bom. Da mesma forma, a maquiagem utilizada para enrugar e dar ares de bruxa à Meryl Streep se parece demais com uma máscara, jamais soando convincente. E, se por um lado é uma grata surpresa ver a Disney trazendo perturbadores elementos originais das histórias que ela conscientemente deixou de lado em suas animações (as irmãs de Cinderela realmente cortam pedaços dos pés para conseguirem calçar o sapatinho), por outro é estranho ver como o estúdio deixou passar furos gritantes no roteiro (como na cena em que Rapunzel é vista com suas longas tranças, algumas cenas após elas terem sido cortadas).
Com uma fotografia e um design de produção competentes, mas não muito originais (trabalhos semelhantes já foram feitos em Irmãos Grimm e no recente Malévola) “Caminhos da Floresta” conta, ainda, com bons momentos divertidos que acontecem uma vez que outra. Como o grito da Chapeuzinho quando um personagem tira a sua capa, ou a cena em que Cinderela percebe que o Príncipe é mais esperto do que ela esperava. Mas isso, depois de toda a cantoria, não é o suficiente para salvar o conjunto da obra, infelizmente.
Shame
3.6 2,0K Assista AgoraUm viciado é uma pessoa que, angustiada pelo próprio tédio de sua vida, se entrega a alguma experiência escapista com uma regularidade tal que dela já não consegue mais se desvencilhar. Por conta disso, o viciado acaba passando por um processo de ruptura social, em que ele, aos poucos, não consegue mais se reconectar com o mundo que o cerca, restabelecer as relações familiares e, até mesmo, a estabelecer novas relações com novas pessoas.
É o caso do personagem Brandon, interpretado por Michael Fassbender no filme Shame, dirigido por Steve McQueen. Brandon é um nova-iorquino de 30 anos que possui um vício bastante peculiar: ele é homem viciado em sexo. E por mais que certos rotulistas possam afirmar que o final da frase anterior é um pleonasmo, é bom deixar bem claro que, no caso de Brandon, essa sua característica realmente atinge graus extremos à ponto de se aproximar a uma doença. Brandon é uma pessoa que mal consegue ficar mais de um dia sem ter uma relação sexual com alguém, e o seu próprio computador do trabalho é tão lotado de pornografia, que seu chefe chega a afirmar em um momento da projeção que ninguém teria tanto tempo livre para ver tudo. No entanto, a gravidade da situação de Brandon só se torna realmente grave quando ele descobre que sua irmã Sissy (Carey Mulligan), pretende passar uns dias morando com ele. Impedido de ter a privacidade necessária para sanar seus vícios, Brandon então se submete a um período de abstinência quase forçado.
Michael Fassbender faz aqui, então, uma grande performance, ao encarnar Brandon em todos os seus detalhes, construindo gradualmente a tensão e a agonia que vai se crescendo à medida que a presença da irmã o afeta (presença essa, aliás, que pode ser entendida como um último sentimento de vínculo familiar que tenta trazer um viciado de volta do mundo das drogas, enquanto que este resiste e tenta renega-lo). Assim, Brandon está sempre tendo explosões de raiva com a irmã e a sua atuação em uma determinada cena em que ele se vê numa situação na qual é obrigado a escutar uma relação sexual de um casal, é marcante justamente por mostrar o seu profundo incômodo e a gravidade de seu vício (afinal de contas, ele só tinha um dia de abstinência até então). Da mesma forma, Fassbender também nos oferece outro momento marcante quando ele finalmente percebe que o seu vício o impedirá derradeiramente de construir um relacionamento normal com alguém (afinal de contas, ao tentar envolver emoções ao ato, ele “falha” sexualmente). E chega a ser palpável, nesse momento, a dor que o personagem sente ao se conscientizar do seu problema, e como este pode, derradeiramente, impedi-lo de ser feliz.
Investindo em diversos planos-sequência (algo cada vez mais raro hoje em dia), alguns inclusive de câmera parada, McQueen acerta ao criar um filme esteticamente agradável e que obriga que a atenção do espectador se volte para as atuações dos atores. Meus planos-sequência preferidos são o que a câmera acompanha o personagem Brandon enquanto ele faz um cooper pelas ruas de Nova York, e aquele que, utilizando uma câmera parada, filma um encontro de um casal no restaurante, e que vai utilizando um zoom quase imperceptível, fechando o quadro à medida em que a conversa vai se tornando mais íntima. O primeiro é interessante pela sua estética, e o segundo pela sua funcionalidade.
Entretanto, o diretor pesa um pouco a mão em outras cenas, tornando o filme um pouquinho mais arrastado do que deveria, o que pode incomodar algumas pessoas. Cenas como, por exemplo, o momento em que Sissy canta New York, New York irritam, não só pela voz da moça ser monotônica e sem emoção, como também pelo fato dela cantar a música na íntegra, o que se revela um pouco desnecessário.
Silencioso e um tanto melancólico, Shame é um filme que merece ser visto. Seria superficial demais dizer que ele é um filme sobre sexo, porque ele é mais do que isso. Shame é um filme que lamenta o vazio da existência de certas pessoas. Um vazio que pode ser percebido em seus momentos finais quando o personagem, ao se entregar novamente ao seu vício, não demonstra nenhum sinal de prazer, apenas de angústia.
Cisne Negro
4.2 7,9K Assista AgoraNo conto original “O Lago dos Cisnes” a princesa Odette é amaldiçoada e transformada em um cisne branco pelo terrível mago Rothbart, apenas podendo retornar a forma humana durante a noite. Podendo se livrar da maldição somente por um homem que a ame, o apaixonado príncipe Siegfried promete que será ele quem quebrará o feitiço. Entretanto, ao descobrir isso, Rothbart transforma sua filha Odille – o cisne negro - em uma cópia perfeita de Odette, confundindo o príncipe a mantendo a doce Odette cativa na forma de cisne para sempre. Assim, tomada pelo desgosto, Odette se suicida tragicamente.
Em “Cisne Negro”, filme dirigido por Darren Aronofsky, Natalie Portman vive a dançarina de balé Nina que, doce, meiga e pura é a escolha perfeita para viver Odette, o Cisne Branco, na mais nova adaptação de O Lago dos Cisnes da sua companhia de balé. Entretanto, Nina é protegida de forma sufocante pela mãe, e, até certo ponto, infantilizada em excesso (notem o quarto da garota repleto de bichinhos de pelúcia). Isso, somado ao fato da garota possuir uma sexualidade tremendamente reprimida – algo que, diga-se de passagem, também se deve a mãe – Nina tem enormes dificuldades em encarnar com paixão e vivacidade o papel da sensual Odille, o Cisne Negro. Assim, não demora muito e o problema começa a perturbá-la seriamente, pois pode perder o papel principal para sua colega de trabalho Lily (Mila Kunis), que consegue interpretar Odille sem maiores dificuldades.
Desta forma, ansiosa para conseguir colocar para fora o “cisne negro” dentro dela, Nina, que já possuía uma mentalidade um pouco instável (vide sua paranoia, sua obsessão pela perfeição e sua bulimia) começa a gradualmente desenvolver uma segunda personalidade, que nada mais é do que o fruto de sua sexualidade reprimida por anos. O filme Cisne Negro é, portanto, o retrato de uma batalha psicológica entre duas personalidades distintas, “Odette” e “Odille”, para ver quem tomará conta da mente e do corpo de Nina, subjugando a outra no processo. Recheado de camadas e simbolismos do início ao fim, Cisne Negro é, talvez, um dos filmes mais brilhantes já feitos na área da psicologia.
O filme acerta em cheio na escalação do elenco, ao passo que conta com atuações soberbas desde os papeis principais, até os secundários. Assim, Natalie Portman nunca deixa de convencer ao empregar uma voz fraca que mal consegue sair de sua boca, retratando com perfeição à sensibilidade da personagem Nina. Mila Kunis, por sua vez, age como seu extremo oposto, sendo sempre convincente como “Odille”, (e não é à toa que, a partir de um determinado momento, o subconsciente de Nina comece a utilizar a aparência de Lily como um arquétipo para definir a sua outra personalidade). Da mesma forma, o diretor da companhia vivido por Vincent Cassel nunca deixa de convencer como um profissional competente que ama, admira e é capaz de ir a extremos por sua arte. E se a dançarina veterana vivida por Winona Ryder tem pouquíssimo tempo de tela, o que é uma pena, Barbara Hershey faz outra grande atuação como a sufocante mãe de Nina. E é curioso notar que, por baixo de todo amor incondicional, há um forte ressentimento por parte da mãe com relação à filha, uma vez que teve que interromper a sua carreira de bailarina no passado por conta de sua gravidez.
Os aspectos técnicos do filme é outro deleite à parte. Aronofsky acerta nos elementos mais aparentes da trama, como a fotografia (que utiliza uma alternância constante entre luz e sombra, que enfatiza a ideia de dualidade do filme), a trilha sonora (que, não podia deixar de ser, é composta de várias versões da belíssima “O Lago dos Cisnes” de Tchaikovsky), e os efeitos especiais (gosto particularmente da transformação ocorrida próximo ao final do filme, que serve também para ilustrar qual das duas personalidades venceu a batalha). Mas, mais interessante ainda, é notar como Aronofsky acerta também nos detalhes sutis e que, na maioria das vezes, passa despercebido pelo grande público. Como o vestuário dos personagens, por exemplo: notem que Nina sempre veste roupas de tons claras, enquanto que Lily, seu contraponto, é vista praticamente durante todo o filme com roupas de tom escuro, uma nova alusão à dualidade e aos opostos. Da mesma forma, é impressionante perceber que 99% das cenas de Cisne Negro se passam em um ambiente onde haja, no mínimo, um espelho ou uma superfície reflexiva, novamente trazendo à tona a ideia de dualidade.
E, para completar, Aronofsky nos presenteia com um final nada menos que espetacular (literalmente), não só pelas atuações, pela beleza do espetáculo final, pela força emocional que a trilha sonora evoca, mas, também, pela genialidade com que ele encerra tudo. Afinal de contas, não possuo nem palavras para descrever o quão brilhante é se utilizar de um caco de espelho como arma para matar o seu outro eu.
Wall Street: Poder e Cobiça
3.7 246 Assista AgoraMuitos anos antes de Martin Scorsese ter virado o mundo das finanças de cabeça para baixo em seu esplêndido O Lobo de Wall Street, Oliver Stone já havia tecido sua crítica ao mundo caótico do capitalismo selvagem em “Wall Street – Poder e Cobiça”. Mas, diferentemente de Scorsese que fez uma crítica escrachada e caricatural salientando o ridículo daquele mundo, Stone desenvolveu um filme sério e incisivo, mostrando de forma fria e crua os bastidores da corrupção encravada naquele meio.
Resumindo o filme, Charlie Sheen (o mesmo que se popularizou entre as gerações mais jovens nos últimos anos com a série Two and a Half Man) vive o ambicioso Bud Fox que, após dar uma informação lucrativa e valiosa ao milionário Gordon Gekko (Michael Douglas), se torna uma espécie de corretor particular de Gekko. Trabalhando juntos, Gekko convence Bud a utilizar de seus contatos dentro da bolsa de valores para fazer espionagem industrial e, assim, saber a hora certa de comprar ou vender as ações de determinadas empresas, lucrando rios de dinheiro no processo.
Com atuações convincentes, Charlie Sheen aqui apresenta um de seus melhores trabalhos na carreira (perdendo apenas, talvez, para o soldado que ele interpretou em Platoon). Cuidadosamente, Sheen constrói a fascinação que aquele mundo exerce sobre Bud Fox, desde o momento em que entra pela primeira vez no escritório de Gekko com um olhar inseguro e subserviente, até a força de expressão que o acompanha durante boa parte da segunda metade do filme (e é uma pena perceber o quanto Charlie Sheen simplesmente desperdiçou o seu talento nos últimos anos). Mas, quem realmente merece destaque é Michael Douglas. Vencedor do Oscar por este filme, Douglas está perfeitamente sublime, e exala maldade e ganância desde a sua primeira cena. Admirador de Sun Tzu, e com uma lábia incrivelmente persuasiva, Gordon Gekko é o pior inimigo que alguém poderia ter no mundo das finanças.
Os demais atores do filme também fazem trabalhos competentes: Martin Sheen faz um ótimo serviço em suas poucas cenas como o pai de Charlie Sheen (e o fato dos dois serem pai e filho na vida real ajuda-os a ter uma enorme química no set). Já Daryl Hannah por outro lado, se não faz um trabalho ruim, pelo menos não compromete. Na verdade, sua personagem existe tão somente para que haja uma mulher na história, pois é completamente dispensável para o roteiro.
O trabalho de direção de Oliver Stone é caprichado, o que é comum nas filmagens do diretor. Pessoalmente, gosto muito da cena de abertura do filme, onde Oliver Stone retrata com perfeição como é caótico e absurdo o ambiente de trabalho dos corretores da bolsa (fonte da qual Scorsese beberia, anos mais tarde). E se temos uma cena maravilhosa no início, Stone nos brinda com outra ao final: o plano-sequência em que Bud Fox entra na empresa em que trabalha, e passa por centenas de olhares apreensivos de seus colegas de trabalho, antecipando para o espectador que algo muito grave aconteceu. Pontos positivos também para o design de produção do filme que consegue fazer do escritório e da casa de Gordon Gekko lugares incrivelmente suntuosos com todos seus quadros e obras de arte caras, mas excessivamente frio.
Na verdade, o filme falha, apenas, ao não simplificar para o espectador as complexas transações comerciais que ocorrem durante o filme. Assim, o público leigo que não possui muitas noções de economia e de como funciona o mercado de ações certamente ficará perdido em várias ocasiões, sem saber exatamente o que está ocorrendo em tela. Isso é um problema, afinal o filme trata-se de uma crítica e, portanto, deveria ser o mais acessível possível a todos os públicos. Mas mesmo com esse porém, a essência do filme consegue ser captada, não prejudicando a sua mensagem sobre até onde a ganância sem limites pode nos levar.
Nebraska
4.1 1,0K Assista Agora“Road movies” são um subgênero do cinema que reúne exatamente isso: filmes de estrada. Ou, de forma mais didática, são aqueles filmes que retratam uma viagem empreendida pelos protagonistas, sendo que, para um road movie, a viagem em si pouco importa realmente, sendo mais interessante acompanhar a evolução dos personagens e a mudança que eles sofrem através das experiências pelas quais passam juntos durante a jornada. Assim, o destino geográfico desse tipo de filme acaba se mostrando irrelevante, a sua função é mostrar o destino psicológico dos indivíduos.
É o caso desse belíssimo Nebraska, filme dirigido por Alexander Payne. Na história, um homem idoso (Bruce Dern) recebe uma carta informando que ganhou um milhão de dólares, entretanto, para obter o prêmio, precisa viajar até a cidade de Lincoln, Nebraska. Relutantemente, o seu filho (Will Forte) aceita viajar com ele até o destino para buscar o suposto prêmio, que acredita ser, na verdade, fruto de um golpe. Durante o percurso, os dois acabam passando pela cidade onde o pai passou os seus anos de juventude e a maior parte da vida, e assim, ao descobrir várias histórias do passado, o filho começa a repensar a imagem que ele possuía de sua figura paterna.
Contando com atuações estupendas dos dois atores principais (e também de June Squibb, que vive a divertida mãe como uma velhinha nada convencional), a grande força do filme está na compreensão gradual do filho em perceber que, na verdade, a viagem será a última oportunidade que ele terá de passar mais tempo com seu pai, antes que ele se entregue completamente à senilidade ou coisa pior, e a cena em que os personagens param para visitar um cemitério é bastante evocativa nesse sentido. Assim, se no início o jovem é impaciente com o velho, é tocante notar que aos poucos ele vai desistindo de tentar convencê-lo de que tudo não passa de uma mentira, até chegar ao bonito final onde ele se esforça ao máximo para proporcionar um momento de fantasia lúdica ao pai.
Por outro lado, se o filho percebe que a viagem é uma forma de “redescobrir” o seu pai, é curioso notar que os demais parentes voltam a rondar apenas quando o boato do prêmio se espalha, como um bando de abutres esfomeados, deixando ainda mais em evidência a mudança de comportamento pela qual o filho passa. Assim, o diretor consegue fazer um eficiente comentário sobre as relações familiares contemporâneas, na medida em que estas vem trocando gradativamente o amor fraterno por uma indiferença mal-disfarçada e interesses meramente materialistas.
Auxiliado por uma fotografia em preto e branco que casa perfeitamente com o filme, ao possuir um tom melancólico e nostálgico, Alexander Payne consegue ainda construir planos perfeitos, que dão vontade de recortar da tela e emoldurar numa parede. Como a cena em que pai e filho esperam sentados em um ponto de ônibus, as várias cenas que se passam em uma sala de estar, com a família olhando para um ponto fixo (o televisor nunca é revelado) e trocando breves diálogos desinteressados (como se os personagens fizessem as perguntas apenas por convenção social, e não por estarem realmente interessados no que o seu parente tem a dizer), e claro, nas inúmeras cenas em que retratam a viagem propriamente dita, onde o quadro é completado pela paisagem estonteante do belíssimo deserto americano.
Surpreendendo por seus bons momentos de humor (como o gesto que a mãe faz no cemitério, ou a cena em que dois personagens roubam um compressor de ar), Nebraska encanta, diverte e nos deixa melancólicos ao mesmo tempo, afinal, tem que ser muito insensível para ver este filme e não começar a pensar nos seus parentes próximos, principalmente, os mais idosos. É importante dar valor a cada momento que a vida nos permite estar com eles, afinal de contas, nunca se sabe a hora da despedida.
A Hora do Pesadelo 5: O Maior Horror de Freddy
3.0 298 Assista Agora“A Hora do Pesadelo” foi, juntamente com “Halloween” e “Sexta-Feira 13”, as principais séries de terror que marcaram o cinema dos anos 80. Mas a série estrelada pelo sanguinário Freddy Krueger se diferenciava das suas congêneres justamente pela ideia mais original de ter um assassino demoníaco que só atacava durante os sonhos das pessoas, existindo apenas no mundo onírico e sendo, portanto, mais difícil de ser destruído. Desta forma, A Hora do Pesadelo era uma série que proporcionava mortes mais criativas e únicas, que muitas vezes refletiam algo da personalidade de suas vítimas.
No entanto, apesar de realmente ser mais criativa, com o tempo a série começou a apresentar sintomas do mesmo mal que, já às vésperas dos anos 90, assolava as suas irmãs: a repetitividade. Em “A Hora do Pesadelo 5 – O Maior Horror de Freddy” os assassinatos continuam criativos, sim. Mas a estrutura do filme é praticamente a mesma dos filmes anteriores: um bando de jovem adolescentes, liderados pelo casal sobrevivente do filme anterior Alice (Lisa Wilcox) e Dan (Danny Hassel), começam a ter novos pesadelos com o terrível assassino do chapéu de feltro, sendo eliminados um por um, até que o último encontre um meio (outro) de “matar” (novamente) Freddy Krueger. Para dar o braço a torcer e admitir que o filme tentou dar um toque diferencial dentro da própria série, a personagem Alice descobre que está grávida, e o bebê logo se torna uma peça essencial nos planos do vilão.
Assim, não tem como assistir esta quinta parte da franquia, sem ficar com aquela sensação de “Hmmm... já vi esse filme antes”. O que é uma pena, porque o filme em si não é ruim, o defeito aqui referido não está no filme, mas sim na série como um todo (e que também poderia se aplicar perfeitamente as infinitas continuações de Halloween e Sexta-Feira 13).
Bem, o filme realmente ainda conta com cenas de pesadelos bem elaboradas. As minhas preferidas são a motocicleta que tenta absorver quem a pilota e o banquete da morte, onde uma certa personagem morre de tanta comida que lhe fazem comer à força. Por outro lado, se um determinado pesadelo começa promissor com tons de preto e branco, a ideia de fazer uma homenagem aos seriados de super-heróis dos anos 40 acaba soando apenas divertida, mas jamais assustadora. Dessa forma, ainda que haja um resquício de criatividade, as mortes aqui já não tem a mesma força daquelas vistas em filmes anteriores da franquia (principalmente nos filmes 3 e 4).
Mas isso não pode ser considerado culpa do diretor do filme Stephen Hopkins, mas sim do estúdio que lhe impôs a absurda missão de filmar e finalizar o filme em apenas oito semanas. Levando isto em consideração, pode-se perceber que Stephen Hopkins conseguiu um milagre ao tirar água de pedra. Até porque, mesmo com seus probleminhas, o diretor ainda consegue inserir elementos muito bons. O design de produção, por exemplo, acerta em cheio ao retratar o quarto de um determinado personagem repleto de estantes, livros, desenhos, gibis e máscaras, soando sempre convincente como o lugar de recolhimento de um amante dos quadrinhos. Da mesma forma, Stephen Hopkins acerta também na forma fluída como utiliza a câmera, se esgueirando pelos cantos enquanto espiona os personagens, como se fosse uma ameaça sempre à espreita.
Assim, A Hora do Pesadelo se despediu da década de 80 com um filme apenas razoável e que é melhor, apenas, do que o segundo filme da série. À época de seu lançamento “A Hora do Pesadelo 5” foi a menor bilheteria da franquia, quase como que preparando o terreno para os anos 90 (que, infelizmente, acabariam jogando as séries clássicas de terror ao escárnio completo).
Shortbus
3.7 548Bom, antes de começar a falar sobre Shortbus, é prudente dar um aviso importante. Shortbus é um filme que, justamente por sua temática, não faz nenhuma economia nas cenas de sexo explícito (contando, inclusive, com uma em que dezenas de pessoas fazem uma orgia em uma mesma sala). Assim, se você for o tipo de pessoa que, por algum motivo, sente-se incomodada em ver relações sexuais alheias dentro de um filme, devo alertá-lo desde já que esse não é o seu tipo de entretenimento, e aproveito para aconselhá-lo a procurar outra coisa.
Aviso dado, vamos ao filme. Shortbus é um filme que se concentra basicamente em três núcleos narrativos: O primeiro corresponde a terapeuta de casais Sofia (Sook-Yin Lee), que, apesar de já ter ajudado centenas de casais, nunca conseguiu ter um orgasmo com o seu esposo. O seu contraponto é a personagem vivida pela atriz Lindsay Beamish, a dominatrix Severin, que, apesar de ter enorme facilidade em ter orgasmos, nunca conseguiu estabelecer um relacionamento “real” com alguém. Por fim, temos o casal homossexual James (Paul Downson) e Jamie (PH DeBoy), que, passando por uma crise no casamento, começam a cogitar a possibilidade de trazer outra pessoa para a cama, a fim de realizarem um ménage à trois para esquentar um pouco as coisas. O ponto de união das três tramas é que todos estes personagens frequentam o “Shortbus”, um estabelecimento no subúrbio de Nova York que é uma mistura de pub, centro cultural e casa de swing.
Contando com atores e arcos dramáticos eficientes, Shortbus se revela um bom filme de se assistir, à medida em que vamos conhecendo os personagens e os seus conflitos internos (principalmente o núcleo do casal James e Jamie, que, no decorrer da trama, se revela ser a história mais trágica de todas). Desta forma, sabendo que o desenvolvimento dos personagens é o mais importante, e que as cenas de sexo, por si só, já chamariam a atenção o suficiente, o diretor John Cameron Mitchell opta por fazer uma direção mais discreta, o que acaba sendo uma opção acertada.
E mesmo assim, nas poucas vezes em que resolve aparecer, sua intervenção se mostra eficaz, como a edição rápida das cenas que antecipam uma relação sexual específica (que ilustra a hesitação e a insegurança emocional dos envolvidos), ou no corte abrupto que encerra o início de uma discussão, apenas para mostrar os envolvidos na briga, minutos depois, tentando se reconciliar. Entretanto, se por um lado a transição entre cenas na forma de maquete é bonitinha, por outro, a ideia do blecaute no terceiro ato soa um pouco óbvia, fazendo com que a analogia do retorno da energia elétrica com o retorno da energia sexual dos personagens soe um pouco... cafona.
Já os poucos momentos em que tenta fazer humor, o diretor não consegue conduzir os atores para esse objetivo. Assim, a cena em que uma personagem está com um pequeno vibrador acionado por controle remoto dentro da calcinha, se torna mais constrangedora do que realmente engraçada. Da mesma forma, o recurso irônico do “vigilante” que, ao invés de vigiar, está dormindo em serviço, é tão velha que merecia ser banido do cinema.
Mas o mais triste é ver que o filme nunca consegue alcançar a profundidade que tanto ambiciona. John Cameron Mitchell até tenta incluir diálogos sobre redenção e a necessidade de encontrar forças em si mesmo para vencer os obstáculos, mas não é o suficiente. Por ser literal demais, a projeção deixa pouco espaço para metáfora (esqueçam a ideia do blecaute), sendo apenas aquilo que ele exatamente é: pessoas buscando a superação dos seus dilemas sexuais.
Mas ainda assim, ele é um filme interessante (e bastante corajoso, inclusive). Sendo uma boa recomendação para quem não vê problemas na junção “sexo + cinema”.
Oldboy: Dias de Vingança
2.8 828 Assista AgoraHá duas coisas para serem ditas sobre esta refilmagem americana do maravilhoso filme coreano Oldboy, uma boa e uma ruim. A boa é que a refilmagem muda poucas coisas na história, mantendo-se fiel ao material original. A ruim é que a refilmagem muda poucas coisas na história, fazendo com que a necessidade da existência desse filme no universo seja praticamente nula.
Explico melhor: considerando que os filmes não são apenas entretenimento, mas sim manifestações artísticas com um propósito maior (e eles são, por mais que a indústria tente negar isso), uma refilmagem só se justifica quando: a) é feita após muito tempo do filme original; e b) o diretor quer acrescentar um pouco da sua visão ao material original, somando, modificando ou adaptando a mensagem do filme para os dias de hoje (e não precisa necessariamente mudar a história para isso). O caso de Oldboy – Dias de Vingança não cumpre nenhum dos dois requisitos. Primeiro, porque foi feito apenas 10 anos de diferença do filme original (e antes que a “geração iphone” venha reclamar que 10 anos é muito tempo, vamos nos lembrar que, para o cinema, que possui mais de 100 anos de idade, uma década não é nada). E segundo, porque o diretor Spike Lee não acrescenta absolutamente nada ao filme do diretor Park Chan-Wook, pelo contrário, o filme empalidece bastante em relação ao seu original, soando apenas como uma versão paraguaia pobre. Na verdade, só há uma coisa que “justifica” a existência desse filme: a má vontade dos americanos em ver um filme que fale uma língua diferente da sua, acompanhada da preguiça de ler legenda.
Bom, terminada a sessão desabafo, vamos ao filme: Oldboy é a história do executivo Joe (Josh Brolin) que é misteriosamente sequestrado e mantido em cativeiro durante vinte anos, sem ter a menor ideia de quem é o seu sequestrador e qual é a sua motivação. Sendo enfim solto de forma repentina, o que torna tudo ainda mais misterioso, Joe inicia uma jornada obsessiva na busca de respostas e vingança. A ele se junta a jovem assistente social Marie (Elizabeth Olsen) que se apieda da situação do pobre homem e resolve ajudá-lo a investigar o que aconteceu de verdade.
Errando já no primeiro ato, ao estabelecer Joe como um verdadeiro canalha ao dizer com todas as letras que não estava nem aí pro aniversário de 3 anos de sua filha, o filme estraga qualquer empatia que o espectador possa desenvolver com o personagem principal , mostrando já nos seus primeiros minutos de projeção a sua inferioridade ao original. No filme coreano, o personagem principal (vivido lá pelo ator Min-Sik Choi) é mulherengo, sim, mas jamais deixa de demonstrar um enorme carinho pela filha pequena, cuja foto guardada na carteira ele mostra para todos já na primeira cena, exibindo um ar orgulhoso, e garantindo assim a simpatia do espectador. Já a personagem de Elizabeth Olsen, fracassa em seu propósito essencial: nunca entendemos realmente o quê motiva a moça a ajudar de livre e expontânea vontade um estranho, pois esta também não demonstra – pelo menos no início – o menor interesse pela história bizarra do homem. De fato, quando ela descobre sobre o sequestro desmotivado e inexplicável de 20 anos, age como se alguém tivesse lhe contado como foi a ida ao shopping, e quase esperei ver ela dar de ombros e se perguntar “Por que não?” (novamente advogando em defesa do filme original, a atriz Hye-Jeong Kang ao menos revela uma enorme empatia e compaixão por aquele homem, o que engrandece a sua boa atuação e a torna crível).
Mas não é só nos atores que o filme é inferior. É também na estrutura, na estética e no efeito emocional causado no espectador. O tempo que Joe vive no cativeiro, por exemplo, apesar de ser alternado com reportagens e imagens de arquivos, nunca soa como se tivessem se passado realmente 20 anos! Já o maravilhoso plano-sequência do filme original (que envolve uma briga de um personagem contra vários outros em um estreito corredor) volta, aqui, numa versão pobrinha, curta, e desapontadora, na medida em que há um corte próximo ao final do plano sequência, tirando um pouco a magia da cena. Da mesma forma, o final do filme, apesar de quase manter as mesmas reviravoltas, nunca consegue se igualar ao final espetacular, impactante e profundamente perturbador do filme original, surgindo apenas como uma mera sombra.
Dessa forma, tendo pouquíssimos momentos em que o filme se sobressai criativamente (vem a minha mente apenas a breve cena em que Joe faz amizade com uma rata com filhotinhos durante o seu cativeiro, e também a decisão tomada por ele próxima ao desfecho do filme), “Oldboy – Dias de Vingança” se mostra uma grande decepção. É chato ter que analisar um filme, tomando por base outra produção, mas nesse caso é obrigatório. Dessa forma meu conselho é: entre no Netflix e procure pelo filme coreano “Oldboy”. Você certamente sairá mais satisfeito.
Quero ser Grande
3.7 803Crescer pode ser uma experiência bastante traumática. Afinal, era muito comum que nós, quando crianças, olhássemos para os mais velhos e sentíssemos um leve fascínio misturado com inveja daquela estranha liberdade que era “ser adulto”. Entretanto, é só quando realmente crescemos e sentimos o toque das responsabilidades que nos damos conta do estranho paradoxo: a liberdade, a verdadeira liberdade, se encontra na infância, a fase mais pura e bela da vida que, infelizmente, não volta mais.
Em certa medida, é isso que o personagem Josh (David Moscow) aprende no decorrer de Quero Ser Grande, filme da diretora Penny Marshall. Após ter um desapontamento amoroso com uma garota mais velha, o menino de 13 anos encontra em um parque de diversão um brinquedo do tipo “realizo o seu desejo”. Após brincar despretensiosamente com a máquina e voltar para casa, o menino leva um susto no outro dia ao acordar e descobrir que seu pedido se realizara: ele se tornara adulto... e com a cara do Tom Hanks.
Tom Hanks que, já nos anos 80, mostrava sinais do porquê viria a ser considerado um dos melhores artistas da atualidade. O ator, que na época catapultou a sua carreira fazendo comédias “sessão-da-tarde” (como os divertidos “Meus Vizinhos são um Terror” e “Splash – Uma Sereia em Minha Vida”) já demonstrava saber que, o que diferencia uma grande performance não são as expressões faciais histriônicas, mas sim os detalhes sutis que compõe o personagem (algo que Jennifer Garner aparentemente não sabia ao fazer o bobinho “De Repente 30”). Assim, quando descobre ter envelhecido, Josh não apenas faz caretas de pavor com o que aconteceu, mas também se mostra profundamente desconfortável e desengonçado com o novo corpo (como mostra a cena em que, não acostumado com o próprio tamanho, bate direto com a cabeça na cama de cima do beliche). Aliás, se na metade de “De Repente 30” Garner simplesmente esquece de agir como uma garota de 13 anos e passa repentinamente a agir como uma mulher normal, aqui, Hanks é convincente como uma criança durante toda a projeção (seja na forma despreocupada em que rouba uma cereja do sorvete do amigo, seja no olhar carente e inseguro que lança através da fresta de uma porta ao ser deixado sozinho), comprovando assim a superioridade de sua atuação.
E é bom que o filme tenha um ator do calibre de Tom Hanks no papel principal. Primeiro, porque sem uma atuação deste nível o filme não sobreviveria. E, segundo, porque o próprio roteiro não gasta muito tempo com os demais personagens. Ao se concentrar nas interações de Tom Hanks com o mundo dos adultos, o filme se dedica apenas a mais dois personagens: o leal amigo Billy (vivido por Jared Rushton), e a moça Susan (interpretada por Elizabeth Perkins). E já que citei a personagem de Susan não posso deixar de referir que o fato dela se apaixonar pelo Josh adulto, mesmo quando conhece seus hábitos infantis (ele tem uma cama elástica na sala de estar), é, no mínimo, estranho.
Aliás, o filme cai um pouco em sua segunda metade justamente por tentar dar um toque de comédia romântica. Sim, Tom Hanks e Elizabeth Perkins até possuem uma química um com o outro, mas o interesse dela acaba soando estranho demais, como se fosse um mero requisito do roteiro e não algo verossímil. Assim, o filme comete o seu maior pecado ao optar pelo caminho mais fácil, ao invés de tecer um comentário sobre a forma como desperdiçamos nosso tempo de adulto, se tornando escravos das nossas responsabilidades.
Com uma direção guiada no piloto automático, Penny Marshall tenta ousar um plano mais elaborado apenas uma vez: o momento em que o jovem Josh, desapontado por ser barrado em um brinquedo do parque de diversão pelo seu tamanho, caminha lentamente com a roda gigante ao fundo completando o resto do quadro. Infelizmente, o plano é sabotado pela própria obviedade, o que é uma pena.
Mas mesmo com esses tropeços, Quero Ser Grande se mostra um ótimo filme. Poderia ser ainda melhor, é verdade. Mas Tom Hanks faz por merecer a recomendação para todos que ainda não viram irem correndo assistir... E quem chegar por último é a mulher do padre!
Sociedade dos Poetas Mortos
4.3 2,3K Assista Agora“Carpe Diem. Aproveitem o dia, garotos. Façam suas vidas extraordinárias”.
A frase, citada por Robin Willians em Sociedade dos Poetas Mortos, é uma das mais famosas da história do cinema, e não é à toa. Afinal, atrás de suas palavras simples, esta pequena frase sintetiza uma grande lição que pode ser encontrada nesse belo filme de Peter Weir.
Em um colégio-internato convencional americano, os alunos são ensinados a sempre aceitar à ordem vigente, mas nunca a questioná-la, como se a sua simples existência fosse um dogma absoluto. Isso muda radicalmente quando o professor de literatura John Keating (vivido com brilhantismo pelo saudoso Robin Willians) é admitido na escola. Com seus métodos incomuns, Keating ensina aos seus alunos a ver o mundo por outras perspectivas, a não ter medo de expressar suas opiniões, por mais que elas sejam diferentes do senso comum, e, principalmente, os ensina a refletir sobre o mundo que os cercam. Assim, o professor consegue fascinar um pequeno grupo de alunos com a sua filosofia de vida, incentivando-os indiretamente a (re)criar uma sociedade secreta (a tal Sociedade dos Poetas Mortos).
Assim, é bacana ver como os membros da Sociedade começam a aplicar os ensinamentos do mestre em seu dia a dia, e perceber realmente como as coisas aos poucos vão mudando. Como acontece com o aluno Knox (Josh Charles), que finalmente toma a coragem necessária para declarar sua paixão platônica por uma garota, ou com o jovem Todd (Ethan Hawke) que é excessivamente introvertido, mas que revela possuir um grande espírito artístico entalado em sua garganta. De outra forma, o menino Charle..., digo, Nuwanda (Gale Hansen) acaba se revelando um rebelde e líder-nato, e suas tentativas de fazer terrorismo com o sistema escolar garantem as cenas mais divertidas do filme. Mas é, sem dúvida, o protagonista Neil (Robert Sean Leonard) que tem a jornada mais significativa ao decidir investir na carreira de ator, contrariando drasticamente as expectativas de seus pais, que pretendem que seu filho seja médico (e, o fato do ator Robert Sean Leonard realmente viver um médico anos mais tarde na série House M. D., é algo bastante curioso).
Mas essas boas atuações de nada valeriam se não fosse pela presença de Robin Willians e, confesso, que foi só ao assistir a Sociedade dos Poetas Mortos que eu, enfim, consegui sentir a o peso da perda desse grande ator. Sendo memorável em cada cena, Robin Willians brilha tanto nas cenas mais sérias quanto nas mais extrovertidas (a minha preferida é quando ele imita Don Vito Corleone de O Poderoso Chefão recitando Shakespeare). Com aulas que, mais do que apenas explicar o que está escrito nos livros, instigam os alunos a pensar sobre o que eles leram, o professor mostra como toda aula deveria ser. E eu, admito, teria aprendido bem mais coisas importantes no colégio, se tivesse tido mais professores como ele.
Isso porquê as aulas do professor Keating não se limitam somente ao que está dentro da sala de aula, mas são lições para serem aplicadas na vida concreta, no dia-a-dia, no cotidiano. Lições que não objetivam transformar os garotos em melhores alunos, mas sim em melhores seres humanos.
Pecando apenas em seus minutos finais, ao se estender desnecessariamente após o seu clímax emocional, Sociedade dos Poetas Mortos é muito mais que uma aula de poesia, o filme é uma aula de filosofia e devia ser visto (e, principalmente, pensado) por todos, para que mais pessoas pudessem, simplesmente, aproveitar o dia. Afinal, a pior coisa que pode acontecer ao ser humano é morrer e perceber que não viveu.
Closer: Perto Demais
3.9 3,3K Assista AgoraVamos resumir da seguinte maneira: Natalie Portman ama Jude Law, que seduz Julia Roberts, que ama Clive Owen, que por sua vez ama Julia Roberts também, mas que não perderia a oportunidade de transar com Natalie Portman. Pronto, em uma frase se consegue resumir os 104 minutos de projeção de Closer – Perto Demais, filme dirigido por Mike Nichols. Agora você pode gastar o seu tempo poupado da melhor forma que quiser.
Ok, o filme não é tão ruim assim. Na verdade, o que compensa o tom novelesco da história é a força da atuação dos quatro protagonistas. Começando com o escritor Dan (Jude Law) que consegue nos enganar já na primeira cena onde se comporta como um príncipe do cavalo branco, apenas para agir como um completo cafajeste na cena seguinte e durante todo o resto do filme (apesar de que, uma determinada cena em um escritório médico revele que toda a ausência de moral do seu personagem oculta um ser inseguro e infeliz, sendo portanto digno de pena e não de ódio). Seu contraponto, o médico Larry (Clive Owen) é exatamente o oposto: se em sua primeira cena poderíamos julgá-lo como o típico homem machista e escroto (ele está acessando um site pornográfico), não demora muito para notarmos que ele é um cara bacana, gentil e, sim, emotivo, mostrando que seus instintos sexuais não tem nada a ver com o seu caráter (e afinal, porque deveriam ter?). Quanto às atrizes, Natalie Portman consegue a proeza de encontrar o equilíbrio perfeito entre a doçura e a sensualidade ao encarnar a stripper Alice (e devo ressaltar a minha incompreensão sobre o fato do personagem Jude Law tê-la trocado pela personagem de Julia Roberts, uma vez que Alice se apresenta como uma parceira muito mais madura e interessante do que a sua “rival”). Para finalizar, Julia Roberts vive a fotógrafa Anna que, dos quatro, é a figura menos interessante, passando praticamente todo o filme com um ar depressivo (sua auto-estima baixa aliás, é a única coisa que justifica o fato dela ser o personagem que toma o maior número de decisões estúpidas durante o decorrer da trama).
E, falando em trama, chegou a hora de falar daquilo que mais me incomoda no filme: a história. A verdade é que são tantos encontros, desencontros, troca de casais, mais encontros, desencontros e troca de casais, que ao chegar no terceiro ato você já nem se interessa mais em saber quem vai ficar com quem e torce para que o filme termine logo de uma vez para acabar com esse tormento. O roteiro, aliás, se utiliza de amarras realmente irritantes. Se por um lado é divertido ver o diálogo que ocorre através da internet nos primeiros minutos de projeção, por outro as consequências dessa conversa soam completamente artificiais e manipuladas (Afinal, não tinha como um determinado personagem saber com certeza que tal pessoa estaria em tal lugar e em tal hora). Da mesma forma, os diálogos do filme denunciam a origem teatral do roteiro, além de conter certas “cafonices” como:
-Sempre te amei. Odiaria te magoar.
-Então porque está me magoando?
-Porque sou egoísta.
Blergh.
Com uma direção razoável, o diretor Mike Nichols acerta em manter a fotografia do filme ambígua. O filme é bastante iluminado sim, mas é uma luminosidade fria, quase como que comentando a vida emocional dos protagonistas. Por outro lado, ele não se sai muito bem em retratar as passagens de tempo que sempre soam bruscas e inesperadas, fazendo com que o espectador se sinta perdido várias vezes durante o filme.
Responsável ainda por popularizar a canção “Blower’s Daughter” (que é bela, sim, mas que de tão repetida se tornou irritante), Closer – Perto Demais nada mais é do que uma versão hollywoodiana de alguma novela de Manoel Carlos. E o fato do título do livro do personagem de Jude Law se chamar ‘O Aquário’ vem bem a calhar para designar o filme: Até pode ser bonito de se olhar, mas possui um conteúdo um tanto quanto raso.
Alien: O Oitavo Passageiro
4.1 1,3K Assista AgoraMais que um filme de ficção científica, “Alien – O Oitavo Passageiro” é um grande clássico espacial do gênero terror/suspense, responsável por determinar normas que foram repetidas à exaustão por filmes de ambos os gêneros nas gerações seguintes. E não é à toa, uma vez que, mesmo passados quase 40 anos e mesmo tendo estabelecido diversas situações que com o tempo se tornariam clichês, o filme, até hoje, é nada menos que impressionante.
Inovando em trazer uma heroína forte, e não um herói (talvez sendo um dos primeiros filmes a fazer isso), o longa traz Sigourney Weaver encarnando a Tenente Ellen Ripley com uma impetuosidade e uma dureza que faria muitos homens recuarem. Racional e pragmática, ela sempre busca fazer o que é melhor para missão, jamais deixando que seus sentimentos pelos outros membros da tripulação interfiram em suas escolhas e estabelecendo, assim, a quebra do paradigma do cinema clássico de que “mulheres são sentimentais, homens são racionais”. Outro membro do elenco que também merece destaque é o tripulante Ash, vivido por Ian Holm com brilhantismo ao banhar sua atuação em uma ambiguidade sutilmente dissimulada. E é muito interessante ver como a relação entre Ripley e Ash vai gradualmente se tornando mais áspera, até culminar em um dos grandes momentos do filme.
E se eu falo em “um dos grandes momentos” é porque "Alien – O Oitavo Passageiro" é repleto deles. Desde o belo plano em que os astronautas encontram um gigantesco cadáver alienígena, até a emocionante sequência final que marca pelo seu desespero angustiante e cria a expectativa de saber como Ripley irá se livrar da criatura. Da mesma forma, a primeira vez que vemos o pequeno alien saindo do abdome de um personagem (marca registrada oficial da franquia) impressiona pelo seu realismo. E considerando que o filme é de 1979, o fato da cena funcionar até hoje mostra que efeitos práticos não envelhecem tão facilmente como os efeitos digitais, comprovando assim a sua superioridade em eficácia (basta compará-los com as cenas intercambiáveis no recente "Alien - Covenant).
Com um design de produção brilhante, a nave Nostromo brilha em sua riqueza de detalhes como a tecnologia analógica dos computadores, os longos corredores sujos, as centenas de cabos que cruzam a nave, e as superfícies dos maquinários repletas de graxa. Assim, Nostromo nunca deixa de ser convincente como um cargueiro espacial real, não dando a impressão de ser apenas um mero cenário (erro bastante recorrente com a sua congênere Enterprise na série Star Trek).
Mas como falar de “Alien – O Oitavo Passageiro” sem falar no personagem-título criado pelo diretor Ridley Scott e pelo designer H. R. Giger? Com seus dois metros de altura, mandíbula dupla, sangue de ácido e uma pele que lembra a textura de uma borracha gosmenta, a criatura se tornou, provavelmente, a pior ameaça já criada em filme de terror do sub-gênero monstro até hoje! Sua ferocidade e a sua indestrutibilidade é o grande segredo do sucesso do filme, uma vez que prende o interesse do espectador em saber como (e se) Ripley conseguirá pará-lo, fazendo-nos temer pela vida da protagonista.
Ganhando 3 continuações, 2 crossovers e 2 prequels, a franquia Alien conseguiu se manter viva através dos anos mais pela qualidade do filme original, do que a de seus derivados. E tudo isso garante vida longa nos cinemas à essa máquina de matar. Portanto, preparem-se e comecem a rezar, afinal de contas, do espaço não dá para ouvir o grito de vocês.
Lilo & Stitch
3.9 591 Assista AgoraA Disney durante muitas décadas deteve o monopólio do mercado de animações voltadas para o cinema e, em decorrência disto, são dela os maiores clássicos do gênero, indiscutivelmente. No entanto, esse quadro mudou a partir dos anos 2000, quando outras gigantes se ergueram como a Pixar e a Dreamworks, e o surgimento da animação digital. Assim, a Disney começou a investir cada vez menos em animações tradicionais (erroneamente chamada de “animação 2D”), direcionando-a para histórias menores. É o caso desse Lilo & Stitch.
Se por um lado a historinha encanta os mais jovens, na verdade o filme empalidece bastante se comparado aos seus irmãos mais velhos. A história é singela e tenta ser piegas em alguns momentos, e a qualidade da animação deixa um pouco a desejar para os padrões Disney. Os movimentos dos personagens, por exemplo, acabam sendo fluídos demais, quase como se, naquele mundo, eles não tivessem peso, um retrocesso se você comparar com outras obras do estúdio como Aladdin, O Corcunda de Notre-Dame, e Mulan (cujo pôster faz uma rápida participação em Lilo & Stitch).
Mas há coisas bacanas em Lilo & Stitch, como algumas sacadas de roteiro (o planeta Terra serve para a proliferação dos mosquitos, haja vista que eles são uma espécie em extinção na galáxia), ou mesmo a dinâmica entre os personagens-títulos. Principalmente da menininha Lilo que consegue ser absolutamente encantadora (como na cena em que tenta explicar o porquê de ter se atrasado para a aula de dança), enquanto nos diverte com sua sinceridade ingênua típica das crianças (“Você já matou alguém?”, pergunta ela ao conhecer um assustador assistente social). O alienígena Stitch, por outro lado, não faz nada além de seguir o arco do personagem deslocado que primeiro é visto como ameaça para depois descobrirem que há bondade nele. Clichê? Sim, mas não chega a decepcionar.
Por outro lado, os vilões alienígenas do filme nunca chegam a passar a sensação de ameaça, revelando ser, talvez, o grande deslize do filme. Afinal, não é porque é infantil que os vilões precisam necessariamente ser bobalhões, crianças aguentam situações mais ameaçadoras (cof-cof Jafar, cof-cof Scar, cof-cof Úrsula). Desta forma, o único antagonista de peso na projeção é o personagem do assistente social, e o seu desfecho, de longe, é o mais curioso e interessante dentre os personagens.
Acertando na trilha sonora ao som de Elvis Presley, e na ambientação no Hawaii (o que dá um toque de originalidade ao filme). Lilo & Stitch se revela um passatempo despretensioso. Um filme bom de se assistir na infância, mas que dificilmente consegue se manter na memória afetiva.
Psicopata Americano
3.7 1,9K Assista AgoraNão é fácil escrever sobre um filme complexo como Psicopata Americano. O filme fala de um mundo dominado pelo egoísmo, pela inveja e pela hipocrisia, tudo isso com um tom de fábula grotesca (auxiliado no intento pela narração em off e pelo ponto de vista do personagem principal: o absurdo Patrick Bateman). O mais triste, porém, é que apesar desse tom fabulesco, o mundo retratado pelo filme é semelhante em demasia com o nosso mundo, uma vez que as pessoas são cada vez mais medidas pelo o que elas tem, e não pelo o que elas são.
Mas vamos ao que interessa, Patrick Bateman é o vice-presidente de uma grande empresa, uma pessoa completamente ambiciosa, fútil, cínica, narcisista, competitiva, invejosa e, como o próprio título do filme já indica, com tendências homicidas bastante evidentes. Mas, com um protagonista com tantos defeitos, como o filme consegue sobreviver? A resposta é simples: Christian Bale. Talvez em uma de suas melhores performances, Christian Bale encarna o psicopata de forma absurdamente exagerada, chegando aos limites da caricatura e, assim, deixando bem claro que a pretensão do filme é tecer uma crítica, e não enaltecer o que está sendo mostrado. Algo bastante semelhante ao ótimo trabalho de Leonardo DiCaprio em O Lobo de Wall Street.
No entanto, o pior defeito de Bateman (e justamente o que torna-o tão perigoso) é a necessidade latente de ser admirado pelas outras pessoas como se fosse um deus banhado a ouro. E a frustração decorrente da indiferença alheia é o principal propulsor da sua sede de sangue. Assim, a construção do personagem por parte de Bale é incrivelmente habilidosa, como no momento em que ele hesita quando duas prostitutas se mostram desinteressadas na sua profissão, ou no momento em que quase podemos vê-lo se retorcer internamente enquanto seus colegas de trabalho ficam comparando quem é que tem o melhor cartão de visitas (e a metáfora sexual desta cena é, também, o que a torna tão interessante). Da mesma forma, as cenas de morte do filme são sempre marcantes, não só por serem bastante gráficas, mas também pelo toque “levemente absurdo” em que elas geralmente ocorrem.
Com um protagonista assim, realmente resta pouco espaço para o desenvolvimento dos demais personagens do filme, o que talvez seja o seu único defeito. Willem Dafoe é uma espécie de antagonista do filme, ao passo que encarna um policial que investiga o desaparecimento de uma das vítimas de Bateman (e se Bateman é a representação física do id, o policial poderia muito bem ser entendido como a representação do superego, que tenta reprimir o id. Infelizmente a ideia não é desenvolvida pelo roteiro). Já Chloë Sevigny faz bem a secretária de Bateman e representa um dos únicos vínculos deste com a realidade (e a cena em que os dois protagonizam juntos é fascinante por revelar que, apesar de tudo, ainda há um resquício de humanidade em Bateman). Por fim, o filme também conta com um Jared Leto antes da fama (seu personagem não diz muito a que veio, uma vez que tem pouco tempo de tela, mas vale a menção pela curiosidade).
Entretanto, é bom avisar que talvez o final incomode a quem prefira filmes que possuam um desfecho mais conciso. Pessoalmente aprecio muito a coragem de como o filme se encerra. Afinal, sempre evitando spoilers, é só no final que conseguimos ter noção de até onde vai a insanidade de Bateman. O que de certa forma torna tudo ainda mais perturbador.
Crepúsculo dos Deuses
4.5 794 Assista AgoraPara o verdadeiro cinéfilo, assistir a Crepúsculo dos Deuses é uma experiência fascinante. É como ver um pedaço da história da Sétima Arte ganhando vida através da própria Sétima Arte (no caso, a passagem exponencial do cinema mudo ao cinema sonoro).
Ademais, é interessante notar que, mesmo passado mais de 60 anos, a mensagem do filme continua atual. A ideia de que bons profissionais do cinema acabem sendo esquecidos e desvalorizados apenas por que trabalhavam com tecnologias hoje tidas como ultrapassadas, encontra eco atualmente no desprestígio que as animações em stop motion vem recebendo em frente as animações digitais, por exemplo. Ou, para ser mais coerente com o tema de Crepúsculo dos Deuses, podemos citar o atual ganhador do Oscar: Birdman. Ambos os filmes falam de grandes atores do passado, que acabam sendo esquecidos pela Academia a medida que foram envelhecendo... Algo que infelizmente é muito comum de se acontecer em Hollywood, principalmente se você for mulher (a não ser, é claro, que você se chame Meryl Streep).
Mas divago. Voltando ao filme, Billy Wylder nos presenteia com um show de atuações formidáveis, começando pelo personagem principal Joe, que nos cativa por ser o típico cara simples e boa-praça, mas com problemas financeiros (como não se identificar com ele?). Joe é aquele personagem que várias vezes se sacrifica pelo próximo, muitas vezes esquecendo de seu próprio bem-estar. E é triste o momento em que ele precisa contar uma mentira para alguém, mesmo sabendo quais seriam as consequências desse ato, apenas para evitar que outra personagem fizesse uma besteira. Da mesma forma, a atuação do mordomo Max brilha em seus detalhes sutis, porém reveladores, como a entonação de sua voz que, num primeiro momento aparenta ser profissional, mas que na verdade carrega um tom ressentido. Da mesma forma, o olhar melancólico que ele lança a um casal dançando diz muito sem dizer absolutamente nada.
Mas a verdade é que esse filme jamais seria o mesmo se não fosse por Gloria Swanson. Norma Desmond é a personagem mais fascinante do filme a ponto de ofuscar quase que completamente seus companheiros de elenco. Ela é a alma do filme. Sendo uma ex-atriz do cinema mudo, é engraçado ver suas reações saturadas de over-acting, como se cada momento exigisse um gesto e uma careta específica. Da mesma forma, é diabolicamente divertido vê-la olhando com rancor para um microfone ou se utilizando da pantomima toda vez que quer convencer o personagem Joe a fazer algo, sendo talvez a maior chantagista emocional da história do cinema.
Contando ainda com um trabalho de produção muito bem elaborado, a casa onde se passa a maior parte da projeção acaba se revelando um atrativo a parte. Com a fachada em ruínas e sujeita aos efeitos do tempo, mas por dentro repleta de luxo e - principalmente - de fotos da juventude da atriz, a mansão acaba se revelando como um reflexo da personalidade da sua residente: decadente, egocêntrica e megalomaníaca.
Não obstante, é interessante notar que apesar dos cômodos não terem fechaduras nas portas (o que daria uma falsa sensação de liberdade), a porta da frente da mansão é rodeada de grades como uma prisão, ilustrando com perfeição a situação do personagem Joe.
Possuindo um dos melhores momentos de metalinguagem da história do cinema (com direito a Cecil B. DeMille interpretando... ora, essa! Cecil B. DeMille!!!) Crepúsculo dos Deuses é obrigatório no histórico de qualquer cinéfilo que se preze. Não exatamente por ele ser um grande filme, mas porque aqueles que vieram depois terem se tornado pequenos...
Invencível
3.9 924 Assista Agora"Invencível" tinha tudo para ser um grande filme, mas, infelizmente, acaba por ser sabotado pela inexperiência de sua própria diretora: a mega estrela Angelina Jolie. Com o histórico de apenas 1 filme na carreira, o segundo filme da atriz acaba oscilando de maneira curiosa... não é de forma alguma um filme ruim, mas a minha sensação é que nas mãos de um diretor mais experiente a história poderia ter sido contada de forma muito mais marcante.
Com um primeiro ato que, inexplicavelmente, alterna entre duas linhas temporais diferentes (até porque a partir do segundo ato o filme segue em apenas uma única linha narrativa, sem prejuízo algum para a trama, mostrando que isso poderia ter sido feito desde o início), Angelina já começa estabelecendo as características do personagem principal: sua garra, determinação, e uma grande empatia com seus companheiros de equipe. Aliás, é na composição do personagem de Louis Zamperini que reside a grande força do filme, pois é essencial para que o público se importe com ele e o veja como uma figura heroica (coisa que, de fato, ele é).
O filme também acerta nas questões técnicas como fotografia, design de produção, e efeitos visuais que, se não são soberbas, ao menos são competentes o bastante para a história que se pretende contar (com a única exceção apenas de um efeito visual específico de uma cena envolvendo tempestade em alto mar que transborda chroma key).
Entretanto, o grande problema na direção de Angelina é que a atriz ainda não consegue se desviar de certas besteiras, obviedades e cenas desnecessárias existentes no roteiro, fazendo um filme muito mais longo do que ele poderia ser e com um grande problema de ritmo. Assim, somos obrigados a assistir erros crassos como uma cena em que um personagem diz para outro à quantos dias eles estão à deriva no mar (sendo que a informação já havia sido dada ao espectador poucos minutos antes a partir de um letreiro), ou a cena em que todos os personagens presentes param o que estão fazendo para receberem uma notícia que, até pode ser interessante do ponto de vista histórico, mas que é completamente irrelevante para a história que está sendo contada.
Soma-se a isso a diversas frases clichês de filmes de superação ("Um instante de dor, vale uma vida de glória", ou "ele trocou a vingança pela fé") e realmente se torna espantoso acreditar que este filme foi roteirizado pelos irmãos Coen. De fato, fiquei surpreso ao ler o nome deles nos créditos, pois não há nada nesse filme que lembre os roteiros maravilhosos de Arizona Nunca Mais, Fargo, Queime Depois de Ler e Onde os Fracos Não Tem Vez.
Assim, Invencível é um filme que peca pelos excessos, e pela (insegurança?) de Angelina em não cortar cenas. Não é uma total perda de tempo, é verdade, pois suas qualidades mostram que a novata no ramo tem potencial. Apenas precisa comer mais feijão com arroz...