Para quem tem algum tipo de apego emocional ou sentimento nostálgico com o jogo, o filme não deve ser de todo mal. Aqueles que vão, principalmente, pelo mistério, pelo suspense, pelo terror... bom, hão de se decepcionar, com uma pequeníssima margem de erro.
É estranho ver um elenco bom, com atores jovens que fizeram papéis de sucesso, submetendo-se a um roteiro fraco. Às claras: uma hora e cinquenta de tela para um roteiro que se sustenta com uma reviravolta batidíssima é cansativo. Eu acho que o filme não sabe o que quer ser, pois ele não acaba sendo um terror que dá medo, nem um suspense inteligente, nem um gore... como dito anteriormente, o que ele pode acertar é na reconstrução da atmosfera do jogo, mas basta.
Para não chutar cachorro morto, a atriz que faz a Abby é uma querida, um ponto de alívio.
Infelizmente, eu já tinha adivinhado que o pai da Vanessa era o vilão, mas, não ironicamente, a cena final é notável, em que o pai prova do próprio veneno. Toda vez que aparece uma relação criador-criatura, eu sou, de alguma forma, impactado.
Assim, não pretendo assistir novamente, a não ser que alguém queira muito assistir comigo. É daqueles que passam despercebidos.
P.S. (2ª vez): Toda a sequência do teste da Trinity continua me arrancando arrepios e algumas unhas carcomidas no meio do caminho. A forma que o Nolan constrói a tensão dessa cena - mesmo o público já sabendo que o teste ia ser bem-sucedido porque, bem, cá estamos pós-desastre em larga escala - é perfeitamente executada.
Os olhos do Cillian Murphy são fulminantes, eles perfuram, corroem. É muito nítido o tanto que Cillian se dedicou para ressuscitar Robert Oppenheimer em frente às câmeras.
A discussão implícita (mas que existe, prometo) sobre a genialidade e suas consequências mais imediatas é frutífera; além disso, o roteiro vai bem na jugular quando desvela o ego de Lewis Strauss, que descobre que a vida não gira em torno dele.
Quando a paixão e o sonho falam mais alto do que a mera urgência de produção, a diferença é nítida. Claramente, Amor, Sublime Amor era uma vontade inconteste do Spielberg de fazer a sua própria versão do que pode ter sido uma virada de chave na vida dele. Existem esses clássicos que são capazes de criar uma nova dimensão, uma outra perspectiva de se fazer as coisas. Ainda bem que foi dada ao mestre Spielberg a concessão para a temida revisitação, afinal, ele não é mestre à toa.
West Side Story é o meu segundo musical do coração, só perde para Les Mis. Eu o considero realmente irretocável. A produção de Spielberg retoma o poder da versão inicial com força e muita presença de personalidade própria, sob a guarda de vários aspectos, dentre os quais se destacam o elenco, a direção de arte e, sem surpresa, a trilha sonora.
Eu gosto muito de todo o elenco e amo a Ariana DeBose e o Mike Faist, eles estão fantásticos nos papéis de Anita e Riff, inclusive brilham mais que os protagonistas. A Ariana DeBose é uma força da natureza que vem de fora, vem de dentro, vem de todos os lugares. Ela atinge, perfura e comove - a definição de ameaça tríplice. A cena de “A Boy Like That / I Have a Love” é memorável e acabou comigo, bem como a do bar da Valentina, papel dado em homenagem a Rita Moreno. Rachel e Ansel também estão muito bem como Maria e Tony, respectivamente.
O que me impressiona muito nessa montagem é a vivacidade das cores, da fotografia. Ainda que eu prefira a cena do baile clássica, eu consigo sentir o fervor latino nas lentes do Spielberg e tudo é muito cativante. É saboroso assistir. A construção das gangues também foi muito bem realizada e “Gee, Officer Krupke” é um deleite. Eu gostei bastante das mudanças que foram feitas tanto no enredo quanto na apresentação dos números musicais, faz muito sentido para a história.
A música em West Side Story, mérito de Bernstein, é uma coisa de outro mundo e, unida à coreografia, não há quem escape. Por falar em escapar, segurar as lágrimas no arco dramático final é uma tarefa quase que impossível. Não gosto quando falam que West Side Story é um Romeu e Julieta moderno porque eu acho que o primeiro tem vida própria e fala por si só.
É um filme lindo, emocionante e que, apesar de parecer datado (e fica só na aparência mesmo, pois o Spielberg conseguiu trazer a tecnologia moderna na forma de contar essa história), ainda fala muito ao meu coração.
A violência como válvula de escape de toda uma geração deflagra um cenário tão perturbado, que vem se construindo há tempos, com os tijolos do que se vê em casa, na tevê e nas ruas. As personagens podem ser adolescentes, podem ser projetos de rebeldes sem experiência de vida, mas isso não inibe o fato de que as ações deles têm consequências no mundo real e social. e eles terem de aprender isso a duras penas é uma sacada de gênio.
Enfim, West Side Story é muito mais que um comentário, que uma composição, que um casal protagonista famoso. Só por estarmos falando da obra mais de meio século depois, não é preciso argumentar a favor. Obrigado, Steven, por ter dado seu toque, espero que você tenha noção de como é excelente em tudo o que faz.
Eu quero responder a essa pergunta já justificando a estrela que falta para as cinco estrelas. Eu gostaria muito de ter pensado em um filme assim, mas eu o teria pensado menos explícito. Sim, sou careta, não disfarço. Mas é que a primeiríssima coisa que vem à minha cabeça quando penso em Pobres Criaturas não é a mensagem libertária, nem a belíssima fotografia, nem mesmo o trabalho magnífico de Emma Stone, mas é: sexo, sexo e sexo. E o segundo pensamento é: "caramba, é tão bom, mas não dá para todo mundo ver, né? Eu, por exemplo, não vou assistir com os meus pais". E ainda chega um terceiro de intruso: "por que tanto sexo mesmo?". Bom, isso me desanima um tanto. Não escondo que tais cenas me deixam bem desconfortável (e eu sei todo o sentido que existe por trás delas e, inclusive, a finalidade), mas eu acho que tenho o direito de não gostar. Em vista da minha denúncia puramente pessoal, proveniente do senhor conservador e moralista que coexiste comigo, podemos partir para a obra em si.
Como começar? Fácil: que personagem fantástica é Bella Baxter e como ela é brutal e cirurgicamente interpretada por Emma Stone. Sempre gostei muito do trabalho de Emma, desde os filmes A Grande Mentira, Birdman e, obviamente, quando ela deu seu nome em La La Land. Ela sabe fazer um tipo de humor que me atinge. Em Pobres Criaturas, Emma Stone constrói uma personagem do zero (literalmente) e vai dando vida a ela à medida que ela própria entende o que é a vida e quem ela é. Emma pisa, Emma é queen.
O capítulo inicial em preto e branco é um primor. A casa do Dr. God é tudo o que Bella conhece, que inclui ela própria, o Dr. Godwin, que é uma espécie de Victor Frankenstein moderno submetido também a experimentos, a empregada e o jovem médico Max. Mesmo nesse espaço minúsculo, com quantidade restrita de gente, já dá para ter noção de que é muito pouco para Bella. God é um experimento do seu próprio pai, que o forçou a ser e parecer do jeito que ele queria. Por isso, God sente-se na obrigação de proteger Bella do mundo. Todavia, como cientista, seu lado mais racional e pragmático emite um alerta de como ele tem se envolvido emocionalmente com seu experimento. Daí, surge a questão: quais são os limites da ciência? Mesmo ele tentando executar sua persona blasé, é difícil e é claro que seria, o experimento não é qualquer um, é com uma vida humana!
Fico um pouco triste que a transição dos tons de sépia para o colorido tenha sido com uma cena de sexo - parece que o mundo passou a fazer sentido para Bella apenas quando ela teve seu primeiro orgasmo nato. Sob a ótica do filme, é compreensível, porque o diretor Yorgos Lanthimos, um gênio-louco, escolheu deliberadamente focar em um único aspecto da jornada de descoberta da Bella, que é o prazer sexual. É uma escolha e, quem escolhe, precisa saber lidar com as consequências.
Fazendo já a transição para o capítulo do navio, aproveito para dizer que eu adoro as divisórias dos atos, são super criativas e fofas. Bom, Bella não teve a chance de viver a socialização primária e ela decide cair no mundão com um sujeito muito suspeito. Ela não sabe o que é polidez, porém precisa aprender a viver em um mundo que a obriga a ter. Ela não sabe no que crer ainda, ela não tem suas convicções fundamentadas, mas ela aprende rápido as coisas. Aliás, no começo, eu tinha ficado incomodado com o veloz crescimento e desenvolvimento da protagonista, considerando que ela era um bebê inicialmente, mas eu tinha me esquecido de como crianças são mega inteligentes (valeu, primo, por me lembrar <3).
É muito difícil para Duncan acompanhar a jornada de Bella e, ué, a gente esperaria mesmo o contrário? Eu adoro a sutileza com que ele vai se transformando em uma criança, inclusive nas falas e atitudes, assim como Bella era no início. Ou seja, o crescimento de Bella é inversamente proporcional à maturidade de Duncan. Uma observação: durante a estadia em Lisboa, é muito engraçado ver falas em português, em um filme legendado, com a câmera focada na cara da Emma Stone, deu bug no cérebro.
Vou aproveitar para falar de umas questões técnicas e a primeira, para a surpresa de zero pessoas, é a trilha sonora maravilhosa, algo que sempre tento prestar atenção. Ela é estrategicamente inserida durante toda a narrativa. Tive uma grata surpresa com a aparição de Carminho cantando um fado português, eu amo essa mulher. Outro ponto indiscutivelmente bom é a magnitude da fotografia, que é surreal, é, de fato, perfeita. A forma como a câmera é conduzida me impressionou muito, usando de truques e técnicas, focando no rosto das personagens, botando lente olho de peixe... Yorgos, sua direção é impecável!
Voltando para a história, "nós somos nosso próprio meio de produção" é a melhor frase para o capítulo Bella michê. Passou-me muito uma atmosfera "Lovely Ladies", de Les Misérables. A senhora, dona da casa, é muito excêntrica e me deu medo ao extremo. Ah, e mais uma vez, não preciso repetir, não é? Por que tão explícito, sabe?
Pulando partes porque não dá para narrar tudo, o aprendiz de God é muito fofo, um querido, o qual, por incrível que pareça, continua com sua ingenuidade ao passo que Bella, em um espaço menor de tempo, entende o mundo ao seu redor.
Eu sinto que a parte do "existe alguém contra essa união?" e o que se segue é uma tentativa de não deixar pontas soltas, para ninguém poder dizer "nossa, mas como ninguém reconheceu a Victoria? Marmelada!", até porque temos um indício no barco de que ela era conhecida. Trazer um personagem do nada nos minutos finais do filme me desmotiva um pouco, pelo menos é bom para compor a cena final, já que o marido dela era a própria escória do mundo.
Eu acho que o filme sabe entrelaçar muito bem o humor com a crítica, apesar de eu considerar que chega uma hora em que o mesmo tom de humor durante todo o filme é exaustivo. Mas, bom, se a plateia riu e as falas funcionam... muito que bem! Tocamos no tópico "falas", tocamos, então, no roteiro, que é ótimo. Gosto de como ele provoca reflexões, principalmente sobre vivermos em bolhas, nos restringirmos ao nosso minimundo e achar que todo o resto é igual ao mínimo que conhecemos, além da discussão sobre o mal inerente e o julgamento de quem pode ser "aprimorado" ou não.
É um filme feroz e potente, duas qualidades que combinadas podem ser mortais e são mesmo, mas no melhor dos sentidos. O final é "formidable!", para combinar com o resto do filme. É uma baita jornada e, sem sombra de dúvidas, marcante! Mais graficamente do que reflexivamente, que fique claro.
Eu não tenho tanta experiência pregressa com filmes de tribunal e julgamento - os que conheço não foram extremamente notáveis -, mas, para mim, "Anatomia de uma Queda" eleva essa concepção a outro patamar.
"Anatomia de uma queda" é um título que cai maravilhosamente bem à história. Muito mais do que uma queda puramente mecânica e física, o filme promove a análise da queda emocional em uma situação pós-traumática, a queda da fidelidade de um casal, a queda da confiança, a queda de ideias e conceitos já bem estabelecidos, enfim. Tudo é posto à prova: as relações, as constatações, as presunções, nada foge ao julgamento.
A intenção do filme deliberadamente não é acusar ou inocentar Sandra. Não estamos interessados em saber o que realmente houve e como os fatos sucederam. Tanto para as personagens quanto para o espectador, há um cadáver e uma história desconhecida por trás dele pronta para ser visitada. A trama debruça-se a tentar entender os porquês, os quems, e, quem sabe, os comos.
As atuações são primorosas e sublimes. Sandra Hüller executa uma personagem dúbia com firmeza, uma mãe não convencional, que precisa de válvulas de escape para lidar tanto com suas questões quanto com as do seu marido, o qual protagoniza uma cena de DR fantástica. Swann brilha como o defensor de Sandra e provoca o júri a refletir sobre os limites das suposições e sobre a controversa obviedade que pode acometer os fatos. Milo Machado é um pequeno gigante, que me comoveu durante todo o filme. E, é claro, um destaque para o cachorro Messi, que, evitando spoilers, faz um trabalho animal, com o perdão do trocadilho.
O filme é exatamente o contrário de entediante. Apesar de grande parte dele ser dedicada às plenárias, eu fiquei muito entretido com a introdução dos novos fatos, fui influenciado pelos argumentos das mais variadas pessoas e criei meus próprios questionamentos.
Meu único ponto é: por termos muito acesso às justificativas de inocência da Sandra em seus momentos mais pessoais, eu tive uma certa dificuldade de desconfiar tanto dela. Apesar da briga ser uma reviravolta e tanto, eu não consegui descredibilizar a ideia de que ela era inocente, então, eu senti falta da imparcialidade.
Não tem uma parte sequer do filme que eu não goste ou que considero ser excesso de tela, e eu acho isso um trabalho fenomenal. Gosto muito da conversa entre Daniel e a sua protetora, sobre como precisamos escolher uma versão quando não temos todos os dados necessários à disposição. É uma ótima explicação de como a gente faz de algumas decisões algo tão grandioso, sendo que, na verdade, elas não são tão intrincadas assim, e como também existem aquelas que não há o que fazer senão eleger um lado.
O roteiro é brilhante, não sei se muitas das cenas são plano-sequência, mas continuam memoráveis se não forem, e a ideia, apesar de simples, é extremamente bem executada. Eu amo que o filme não precisa destinar seus dez minutos finais para explicar o que realmente aconteceu, cabe ao espectador decidir sua própŕia versão, tal qual o conselho dado a Daniel.
Não é nem um pouco à toa que Chicago é um dos meus filmes favoritos da vida - e notem: não um dos "filmes musicais favoritos", mas um dos "filmes favoritos da vida", porque eu acredito muito que Chicago veio com força para quebrar o paradigma de que musical não é teatro nem cinema de verdade.
Aliás, é por aí que começo: o que mais me encanta em Chicago é a espécie de androginia cênica que ele tem, é um meio termo entre o teatro musical da Broadway e o cinema, entre o show business e o estúdio cinematográfico, entre o público mais nichado e o mainstream. Não só por sua história atemporal, já que corrupção não tem data de vencimento, mas também pela forma lúdica como ela é contada, todos os públicos podem achar seu lugar ao sol. É claro que, inerentemente, muita gente carrega um preconceito dentro de si em relação ao estilo e à forma dos musicais, porém, só de ter subido no palco do Oscar para receber sua estatueta de Melhor Filme - na minha opinião, completamente merecidíssimo -, comprova-se que essa obra fez história, queiram ou não.
A expressão "razzle dazzle" é bem estadounidense, mas ela se aplica perfeitamente ao filme, afinal, é uma história bem americana. O modo como o diretor decidiu contar essa história é brilhante. Sem grandes estruturas de cenários, sem diversos locais de filmagem, Chicago prova seu valor no próprio palco e, por isso, inicialmente, pode causar um estranhamento, mas é isso que me fascina. Os números musicais são fantásticos porque mesclam o palco com os bastidores, que são os cenários da vida real. Aqui, tudo é muito grandioso, as pequenas vicissitudes se convertem em efeitos pirotécnicos e show de luzes e é lindo. É tudo um grande "razzle dazzle", dá-lhe "razzle dazzle" na cara do público.
Eu considero que este filme seja ótimo para introduzir alguém ao mundo dos musicais. Eu o assisti sem ter visto nada sobre o musical de palco e acho que foi uma excelente experiência. Apesar de a história não ser extremamente intrincada, eu gosto muito
, funciona muito bem. Além disso, o julgamento é outro espetáculo à parte, literalmente.
Aproveitando o ensejo, as atuações são realmente primorosas: Catherine Zeta-Jones faz um trabalho colossal como Velma Kelly e seu número "I Can't Do It Alone" é de cair o queixo; a Roxie de Renée vacila entre a ingenuidade, a sensualidade e a ambição com maestria; o Billy de Richard Gere é um canastrão com muito gosto e sofisticação (destaque, mais uma vez, para seu "overacting" no julgamento e seu sapateado simpático); e, por fim, a Mama de Queen Latifah é danadíssima.
Eu gosto como a fotografia transita entre uma Chicago cinza, com muita fumaça e pólvora, e um teatro com cortinas brilhantes, paetê e muita cor. Por falar nisso, a fotografia é de encher os olhos e tanto a edição quanto a direção de arte entregam um trabalho notável.
O "jazz" é uma personagem à parte na história e eu sinto que as canções de Kander e Ebb tomam vida própria, elas são absolutamente geniais. Não tem quem não espere pelo "All That Jazz" ou pela icônica "Cell Block Tango", ambas também com coreografias deliciosas. A redenção final das protagonistas ao Vaudeville e ao show business também é muito acurada e mostra que o tempo passa, as coisas mudam, mas nem tanto assim.
Depois de conhecer o musical de palco de fato, eu percebi que gostei muito mesmo da adaptação que fizeram para o cinema. Alguns cortes de músicas aqui, outra forma de contar ali, e fez muito sentido para o formato, um grande mérito para a direção.
Bom, deu para perceber que sou muito suspeito para falar qualquer coisa a respeito dessa obra porque sou fã de carteirinha, mas, bem, vamos combinar que é muito fácil querer ver e ver mais uma vez e não parar de ver essa obra-prima! E vamos de "razzle dazzle"!
É muito doido pensar que toda nossa estrutura enquanto gente, ser social, ser humano e cidadã(o) tem as suas bases na grana. Uma construção tão complexa assim sobre algo tão volúvel é um risco e tanto e, obviamente, prevê problemas de diferentes portes em um futuro iminente. Jasmine é mais uma dessas "vítimas" precoces, a mulher-troféu de um homem rico e corrupto que se acha intocável - ou até mesmo inabalável - por possuir longos números na sua conta bancária. Ah, que doce ilusão!
É uma delícia acompanhar as desventuras de Jasmine em seu novo estilo de vida, que, para a maioria esmagadora do mundo, é só o estilo de vida normal. Ao mesmo passo que é delicioso, é revoltante ver como ela não se dobra em circunstâncias que não são nem um pouco favoráveis a ela. A venda em seus olhos é tão bem amarrada que dificilmente cai. Em suma, fica difícil criar empatia por ela.
A história em si não tem grandes reviravoltas. Quem leu a sinopse, vai encontrar exatamente o que esperava: uma dondoca tentando entender a dinâmica da vida comum. E, bom, funciona. Não é completamente memorável, mas não me cansou também.
Agora, o que dizer sobre a Cate Blanchett? Acho que só tenho pensamentos impublicáveis sobre ela, no melhor dos sentidos. Pelo papel de Jasmine, ela ganhou o Oscar de Melhor Atriz. Confesso que não lembro as indicadas nesse ano, mas, sem sombra de dúvidas, ela mereceu. Pelo menos uma estatueta para a conta de Blanchett, já que ela foi injustiçada na edição de 2023 (Tár é o papel de uma vida toda). Bom, voltando para Blue Jasmine, ela sabe fazer papel de louca como ninguém. O desabrochar do estado emocional instável de Jasmine é construído com maestria ao longo de todo o filme e tem seu momento apoteótico nos minutos finais. Além disso, a Cate consegue aproximar a gente da sua personagem no sentido de tentarmos entender como deve ser para essa mulher ter de, por exemplo, aprender a mexer em um computador, algo que já é obrigação nos dias atuais, ou enfrentar um assédio no ambiente de trabalho.
Sua irmã Ginger, magistralmente interpretada por Sally Hawkins, é um ótimo contraponto à personalidade de Jasmine. Ser uma testemunha da relação fraternal que elas possuem, e melhor, como esta foi se fragilizando ao longo do tempo, é muito interessante. A Jasmine é uma daquelas personagens que não se ajudam e que se "descobrem" como "vítimas" de tudo e de todos o tempo todo. Os calos de Ginger precisam vir à tona para que finalmente incomodem Jasmine.
Apesar de a história ser simples, ela prende e as atuações são uma forma de motivação para assistir a Blue Jasmine. Pretendo revisitar a obra para desfrutar da mente brilhante que é o cérebro dessa Cate Blanchett.
Impreterivelmente, preciso começar com um comentário de uma amiga querida, Jéssica (sim, devo creditá-la, pois foi o pensamento mais inspirado que ela já teve). Em 27 de dezembro de 2023, Jéssica sai da sala do Cine Marquise, me fita com olhos fulminantes e desconfiados, respira antes de falar e solta: "Você me trouxe para ver um filme sobre o Gugu americano?". Nunca mais fui o mesmo após essa constatação.
Maestro não é exatamente uma cinebiografia detalhada de Leonard Bernstein. Quando entrei na sala de cinema, eu esperava entender toda a trajetória de quem foi um dos maiores maestros, músicos e compositores de todos os tempos. Em certa medida, isso pode ter me decepcionado, mas, por outro lado, gostei bastante dos lugares para os quais a obra me levou.
Com pura honestidade, Maestro é mais sobre Felicia do que o próprio Bernstein. Na verdade, Maestro é sobre como Bernstein rege sua música, mas, principalmente, a vida das pessoas ao seu redor. Em se tratando das atuações, eu fiquei muito impressionado. O Bernstein de Cooper é um sujeito, inicialmente, muito dócil, carismático e simpático, um jovem musicista tentando entender e ocupar seu lugar nos palcos. A Felicia de Carey Mulligan é, literalmente, um soco no estômago. Minha gente, a testa dela tem vida própria, eu não conseguia piscar, nem mesmo se quisesse, quando o plano era fechado no rosto dela, uma atriz imbuída de expressões fortes e sinceras.
Eu senti que, em algum período do filme, acho que em mais da metade, o ritmo desacelera bastante e depois volta a se recuperar. No momento em que, alerta de spoiler!,
, eu não imaginava que ainda iriam se suceder vários minutos de filme. Mas que bom, que estupendo, porque foi uma das partes favoritas para mim!
Considerando a proposta do filme, eu curto como a passagem de tempo abre sulcos na linha temporal. Mesmo com muitos dos acontecimentos não sendo exatamente retratados, mas apenas apontados, foi super intenso acompanhar juntamente com Felicia a desconstrução da sua força e vigor, com provações de sua feminilidade até o momento da sua morte. Ela tem seu casamento completamente fragilizado, ela se desprende de si para dar espaço ao despertar homossexual de seu marido e, finalmente, é atingida por um câncer de mama. Fiquei muito impactado com e por essa personagem, o quanto ela teve que se renegar por amor e por necessidade. Terá valido a pena?
Depois de Tár, uma obra-prima na minha opinião, tem-se intensificado mais ainda a discussão sobre separação entre autor e obra. Bernstein foi, de fato, um gênio em sua composição, porém, o filme não teme em expor seus lapsos de negligência quanto à família. O espectador não fica totalmente esclarecido quanto aos acordos entre Leonard e Felicia, mas, claramente, não é fácil para nenhum dos dois. Ah, antes que eu esqueça, todas as cenas de regência do maestro são muito memoráveis, em especial a penúltima (aquela que tem mais tempo de tela).
Exceto por um desarranjo no meio do filme em seu ritmo (e por que tanto tempo em preto e branco?), a história e o tempo fluem em Maestro, com atuações cirúrgicas. Não sei se era um dos objetivos da obra, mas terminei com uma dificuldade de continuar o sentimento de empatia pelo maestro que eu desenvolvi no início do filme, pode também ser apenas porque o sofrimento final de Felicia realmente me pegou.
Uma ótima cinebiografia, que não é de fato uma cinebiografia! Não saímos conhecendo toda a jornada profissional do Gugu americano, e sim quem ele foi nos bastidores. Filmaço!
Assisti numa dobradinha de cinema nacional e acabou por ser meu predileto dentre os ambos por um simples motivo: é bom no que se propõe a fazer! Qual é o gênero? Comédia. Faz-me rir? Não precisa nem insistir muito. É fórmula? É. Mas funciona? Sim.
Eu genuinamente considero que as sacadas que o brasileiro tem para rir da sua própria desgraça é o que o diferencia dos outros povos. Minha Irmã e Eu é mais um filme brasileiro a la Paulo Gustavo (aliás, alerta de spoiler, é feita uma pequena homenagem a ele no filme <3) e que funciona muito bem (uai, as pessoas no cinema riram alto), mas talvez não plenamente.
Não sei se sou apenas eu, mas não consigo mais digerir aquelas piadas físicas no estilo Marquito do Programa do Ratinho, isto é, caí-me-machuquei, lutei-com-um-bicho-feroz, esconde-esconde e por aí vai. Acho que já deu o que tinha que dar. Prefiro, sem nem pensar, um bom texto com piadas espertas. Pois bem, este filme digladia-se entre esses dois extremos. Falando em roteiro, existem algumas pontas soltas que acho até estranho para um filme de 1h54min, muito mais longo do que a média do gênero; foi, de fato, uma proeza ter deixado esses buracos.
Olha, eu realmente gostaria de saber se boa parte dos cacos cênicos do filme foram pensados ou são improvisados, porque Tatá é mestra em pensar rápido, isso é uma das coisas que mais admiro nela. Infelizmente, eu acho que aqui ela acaba roubando os holofotes de Ingrid Guimarães, por uma questão natural mesmo, não conscientemente. Talvez por virem de gerações diferentes e que, consequentemente, faziam piadas diferentes em contextos diferentes, as da geração Tatá Werneck me empolgam mais. Bom, pelo menos de uma coisa estamos certos: Tatá e drama não dão química; nesse quesito, fico com Ingrid. Como dupla, elas são ótimas e entregam o esperado! Ingrid é uma boa escada.
De qualquer forma, o filme é mais uma daquelas comédias nacionais já conhecidas pelo grande público. Eu sinto que estamos a ponto de saturar de vez, mas fazer o quê, funciona, leva gente ao cinema (objetivo inicial e final de tudo isso) e, muitas vezes, ainda me encontro rindo das palhaçadas dessas duas, sem querer. Tem algumas partes que eu cortaria sem dó nem piedade - aliás, a pobre da Tatá tendo de subir no boi sendo que não vi graça alguma nessa cena (gastou saúde mental para nada, amiga) e o caubói-ladrão que vem, aparece, some e nada mais acontece.
É um filme sessão da tarde que faz a gente querer assistir e é isso que importa. Ri sem culpa e assistiria novamente, mas não é o melhor dentre os já existentes.
Aqui a overdose de chocolate não implica diabetes, mas felicidade instantânea! Wonka é uma belíssima produção, que mantém a magia e a doçura comuns aos originais de Roald Dahl.
Em primeiro lugar, eu, particularmente, não tenho preconceito com filmes musicais, eu amo, na verdade. Felizmente, Wonka é musical na medida certa para aqueles que não curtem o gênero. As músicas são super envolventes, não há uma colher de sopa extra de rimas frouxas e o diretor segue à risca a receita para um produto bem sucedido.
Timothée Chalamet é um doce à parte. Eu até diria que é aquele sabor final que faltava, a calda no fundo do top sundae, mas a verdade é que o homem rouba toda o sabor. Ele é ótimo, seu Wonka tem o frescor necessário (não apenas pela jovialidade, mas pelo carisma e ingenuidade no ponto certo).
E o que falar dos coadjuvantes? Se eu tivesse a incumbência de escalar um elenco, esse daí seria o elenco dos meus sonhos. A Olivia Colman é uma preciosidade cômica, Sally Hawkins é o amor de mãe, o doce de mãe genial, Hugh Grant é rabugento e engraçado na mesma proporção que chama atenção do espectador e Paterson Joseph é um ótimo vilão. Todos os outros coadjuvantes com menos tempo de tela são proveitosos também e Calah Lane é tão fofa quanto bem resolvida.
Eu gosto como a direção mexe com a nossa criança interior. Seria muito fácil resumir todo o filme em "para crianças". Porém, se nos deixamos levar puramente pela imaginação (perdão o trocadilho, foi inevitável), tudo funciona muito bem, é plenamente delicioso. Além disso, no quesito visual, é um verdadeiro espetáculo. Ok, acabei de lembrar de um ponto que não curti: o fat suit do policial parece piada dos anos 1990 para fazer criança boba rir, bem desnecessário. Percebi nesses últimos tempos que não tenho mais paciência para piada física estilo Chaves. No mais, a história é bem fechadinha e, pelo menos para mim, não deu chabu.
Confesso que pensei inicialmente que esse filme poderia resultar numa dor de barriga generalizada, mas, depois que eu provei desse chocolate, vai ser difícil largar.
Aposto o único vinil do Mamonas que Dinho teria uma piada prontíssima para soltar acerca dessa situação em que nos encontramos pós-película, situação essa com um quê de vergonha alheia. Ouviram esse barulho? É o som dos túmulos mamonístico-assassinos revirando-se. Ah, mas por que tanta dureza? Afinal, bem que dá para compor uma canção sobre isso e arrancar umas boas risadas...
É muito dolorido constatar o fracasso de uma reprodução, ainda mais quando ela é contada por gente que vem da gente, do nosso povo. Ainda mais mesmo quando a reprodução é de uma história de muito sucesso, talvez uma das mais bem sucedidas de todos os tempos. Percebam como eu coloco o "fracasso de uma reprodução" - lembrando que é totalmente enviesado à minha opinião - e não o "fracasso de um filme", porque os números da bilheteria não mentem. Sabe qual é o problema? O marketing. Minto, não é, o problema é eu ainda me iludir com o marketing, aí que mora o perigo. Por onde passo em minha cidade, vejo pôsteres anunciando o filme. Imediatamente, cria-se uma expectativa enorme. Quais as chances de elas serem atingidas? Sabemos que, na maioria das feitas, são baixíssimas. Aqui não é diferente.
Eu acho que existe um problema intrínseco de roteiro. Para falar a verdade, eu não entendi muito bem várias intenções da direção. Primeiramente, existem diversas personagens completamente irrelevantes à trama. Por exemplo, uma insinuação de flerte entre Dinho e a mulher do Rico (que aparece por 6 segundos no filme e, depois, não acontece nada); o foco nos romances e questões bobas provenientes deles; a aparição de muita gente que não contribui para a história, enfim. O roteiro tem buracos profundos e até falas sem sentido. E, para completar, os cortes das cenas... a forma como o filme nos guia de um momento até outro um tanto quanto desconexo me incomoda bastante.
Eu disse que não sei qual é a intenção da obra porque não me parece que é um retrato dedicado da banda Mamonas Assassinas como deveria ser, com os devidos direitos de narração da sua formação, sua ascensão e seu trágico fim. Soa mais como o cotidiano de cinco meninos guarulhenses. Eu sinto que Mamonas merecia ter sua história contada veridicamente e com lapidação. Aliás, pouco se fala sobre o acidente derradeiro (até aí, não vejo problema, mas eu esperava que fosse mais destrinchado) e sobre toda a jornada de sucesso (seria bacana ter a reconstituição de alguma entrevista na tevê ou algo desse tipo, a linha temporal ficou bem perdida). Além disso, a família de Dinho, uma das únicas retratadas, é pouco explorada.
Não quero chutar cachorro morto e, de verdade, o filme não é de todo ruim, seria exagero da minha parte. As performances musicais são de dar água na boca. Ruy Brissac é um talento revelação, traz a alma do Dinho e dos Mamonas para a telona. Os outros, não na mesma medida, encantam também. Todos os atores da banda parecem bem a fim de estarem fazendo seus papéis e isso empolga a audiência, com certeza. Posso afirmar sem dúvidas que o filme tenta trazer a atmosfera nostálgica do final dos anos 1990, mas falha. Mesmo assim, vejo as pessoas saindo da sala de cinema cantarolando as canções, Mamonas foram e são gigantes.
Eu gosto de sair de cinebiografias querendo saber mais sobre as personagens retratadas, entender quem elas foram. Pois bem, saí de Mamonas querendo só ouvir as músicas mesmo para poder me reconstituir. Se tem uma coisa que dá pra dizer é que Mamonas Assassinas: O Filme tem o mesmo espírito de moleque de seus homenageados, em todos os sentidos.
Eu não acredito que comecei a saga Jogos Mortais pelo DÉCIMO filme. Eu não sei se essa marca quantitativa de filmes indica alguma coisa (sucesso evidente ou forçação de barra por parte da produtora?), mas confesso que este me despertou uma vontade genuína de maratonar todos os outros já feitos.
Em primeiro lugar, existe uma atmosfera muito envolvente que engloba John Kramer, é muito interessante como o senso de justiça é levado ao extremo e ao primitivo e ainda mais interessante ver a justiça social sendo exercida por um único agente da sociedade (parece até paradoxal - o social pelas lentes de um único indivíduo).
Um ponto positivo para mim foi a passagem rápida do tempo, algo que pode ser controverso, pois vi muitas pessoas reclamando do ritmo do filme, mas eu até queria mais... Para meu primeiro "jogo mortal", considero que já tenha sido um tanto quanto gráfico e pesado, resumindo, não vejo a hora de repetir a dose.
Eu gosto como as personagens conseguem repetir os mesmíssimos erros, apesar de ter sido comprovado que aquelas atitudes não têm futuro, acho que é um retrato de como nós nunca aprendemos a não insistir no erro. Talvez a personagem Cecilia seja aquela figura já carimbada e conhecida da persona sem escrúpulo algum, mas funciona, aliás, é uma ótima atuação da atriz noruega Synnøve.
Desde sempre, eu curto filmes que destinam seus 15 minutos finais a explicar toda a reviravolta. Não sei se é porque sou um pouco lerdo e demoro a entender o plot twist... o que sei é que curto ser surpreendido pelo roteiro. Obviamente, existe uma linha tênue entre um roteiro com vales e morros super bem costurado e um roteiro sensacionalista que tenta promover uma explicação completamente irreal só para satisfazer seu ego de ser grande no que se propõe a fazer. Eu verdadeiramente não acredito que Jogos Mortais X tenha quisto ser mais do que ele pôde entregar. Embora exista de fato um resquício piegas da "premonição" de Jigsaw sobre o que poderia acontecer, eu considero que seja válido para o escopo da obra, ela incrementa a narrativa, ainda mais por envolver uma criança (completamente inocente) no seu desenrolar.
Não me deslumbro facilmente com as cenas mais iconográficas de sangue, corpos e carne, às vezes acho desperdício de memória da filmadora, mas, aqui, é cabível, seja pelo desconforto, seja pela necessidade de impressionar a audiência para tentar disfarçar uma história que não tem muito mais para onde ir.
Em suma, foi uma experiência diferente e que quero repetir com os mais antigos da saga, mas fica a dúvida se John Kramer ainda terá fôlego para novos filmes.
Chega a ser inacreditável que, em pleno 2023, existem mais pessoas em situação de escravidão do que nos tempos passados sombrios. O que mais me choca é como nós (e digo "nós" porque me refiro à espécie humana e ainda mais "nós" para aqueles que saem da sala de cinema sem um incômodo profundo) temos coragem de tirar a liberdade de uma criança, que é completamente dependente, insustentável por si só.
Logo nos primeiros minutos do longa, são exibidas cenas reais de rapto de crianças, escravidão infantil, tráfico de pessoas e cenas que tornam implícito o abuso sexual de menores. Acho que já é possível perceber que o filme pretende expor com intrepidez a carcaça podre do tráfico de pessoas na atualidade, delineando o tom dramático e urgente da obra. O tema é extremamente necessário e me fez refletir: "como é possível criar um filho nos dias de hoje?", ou ainda, "que tipo de mundo estamos deixando para as próximas gerações?".
Voltando um pouco ao enredo, a fórmula do filme é a conhecida jornada do herói. Tim Ballard é um agente policial que se compromete a se infiltrar na escuridão da pedofilia em busca da filha de um pai (que não me parecia desesperado o suficiente, for the record).
Eu fico profundamente irritado quando a divulgação de um filme é realizada plenamente em cima da expressão "baseado em fatos reais" e, paralelamente, surgem diversas teorias da conspiração de que muita coisa não foi como o retratado. Eu entendo totalmente a inevitabilidade do "contar histórias" cinematográfico, que faz tudo parecer épico e magistral (já que precisa que isso aconteça), mas então, produtoras, NÃO VENDAM o filme com um marketing carregadíssimo sobre inspiração na vida real. Sei lá, muda o nome de todo mundo, não precisa ser necessariamente uma obra verossímil aos acontecimentos. Se uma obra pretende dar honra a quem merece, eu enxergo que não é preciso aumentar os fatos, pois, caso contrário, os feitos da personalidade em questão não são tão louváveis assim. Apesar dos pesares, do fundo do meu coração, não é meu desejo discutir se o que o espectador assistiu casa com a realidade. Em suma: "Não sei, só sei que foi assim".
Após essa digressão, vamos ao que interessa. Preciso enaltecer o trabalho do elenco infantil: o garoto que faz o Ursinho Teddy me pegou de uma tal maneira...; Rocío também é uma grata surpresa. Jim Caviezel exerce muito bem seu papel de herói, ele parece certo para o personagem. A história prende, ficamos torcendo pela equipe de profissionais envolvidos no resgate. Além disso, o encontro dos filhos com o pai é memorável.
Eu não acho que o apelo feito pelo filme (porque ele existe nitidamente) é extra. Ele não sobra. O filme tem sido muito mal interpretado - é claro que ele foca na construção do herói Tim Ballard, mas não é motivo para desmerecer a problemática que ele traz à tona.
É um filme forte, contido (na forma do roteiro) e ao mesmo tempo muito ousado (pelo jeito com que joga o problema, suas consequências e origens na roda) e que, antes de ser mal entendido, merece ser assistido.
Eu fico muito satisfeito quando as produções entendem a psiquê da protagonista e, a partir disso, escalam os atores ideais. Helen Mirren é, mais uma vez, um soco no estômago, ou melhor, no pulmão, vide seus infinitos cigarros acesos em cena. Infelizmente, para mim, não passa muito disso.
Eu assisti ao filme no dia 09/09 e se, hoje, 03/10, alguém me pedir para resumir a história, eu não vou conseguir falar muita coisa que não seja o óbvio e superficial, mas eu vou saber falar sobre a atuação de Mirren. E eu acho que esse é o problema existencial do filme: ele se sustenta majoritariamente (quase completamente) na atuação de Mirren, que é esplêndida, corajosa, íntima e tímida ao mesmo tempo.
Cinebiografias existem aos montes atualmente, não faltam inspirações. Eu não sei se foi o roteiro, eu não sei se foi minha falta de conhecimento prévio sobre o assunto discutido... o que eu sei é que não me prendeu. Eu consigo lembrar de alguns acertos do roteiro, de outros momentos de tensões acolá, mas, em linhas gerais, foi uma aventura insossa.
E eu considero isso tão frustrante, porque o contexto histórico em que a obra se aprofunda (talvez não tanto quanto eu gostaria) é muito interessante e, por vezes, negligenciado ou subjugado. Apesar de ter dito há pouco que tem cinebiografia para dar e vender, eu curto muito o gênero, eu sou da opinião de que é necessário dar honra e reconhecimento a quem é de direito. Falando agora sobre minha completa ignorância em relação ao assunto, o filme não me atiçou conhecer mais sobre a figura de Golda Meir, mesmo eu tendo achado um território super fértil para descobertas estimulantes. Eu sinto genuinamente que não sei mais sobre a Guerra do Yom-Kippur com esse filme.
Tirando todo esse arcabouço negativo que eu construí (propositada ou despropositadamente), assistir ao filme não foi de forma alguma uma tentativa persistente de fazer acontecer a todo tempo. O filme existe, ele é o que é e incita o espectador a assisti-lo até o fim; só que ele acaba, e, não desmerecendo a obra, não é memorável após seu término. Os créditos sobem, a figura real oficial de Golda Meir aparece, enalteço mentalmente o trabalho de atriz de Mirren e desejo que as próximas gerações de atrizes se inspirem em mulheres como ela, penso um pouco sobre como a inclinação humana para a guerra é selvagem/rude/primitiva, e acaba por aí. Não me provoca, não me aflige, não me marca.
Termino com uma pergunta de caráter pessoal (ou não): será que esse gênero já está muito saturado ou eu que não fui cativado pela obra ou então nem toda biografia é bem feita?
Com intrepidez, afirmo: não é cativante, mas a atuação de Mirren é notável. Ah, e claro, ela fuma y fuma.
Não tem como não bater o pé no chão junto aos primeiros acordes de Oh Pretty Woman, de Roy Orbinson. Julia Roberts é, aqui, a própria encarnação da letra da música. E eu pensava que esse filme não daria mais do que um caldo tímido, mas deu uma deliciosa sopa!
Preciso começar dizendo que a química entre Gere e Roberts é inegável e muito aprazível de se ver na telona. Eu acho que me apaixonei pelo casal, pelos olhares que eles trocam entre si, pela forma como eles se relacionam, parece tudo muito genuíno.
Eu gosto que Vivian é uma personagem com suas próprias ideias, que, apesar de reforçar o seu sonho de garota de ter um príncipe ao seu lado, não está disposta a abrir mão de tudo o que conhece e o que ela é pelo outro, ela sabe o seu lugar no mundo e sabe o potencial que ela tem, isso é muito interessante. Richard Gere faz um canastrão como ninguém e Edward é um personagem cativante. Acredito que esse seja o ponto alto da trama: ambos personagens são muito cativantes e funcionam eficientemente como um casal a ser descoberto.
Ao contrário do que alguns podem achar, eu considero que a obra tenha envelhecido como vinho. Os estigmas tratados já em 1990 ainda persistem e os preconceitos enfrentados por Vivian são uma realidade nos dias de hoje e são bem tratados pelo roteiro. Não sou lá muito fã de comédia romântica, mas asseguro que muita coisa é sustentada pelo carisma de Vivian e Edward. Sem rodeios: o roteiro é bom, a história prende, não acho que existam excessos, o texto não têm medo de mostrar a vida como ela de fato é. Isso é muito legal: não há uma romantização extrema do amor. Pelo contrário, tudo começa com uma prostituta procurando uma grana extra, fazendo seu trabalho e não é mais do que isso. Mas o que surge dessa situação inesperada é que é o "turning point", o pulo do gato.
Durante a escrita desse meu comentário, tive vontade imediata de revisitar o filme, lembro que fiquei com um sentimento de quentinho no coração alguns dias após ter assistido e ainda consigo sentir esse quê de afeto, de primeiro amor, de reconciliação. É uma delícia de filme e merece ser assistido. Para quem tem pré-julgamentos com comédia romântica, recomendo se despir deles (e levar junto com eles sua roupa para entrar nessa transa produtiva que é Uma Linda Mulher).
"Pretty woman, walking down the street Vivian Ward the kind I like to meet"
Declaro publicamente meu carinho por Uma Linda Mulher <3
Nos últimos dias, cheguei a uma conclusão peremptória: a música é o que há de mais sensível no ser humano. Não só a música, a arte em geral. Mas a música, em especial, é uma das vertentes mais profundas da vida humana. Pergunte a uma pessoa suas canções favoritas e você saberá muito sobre ela.
O que me encanta nesse documentário é a sensibilidade com que dois gênios, duas figuras completamente avassaladoras, intensas, profundas e sublimes são expostas ao grande público. Não sei se por um resquício de cavalheirismo deixamos o nome Elis antes de Tom (e concordo com a decisão), mas, assim como o documentário, vou começar falando do Tom.
Confesso que a figura de Tom Jobim não é muito íntima nem conhecida minha, mas, sem sombra de dúvidas, foi um deleite conhecer mais sobre o homem que revolucionou a música popular brasileira. Eu acho estranhíssimo que os brasileiros daquela época torciam o nariz para os músicos que iam tentar uma carreira internacional - para mim está claríssimo: lá, no estrangeiro, eles encontravam o prestígio e o reconhecimento que o Brasil os negava, um baita retrato da síndrome de vira-lata da nossa gente. É lindo como para Tom música não precisa ser algo tão intricado, e chega a ser contraditório isso, porque a sonoridade jobiniana é, por natureza, complexa, mas ele fazia parecer fácil, parecer natural. Essa é uma boa constatação: a música, vista pelos óculos tímidos de Tom Jobim, era tão natural quanto respirar.
Depois desse documentário, minha tese de que Elis não é desse mundo ganhou força. Uma artista no sentido melhor e mais vivo da palavra: que vive a arte, que sente o que canta, que dá sentido à sua vida a partir do seu som. Infelizmente, tudo isso foi demais para Elis, e arrisco dizer que o Brasil não estava, não está e não estará preparado para viver sem Elis, não tem como normalizar isso. Os cantos de Élis, como Tom a chamava carinhosamente, ecoam até hoje nas mentes e lábios dos brasileiros. Elis era uma figura forte, com um sorriso arrebatador, que vivia pelo que acreditava, uma mulher na alma e, para o mundo, um ser transcendental.
Eu genuinamente me interesso por processos de criação, fica óbvio, a partir dessa declaração, concluir que um documentário sobre os bastidores da criação de uma obra-prima muito me dá apetite. E, de fato, é verossímil. Um problema, no entanto, é que senti que faltou algo, e eu sei que é muito vago, porque não consigo descrever o quê. Tenho algumas hipóteses: 1) não estou acostumado com o formato documentário, posso ter criado expectativas que me frustraram; 2) o ritmo da obra, para acompanhar a melodia das canções do álbum, é um tanto quanto desacelerado; 3) existem cenas vazias; 4) a forma como foi idealizado não é párea para sua execução.
De qualquer forma, entender como se deu a relação dos dois nos âmbitos profissional e artístico foi delicioso. Só temos de agradecer a Roberto de Oliveira por ter produzido essas pérolas e, ainda mais, por não ter sido egoísta ao ponto de guardá-las só para si.
Elis e Tom, Tom e Elis são filhos do solo da mãe gentil e a arte deles ressoará pelos quatro cantos até o momento que continuarmos nos assegurando de não esquecê-los. Viva a MPB!
Quem vai assistir "O Homem da Máscara de Ferro" esperando uma baita releitura cult da obra de Alexandre Dumas, muito provavelmente vai se decepcionar. Eu, por mim, não estava à espera de uma adaptação fervorosa da obra e, por isso, considero um filme que deve ser visto.
Um dos motivos pelo qual atesto a frase anterior é a possibilidade de ver a carreira de um dos grandes atores de Hollywood tomando forma. Aqui, Leonardo DiCaprio interpreta dois personagens, gêmeos, separados desde a maternidade, completamente diferentes em suas personalidades e em condições de vida diametralmente opostas. Um deles é ninguém mais ninguém menos que Luís XIV, o grande "Rei Sol" da França, conhecido por sua ostentação e por seu autoritarismo. Por outro Lado, Filipe é um jovem renegado pela família, que passa seus dias preso a uma máscara de ferro, em condições insalubres. Observar como DiCaprio dá vida e interpreta cada um dos personagens é constatar que o futuro dele seria brilhante (e olha onde é que ele chegou).
Curti bastante que os três mosqueteiros são mostrados no filme como já "no fim de suas carreiras" e o que os motiva a mudar a situação da França é, mais uma vez, injustiça e abuso de poder, duas fórmulas que não falham. O Athos de John Malkovich é uma pérola, "for the record". D'Artagnam, por sua vez, já é um homem mais resignado, não diria condescendente ao rei, mas fiel a ele, um homem de palavra.
Toda a história, oriunda dos escritos de Dumas, é muito bem fundamentada. Além disso, os caminhos que a trama vai delineando me surpreenderam de fato, porque foram o contrário do que eu estava esperando.
Eu acredito de verdade que o filme não tinha a pretensão de ser uma réplica exata daquela época. Se essa era a intenção, eles pecaram bastante. Não gosto do tom de comicidade que tentaram infligir a Porthos, me soa como uma tentativa mal-sucedida de contornar uma história que por si só é pesada.
É um bom filme, que não deve ser de todo esquecido. Vale a pena ver boas atuações e uma história bem amarrada. Para quem espera um final completamente feliz, não o encontrará. Mudar o mundo, ou no contexto dos mosqueteiros, mudar a França pode não ser uma tarefa tão simples assim...
Eu entendo que é uma história completamente inverossímil, que beira o absurdo, mas eu me senti tão imerso nela quanto os outros convidados da experiência.
E essa é uma boa palavra para falar sobre O Menu. Este filme é uma "experiência" por si só. E, como todo boa experiência, precisa que o espectador esteja disposto a adentrar em sua proposta. Talvez no último quarto do filme eu tenha sentido que o roteiro não sabia mais para onde ir, porque já tinha mostrado muita coisa para nós. Desconto 0,5 estrela por esse sentimento. De resto, eu devo admitir que fui tão surpreendido quanto os convidados.
Falando em convidados, eu ia dizer "que surpresa" que é Anya Taylor-Joy, mas não é surpresa coisa alguma, porque eu já fui esperando que ela fosse arrasar e não é que minha premonição se cumpriu? Fico muito feliz pelos papéis que Anya tem alçado em sua carreira e tenho certeza de que o céu é o limite. Ralph Fiennes está extraordinário como chefe de cozinha, é um homem plenamente perturbado pelo politicamente correto e pelas regras de uma atmosfera desregrada por natureza. O chef Slowik entra em cena com um objetivo inicialmente tímido, mas que revela profundezas abissais do ser humano: expor a incoerência e a hipocrisia da alta sociedade. Hong Chau mostrando que não veio para brincadeira, fico abismado com tanto poder. Janet McTeer também me cativou, confesso.
E (agora sim) eu fui surpreendido quando fui flagrado em algumas das críticas feitas. Quer dar uma olhada no nosso cardápio? Temos bajuladores, críticos que não se satisfazem nem com a perfeição, adúlteros, corruptos, falsos admiradores de arte, a lista é um pouco grande, sabe? O prato do dia é torta de elite desconstruída com uma pitada de "mato a cobra e mostro o pau".
Sei bem que tem muita crítica na crítica, algumas nem tão bem lapidadas, mas funciona, te faz pensar, questionar, indagar - e, no final do dia, é isso que importa. Acredito que por ter ido sem pretensão alguma, os artifícios utilizados pelo diretor e pelo roteiro de fato me provocaram.
Como assim do nada um cozinheiro se mata na sua frente? As tortillas com as fotos é coisa de gente gênia. A corrida/pega-pega talvez tenha fugido um pouco do propósito.
Enfim, cada novo prato gerava uma incerteza, até mesmo um temor. Muito bom!
Sem dúvida alguma, vale a pena ser assistido, nem se for para criticar. Afinal, é esse o propósito do filme: criticar!
Mas não havia dúvida alguma de que precisávamos de Tom Hanks assumindo o papel, de forma exímia (que fique claro), de um velho ranzinza.
Em uma primeira análise, eu acredito que existam duas facetas: é muito mais fácil, rápido, prático julgar Otto como alguém arrogante, insensível, até desumano (coitado) do que entender suas motivações ou então traçar estratégias para mitigar tal comportamento; a segunda faceta é a de que não se justifica falta de empatia ou má educação. Fato é que Otto não se tornou um homem amargurado pelas simples vicissitudes da vida, mas sim por uma hecatombe que o impede de dar sentido à sua existência.
Achei diferente como o tema do suicídio é tratado com uma certa "naturalidade" pelo protagonista e acho que isso exprime muito bem a condição de Otto. Ele não é um homem que enlouqueceu, ou que enfrenta problemas financeiros ou familiares enormes. A falta de amor à vida para ele é consequência imediata da falta do amor da vida dele na vida dele. Após perder a esposa - acontecimento que é citado logo nos primeiros minutos do filme - nada mais faz sentido a Otto.
Hanks é indiscutivelmente mestre na arte de interpretação. Uma gratíssima surpresa foi Mariana Treviño, como Marisol. Que delícia de personagem, terminei o filme querendo ser amigo íntimo dela. O período jovem do casal apresenta atuações gostosas também.
Gosto bastante de como a rotina é um ponto principal na trama. Modéstia à parte, sou fã de rotinas, eu acho que a rotina tem seu ar de graça, tem seu quê de especial. Não me entendam mal: não sou apreciador de metodismos extremos tal qual Otto, mas consigo compreendê-lo em muitos momentos.
Nos finalmentes do filme, me interessei pela discussão de que o luto é um estado extremamente egoísta. É claro que deve ser sentido, mas ele não pode ser vivido, ou melhor dizendo, não deveria ser promovido a condição de existência, porque, quando o fazemos, negligenciamos todos os outros aspectos que nos fazem ser o que somos e as outras pessoas que nos circundam. Quando Otto percebe que sua vida não depende apenas de alguém ou algo, quando ele deixa de condicionar seu propósito ao do outro, chegamos à conclusão de que há muito mais para se viver.
O roteiro é bem amarrado, tem início, meio e fim; algumas intervenções rabugentas de Otto são engraçadas e é fofo sem ser completamente clichê, além de conseguir conferir um tom de contemporaneidade à trama.
Um filme família que dá um quentinho no coração e conta com ótimas atuações!
Seguem, em anexo, os boletos da minha terapia para os idealizadores do filme.
O que a Margot Robbie faz aqui é imersão profunda na personagem. Eu nunca tinha sentido tanto desespero quanto eu senti observando as feições, as expressões faciais, o horror que Margot coloca em sua interpretação de Tonya. É uma história pesadíssima, Tonya é, de fato, uma sobrevivente. Apesar de ter feito suas próprias escolhas (e tento me distanciar um pouco da narrativa sob a perspectiva de Tonya, já que é um tanto quanto parcial), Harding é claramente resultado imediato da família em que foi concebida, como cresceu, onde cresceu e, principalmente, das relações que teve durante a infância/adolescência/juventude.
Uma mãe que deturpa o sentido de ser mãe; um marido lixoso e extremamente abusivo; Tonya, uma bomba-relógio prestes a explodir... Muita coisa não estava a favor e, como já esperado, tinha tudo para dar errado. Ao mesmo tempo, fico pensando como talento não basta. Apesar dos pesares, nada pode ser dito contra o dom genuíno de Harding sob os patins e uma pista de gelo. É arte, é talento, é esporte, mas a imagem conta muito, o que se pretende contar a partir do seu corpo é o que vale.
É dilacerante o fato de que a ela foi negado o direito de exercer a única coisa que ela acreditava saber fazer, porém, é um retrato realista de como o ambiente em que vivemos nos molda e como nossas escolhas podem nos levar a jornadas completamente diferentes do que idealizamos inicialmente.
Allison Janney é pós-doutora em "Interpretação de personagens inescrupulosas", dá muita raiva ver o tipo de in-mãe ou des-mãe que ela interpreta, porque, com certeza, para mim, mãe não é só quem paga as contas e ainda culpa a filha por ser "obrigada" a fazer isso. Sebastian está bem no papel, na medida certa, assim como Paul Walter.
Gosto da quebra da quarta parede e não considero que isso atrapalha a contação da história. Por vários momentos, pensei que o filme ia ser sobre uma história de superação, de alguém que deu a volta por cima, mas, feliz ou infelizmente, é um retrato de como ser suficiente não é suficiente. Um ótimo filme!
Elenco estelar não sustenta roteiro puramente farofa!
De fato, um bom elenco ajuda. Sandra Bullock é extremamente bem resolvida como a escritora solitária e intelectual Loretta, consigo acreditar na ingenuidade da personagem de Tatum, o Radcliffe repete EXATAMENTE o mesmo tipo de vilão de Truque de Mestre 2, mas com certeza era melhor nesse último.
Se era para ser um filme de comédia, eu saí com depressão. Minha nota razoável não tem a ver com expectativas que eu criei e não foram atendidas; eu sabia muito bem o que esperar do filme só pela sinopse. O cerne da questão é que não vi graça; na minha ótica, o roteiro é bem morno. Algumas piadas flertam com o contexto atual (isso sim é uma tentativa de ser engraçado), porém, outros clichês cômicos não atingem seu propósito de vida.
Bizarro como nos momentos da Beth ninguém exprimia UM SINAL de gargalhada, e as piadas da outra assistente não foram acertadas. Enfim, muita coisa para melhorar.
Como passatempo, é digerível e não me causa arrependimentos. Como tempo de qualidade, é totalmente dispensável.
Eu prometo a vocês que tenho três vezes mais medo da cabeça de Ari Aster do que os filmes dele propriamente ditos. O que esse homem deve se drogar de conceitos e ideias é brincadeira, como que pode uma coisa dessas?
Não tem como assistir Midsommar e sair sóbrio logo após a exibição do filme. É perturbador, é visceral (e literalmente visceral, o que não falta é oportunidade para ver de perto e profundamente o humano e o natural), é medonho, bizarro, esquisito, mas interessante, instigador, e é aí que mora o perigo. Não era para eu querer saber mais sobre essa seita maluca, mas é uma vibe "she's so crazy I love her" que o Aster sabe fazer muito bem. Você sabe que é errado estar "curtindo" aquilo, você sabe que tem muita coisa que não está certa, mas você quer estar e ser aquela coisa.
Florence Pugh, você elevou o filme a OUTRO nível. Sim, me dirijo diretamente a você porque eu preciso falar sobre o efeito que você causou em mim e nos espectadores. Mulher, que desespero que me dá te ver existindo. Você é força da natureza também, é orgânica com o roteiro e com o ambiente, traz, no mesmo compasso, dor e misticismo nos seus olhos, entrega/afeto e ansiedade, paixão e patologia. Que delícia ver Pugh atuando, é um deleite.
Ao final do filme, eu dei graças que não achei cansativo. Eu estava querendo começar a sentir que seria um porre ter de ficar conhecendo todos os rituais litúrgicos da comunidade, mas não, ainda bem que não. Eu tinha mesmo era vontade de querer saber mais, me instigava, isso é bom, isso é ótimo. Não foi cansativo, pelo contrário, mas convenhamos que não existe um aprofundamento no que tange a críticas sociais ou papos-cabeça; meio que o filme existe para provocar o espectador DURANTE a sessão, não após ela (a não ser pelos futuros pesadelos que, certamente, terei nos próximos dias). Quando eu digo provocar, é provocar a reflexão, porque sim, o filme provoca muito desconforto, mas filosofia não é o forte dele. E quem sou eu pra julgar? Me entretive por completo durante as quase duas horas e meia e não senti falta de algo mais.
Chegamos à conclusão de que Ari Aster é um completo perturbado e que ele não pode parar de rodar filmes, porque eu quero ser perturbado junto com ele. UH-HA (lê-se: barulho que aqueles loucos faziam, que desespero, o Ari tem uma coisa com sons da boca, não é? Maluco.)
Sei lá, os primeiros 45 minutos do filme me pareceram muito arrastados. Pra falar a verdade, eu achei que todo o filme estava em velocidade reduzida, não parecia certo o ritmo, não sei, isso me incomodou bastante.
Em contrapartida, os 45 minutos finais são insanos. Consigo notar que Keke Palmer deu tudo de si e, até certo ponto, concordo plenamente, ela entrega uma ótima atuação. Amei conhecer o lado blasé do Kaluuya, ele sabe fazê-lo com maestria. Não acho que o paralelo com o macaco Gordy tenha sido bem estabelecido. Pelo contrário, no meu ponto de vista, o diretor quis introduzir um conceito de natureza da pá virada, mas o próprio conceito se perdeu um pouco no caos.
Se não fosse muito arrastado para o meu gosto, com certeza essa nota teria sido maior. É um bom filme, não diria memorável, mas podia ser mais, tinha potencial para isso. Há cenas fabulosas, tiro meu chapéu. A ideia (vamos lá, a ideia, não a execução) é bem dotada, tem de fato um caldo delicioso para fazer, só que não espremeram direito. Ah, gosto da fotografia e da tentativa de paralelo com Hollywood.
Talvez eu assistiria de novo, mas alerto para o perigo de colocar expectativas grandes, é mais um filme ao estilo Jordan Peele (e isso é elogio, caso alguém esteja confuso), só não é o melhor dele.
É uma questão de tempo. A explosão de uma bomba é uma questão de tempo. Dada a largada na contagem regressiva, basta esperar que o esperado aconteça: destruição, expansão, demonstração de poder e grandeza e gigantismo. 3 horas de filme não é uma questão de tempo, é uma questão de necessidade. O que é uma questão de tempo é que essa obra de Nolan se torne referência para as futuras produções cinematográficas.
"Oppenheimer" é uma explosão, não há muitas formas de contra-argumentar. Gostaria de iniciar falando que, para minha primeira experiência IMAX, foi o filme certo, não poderia ser melhor. Nolan foi meticulosamente exato quando, no momento da explosão, deixou que restasse apenas o silêncio, para que, por conseguinte, viesse o estrondo, o som de terror. Eu acho que "Oppenheimer" resume toda a história por trás de si exatamente assim: primeiro, explode; depois, a gente ouve as consequências.
Cillian Murphy é uma força da natureza como Robert Oppenheimer. No meu imaginário, o verdadeiro Robert Oppenheimer não é o correto, e sim Cillian, ele é, de fato, a encarnação do homem meio gênio meio louco (mas mais gênio do que mais louco), do homem da Idade Contemporânea perturbado pelo avanço e, ao mesmo tempo, preconizador de mudanças drásticas, do cientista contaminado por filosofias que, por vezes, vão de encontro à sua teoria, da humanidade não preparada para uma bomba atômica e o poderio que ela representa.
Eu não esperava por atuações tão acertadas, todos, eu digo todos, sem exceção, brilham em seus papéis. Downey Jr. vira mestre, Emily Blunt torna-se poetisa da dor, Pugh metamorfosea-se em encarnação da teoria, Damon converte-se em líder inseguro, Affleck baila com o patriotismo estadounidense... o elenco decide contar uma história bem contada, com o drama que ela precisa conter, mas com o realismo pungente de uma narrativa que tem como desfecho mais de 200 mil japoneses mortos e um homem dado por gol contra.
Toda a ambientação é bem construída. Esgueirar pelos corredores do círculo acadêmico me eleva ao mesmo nível dos físicos daquela época e me faz, despretensiosamente (ou não), querer que a bomba dê certo, que ela arrase com tudo o que deve arrasar. Não vou aqui falar sobre os furos de roteiro quanto à veracidade dos fatos, porque não acho que o filme se propõe a ser uma cópia realista da História, mas tudo é muito visceral (graças às atuações, obviamente).
Eu só não esperava que o julgamento fosse se tornar o filme nos últimos 30 minutos, mas acho que consigo lidar bem com isso. Como muitos têm dito por aí, "Oppenheimer" é a ópera atômica de Nolan e, como uma boa ópera, já nasceu clássica, classuda e provocativa.
Obrigado, Nolan, pelo elenco, pelos efeitos especiais, por me fazer entrar na cabeça de Oppenheimer, por me injetar uma dose altíssima de orgulho americano e "american way of life", mas por me colocar contra a parede por estar torcendo pela morte de milhares de ingênuos. Afinal, a bomba atômica é uma conquista da ciência ou um retrocesso? Que a dúvida nunca deixe de pairar no ar. Oppenheimer, o filme, com certeza não fará com que isso aconteça. Uma obra-prima.
Five Nights At Freddy's: O Pesadelo Sem Fim
2.5 289 Assista AgoraPara quem tem algum tipo de apego emocional ou sentimento nostálgico com o jogo, o filme não deve ser de todo mal. Aqueles que vão, principalmente, pelo mistério, pelo suspense, pelo terror... bom, hão de se decepcionar, com uma pequeníssima margem de erro.
É estranho ver um elenco bom, com atores jovens que fizeram papéis de sucesso, submetendo-se a um roteiro fraco. Às claras: uma hora e cinquenta de tela para um roteiro que se sustenta com uma reviravolta batidíssima é cansativo. Eu acho que o filme não sabe o que quer ser, pois ele não acaba sendo um terror que dá medo, nem um suspense inteligente, nem um gore... como dito anteriormente, o que ele pode acertar é na reconstrução da atmosfera do jogo, mas basta.
Para não chutar cachorro morto, a atriz que faz a Abby é uma querida, um ponto de alívio.
Infelizmente, eu já tinha adivinhado que o pai da Vanessa era o vilão, mas, não ironicamente, a cena final é notável, em que o pai prova do próprio veneno. Toda vez que aparece uma relação criador-criatura, eu sou, de alguma forma, impactado.
Assim, não pretendo assistir novamente, a não ser que alguém queira muito assistir comigo. É daqueles que passam despercebidos.
Oppenheimer
4.0 1,1KP.S. (2ª vez): Toda a sequência do teste da Trinity continua me arrancando arrepios e algumas unhas carcomidas no meio do caminho. A forma que o Nolan constrói a tensão dessa cena - mesmo o público já sabendo que o teste ia ser bem-sucedido porque, bem, cá estamos pós-desastre em larga escala - é perfeitamente executada.
Os olhos do Cillian Murphy são fulminantes, eles perfuram, corroem. É muito nítido o tanto que Cillian se dedicou para ressuscitar Robert Oppenheimer em frente às câmeras.
A discussão implícita (mas que existe, prometo) sobre a genialidade e suas consequências mais imediatas é frutífera; além disso, o roteiro vai bem na jugular quando desvela o ego de Lewis Strauss, que descobre que a vida não gira em torno dele.
Amor, Sublime Amor
3.4 355 Assista AgoraQuando a paixão e o sonho falam mais alto do que a mera urgência de produção, a diferença é nítida. Claramente, Amor, Sublime Amor era uma vontade inconteste do Spielberg de fazer a sua própria versão do que pode ter sido uma virada de chave na vida dele. Existem esses clássicos que são capazes de criar uma nova dimensão, uma outra perspectiva de se fazer as coisas. Ainda bem que foi dada ao mestre Spielberg a concessão para a temida revisitação, afinal, ele não é mestre à toa.
West Side Story é o meu segundo musical do coração, só perde para Les Mis. Eu o considero realmente irretocável. A produção de Spielberg retoma o poder da versão inicial com força e muita presença de personalidade própria, sob a guarda de vários aspectos, dentre os quais se destacam o elenco, a direção de arte e, sem surpresa, a trilha sonora.
Eu gosto muito de todo o elenco e amo a Ariana DeBose e o Mike Faist, eles estão fantásticos nos papéis de Anita e Riff, inclusive brilham mais que os protagonistas. A Ariana DeBose é uma força da natureza que vem de fora, vem de dentro, vem de todos os lugares. Ela atinge, perfura e comove - a definição de ameaça tríplice. A cena de “A Boy Like That / I Have a Love” é memorável e acabou comigo, bem como a do bar da Valentina, papel dado em homenagem a Rita Moreno. Rachel e Ansel também estão muito bem como Maria e Tony, respectivamente.
O que me impressiona muito nessa montagem é a vivacidade das cores, da fotografia. Ainda que eu prefira a cena do baile clássica, eu consigo sentir o fervor latino nas lentes do Spielberg e tudo é muito cativante. É saboroso assistir. A construção das gangues também foi muito bem realizada e “Gee, Officer Krupke” é um deleite. Eu gostei bastante das mudanças que foram feitas tanto no enredo quanto na apresentação dos números musicais, faz muito sentido para a história.
A música em West Side Story, mérito de Bernstein, é uma coisa de outro mundo e, unida à coreografia, não há quem escape. Por falar em escapar, segurar as lágrimas no arco dramático final é uma tarefa quase que impossível. Não gosto quando falam que West Side Story é um Romeu e Julieta moderno porque eu acho que o primeiro tem vida própria e fala por si só.
É um filme lindo, emocionante e que, apesar de parecer datado (e fica só na aparência mesmo, pois o Spielberg conseguiu trazer a tecnologia moderna na forma de contar essa história), ainda fala muito ao meu coração.
A violência como válvula de escape de toda uma geração deflagra um cenário tão perturbado, que vem se construindo há tempos, com os tijolos do que se vê em casa, na tevê e nas ruas. As personagens podem ser adolescentes, podem ser projetos de rebeldes sem experiência de vida, mas isso não inibe o fato de que as ações deles têm consequências no mundo real e social. e eles terem de aprender isso a duras penas é uma sacada de gênio.
Enfim, West Side Story é muito mais que um comentário, que uma composição, que um casal protagonista famoso. Só por estarmos falando da obra mais de meio século depois, não é preciso argumentar a favor. Obrigado, Steven, por ter dado seu toque, espero que você tenha noção de como é excelente em tudo o que faz.
Pobres Criaturas
4.2 1,1K Assista AgoraImagina pensar em um filme assim?
Eu quero responder a essa pergunta já justificando a estrela que falta para as cinco estrelas. Eu gostaria muito de ter pensado em um filme assim, mas eu o teria pensado menos explícito. Sim, sou careta, não disfarço. Mas é que a primeiríssima coisa que vem à minha cabeça quando penso em Pobres Criaturas não é a mensagem libertária, nem a belíssima fotografia, nem mesmo o trabalho magnífico de Emma Stone, mas é: sexo, sexo e sexo. E o segundo pensamento é: "caramba, é tão bom, mas não dá para todo mundo ver, né? Eu, por exemplo, não vou assistir com os meus pais". E ainda chega um terceiro de intruso: "por que tanto sexo mesmo?". Bom, isso me desanima um tanto. Não escondo que tais cenas me deixam bem desconfortável (e eu sei todo o sentido que existe por trás delas e, inclusive, a finalidade), mas eu acho que tenho o direito de não gostar. Em vista da minha denúncia puramente pessoal, proveniente do senhor conservador e moralista que coexiste comigo, podemos partir para a obra em si.
Como começar? Fácil: que personagem fantástica é Bella Baxter e como ela é brutal e cirurgicamente interpretada por Emma Stone. Sempre gostei muito do trabalho de Emma, desde os filmes A Grande Mentira, Birdman e, obviamente, quando ela deu seu nome em La La Land. Ela sabe fazer um tipo de humor que me atinge. Em Pobres Criaturas, Emma Stone constrói uma personagem do zero (literalmente) e vai dando vida a ela à medida que ela própria entende o que é a vida e quem ela é. Emma pisa, Emma é queen.
O capítulo inicial em preto e branco é um primor. A casa do Dr. God é tudo o que Bella conhece, que inclui ela própria, o Dr. Godwin, que é uma espécie de Victor Frankenstein moderno submetido também a experimentos, a empregada e o jovem médico Max. Mesmo nesse espaço minúsculo, com quantidade restrita de gente, já dá para ter noção de que é muito pouco para Bella. God é um experimento do seu próprio pai, que o forçou a ser e parecer do jeito que ele queria. Por isso, God sente-se na obrigação de proteger Bella do mundo. Todavia, como cientista, seu lado mais racional e pragmático emite um alerta de como ele tem se envolvido emocionalmente com seu experimento. Daí, surge a questão: quais são os limites da ciência? Mesmo ele tentando executar sua persona blasé, é difícil e é claro que seria, o experimento não é qualquer um, é com uma vida humana!
Fico um pouco triste que a transição dos tons de sépia para o colorido tenha sido com uma cena de sexo - parece que o mundo passou a fazer sentido para Bella apenas quando ela teve seu primeiro orgasmo nato. Sob a ótica do filme, é compreensível, porque o diretor Yorgos Lanthimos, um gênio-louco, escolheu deliberadamente focar em um único aspecto da jornada de descoberta da Bella, que é o prazer sexual. É uma escolha e, quem escolhe, precisa saber lidar com as consequências.
Fazendo já a transição para o capítulo do navio, aproveito para dizer que eu adoro as divisórias dos atos, são super criativas e fofas. Bom, Bella não teve a chance de viver a socialização primária e ela decide cair no mundão com um sujeito muito suspeito. Ela não sabe o que é polidez, porém precisa aprender a viver em um mundo que a obriga a ter. Ela não sabe no que crer ainda, ela não tem suas convicções fundamentadas, mas ela aprende rápido as coisas. Aliás, no começo, eu tinha ficado incomodado com o veloz crescimento e desenvolvimento da protagonista, considerando que ela era um bebê inicialmente, mas eu tinha me esquecido de como crianças são mega inteligentes (valeu, primo, por me lembrar <3).
É muito difícil para Duncan acompanhar a jornada de Bella e, ué, a gente esperaria mesmo o contrário? Eu adoro a sutileza com que ele vai se transformando em uma criança, inclusive nas falas e atitudes, assim como Bella era no início. Ou seja, o crescimento de Bella é inversamente proporcional à maturidade de Duncan. Uma observação: durante a estadia em Lisboa, é muito engraçado ver falas em português, em um filme legendado, com a câmera focada na cara da Emma Stone, deu bug no cérebro.
Vou aproveitar para falar de umas questões técnicas e a primeira, para a surpresa de zero pessoas, é a trilha sonora maravilhosa, algo que sempre tento prestar atenção. Ela é estrategicamente inserida durante toda a narrativa. Tive uma grata surpresa com a aparição de Carminho cantando um fado português, eu amo essa mulher. Outro ponto indiscutivelmente bom é a magnitude da fotografia, que é surreal, é, de fato, perfeita. A forma como a câmera é conduzida me impressionou muito, usando de truques e técnicas, focando no rosto das personagens, botando lente olho de peixe... Yorgos, sua direção é impecável!
Voltando para a história, "nós somos nosso próprio meio de produção" é a melhor frase para o capítulo Bella michê. Passou-me muito uma atmosfera "Lovely Ladies", de Les Misérables. A senhora, dona da casa, é muito excêntrica e me deu medo ao extremo. Ah, e mais uma vez, não preciso repetir, não é? Por que tão explícito, sabe?
Pulando partes porque não dá para narrar tudo, o aprendiz de God é muito fofo, um querido, o qual, por incrível que pareça, continua com sua ingenuidade ao passo que Bella, em um espaço menor de tempo, entende o mundo ao seu redor.
Eu sinto que a parte do "existe alguém contra essa união?" e o que se segue é uma tentativa de não deixar pontas soltas, para ninguém poder dizer "nossa, mas como ninguém reconheceu a Victoria? Marmelada!", até porque temos um indício no barco de que ela era conhecida. Trazer um personagem do nada nos minutos finais do filme me desmotiva um pouco, pelo menos é bom para compor a cena final, já que o marido dela era a própria escória do mundo.
Eu acho que o filme sabe entrelaçar muito bem o humor com a crítica, apesar de eu considerar que chega uma hora em que o mesmo tom de humor durante todo o filme é exaustivo. Mas, bom, se a plateia riu e as falas funcionam... muito que bem! Tocamos no tópico "falas", tocamos, então, no roteiro, que é ótimo. Gosto de como ele provoca reflexões, principalmente sobre vivermos em bolhas, nos restringirmos ao nosso minimundo e achar que todo o resto é igual ao mínimo que conhecemos, além da discussão sobre o mal inerente e o julgamento de quem pode ser "aprimorado" ou não.
É um filme feroz e potente, duas qualidades que combinadas podem ser mortais e são mesmo, mas no melhor dos sentidos. O final é "formidable!", para combinar com o resto do filme. É uma baita jornada e, sem sombra de dúvidas, marcante! Mais graficamente do que reflexivamente, que fique claro.
Anatomia de uma Queda
4.0 796 Assista AgoraEu não tenho tanta experiência pregressa com filmes de tribunal e julgamento - os que conheço não foram extremamente notáveis -, mas, para mim, "Anatomia de uma Queda" eleva essa concepção a outro patamar.
"Anatomia de uma queda" é um título que cai maravilhosamente bem à história. Muito mais do que uma queda puramente mecânica e física, o filme promove a análise da queda emocional em uma situação pós-traumática, a queda da fidelidade de um casal, a queda da confiança, a queda de ideias e conceitos já bem estabelecidos, enfim. Tudo é posto à prova: as relações, as constatações, as presunções, nada foge ao julgamento.
A intenção do filme deliberadamente não é acusar ou inocentar Sandra. Não estamos interessados em saber o que realmente houve e como os fatos sucederam. Tanto para as personagens quanto para o espectador, há um cadáver e uma história desconhecida por trás dele pronta para ser visitada. A trama debruça-se a tentar entender os porquês, os quems, e, quem sabe, os comos.
As atuações são primorosas e sublimes. Sandra Hüller executa uma personagem dúbia com firmeza, uma mãe não convencional, que precisa de válvulas de escape para lidar tanto com suas questões quanto com as do seu marido, o qual protagoniza uma cena de DR fantástica. Swann brilha como o defensor de Sandra e provoca o júri a refletir sobre os limites das suposições e sobre a controversa obviedade que pode acometer os fatos. Milo Machado é um pequeno gigante, que me comoveu durante todo o filme. E, é claro, um destaque para o cachorro Messi, que, evitando spoilers, faz um trabalho animal, com o perdão do trocadilho.
O filme é exatamente o contrário de entediante. Apesar de grande parte dele ser dedicada às plenárias, eu fiquei muito entretido com a introdução dos novos fatos, fui influenciado pelos argumentos das mais variadas pessoas e criei meus próprios questionamentos.
Meu único ponto é: por termos muito acesso às justificativas de inocência da Sandra em seus momentos mais pessoais, eu tive uma certa dificuldade de desconfiar tanto dela. Apesar da briga ser uma reviravolta e tanto, eu não consegui descredibilizar a ideia de que ela era inocente, então, eu senti falta da imparcialidade.
Não tem uma parte sequer do filme que eu não goste ou que considero ser excesso de tela, e eu acho isso um trabalho fenomenal. Gosto muito da conversa entre Daniel e a sua protetora, sobre como precisamos escolher uma versão quando não temos todos os dados necessários à disposição. É uma ótima explicação de como a gente faz de algumas decisões algo tão grandioso, sendo que, na verdade, elas não são tão intrincadas assim, e como também existem aquelas que não há o que fazer senão eleger um lado.
O roteiro é brilhante, não sei se muitas das cenas são plano-sequência, mas continuam memoráveis se não forem, e a ideia, apesar de simples, é extremamente bem executada. Eu amo que o filme não precisa destinar seus dez minutos finais para explicar o que realmente aconteceu, cabe ao espectador decidir sua própŕia versão, tal qual o conselho dado a Daniel.
Chicago
4.0 996Não é nem um pouco à toa que Chicago é um dos meus filmes favoritos da vida - e notem: não um dos "filmes musicais favoritos", mas um dos "filmes favoritos da vida", porque eu acredito muito que Chicago veio com força para quebrar o paradigma de que musical não é teatro nem cinema de verdade.
Aliás, é por aí que começo: o que mais me encanta em Chicago é a espécie de androginia cênica que ele tem, é um meio termo entre o teatro musical da Broadway e o cinema, entre o show business e o estúdio cinematográfico, entre o público mais nichado e o mainstream. Não só por sua história atemporal, já que corrupção não tem data de vencimento, mas também pela forma lúdica como ela é contada, todos os públicos podem achar seu lugar ao sol. É claro que, inerentemente, muita gente carrega um preconceito dentro de si em relação ao estilo e à forma dos musicais, porém, só de ter subido no palco do Oscar para receber sua estatueta de Melhor Filme - na minha opinião, completamente merecidíssimo -, comprova-se que essa obra fez história, queiram ou não.
A expressão "razzle dazzle" é bem estadounidense, mas ela se aplica perfeitamente ao filme, afinal, é uma história bem americana. O modo como o diretor decidiu contar essa história é brilhante. Sem grandes estruturas de cenários, sem diversos locais de filmagem, Chicago prova seu valor no próprio palco e, por isso, inicialmente, pode causar um estranhamento, mas é isso que me fascina. Os números musicais são fantásticos porque mesclam o palco com os bastidores, que são os cenários da vida real. Aqui, tudo é muito grandioso, as pequenas vicissitudes se convertem em efeitos pirotécnicos e show de luzes e é lindo. É tudo um grande "razzle dazzle", dá-lhe "razzle dazzle" na cara do público.
Eu considero que este filme seja ótimo para introduzir alguém ao mundo dos musicais. Eu o assisti sem ter visto nada sobre o musical de palco e acho que foi uma excelente experiência. Apesar de a história não ser extremamente intrincada, eu gosto muito
(spoiler!) da reviravolta da Roxie grávida
Aproveitando o ensejo, as atuações são realmente primorosas: Catherine Zeta-Jones faz um trabalho colossal como Velma Kelly e seu número "I Can't Do It Alone" é de cair o queixo; a Roxie de Renée vacila entre a ingenuidade, a sensualidade e a ambição com maestria; o Billy de Richard Gere é um canastrão com muito gosto e sofisticação (destaque, mais uma vez, para seu "overacting" no julgamento e seu sapateado simpático); e, por fim, a Mama de Queen Latifah é danadíssima.
Eu gosto como a fotografia transita entre uma Chicago cinza, com muita fumaça e pólvora, e um teatro com cortinas brilhantes, paetê e muita cor. Por falar nisso, a fotografia é de encher os olhos e tanto a edição quanto a direção de arte entregam um trabalho notável.
O "jazz" é uma personagem à parte na história e eu sinto que as canções de Kander e Ebb tomam vida própria, elas são absolutamente geniais. Não tem quem não espere pelo "All That Jazz" ou pela icônica "Cell Block Tango", ambas também com coreografias deliciosas. A redenção final das protagonistas ao Vaudeville e ao show business também é muito acurada e mostra que o tempo passa, as coisas mudam, mas nem tanto assim.
Depois de conhecer o musical de palco de fato, eu percebi que gostei muito mesmo da adaptação que fizeram para o cinema. Alguns cortes de músicas aqui, outra forma de contar ali, e fez muito sentido para o formato, um grande mérito para a direção.
Bom, deu para perceber que sou muito suspeito para falar qualquer coisa a respeito dessa obra porque sou fã de carteirinha, mas, bem, vamos combinar que é muito fácil querer ver e ver mais uma vez e não parar de ver essa obra-prima! E vamos de "razzle dazzle"!
Blue Jasmine
3.7 1,7K Assista AgoraÉ muito doido pensar que toda nossa estrutura enquanto gente, ser social, ser humano e cidadã(o) tem as suas bases na grana. Uma construção tão complexa assim sobre algo tão volúvel é um risco e tanto e, obviamente, prevê problemas de diferentes portes em um futuro iminente. Jasmine é mais uma dessas "vítimas" precoces, a mulher-troféu de um homem rico e corrupto que se acha intocável - ou até mesmo inabalável - por possuir longos números na sua conta bancária. Ah, que doce ilusão!
É uma delícia acompanhar as desventuras de Jasmine em seu novo estilo de vida, que, para a maioria esmagadora do mundo, é só o estilo de vida normal. Ao mesmo passo que é delicioso, é revoltante ver como ela não se dobra em circunstâncias que não são nem um pouco favoráveis a ela. A venda em seus olhos é tão bem amarrada que dificilmente cai. Em suma, fica difícil criar empatia por ela.
A história em si não tem grandes reviravoltas. Quem leu a sinopse, vai encontrar exatamente o que esperava: uma dondoca tentando entender a dinâmica da vida comum. E, bom, funciona. Não é completamente memorável, mas não me cansou também.
Agora, o que dizer sobre a Cate Blanchett? Acho que só tenho pensamentos impublicáveis sobre ela, no melhor dos sentidos. Pelo papel de Jasmine, ela ganhou o Oscar de Melhor Atriz. Confesso que não lembro as indicadas nesse ano, mas, sem sombra de dúvidas, ela mereceu. Pelo menos uma estatueta para a conta de Blanchett, já que ela foi injustiçada na edição de 2023 (Tár é o papel de uma vida toda). Bom, voltando para Blue Jasmine, ela sabe fazer papel de louca como ninguém. O desabrochar do estado emocional instável de Jasmine é construído com maestria ao longo de todo o filme e tem seu momento apoteótico nos minutos finais. Além disso, a Cate consegue aproximar a gente da sua personagem no sentido de tentarmos entender como deve ser para essa mulher ter de, por exemplo, aprender a mexer em um computador, algo que já é obrigação nos dias atuais, ou enfrentar um assédio no ambiente de trabalho.
Sua irmã Ginger, magistralmente interpretada por Sally Hawkins, é um ótimo contraponto à personalidade de Jasmine. Ser uma testemunha da relação fraternal que elas possuem, e melhor, como esta foi se fragilizando ao longo do tempo, é muito interessante. A Jasmine é uma daquelas personagens que não se ajudam e que se "descobrem" como "vítimas" de tudo e de todos o tempo todo. Os calos de Ginger precisam vir à tona para que finalmente incomodem Jasmine.
Apesar de a história ser simples, ela prende e as atuações são uma forma de motivação para assistir a Blue Jasmine. Pretendo revisitar a obra para desfrutar da mente brilhante que é o cérebro dessa Cate Blanchett.
Maestro
3.1 260Impreterivelmente, preciso começar com um comentário de uma amiga querida, Jéssica (sim, devo creditá-la, pois foi o pensamento mais inspirado que ela já teve). Em 27 de dezembro de 2023, Jéssica sai da sala do Cine Marquise, me fita com olhos fulminantes e desconfiados, respira antes de falar e solta: "Você me trouxe para ver um filme sobre o Gugu americano?". Nunca mais fui o mesmo após essa constatação.
Maestro não é exatamente uma cinebiografia detalhada de Leonard Bernstein. Quando entrei na sala de cinema, eu esperava entender toda a trajetória de quem foi um dos maiores maestros, músicos e compositores de todos os tempos. Em certa medida, isso pode ter me decepcionado, mas, por outro lado, gostei bastante dos lugares para os quais a obra me levou.
Com pura honestidade, Maestro é mais sobre Felicia do que o próprio Bernstein. Na verdade, Maestro é sobre como Bernstein rege sua música, mas, principalmente, a vida das pessoas ao seu redor. Em se tratando das atuações, eu fiquei muito impressionado. O Bernstein de Cooper é um sujeito, inicialmente, muito dócil, carismático e simpático, um jovem musicista tentando entender e ocupar seu lugar nos palcos. A Felicia de Carey Mulligan é, literalmente, um soco no estômago. Minha gente, a testa dela tem vida própria, eu não conseguia piscar, nem mesmo se quisesse, quando o plano era fechado no rosto dela, uma atriz imbuída de expressões fortes e sinceras.
Eu senti que, em algum período do filme, acho que em mais da metade, o ritmo desacelera bastante e depois volta a se recuperar. No momento em que, alerta de spoiler!,
descobrimos a doença de Felicia
Considerando a proposta do filme, eu curto como a passagem de tempo abre sulcos na linha temporal. Mesmo com muitos dos acontecimentos não sendo exatamente retratados, mas apenas apontados, foi super intenso acompanhar juntamente com Felicia a desconstrução da sua força e vigor, com provações de sua feminilidade até o momento da sua morte. Ela tem seu casamento completamente fragilizado, ela se desprende de si para dar espaço ao despertar homossexual de seu marido e, finalmente, é atingida por um câncer de mama. Fiquei muito impactado com e por essa personagem, o quanto ela teve que se renegar por amor e por necessidade. Terá valido a pena?
Depois de Tár, uma obra-prima na minha opinião, tem-se intensificado mais ainda a discussão sobre separação entre autor e obra. Bernstein foi, de fato, um gênio em sua composição, porém, o filme não teme em expor seus lapsos de negligência quanto à família. O espectador não fica totalmente esclarecido quanto aos acordos entre Leonard e Felicia, mas, claramente, não é fácil para nenhum dos dois. Ah, antes que eu esqueça, todas as cenas de regência do maestro são muito memoráveis, em especial a penúltima (aquela que tem mais tempo de tela).
Exceto por um desarranjo no meio do filme em seu ritmo (e por que tanto tempo em preto e branco?), a história e o tempo fluem em Maestro, com atuações cirúrgicas. Não sei se era um dos objetivos da obra, mas terminei com uma dificuldade de continuar o sentimento de empatia pelo maestro que eu desenvolvi no início do filme, pode também ser apenas porque o sofrimento final de Felicia realmente me pegou.
Uma ótima cinebiografia, que não é de fato uma cinebiografia! Não saímos conhecendo toda a jornada profissional do Gugu americano, e sim quem ele foi nos bastidores. Filmaço!
Minha Irmã e Eu
3.1 134 Assista AgoraAssisti numa dobradinha de cinema nacional e acabou por ser meu predileto dentre os ambos por um simples motivo: é bom no que se propõe a fazer! Qual é o gênero? Comédia. Faz-me rir? Não precisa nem insistir muito. É fórmula? É. Mas funciona? Sim.
Eu genuinamente considero que as sacadas que o brasileiro tem para rir da sua própria desgraça é o que o diferencia dos outros povos. Minha Irmã e Eu é mais um filme brasileiro a la Paulo Gustavo (aliás, alerta de spoiler, é feita uma pequena homenagem a ele no filme <3) e que funciona muito bem (uai, as pessoas no cinema riram alto), mas talvez não plenamente.
Não sei se sou apenas eu, mas não consigo mais digerir aquelas piadas físicas no estilo Marquito do Programa do Ratinho, isto é, caí-me-machuquei, lutei-com-um-bicho-feroz, esconde-esconde e por aí vai. Acho que já deu o que tinha que dar. Prefiro, sem nem pensar, um bom texto com piadas espertas. Pois bem, este filme digladia-se entre esses dois extremos. Falando em roteiro, existem algumas pontas soltas que acho até estranho para um filme de 1h54min, muito mais longo do que a média do gênero; foi, de fato, uma proeza ter deixado esses buracos.
Olha, eu realmente gostaria de saber se boa parte dos cacos cênicos do filme foram pensados ou são improvisados, porque Tatá é mestra em pensar rápido, isso é uma das coisas que mais admiro nela. Infelizmente, eu acho que aqui ela acaba roubando os holofotes de Ingrid Guimarães, por uma questão natural mesmo, não conscientemente. Talvez por virem de gerações diferentes e que, consequentemente, faziam piadas diferentes em contextos diferentes, as da geração Tatá Werneck me empolgam mais. Bom, pelo menos de uma coisa estamos certos: Tatá e drama não dão química; nesse quesito, fico com Ingrid. Como dupla, elas são ótimas e entregam o esperado! Ingrid é uma boa escada.
De qualquer forma, o filme é mais uma daquelas comédias nacionais já conhecidas pelo grande público. Eu sinto que estamos a ponto de saturar de vez, mas fazer o quê, funciona, leva gente ao cinema (objetivo inicial e final de tudo isso) e, muitas vezes, ainda me encontro rindo das palhaçadas dessas duas, sem querer. Tem algumas partes que eu cortaria sem dó nem piedade - aliás, a pobre da Tatá tendo de subir no boi sendo que não vi graça alguma nessa cena (gastou saúde mental para nada, amiga) e o caubói-ladrão que vem, aparece, some e nada mais acontece.
É um filme sessão da tarde que faz a gente querer assistir e é isso que importa. Ri sem culpa e assistiria novamente, mas não é o melhor dentre os já existentes.
Wonka
3.4 386 Assista AgoraAqui a overdose de chocolate não implica diabetes, mas felicidade instantânea! Wonka é uma belíssima produção, que mantém a magia e a doçura comuns aos originais de Roald Dahl.
Em primeiro lugar, eu, particularmente, não tenho preconceito com filmes musicais, eu amo, na verdade. Felizmente, Wonka é musical na medida certa para aqueles que não curtem o gênero. As músicas são super envolventes, não há uma colher de sopa extra de rimas frouxas e o diretor segue à risca a receita para um produto bem sucedido.
Timothée Chalamet é um doce à parte. Eu até diria que é aquele sabor final que faltava, a calda no fundo do top sundae, mas a verdade é que o homem rouba toda o sabor. Ele é ótimo, seu Wonka tem o frescor necessário (não apenas pela jovialidade, mas pelo carisma e ingenuidade no ponto certo).
E o que falar dos coadjuvantes? Se eu tivesse a incumbência de escalar um elenco, esse daí seria o elenco dos meus sonhos. A Olivia Colman é uma preciosidade cômica, Sally Hawkins é o amor de mãe, o doce de mãe genial, Hugh Grant é rabugento e engraçado na mesma proporção que chama atenção do espectador e Paterson Joseph é um ótimo vilão. Todos os outros coadjuvantes com menos tempo de tela são proveitosos também e Calah Lane é tão fofa quanto bem resolvida.
Eu gosto como a direção mexe com a nossa criança interior. Seria muito fácil resumir todo o filme em "para crianças". Porém, se nos deixamos levar puramente pela imaginação (perdão o trocadilho, foi inevitável), tudo funciona muito bem, é plenamente delicioso. Além disso, no quesito visual, é um verdadeiro espetáculo. Ok, acabei de lembrar de um ponto que não curti: o fat suit do policial parece piada dos anos 1990 para fazer criança boba rir, bem desnecessário. Percebi nesses últimos tempos que não tenho mais paciência para piada física estilo Chaves. No mais, a história é bem fechadinha e, pelo menos para mim, não deu chabu.
Confesso que pensei inicialmente que esse filme poderia resultar numa dor de barriga generalizada, mas, depois que eu provei desse chocolate, vai ser difícil largar.
Mamonas Assassinas: O Filme
2.4 215 Assista AgoraAposto o único vinil do Mamonas que Dinho teria uma piada prontíssima para soltar acerca dessa situação em que nos encontramos pós-película, situação essa com um quê de vergonha alheia. Ouviram esse barulho? É o som dos túmulos mamonístico-assassinos revirando-se. Ah, mas por que tanta dureza? Afinal, bem que dá para compor uma canção sobre isso e arrancar umas boas risadas...
É muito dolorido constatar o fracasso de uma reprodução, ainda mais quando ela é contada por gente que vem da gente, do nosso povo. Ainda mais mesmo quando a reprodução é de uma história de muito sucesso, talvez uma das mais bem sucedidas de todos os tempos. Percebam como eu coloco o "fracasso de uma reprodução" - lembrando que é totalmente enviesado à minha opinião - e não o "fracasso de um filme", porque os números da bilheteria não mentem. Sabe qual é o problema? O marketing. Minto, não é, o problema é eu ainda me iludir com o marketing, aí que mora o perigo. Por onde passo em minha cidade, vejo pôsteres anunciando o filme. Imediatamente, cria-se uma expectativa enorme. Quais as chances de elas serem atingidas? Sabemos que, na maioria das feitas, são baixíssimas. Aqui não é diferente.
Eu acho que existe um problema intrínseco de roteiro. Para falar a verdade, eu não entendi muito bem várias intenções da direção. Primeiramente, existem diversas personagens completamente irrelevantes à trama. Por exemplo, uma insinuação de flerte entre Dinho e a mulher do Rico (que aparece por 6 segundos no filme e, depois, não acontece nada); o foco nos romances e questões bobas provenientes deles; a aparição de muita gente que não contribui para a história, enfim. O roteiro tem buracos profundos e até falas sem sentido. E, para completar, os cortes das cenas... a forma como o filme nos guia de um momento até outro um tanto quanto desconexo me incomoda bastante.
Eu disse que não sei qual é a intenção da obra porque não me parece que é um retrato dedicado da banda Mamonas Assassinas como deveria ser, com os devidos direitos de narração da sua formação, sua ascensão e seu trágico fim. Soa mais como o cotidiano de cinco meninos guarulhenses. Eu sinto que Mamonas merecia ter sua história contada veridicamente e com lapidação. Aliás, pouco se fala sobre o acidente derradeiro (até aí, não vejo problema, mas eu esperava que fosse mais destrinchado) e sobre toda a jornada de sucesso (seria bacana ter a reconstituição de alguma entrevista na tevê ou algo desse tipo, a linha temporal ficou bem perdida). Além disso, a família de Dinho, uma das únicas retratadas, é pouco explorada.
Não quero chutar cachorro morto e, de verdade, o filme não é de todo ruim, seria exagero da minha parte. As performances musicais são de dar água na boca. Ruy Brissac é um talento revelação, traz a alma do Dinho e dos Mamonas para a telona. Os outros, não na mesma medida, encantam também. Todos os atores da banda parecem bem a fim de estarem fazendo seus papéis e isso empolga a audiência, com certeza. Posso afirmar sem dúvidas que o filme tenta trazer a atmosfera nostálgica do final dos anos 1990, mas falha. Mesmo assim, vejo as pessoas saindo da sala de cinema cantarolando as canções, Mamonas foram e são gigantes.
Eu gosto de sair de cinebiografias querendo saber mais sobre as personagens retratadas, entender quem elas foram. Pois bem, saí de Mamonas querendo só ouvir as músicas mesmo para poder me reconstituir. Se tem uma coisa que dá pra dizer é que Mamonas Assassinas: O Filme tem o mesmo espírito de moleque de seus homenageados, em todos os sentidos.
Jogos Mortais X
3.4 481 Assista AgoraEu não acredito que comecei a saga Jogos Mortais pelo DÉCIMO filme. Eu não sei se essa marca quantitativa de filmes indica alguma coisa (sucesso evidente ou forçação de barra por parte da produtora?), mas confesso que este me despertou uma vontade genuína de maratonar todos os outros já feitos.
Em primeiro lugar, existe uma atmosfera muito envolvente que engloba John Kramer, é muito interessante como o senso de justiça é levado ao extremo e ao primitivo e ainda mais interessante ver a justiça social sendo exercida por um único agente da sociedade (parece até paradoxal - o social pelas lentes de um único indivíduo).
Um ponto positivo para mim foi a passagem rápida do tempo, algo que pode ser controverso, pois vi muitas pessoas reclamando do ritmo do filme, mas eu até queria mais... Para meu primeiro "jogo mortal", considero que já tenha sido um tanto quanto gráfico e pesado, resumindo, não vejo a hora de repetir a dose.
Eu gosto como as personagens conseguem repetir os mesmíssimos erros, apesar de ter sido comprovado que aquelas atitudes não têm futuro, acho que é um retrato de como nós nunca aprendemos a não insistir no erro. Talvez a personagem Cecilia seja aquela figura já carimbada e conhecida da persona sem escrúpulo algum, mas funciona, aliás, é uma ótima atuação da atriz noruega Synnøve.
Desde sempre, eu curto filmes que destinam seus 15 minutos finais a explicar toda a reviravolta. Não sei se é porque sou um pouco lerdo e demoro a entender o plot twist... o que sei é que curto ser surpreendido pelo roteiro. Obviamente, existe uma linha tênue entre um roteiro com vales e morros super bem costurado e um roteiro sensacionalista que tenta promover uma explicação completamente irreal só para satisfazer seu ego de ser grande no que se propõe a fazer. Eu verdadeiramente não acredito que Jogos Mortais X tenha quisto ser mais do que ele pôde entregar. Embora exista de fato um resquício piegas da "premonição" de Jigsaw sobre o que poderia acontecer, eu considero que seja válido para o escopo da obra, ela incrementa a narrativa, ainda mais por envolver uma criança (completamente inocente) no seu desenrolar.
Não me deslumbro facilmente com as cenas mais iconográficas de sangue, corpos e carne, às vezes acho desperdício de memória da filmadora, mas, aqui, é cabível, seja pelo desconforto, seja pela necessidade de impressionar a audiência para tentar disfarçar uma história que não tem muito mais para onde ir.
Em suma, foi uma experiência diferente e que quero repetir com os mais antigos da saga, mas fica a dúvida se John Kramer ainda terá fôlego para novos filmes.
Som da Liberdade
3.8 480 Assista AgoraChega a ser inacreditável que, em pleno 2023, existem mais pessoas em situação de escravidão do que nos tempos passados sombrios. O que mais me choca é como nós (e digo "nós" porque me refiro à espécie humana e ainda mais "nós" para aqueles que saem da sala de cinema sem um incômodo profundo) temos coragem de tirar a liberdade de uma criança, que é completamente dependente, insustentável por si só.
Logo nos primeiros minutos do longa, são exibidas cenas reais de rapto de crianças, escravidão infantil, tráfico de pessoas e cenas que tornam implícito o abuso sexual de menores. Acho que já é possível perceber que o filme pretende expor com intrepidez a carcaça podre do tráfico de pessoas na atualidade, delineando o tom dramático e urgente da obra. O tema é extremamente necessário e me fez refletir: "como é possível criar um filho nos dias de hoje?", ou ainda, "que tipo de mundo estamos deixando para as próximas gerações?".
Voltando um pouco ao enredo, a fórmula do filme é a conhecida jornada do herói. Tim Ballard é um agente policial que se compromete a se infiltrar na escuridão da pedofilia em busca da filha de um pai (que não me parecia desesperado o suficiente, for the record).
Eu fico profundamente irritado quando a divulgação de um filme é realizada plenamente em cima da expressão "baseado em fatos reais" e, paralelamente, surgem diversas teorias da conspiração de que muita coisa não foi como o retratado. Eu entendo totalmente a inevitabilidade do "contar histórias" cinematográfico, que faz tudo parecer épico e magistral (já que precisa que isso aconteça), mas então, produtoras, NÃO VENDAM o filme com um marketing carregadíssimo sobre inspiração na vida real. Sei lá, muda o nome de todo mundo, não precisa ser necessariamente uma obra verossímil aos acontecimentos. Se uma obra pretende dar honra a quem merece, eu enxergo que não é preciso aumentar os fatos, pois, caso contrário, os feitos da personalidade em questão não são tão louváveis assim. Apesar dos pesares, do fundo do meu coração, não é meu desejo discutir se o que o espectador assistiu casa com a realidade. Em suma: "Não sei, só sei que foi assim".
Após essa digressão, vamos ao que interessa. Preciso enaltecer o trabalho do elenco infantil: o garoto que faz o Ursinho Teddy me pegou de uma tal maneira...; Rocío também é uma grata surpresa. Jim Caviezel exerce muito bem seu papel de herói, ele parece certo para o personagem. A história prende, ficamos torcendo pela equipe de profissionais envolvidos no resgate. Além disso, o encontro dos filhos com o pai é memorável.
Eu não acho que o apelo feito pelo filme (porque ele existe nitidamente) é extra. Ele não sobra. O filme tem sido muito mal interpretado - é claro que ele foca na construção do herói Tim Ballard, mas não é motivo para desmerecer a problemática que ele traz à tona.
É um filme forte, contido (na forma do roteiro) e ao mesmo tempo muito ousado (pelo jeito com que joga o problema, suas consequências e origens na roda) e que, antes de ser mal entendido, merece ser assistido.
Golda: A Mulher De Uma Nação
3.0 62Eu fico muito satisfeito quando as produções entendem a psiquê da protagonista e, a partir disso, escalam os atores ideais. Helen Mirren é, mais uma vez, um soco no estômago, ou melhor, no pulmão, vide seus infinitos cigarros acesos em cena. Infelizmente, para mim, não passa muito disso.
Eu assisti ao filme no dia 09/09 e se, hoje, 03/10, alguém me pedir para resumir a história, eu não vou conseguir falar muita coisa que não seja o óbvio e superficial, mas eu vou saber falar sobre a atuação de Mirren. E eu acho que esse é o problema existencial do filme: ele se sustenta majoritariamente (quase completamente) na atuação de Mirren, que é esplêndida, corajosa, íntima e tímida ao mesmo tempo.
Cinebiografias existem aos montes atualmente, não faltam inspirações. Eu não sei se foi o roteiro, eu não sei se foi minha falta de conhecimento prévio sobre o assunto discutido... o que eu sei é que não me prendeu. Eu consigo lembrar de alguns acertos do roteiro, de outros momentos de tensões acolá, mas, em linhas gerais, foi uma aventura insossa.
E eu considero isso tão frustrante, porque o contexto histórico em que a obra se aprofunda (talvez não tanto quanto eu gostaria) é muito interessante e, por vezes, negligenciado ou subjugado. Apesar de ter dito há pouco que tem cinebiografia para dar e vender, eu curto muito o gênero, eu sou da opinião de que é necessário dar honra e reconhecimento a quem é de direito. Falando agora sobre minha completa ignorância em relação ao assunto, o filme não me atiçou conhecer mais sobre a figura de Golda Meir, mesmo eu tendo achado um território super fértil para descobertas estimulantes. Eu sinto genuinamente que não sei mais sobre a Guerra do Yom-Kippur com esse filme.
Tirando todo esse arcabouço negativo que eu construí (propositada ou despropositadamente), assistir ao filme não foi de forma alguma uma tentativa persistente de fazer acontecer a todo tempo. O filme existe, ele é o que é e incita o espectador a assisti-lo até o fim; só que ele acaba, e, não desmerecendo a obra, não é memorável após seu término. Os créditos sobem, a figura real oficial de Golda Meir aparece, enalteço mentalmente o trabalho de atriz de Mirren e desejo que as próximas gerações de atrizes se inspirem em mulheres como ela, penso um pouco sobre como a inclinação humana para a guerra é selvagem/rude/primitiva, e acaba por aí. Não me provoca, não me aflige, não me marca.
Termino com uma pergunta de caráter pessoal (ou não): será que esse gênero já está muito saturado ou eu que não fui cativado pela obra ou então nem toda biografia é bem feita?
Com intrepidez, afirmo: não é cativante, mas a atuação de Mirren é notável. Ah, e claro, ela fuma y fuma.
Uma Linda Mulher
3.8 1,6K Assista AgoraNão tem como não bater o pé no chão junto aos primeiros acordes de Oh Pretty Woman, de Roy Orbinson. Julia Roberts é, aqui, a própria encarnação da letra da música. E eu pensava que esse filme não daria mais do que um caldo tímido, mas deu uma deliciosa sopa!
Preciso começar dizendo que a química entre Gere e Roberts é inegável e muito aprazível de se ver na telona. Eu acho que me apaixonei pelo casal, pelos olhares que eles trocam entre si, pela forma como eles se relacionam, parece tudo muito genuíno.
Eu gosto que Vivian é uma personagem com suas próprias ideias, que, apesar de reforçar o seu sonho de garota de ter um príncipe ao seu lado, não está disposta a abrir mão de tudo o que conhece e o que ela é pelo outro, ela sabe o seu lugar no mundo e sabe o potencial que ela tem, isso é muito interessante. Richard Gere faz um canastrão como ninguém e Edward é um personagem cativante. Acredito que esse seja o ponto alto da trama: ambos personagens são muito cativantes e funcionam eficientemente como um casal a ser descoberto.
Ao contrário do que alguns podem achar, eu considero que a obra tenha envelhecido como vinho. Os estigmas tratados já em 1990 ainda persistem e os preconceitos enfrentados por Vivian são uma realidade nos dias de hoje e são bem tratados pelo roteiro. Não sou lá muito fã de comédia romântica, mas asseguro que muita coisa é sustentada pelo carisma de Vivian e Edward. Sem rodeios: o roteiro é bom, a história prende, não acho que existam excessos, o texto não têm medo de mostrar a vida como ela de fato é. Isso é muito legal: não há uma romantização extrema do amor. Pelo contrário, tudo começa com uma prostituta procurando uma grana extra, fazendo seu trabalho e não é mais do que isso. Mas o que surge dessa situação inesperada é que é o "turning point", o pulo do gato.
Durante a escrita desse meu comentário, tive vontade imediata de revisitar o filme, lembro que fiquei com um sentimento de quentinho no coração alguns dias após ter assistido e ainda consigo sentir esse quê de afeto, de primeiro amor, de reconciliação. É uma delícia de filme e merece ser assistido. Para quem tem pré-julgamentos com comédia romântica, recomendo se despir deles (e levar junto com eles sua roupa para entrar nessa transa produtiva que é Uma Linda Mulher).
"Pretty woman, walking down the street
Vivian Ward the kind I like to meet"
Declaro publicamente meu carinho por Uma Linda Mulher <3
Elis & Tom, Só Tinha de Ser com Você
3.9 28 Assista AgoraO Brasil não valoriza seu ouro.
Nos últimos dias, cheguei a uma conclusão peremptória: a música é o que há de mais sensível no ser humano. Não só a música, a arte em geral. Mas a música, em especial, é uma das vertentes mais profundas da vida humana. Pergunte a uma pessoa suas canções favoritas e você saberá muito sobre ela.
O que me encanta nesse documentário é a sensibilidade com que dois gênios, duas figuras completamente avassaladoras, intensas, profundas e sublimes são expostas ao grande público. Não sei se por um resquício de cavalheirismo deixamos o nome Elis antes de Tom (e concordo com a decisão), mas, assim como o documentário, vou começar falando do Tom.
Confesso que a figura de Tom Jobim não é muito íntima nem conhecida minha, mas, sem sombra de dúvidas, foi um deleite conhecer mais sobre o homem que revolucionou a música popular brasileira. Eu acho estranhíssimo que os brasileiros daquela época torciam o nariz para os músicos que iam tentar uma carreira internacional - para mim está claríssimo: lá, no estrangeiro, eles encontravam o prestígio e o reconhecimento que o Brasil os negava, um baita retrato da síndrome de vira-lata da nossa gente. É lindo como para Tom música não precisa ser algo tão intricado, e chega a ser contraditório isso, porque a sonoridade jobiniana é, por natureza, complexa, mas ele fazia parecer fácil, parecer natural. Essa é uma boa constatação: a música, vista pelos óculos tímidos de Tom Jobim, era tão natural quanto respirar.
Depois desse documentário, minha tese de que Elis não é desse mundo ganhou força. Uma artista no sentido melhor e mais vivo da palavra: que vive a arte, que sente o que canta, que dá sentido à sua vida a partir do seu som. Infelizmente, tudo isso foi demais para Elis, e arrisco dizer que o Brasil não estava, não está e não estará preparado para viver sem Elis, não tem como normalizar isso. Os cantos de Élis, como Tom a chamava carinhosamente, ecoam até hoje nas mentes e lábios dos brasileiros. Elis era uma figura forte, com um sorriso arrebatador, que vivia pelo que acreditava, uma mulher na alma e, para o mundo, um ser transcendental.
Eu genuinamente me interesso por processos de criação, fica óbvio, a partir dessa declaração, concluir que um documentário sobre os bastidores da criação de uma obra-prima muito me dá apetite. E, de fato, é verossímil. Um problema, no entanto, é que senti que faltou algo, e eu sei que é muito vago, porque não consigo descrever o quê. Tenho algumas hipóteses: 1) não estou acostumado com o formato documentário, posso ter criado expectativas que me frustraram; 2) o ritmo da obra, para acompanhar a melodia das canções do álbum, é um tanto quanto desacelerado; 3) existem cenas vazias; 4) a forma como foi idealizado não é párea para sua execução.
De qualquer forma, entender como se deu a relação dos dois nos âmbitos profissional e artístico foi delicioso. Só temos de agradecer a Roberto de Oliveira por ter produzido essas pérolas e, ainda mais, por não ter sido egoísta ao ponto de guardá-las só para si.
Elis e Tom, Tom e Elis são filhos do solo da mãe gentil e a arte deles ressoará pelos quatro cantos até o momento que continuarmos nos assegurando de não esquecê-los. Viva a MPB!
O Homem da Máscara de Ferro
3.5 497 Assista AgoraQuem vai assistir "O Homem da Máscara de Ferro" esperando uma baita releitura cult da obra de Alexandre Dumas, muito provavelmente vai se decepcionar. Eu, por mim, não estava à espera de uma adaptação fervorosa da obra e, por isso, considero um filme que deve ser visto.
Um dos motivos pelo qual atesto a frase anterior é a possibilidade de ver a carreira de um dos grandes atores de Hollywood tomando forma. Aqui, Leonardo DiCaprio interpreta dois personagens, gêmeos, separados desde a maternidade, completamente diferentes em suas personalidades e em condições de vida diametralmente opostas. Um deles é ninguém mais ninguém menos que Luís XIV, o grande "Rei Sol" da França, conhecido por sua ostentação e por seu autoritarismo. Por outro Lado, Filipe é um jovem renegado pela família, que passa seus dias preso a uma máscara de ferro, em condições insalubres. Observar como DiCaprio dá vida e interpreta cada um dos personagens é constatar que o futuro dele seria brilhante (e olha onde é que ele chegou).
Curti bastante que os três mosqueteiros são mostrados no filme como já "no fim de suas carreiras" e o que os motiva a mudar a situação da França é, mais uma vez, injustiça e abuso de poder, duas fórmulas que não falham. O Athos de John Malkovich é uma pérola, "for the record". D'Artagnam, por sua vez, já é um homem mais resignado, não diria condescendente ao rei, mas fiel a ele, um homem de palavra.
Toda a história, oriunda dos escritos de Dumas, é muito bem fundamentada. Além disso, os caminhos que a trama vai delineando me surpreenderam de fato, porque foram o contrário do que eu estava esperando.
Eu acredito de verdade que o filme não tinha a pretensão de ser uma réplica exata daquela época. Se essa era a intenção, eles pecaram bastante. Não gosto do tom de comicidade que tentaram infligir a Porthos, me soa como uma tentativa mal-sucedida de contornar uma história que por si só é pesada.
É um bom filme, que não deve ser de todo esquecido. Vale a pena ver boas atuações e uma história bem amarrada. Para quem espera um final completamente feliz, não o encontrará. Mudar o mundo, ou no contexto dos mosqueteiros, mudar a França pode não ser uma tarefa tão simples assim...
O Menu
3.6 1,0K Assista AgoraEu entendo que é uma história completamente inverossímil, que beira o absurdo, mas eu me senti tão imerso nela quanto os outros convidados da experiência.
E essa é uma boa palavra para falar sobre O Menu. Este filme é uma "experiência" por si só. E, como todo boa experiência, precisa que o espectador esteja disposto a adentrar em sua proposta. Talvez no último quarto do filme eu tenha sentido que o roteiro não sabia mais para onde ir, porque já tinha mostrado muita coisa para nós. Desconto 0,5 estrela por esse sentimento. De resto, eu devo admitir que fui tão surpreendido quanto os convidados.
Falando em convidados, eu ia dizer "que surpresa" que é Anya Taylor-Joy, mas não é surpresa coisa alguma, porque eu já fui esperando que ela fosse arrasar e não é que minha premonição se cumpriu? Fico muito feliz pelos papéis que Anya tem alçado em sua carreira e tenho certeza de que o céu é o limite. Ralph Fiennes está extraordinário como chefe de cozinha, é um homem plenamente perturbado pelo politicamente correto e pelas regras de uma atmosfera desregrada por natureza. O chef Slowik entra em cena com um objetivo inicialmente tímido, mas que revela profundezas abissais do ser humano: expor a incoerência e a hipocrisia da alta sociedade. Hong Chau mostrando que não veio para brincadeira, fico abismado com tanto poder. Janet McTeer também me cativou, confesso.
E (agora sim) eu fui surpreendido quando fui flagrado em algumas das críticas feitas. Quer dar uma olhada no nosso cardápio? Temos bajuladores, críticos que não se satisfazem nem com a perfeição, adúlteros, corruptos, falsos admiradores de arte, a lista é um pouco grande, sabe? O prato do dia é torta de elite desconstruída com uma pitada de "mato a cobra e mostro o pau".
Sei bem que tem muita crítica na crítica, algumas nem tão bem lapidadas, mas funciona, te faz pensar, questionar, indagar - e, no final do dia, é isso que importa. Acredito que por ter ido sem pretensão alguma, os artifícios utilizados pelo diretor e pelo roteiro de fato me provocaram.
Como assim do nada um cozinheiro se mata na sua frente? As tortillas com as fotos é coisa de gente gênia. A corrida/pega-pega talvez tenha fugido um pouco do propósito.
Sem dúvida alguma, vale a pena ser assistido, nem se for para criticar. Afinal, é esse o propósito do filme: criticar!
O Pior Vizinho do Mundo
4.0 494 Assista AgoraMas não havia dúvida alguma de que precisávamos de Tom Hanks assumindo o papel, de forma exímia (que fique claro), de um velho ranzinza.
Em uma primeira análise, eu acredito que existam duas facetas: é muito mais fácil, rápido, prático julgar Otto como alguém arrogante, insensível, até desumano (coitado) do que entender suas motivações ou então traçar estratégias para mitigar tal comportamento; a segunda faceta é a de que não se justifica falta de empatia ou má educação. Fato é que Otto não se tornou um homem amargurado pelas simples vicissitudes da vida, mas sim por uma hecatombe que o impede de dar sentido à sua existência.
Achei diferente como o tema do suicídio é tratado com uma certa "naturalidade" pelo protagonista e acho que isso exprime muito bem a condição de Otto. Ele não é um homem que enlouqueceu, ou que enfrenta problemas financeiros ou familiares enormes. A falta de amor à vida para ele é consequência imediata da falta do amor da vida dele na vida dele. Após perder a esposa - acontecimento que é citado logo nos primeiros minutos do filme - nada mais faz sentido a Otto.
Hanks é indiscutivelmente mestre na arte de interpretação. Uma gratíssima surpresa foi Mariana Treviño, como Marisol. Que delícia de personagem, terminei o filme querendo ser amigo íntimo dela. O período jovem do casal apresenta atuações gostosas também.
Gosto bastante de como a rotina é um ponto principal na trama. Modéstia à parte, sou fã de rotinas, eu acho que a rotina tem seu ar de graça, tem seu quê de especial. Não me entendam mal: não sou apreciador de metodismos extremos tal qual Otto, mas consigo compreendê-lo em muitos momentos.
Nos finalmentes do filme, me interessei pela discussão de que o luto é um estado extremamente egoísta. É claro que deve ser sentido, mas ele não pode ser vivido, ou melhor dizendo, não deveria ser promovido a condição de existência, porque, quando o fazemos, negligenciamos todos os outros aspectos que nos fazem ser o que somos e as outras pessoas que nos circundam. Quando Otto percebe que sua vida não depende apenas de alguém ou algo, quando ele deixa de condicionar seu propósito ao do outro, chegamos à conclusão de que há muito mais para se viver.
O roteiro é bem amarrado, tem início, meio e fim; algumas intervenções rabugentas de Otto são engraçadas e é fofo sem ser completamente clichê, além de conseguir conferir um tom de contemporaneidade à trama.
Um filme família que dá um quentinho no coração e conta com ótimas atuações!
Eu, Tonya
4.1 1,4K Assista AgoraSeguem, em anexo, os boletos da minha terapia para os idealizadores do filme.
O que a Margot Robbie faz aqui é imersão profunda na personagem. Eu nunca tinha sentido tanto desespero quanto eu senti observando as feições, as expressões faciais, o horror que Margot coloca em sua interpretação de Tonya. É uma história pesadíssima, Tonya é, de fato, uma sobrevivente. Apesar de ter feito suas próprias escolhas (e tento me distanciar um pouco da narrativa sob a perspectiva de Tonya, já que é um tanto quanto parcial), Harding é claramente resultado imediato da família em que foi concebida, como cresceu, onde cresceu e, principalmente, das relações que teve durante a infância/adolescência/juventude.
Uma mãe que deturpa o sentido de ser mãe; um marido lixoso e extremamente abusivo; Tonya, uma bomba-relógio prestes a explodir... Muita coisa não estava a favor e, como já esperado, tinha tudo para dar errado. Ao mesmo tempo, fico pensando como talento não basta. Apesar dos pesares, nada pode ser dito contra o dom genuíno de Harding sob os patins e uma pista de gelo. É arte, é talento, é esporte, mas a imagem conta muito, o que se pretende contar a partir do seu corpo é o que vale.
É dilacerante o fato de que a ela foi negado o direito de exercer a única coisa que ela acreditava saber fazer, porém, é um retrato realista de como o ambiente em que vivemos nos molda e como nossas escolhas podem nos levar a jornadas completamente diferentes do que idealizamos inicialmente.
Allison Janney é pós-doutora em "Interpretação de personagens inescrupulosas", dá muita raiva ver o tipo de in-mãe ou des-mãe que ela interpreta, porque, com certeza, para mim, mãe não é só quem paga as contas e ainda culpa a filha por ser "obrigada" a fazer isso. Sebastian está bem no papel, na medida certa, assim como Paul Walter.
Gosto da quebra da quarta parede e não considero que isso atrapalha a contação da história. Por vários momentos, pensei que o filme ia ser sobre uma história de superação, de alguém que deu a volta por cima, mas, feliz ou infelizmente, é um retrato de como ser suficiente não é suficiente. Um ótimo filme!
Cidade Perdida
3.0 293 Assista AgoraElenco estelar não sustenta roteiro puramente farofa!
De fato, um bom elenco ajuda. Sandra Bullock é extremamente bem resolvida como a escritora solitária e intelectual Loretta, consigo acreditar na ingenuidade da personagem de Tatum, o Radcliffe repete EXATAMENTE o mesmo tipo de vilão de Truque de Mestre 2, mas com certeza era melhor nesse último.
Se era para ser um filme de comédia, eu saí com depressão. Minha nota razoável não tem a ver com expectativas que eu criei e não foram atendidas; eu sabia muito bem o que esperar do filme só pela sinopse. O cerne da questão é que não vi graça; na minha ótica, o roteiro é bem morno. Algumas piadas flertam com o contexto atual (isso sim é uma tentativa de ser engraçado), porém, outros clichês cômicos não atingem seu propósito de vida.
Bizarro como nos momentos da Beth ninguém exprimia UM SINAL de gargalhada, e as piadas da outra assistente não foram acertadas. Enfim, muita coisa para melhorar.
Como passatempo, é digerível e não me causa arrependimentos. Como tempo de qualidade, é totalmente dispensável.
Midsommar: O Mal Não Espera a Noite
3.6 2,8K Assista AgoraEu prometo a vocês que tenho três vezes mais medo da cabeça de Ari Aster do que os filmes dele propriamente ditos. O que esse homem deve se drogar de conceitos e ideias é brincadeira, como que pode uma coisa dessas?
Não tem como assistir Midsommar e sair sóbrio logo após a exibição do filme. É perturbador, é visceral (e literalmente visceral, o que não falta é oportunidade para ver de perto e profundamente o humano e o natural), é medonho, bizarro, esquisito, mas interessante, instigador, e é aí que mora o perigo. Não era para eu querer saber mais sobre essa seita maluca, mas é uma vibe "she's so crazy I love her" que o Aster sabe fazer muito bem. Você sabe que é errado estar "curtindo" aquilo, você sabe que tem muita coisa que não está certa, mas você quer estar e ser aquela coisa.
Florence Pugh, você elevou o filme a OUTRO nível. Sim, me dirijo diretamente a você porque eu preciso falar sobre o efeito que você causou em mim e nos espectadores. Mulher, que desespero que me dá te ver existindo. Você é força da natureza também, é orgânica com o roteiro e com o ambiente, traz, no mesmo compasso, dor e misticismo nos seus olhos, entrega/afeto e ansiedade, paixão e patologia. Que delícia ver Pugh atuando, é um deleite.
Ao final do filme, eu dei graças que não achei cansativo. Eu estava querendo começar a sentir que seria um porre ter de ficar conhecendo todos os rituais litúrgicos da comunidade, mas não, ainda bem que não. Eu tinha mesmo era vontade de querer saber mais, me instigava, isso é bom, isso é ótimo. Não foi cansativo, pelo contrário, mas convenhamos que não existe um aprofundamento no que tange a críticas sociais ou papos-cabeça; meio que o filme existe para provocar o espectador DURANTE a sessão, não após ela (a não ser pelos futuros pesadelos que, certamente, terei nos próximos dias). Quando eu digo provocar, é provocar a reflexão, porque sim, o filme provoca muito desconforto, mas filosofia não é o forte dele. E quem sou eu pra julgar? Me entretive por completo durante as quase duas horas e meia e não senti falta de algo mais.
Chegamos à conclusão de que Ari Aster é um completo perturbado e que ele não pode parar de rodar filmes, porque eu quero ser perturbado junto com ele. UH-HA (lê-se: barulho que aqueles loucos faziam, que desespero, o Ari tem uma coisa com sons da boca, não é? Maluco.)
Não! Não Olhe!
3.5 1,3K Assista AgoraNossa, Peele, o que aconteceu aqui?
Sei lá, os primeiros 45 minutos do filme me pareceram muito arrastados. Pra falar a verdade, eu achei que todo o filme estava em velocidade reduzida, não parecia certo o ritmo, não sei, isso me incomodou bastante.
Em contrapartida, os 45 minutos finais são insanos. Consigo notar que Keke Palmer deu tudo de si e, até certo ponto, concordo plenamente, ela entrega uma ótima atuação. Amei conhecer o lado blasé do Kaluuya, ele sabe fazê-lo com maestria. Não acho que o paralelo com o macaco Gordy tenha sido bem estabelecido. Pelo contrário, no meu ponto de vista, o diretor quis introduzir um conceito de natureza da pá virada, mas o próprio conceito se perdeu um pouco no caos.
Se não fosse muito arrastado para o meu gosto, com certeza essa nota teria sido maior. É um bom filme, não diria memorável, mas podia ser mais, tinha potencial para isso. Há cenas fabulosas, tiro meu chapéu. A ideia (vamos lá, a ideia, não a execução) é bem dotada, tem de fato um caldo delicioso para fazer, só que não espremeram direito. Ah, gosto da fotografia e da tentativa de paralelo com Hollywood.
Talvez eu assistiria de novo, mas alerto para o perigo de colocar expectativas grandes, é mais um filme ao estilo Jordan Peele (e isso é elogio, caso alguém esteja confuso), só não é o melhor dele.
Oppenheimer
4.0 1,1KÉ uma questão de tempo. A explosão de uma bomba é uma questão de tempo. Dada a largada na contagem regressiva, basta esperar que o esperado aconteça: destruição, expansão, demonstração de poder e grandeza e gigantismo. 3 horas de filme não é uma questão de tempo, é uma questão de necessidade. O que é uma questão de tempo é que essa obra de Nolan se torne referência para as futuras produções cinematográficas.
"Oppenheimer" é uma explosão, não há muitas formas de contra-argumentar. Gostaria de iniciar falando que, para minha primeira experiência IMAX, foi o filme certo, não poderia ser melhor. Nolan foi meticulosamente exato quando, no momento da explosão, deixou que restasse apenas o silêncio, para que, por conseguinte, viesse o estrondo, o som de terror. Eu acho que "Oppenheimer" resume toda a história por trás de si exatamente assim: primeiro, explode; depois, a gente ouve as consequências.
Cillian Murphy é uma força da natureza como Robert Oppenheimer. No meu imaginário, o verdadeiro Robert Oppenheimer não é o correto, e sim Cillian, ele é, de fato, a encarnação do homem meio gênio meio louco (mas mais gênio do que mais louco), do homem da Idade Contemporânea perturbado pelo avanço e, ao mesmo tempo, preconizador de mudanças drásticas, do cientista contaminado por filosofias que, por vezes, vão de encontro à sua teoria, da humanidade não preparada para uma bomba atômica e o poderio que ela representa.
Eu não esperava por atuações tão acertadas, todos, eu digo todos, sem exceção, brilham em seus papéis. Downey Jr. vira mestre, Emily Blunt torna-se poetisa da dor, Pugh metamorfosea-se em encarnação da teoria, Damon converte-se em líder inseguro, Affleck baila com o patriotismo estadounidense... o elenco decide contar uma história bem contada, com o drama que ela precisa conter, mas com o realismo pungente de uma narrativa que tem como desfecho mais de 200 mil japoneses mortos e um homem dado por gol contra.
Toda a ambientação é bem construída. Esgueirar pelos corredores do círculo acadêmico me eleva ao mesmo nível dos físicos daquela época e me faz, despretensiosamente (ou não), querer que a bomba dê certo, que ela arrase com tudo o que deve arrasar. Não vou aqui falar sobre os furos de roteiro quanto à veracidade dos fatos, porque não acho que o filme se propõe a ser uma cópia realista da História, mas tudo é muito visceral (graças às atuações, obviamente).
Eu só não esperava que o julgamento fosse se tornar o filme nos últimos 30 minutos, mas acho que consigo lidar bem com isso. Como muitos têm dito por aí, "Oppenheimer" é a ópera atômica de Nolan e, como uma boa ópera, já nasceu clássica, classuda e provocativa.
Obrigado, Nolan, pelo elenco, pelos efeitos especiais, por me fazer entrar na cabeça de Oppenheimer, por me injetar uma dose altíssima de orgulho americano e "american way of life", mas por me colocar contra a parede por estar torcendo pela morte de milhares de ingênuos. Afinal, a bomba atômica é uma conquista da ciência ou um retrocesso? Que a dúvida nunca deixe de pairar no ar. Oppenheimer, o filme, com certeza não fará com que isso aconteça. Uma obra-prima.