"Misery" é dirigido por Rob Reiner ("Questão de Honra", de 1992), baseado no romance homônimo de Stephen King de 1987, estrelado por James Caan e Kathy Bates. A trama gira em torno de uma fã obsessiva que mantém um autor cativo e o obriga a reescrever o final de sua série de livros favorita.
Sobre o livro: Novamente eu sou impactado com uma leitura avassaladora, imersível, misteriosa, claustrofóbica, intrigante. Uma obra que nos ganha justamente pela construção do drama, do suspense, do horror psicológico, da tensão que é criada e bem administrada principalmente nos primeiros capítulos do livro. Pois este é o ponto-chave dessa belíssima obra literária do mestre king, o seu poder de ir dosando o mistério, o suspense, a curiosidade, de criar todo um universo com um alto nível de tensão, que nos prende e nos envolve justamente nos momentos que antecedem toda selvageria e toda psicopatia de Annie Wilkes.
Por outro lado, como já é de praxe nas obras do mestre King, a história tem um ritmo e um desenvolvimento lento, ficando até arrastada em algumas partes, e sendo extremamente bem detalhada em outras - principalmente nas partes que tínhamos que ler "O Retorno de Misery" com a escrita faltando as letras "N", "T" e "E". Esta parte do livro com certeza foi uma forma do mestre King para nos imergir cada vez mais na mesma dificuldade e na mesma tortura de Paul Sheldon. Ou seja, nos colocar no mesmo ambiente e no mesmo universo do autor durante as constantes ameaças de Annie Wilkes.
"Misery" é mais uma excelente obra literária do mestre King. Não chega a ser uma obra-prima como "O Iluminado", que pra mim é disparado o meu livro preferido da bibliografia do King, mas é uma obra contundente, marcante, gloriosa e com um final apoteótico.
Para quem já leu alguns dos seus livros e já conhece o estilo da abordagem que o mestre king geralmente traz em suas obras, com certeza já está mais do que familiarizado com a sua escrita e a sua forma de contar suas histórias. Que na maioria das vezes é bem detalhada e com um desenvolvimento mais lento. Agora para quem está lendo King pela primeira vez, ou não conhece o autor, com certeza estranhará e sentirá a leitura cansativa em algumas partes. Eu como um eterno fã do mestre, já li várias das suas obras e já estou mais do que acostumado com a sua escrita, pois Stephen King é justamente o meu autor preferido da vida.
Sobre o filme: "Misery" é uma boa adaptação de uma obra literária do mestre King, onde o próprio afirmou que "Misery" é uma de suas dez principais adaptações favoritas de filmes, em sua coleção "Stephen King Goes to the Movies". Apesar de não ser uma adaptação 100% fiel (o que é mais do que normal) e possuir inúmeras diferenças, até cruciais em relação ao livro, que destacarei mais à frente.
Um dois maiores acertos do longa-metragem é construir exatamente o mesmo clima inicial do livro, que é o crescimento gradativo da tensão, do medo, da aflição, do drama, do mistério e consequentemente de todo o suspense. Esse é o principal diferencial para conseguir inserir o espectador cada vez mais naquele universo que inicialmente é totalmente normal, que é apenas uma ex-enfermeira resgatando e cuidando de um paciente gravemente acidentado. Mas é aí que entra algumas perguntas cruciais: será que, de acordo com o livro de Paul Sheldon, se a personagem Misery Chastain não tivesse morrido durante o parto os gatilhos de loucura e insanidade de Annie Wilkes não seriam ativados após ela descobrir? Seria Annie uma admiradora do Paul ou da Misery?
Nesse ponto temos uma ótima abordagem sobre o fanatismo, a obsessão, o ciúme doentio, o admirador extremista e o fã alucinado. Annie Wilkes se autodenomina como a fã número 1 de Paul, nesse caso inconscientemente ela acredita ter poderes sobre seu artista e poder ditar as suas crenças, as suas decisões e os seus objetivos. Ou seja, Annie passa a delegar arbitrariamente o próprio livre-arbítrio de Paul, uma vez que ela o salvou da morte e o mantém como refém em sua casa.
Assim como em "O Iluminado", aqui também temos um estudo de uma mente humana deturpada, doentia, sádica, uma verdadeira aula de psicanálise e uma análise do surto psicótico. Ou seja, mais uma vez o mestre King cria um personagem emblemático, icônico, nos mesmo moldes do Jack Torrance, que nos expõe justamente a sua confusão mental, a perda da sanidade, a perda do equilíbrio emocional, delírios, alucinações, catatonia, alteração de humor, com um estado mental e espiritual atormentado, chegando à uma completa loucura. Essa era a Annie Wilkes, a fã número 1 de Paul, o puro suco da loucura e do sadismo. Annie Wilkes é o Jack Torrance de saia!
Kathy Bates (eterna Molly Brown do melhor romance da história do cinema, "Titanic") é mais do que protagonista, é mais do que estrela, ela rouba a cena em todas as suas aparições, conseguindo maior destaque e maior relevância que o próprio Paul Sheldon de James Caan. Kathy emprega um olhar frágil, vulnerável, com um rosto angelical, onde ninguém sequer imaginaria que por trás daquele olhar devoto e compenetrado se esconde uma figura sádica e psicopata. Este é o ponto alto da interpretação de Kathy como Annie, exatamente a sua transformação, expondo a sua irritação, onde sua face muda, sua expressões mudam, seu semblante muda, indo diretamente da sua fragilidade à loucura, de um simples olhar doentio à devoção completa, que logo contrasta com todo seu fanatismo, loucura, obsessão e alienação. Kathy Bates ficou marcada pela sua excelente atuação de Annie Wilkes, assim como o Jack Nicholson também ficou marcado pelo icônico Jack Torrance. O próprio mestre King ficou impressionado com interpretação de Kathy Bates que ele chegou a escrever um outro texto diretamente para ela, se inspirando especificamente nela, que podemos encontrar no livro "Dolores Claiborne", que depois foi adaptado no filme " Eclipse Total" (1995). E o trabalho de Kathy Bates foi tão avassalador, tão apoteótico, tão impecável, que lhe rendeu o Oscar de Melhor Atriz no Oscar de 1991, derrotando simplesmente Meryl Streep por "Lembranças de Hollywood" e Julia Roberts por "Uma Linda Mulher", tornando "Misery" como o único filme baseado em um romance de Stephen King a ganhar um Oscar, e Kathy como a primeira a ganhar um Oscar de melhor atriz pelo desempenho em um filme de suspense.
O lendário James Caan (falecido em julho de 2022) na época já era um veterano consagrado, que já tinha sido indicado ao Oscar pelo icônico Sonny Corleone em "O Poderoso Chefão" (1972). Aqui James Caan dá um verdadeiro show, com um destaque fenomenal sendo o escritor Paul Sheldon e principalmente ao contracenar com a Kathy Bates. Incrível como James consegue nos impactar com sua atuação que na grande maioria é feita unicamente deitado na cama. Realmente tem que ter uma grande experiência, um grande estofo, para não cair na pieguice, no marasmo e não soar melodramático demais, exagerado demais. E definitivamente isso não acontece com James Caan, pois ele emana carisma e empatia, que nos faz torcer por ele, se preocupar com ele, sofrer junto com ele. Verdadeiramente James Caan foi impecável e irretocável como Paul Sheldon. E olha que inicialmente Jack Nicholson foi inclusive convidado a interpretar Paul Sheldon, mas não aceitou. Isso me leva a pensar: imagina uma cena com Jack Torrance e Annie Wilkes juntos no mesmo ambiente? Isso com certeza abalaria a órbita terrestre.
Comparações entre filme e livro: A forma como inicialmente o filme transcorre, entre aquele contraponto da Annie com o Paul em sua casa, com a busca do Xerife pelo desaparecimento do Paul após a denúncia de sua agente sobrevoando de helicóptero a casa da Annie. Tudo isso é diferente do livro.
O legal que se atentaram bem aos mínimos detalhes: como o próprio carro do Paul, a Cherokee da Annie e a Máquina de escrever da marca Royal. São detalhes simples mas que fazem uma diferença na fidelidade da adaptação.
Annie diz que Paul deu o seu nome em seu novo livro para o coveiro. No livro Paul dá o nome da Annie para uma das enfermeiras presentes no parto da Misery Chastain.
No livro não existe nenhum jantar comemorativo para celebrar a volta de Misery Chastain. Tampouco no livro o Paul não coloca o pó do remédio na taça de vinho da Annie. Ele até pensa nessa ideia, mas ele não leva adiante justamente por achar que a Annie desconfiaria do gosto por ter os remédios. Mas até que a execução dessa cena, com a Annie batendo na taça de vinho e derramando na mesa, foi muito boa.
No livro temos a escrita na máquina faltando as letras "N", "T" e "E". Já no filme a própria Annie diz que ela se propõe a concertar os "Nn", mas quando temos um foco por cima da máquina podemos observar que tanto o "N" quanto as outras letras estão lá. Um grave erro de continuidade no filme.
No livro a Annie usa um machado para cortar um dos pés de Paul, no filme ela usa uma marreta somente para quebrar seu pé. No livro Annie corta o polegar do Paul, isso não existiu no filme, pois ele termina com todos os seus membros.
Toda essa parte do Xerife, em buscar informações do passado da Annie e confrontar suas falas com o livro do Paul, não existe no livro. Tampouco o Xerife ser o primeiro que vai na casa da Annie atrás do Paul, pois no livro o primeiro a ir em busca do Paul na casa da Annie é um jovem policial, que ela acaba o matando com uma cruz e o cortador de gramas. Já no filme a Annie mata o Xerife com um tiro de espingarda pelas costas quando ele descobre a presença de Paul no porão.
O final é diferente do livro em algumas partes: No livro Paul coloca fogo nas partes do livro depois que a Annie retorna com uma garrafa de champanhe e não uma taça como no filme. No livro ele acerta ela com a máquina de escrever nas costas e não na cabeça. No livro ela não dá aquele tiro no ombro dele e não existe toda aquela luta, com ele cravando os dedos em seus olhos, muito menos aquela rasteira com a Annie caindo com a cabeça na máquina. No livro ela escorrega na poça de champanhe no chão e cai de cara nos cacos de vidro da garrafa.
No livro policiais chegam na casa da Annie e resgatam o Paul e descobrem que Annie não estava morta no chão, como o próprio Paul havia informado. Depois eles descobrem que ela conseguiu sair da casa e foi em direção do celeiro, morrendo lá dentro pela grande perda de sangue. Já no filme temos aquela luta final do Paul com a Annie e depois já corta pra cena atual, com ele no restaurante com sua agente e tendo visões da Annie.
No geral é uma boa adaptação, mesmo com várias partes que não existem no livro e que foram uma liberdade criativa no roteiro do filme. Porém, uma coisa é inegável: o livro é muito mais sangrento, mais perturbador, mais violento, mais inquietante, mais sombrio, possui mais gore, além de criar muito melhor o clima de tensão, de aflição e do suspense que se instala em cada página da história. Sendo bem sincero: eu fiquei mais aflito, mais incomodado e mais tenso lendo o livro do que assistindo o filme.
O mesmo vale para a Annie Wilkes do livro, que sim, ela é muito mais perversa, mais sádica, mais perturbada, mais violenta, mais descontrolada, mais debochada, mais letal, mais insana, mais sangrenta, além de expor uma tortura absurdamente maior em Paul Sheldon. Pois só de pensar nas páginas do livro onde ela tortura o Paul ao cortar o seu pé com o machado e seu dedo com uma faca, é muito mais aterrorizante que no filme (além daquela parte em que ela tortura o jovem policial com as inúmeras estacadas com a cruz em suas costas, e que não existe no filme). Se você achou pesada aquela cena em que ela quebra o pé do Paul com a marreta, no livro o peso das torturas estão há anos-luz do filme. É só lembrar que no filme o Paul termina praticamente ileso, apenas com algumas dificuldades para andar. Já no livro o Paul termina completamente estropiado, sem um pé e sem um dedo.
Tecnicamente o filme é muito bem destacado e representa muito bem a grandeza de cada detalhe. Como a própria trilha sonora de Marc Shaiman, que ditou perfeitamente o ritmo da agonia e da aflição daquelas cenas mais contundentes. A fotografia é muito bem alocada, trazendo aquele contraponto entre os cenários de neve com a casa da Annie. O mesmo vale para a direção de arte, que soube compor cenários específicos e bem fiéis com a obra original.
"Misery" arrecadou US $ 10.076.834 em seu primeiro final de semana, terminando em segundo nas bilheterias somente atrás do clássico "Esqueceram de Mim" (1990). O longa acabou eventualmente com US $ 61 milhões no mercado interno, sendo considerado como um sucesso de bilheteria.
Além do prêmio inédito de Melhor Atriz para a Kathy Bates no Oscar de 1991, ela também foi indicada no Globo de Ouro daquele mesmo ano.
No Rotten Tomatoes, o filme tem uma classificação de 90%, com base em 67 críticas, com uma classificação média de 7,55 / 10. É o quarto filme baseado em um livro do mestre king com maior aprovação no site. No Metacritic, que atribui uma classificação média ponderada às críticas, o filme tem uma pontuação de 75 com base em 23 críticos. O público entrevistado pela CinemaScore atribuiu ao filme uma nota média de "A-" na escala A+ a F.
Em 2003, Annie Wilkes ficou em 17º lugar na lista de 100 anos dos 100 heróis e vilões da AFI (American Film Institute). A cena "mancando" no filme, na qual Annie quebra os tornozelos de Paul com uma marreta, ficou em 12º lugar no programa de 2004 da Bravo, "The 100 Scariest Movie Moments". Em 2009, Chris Eggertsen de Bloody Disgusting classificou "Misery" em quarto lugar em sua lista de "10 filmes de terror claustrofóbicos".
Sendo assim eu concluo que "Misery" é um ótimo suspense psicológico, que consegue nos deixar incomodado, tenso e assustado, e logo após nos confronta com toda demonstração de loucura, obsessão, fanatismo e alienação. Além de ir ainda mais longe ao nos impactar com cenas com um nível de sadismo e psicopatia absurda. Aquele clássico gênero cativeiro totalmente inserido no clássico terror psicológico.
Como já mencionei anteriormente, "Misery" é um boa adaptação, não está entre as melhores, mas mantém o nível de qualidade, respeito e essência da obra literária, que obviamente é mais detalhada e mais abrangente na história como um todo. [15/07/2023]
Velozes e Furiosos 10 (Fast X / Fast & Furious 10) 2023
"Velozes e Furiosos 10" é dirigido por Louis Leterrier a partir de um roteiro escrito por Dan Mazeau e Justin Lin, ambos os quais também co-escreveram a história com Zach Dean. É a sequência de "Velozes e Furiosos 9" (2021), o décimo filme da franquia principal e a décima primeira parcela geral da franquia "Velozes e Furiosos". No filme, Dominic Toretto (Vin Diesel) deve proteger sua família de Dante Reyes (Jason Momoa), que busca vingança pela morte de seu pai e pela perda da fortuna de sua família.
Desde 2014 que foi confirmado que a franquia "Velozes e Furiosos" teria um décimo filme, logo esse décimo filme faria parte de uma nova trilogia iniciada em Velozes 8 e 9, além do décimo filme ser o último da trilogia porém dividido em duas partes, que será "Velozes e Furiosos 11", já confirmado para 2025. Sendo assim, temos aqui os capítulos finais de uma das franquias globais mais famosas e populares da história dos blockbusters e do cinema, que já está em sua terceira década e ainda com o mesmo elenco. Será que realmente a saga "Velozes e Furiosos" estará mesmo chegando ao seu final? Ou será que ainda teremos novas trilogias, novos filmes, se alongando até "Velozes e Furiosos 25"? De fato isso é uma possibilidade.
Novamente estou eu aqui de novo para falar que sou um fã da franquia "Velozes e Furiosos" desde os seus primórdios. Ou seja, desde o lendário roubo de carga de DVD's lá em 2001. Hoje, após 3 décadas de existência da franquia, tudo mudou, várias coisas se perderam na saga e outras foram ficando pelo caminho. São 22 anos de existência entre altos e baixos, entre trancos e barrancos, entre acertos e erros, entre várias mudanças que a franquia sofreu ao longo dos anos, além, é claro, a inesquecível e dolorosa perda de Paul Walker. Realmente a franquia sempre precisou se reinventar, renovar, se adequar aos novos tempos e às novas gerações. Para uma franquia durar tanto tempo como "Velozes e Furiosos", é óbvio que mudanças sempre seriam necessárias. É impossível uma saga durar tanto tempo, fazer tanto sucesso de bilheterias, se mantendo exatamente da forma que começou há mais de 20 anos atrás.
Primeiro vou contextualizar: É óbvio que "Velozes e Furiosos" já me cansou com o rumo que a série tomou ao longo dos anos, e já confessei que sim, que a franquia "Velozes e Furiosos" já deveria ter acabado há muitos anos. Porém, se eu assisto "Velozes e Furiosos" até hoje é porque alguma coisa ainda me atrai, é porque ainda consigo gostar do elenco e do pouco da essência de "Velozes e Furiosos" que ainda resta nos filmes. Então não adianta eu assistir os filmes e depois reclamar que são galhofas, que são mentirosos, que são forçados, que é uma porcaria. O fato é, se você vai assistir "Velozes e Furiosos" você já sabe o que esperar, você já sabe que são produções galhofas, pastelonas, despretensiosas, descompromissadas com a realidade, que o único intuito é divertir e entreter. Então é simples: ou você assisti com o senso crítico desligado e aceita a proposta que o filme te entrega, ou simplesmente você não assiste - você tem esta opção. Esta é minha opinião e ponto final!
Um ponto que me chama muito a atenção na franquia "Velozes e Furiosos" é exatamente a forma como eles escrevem os roteiros de cada filme. Por exemplo: a franquia iniciou lá no início dos anos 2000, foi fazendo fama, ganhando público, conquistando milhares de fãs ao redor do mundo. Ou seja, fatalmente ganharia novos filmes, novas continuações e novos roteiros deveriam ser pensados. O fato é, quando se tem muitos filmes de uma única franquia, fica cada vez mais difícil escrever um roteiro inteligente e coerente com toda a história. E "Velozes e Furiosos" é exatamente isso, que é o fato de sempre tirarem uma história de dentro de outra história dos filmes passados. Sempre vai aparecer um irmão, um primo, um tio. Sempre alguém é irmão de alguém, sempre alguém é filho (filha) de alguém. Chega ser cômico e bizarro!
"Velozes e Furiosos 10" é exatamente dessa forma, pois aqui temos a inclusão do filho de Hernan Reyes (Joaquim de Almeida) lá de "Velozes e Furiosos 5: Operação Rio". Mais curioso ainda (e bem forçado por sinal) é toda construção que inventaram para nos fazer acreditar nessa possibilidade, que é o fato do Dante já estar presente naquela cena do roubo do cofre e na ponte. Ok né! Tudo bem! Algo para mostrar tipo: "Olha ele sempre esteve lá, ok! Não estamos inventando nada. Tem coerência." Tá, sei! Mas confesso que foram competentes em criarem novas cenas com os novos personagens mesclando com as cenas do filme de 2011.
Por falar em Dante Reyes, Jason Momoa é uma excelente integração no elenco, algo que eu não via acontecer no elenco desde a entrada do Dwayne Johnson lá em 2010. Se formos falar de vilões, Momoa trouxe o que pra mim é o melhor vilão de toda a história da franquia "Velozes e Furiosos". E aqui temos um ponto bastante interessante na construção e desenvolvimento do vilão Dante, que é o fato dele ser diferente dos outros antagonistas como Deckard Shaw (Jason Statham), Cipher (Charlize Theron) e Jakob (John Cena). Ou pelo menos a sua ambição não é ser o superior de todo o universo, querer dominar o planeta, pois sua principal motivação é simplesmente fazer o Dom sofrer pela perda do seu pai e todo o dinheiro de sua família. E como ele fará este sofrimento? Atacando justamente o que o Dom mais preza na vida, que é sua eterna família.
Outro ponto interessante na construção da motivação do vilão Dante, é exatamente o questionamento que ele faz ao Dom, sobre ter uma grande família e em algum momento não poder (ou não conseguir) salvar ou proteger todo mundo. Baseado nesse questionamento: Jason Momoa incorpora um vilão excêntrico, sádico, extravagante, cínico, lunático, irreverente, sem limites, sem escrúpulos, com a única intenção de instaurar o caos e o sofrimento para conseguir a sua vingança contra Dominic Toretto e sua família (principalmente seu filho). É realmente incrível a interpretação do Jason Momoa de um vilão cruel, caricato, sedento por vingança, com aquele comportamento psicótico que me remete diretamente ao Coringa. Jason Momoa é disparado o melhor acontecimento de "Velozes e Furiosos 10".
Vin Diesel é mais do mesmo. Imortalizado no papel da sua vida - Dominic Toretto. Michelle Rodriguez teve participações pontuais no filme. Foi interessante aquele protagonismo feminino que ela teve juntamente da vilã (ou ex-vilã, não sei) Charlize Theron. Tyrese Gibson e Chris "Ludacris" Bridges também são o mais do mesmo. Essa sempre perspectiva deles serem o alívio cômico dos filmes o defasaram demais. Já não tem mais a mesma graça de antigamente. O mesmo também vale para a Nathalie Emmanuel, que também não tem mais a mesma relevância de antigamente. Jordana Brewster já foi uma personagem relevante no contexto da história. Hoje em dia ela está cada vez mais escanteada. E aqui comprovamos exatamente isso quando ela é completamente esquecida pelo roteiro. O mesmo vale para o Jason Statham e o Sung Kang, que também já estiveram em melhores posições de relevância dentro da franquia. John Cena me surpreendeu positivamente nesse filme, visto seu claro e notável crescimento no personagem em relação ao "Velozes e Furiosos 9". Brie Larson estava ali apenas para se divertir (ou por sua vontade própria de entrar para a franquia "Velozes e Furiosos"). Ela foi aquela típica personagem que não fez diferença em nada, que aparece no começo e reaparece no final, e só. Completando o elenco com Scott Eastwood, Michael Rooker, Helen Mirren, Daniela Melchior, Alan Ritchson, Rita Moreno e Cardi B. Ah, e não podemos esquecer da não menos importante Ludmilla (kkk). Confesso que eu não achei assim tão terrível a sua participação de garota da largada. Achei até aceitável dentro da proporção de uma corrida no Rio de Janeiro, mas não precisava daquele: "Cheeeeeguei!!!" (kkk)
Preciso destacar aquela cena na garagem logo no início, onde o Dom observa várias fotos do seu passado e de sua família, inclusive fotos icônicas dele junto com o Brian (Paul Walker). Nessa mesma cena a personagem da Rita Moreno (que foi escalada como a avó de Dom) o conforta com palavras. Uma bela cena com o instrumental da canção "See You Again" de fundo. Claramente podemos observar que nessa cena não era o Dominic Toretto ali, mas sim o próprio Vin Diesel se emocionando. Esta cena foi real, não foi uma atuação.
Agora uns pontos curiosos que eu me pergunto durante o filme:
Se tínhamos aquele filho do vilão lá de 2011 insaciável por vingança, porque demorou tanto para aparecer? Estava reunindo forças?
Qual o sentindo (ou motivo) em mudar o filho do Toretto? Será que não seria o caso de pedirem um exame de DNA no Ratinho?
E esta velha mania dos vilões dos filmes anteriores ajudarem nos próximos?
E esta velha mania de reviverem os mortos? Quando utilizaram as "Esferas do Dragão" que eu não vi? Nessa onda de trazerem os mortos de volta à vida, já poderiam ter trazido de volta o lendário Vince (Matt Schulze).
Sung Kang sugeriu que os fãs iniciassem uma campanha de hashtag nas redes sociais, como fizeram com o seu próprio personagem com a tag "Justice for Han", para trazer de volta a Gisele de Gal Gadot para esta edição. Bem, parece que funcionou né. Afinal de contas na última cena vemos quem saindo de dentro do já lendário submarino? Simplesmente a lindíssima Gal Gadot e sua Gisele Harabo.
Em agosto de 2021, foi confirmado que Dwayne Johnson não apareceria mais em nenhum filme de "Velozes e Furiosos". Ou seja, muito curioso aquela cena pós-crédito com a aparição exatamente de ninguém mais ninguém menos que Luke Hobbs.
"Velozes e Furiosos 10" teve um orçamento de produção estimado em US$ 340 milhões, sendo o oitavo filme mais caro já feito. A produção arrecadou menos de $ 720,4 milhões em todo o mundo, tornando-se o terceiro filme de maior bilheteria de 2023. Além da sequência parte 2 com "Velozes e Furiosos 11" que está em desenvolvimento e programada para ser lançada em 2025, já está sendo desenvolvido o "Velozes e Furiosos 10: Hobbs and Reyes". Que nada mais é do que um filme solo do personagem Luke Hobbs interpretado por Dwayne Johnson e Dante Reyes de Jason Momoa que está previsto para sair em 2024. Assim como já aconteceu em 2019 com "Velozes & Furiosos: Hobbs & Shaw".
Por fim, "Velozes e Furiosos 10" entrega tudo que promete, que é exatamente uma produção forçada, exagerada, mentirosa, pastelona, galhofa e sem noção. Mas quem é que liga? Afinal de contas eu já estou mais do que acostumado e familiarizado com o que "Velozes e Furiosos" se tornou ao longo dos filmes e dos anos, que é exatamente aquela produção com o único intuito de divertir e entreter. [08/07/2023]
"Psicose" é produzido e dirigido por Gus Van Sant, roteirizado por Joseph Stefano (do clássico) e estrelado por Vince Vaughn, Julianne Moore, Viggo Mortensen, William H. Macy e Anne Heche. É um remake moderno de "Psicose" de Alfred Hitchcock de 1960, e ambos os filmes são adaptados da obra-prima literária de 1959 de Robert Bloch.
Ao longo da minha saga dentro do universo de "Psicose" eu sempre afirmei que a obra-prima do mestre Hitchcock sempre foi completamente irretocável e autossuficiente, sem a menor necessidade de continuações e muito menos remakes.
Já inicio com algumas perguntas extremamente importantes dentro da indústria cinematográfica: Porque existe remake? Quem inventou os remakes? Quem teve a brilhante ideia de achar que obras irretocáveis do passado necessitavam de remakes? Qual a necessidade de reviver uma obra imortalizada e eternizada em um remake?
Fato é que os remakes sempre existiram, existem e continuarão existindo. Sempre alguém terá a magnífica ideia de pegar uma obra-prima do passado e reviver em um remake moderno. Sempre terá algum estúdio, alguma produtora, alguém que financie tais acontecimentos que na sua grande maioria são completamente desnecessários e dispensáveis.
Temos aqui um remake que se enquadra perfeitamente no caso de um remake completamente desnecessário e inteiramente dispensável. O remake de "Psicose" é simplesmente inexplicável, injustificável e inaceitável.
"Psicose" é praticamente um Ctrl+C e Ctrl+V do original, onde a principal diferença está exatamente na questão de ter sido filmado em cores (pois o clássico foi filmado em preto e branco). A outra questão é o fato da modernização da obra para o final dos anos 90, porém não deixa de ser uma recontagem cena a cena muitas vezes copiando os movimentos e a edição da câmera do próprio Hitchcock. Isso também inclui o roteiro original, além dos diálogos e da trilha sonora, cuja partitura musical de Bernard Herrmann (compositor do clássico) também é reutilizada, embora com um novo arranjo de Danny Elfman (compositor da trilha sonora da trilogia "Homem-Aranha", do Nolan) e Steve Bartek (ex-integrante da banda de rock "Oingo Boingo").
O diretor Gus Van Sant ("Gênio Indomável" de 1997, um de seus melhores filmes) sempre foi um grande admirador do clássico de 1960, e após o sucesso financeiro exatamente de "Gênio Indomável", a Universal Pictures concordou em optar por sua proposta de remake de "Psicose". Porém a proposta de Gus Van Sant em refazer o filme cena a cena gerou uma certa estranheza por parte do estúdio, que chegou a considerar uma ideia muito arriscada por parte do diretor. A própria ideia de refazer o clássico já era uma ideia muito arriscada e perigosa, pois vamos combinar que mexer em uma obra-prima clássica já é arriscado, ainda mais se tratando de um obra-prima de ninguém mais ninguém menos que o eterno mestre do suspense - o gênio Alfred Hitchcock. E o mais bizarro disso tudo foi o fato de Gus Van Sant ter sido perguntado o porque de refazer o clássico e o mesmo responder: "É um esquema de marketing. Porque sempre têm uma coisinha que esqueceram que poderiam colocar no mercado e ganhar dinheiro com isso."
A ideia em criar um remake de "Psicose" totalmente plano a plano foi inteiramente de Gus Van Sant. Pois ele próprio admitiu ter comprado uma versão original do filme em DVD e passou a dirigir seu filme tendo o original como base. Até os prováveis erros encontrados na versão clássica ele queria copiar em seu filme, sempre na intenção de fazer com que o seu "Psicose" fosse o mais parecido possível com o original. Sem dúvida a vontade de Gus Van Sant era ressuscitar o Hitchcock para que assim ele pudesse trabalhar ao lado do mestre nesse seu remake.
Além da projeção de um remake moderno de "Psicose" e as filmagens terem sido realizadas em cores, o longa apresenta pequenas diferenças em termos visuais, pequenos detalhes da trama, bem como as representações dos personagens pelos atores. Além da ideia de Gus Van Sant em atualizar alguns elementos de roteiro e ajustar as referências ao dinheiro que seriam anacrônicas em um cenário moderno. Ou seja, a quantia que Marion Crane (Janet Leigh) roubou no filme original foi de $ 40.000 dólares, já no remake a mesma Marion Crane (Anne Heche) roubou a quantia de $ 400.000 dólares. Outras mudanças perceptíveis estão justamente no Motel Bates, que ganhou uma modernizada em sua aparência, além da modernizada na icônica placa de entrada e a adição de um letreiro enorme com o nome do Motel sobre os quartos.
Se este remake de "Psicose" é praticamente 100% fiel à obra original, foi projetado e filmado nos moldes e plano a plano do clássico e ainda a cores. Então porque é um filme ruim? Simplesmente por ser um remake sem brilho, sem alma, sem corpo, sem estruturas, sem conexão com o espectador, sem nenhuma relevância para o universo "Psicose", sem agregar ou somar nada para a franquia. É um remake completamente infundado, desprovido de brio, de inteligência, mal feito, mal projetado, sem identificação com nada, sem harmonia com nada. Um remake que nunca foi pedido por ninguém, completamente desnecessário, dispensável, inútil, pífio, sem graça, inexplicável, injustificável e inaceitável. Sem falar na escolha do elenco e suas interpretações, onde pra mim está o maior problema desse remake de "Psicose".
É incrível como o elenco desse remake é completamente inexplicável. E olha que não estamos falando de atores ruins, mas definitivamente nada deu certo em questões de elenco e seus personagens. Vou começar pela única de todo o elenco que eu ainda consegui gostar, que é justamente a Anne Heche (infelizmente falecida em agosto do ano passado). Anne conseguiu se encaixar até que bem na personagem, e olha que esta é uma tarefa dificílima, pois estamos falando de uma personagem que ficou imortalizada pela eterna e saudosa Janet Leigh. Porém confesso que a versão de Marion Crane da Anne Heche ficou boa, se destacando como a única personagem aceitável de todo o elenco. E olha que a Marion Crane foi inicialmente programada para ser interpretada por Nicole Kidman, mas ela foi forçada a deixar o papel devido a problemas de agendamento. Drew Barrymore também foi considerada para o papel antes de Anne Heche ser escalada.
Se eu falei da melhor personagem desse remake, agora eu preciso destacar o pior: Vince Vaughn ("Até o Último Homem", de 2016) foi uma péssima escolha para reviver o papel de um dos maiores maníacos e psicopatas da história do cinema. Quem em sã consciência achou que o ator se encaixaria bem no lendário e eterno Norman Bates? E pior, quem aceitou esta escolha? E o problema aqui é tudo, desde o próprio Vince Vaughn, que é um ator apenas ok, passando pela sua interpretação de Norman Bates punheiteiro que é horrível, e aquela sua atuação decadente de um Norman Bates com 1 metro e 96 centímetros. Vince Vaughn já tem a cara de psicopata, só de olhar para ele em sua primeira aparição em cena você já identifica exatamente isso, principalmente quando ele exibe seu primeiro sorriso amarelo para a Marion. Mas nem isso o ajudou, o que o deixa como uma ofensa para a memória do lendário Norman Bates do saudoso Anthony Perkins.
Julianne Moore ("May December", desse ano) é uma excelente atriz, que ao longo de sua carreira já nos brindou com ótimas personagens, como a eterna e inesquecível Marlene Craven no clássico incompreendido "A Mão Que Balança o Berço", de 1991. Aqui nesse remake a própria Julianne Moore disse que optou intencionalmente em retratar a personagem Lila Crane como uma personalidade mais agressiva em contraste com a icônica interpretação de Vera Miles, no original. Devo afirmar que esta decisão da Julianne foi uma péssima escolha, pois sua versão de Lila Crane é horrorosa, completamente destoada, desorganizada, sendo excessivamente forçada. Se tem uma palavra que define perfeitamente a atuação da Julianne, esta palavra é forçada, pois ela força o tempo todo para sua personagem ser mais agressiva, ser mais rebelde, parecer ser muito corajosa, que no fim ficou uma atuação banal e muito ruim.
O grande ator William H. Macy (completamente impecável em "Fargo", de 1996) caiu de paraquedas no meio dessa bagunça. O próprio ator disse optou por permanecer fiel ao retrato de seu personagem no filme de 1960. Porém ele não ficou assim tão fiel, pois o icônico Detetive Arbogast do Martin Balsam era muito mais agressivo, mais desafiador, mais debochado em suas investigações, principalmente quando estava desafiando o Norman Bates. Já a versão de Arbogast do William H. Macy é mais branda, mais suave, ele próprio transparece uma personalidade mais amena, mais serena, que parece não estar muito preocupado com o caso.
Já o galã da época, Viggo Mortensen ("Green Book", de 2018), é uma versão de Sam Loomis completamente perdida no filme. E quando ele está contracenando com a Julianne Moore fica pior ainda. Outra péssima escolha de elenco desse remake.
Um ponto positivo desse remake está justamente por ser uma versão modernizada a cores, que obviamente as cenas com sangue vai demonstrar uma violência gráfica muito maior que o original. No clássico a película em preto e branco foi feita por opção do próprio Hitchcock, que considerava que a cores o filme ficaria ensanguentado demais, ou seja uma preocupação com a recepção do público da época. Exatamente por este motivo que a obra de 1960 apresenta pouco derramamento de sangue visual em suas sequências de assassinato. Já o remake apresenta uma violência mais explícita, particularmente durante a sequência da icônica cena no chuveiro; onde o sangue é mostrado escorrendo pelos ladrilhos da parede, bem como visíveis facadas nas costas de Marion Crane quando ela desmaia na banheira, além de ainda mostrar as nádegas da personagem quando ela morre, aspecto cortado do filme original.
Outro ponto positivo é exatamente a presença da clássica trilha sonora estridente, incomoda e penetrante de Bernard Herrmann. Principalmente na lendária cena do chuveiro, onde fez total diferença com a violência mais explícita devido a presença do sangue a cores. Sem falar que aquela música instrumental clássica do original era tocada em praticamente 100% das cenas (principalmente no início).
"Psicose" foi lançado nos Estados Unidos em 2.477 cinemas, ficando em segundo lugar nas bilheterias domésticas com uma receita bruta de fim de semana de $ 10.031.850. O remake passou a ganhar um total de $ 37.141.130 na bilheteria mundial e $ 21.456.130 no mercado interno. O orçamento de produção do filme foi estimado em US$ 60 milhões.
O longa-metragem foi premiado com dois prêmios do Framboesa de Ouro de 1999, sendo para Pior Remake e Pior Diretor para Gus Van Sant, enquanto Anne Heche foi indicada para Pior Atriz, onde perdeu o troféu para as "Spice Girls" pelo "Spice World". Por outro lado, no 25º Saturn Awards, o filme foi indicado ao Saturn Awards de Melhor Atriz Coadjuvante por Anne Heche e Melhor Roteiro por Joseph Stefano.
No Rotten Tomatoes, "Psicose" detém um índice de aprovação de 40% com base em 78 avaliações, com uma classificação média de 5,30/10. O consenso dos críticos do site diz: "O remake é totalmente sem sentido pois não melhora e nem ilumina o original de Hitchcock". No Metacritic, o filme tem uma pontuação média ponderada de 47 em 100, com base em 23 críticos, indicando críticas mistas ou médias.
Este remake de "Psicose" é tão sem sentindo que o próprio Gus Van Sant admitiu mais tarde que fazer o remake da forma que ele fez foi um experimento que provou que ninguém pode realmente copiar um filme exatamente da mesma maneira que o original. Antes tarde do que nunca né Gus Van Sant, pelo menos admitiu que fez mer$#@.
Por fim, temos aqui mais um clássico caso do remake infundado, desnecessário, dispensável, inexplicável, injustificável e inaceitável. Isso só prova que uma obra irretocável e autossuficiente como o clássico do mestre Hitchcock jamais deveria ter sido cogitado a ideia de fazer um remake.
Como minha mãe sempre diz: "não mexe com quem tá quieto!!!"
Termino afirmando que eu como fã do eterno clássico do mestre Hitchcock e da obra-prima literária de Robert Bloch, me recuso a aceitar que este filme carregue em seu título o nome de "Psicose". Sem mais! [28/06/2023]
Psicose 4: O Começo (Psycho IV: The Beginning) 1990
"Psicose 4" foi feito direto para a televisão (sendo o primeiro filme a ser rodado na Universal Studios na Flórida), sendo dirigido por Mick Garris e novamente sendo roteirizado por Joseph Stefano (que é o roteirista do clássico de 1960). O longa-metragem serve tanto como a terceira sequência da série de filmes quanto como uma prequela de "Psicose" do mestre Hitchcock, com foco no início da vida de Norman Bates. O filme inclui ambos os eventos após "Psicose 3" enquanto foca em flashbacks de eventos que aconteceram antes do clássico. É o quarto e último filme da franquia original de "Psicose", e a última aparição de Anthony Perkins na série antes de sua morte em 1992.
"Psicose" (1960) é aquele clássico absoluto, aquela obra-prima irretocável, aquela obra de arte impecável, simplesmente um dos melhores filmes de suspense de todos os tempos, sendo completamente autossuficiente e sem a menor necessidade de continuações e desmistificação acerca do Norman Bates. Porém, "Psicose 2" é aceitável como um continuação do clássico, e muito por conter um roteiro novo e que soa bastante intrigante e curioso. Já "Psicose 3" não tem jeito, definitivamente é o pior filme da série original de "Psicose", e exatamente por ser uma continuação completamente perdida e desnecessária, com um roteiro péssimo e um elenco deprimente (tirando o Anthony Perkins, é claro).
"Psicose 4" eu vejo na mesma linha de "Psicose 2", que é justamente uma continuação desnecessária e dispensável, porém coerente e aceitável. O mais curioso (e absurdo) desse roteiro de "Psicose 4" é justamente o fato de Norman Bates ter sido novamente solto e reintegrado na sociedade, além de ter se casado e sua esposa estar grávida. Ou seja, totalmente tranquilo e aceitável um maníaco psicopata do calibre do Norman Bates ter sido liberado do sanatório pela segunda vez e ter constituído uma família. Mas ok! Vamos ignorar esta parte do roteiro.
Quando eu afirmo que "Psicose 4" tem um roteiro aceitável, é justamente por nos trazer uma visão sobre o início de toda a história, nos mostrar o começo de Norman Bates, que até então era uma parte nunca explorada nos filmes anteriores e que poderia facilmente despertar a nossa curiosidade. E foi exatamente nesse fator que o roteiro se apegou, em nos contar a história de Norman Bates desde a sua infância, passando pelo falecimento de seu pai, até chegar em sua adolescência e seus primeiros envolvimentos com as garotas. Envolvimentos esses que eram sexuais e que eram sempre repreendido por sua mãe, que aplicava uma forte repressão sexual em Norman. De fato esse é um ponto muito curioso e muito interessante em "Psicose 4", nos mostrar como foi a criação e a educação que a mãe aplicou em Norman. Ou seja, nos mostrar em como ela teve participação e uma influência direta na formação de caráter de Norman Bates, em como ela transformou seu próprio filho em um demônio perturbado e psicopata.
E aqui entra o formato que o filme apostou e que eu achei interessante para todo o contexto que a história estava sendo contada. Que é justamente um formato que mostra o presente, com o Norman Bates decidindo ligar para um programa de rádio para contar sobre seu matricídio, com aquele contraponto de todos os abusos que sua mãe o expunha durante boa parte de sua adolescência sendo revividos através de flashbacks. De fato eu considero um acerto este formato que história foi contada, pois ter o próprio Norman do presente narrando os acontecimentos do Norman do passado deu mais peso e mais corpo para toda a história, além de criar uma motivação e uma relevância ainda maior sobre os flashbacks que eram apresentados. Sem falar que todo contexto que estava sendo desenvolvido através das ligações de Norman, deu um direcionamento para as pessoas que o ouvia sobre o planejamento do seu próximo assassinato.
Outro ponto que foi trazido exclusivamente para "Psicose 4" e que é bastante contundente, é exatamente nos elucidar sobre a mente deturpada e doentia de Norman Bates, nos mostrar seus primeiros assassinatos, e ir ainda mais além, que é nos apresentar a figura da Sra. Bates e nos mostrar que se Norman Bates era desequilibrado e perturbado, sua mãe era muito pior.
Incrível como a Norma Bates (Olivia Hussey) foi a principal responsável pela transformação de seu próprio filho durante a fase da infância para a adolescência. Incrível como a própria mãe impunha todos os limites cruéis para o próprio filho, em como ela o machucava com as palavras, que sim, as suas palavras o marcavam mais que qualquer tipo de violência física. Incrível em como a própria mãe foi a responsável pela criação e a transformação de um psicopata.
Este é o ponto alto do roteiro de "Psicose 4", exatamente a abordagem acerca dos distúrbios psicológicos de Norman Bates, que foram adquiridos através da sua própria mãe. E aqui entra um ponto ainda mais intrigante dentro filme, que é o "Complexo de Édipo" e o "Complexo de Jocasta" que Norman sofria durante sua adolescência, que era justamente o desejo sexual pela mãe que ele teoricamente sentia. O filme não deixa isso evidente, mas dá a entender que a mãe também teria alguma atração sexual pelo Norman, como o fato dela sempre deixar claro que não queria que ele se envolvesse sexualmente com outra garota, que ele seria só dela, seria sempre o filhinho da mamãe. Podemos até comprovar tais fatos como naquela cena que ela pede que ele retire toda a sua roupa molhada e se deite agarrando ela junto ao seu corpo nu. Além de outras cenas que mostrava o Norman sobre o corpo da mãe e ele ficando excitado por estar tocando com o membro nela e ela ainda percebia sua excitação. É nessa hora que Norma impõe uma castração simbólica em Norman, exigindo que ele se aceitasse como uma menina. É também nessa hora que Norma obriga Norman a usar vestido e batom, ativando assim vários gatilhos e distúrbios psicológicos em Norman.
É muito claro que existia um abuso da Norma com o filho. Agora até que ponto ia esse abuso não sabemos, pois o próprio Norman afirmou durante uma de suas ligações que nunca houve um incesto. E todos esses abusos que a mãe estabelecia sobre Norman inevitavelmente ativou o seu gatilho dos ciúmes. Pois quando ela passa a namorar e passa a transar abertamente com seu namorado, isso atacava diretamente a mente de Norman, que naquela altura já estava completamente desequilibrada e perturbada, pois a mãe sempre considerou o Norman como o único homem da casa. Todo esse comportamento da mãe fatalmente levou Norman a cometer o matricídio (assassinato da própria mãe).
Sobre o assassinato da mãe e do seu namorado, o roteiro segue exatamente a história que conhecemos e que vem sendo contada desde o clássico, que foi feito através do envenenamento. Por sinal a partir desse ponto em questão temos algumas cenas bem interessantes e que ficaram boas no contexto geral do filme. O desfecho final eu já acho que perdeu um pouco do peso e da credibilidade que tinha sido conquistada no decorrer de toda a história. Sendo justamente pela a decisão do Norman em levar a sua esposa Connie (Donna Mitchell) até a antiga casa da mãe para assassiná-la juntamente de seu filho que ela estava esperando. Todo discurso que foi criado pelo próprio Norman que o evidencia em tal decisão em matar o próprio filho, eu achei bem questionável. Porém, no final temos uma cena pouco provável, que é justamente aquele desfecho final fofinho e feliz com o poder do amor tocando o coração do Norman Bates, quem diria. Acho que todas aquelas ligações e seus depoimentos lhe serviram como uma terapia para agir dessa forma exatamente no final. Pois ele próprio decide se livrar de tudo que esteja ligado com o seu passado, como a própria casa da mãe, que ele decide tocar fogo em tudo. É uma sequência de cenas até interessantes, mostrando a mente perturbada de Norman revivendo os fantasmas dos seus assassinatos dentro da casa no meio do incêndio. E no fim ele profere a frase: "Estou Livre!" Por outro lado o porão mostra que o espírito da sua velha mãe jamais sairá dali.
Se em "Psicose 3" temos um elenco completamente medíocre, em "Psicose 4" todos estão bem e funcionam perfeitamente dentro da proposta de cada um para a história. Pela primeira vez na história o maior destaque de um filme "Psicose" não é o Anthony Perkins e seu lendário Norman Bates. Dessa vez o maior destaque desse elenco é sem dúvida a Olivia Hussey ("Romeu & Julieta", de 1968) e sua admirável Norma Bates. Eu fiquei boquiaberto com o nível de entrega de Olivia Hussey em sua personagem, que por sinal era uma MILF muito irresistível. Era realmente difícil o Norman resistir aos encantos da Norma naquela época, fatalmente ela destruiria toda a sua mente e sua cabeça, como ela realmente fez. Olivia Hussey personificou uma Norma Bates completamente desequilibrada, desestabilizada, perturbada, doentia, perversa, má, soturna, doente, que expunha todos os limites mentais do seu próprio filho, que lhe exigia comportamentos extremos e cruéis, sempre com uma postura depravada, com um sorriso maléfico e uma mente completamente sádica. A personagem Norma Bates foi oferecida a Olivia Hussey, que não precisou fazer qualquer teste para o papel; e ela simplesmente incorporou uma excelente, uma impecável Norma Bates.
Outro fato inédito é a própria apresentação do Anthony Perkins, que dessa vez não era o mesmo Norman Bates que conhecemos, não tinha o mesmo vigor, não teve a mesma relevância, não teve a mesma atuação, ficando bem aquém do que ele próprio já apresentou anteriormente. Olhando para o Perkins em cena fica claro que ele não estava a vontade no personagem como ele sempre esteve, dessa vez algo o incomodava, algo o atrapalhava, ele já mostrava sinais de cansaço, de esgotamento, já nos mostrava estar bem debilitado fisicamente e até mentalmente. Podemos associar tudo isso que eu descrevi pelo fato da sua doença, pois Perkins sofria com AIDS e pneumonia, vindo a falecer com menos de dois anos do lançamento de "Psicose 4". O filme foi lançado nos EUA em 10 de novembro de 1990 e Anthony Perkins faleceu em sua residência na Hollywood Hills em 12 de setembro de 1992, por complicações relacionadas à SIDA (síndrome de imunodeficiência adquirida). O mundo do cinema perdia um artista naquele dia.
Henry Thomas (o Jack Torrance de "Doutor Sono", de 2019) foi outro grande destaque no filme. Henry foi o responsável em dar vida para o jovem Norman Bates, contracenando diretamente com a Olivia Hussey. Henry trouxa a figura de um adolescente assustado, tímido, acanhado, quando o assunto era direcionado à garotas. Sempre mantendo uma postura sisuda, introspectiva, sombria, onde seu principal meio de comunicação era seus pensamentos ocultos. Em cena Henry esteve muito bem no personagem, contracenou perfeitamente com a Olivia e se mostrou muito seguro e muito corajoso.
CCH Pounder (a Mo'at de "Avatar: O Caminho da Água", de 2022) foi a personagem Fran Ambrose, a Locutora do programa de Rádio que o Norman sempre acompanhava e decidiu ligar para contar a sua história. Pounder conseguiu se destacar com sua personagem que a princípio era uma simples locutora interessada na história do Norman, mas logo após ela ganha mais relevância na história quando ela descobre o plano de Norman relacionado ao seu próximo assassinato.
Mick Garris estava fazendo a sua estreia no cinema ao dirigir "Psicose 4". E ele foi até bem nessa sua estreia dentro das suas possibilidades e suas limitações. Já relacionado a trilha sonora, aqui temos a única das sequências de "Psicose" a usar a trilha sonora composta pelo lendário Bernard Herrmann para o filme original. Por sinal a abertura do filme já inicia com aquela clássica música tema de "Psicose". Este é o ponto alto da trilha sonora de Graeme Revell (lendário compositor da icônica trilha de "A Mão Que Balança o Berço", de 1991), o seu poder de nostalgia.
Agora eu trago algumas curiosidades sobre "Psicose 4":
- Quando Norman Bates fala pela primeira vez no programa de rádio ele diz que seu nome é Ed. Robert Bloch, autor do livro o qual "Psicose" foi baseado, criou Norman Bates tendo por base um serial killer verídico chamado Ed Gein, que atacava no estado de Wisconsin, nos EUA.
- O psicólogo deste filme chama-se Leo Richmond, que foi interpretado por Warren Frost. Trata-se de uma referência a Fred Richmond (interpretado por Simon Oakland), personagem de "Psicose" original, de 1960.
- Janet Leigh, estrela de "Psicose" original, apresentou "Psicose 4" em sua primeira exibição na TV americana.
- As filmagens de "Psicose 4" duraram apenas 24 dias, porém vários finais diferentes foram rodados, de forma a manter em sigilo o escolhido.
- Os turistas que visitam o Universal Studios na Flórida podem visitar a casa onde as filmagens de "Psicose 4" aconteceram.
Por fim, temos aqui o quarto e último capítulo da clássica franquia de "Psicose" (pois em 1998 tivemos apenas o contestável remake do original). Assim como já afirmei em minhas análises passadas, de fato o clássico do mestre Hitchcock sempre foi considerado irretocável e autossuficiente, sem nenhuma necessidade de remexer nesse universo que já estava imortalizado e eternizado na cabeça de todos nós cinéfilos. Mas como já é de praxe, a produtora detentora dos direitos comerciais jamais deixaria o filme morrer e muito menos o seu protagonista ser esquecido. Sendo assim o universo de Norman Bates foi revivido e revirado nessas três contestáveis continuações - que por si só todas já soam como continuações desnecessárias e dispensáveis.
Porém, "Psicose 4" é sim um bom filme, que além de tudo ainda teve influências direta na série "Bates Motel" (2013 / 2017), se destacando como uma boa continuação (que funciona como prequela) aceitável e coerente, que consegue prender a nossa atenção com um bom elenco, com um bom roteiro, que confronta fatos do presente e do passado dentro da mesma história, e ainda nos exemplifica como foi a participação direta da Sra. Bates na formação e desenvolvimento de um dos maiores maníacos e psicopatas da história do cinema - o lendário e eterno Norman Bates. [23/06/2023]
"Psicose 3" é o terceiro filme da franquia "Psicose", novamente sendo estrelado por Anthony Perkins, que além de reprisar o papel de Norman Bates, agora ele também dirige o filme. O roteiro é escrito por Charles Edward Pogue. "Psicose 3" não tem relação com o terceiro romance de Robert Bloch, "Psycho House", pois o mesmo foi lançado em 1990. O filme se passa um mês após os eventos de "Psicose 2", onde Norman Bates ainda dirige o Motel Bates com o cadáver da Sra. Emma Spool (Claudia Bryar) ainda abrigado em sua casa. Maureen Coyle (Diana Scarwid), uma freira suicida por quem Norman se apaixona, chega ao Motel junto com um vagabundo chamado Duane Duke (Jeff Fahey). Uma repórter também tenta resolver o misterioso desaparecimento da Sra. Spool enquanto alguém começa outra onda de assassinatos.
"Psicose 3" marca a estreia de Anthony Perkins como diretor. E ele já abre seu filme prestando uma verdadeira homenagem ao seu grande mentor, o eterno mestre Alfred Hitchcock. Pois bem, a cena de abertura nos mostra uma noviça que se encontra em um estado suicida no topo de uma torre de uma igreja. Logo após a madre superiora despenca lá de cima quando ela tentava recobrar a razão da jovem freira, que sempre proferia a frase "Deus não existe!", e na cena a câmera pega exatamente o ângulo de cima da madre caindo. Ou seja, temos ali uma clara referência ao filme "Um Corpo que Cai" (Vertigo, de 1958) do mestre Hitchcock. Achei muito interessante que na sua estreia como diretor, Perkins decidisse criar uma cena que tivesse ligações direta como toda a sua história em "Psicose 3", porém soando como uma grande homenagem ao eterno mestre do suspense.
Anthony Perkins queria ir mais além em suas homenagens ao mestre Hitchcock, pois ele sugeriu que "Psicose 3" fosse rodado em preto e branco (como uma homenagem ao clássico de 1960), porém a Universal Pictures vetou a sua ideia. Eu acredito que na década de 60 essa decisão em rodar a obra em preto e branco foi uma decisão acertada do mestre Hitchcock, até pela censura da época e para não chocar o público também da época. Já nos anos 80 a censura já não era assim tão rígida, as produções cinematográficas já apresentavam melhor todo o gore em seus slasher movies. É claro que a Universal Pictures queria potencializar a violência e o gore em "Psicose 3", queria demonstrar a violência extrema de um dos maiores maníacos e psicopatas da história do cinema em cores.
Em "Psicose 2" eu afirmei que a obra-prima do mestre Hitchcock era autossuficiente e irretocável, sem nenhuma necessidade em criar continuações ou remakes. Logo todas as produções que vieram após o clássico de 1960 eu considero como desnecessárias e dispensáveis. "Psicose 2" também entra na lista de continuações desnecessárias e dispensáveis, porém o roteiro do filme é interessante e constrói uma nova história que soa intrigante e desperta a nossa curiosidade. Que é justamente toda abordagem acerca do Norman Bates e sua reabilitação se referindo ao seu comportamento quando ele volta a reintegrar uma sociedade. Ou seja, por mais autossuficiente que a obra-prima do mestre Hitchcock foi, mas "Psicose 2" ainda é aceitável dentro desse universo como uma continuação do clássico. Já em "Psicose 3" eu não posso afirmar o mesmo.
"Psicose 3" é a verdadeira personificação de uma continuação completamente desnecessária e dispensável. O roteiro é péssimo, vergonhoso, pífio, onde o mesmo é mal escrito, mal desenvolvido, mal projetado, nos trazendo uma história sem nenhum sentido, sem agregar absolutamente nada e sem nenhuma relevância dentro do universo "Psicose". O roteiro de "Psicose 3" é inteiramente perdido e totalmente bagunçado, pois é nítido como o roteirista se perdeu ao escrever um texto que passa o tempo todo tentando se achar e atirando para todos os lados. Pois aqui temos tantos personagens e tantas histórias se misturando e se esbarrando uma na outra, que no fim nenhuma foi bem abordada e nenhuma teve um fechamento no mínimo interessante.
Vamos lá: Temos a história da noviça revoltada, atormentada e perturbada, que foge do convento e vai para o Motel, e depois novamente tenta se suicidar e vê uma aparição da Virgem Maria. Temos um zé ninguém que se intitula músico e decidi aceitar o emprego no Motel Bates unicamente para levantar uma grana e depois cair fora. Temos uma repórter se intrometendo na vida do Norman pelo fato dela querer saber mais sobre a sua história para um artigo sobre serial killers que ela está preparando. Ou seja, temos uma mistureba só, uma verdadeira salada de fruta do roteiro.
Em "Psicose 2" eu também afirmei que o roteiro se mostrava até autêntico, sem precisar fazer uso de uma cópia barata do clássico sessentista. Novamente não posso dizer o mesmo de "Psicose 3". Pois aqui me soa como uma cópia barata exatamente na decisão em trazer a personagem Maureen Coyle com uma extrema semelhança da personagem clássica da Marion Crane (Janet Leigh). E a explicação era justamente que a personagem se assemelhasse ao máximo com Marion para causar um transtorno e perturbar a mente do Norman Bates, que obviamente iria se lembrar de todo o ocorrido na clássica cena do chuveiro. Sem falar que ainda colocaram as iniciais MC em sua mala para confundir ainda mais a mente perturbada do Norman, que logo desperta um desejo por ela. Não gostei dessa construção na história, achei totalmente sem criatividade e só mostra a extrema fragilidade e superficialidade desse roteiro.
Novamente temos toda abordagem sobre a figura oculta da Sra. Bates, que agora nada mais é do que a Sra. Spool. E aqui entra mais um ponto confuso e mal desenvolvido desde o final de "Psicose 2", que é todo esse discurso de quem é mãe e quem é tia de Norman Bates. "Psicose 3" perdeu muito a sua essência e o seu teor de suspense, de mistério, de sombrio e consequentemente do terror. Agora temos uma verdadeira farofa que passa por investigativo, sobrenatural, romance, cenas eróticas e até analogias religiosas. Sem falar que aqui as mortes são mais violentas se comparadas com os filmes anteriores, tem mais sangue, mais gore, praticamente um slasher movie oitentista. Porém, as mortes podem até ser mais violentas pela presença do sangue mais explícito, mas não deixam de ser mortes bem patéticas.
Outro ponto bastante questionável em "Psicose 3" é justamente às tentativas em construir reviravoltas coerentes dentro da história - o que não deu lá muito certo! Inicialmente o roteiro de Charles Edward Pogue (junto com a vistoria de Anthony Perkins) indicava que o personagem Duane fosse o verdadeiro assassino da história, ao copiar os passos de Norman Bates reproduzindo os crimes por ser obcecado pelo psicopata. Logo a Universal Pictures vetou a ideia, alegando que o vilão do filme precisava ser Norman Bates (como sempre). A própria Maureen não seria a noviça rebelde, ela seria uma psiquiatra neurótica que foi enviada para substituir o Dr. Raymond (Robert Loggia) do filme anterior. E pasmem, a personagem da noviça estava sendo designada para ninguém mais ninguém menos que a Janet Leigh (a icônica Marion Crane), que voltaria como uma outra personagem para atormentar a mente de Norman Bates. Eu confesso que fiquei curioso se esta decisão do roteiro tivesse sido levado adiante, porém, novamente a Universal vetou essa ideia.
O elenco de "Psicose 3" não tem nenhum destaque e nenhuma relevância, tirando obviamente o Anthony Perkins. Perkins já é a personificação de Norman Bates, já está imortalizado e eternizado no personagem. E aqui novamente ele dá um verdadeiro show na pele do psicopata, sendo perfeito e impecável em 100% das suas cenas (não tem como, ele é magnífico). Diana Scarwid foi até esforçada em sua personagem Maureen. O mesmo vale para o Jeff Fahey e seu depravado e desocupado Duane Duke. Já a Roberta Maxwell é totalmente perdida na história junto com sua personagem Tracy.
Se na questão da interpretação de Norman Bates o Anthony Perkins é um verdadeiro mestre, já não posso dizer o mesmo dele como diretor, que obviamente deixou a desejar e infelizmente não aconteceu. Já na questão da trilha sonora, Perkins abordou pessoalmente o compositor Carter Burwell para que ele se encarregasse da trilha de seu filme. Já que Perkins havia gostado do seu primeiro trabalho em "Gosto de Sangue" (de 1984 dos irmãos Coen). Perkins afirmou que queria levar a trilha sonora de seu filme em uma direção mais contemporânea do que Jerry Goldsmith fez para sua trilha mais tradicional em "Psicose 2".
"Psicose 3" arrecadou $ 3,2 milhões no fim de semana de estreia e arrecadou $ 14,4 milhões nas bilheterias domésticas dos Estados Unidos com um orçamento de $ 8,4 milhões, tornando-se o capítulo menos rentável da franquia "Psicose".
Infelizmente "Psicose 3" não aconteceu, não conseguiu chegar nem perto do horror elementar do clássico e se tornou apenas mais um capítulo perdido no meio de toda a franquia. Com certeza aqui temos o velho caso de uma continuação infundada, desnecessária e dispensável, que tenta desesperadamente envolver o espectador com um roteiro péssimo, cheio de incongruências, com um elenco medíocre e um final irrelevante. Uma verdadeira mancha no universo de "Psicose". [17/06/2023]
"Psicose 2" é dirigido por Richard Franklin, escrito por Tom Holland e estrelado por Anthony Perkins, Vera Miles e Meg Tilly. É a primeira sequência do eterno clássico "Psicose" do mestre Alfred Hitchcock de 1960 e o segundo filme da franquia "Psicose". Situado 22 anos após o original, o longa segue Norman Bates (Perkins) depois que ele é liberado da instituição mental e retorna para a casa e para o Bates Motel para continuar uma vida normal. No entanto, seu passado conturbado continua a assombrá-lo quando alguém começa a assassinar as pessoas ao seu redor. O filme não tem relação com o romance "Psicose 2" de 1982 de Robert Bloch, que ele escreveu como uma sequência de seu romance original de 1959, "Psicose".
Recentemente eu tive a honra de ler a obra-prima de Robert Bloch - "Psicose". É de fato uma experiência incrível, surreal, arrebatadora, envolvente, misteriosa, enigmática e bastante sombria. Virou um dos meus livros da vida, principalmente por colocá-lo como um dos maiores thrillers da literatura de todos os tempos. Já esta continuação - "Psicose 2" - eu confesso que desconhecia da sua existência, sequer tinha imaginado que o Robert Bloch havia escrito uma segundo livro como continuação de "Psicose". Ainda não pesquisei, mas acho que deve ser difícil encontrar versões em português.
Com a ideia de fazer uma continuação do clássico de 1960, a Universal decidiu contratar o desconhecido (na época) Tom Holland para escrever o roteiro (mais tarde ele seria conhecido como o lendário diretor de "A Hora do Espanto", de 1985, e "Brinquedo Assassino", de 1988). A Universal queria que o Tom Holland escrevesse um roteiro totalmente diferente, já que essa continuação não foi baseada no segundo livro da sequência de "Psicose" de Robert Bloch. Já a direção ficou a cargo do diretor australiano Richard Franklin, aluno do mestre Hitchcock. O filme marcou a estreia de Franklin no cinema americano.
Primeiramente vamos deixar um ponto bem claro aqui: "Psicose" (1960) é um clássico irretocável, uma obra-prima da sétima arte, uma obra de arte impecável, um dos melhores filmes de suspense de todos os tempos, livre de qualquer comparação, amarração ou semelhança. Ou seja, é uma obra única, imortalizada e completamente eternizada em todos os corações cinéfilos. Disto isto, idealizar e construir uma continuação de uma obra como "Psicose", de fato é uma tarefa extremamente difícil, até para o próprio Hitchcock, que é simplesmente o eterno mestre do suspense e um dos maiores diretores da história do cinema.
Obviamente seria mais do que normal e aceitável que todo mundo criasse um certo bloqueio referente à esta obra, até por achar uma continuação completamente desnecessária e dispensável. E se analisarmos friamente de fato é uma continuação desnecessária e dispensável, que ninguém pediu, que não clamava por urgência, pois o clássico de 1960 já é autossuficiente, ou seja, não precisava ser revivido e ter uma continuação. Porém, devo confessar que aqui temos algo improvável, que parecia impossível de acontecer, que é justamente uma continuação de uma obra irretocável que não mancha a sua história e o seu legado, e ainda consegue prender a nossa atenção como uma nova construção na história que desperta a nossa curiosidade nos fazendo criar novas expectativas inseridas em um ótimo suspense (apesar das revelações finais serem ruins).
O maior acerto dessa obra é construir a sua própria identidade e não soar como uma simples cópia do clássico, o que naturalmente seria o mais provável. Outro grande acerto foi reviver o Norman Bates e a Lila Crane (que agora passou a ser Lila Loomis) sendo interpretados novamente por Anthony Perkins e Vera Miles. Só faltou mesmo o mestre Hitchcock novamente na direção, mas infelizmente ele havia falecido três anos antes, em abril de 1980.
O roteiro de "Psicose 2" pode até ser questionável nas partes finais, mas é de fato inteligente e foi bem idealizado. Pois é interessante essa ideia de redenção do Norman Bates, de poder ser reabilitado e reintegrado na sociedade, de poder conviver em sociedade, ter um emprego normal, tentar ser uma pessoa normal. Apesar de particularmente eu não acreditar muito em reabilitação, e no caso do Norman Bates, acredito que ele jamais será reabilitado e libertado da sua mente deturpada. E mais interessante ainda é o fato de parecer que realmente ele quer ser reabilitado e reintegrado na sociedade (pelo menos inicialmente é isso que nos passa). Outro ponto que eu achei bem curioso e soa muito intrigante para o desenrolar de toda a história, é o fato de usarem a própria Lila (irmã da Marion) para idealizar uma vingança contra o Norman Bates que foi libertado da justiça.
"Psicose 2" já me ganhou em sua cena de abertura, que nada mais é do que a lendária cena do chuveiro do clássico. Esta é uma das cenas mais emblemáticas da história do cinema, ainda mais por contar com aquela trilha sonora inquietante, estridente e perturbadora, e poder rever novamente esta cena é no mínimo um deleite perturbador para qualquer cinéfilo. Ao longo do filme temos várias referências ao clássico, como os inúmeros enquadramentos, as tomadas de câmeras, os takes e os focos mais fechados nos personagens. Realmente o diretor foi um bom pupilo do mestre Hitchcock e soube homenagear com dignidade o seu grande mentor.
O longa-metragem segue nos trazendo cenas novas e cenas que fazem referência ao clássico: como aquela cena do primeiro contato do Norman ao voltar a empunhar uma faca após anos de seu tratamento. Realmente foi uma cena bem interessante e condizente como o contexto daquele momento na história. Temos a cena que homenageia a clássica cena do chuveiro na banheira, dessa vez sendo vivida pela Mary (Meg Tilly), que diga-se de passagem, que atriz linda na época, e que ainda conta com uma belíssima nudez durante a cena (que dessa vez foi possível de acordo com a censura da época). Nessa cena eu sinceramente achei que teríamos um remake do assassinato, ainda mais pelo fato da câmera focar no famigerado buraco na parede com aquela suspeita de alguém estar observando naquele momento.
Outro ponto que "Psicose 2" consegue manter bem em relação ao clássico, é todo clima intrigante que vai se instalando com o passar do tempo, da construção de um suspense bem palatável, de nos envolver com um ar misterioso e soturno em torno dos acontecimentos acerca de Norman Bates. Estou me referindo justamente sobre a decisão de manter o sombrio, o oculto e o mistério em volta da possível Sra. Bates, que realmente foi uma ideia boa e funcional, principalmente pelas constantes aparições daqueles bilhetes ameaçando a Mary. A própria figura da mãe reaparecendo na janela para o Norman só mostrava o quanto a sua mente ainda continuava deturpada e perturbada, ou sempre esteve. Por mais que depois descobrimos quem estava por trás de todos esses acontecimentos, e que por sinal é uma revelação bem brochante.
Este é o ponto mais questionável de todo o roteiro do filme:
Confesso que a ideia em trazer a Lila para se vingar do Norman foi uma ideia boa, afinal de contas ela não aceitava a sua reintegração na sociedade e a sua possível redenção pelo assassinato de sua irmã (eu no lugar dela também não aceitaria). Mas daí você construir todo um Plot twist que revelava que a Mary era a filha da Lila (sobrinha da falecida Marion), e que ela e a mãe estavam mancomunadas em um plano para desestabilizar o Norman e perturbar novamente a sua mente para conseguir que ele voltasse a ser condenado e voltar para o centro psiquiátrico, é no mínimo uma ideia muito ruim e sem nenhuma criatividade relevante. Sem falar que toda aquela ideia dos bilhetes ameaçadores em nome da Sra. Bates e as suas aparições na janela da casa para o Norman, serem obras da Lila e da Mary, é uma péssima escolha do roteiro.
E pra piorar, no final o roteiro desanda de vez ao apresentar cenas que são ridículas e patéticas, que nem serve como uma vingança...como na cena em que a Mary se veste de Sra. Bates e sai dando pequenas facadas no Norman, ou seja, é uma cena péssima, sem nenhum sentindo, sem nenhuma relevância para a história, que soa vergonhosa e risível. E ainda vai além, quando ela finalmente parece que vai vingar no porão a morte da tia e da mãe, o Xerife simplesmente aparece e dá um tiro nela livrando a pele do Norman mais uma vez. Até então tínhamos um bom roteiro, que soube construir uma história até curiosa e interessante, e que vinha muito bem até estas partes mencionadas. Mas essas escolhas finais jogou pelo ralo grande parte de todo acerto que foi construído durante todo o filme.
Não posso esquecer de mencionar a cena de fechamento do filme, onde temos uma curiosa aparição da Sra. Spool (Claudia Bryar) como a possível mãe verdadeira de Norman Bates. Ou seja, toda essa historinha do Norman ser adotado, da mãe fake, definitivamente não me agradou e não me convenceu. Temos aqui mais um caso que não precisaria ser mexido, que também estava autossuficiente no clássico de 1960. Pelo menos o Norman deu o mesmo final para mais uma mãe (kkk), que é o famoso chá com veneno. Agora aquela pazada no final foi muito boa hein! Dessa cena eu gostei (kkk). Agora que ele matou a Sra. Spool e a levou para o mesmo quarto da outra mãe, parece que recomeçou tudo de novo, que é ele imitar a voz da mãe junto com a dele, igual já constatamos anteriormente. Seria este o gancho para o terceiro filme?
Sem dúvida a melhor parte dessa continuação é poder contar com a monstruosa interpretação de Anthony Perkins revivendo um dos maiores maníacos e psicopatas da história do cinema - o lendário Norman Bates. Dessa vez com mais de 20 anos longe do personagem, Perkins não decepciona, pelo contrário, ele mostra ter guardado todos os trejeitos, todas as expressões, todas as facetas, toda linguagem corporal técnica e artística do equiparável Norman Bates. Anthony Perkins nasceu para o papel de Norman Bates, onde permanecerá para sempre com esta estigma, e novamente nos surpreendendo com um atuação completamente genial, impecável, irretocável e perfeita na pele do inesquecível Norman Bates.
Vera Miles foi uma grata surpresa no filme, pois eu realmente não esperava que algum dia ela pudesse reviver a sua lendária segunda protagonista do clássico "Psicose". Anteriormente como Lila Crane e agora como Lila noomis, ou seja, ela de fato se casou com o Sam Loomis (personagem do John Gavin) após os eventos finais do clássico. Lila pensou: "minha irmã morreu mesmo, não vai mais voltar, então eu caso com o seu namorado." Boa Lila (kkk). Vera desenvolve bem o seu papel de irmã inconsolada, e quando ela revela todo o seu plano ela fica ainda mais furiosa e sedenta pela vingança. Apesar que é nessa hora que eu vejo a sua atuação ficar muito caricata, com aquele ar de antagonista canastrona, onde cai um pouco de qualidade. Mas no geral foi muito bom rever a lendária Lila.
Meg Tilly foi a principal adição do elenco de "Psicose 2". E digo mais, ela foi a principal estrela ao lado de Anthony Perkins e da Vera Miles. O que causou um grande ciúmes em Perkins, pois a imprensa em geral deu mais atenção à presença da jovem (com 23 anos na época) do que a sua própria presença. Perkins tentou por diversas vezes demiti-la do elenco do filme, porém todas tentativas sem sucesso. Meg Tilly realmente se sobressaiu dos demais do elenco, tanto pela sua beleza (que era estonteante), quanto pela sua competência na personagem. E olha que ela teve participação fundamental em todo desenrolar do roteiro, sendo peça-chave ao final. Ela de fato mandou muito bem.
Tecnicamente a obra é muito bem feita e muito caprichada. Posso destacar a direção de arte que é muito boa, preservou muito bem a memória do clássico do mestre Hitchcock. Como por exemplo todos os cenários serem muito bem condizentes com aquele universo do Norman Bates, onde até a mesma casa usada no clássico foi utilizada para rodar esta sequência, sendo que o motel foi reconstruído. Já sobre a trilha sonora, o grande gênio John Williams foi considerado para fazer a trilha sonora do filme, mas acabou ficando com o compositor Jerry Goldsmith (o lendário compositor de "Instinto Selvagem", de 1992). Goldsmith era amigo de longa data do Bernard Herrmann (compositor do clássico de 1960). Devo dizer que Goldsmith fez um trabalho decente, conseguiu deixar bem a sua marca nesse universo clássico.
"Psicose 2" arrecadou US$ 34,7 milhões nas bilheterias com um orçamento de US$ 5 milhões. Foi seguido por "Psicose 3" (1986) e "Psicose 4 - A Revelação" (1990), além de um polêmico remake lançado em 1998.
Concluo afirmando que eu nunca fui a favor de remakes e continuações em certas obras que são autossuficientes e irretocáveis, que é justamente o caso do clássico "Psicose". Contudo, "Psicose 2" é uma continuação decente, que soube respeitar a essência da obra original e construir a sua própria história sem se passar por uma cópia barata - por mais que as partes finais eu considere ruins. Mas como um todo eu acho que valeu a tentativa, principalmente por trazer de volta dois ícones do clássico, que são o Anthony Perkins e a Vera Miles. Acredito que o mestre Alfred Hitchcock nem se revirou tanto assim em seu túmulo. [15/06/2023]
O Exorcismo de Emily Rose (The Exorcism of Emily Rose) 2005
"O Exorcismo de Emily Rose" é dirigido por Scott Derrickson, roteirizado pelo próprio Derrickson e por Paul Harris Boardman ("Livrai-nos do Mal", de 2014). O filme narra a história da jovem estudante Emily Rose (Jennifer Carpenter), que morre em um exorcismo depois de ser possuída por forças demoníacas. Agora, o ceticismo da advogada Erin Bruner (Laura Linney) é posto à prova quando ela deve defender no tribunal o padre Richard Moore (Tom Wilkinson) que exorcizou Emily.
"O Exorcismo de Emily Rose" é surpreendentemente baseado em uma história real: em 1968 aos 16 anos, Anneliese Michel, uma jovem alemã católica, começou a apresentar sintomas e comportamentos que foram diagnosticados como epilepsia aliado a um quadro de esquizofrenia, após diversos episódios de convulsão. A partir de então, a menina entrou em depressão profunda e tentou suicidar-se algumas vezes. A família de Anneliese, que era muito devota da Igreja, começou a acreditar que seu caso não era médico e sim sobrenatural. Durante os dois anos em que passou por exorcismos, Anneliese perdeu muito peso e ficou extremamente fraca. Em 1 de julho de 1976, Anneliese morreu durante o sono, como resultado da recusa em se alimentar e beber água, principalmente durante as sessões de exorcismo. O relatório da autópsia indicou que a causa da morte foi por desnutrição e desidratação de quase um ano de inanição.
Temos aqui uma excelente obra do terror que mistura o místico e o sobrenatural com o suspense, com o drama e com o investigativo. A forma como roteiro foi escrito e transplantado para a tela é de uma inteligência e de uma eficiência absurda. O roteiro de "O Exorcismo de Emily Rose" é sem nenhuma dúvida o melhor roteiro que eu já vi em um filme de terror. Pois a forma como se basearam na história real da vida e morte da jovem Anneliese, usando aquele contraponto entre a ciência e a religião, expondo os dois lados da história, que confrontava exatamente com a crença de cada um ali presente no tribunal, é no mínimo surpreendente e totalmente intrigante.
A principal questão aqui é justamente a forma como muitas pessoas vão de encontro com a obra, pois muitos se surpreendem exatamente na questão da abordagem diversificada do roteiro, e muitos se frustram pelo fato do filme não priorizar somente o terror, o susto, ou os famosos jumpscare (que é o que muitos esperam). A cereja do bolo desse maravilhoso roteiro é exatamente o poder que ele tem em desafiar o nosso subconsciente, a nossa crença, a nossa fé, a nossa doutrina, o nosso ceticismo e o nosso ateísmo. O maior destaque aqui é o respeito que o roteiro tem pela história real, por não tratar a história de forma gratuita, por não vulgarizar e banalizar o caso, por mostrar uma análise autêntica e verdadeira dos fatos que ocorreram. De fato o roteiro abre um leque de possibilidades que te dá margens para construir a sua crença, para você analisar cada história e decidir em qual acreditar.
"O Exorcismo de Emily Rose" é um terror que se sobressai dos demais exatamente por trazer uma construção que não é 100% baseada naquele terror que vai te assustar à todos os momentos, que vai te colocar pânico em todas as cenas, pois aqui temos toda uma parte analítica do caso, que envolve a medicina e sua opiniões, juntamente com a religião e sua fé. Essa guerra que é travada no tribunal mostra todas as consequências de um exorcismo falho entre seus mais variados aspecto, o que é logo confrontado com a ciência e seus termos éticos, e a política e seus termos jurídicos e investigativos. O que de fato temos é um grande embate envolvendo a arquidiocese e a medicina. Exatamente por isso que a obra em si não é feita unicamente para assustar, mas sim para explorar a sua capacidade de pensar dentro de uma temática de terror.
Outro ponto bastante interessante dentro do roteiro é a forma como é tratada a imprudência e a negligência, tanto religiosa quanto médica. Sendo um problema mental ou de possessão, ambos os lados mostraram uma certa negligência no caso. A medicina acreditava que Emily era patológica, que ela era epilética e psicótica, que ela apresentava ataques com sintomas de esquizofrenia, alucinações visuais e às vezes paranoia. Baseado no diagnóstico médico, os ataques que a Emily tinha poderiam paralisar as articulações do seu corpo e o contorcer levemente, e as sua pupilas se delatar. Ou seja, podem ser considerados como sintomas médicos, mas também são causas de possessão demoníaca, pela opinião da Igreja. Já a negligência pelo lado da religião se dá exatamente no fato de expor a vítima ao extremo da sua fé e da sua crença religiosa, de subjugar os limites humanos quando a pessoa está completamente debilitada. Sem dúvida é o maior caso de um confronto entre a psiquiatria e a religião já abordada nesse gênero cinematográfico.
Outro lado que o filme explora é o agnosticismo. A própria advogada de defesa (Erin Bruner) se autoproclama como uma pessoa agnóstica, que não acredita na existência de Deus ou de qualquer outra divindade. Ela realmente acredita que não existe qualquer conhecimento efetivo que comprove a existência ou não existência de um deus. Porém, na medida que o processo transcorre o cinismo e o ateísmo de Erin são desafiados pela fé do Padre Moore e também pelos eventos inexplicáveis em torno do caso. Sendo assim ela passa acreditar na possibilidade da existência de entidades paranormais e até do próprio Deus. É impressionante com a Erin vai saindo daquela postura de descrente, de superior, que justamente se deu pelo fato do seu último caso no tribunal, o que inflou bastante o seu ego. Após o Padre Moore lhe advertir sobre a possibilidade de entidades sobrenaturais começarem a se aproximar, ela entra em um incrível estado de desconstrução, ela começar a adentrar nos acontecimentos ocultos e sombrios que começavam a acontecer em sua vida. Erin Bruner estava em uma guerra espiritual.
Baseado nesse comportamento da personagem Erin Bruner, temos a excelente atuação de Laura Linney (da série "Ozark"). Laura compôs uma personagem que inicialmente se sentia superior, que encarava o caso com irrelevância, porém, quando ela vai adentrando na história do Padre Moore e da Emily, ela passa a acreditar em várias possibilidades que até então era desconhecida para ela. Erin passa a ter um comportamento de uma advogada que queria defender e acima de tudo queria expor os fatos verdadeiros, que queria trazer a atenção de todos para a verdadeira possessão demoníaca. Um verdadeiro show! Uma atuação completamente impecável de Laura Linney. Facilmente uma das melhores personagens de toda a sua carreira.
Não seria nenhum pretenciosismo eu afirmar que aqui temos a melhor atuação e o melhor filme de toda a carreira da Jennifer Carpenter (seu primeiro filme foi "As Branquelas", de 2004). Pelo menos o trabalho mais marcante, isso sem dúvida. Jennifer faz um trabalho tão primoroso, tão avassalador, tão compenetrado, que chega a assustar a tamanha perfeição que ela emprega em cada cena (que não são muitas). A cada aparição da Emily nos flashback soava como o contraponto perfeito entre a sua própria história e aquele embate no tribunal. E a Jennifer trouxe uma interpretação completamente tenebrosa, assustadora, autêntica, que muita das vezes era mesclado entre o seu próprio suspense e o seu próprio terror. Aquela cena do exorcismo, que começa em seu quarto e vai até o estábulo, é completamente absurda, cujas contorções corporais "demoníacas" eram muitas vezes alcançadas sem a ajuda de efeitos visuais. O que a Jennifer entregou ali é algo surreal, estratosférico, uma atuação milimetricamente perfeita e assustadora.
Tom Wilkinson (lendário em "O Patriota", de 2000) é mais um do elenco que entrega uma atuação monumental. Tom deu vida para o Padre Richard Moore: o principal culpado e o causador da morte da jovem Emily, o verdadeiro réu daquela história (pelo menos pela visão da ciência). O que mais impressiona na atuação de Tom Wilkinson é aquela figura de uma Padre inabalável, aquela rocha, aquela postura segura, arrojada, certo de si, da sua crença e da sua fé. Esta era a carapaça que o Padre Moore apresentava no tribunal, pois dentro de si ela estava sofrendo terrivelmente, ela estava desabando, ele estava em uma completa luta emocional e espiritual. Mas ele se manteve firme na sua missão em relatar para todo mundo a verdadeira história da Emily Rose. Belíssima atuação de Tom Wilkinson.
Campbell Scott (recentemente esteve em "Jurassic World: Domínio", de 2022) pode ter sido ofuscado no meio desse elenco e dessas esplêndidas atuações, mas ele precisa ser reconhecido, ele precisa ser destacado, ele precisa levar os créditos pelo seu excelente personagem. Campbell fez o personagem Ethan Thomas, o advogado de acusação do caso. Campbell travou uma verdadeira guerra de palavras, diálogos, discursos e acusações com a Laura Linney naquele magnífico embate no tribunal. Às cenas que mostravam os dois defendendo o seu ponto de vista era incrível, um verdadeiro espetáculo feito apenas com o uso das palavras. Campbell soube incorporar um autêntico acusador, que expunha os fatos com bastante veemência, sempre sendo bastante incisivo com as palavras, sempre muito certo de si e se cobrindo com a razão que inicialmente estava ao seu favor. Campbell Scott também entregou tudo em seu personagem.
Hoje em dia é impossível você encontrar um filme de terror com atuações tão excelentes como em "O Exorcismo de Emily Rose".
Mais uma vez eu preciso destacar que não seria nenhum pretenciosismo em afirmar que "O Exorcismo de Emily Rose" é o melhor trabalho da carreira do Scott Derrickson (que fez um grande trabalho em "O Telefone Preto", de 2021). Derrickson teve muito cuidado e muito respeito ao relatar os fatos que ocorreu ao redor da história da Emily Rose (isso pode ser comprovado nos extras do filme). Tanto na direção quanto no roteiro ele empregou suas decisões de um modo que não obrigasse ninguém a concordar com o seu ponto de vista, ou com sua opinião sobre o caso da história real. A decisão em apresentar a história de forma aberta foi a melhor decisão que ele (junto com sua equipe) poderia ter tomado.
E por falar no Scott Derrickson, o seu trabalho atrás das câmeras é impecável. Como podemos comprovar ao longo do filme, como nos takes precisos durante o embate no tribunal. A cena do exorcismo no quarto e no estábulo é o ápice da sua direção, ali podemos claramente comprovar o tamanho da excelência e da competência de Scott Derrickson. Incrível como ele soube usar a câmera nessa cena, como ele soube captar perfeitamente tudo que estava acontecendo ao entorno da cena, como ele soube dosar os focos em cada personagem, em cada acontecimento (como na própria Emily possuída), como ele soube ser preciso e cirúrgico nas tomadas mais horripilantes de cada cena. Direção impecável de Scott Derrickson!
Aliado com a excelente direção de Derrickson, temos um roteiro irretocável (como já destaquei anteriormente), que acerta muito bem na decisão em nos contar a história da Emily na medida que os depoimentos iam sendo ouvidos no tribunal e as cenas iam sendo revividas através de flashbacks. A trilha sonora de Christopher Young (lendário compositor de "A Hora do Pesadelo") é penetrante, estridente, incômoda, perturbadora, a responsável em aumentar cada vez mais a nossa tensão juntamente com o suspense. A cinematografia é outro grande destaque da obra, que soube extrair com uma perfeita fotografia que sempre confrontava a medicina discutida no tribunal com a possessão vivida pela Emily. O longa é muito bem preparado com uma ótima montagem, uma ótima edição, uma mixagem de som muito limpa e uma direção de arte que acertou em todos os detalhes.
"O Exorcismo de Emily Rose" arrecadou $ 75,1 milhões no mercado interno e $ 144,2 milhões em todo o mundo contra um orçamento de $ 19 milhões. Ainda assim Derrickson afirmou que o filme não teve tanto sucesso quanto ele esperava.
O longa-metragem ganhou o MTM MOVIE AWARDS 2006 com a Melhor Performance Assustadora para a Jennifer Carpenter e ela foi indicada à Melhor Performance Revelação.
No site agregador de resenhas Rotten Tomatoes, o filme detém um índice de aprovação de 44%, com base em 157 resenhas. O consenso crítico do site diz: 'Vagamente baseado em uma história real, "O Exorcismo de Emily Rose" mistura um drama convincente de tribunal com sustos geralmente sem sangue em uma bela abordagem do cinema demoníaco'. No Metacritic, tem uma pontuação geral de 46 de 100, com base em 32 avaliações.
Eu tive o enorme prazer em assistir esta belíssima obra na tela gigante do cinema em dezembro de 2005, cujo ingresso tenho guardado até hoje. Vivi mais uma das várias experiências incríveis e assustadoras que já passei ao longo da vida no cinema.
"O Exorcismo de Emily Rose" é uma obra excelente, porém hoje em dia eu o vejo como um filme muito subestimado, que não tem o valor e o verdadeiro reconhecimento que merecia.
Para mim o filme é uma verdadeira obra-prima do terror psicológico, do drama psicológico, do suspense investigativo, que traz um excelente debate entre a ciência e a religião, te expondo à todos os limites humanos da fé e da medicina, mas sem apelar para o terror trivial dos clichês e dos jumpscare. Um filme que já se tornou um clássico cult, uma obra contemporânea, uma obra influente, que ganha mais peso e mais relevância justamente por ter sido baseado em uma terrível e triste história real.
Existe um livro que conta a história real por trás de todos os acontecimentos que inspiraram o filme "O Exorcismo de Emily Rose" - este livro se chama "Possessão". Ainda não li mas está na minha lista de livros para ler.
Eu considero "O Exorcismo de Emily Rose" como o "Melhor" filme de exorcismo desde o clássico eterno "O Exorcista" (1973). Para mim são os únicos filmes que realmente devem ser considerados como uma verdadeira obra-prima quando nos referimos sobre a temática de exorcismo e possessão.
"O Exorcismo de Emily Rose" não é somente o melhor filme de exorcismo da década de 2000, mas é também um dos melhores da história desse gênero cinematográfico. Um clássico eterno! [09/06/2023]
"IT" (também conhecido como "Stephen King's IT") é uma telessérie que foi dividida em duas partes lançada pela ABC em 1990. A minissérie foi dirigida por Tommy Lee Wallace e adaptada por Lawrence D. Cohen do romance de Stephen King de 1986 com o mesmo nome. A história gira em torno de um monstro predador que pode se transformar nos piores medos de suas presas para devorá-las, permitindo-lhe explorar as fobias de suas vítimas. Ele assume principalmente a forma humanóide de Pennywise, um palhaço cômico sombrio. Os protagonistas são "The Lucky Seven", ou "The Losers Club" (Clube dos otários), um grupo de crianças rejeitadas que descobrem Pennywise e juram matá-lo por todos os meios necessários. A série se passa em dois períodos de tempo diferentes, o primeiro quando os perdedores confrontam Pennywise pela primeira vez quando crianças em 1960, e o segundo quando eles retornam como adultos em 1990 para derrotá-lo uma segunda vez depois que ele ressurge.
O livro "IT" foi inspirado em um conto de fadas infantil da Noruega. A revelação foi feita pelo próprio autor em seu blog oficial.
"IT" (em português "A Coisa") foi o maior livro que eu já li em toda a minha vida bibliófila. A obra literária do mestre King possui 1.103 páginas que te leva para uma experiência incrível, além de bastante sombria e tenebrosa, é claro. O livro nos proporciona uma verdadeira viagem abordo daquela história na cidade fictícia de Derry (Maine), juntamente com o grupo das 7 crianças e os 7 adultos. Sem dúvida "IT" está na prateleira das melhores obras do mestre, e muito por nos proporcionar uma leitura fluida, dinâmica, prazerosa, ao mesmo tempo que éramos confrontados pela figura macabra, sombria, oculta e misteriosa de Pennywise. "IT" te agarra com uma história tão impactante e tão envolvente, onde nos sentíamos parte daquela história que estava sendo contada. Era como se também fizéssemos parte do grupo - incrível! "IT" foi uma experiência surreal, uma das melhores que eu já tive na vida.
A ideia de adaptar o romance do mestre King em um formato de telefilme, onde foi construído diretamente para a TV norte-americana, foi uma ideia muito boa e que deu bastante certo na época. Até pelo tempo de duração, onde temos 3h12min, que faz bastante jus ao livro, já que o mesmo passa das 1000 páginas. No Brasil fizeram uma reestruturação e uniram as duas partes da minissérie em apenas uma.
"IT" é o puro suco de toda a essência cinematográfica oitentista e noventista! E o maior acerto dessa obra está justamente na adaptação, que particularmente considero "quase" perfeita. De fato temos aqui uma adaptação completamente fiel ao livro, que sim, tem algumas mudanças (o que é natural) mas são mudanças sutis, que colabora ainda mais com a história. Também temos algumas partes do livro que ficaram de fora e outras que foram modificadas, o que também é normal, mas a grande essência e a grande marca do livro está muito bem integrada na história. Dessa forma eu coloco "IT" junto com "Carrie", como as duas melhores adaptações das obras de Stephen King.
Um ponto que pode desagradar algumas pessoas está exatamente no fato da obra ter sido idealizada para a TV, o que obviamente diminuiu muito o apelo gráfico do terror, do horror, do medo, do sangue, e até de alguns pontos cruciais da história envolvendo temas como a pedofilia e o racismo. Digamos que a história em si ficou teoricamente mais leve, mais suave em relação ao livro, que sim, lá temos uma história muito mais pesada e chocante nesses pontos levantados. Outro ponto é na questão do terror como um todo e justamente na figura do palhaço Pennywise, que não tem aquele peso mórbido, soturno e grotesco do Pennywise do livro, sendo bastante aliviado até nas questões estéticas das cores. A figura do Pennywise graficamente é mais colorido, o que talvez não irá impor aquele pavor e aquele medo que muitos esperavam. Acredito que algumas dessas decisões se apliquem ao fato de realmente ser uma produção televisiva e também se esbarrarem nas questões dos efeitos e orçamentos da época, que obviamente era uma outra realidade, outras tecnologias, onde a aposta maior era justamente nas maquiagens ao invés dos efeitos.
Toda essas questões abordadas podem de fato ser o diferencial para algumas pessoas. Já eu vou na contramão, eu vejo a obra por outro lado, com outros olhos, aqui a ideia não é bem aquele medo que vai te levar ao susto (já que o longa em momento algum faz uso dos sustos forçados e dos jumpscare). Eu diria que a obra é calçada na tensão, no incômodo, no suspense, no pavor, no lúdico, que se mistura com os dramas, os medos e os traumas do passado com os fatores do presente na vida de cada um ali. Temos aqui uma obra completamente imergida no drama psicológico, no terror psicológico, no terror fantasioso, que confronta diretamente com o drama de cada um dentro da sua própria história. O próprio Pennywise se utiliza do medo de cada um, do trauma de cada um, para fazer as suas aparições e os seus ataques, que muita das vezes é envolto no mistério e no oculto.
O maior acerto do roteiro está exatamente na decisão em nos envolver na história fazendo um contraponto com o passado e o presente. Toda narrativa que foi criada a partir do telefonema de Michael Hanlon (Tim Reid), onde cada um ia sendo apresentado e inserido na história, onde íamos sendo confrontados com a figura do presente e suas lembranças do passado sendo revividas através de flashbacks, é muito funcional e encaixou perfeitamente com a principal proposta do roteiro. Essa mescla do presente e passado, com os personagens crianças e adultos, ficou excelente, principalmente pelo fato de cada um já adulto ao chegar na cidade começarem a reviver seus fantasmas do passado. Era como ao retornarem para a cidade os seus traumas, medos e frustrações de infância retornarem com eles, ou possivelmente eles não retornaram, mas estiveram todos esses anos guardados com cada um.
A primeira hora é justamente focada em apresentar e desenvolver cada personagem dentro da sua história. E o uso dos flashbacks ficaram perfeitos, casou perfeitamente com a proposta, pois em nenhum momento eles confundiram ou destoaram da trama central. Após a reunião e formação do grupo de crianças temos o então primeiro embate com a figura do Pennywise, onde as crianças saem vitoriosas desse primeiro confronto e juntos selam aquele pacto eterno. A partir da metade do filme temos a nova reunião do Loser Club, 30 anos depois, com cada um dono da sua própria vida e dos seus próprios negócios.
Eu considero a parte das crianças muito melhor que a parte dos adultos (isso em todos os quesitos). Era como se a parte das crianças representasse melhor a obra como um todo. Pois é nessa parte que temos a melhor adaptação em relação ao livro do mestre King; onde temos várias cenas icônicas como aquela clássica do Georgie Denbrough (Tony Dakota) com o barquinho e o primeiro encontro com o temível Pennywise. Além da clássica guerra de pedras e aquele encontro do Eddie Kaspbrak (Adam Faraizl) com o senhor Keene (Tom Heaton) na farmácia, onde o próprio afirma para o garoto que ele não sofre de asma e que aquele remédio nada mais era do que água.
A parte infantil na trama traz uma melhor adaptação justamente por ter mais peso nas questões dos traumas de cada um, dos seus medos e das suas frustrações. Já na parte adulta essa questão também está presente, mas de forma mais leve e sem o mesmo impacto e o mesmo peso de quando eram crianças. Na parte infantil é aonde temos uma abordagem maior em relação ao bullying, o racismo e a selvageria. Pelo lado do bullying temos a figura central do Ben Hanscom (Brandon Crane), que é sempre atacado por ser uma criança gorda. Já na questão do racismo temos a figura central de Mike Hanlon (Marlon Taylor), que é atacado por ser negro. Apesar que aqui temos abordagens muito mais leves em relação à estas partes no livro, já que a história do racismo sofrido por Mike e sua família é bem mais detalhada e triste. Além de explicar exatamente que o clube "Black Spot" foi incendiado pelo "Ku-Klux-Klan", o livro também traz agressões bem mais pesadas praticadas por Henry Bowres (Jarred Blancard). O valentão sempre usa termos racistas para se referir a Mike e pratica gordofobia com Ben. Já na questão da pedofilia, foi uma parte totalmente deixada de lado no filme (por razões óbvias), já que no livro são partes bem chocantes e pesadas sofridas pela Beverly Marsh (Emily Perkins).
Esta clara diferença do núcleo infantil para o núcleo adulto também é sentida na questão do elenco. Pois é muito perceptível o quanto o núcleo infantil é muito melhor em suas atuações, onde cada ator tinha uma interpretação muito melhor que a sua versão adulta. O núcleo infantil era composto por 7 crianças com idades de 12 anos: Jonathan Brandis (Bill Denbrough) Brandon Crane (Ben Hanscom) Adam Faraizl (Eddie Kaspbrak) Seth Green (Richie Tozier) Ben Heller (Stan Uris) Marlon Taylor (Mike Hanlon) Emily Perkins (Beverly Marsh) Cada um desenvolveu muito bem o seu papel, uns se sobressaindo mais que outros, como no caso da Emily Perkins e do Brandon Crane, mas no geral todos estiveram muito bem e entregaram ótimas atuações.
Já o núcleo adulto é composto por: Richard Thomas (Bill Denbrough) John Ritter (Ben Hanscom) Dennis Christopher (Eddie Kaspbrak) Harry Anderson (Richie Tozier) Richard Masur (Stan Uris) Tim Reid (Mike Hanlon) Annette O'Toole (Beverly Marsh) Aqui já não temos as mesmas qualidades de atuações das crianças, pois no geral uns se destacavam mais que outros, e outros só estavam compondo o personagem e sendo bem coadjuvantes na história. Vale destacar a Beverly Marsh de Annette O'Toole, que na minha opinião, é a que tem a melhor atuação de todo o núcleo adulto.
Vale destacar o Henry Bowres criança, que foi muito bem interpretado pelo Jarred Blancard. Jarred conseguiu transcender toda maldade e perversidade que estava instalada no coração do Henry, que o deixava como uma criança claramente perturbada e desequilibrada (ou seja, alvo fácil para o Pennywise). Olivia Hussey trouxe uma Audra Phillips até convincente, embora seja bem diferente da Audra do livro. Michael Ryan (VIII) trouxe um Tom Rogan bem arquitetado no próprio Tom Rogan do livro, conseguindo demonstrar toda perversidade e abuso que ele aplicava na Beverly.
Agora chegamos na principal figura do universo "IT" - Pennywise / A Coisa. Sem dúvida o palhaço Pennywise é icônico, é lendário, é clássico, é o principal nome de "IT" e está no hall dos maiores vilões da história do cinema e da literatura (isso é inegável). O mesmo vale para o grande Tim Curry, que deu vida para a primeira adaptação do lendário palhaço macabro de Stephen King. Pra mim Tim Curry é o principal nome do filme e está 100% perfeito em sua figura grotesca de Pennywise. Tim conseguiu alcançar o ponto exato de sua interpretação, sem forçar demais, sem parecer apelativo demais, sendo burlesco na medida certa, sendo "palhaço" na medida certa. Além de fazer bom uso da sua linguagem corporal, junto com todo o seu gestual, todas as suas expressões, que mesmo sendo uma figura extremamente colorida mas nos causava repulsa, tensão, apreensão e incômodo (principalmente daquela sua risada tenebrosa). É fato que esta minissérie se tornou mais conhecida pela versão de Pennywise de Tim Curry. De fato, seu retrato foi considerado por várias publicações como um dos personagens de palhaço mais assustadores do cinema e da televisão. Também gerou um documentário financiado pelo Indiegogo sobre a produção da minissérie, intitulado "Pennywise: The Story of It" (2020); e um curta de sequência de história alternativa chamado "Georgie", também dos produtores do documentário. Na minha opinião: Tim Curry é a melhor versão do Pennywise que já existiu.
A parte final (o embate final com a criatura) é uma parte que já difere do final do livro, e que muitas pessoas acabaram não gostando por teoricamente parecer um final mais fácil, mais leve, mais fraco mesmo, em relação à proporção encontrada no livro. No livro, a derrota final de Pennywise é bem diferente. Bill usa uma técnica ancestral conhecida como Ritual de Chud, o que leva o personagem para um "Multiverso" onde ele se encontrar com o criador do Universo: uma tartaruga gigante chamada Maturin. Ele orienta Bill a usar o poder de sua mente para derrotar "IT", o que enfraquece a criatura para que os Perdedores possam usar um ataque físico. A própria aparência do Pennywise (ou sua verdadeira forma) é incompreensível para os seres humanos, já que no livro ele é chamado de "Postigos", ou seja, ele acaba tomando a forma de luzes etéreas e sobrenaturais. O mais perto que a mente humana consegue compreender a forma física de Pennywise é quando ele se transforma em uma aranha gigante (que é justamente sua forma no final do filme). Já a sua derrota no filme é justamente dada pela sua maior fraqueza, ao subestimar a bondade, o amor e a amizade do grupo, levando à sua eventual morte presumida, uma vez que o Clube dos Perdedores se unem e lutam contra ele juntos. É um final bobinho feito em prol da reapresentação da força do amor e da amizade? É. Mas ok! É aceitável!
Tecnicamente o filme é muito bom para a sua época! A direção do Tommy Lee Wallace é bastante competente (visto que ele vinha do clássico "A Hora do Espanto 2", de 1988). Dirigir uma versão para a tela de uma história do mestre King foi muito difícil para ele; onde o próprio afirmou que Stephen King é tão bom com a linguagem que pode fazer quase tudo parecer incrivelmente assustador. Muito da direção de Wallace foi influenciada por filmes em que trabalhou com o mestre John Carpenter, como "Halloween" (1978) e "A Bruma Assassina" (1980). Wallace tomou várias decisões técnicas e de encenação apenas para tornar cada cena mais assustadora ou estranha. Isso incluía truques de câmera interessantes, como a cena do restaurante chinês sendo filmada com uma câmera portátil; e as cenas em que ele passa por canos filmados como se fossem do ponto de vista dele.
Apesar da época e do orçamento de uma produção feita para a TV, os efeitos especiais ainda assim eram condizentes com a proporção da obra. A maioria dos efeitos especiais foram feitos praticamente sem alteração digital, como marionetistas sendo usados para animar os biscoitos da sorte na cena do restaurante chinês. Algumas cenas foram feitas com animação de substituição, uma técnica de animação semelhante à animação em stop motion. A animação de substituição foi usada para quando Pennywise saiu do ralo, matou Belch nos esgotos e deu uma cambalhota no ar. Muitos dos efeitos que Wallace planejou usar durante o storyboard não chegaram à versão final por razões de orçamento, como as raízes se contorcendo em torno de Pennywise em seu encontro fantasmagórico com os Perdedores adultos no esgoto. Lindsay Craig, uma artista que ganhava a vida trabalhando como adereço no cinema e na televisão, criou um pouco do sangue para "IT" usando corante alimentar, água e metacil.
Juntamente com todo trabalho de efeitos especiais também tivemos os trabalhos manuais. Nas cenas em que o palhaço se tornou cruel, Tim Curry usava lentes amarelas e dois conjuntos de dentes afiados durante as filmagens: um conjunto menor que ele podia falar enquanto usava e um conjunto menos flexível, mas muito maior para cenas mais horripilantes (os dentes foram desenhados por Jim McLoughlin). O diretor originalmente não queria que Pennywise mudasse para um visual de "terror", mas sim manter o visual de palhaço "legal" ao longo da minissérie, mas essa ideia foi abandonada (e eu concordo plenamente).
Outro ponto que merece um destaque é a trilha sonora, que está impecável, conseguindo harmonizar muito bem cada cena em que a tensão era crescente com a presença sombria do Pennywise. A fotografia faz um contraponto bem interessante, que é justamente as cenas que mesclavam o tom mais colorido do palhaço, que poderia soar como alegria (que é o intuito da classe dos palhaços), com a clássica tensão e o medo.
"IT" contou com um orçamento de $ 12 milhões, o dobro do orçamento normal da televisão. A minissérie foi transmitida pela primeira vez durante o mês das varreduras de novembro. Apesar dos fatores de risco, análises críticas mistas antes da exibição e cobertura das viagens ao exterior do presidente George H. W. Bush interrompendo o programa; foi o maior sucesso da ABC em 1990, alcançando 30 milhões de telespectadores em suas duas partes.
"IT" foi indicado a dois prêmios Emmy, um prêmio Eddie, um prêmio Youth in Film e o reconhecimento de melhor minissérie do People's Choice Awards; ganhou duas das indicações, um prêmio Emmy de Melhor Composição Musical pela trilha sonora de Richard Bellis e um prêmio Eddie pela edição da minissérie.
Encerro afirmando que "IT" é um verdadeiro clássico e um verdadeiro patrimônio da cinematografia dos anos 90. Uma obra que correu seus riscos ao apostar em uma produção feita diretamente para a TV, que obviamente obrigou a pegar mais leve nas partes mais cruciais da história, aliviando o terror mas ganhando na tensão e no suspense. Uma obra que trouxe uma adaptação extremamente fiel ao livro, mantendo toda a sua originalidade e toda a sua essência, e acima de tudo respeitando todo conteúdo da obra-prima da literatura do mestre King. Uma obra completamente influente, uma referência no gênero (o "Stranger Things" dos anos 90), aquele clássico cult, que trouxe aquela abordagem sobre a verdadeira amizade, o verdadeiro amor, a superação dos nossos medos, dos nossos traumas e das nossas frustrações. Uma obra que vai muito além do que a nossa mente pode imaginar, que representa todos os males e a manifestação de todos os nossos medos de infância.
Verdadeiramente uma linda história de amizade com um toque de terror. [26/05/2023]
"O Exorcista do Papa" é dirigido por Julius Avery ("Samaritano", de 2022), com roteiro de Michael Petroni ("Visões do Passado", de 2015) e Evan Spiliotopoulos ("Rogai por Nós", de 2021), baseado no livro de 1990 "An Exorcist Tells His Story" e no livro de 1992 "An Exorcist: More Stories by Father Gabriele Amorth". O filme é estrelado por Russell Crowe como Padre Gabriele Amorth. Amorth nasceu na Itália no ano de 1925 e durante sua vida foi considerado como o exorcista chefe do Vaticano, o exorcista de confiança do Papa, que realizou mais de 100.000 exorcismos em sua vida e faleceu em 2016 aos 91 anos.
Temos aqui mais um dos milhões de filmes existentes sobre exorcismo e possessão, porém este tem um diferencial, a presença ilustre de ninguém menos que o eterno Gladiador. Decidiram gastar milhões em um filme simples de exorcismo para colocar na capa a figura do Russell Crowe, pois obviamente pelo reconhecimento que ele tem, pelo excelente ator que ele é, por suas três indicações e um prêmio no Oscar, verdadeiramente ele seria a grande estratégia do filme para conquistar o público, o grande chamariz da produção.
A cena de abertura do longa é bastante intrigante e curiosa, pois ali temos um contraponto interessante, que é aquele famoso confronto do sobrenatural com a ciência (algo abordado com excelência no clássico cult "O Exorcismo de Emily Rose", de 2005). Na cena o Padre Amorth enfrenta uma provável possessão, mas ele próprio confirmou que nem sempre ele se depara com pessoas que realmente estejam possuídas, que também confronta pessoas com distúrbio psicológico (transtornos mentais). Nesse caso esta cena nos mostrou uma vítima com distúrbio mental, onde as pessoas ao seu redor acreditavam que era uma possessão. Sendo assim o Padre Amorth usou aquele porco para fazer todos acreditarem que o demônio realmente tinha saído do corpo do rapaz.
A história central do filme gira em torno de uma mãe e seus dois filhos que viaja para a Espanha para gerenciar a reforma de uma Abadia (Basílica) que receberam de herança após a morte do pai. A pergunta que fica é: quem recebe uma Basílica de herança? Pois bem, o local esconde um segredo trancado a sete chaves pela Igreja Católica, onde o garotinho logo é tomado por um demônio aparentemente sem nome. Logo eles chamam (e o demônio também exige) o maior exorcista em atividade, simplesmente o exorcista de confiança do Papa.
Na maioria das vezes os filmes de terror, suspense, exorcismo e possessão tentam criar alguma história por trás da trama central para contextualizar toda história que está sendo contada. Pode ser apenas uma encheção de linguiça? Pode. Pode ser apenas uma historinha vaga, rasa e sem nenhum aprofundamento relevante? Também pode. E é exatamente nessas histórias paralelas que "O Exorcista do Papa" tenta se sustentar. Por mais que possa parecer um contexto vazio e mal desenvolvido, mas os arcos pessoais que temos no filme soa como intrigante para dar o principal fundamento na história. E vamos a elas...
O próprio Padre Amorth cita que o demônio ataca nas nossas fraquezas, nos nossos traumas, se alimentando da nossa culpa e se aproveitando da nossa vulnerabilidade. É exatamente assim que o pequeno Henry (Peter DeSouza-Feighoney) se encontra durante o último ano após ter presenciado a terrível morte de seu pai. Ele está traumatizado, assustado, não se comunica, está totalmente vulnerável, sendo uma presa fácil para a possessão demoníaca. Já no caso do Padre Amorth, o demônio também se aproveita das suas fraquezas, dos seus traumas do passado, como o fato dele ter sido um fuzileiro na segunda guerra mundial, e o seu maior trauma que o persegue até hoje, que foi ter presenciado a Rosaria (Bianca Bardoe) se suicidar na sua frente. Este é um ponto interessante, o fato do Padre achar que a Rosaria tinha problemas psicológicos e não possessão, sendo assim este foi o maior trauma da vida do Padre Amorth, que o deixou eternamente como o culpado por aquela morte, e o demônio pode sentir a nossa culpa e usá-la contra nós. O mesmo vale para o Padre Esquibel (Daniel Zovatto), onde o demônio também se aproveita da sua maior fraqueza, do seu maior arrependimento, do seu maior trauma, que foi justamente todo grande amor que ele tinha pela Adella (Carrie Munro).
Padre Amorth sempre enfrentou os demônios sem nenhum medo, sem nenhum receio, praticamente de igual para igual - o próprio dizia: "Eu, medo de Satanás? É ele que deve ter medo de mim". E é muito interessante aquele embate de palavras entre o Padre e o demônio, sempre usando a sua veia humorística, o seu senso de humor, as suas famosas piadas, onde o próprio dizia que os demônios não gostavam de piadas. E é ainda mais interessante saber que o verdadeiro Padre Amorth costumava manter o senso de humor ao conduzir os exorcismos. Porém, pela primeira vez vemos o Padre Amorth recuar quando o demônio mostra saber tudo sobre ele e principalmente conhecer o seu passado. Era como se o Padre Amorth estivesse enfrentando o demônio mais desafiador que ele já viu. E aqui entra outro ponto que pode ser encarado talvez como um acerto, ao tirar um filme de exorcismo do terreno do óbvio, mas também pode ser visto apenas como mais uma história forçada, rasa, vaga e totalmente sem aprofundamento e desenvolvimento. Estou me referindo exatamente no ponto em que o Padre Amorth se aprofunda na pesquisa sobre a possessão do garoto e acaba descobrindo uma conspiração secular que o Vaticano tentou desesperadamente proteger e manter no esquecimento. Nesse ponto o roteiro tenta desesperadamente dar um sentindo para toda história indo justamente mexer na questão da Inquisição Católica, que foi um movimento político-religioso que ocorreu entre os séculos XII ao XVIII. Eu considero esta parte bem falha, bem rasa, controversa e totalmente superficial, pois querer de certa forma aplicar o fator da Inquisição sobre demônio para inocentar a Igreja Católica é um tanto quanto questionável.
É praticamente impossível um filme de exorcismo e possessão não seguir aquela famosa cartilha, que são os famosos jumpscare, as famosas forçadas, os famosos clichês, com pessoas sendo atiradas na parede, ossos se quebrando, cabeças se retorcendo, membros se retorcendo, se arranhando, andando na parede. Este é um manual que sempre é rigorosamente seguido em todas essas produções. Parece que as produções de exorcismo e possessão nasceram em "O Exorcista" (1973) e morreram ali mesmo, e tudo que vem depois é sempre mais do mesmo, bebendo sempre da mesma fonte, usando sempre a mesma temática, que pode soar como uma homenagem ao melhor filme de terror de todos os tempos (pelo menos pra mim), ou apenas como cópias baratas mesmo.
"O Exorcista do Papa" segue exatamente esta cartilha que eu citei acima, todavia aqui temos o fator do Padre Amorth ter afirmado que seu filme preferido realmente era "O Exorcista". Tanto que o Padre se tornou um grande amigo do diretor William Friedkin, que mais tarde o próprio dirigiu um documentário sobre o trabalho do Padre Amorth como exorcista - "The Devil and Father Amorth" (2017). Sendo assim eu até posso considerar que tudo que eu vi em "O Exorcista do Papa" pode ser encarado como uma homenagem ao clássico de 1973, ao invés de uma simples cópia barata.
Agora eu preciso relatar as partes finais do filme, onde eu acho que o filme desanda, despenca de vez, perde totalmente a qualidade que poderia ter alcançado durante toda a história (se é que tinha alguma qualidade). Até a parte em que o Padre Amorth decide ser possuído pelo demônio como forma de aprisioná-lo para a fuga da família do local, ainda poderia estar no terreno do mediano, do aceitável, como qualquer produção corriqueira de exorcismo que encontramos por aí. Porém, esta parte da possessão do Padre é completamente ridícula, grotesca, pífia, onde o roteiro e a direção se abraçam rumo ao fundo do poço em uma descida sem fim. É uma parte completamente viajada, forçada, totalmente carnavalesca, extravagante, psicodélica, onde claramente o único intuito era impressionar a qualquer custo com o uso dos efeitos especiais de luzes, poderes, magias, explosões, forçando o susto gratuito, abusando do jumpscare, se entregando totalmente ao alucinógeno de uma produção vexatória e vergonhosa, e ainda tentando extravasar abusando dos traumas de cada Padre para compor uma cena ridícula onde somos confrontados até por um gore (por incrível que pareça, acreditem se quiser). Tudo isso era realmente para nos impressionar? Pra mim definitivamente não funcionou, pois nessa hora eu comecei a dar risadas de tantas coisas ridículas juntas.
Nada que esteja ruim que não possa piorar. Pois no final ainda temos aquela cena patética da iniciativa Vingadores, onde mostra o Padre Amorth sendo convocado para assumir o maior desafio de sua vida, onde o próprio ainda convoca o Padre Esquibel. Praticamente uma cena do Nick Fury tomando a iniciativa Vingadores para compor uma continuação das novas aventuras de "O Exorcista do Papa". E o Padre Amorth é o líder dos Vingadores da Igreja Católica, afinal de contas ele é o Gladiador, que se quisesse facilmente derrotaria o Asmodeus. E por incrível que pareça, "O Exorcista do Papa" terá uma continuação que já foi confirmada para 2025.
Sobre o elenco não temos muito o que destacar: Temos aqui a estreia do Russell Crowe como protagonista em um filme de terror. Ele faz o básico, o famoso feijão com arroz, consegue incorporar bem a figura do Padre Amorth, principalmente em suas tiradas cômicas. Russell Crowe conduz bem o seu personagem até o fim de toda a história. O resto do elenco é praticamente nulo, estão ali unicamente para compor o quadro de elenco que um longa-metragem precisa. Daniel Zovatto ("Corrente do Mal", de 2014) é bastante esforçado, diga-se de passagem, mas também é afetado pelo marasmo do seu próprio personagem, que por sinal é bem secundário na história e não faz a menor diferença. Alex Essoe ("Doutor Sono", de 2019) é a mãe Julia, que não faz nada no filme todo, ela está ali unicamente porque o demônio no garotinho precisava da presença de uma mãe para apertar os seios. Laurel Marsden ("Ms. Marvel", de 2022) é a adolescente Amy. É impressionante como na maioria das produções de exorcismo sempre precisam da presença de uma jovem adolescente com roupas curtas para apenas ser possuída pelo demônio tarado. Porque sinceramente, a Laurel Marsden traz uma personagem completamente perdida, esquecível, sem nenhum propósito, onde a sua própria atuação também é péssima. E por fim temos o garotinho possuído da vez, Peter DeSouza-Feighoney, o Henry. Até que ele se sai bem dentro da sua proposta na história. Sem esquecer de mencionar o lendário Franco Nero ("John Wick", de 2017), que deu vida para a figura do Papa.
"O Exorcista do Papa" arrecadou US $ 70 milhões em bilheterias em todo o mundo.
Por fim, "O Exorcista do Papa" é apenas mais um filme de exorcismo, que apostou em um nome extremamente conhecido dentro do mundo cinematográfico para ser o seu protagonista e poder comprar a atenção do grande público. Funcionou? Talvez. Deu certo? Não. Definitivamente temos aqui mais uma produção de possessão completamente pífia e vergonhosa, que tentou atirar para todos os lados, tentou desesperadamente se reinventar usando histórias paralelas e até um fato verídico dentro do contexto histórico da Igreja Católica. Porém, não deu certo, falhou miseravelmente, se afundou em seus próprios erros por excesso de pretensiosismo e banalidade. Será apenas mais um filme de exorcismo facilmente esquecível! [19/05/2023]
"Evil Dead Rise" é escrito e dirigido por Lee Cronin, e foi produzido por Bruce Campbell, Robert Tapert e Sam Raimi (os produtores da trilogia original). É o quinto filme da série de filmes "Evil Dead". O longa-metragem é estrelado por Lily Sullivan e Alyssa Sutherland como duas irmãs distantes tentando sobreviver e salvar sua família das possessões demoníacas (os lendários deadites).
"Evil Dead" é sem dúvida uma das minhas franquias de terror preferida, juntamente com o grande cineasta Sam Raimi (o mestre do horror). "The Evil Dead" (1981) é um clássico, um ícone, uma referência, uma obra-prima da história cinematográfica de terror (um dos maiores de todos os tempos). Em "Evil Dead Rise" temos vários pontos muito interessantes: como o fato de todo o desenvolvimento do filme ter sido construído pensando em uma sequência do remake de "Evil Dead" (2013) e "Army of Darkness" (1992), e até como uma provável continuação da série "Ash vs Evil Dead" (2015 / 2018). Porém, todos esses planos foram descartados e Raimi decidiu seguir com a produção do projeto como um filme solo, entregando a direção e o roteiro para o diretor Lee Cronin ("Minutos Depois da Meia Noite", de 2016), que por sinal é fã assumido e declarado da franquia "Evil Dead".
Quando começaram a surgir os rumores sobre o lançamento de um novo filme da franquia "Evil Dead", a primeira coisa que me veio na mente foi sobre o roteiro, ou seja, que história iriam contar dessa vez e como encaixariam o "Necronomicon" (O Livro dos Mortos) nela. Outro ponto que me deixou bastante curioso foi sobre a declaração de Bruce Campbell (o eterno Ash), quando ele afirmou em uma entrevista sobre o novo filme que não teríamos mais cabanas na floresta. Essa questão da cabana é muito intrigante e me deixou extremamente curioso, pois a icônica cabana sempre foi peça-chave do universo "Evil Dead", praticamente um personagem muito importante da história assim como o próprio Ash. Então, como seria o novo filme "Evil Dead Rise" com uma história se passando dentro de um apartamento em uma cidade ao invés da famigerada cabana na floresta?
Devo começar elogiando o roteiro escrito por Lee Cronin (com a supervisão de Sam Raimi), pois aqui temos dois pontos bastante peculiar trazidos para o universo "Evil Dead", que é a mudança de cenário e a introdução de uma questão familiar, que soa como uma reflexão sobre a maternidade e a figura central de uma mãe (algo inédito na franquia). Fato é que toda essa abordagem sobre esse conceito materno no filme é feito de forma bem leve, em outras palavras, é até vago e mal desenvolvido. Mas eu entendo e compreendo todo esse desenvolvimento vazio nessa questão, pois de fato essa não era a principal proposta do filme. Essa análise foi trazida apenas para contextualizar toda essa reflexão metafórica que se cria em torno da família e principalmente da figura materna na história. Ou seja, a história de "Evil Dead Rise" gira em torno das duas irmãs: Beth (Lily Sullivan), que acaba de descobrir uma gravidez indesejada, e Ellie (Alyssa Sutherland), que foi abandonada pelo marido e agora mora sozinha com seus três filhos (duas mães em situações diferentes).
Aqui já temos aquela reflexão citada sobre a maternidade; pelo lado da Beth, que ainda não se tornou uma mãe e agora vive assustada com essa realidade repentina em sua vida, e pelo lado da Ellie, que sofre com a carga emocional e o peso de ser uma mãe sozinha, abandonada e ter a difícil missão de criação e proteção de seus filhos dependentes. Outro ponto que deixa a trama ainda mais interessante é a situação atual em que se encontra as duas irmãs. Pois está muito claro a rusga que existe entre elas, aquele passado mal resolvido, aquela carga de ressentimento que ambas carregam, aquelas mágoas antigas e toda aquela tensão que esse reencontro inesperado proporciona para as duas.
Esse contexto familiar em filmes de terror até que funciona para contextualizar a história (por mais leve que seja), pra fazer aquela ligação com o massacre que logo se iniciará. Recentemente eu assisti dois filmes que traziam esse contexto - "M3GAN" e o próprio "Evil Dead" versão 2013.
O maior acerto de "Evil Dead Rise" é justamente apostar no óbvio da temática de sucesso da franquia "Evil Dead". Ou seja, manter aquela fórmula de sucesso e não querer se reinventar, não querer ser mais do que realmente deve ser. O que eu quero dizer é o fato de "Evil Dead Rise" ser o que todos já esperavam, reaproveitar a sua própria originalidade da franquia e do seu já consagrado e eternizado universo. Lee Cronin traz uma nova releitura do universo e sabe muito bem reaproveitar todos os elementos lendários da franquia; como a presença do apartamento mal-assombrado (no lugar da cabana), o icônico "Necronomicon", a lendária espingarda, a famigerada motosserra, aquela leitura das palavras que libertam os demônios, os próprios demônios se aproximando do local em alta velocidade (uma marca registrada da franquia), aquela referência da clássica cena do estupro das árvores, dessa vez sendo feita pelos cabos do elevador. Sem falar que o longa ainda presta uma espécie de homenagem à vários clássicos do terror; como a cena do elevador com sangue, que foi uma clara referência ao icônico Hotel Overlook, de "O Iluminado" (1980).
Assim como o excelente remake de 2013, "Evil Dead Rise" respeita toda a essência da franquia e, principalmente, respeita a obra original. A cena de abertura do filme já é bem condizente com toda a proposta desse universo. A principal marca da franquia está muito bem presente, que é o gore, a violência explícita, a sanguinolência extrema, as mutilações e esquartejamentos. Ou seja, um verdadeiro deleite para os amantes e consumidores dos slasher movies, do trash e do gore. Sem falar nas famosas cenas que nos causa aflição, como mastigar uma taça de vidro, perfurar o rosto com uma agulha, passar um ralador na perna. Além dos famosos vômitos intermináveis, aquelas cenas bem nojentas, aquele banho de sangue (a famosa chuva de sangue), que se tratando de "Evil Dead", é uma obrigação. O sangue em "Evil Dead" é outro personagem extremamente importante no contexto histórico, e aqui não foi diferente, já que de acordo com o diretor Lee Cronin, foram usados 6.500 litros de sangue falso no filme.
Sobre o elenco: Este é o segundo filme da franquia que não conta com Bruce Campbell como um dos personagens principais. Porém, Campbell é apresentado em uma participação especial não creditada apenas com voz, ouvida em uma gravação em um dos discos fonográficos de 1923; Campbell dá voz a um personagem não identificado que avisa os padres sobre os perigos do ritual de ressurreição do demônio. Bastante interessante por sinal!
Lily Sullivan ("Na Selva", de 2017) traz a personagem Beth de forma bastante contundente na história. Inicialmente Beth está sofrendo em silêncio pelo choque da descoberta da sua gravidez, onde o seu terror já começa ali. Logo após ela toma aquela postura de mãe/tia protetora com seus sobrinhos, e depois ela praticamente incorpora uma versão de Ash feminina. Gostei dessa postura mais bad ass da Beth, aquele girl power, onde ela revive uma versão do Ash empunhando a clássica espingarda e a famigerada motosserra. Sem falar naquela cena clássica em que ela esquarteja aquele demônio acoplado com a motosserra com o famoso banho de sangue. O que seria da franquia "Evil Dead" sem uma cena dessa com a motosserra?
Alyssa Sutherland ("Vikings") também anda nessa mesma linha com sua personagem Ellie. Inicialmente também constatamos todos os seus traumas de mãe abandonada, com seu sofrimento, seu fardo, seu estado emocional comprometido e frágil, o que logo a torna vulnerável para a possessão demoníaca. Devo trazer todos os elogios para a Alyssa Sutherland quando ela incorpora sua versão de "mãe demoníaca". Ali ela dá um verdadeiro show de atuação, embaixo daquela maquiagem pesada, carregada, que compunha a sua figura de mãe assustadora, com expressões, gestuais e um olhar completamente tenebroso. Não é muito comum em filmes de terror a gente se deparar com atuações em alto nível, como a que Alyssa Sutherland entrega aqui.
Morgan Davies, Gabrielle Echols e Nell Fisher fazem suas estreias no cinema. Respectivamente eles são os três filhos de Ellie: Danny, Bridget e Cassie. Os três tiveram atuações mais modestas, porém a Nell Fisher conseguiu maior destaque com sua pequenina Cassie, que luta lado a lado de sua tia Beth no embate final contra aquele demônio bizarro.
Um ponto muito interessante na história é aquela cena logo após a Beth esquartejar o demônio com a motosserra, em que ela volta pra pegar de volta justamente a motosserra. Esta cena me soou como um gancho para uma possível continuação. Inclusive aquela cena, logo após esta citada, em que aparece aquela jovem conversando no celular com uma amiga sobre um final de semana em um lago, onde o local possui um chalé (ou cabana), e logo após ela também é possuída por um demônio, também me soou como uma provável continuação. Na verdade esta cena me despertou a curiosidade de encaixar este "Evil Dead Rise" como um prequel de toda a franquia, ou seja, partindo agora para uma cabana onde se passa o primeiro filme da saga. Realmente eu não sei qual foi a real intenção dessa cena, mas que deixou uma pulga atrás da orelha, isso deixou.
Se baseando nessas duas cenas específicas que eu destaquei como prováveis continuações do universo "Evil Dead": recentemente, em abril desse ano, Bruce Campbell afirmou que ele, Sam e Ivan Raimi estavam planejando uma possibilidade para futuros filmes da franquia 'a cada dois ou três anos' se "Evil Dead Rise" fosse um sucesso. O diretor Lee Cronin também discutiu suas ideias para futuras sequências da série que se passa após "Evil Dead Rise". Bem, ao que tudo indica, após 10 anos do último filme e 5 anos da série, a franquia "Evil Dead" estará mais viva do que nunca com novos filmes para compor ainda mais este incrível universo de terror.
Já no quesito técnico, "Evil Dead Rise" também se destaca. Temos excelentes efeitos, assim como as maquiagens, que também está impecável. A trilha sonora acompanha muito bem cada cena, somando ainda mais o pânico e nossa apreensão. A cinematografia é ótima, com uma fotografia que se destaca em todas as cenas. A própria direção de Lee Cronin é excelente, ele realmente soube usar a mudança de cenário de uma cabana para um apartamento ao seu favor. Ele conseguiu transformar o lar doce lar em um ambiente macabro e tenebroso, praticamente um campo de batalhas demoníacas.
"Evil Dead Rise" foi originalmente programado para estrear com exclusividade no serviço de streaming da HBO Max, mas as exibições teste foram tão bem e tão positivas que a distribuidora Warner Bros. Pictures optou por lançar o filme primeiro nos cinemas.
"Evil Dead Rise" arrecadou mais de $ 132 milhões em todo o mundo contra um orçamento de produção de $ 15-19 milhões, tornando-se o filme de maior bilheteria da série.
No site agregador de críticas Rotten Tomatoes, 83% das 199 críticas dos críticos são positivas, com uma classificação média de 7,2/10. O consenso do site diz: "Oferecendo quase tudo que os fãs de longa data poderiam esperar enquanto ainda conseguem levar a franquia adiante". Já no Metacritic, que usa uma média ponderada, atribuiu ao filme uma pontuação de 69 de 100, com base em 38 críticos, indicando "críticas geralmente favoráveis". O público pesquisado pelo CinemaScore deu ao filme uma nota média de "B" em uma escala de A + a F, enquanto os entrevistados pelo PostTrak deram uma pontuação positiva de 71%, com 57% dizendo que definitivamente o filme é muito bom e que o recomendariam.
Na minha opinião: "Evil Dead Rise" é tão bom quanto o remake de 2013, ambos estão em pé de igualdade dentro da franquia "Evil Dead". Porém, eu ainda prefiro o remake, pelo fato de ser mais violento, mais visceral, mais apoteótico, ter cenas mais impactantes, mais sanguinolentas e consequentemente abusar mais do gore e do trash. [18/05/2023]
"A Maldição da Chorona" (também conhecido como "The Curse of the Weeping Woman") foi lançado em 2019, dirigido por Michael Chaves (que estreava na direção, e logo após seria o diretor de "Invocação do Mal 3" e será de "A Freira 2"), e escrito por Mikki Daughtry e Tobias Iaconis (ambos do filme "Noitários de Arrepiar", de 2021). O longa-metragem foi produzido por Gary Dauberman e James Wan, através de seu banner Atomic Monster Productions. O filme segue uma mãe em 1973 em Los Angeles que deve salvar seus filhos de um espírito malévolo que tenta roubá-los.
Um ponto muito interessante no filme é o fato dele ser baseado no folclore mexicano "La Llorona", que segundo a lenda é sobre uma mulher que afogou a si mesma e ao seus filhos, sendo condenada a chorar eternamente, então, ela captura outras crianças para substituir seus filhos, levando-os à morte depois.
Toda essa ideia do roteiro em girar em torno desse conto, dessa lenda, desse mito, é bem funcional e soa bastante intrigante inicialmente. Pois temos uma história de uma mulher (uma assistente social) que se torna viúva e se vê obrigada a criar seus dois filhos sozinha, onde sua vida sofre drásticas mudanças quando ela começa a investigar um caso de entidade sobrenatural, que logo toda essa investigação se volta contra ela. Se analisarmos friamente, é uma lenda que pode gerar uma boa história para uma boa adaptação em um filme de terror.
Começando pelo o fato do roteiro já nos confrontar com a figura central da mãe, que obviamente é considerada como uma soberana na família, aquele símbolo de amor, de cuidado, de proteção para com seus filhos. Então quando ela passa de proteção para ameaça é exatamente aonde tudo começa acontecer e a trama ganha tons de suspense e terror. Outro ponto interessante no filme é aquela construção mais dramática, uma vertente dramática, que aborda exatamente todo drama que Anna (Linda Cardellini) enfrenta ao se deparar com a situação ameaçadora que seus filhos estão enfrentando. Por outro lado a própria Anna tem que lidar com suas falhas como mãe, o que nos confronta exatamente com a Patricia Alvarez (Patricia Velásquez), que também é uma mãe que foi condenada por seus abusos. O mesmo também vale para a Chorona (Marisol Ramirez), que é a principal representação de uma figura materna que falha na proteção de seus filhos. Este é um ponto positivo no filme, o fato de um terror ter essas abordagens mais dramáticas (mesmo que de leve).
Outra parte, que pode soar como clichê em filmes com essa temática, é o fato de todas as suspeitas que se levantam ao redor de Anna. É fato que médicos e assistentes logo desconfiariam da Anna em relação aos machucados nos braço de seus filhos. Obviamente todos iriam logo acreditar que Anna estivesse descontrolada, alucinada, fora de seu estado de controle normal, que ela mesma poderia ser a ameaça, que ela própria poderia estar atacando seus filhos. De fato é um clichê mas que cabe perfeitamente aqui. Outro ponto positivo é o fato da mistura cultural que temos no filme, onde temos um contexto que confronta a cultura norte-americana com a cultura mexicana, ou seja, aquela cultura protestante tipicamente americana com a presença da crença católica mexicana. E esse choque cultural funciona, flui com o desenrolar da história, não vira um conflito.
Se por um lado o longa funciona no quesito do drama familiar de uma mãe em busca da proteção dos seus filhos e do choque entre culturas distintas. Por outro o roteiro jamais vai abrir mão do terror pastelão, do clichezão, da forçação de barra em cima do velho jumpscare, da previsibilidade, da falta de criatividade e originalidade. Tudo que encontramos nos mais variados filmes de terror moderno temos aqui: sustos gratuitos, portas se fechando sozinhas, aparições de vultos, rituais, possessão, invocação, aquelas situações clássicas de tensão e terror. Fato é que hoje em dia está cada vez mais difícil dos filmes de terror fugirem dessas temáticas. A grande maioria até pode ter uma premissa boa, que soa como interessante, mas fatalmente vão se entregar ao já batido e defasado terror moderno.
Um ponto que pode contar para que "A Maldição da Chorona" comece interessante e depois mergulhe no famoso terror pastelão, é exatamente por ser uma produção feita aos cuidados do famoso James Wan. De fato o James Wan nunca abriu mão de começar uma produção instigante, interessante, com um grande potencial, mas depois se jogar de cabeça no terror pastelão (isso é uma marca registrada do diretor). Outro ponto é a ligação que todos imaginam que "A Maldição da Chorona" tem com o "The Conjuring Universe". Muitos acreditam que o longa-metragem é de fato a sexta edição da franquia "The Conjuring Universe", porém o filme não faz parte do universo estendido de "Invocação do Mal", apesar da referência que filme faz com a "Annabelle" e por ter no elenco o padre Perez, que é o mesmo personagem do filme de 2014, sendo interpretado até pelo mesmo ator, Tony Amendola.
Temos um elenco que funciona bem, dentro das cabíveis proporções. Linda Cardellini (da franquia "Vingadores") é a que mais se destaca, por incorporar a figura de uma mãe que está sofrendo com a presença ameaçadora que coloca em risco a vida de seus filhos. Sem falar na recente perda de seu marido e as duras condições de seu trabalho. Linda é uma excelente atriz, ela tem essa veia mais dramática, que nos comove pelo seu sofrimento, pela sua luta, pela sua garra, e aqui ela funciona exatamente dentro desses requisitos. Considero uma boa atuação de Linda Cardellini. Patricia Velásquez ("Hawaii Five-0") muito bem com aquela figura de mãe sombria, misteriosa, obscura, que parece sempre estar escondendo algum segredo. Raymond Cruz (da série "Major Crimes") é mais conhecido por desempenhar trabalhos menores em programas de TV. Aqui Raymond interpreta o padre mexicano Rafael Olvera, e ele vai muito bem ao contracenar com a Linda Cardellini. Um grande destaque no elenco é a presença mirim, que é composto por Jaynee-Lynne Kinchen como Samantha Garcia (Sam) e Roman Christou como Chris Garcia. Tanto Jaynee-Lynne como Roman se destacam positivamente no filme, eles entregam uma atuação mais inocente e até mais convincente. O mesmo vale para a ótima Madeleine McGraw (que brilhou em "O Telefone Preto", de 2021), que mesmo tendo pouco tempo de tela, ela consegue nos mostrar toda a sua desenvoltura.
Em questões técnicas o filme vai bem! A maquiagem na Marisol Ramirez ("Circle", de 2015) para se transformar na Chorona é muito boa. Uma maquiagem carregada, pesada, com aquelas mãos escurecidas, realmente um grande trabalho técnico. O trabalho da direção de arte é boa, complementa bem a história. Juntamente com a fotografia mais escurecida, um trilha sonora bem dark e completando com uma direção de Michael Chaves bem ajustada nos momentos mais oportunos. Alguns efeitos deixam um pouco a desejar, mas nada que comprometa muito.
"A Maldição da Chorona" arrecadou $ 123 milhões em todo o mundo contra um orçamento de $ 9 milhões, tornando-se o filme de menor bilheteria se compararmos com a franquia "The Conjuring Universe".
Por fim, temos aqui mais uma produção de terror que conta com uma premissa interessante, tem como base uma lenda bem intrigante, começa bem com o drama central da figura materna, mas logo cai inevitavelmente no marasmo, no clichê, no jumpscare, mergulhando de vez no famoso terror moderno pastelão (mesmo caso do filme "Rogai Por Nós", que assisti recentemente). Pelo menos vale como entretenimento de mais uma produção de terror descompromissada e despretensiosa, mas facilmente esquecível.[29/04/2023]
"A Freira" (estilizado como †HE NUИ) foi lançado em 2018, dirigido por Corin Hardy e escrito por Gary Dauberman, a partir de uma história de Dauberman e James Wan. É um spin-off/prequela de "Invocação do Mal 2", de 2016 e o quinto longa-metragem da franquia "The Conjuring Universe". A trama segue um padre católico romano e uma freira em seu noviciado quando eles descobrem um segredo profano em 1952 na Romênia.
Aqui temos uma equipe formada por Corin Hardy (diretor pouco conhecido de "A Maldição da Floresta", de 2015), Gary Dauberman (roteirista da franquia "It" e "Annabelle") e James Wan, um dos maiores nomes do terror da atualidade e um dos responsáveis pelo desenvolvimento do "The Conjuring Universe".
É fato que o terror tem sido muito banalizado e massacrado nas últimas décadas no cinema, algo como um gênero muito batido, muito comum, onde falta principalmente a originalidade e a criatividade. Constantemente temos inúmeros exemplos, ou seja, os milhares filmes de terror que vão sendo lançados um atrás do outro. Toda essa forçação de barra em cima do gênero é o principal fator para cada vez mais a sua credibilidade ser perdida. E isso só tende a piorar, como estamos acompanhando mensalmente e anualmente. Por isso está cada vez mais comum às pessoas dizerem que o gênero terror morreu nas décadas de 80 e 90, e o que temos hoje em dia não passam de eternos caça-níqueis.
Dentro desse contexto temos a já consagrada franquia "Invocação do Mal", que iniciou lá em 2013. "Invocação do Mal" hoje é uma franquia que cresceu muito, que já está eternizada, que criou uma grande fanbase, principalmente pela construção do seu próprio universo compartilhado (no maior estilo Marvel e DC), que gerou vários spin-offs ao longo dos anos. Dentro desses vários spin-offs da franquia "Invocação do Mal" temos mais um - "A Freira".
"A Freira", que é conhecida como Valak, apareceu pela primeira vez em "Invocação do Mal 2" (2016) e logo após em "Annabelle 2: A Criação do Mal" (2017). Uma curiosidade sobre Valak: diferente do filme, Valak não tem nada a ver com uma freira. Ele é descrito como uma criança com asas de anjo montado em um dragão de duas cabeças e ele não precisa possuir o corpo de um humano, já que ele pode assumir a forma que quiser. No caso, o filme decidiu usar a personagem da freira como a forma do demônio.
"A Freira" funciona cronologicamente com toda a história do "The Conjuring Universe", pois este é de fato o primeiro capítulo de toda a saga. Temos aqui uma história que é situada no início dos anos 50, num mosteiro na Romênia, quando o Vaticano despacha o Padre Burke (Demián Bichir) e uma jovem freira, Irmã Irene (Taissa Farmiga), para investigar a complexidade do caso em que duas freiras foram brutalmente atacadas por uma entidade maligna, onde uma delas se enforca como uma tentativa de fuga da possessão demoníaca. Um ponto interessante da história é o fato daquela freira que se enforcou ter vivido toda sua vida sobre o enclausuramento daquele estranho convento, e sempre ter sido perseguida pelos seus traumas e seus demônios ocultos. Outro ponto curioso é o fato do Vaticano impor a jornada investigativa à cargo de um padre que parece estar atormentado por um passado assombrado, e uma noviça inexperiente que ainda não fez os seus votos perpétuos para se tornar uma freira.
A forma como a freira foi utilizada em "Invocação do Mal 2", quando aterrorizou a vida do casal Ed e Lorraine Warren (Patrick Wilson e Vera Farmiga), nos deixou muito intrigado sobre quem de fato era aquela freira demoníaca, porque ela causava tanta perturbação e tanto medo em Lorraine. Ou seja, tanto em "Invocação do Mal 2" quanto em "Annabelle 2" a freira era uma das criaturas mais bizarras e assustadoras de toda a história. Logo todos imaginavam que essa personagem também poderia ganhar o seu filme solo, assim como a própria Annabelle havia ganhado. Porém, aqui temos um ponto que merece ser destacado: a Annabelle funcionou perfeitamente tanto no filme "Invocação do Mal" quanto em seu próprio filme solo, o que definitivamente não acontece com a freira, pois ela é muito mais assustadora em "Invocação do Mal", já em seu filme solo ela não funciona, ela não é nem sombra do que havia sido anteriormente.
O longa tem uma premissa interessante, principalmente por já começar nos confrontando com a imagem da freira, o que nos deixa bastante intrigado sobre como será contada toda a sua história, e logo após a cena do suicídio essa curiosidade aumenta ainda mais. O clima de mistério é rapidamente instalado na trama, o que logo vai desenvolvendo todo suspense e toda mística acerca daqueles acontecimentos. Nesse quesito o filme é bem trabalhado e bem desenvolvido, pois a ambientação sombria e macabra é bem funcional. Sem falar nos cenários onde a história se passa, que vai desde aquele pacato vilarejo até o gigantesco castelo que foi transformado em convento. Outro ponto que se destaca é exatamente toda a construção do suspense, que é constante, é crescente e é presente em torno de todo o clima sombrio e gótico, principalmente na introdução da figura da freira, onde sua entidade é na maioria das vezes oculta. A trilha sonora também contribui com os cenários e com toda ambientação soturna.
Por outro lado temos um roteiro fraquíssimo (facilmente um dos piores de todo "The Conjuring Universe"), onde o mesmo é mal trabalhado, mal desenvolvido, mal escrito, sem nenhuma estrutura, sem nenhum ponto de virada. O enredo é limitado, sem desenvolvimento sobre os personagens que compõem a história, sem nos estabelecer suas convicções. Como já destaquei, o início da trama é boa e bem estruturada sobre a construção do suspense, porém logo tudo se perde quando o suspense é deixado de lado para a introdução do terror forçado, do clichê, dos famosos jumpscare, que mesmo sendo usado em pouca quantidade mas sempre estão ali. Toda história em si é bem arrastada, o que deixa o ritmo do filme bem morno e sonolento. Dificilmente (ou quase nunca) o filme te causa medo ou vai te assustar, o que ele mais tenta é te forçar ao susto gratuito, mas definitivamente isso não funciona. A figura da freira é mal utilizada e mal desenvolvida na história, que mesmo sendo utilizada na maioria das vezes à espreita e oculta, mas claramente você sente falta de uma presença maior e mais aterrorizante. Sem falar no embate final, onde temos uma cena completamente pífia e ridícula, quando a Irmã Irene simplesmente derrota a figura assombrosa da freira com o uso do famoso "sangue de Jesus tem poder". Facilmente uma das piores cenas finais de um filme de terror.
O elenco é mediano. Temos a presença da irmã mais nova da Vera Farmiga, Taissa Farmiga ("American Horror Story). Um ponto curioso sobre a Irmã Irene é o fato que ela possa ser a Lorraine Warren dentro do universo de "Invocação do Mal", já que o filme é cronologicamente o primeiro da saga e as duas são irmãs e são parecidas. Esse é um ponto que deve ser observado nos próximos passos do "The Conjuring Universe". Taissa entrega uma atuação ok, nada perto do nível da sua irmã, mas consegue se manter firme e segura bem a personagem (acredito que ela vai desenvolver mais dentro da franquia). Demián Bichir ("Godzilla vs Kong") é o padre exorcista da vez, que compõe um personagem que vive traumatizado exatamente por um exorcismo feito no passado e hoje ele atormentado constantemente. Uma atuação que também anda no terreno do aceitável, do mediano, entregou o que o roteiro pedia. Jonas Bloquet ("As Feras") é o curioso da vez, o personagem que descobre a freira morta no início e depois até participa da batalha demoníaca. Quase um Ash da Shopee - kkk! Bonnie Aarons ("O Lado Bom da Vida") foi quem sempre deu vida para a Valak (A Freira Demoníaca). Eu achei uma boa atuação em um nível grotesco, porém confesso que queria ver ainda mais o que ela tem para nos oferecer (quem sabe numa próxima vez).
"A Freira" obteve recepção negativa quanto a crítica especializada, onde muitos elogiaram suas performances e atmosfera, mas criticaram sua narrativa fraca e lógica inconsistente. No site Rotten tomatoes o longa teve 26% de aprovação com base em 193 avaliações e no metacritic um meta score de 46 por 32 comentários, se tornando o menos bem avaliado de todo "The Conjuring Universe".
O filme arrecadou $ 365 milhões em todo o mundo, tornando-se o filme de maior bilheteria do "The Conjuring Universe".
Uma sequência, "A Freira 2", está atualmente em pós-produção com direção de Michael Chaves e co-produção de James Wan e Peter Safran. O longa-metragem está com lançamento previsto para 8 de setembro desse ano.
Não é sempre que uma boa história gera bons spin-offs, e aqui temos mais uma prova disso. "A Freira" respeita o universo de "Invocação do Mal" mas não consegue alcançar a sua grandiosidade, a sua relevância, a sua estrutura e, principalmente, jamais consegue atingir a sua complexidade técnica e narrativa. De fato temos aqui apenas mais uma tentativa de introdução de uma personagem que apareceu na franquia principal em seu filme solo. Porém essa tentativa falhou, não funcionou, se revelando apenas como mais um caça-níquel na tentativa de espremer ainda mais esse universo. Portanto, só me resta afirmar que "A Freira" é o pior filme do "The Conjuring Universe", uma vez que "O Homem-Torto" foi oficialmente cancelado e "A Maldição da Chorona" teoricamente não faz parte do universo. [27/04/2023]
"Rogai Por Nós" foi lançado em 2021, escrito, produzido e dirigido por Evan Spiliotopoulos (em sua estreia na direção), baseado no romance de terror de 1983, "Shrine", de James Herbert. O longa-metragem foi produzido por nada mais nada menos que o produtor da franquia "Evil Dead", Robert Tapert, e o diretor Sam Raimi, através de seu banner Ghost House Pictures.
Evan Spiliotopoulos é um roteirista, produtor e diretor greco-americano. Evan sempre atuou apenas como roteirista, desde 2002, quando assinou o roteiro de "Mogli - o Menino Lobo 2", passando por "A Pequena Sereia" (2008), "Hércules" (2014), "A Bela e a Fera"(2017) e "As Panteras" (2019). E ele é o roteirista de "O Exorcista do Papa", filme lançado no dia 06/04 e que conta com o protagonista Russell Crowe. O mais curioso é o fato de Evan nunca ter trabalhado com nada relacionado ao terror, e justamente sua estreia na direção de um longa-metragem é com uma adaptação de terror.
"Rogai Por Nós" inicia com um acontecimento no ano de 1845, e esse acontecimento reflete nos dias atuais de uma pequena cidade da Nova Inglaterra, onde temos um cotidiano normal dos moradores que visitam frequentemente a paróquia da cidade para alimentar a fé. Aquela típica cidadezinha do interior onde nada acontece e todos vivem na tranquilidade e na paz. Logo temos um decadente jornalista (Jeffrey Dean Morgan) que se depara com uma jovem, que até então era muda, e que diz ter sido visitada e abençoada pela Virgem Maria e, repentinamente, ela passa a ouvir, falar e curar pessoas que trazem até ela algum tipo de enfermidade. O interessante é justamente a forma como Fenn (o jornalista) age em relação à todos esses fatos curiosos, onde, obviamente, ele passa a investigar o caso e vê uma oportunidade de ressuscitar a sua carreira jornalística desvendando o caso dos segredos milagrosos.
Temos aqui um filme de terror e suspense com uma premissa muito intrigante e bastante interessante, que logo de cara já nos deixa curioso acerca de todos os acontecimentos que permeia aquela cidade. O fato do enredo tratar exatamente na questão dos milagres soa como intrigante, instigante, misterioso, e justamente pelo fato de você se perguntar se os fenômenos e milagres serão mesmo obra da Virgem Maria ou de algum poder macabro, algo que possa ter uma fonte e uma ligação muito mais sombria. Toda essa premissa funciona bem inicialmente, até pelo fato da citação que o filme faz com os acontecimentos reais das aparições da Virgem Maria nas cidades de Lourdes e Fátima, locais que viraram pontos de peregrinação.
A construção do suspense baseado no mistério é bastante funcional, até pelo fato de você passar a criar inúmeras possibilidades, de não acreditar em tais acontecimentos, de criar uma barreira entre a fé e a ilusão, e aqui a semente da dúvida e da desconfiança é plantada em nossa cabeça com sucesso. E o roteiro usa aquela típica receita clássica do terror que se baseia em temática católica, com padres de fé duvidosa, personalidades infiéis, cruzes pegando fogo, além de explorar temas de êxtase religioso, histeria em massa, possessão demoníaca, cura pela fé e catolicismo.
Outro ponto interessante no filme é a forma como ele mostra a manipulação da fé, a deturpação e degradação dessa fé, algo como os falsos religiosos, falsos profetas, falsos cristãos, aquelas pessoas que se consideram cristão só pelo rótulo de certas crenças ou determinada religião (e isso é o que mais existe hoje em dia). Uma verdadeira cutucada sobre os falsos profetas em peles de cordeiros, quando na verdade são lobos raivosos.
No entanto, "Rogai Por Nós" levantou uma polêmica e gerou discursão sobre a forma representada da Virgem Maria (Mãe de Deus) no filme, pelo fato dela ter sido representada em algumas formas malignas e demoníacas. O filme faz questão em nos apresentar uma Virgem Maria com um pacto demoníaco, uma Virgem Maria que assume uma forma negra, grotesca, macabra, sombria, aterrorizante, além da sua imagem constantemente sangrar pelos olhos e ainda se desintegrar (algo como uma alusão sobre todo o poder que o demônio possa ter sobre as pessoas que nem mesmo a sua fé é capaz de protegê-la). Toda essa representação da Virgem Maria foi encarado como blasfêmia, com estereótipos anticatólicos, um anticatolicismo, uma verdadeira ofensa à Igreja Católica. Muitas pessoas se sentiram ofendidas ao assistirem o filme.
Jeffrey Dean Morgan (o eterno Negan de "The Walking Dead") tem uma atuação ok como o jornalista Gerald Fenn, nada surpreendente ou de grande relevância, porém ele vai muito bem nesses papeis, ele sabe entregar exatamente o que o roteiro precisa do seu personagem (belíssimo ator). Cricket Brown ("We Want Faces So Bad") bem mediana como Alice, tem cenas que ela até vai bem, mas tem outras que ele fica devendo, e sinceramente ela não convence em um filme de terror. Katie Aselton ("The Morning Show") como Dr. Natalie Gates, ela até consegue boas cenas, mas nada que mereça um grande destaque. William Sadler ("À Espera de um Milagre" e "Um Sonho de Liberdade") como Padre Hagan, um personagem misterioso que até surpreende em alguns pontos e algumas tomadas de decisão. Definitivamente o filme possui um bom elenco mas que foram subaproveitados.
"Rogai Por Nós" é mais um caso de um filme de terror com uma boa premissa, com um grande potencial, principalmente por inicialmente construir um clima onde o suspense se sobressai, onde somos pegos pelo mistério, pela crença, pela fé, pela curiosidade. Porém, todo esse suspense e mistério é deixado de lado para dar espaço ao velho clichê, para forçar o susto gratuito, para tentar impressionar o espectador forçando a barra em cima dos velhos jumpscare. Ou seja, mais uma vez temos um caso de um bom material que foi mal aproveitado, mal trabalhado e mal adaptado. Porém, ainda assim o filme não é essa tragédia toda como muitas pessoas afirmaram, considero até como um terror mediano, vale a experiência pelo entretenimento, principalmente por contar com o excelente Jeffrey Dean Morgan. [23/04/2023]
"Evil Dead" é dirigido por Fede Álvarez (em sua estreia na direção), foi produzido por Bruce Campbell, Robert Tapert e Sam Raimi (os produtores da trilogia original), e co-escrito por Rodo Sayagues e o próprio Álvarez. O roteiro foi então adulterado por Diablo Cody ("Juno", de 2007) em um esforço para americanizar o diálogo, já que o inglês não era a primeira língua dos escritores. Apelidado de uma "reimaginação", é o quarto título da série "Evil Dead" e serve tanto como um reboot (remake) do filme original de 1981 como uma continuação da trilogia original. A história segue um grupo de cinco pessoas sob ataque de uma entidade sobrenatural em uma cabana remota na floresta.
Seria mais do que óbvio que após o terceiro filme de "Evil Dead", Raimi seria muito questionado sobre uma possível produção de um quarto filme da já consagrada franquia. E principalmente pela forma como o terceiro terminou (com o final original), com o Ash acordando no futuro em um cenário pós-apocalíptico. Ou seja, todos imaginavam um quarto filme levando o personagem até esse futuro pós-apocalíptico. As negociações para um quarto filme começaram em 2004, com o Bruce Campbell sobre a possibilidade de um próximo filme da franquia, porém as negociações não avançaram. Fato é que Raimi e Campbell planejaram um remake por muitos anos, mas, em 2009, Campbell afirmou que a construção do remake que estava sendo proposto estava "indo a lugar nenhum" e fracassou devido à reação extremamente negativa dos fãs. Já em abril de 2011, Campbell declarou que estavam trabalhando firme em um remake e que o roteiro era simplesmente incrível.
Nas últimas décadas a onda dos remakes vem se intensificando cada vez mais, onde produções que são consideradas eternizadas e irretocáveis tem ganhado seus remakes, que muita das vezes são sempre considerados inferiores se comparados com a obra original. Os exemplos mais conhecidos vão desde "Psicose" até "O Massacre da Serra Elétrica", de "Sexta-Feira 13", passando por "Halloween" e até mesmo "A Profecia". Outro exemplo é o remake de "Carrie" (2013), que recentemente revi e escrevi minha análise. Esse remake da "Carrie" é simplesmente péssimo, cabe perfeitamente o caso da falta de criatividade, credibilidade e relevância na construção dos remakes hollywoodianos.
Já no caso do remake de "Evil Dead", Raimi pensava em produzir um remake que pudesse respeitar a obra original, manter a sua essência, que pudesse ser filmado nos moldes do original. Partindo dessa premissa, Raimi queria contar com um cineasta amador, ou pelo menos sem muita experiência, vindo de produções de curtas, com uma mente aberta em relação à novas propostas, sem imitar cenas, sem forçar em cima do CGI e, principalmente, sem aqueles orçamentos exagerados (o que já era corriqueiro).
O diretor Uruguaio Fede Álvarez se encaixou perfeitamente nas exigências de Raimi, pois o remake de "Evil Dead" seria seu primeiro trabalho em um longa-metragem, e ele havia se destacado graças ao curta "Ataque de Pânico!" (2009). Além do mais, a sua forma de trabalhar com o uso do CGI batia exatamente com a opinião do Raimi, pois o próprio Álvarez disse que as pessoas usavam o CGI por ser mais barato e mais rápido e ele odiava tudo isso. Álvarez confirmou em uma entrevista que o remake de "Evil Dead" só utilizou o CGI em pequenos retoques durante toda a produção. Ele afirma que tudo que vemos no filme é de fato real, e ele decidiu apenas utilizar maquiagens e truques ilusórios para nos imergir naquele cenário claustrofóbico. Ou seja, ele decidiu abrir mão do uso do CGI para brincar com a nossa mente entre o real e o imaginário, despertando os nossos medos, agonias e nos aterrorizando. Álvarez também afirma que essa produção foi muito exigente, que a filmagem foi muito longa, que durou cerca de 70 dias de filmagem à noite.
Eu assisti "Evil Dead" no cinema em sua semana de estreia lá em abril de 2013, e já havia gostado muito desse remake. Revendo o filme hoje, depois de rever a trilogia original, eu afirmo com toda a certeza que esse remake é excelente, simplesmente um dos melhores remakes da história dos remakes. Eu nunca fui a favor dos remakes, sempre tive um pé-atrás quando o assunto era mexer em obras clássicas, mas dessa vez eu confesso que "Evil Dead" é definitivamente aquele remake de respeito.
Toda a ideia que trouxeram para compor o roteiro eu achei bem condizente com a proposta do filme. Ou seja, exatamente essa decisão de levarem a Mia (Jane Levy), que era uma viciada em drogas, para uma cabana insolada no meio da floresta no intuito de realizarem uma longa cura de desintoxicação. Essa é uma ideia boa e casa exatamente com o fato da possessão de Mia, que a princípio todos vão acreditar que o seu comportamento é fruto da sua abstinência, e logo após todos percebem que uma força demoníaca se apoderou de seu corpo.
"Evil Dead" é um excelente remake justamente por respeitar a obra original, por manter toda a sua essência, por decidir seguir no campo do terror e não apostar na comédia (como aconteceu na trilogia clássica). A cena de abertura já é excelente, com aquela perseguição da garota na floresta e logo após aquela cena impactante onde ela é queimada viva pelo próprio pai. Logo após somos apresentados ao grupo da cabana, onde temos a cena de apresentação da Mia que soa como uma verdadeira homenagem ao Sam Raimi, quando ela aparece vestida com um suéter da universidade de Michigan, a universidade que o diretor estudou.
"Evil Dead" também se destaca pela grandiosidade ao respeitar e preservar alguns elementos clássicos da obra de Raimi: temos a cabana isolada no meio da floresta, o encontro com o icônico livro dos mortos ("Necronomicon"), o famigerado porão, a leitura no livro das palavras que vão despertando os demônios, a câmera vindo em alta velocidade em direção à cabana, cuja definição é exatamente sobre os demônios se aproximando da Mia, a clássica cena do estupro das árvores, a clássica cena em que o demônio (ou a Mia) dá aquela olhadinha por baixo da porta do porão, o colar servindo como amuleto, e como jamais poderia faltar, a icônica motosserra.
"Evil Dead" é exagerado sim, é sem noção sim, traz um apelo gráfico pelo puro prazer estético do sangue e da violência sim, tem personagens que tomam atitudes burras sim. Tudo isso faz com que esse remake seja grandioso, seja coerente com a obra original, era exatamente tudo isso mesmo que a gente precisava. Um remake de "Evil Dead" que honra os amantes e consumidores de um verdadeiro slasher movies, do trash, do gore, com cenas absurdamente sangrentas, com uma violência explícita impecável. Esse é um dos grandes méritos do longa de Fede Álvarez, não poupar o espectador, não economizar na violência, não economizar no gore, não economizar nas vísceras, não economizar nas mutilações e esquartejamentos, ser forçado sim, principalmente no quesito sanguinolência e violência.
Assistir este filme no cinema foi um verdadeiro deleite, pois suas cenas impactavam e incomodavam à todos os presentes na sala, principalmente as garotas, que se contorciam na cadeira em cenas como: passar a língua no estilete e deixá-la bifurcada. Escovar os dentes com cacos de vidros. Tirar uma agulha do olho. Atirar pregos direto na cara. Cortar o próprio braço com uma serra elétrica de cortar carne. Ou seja, cenas completamente bizarras, que nos dava agonia e aflição. Sem falar no terror dos demônios, das possessões, com bruxarias, com aparições de figuras bizarras, e como jamais poderia faltar em um filme do universo "Evil Dead", aquelas cenas bem nojentas.
A cena final é a verdadeira cereja do bolo, o verdadeiro ápice do filme, quando temos aquela assombrosa chuva de sangue e o verdadeiro massacre da serra elétrica. Esta específica cena é a verdadeira definição do título "Uma Noite Alucinante". Que cena bizarramente impecável, com uma violência e um gore absurdo, um verdadeiro massacre da serra elétrica pra deixar o Leatherface completamente no chinelo. Esse é o filme com mais sangue feito até o momento.
Em questão de elenco não tem muito o que destacar. Na verdade temos um elenco bem limitado (eu diria), salva-se a Mia e o seu irmão David. Jane Levy ("O Homem nas Trevas", de 2016) consegue uma boa atuação na pele da Mia, nos passando aquela garota que inicialmente está sofrendo pela abstinência das drogas, e logo após ela fica muito bem caracterizada de "demônio", principalmente pelas suas expressões faciais e seus gestuais. Shiloh Fernandez ("A Garota da Capa Vermelha", de 2011) é talvez o que mais se assemelha ao icônico Ash, pois de fato não temos um herói absoluto na trama, e seu David até que se sai bem em algumas cenas. Uma curiosidade bizarra sobre o elenco: as iniciais dos nomes de cada um (David, Eric, Mia, Olivia e Natalie) forma a palavra Demon.
Em questões técnicas temos um ótimo trabalho de direção de Fede Álvarez ("O Homem nas Trevas"). Realmente ele sabe conduzir muito bem a sua câmera, conseguindo aqueles takes e aqueles focos bem bizarros, sem falar nas cenas em que os demônios corriam pela floresta, onde temos excelentes perseguições com o uso da câmera. A fotografia de Aaron Morton ("Espontânea", de 2020) é boa e muito correta em algumas partes, principalmente nas cenas em que era preciso o uso do sombrio, do macabro, dando aquele foco na tempestade e na neblina intensa. Já a trilha sonora de Roque Baños ("O Operário", de 2004) chega a ser estridente e incômoda durante grande parte do filme, principalmente na cena final, onde o destaque da trilha sonora se intensifica ainda mais. Uma trilha sonora que casa perfeitamente com cada cena do filme.
Em outubro de 2019, Raimi anunciou na Comic Con de Nova York que um novo filme do universo "Evil Dead" estava oficialmente com luz verde e em desenvolvimento, com Robert G. Tapert como produtor, enquanto Raimi e Campbell atuavam apenas como produtores executivos, todos sob a direção da Ghost - Banner. Em junho de 2020, Lee Cronin ("Minutos Depois da Meia Noite", de 2016) foi escolhido como diretor com um roteiro que ele próprio escreveu. Oficialmente intitulado "Evil Dead Rise", o projeto foi desenvolvido pela New Line Cinema. Alyssa Sutherland (da série "Vikings") e Lily Sullivan ("Na Selva", de 2017) foram escaladas para o filme, e as filmagens foram concluídas em 27 de outubro de 2021. "Evil Dead Rise" está programado para ser lançado nos cinemas em 20 de abril de 2023.
"Evil Dead" arrecadou $ 97 milhões em todo o mundo contra um orçamento de produção de $ 17 milhões.
Uma versão estendida com um final alternativo (uma cena excluída no meio dos créditos) e vários outros clipes e diálogos excluídos, alguns dos quais foram apresentados no trailer original, mas posteriormente removidos da versão final, foi ao ar no Reino Unido no Canal 4 em 25 de janeiro de 2015.
O longa-metragem ainda apresenta uma inusitada cena pós-créditos.
Por fim, posso afirmar que a maioria dos remakes nunca são pedidos por ninguém, e os clássicos também não clamam com urgência por uma nova versão (como a indústria cinematográfica deve pensar). Porém, aqui temos um caso raríssimo, um ponto fora da curva, um remake excelente, de qualidade, que soube se reinventar e trazer uma refilmagem imersa no terror, na violência, abusando da ousadia e principalmente do gore, mas sempre respeitando e honrando o eterno clássico de 1981. "Evil Dead" versão 2013 é um dos melhores remakes já feitos e um dos melhores que já assisti. Sem mais!
("Evil Dead" foi lançado no cinema brasileiro em 19 de abril de 2013 e eu revi hoje, 19 de abril de 2023, com exatos 10 anos de lançamento)
Uma Noite Alucinante 3 / Exército das Trevas (Army of Darkness)
"Army of Darkness" foi lançado em 1992, dirigido, co-escrito e co-editado (sob o pseudônimo de R.O.C. Sandstorm) por Sam Raimi (junto com seu irmão Ivan Raimi). O filme é produzido por Robert Tapert e Bruce Campbell, sendo o terceiro capítulo da série de filmes "Evil Dead" e a sequência direta de "Evil Dead II" (1987). Estrelado por Bruce Campbell e Embeth Davidtz, o longa segue Ash Williams (Campbell) enquanto ele está preso na Idade Média e luta contra os mortos-vivos em sua busca para retornar ao presente.
"Army of Darkness" (originalmente intitulado "Evil Dead III: Army of Darkness") foi produzido como parte de um contrato de produção com a Universal Pictures após o sucesso financeiro de "Darkman" (1990). Realmente "Darkman" fez um grande sucesso em sua época de lançamento, tanto pela crítica quanto financeiramente. Todo esse sucesso de "Darkman" incentivou Raimi e seus produtores a darem continuidade em um terceiro filme da já formada franquia "Evil Dead". Raimi já tinha essa ideia de levar o Ash para a Idade Média desde a segunda metade de "Evil Dead II", mas por falta de verba para tal realização, o segundo filme seguiu os mesmos passos do primeiro, que era justamente se concentrar em um terror claustrofóbico novamente na cabana. Tanto que no final de "Evil Dead II" Raimi deixa um epílogo intrigante e provocativo sobre essa sua vontade de levar seu novo herói para a Idade Média. E justamente essa cena final de "Evil Dead II" nos mostra Ash sendo engolido por um portal que se abriu na cabana que o levou até o ano de 1300 A.C., onde ele já chega no local sendo recebido com estranheza pelos povos presentes, porém após ele enfrentar e matar um demônio com sua espingarda, ele é glorificado como um novo salvador que caiu dos céus.
Mesmo com todo o sucesso de "Darkman" e a própria recepção positiva de "Evil Dead II", Raimi ainda teve problemas financeiros para a realização do terceiro filme da franquia. Pois os altos valores necessários para a produção de um possível "Evil Dead III" levou o diretor a cogitar a ideia de produzir um terceiro filme onde levaria novamente o protagonista ao inferno da cabana isolada. E realmente a princípio Raimi pensou em um script mais modesto, mais curto, cujo roteiro original possuía apenas 43 páginas. No entanto, como uma produção ambiciosa já fazia parte dos planos de Raimi, ele decidiu tocar o barco e por em prática a sua ideia de manter seu protagonista preso na Idade Média, de mostrar a aventura do seu herói na Idade das Trevas, de criar uma mitologia com Ash enfrentando os demônios kandarianos.
Se "The Evil Dead" (1981) é mundialmente respeitado e considerado como um dos maiores filmes de terror independente da década de 1980 e de toda a história do cinema. "Evil Dead II" já pende para o lado "Terrir", já aposta em uma comédia de terror, ou seja uma comédia trash em um filme de terror. Com "Evil Dead III" Raimi já abraça completamente a comédia pastelona e exagerada, já assume de vez o "Terrir", o terror fantasioso, a comédia trash em um filme de terror. Essa era justamente a ideia de Raimi, assumir esse fechamento da sua trilogia como uma paródia dentro de sua própria mitologia. Trazer um filme de terror que tem essa essência do terror, mas abraçando a comédia, transformando toda trajetória de seu protagonista em uma verdadeira aventura cartunesca e lúdica.
"Evil Dead III" foi um filme que dividiu muitas opiniões em sua época, e justamente por trazer todo o universo de "Evil Dead" (que todos já estavam acostumados), porém forçar muito no cômico, no exagero humorístico, na comédia pastelona que beira o ridículo, e principalmente por ser o filme que transforma de vez o protagonista Ash em um verdadeiro canastrão. Ash já vinha em uma crescente evolução dentro da franquia, mas foi em "Evil Dead III" que ele deixou de lado o seu lado mais covarde e tímido para incorporar de vez em um herói pastelão, aquele valentão machista (que na época não soava como pejorativo), na verdade se transformar em um anti-herói com bastante carisma (o que é bastante intensificado durante a série "Ash Vs The Evil Dead", de 2015).
De fato o Bruce Campbell se assume de vez como o anti-herói carismático que virou a cara e a referência de todo o universo "Evil Dead". Temos aqui um Campbell com a sua interpretação mais caricata, mais canastrona, onde ele realmente força bastante em suas expressões faciais e em sua alta dose de humor, com aquelas suas caras e bocas. E toda essa sua caracterização condiz perfeitamente com a sua personalidade na hora de atuar, pois o Campbell é exatamente dessa forma que nos foi passado no filme, divertido, engraçado, carismático, envolvente, fodão, um herói diferente, um romântico atrapalhado.
Em "Evil Dead III" Bruce Campbell está mais solto, mais leve e mais feliz para realizar às cenas mais hilárias da história dessa franquia. E realmente ele nos diverte com inúmeras cenas bizarras e engraçadíssimas - como a cena inicial do poço, onde ele retoma o poder do seu famigerado motosserra. A cena da dancinha possuído, a luta contra os inúmeros mini-Ash, a luta contra as mãos dos esqueletos vindas da terra no cemitério. E completando com aquela batalha medieval. Uma batalha épica pra "Coração Valente" nenhum botar defeito - rsrs!
Ainda quiseram forçar um certo romance bem vazio entre Ash e Sheila (Embeth Davidtz, recentemente esteve no filme "Tempo", do Shyamalan). Na verdade a personagem Sheila foi incluída na trama unicamente pra não deixar passar uma aventura noventista sem a participação de uma mocinha para o herói defender. E foi justamente o que aconteceu ao final, quando a paz é selada entre os reinos e o nosso herói se despede da mocinha e parte rumo ao seu destino.
Tecnicamente "Evil Dead III" mostra um avanço em relação aos filmes anteriores (o que já era de se esperar). Temos várias cenas que enaltecem os bons efeitos especiais. Mais uma vez a trilha sonora é boa e se sobressai nas cenas. A cinematografia é muito bem diversificada ao longo do filme. Assim como a própria direção de arte, pois nesse terceiro filme não ficamos presos somente em cenas noturnas na cabana, aqui temos uma mescla de cenários entre o medieval e o sombrio, assim como às próprias cenas, que se passam tanto de dia quanto de noite. Não posso deixar de mencionar aquela câmera demoníaca do Raimi, onde a própria parecia estar possuída ao ficar rodando e sacudindo à todo o momento. Sem falar nas cenas onde a câmera sempre dava aquele zoom enlouquecedor.
"Evil Dead III" possui dois finais: um considerado como o final original pessimista (sendo a versão que chegou ao mercado internacional), onde o Ash toma uma gota a mais do elixir que o levaria de volta para casa e acorda no futuro, numa Inglaterra pós-apocalíptica completamente destruída. Já nos Estados Unidos temos o segundo final, onde a Universal optou pelo retorno de um Ash relativamente ileso ao S-Mart (o supermercado que ele trabalhava anteriormente), tendo que enfrentar um cliente-demônio. Eu concordo com o segundo final, e na verdade é o meu preferido, justamente por encerrar a produção dentro desse universo humorístico que foi proposto o tempo todo pelo filme.
"Evil Dead III" arrecadou $ 21,5 milhões no total acima de seu orçamento de $ 11 milhões e recebeu críticas geralmente positivas dos críticos, que elogiaram a direção de Raimi, o humor, os visuais e a atuação de Bruce Campbell, embora as críticas fossem voltadas para o tom mais leve em comparação com os filmes anteriores. A maioria deles contribui para os conflitos criativos e o comportamento do estúdio no set e durante a pós-produção.
Apesar de não ser um sucesso de bilheteria, o longa tornou-se um sucesso no lançamento em vídeo e mais tarde conquistou o culto dos fãs da série, junto com os outros dois filmes da trilogia. O filme foi dedicado ao agente de vendas de "The Evil Dead" e produtor executivo de "Evil Dead II", Irvin Shapiro, que morreu antes da produção do filme em 1989.
O longa-metragem ainda foi indicado ao Saturn Awards Academy de 1993 na categoria de Melhor Filme de terror.
Mesmo sendo a proposta do filme em trazer uma comédia pastelona trash de terror, eu confesso que senti falta de uma abordagem maior justamente no quesito terror (que foi o gênero que consagrou "The Evil Dead"). Porém ainda temos boas doses de horror, seja na caracterização dos demônios, nas cenas de perseguição na floresta e na atmosfera do cemitério macabro. Outro ponto que senti falta foi justamente do gore, que também sempre foi uma marca registrada da franquia. Pois aqui o filme abraça tanto a comédia e o nonsense que acaba deixando de lado o gore. O mesmo vale para os eternos demônios de massinha moldável com aquelas maquiagens bizarras, que também senti falta (apesar daquele vilão meia boca). Também vale mencionar a decisão em retirar o uso do famigerado motosserra do Ash para a inclusão daquela mão mecânica, que confesso não ter me agradado tanto assim.
Sam Raimi consegue fechar com chave de ouro a sua trilogia "Evil Dead", e muito por este terceiro ser um filme livre de rótulos, de amarras, onde ele aposta no terror, na aventura, muda cenários, propostas, aposta na comédia pastelona, no trash, no humor, no cômico, constrói um filme de terror completamente nonsense e que funciona pela sua criatividade e ousadia.
"Evil Dead III" não é o melhor da trilogia, mas é ousado, criativo, satisfatório e suficientemente divertido e aterrorizante. [13/04/2023]
"Evil Dead II" (também conhecido como "Evil Dead 2: Dead by Dawn") é um filme de 1987 dirigido por Sam Raimi, que co-escreveu o roteiro junto com Scott Spiegel ("Um Drink no Inferno 2"), e foi produzido por Robert Tapert ("O Grito") e Bruce Campbell. O filme é estrelado por Bruce Campbell como Ash Williams, que passa férias com sua namorada Linda (Denise Bixler) em uma remota cabana na floresta. Ele descobre uma fita de áudio com recitações de um livro de textos antigos e, quando a gravação é tocada, ela libera uma série de demônios que o possuem e o atormentam.
Em 1981 "The Evil Dead" revelava ao mundo um dos grandes nomes da história do cinema de terror, o verdadeiro mestre do horror, o diretor Sam Raimi ("Doutor Estranho no Multiverso da Loucura"). "The Evil Dead" é considerado como um dos maiores filmes de terror independente da década de 1980 e de todos os tempos. Um dos filmes mais inovadores e audaciosos do terror dos anos 80. Com "The Evil Dead" Raimi provou ao mundo cinematográfico todo o seu amor ao cinema trash, e com um baixo orçamento ele construiu um clássico do terror trash, do terror Cult, do gore oitentista, que serviu de base e influenciou vários filmes que aderem o seu estilo até os dias de hoje. Sem nenhuma dúvida Sam Raimi foi um dos grandes responsáveis em revolucionar o cinema de super-heróis (pela sua trilogia de "O Homem Aranha"), juntamente com o terror.
Após o fracasso crítico e comercial de "Crimewave" ("Dois Heróis Bem Trapalhões", de 1985), Sam Raimi, o produtor Robert Tapert e Bruce Campbell começaram a trabalhar em uma sequência de "The Evil Dead" por insistência de seu publicitário Irvin Shapiro (o homem responsável por introduzir uma série de filmes estrangeiros influentes nos Estados Unidos, além de lidar com os primeiros trabalhos de alguns diretores notáveis). Por ser um grande fã do filme original, o mestre do suspense Stephen King chamou a atenção do produtor Dino De Laurentiis ("Hannibal - A Origem do Mal") para o projeto, com quem havia feito sua estreia na direção de "Maximum Overdrive" ("Comboio do Terror", de 1986). De Laurentiis concordou em fornecer apoio financeiro e atribuiu aos cineastas um orçamento consideravelmente maior do que o que haviam trabalhado no filme original de 1981. Embora Raimi tenha criado uma premissa ambientada na Idade Média e envolvendo viagens no tempo, De Laurentiis solicitou que o filme fosse semelhante ao seu antecessor.
Fato é que "Evil Dead II" era pra ser uma continuação do filme de 1981, mas como não foi possível conseguir os direitos para exibir algumas cenas, o início da história foi recriado. Dessa forma "Evil Dead II" pode ser considerado como uma refilmagem de uma mesma história, um remake, ou até um reboot (reinício) que serve de continuação (ou prequência) em vez de uma sequência como poderia ser imaginado inicialmente.
Dessa vez temos um Raimi mais ousado, mais criativo, mais confiante, pois ele traz a mesma história do filme anterior, mantém a mesma essência, o mesmo clima, o mesmo ambiente sombrio, macabro, misterioso e soturno. Porém, ele inova no suspense, inova no terror, ele aposta em uma comédia de terror, uma comédia trash em um filme de terror, um verdadeiro "Terrir", soando até como uma paródia do seu próprio filme. Dessa vez com um orçamento melhorado em relação ao filme anterior, Raimi pode melhorar algumas qualidades técnicas em sua produção, como os próprio efeitos e maquiagens, que ganharam uma qualidade melhor. Temos aquele excelente e divertido jogo de câmeras, onde Raimi nos leva abordo da sua câmera ao passear pela floresta e pelos cômodos da cabana. Este é um ponto que se sobressai em "Evil Dead II" (assim como no primeiro), esta opção em brincar com a nossa imaginação ao nos confrontar com a câmera perseguindo os personagens para nos elucidar sobre as forças demoníacas que estavam sendo despertadas e avançando até a cabana.
O filme começa nos contando sobre a origem do "Necronomicon - O Livro dos Mortos", por sinal uma ótima cena com uma história um tanto quanto bizarra. A partir do encontro com a fita da gravação feita pelo pesquisador com a citação que acordou e libertou os demônios, na tentativa de traduzir o Livro dos Mortos, logo na sequência a namorada de Ash é possuída pelos espíritos em uma cena com uma bela perseguição de câmeras. Logo após temos uma curiosa e inusitada cena com um verdadeiro show de stop-motion da Linda (ou do cadáver dela) fazendo aquela dança bizarra e depois sumindo na escuridão da floresta. Em paralelo com a história temos a Annie (Sarah Berry), a filha do professor, que volta para a cabana junto com um mecânico que trabalhava com ele e sua namorada na busca pelo seu pai. Agora com todos presos na cabana, eles lutam contra fantasmas, demônios e espíritos malignos que mudam de forma a todo instante, e a arma mais letal contra os demônios pode estar no livro, especificamente em umas páginas especiais recém encontradas.
"Evil Dead II" nos traz inúmeras cenas clássicas, aquelas que ficaram eternizadas e imortalizadas na história dessa franquia. A clássica cena das árvores atacando a mocinha indefesa. A icônica luta do Ash contra a sua própria mão (uma das maiores cenas de uma luta sozinho de toda a história do cinema). A própria sequência de cenas que envolve o Ash contra aquela mãozinha no maior estilo "A Família Addams". A clássica cena da mão-motosserra, que é uma das mais fortes características do personagem, a partir desta sequência. A lendária cena em que o Ash corta o cano da espingarda e se arma para enfrentar os demônios, se trajando praticamente de um exterminador. Aquelas várias frases de efeitos (os famosos bordões do Ash), que também ficou eternizada.
Sobre o elenco, tivemos alguns cortes do elenco original do filme de 1981. A própria Linda é vivida dessa vez pela Denise Bixler, que estava fazendo a sua estreia na carreira de atriz. Apesar que a sua carreira não alavancou após "Evil Dead II", onde ela atuou apenas no filme "Crisis in the Kremlin" (1992) e em um episódio do seriado "Booker" (1989), abandonando a carreira logo após. Sarah Berry, que fez a Annie, ficou conhecida exclusivamente por sua personagem em "Evil Dead II", o que a levou a fazer apenas mais um filme, "Chud - A Cidade das Sombras" (1989), e depois abandonar o cinema para trabalhar exclusivamente com teatro e musicais da broadway. A personagem Bobbie Joe, que foi vivida pela atriz Kassie Wesley DePaiva, foi inspirada na atriz Holly Hunter. O mecânico caipira Jake foi vivido pelo ator Dan Hicks, um amigo pessoal do Sam Raimi e do Bruce Campbell, que sempre aparecia no elenco de suas produções (infelizmente ele veio a falecer em 2020 vítima do câncer). E finalizando com Ted Raimi, o irmão mais novo do Sam Raimi, que também apareceu no primeiro filme.
Quando falamos sobre a franquia "Evil Dead" a primeira coisa que vem em nossa cabeça é o Sam Raimi e consequentemente o personagem Ash Williams. Ash é um personagem imortalizado e eternizado na franquia graças a competência absurda de Bruce Campbell ao dar vida à um dos personagens mais icônicos da história do terror trash. Sem nenhuma dúvida, Campbell ficou estigmatizado pelo personagem Ash. Ouso a dizer que o Ash foi o maior e melhor personagem de toda a carreira do Bruce Campbell.
"Evil Dead II" contou com uma extensa animação em stop-motion e efeitos de maquiagem protética criados por uma equipe de artistas que incluía Mark Shostrom, Greg Nicotero, Robert Kurtzman e Tom Sullivan, este último dos quais voltaram do filme original. Todo o trabalho de stop-motion, efeitos e maquiagens deram um charme a mais para toda a produção do filme. Apesar que hoje em dia fica muito nítido como são técnicas ultrapassadas e que não funcionam mais com o mesmo impacto para a geração atual, como funcionou perfeitamente para a geração daquela época.
O longa novamente aposta no gore, na violência explícita e compõe cenas bem bizarras, e devido ao seu alto nível de violência, o filme foi lançado por meio de um distribuidor pseudônimo para conter uma classificação X antecipada da Motion Picture Association of America.
Assim como o clássico de 1981, "Evil Dead II" foi amplamente aclamado pela crítica, que elogiou a nova mudança para uma comédia trash de terror, a direção de Raimi e a atuação de Bruce Campbell; muitos o consideraram superior ao seu antecessor e, da mesma forma, como um dos maiores filmes de terror já feitos. Apesar de ter um lançamento um tanto limitado, como um orçamento de US$ 3,5 milhões, o filme ainda fez um modesto sucesso de bilheteria, arrecadando cerca de $ 6 milhões em todo o mundo.
Assim como o enorme sucesso do primeiro filme, "Evil Dead II" seguiu os mesmos passos e acumulou um grande culto internacional de seguidores. Em 1992, foi seguido pela sequência direta "Army of Darkness" ("Uma Noite Alucinante 3"), que utilizou a premissa original de Raimi; em 2013, foi seguido pelo soft reboot e continuação "Evil Dead"; e em 2015, foi seguido pela série de televisão "Ash vs Evil Dead". Um quinto filme da série, "Evil Dead Rise", está programado para ser lançado este mês nos cinemas.
O longa-metragem ainda foi indicado ao Saturn Awards Academy de 1987 na categoria de melhor filme de terror.
Por fim, Sam Raimi nos entrega uma sequência (ou reboot) que condiz com a excelência da obra-prima de 1981. Além de conseguir manter toda a sua essência e ainda inovando no quesito comédia trash de terror. Admiro muito a ousadia do Raimi em construir um universo de "Evil Dead" mergulhado no surrealismo, com um senso de humor, com um timing cômico, porém sem perder a sua marca registrada do suspense e consequentemente do terror. É um filme que você consegue se assustar e ao mesmo tempo dar risadas - só o Raimi mesmo pra conseguir tamanha façanha!
E o que foi aquela última cena do filme? Uma viagem no tempo bem inusitada e com um contexto bem viajado e bem bizarro (eu diria). Acho que desde aquela época o Sam Raimi já estava mergulhado no Multiverso da Loucura. [08/04/2023]
"Carrie" foi lançado em 2013 e é dirigido por Kimberly Peirce ("Meninos Não Choram"). O longa é a terceira adaptação cinematográfica, sendo um remake da adaptação de 1976 do romance homônimo de Stephen King de 1974 e o quarto filme da franquia "Carrie". O filme foi produzido por Kevin Misher (produtor da franquia "O Escorpião Rei"), com roteiro de Lawrence D. Cohen (roteirista do filme original de 1976) e Roberto Aguirre-Sacasa (produtor da série "Riverdale"). O filme é estrelado por Chloë Grace Moretz como Carrie White, ao lado de Julianne Moore como Margaret White.
Parece que nos últimos anos o cinema tem cada vez mais perdido a sua credibilidade, a sua criatividade, a sua relevância, justamente pela falta em nos entregar algo inédito, novo, original, que obviamente não esteja dentro dessa nova onda hollywoodiana dos remakes, reboots, prequelas, ou o já famoso "ambientado antes dos eventos de". Obviamente esta versão da "Carrie" tem quase 10 anos desde o seu lançamento, mas de qualquer forma não deixa de beber dessa nova fonte hollywoodiana, que é esse desespero em lançar remakes de obras que são completamente irretocáveis e eternizadas - como é o caso da obra-prima do De Palma.
O maior problema dessa versão da "Carrie" está justamente na decisão em trazer uma nova releitura moderna do romance de Stephen King, e na minha opinião esta é a principal falha dessa versão, que basicamente é o objetivo em tornar a história acessível ao público atual (geração atual), sem adicionar qualquer visão extra ou algum ponto novo e relevante. Acredito que essa busca insaciável em atualizar a trama para o século 21 resultou em alguns erros referentes ao texto da obra original, e no fim o resultado ficou como um terror teen genérico adaptado para o novo público do cinema.
Temos aqui aquele famoso caso do remake que ninguém pedia, uma atualização e uma nova releitura completamente desnecessária. Aquele típico caso de oferecer um produto novo a um consumidor que está muito satisfeito com o original. A diretora Kimberly Peirce sofre com a falta de criatividade, de novidade, de relevância, soando apenas como uma forçação de barra, uma exploração de uma história consagrada e famosa. Obviamente já temos um remake lançado lá em 2002, mas de qualquer forma eu ainda vejo aquele remake mais respeitoso com a essência da obra original e mais relevante do que esta versão de 2013.
Nessa versão modernizada da "Carrie" temos a inclusão da internet na história, como no caso dos SMS, das fotos e dos vídeos que estão acessíveis à todos. Partindo dessa premissa temos a tão icônica cena do chuveiro, que na versão original tem um grande peso e uma grande relevância dentro do contexto da história. Aqui é uma cena simples, modesta, básica, onde temos a Carrie sofrendo o ataque de absorventes das outras garotas. Eu senti falta de um peso mais dramático nessa cena, principalmente na atuação da própria Chloë Grace Moretz, pois parecia que o foco maior estava justamente no algo novo na história...o vídeo que estava sendo gravado pelo celular.
Outro ponto que eu considero como um erro dessa versão está justamente na escalação da Chloë Grace Moretz como Carrie White. Devo mencionar que o papel da Carrie foi oferecido a Shailene Woodley, que o recusou. Dakota Fanning, Haley Bennett, Emily Browning, Lily Collins e Bella Heathcote fizeram testes para a personagem, e no fim ficou com a Chloë. Não tenho nada contra a atriz Chloë Grace Moretz, pelo contrário, até acho ela uma boa atriz. Porém, é muito claro que ela não se encaixa no perfil de Carrie White, ela não convence como estranha, feia e muito menos esquisita. É difícil até acreditar que uma garota como ela sofreria aqueles tipos de bullyings, pois ela se encaixa mais na adolescente bonita com baixa estima por conta dos abusos que sofre. E digo isso não no sentindo da Chloë ter que ser feia, ou que deveriam escalar uma atriz feia, ou até mesmo que a própria Sissy Spacek e a Angela Bettis eram atrizes feias. Digo no sentido de postura mesmo, falta na Chloë uma postura de estranha, de esquisita, no sentindo de atuação e interpretação. Como a própria Angela Bettis, que foi a Carrie mais estranha das três, pois ela sabia exatamente nos passar essa postura de Carrie estranha e esquisita, porém no baile ela se mostrou belíssima. E a própria Sissy Spacek, que também sabia se portar perfeitamente no sentido de Carrie estranha, e ela era uma atriz lindíssima.
A Sissy Spacek tinha 28 anos na época que interpretou a Carrie White, já a Angela Bettis tinha 29, e ambas se encaixaram perfeitamente interpretando uma adolescente de 16 anos. Já no caso da Chloë, ela realmente tinha 16 anos na época do filme, o que poderia ser um diferencial para ela, já que ela realmente era uma adolescente interpretando o papel de uma adolescente.
Mais uma falha dessa versão: Na versão original e no remake de 2002, a Carrie se mostrava uma garota assustada, amedrontada e ingênua sobre várias coisas, coisas essas como os seus próprios poderes telecinéticos. Pois acompanhávamos todo o descobrimento desses seus poderes juntamente com ela, juntamente com todo o mistério que estava por trás, toda inexperiência dela própria em dominar e controlar tais poderes que até então ela desconhecia. Já essa versão da Chloë parece que ela já descobre os seus poderes e já os domina facilmente e instantaneamente (mesmo que no começo é uma novidade para ela e ela busca saber mais a respeito deles). Pois fica nítido como ela abusa do uso dos seus poderes em praticamente todos os momentos (até para prever o sexo de um bebê). Dessa forma perde um pouco da essência da Carrie e da sua objetividade.
Dentro desse contexto temos uma espécie de Carrie que mais se parece uma super-heroína, uma mutante, uma integrante dos X-Men. Sem nenhuma dúvida esta é a Carrie mais poderosa de todas, pois a forma como ela manipula os seus poderes parece uma espécie de Fênix Negra, quase um Hulk com o seu poder de pisar no chão e abrir crateras.
Falando do lendário e icônico baile de formatura: aqui temos a melhor parte de todo o filme, pois eu realmente gostei dessa nova releitura, dessa nova cara, tirando a parte de colocarem o vídeo da Carrie no telão. A cena da destruição do baile é mais violenta, mais impactante, mais sangrenta, até mais condizente com essa nova versão de Carrie super-mega-poderosa. Pois se realmente ela já tinha o total domínio de todos os seus poderes, fatalmente ela iria causar uma destruição muito maior nessa cena. E não deu outra, a Carrie exibe todos os seus poderes começando com um super grito onde todos são atingidos por uma espécie de pulso eletromagnético. As mortes são mais violentas, como a garota batendo de cara na porta de vidro, o garoto sendo esmagado pelos bancos e as garotas sendo pisoteadas no chão. Especificamente nessa parte do filme é a única parte que a Chloë consegue convencer como Carrie White. Suas expressões ficaram convincentes com o momento de fúria, ela exibe aquele ar de crueldade, um sadismo misturado com vingança. Na cena que ela persegue a Chris e o Billy (Portia Doubleday e Alex Russell) para obter a sua doce e violenta vingança, é mais uma cena controversa e inusitada. A cena tem um certo exagero mas ficou bem violenta, com a cara da Chris presa nos vidros do para-brisa do carro e aquelas caras e bocas da Chloë.
Nessa versão temos uma cena logo após os acontecimentos no local do baile mais condizente com o livro, e justamente por mostrar toda proporção causada pelos impactos dos ataques da Carrie na cidade. Na cena que a Carrie volta para casa e mata sua mãe temos dois pontos interessantes: a parte que a Margaret ataca a Carrie com a Faca, que é exatamente igual o livro, e a forma que a Carrie mata a Margaret, que é uma referência à obra de 1976, com aquele monte de objetos pontiagudos cravando o seu corpo na parede em posição de cruz. A cena final da casa da Carrie sendo destruída por uma chuva de pedras, onde ela morre, é também uma clara referência à obra do De Palma. Agora essa ideia da Sue (Gabriella Wilde) grávida...é...isso que eu chamo de modernizar a obra.
Sobre a Chloë Grace Moretz ("Suspíria - A Dança do Medo"), ela realmente fica devendo com o seu papel de Carrie White. Desde a sua escalação eu já considero um erro, e ela realmente não convence como Carrie, pois falta caracterização, interpretação e postura (tirando a cena do baile, que ali é o único momento que ela consegue convencer). A escalação da Julianne Moore ("Jogos Vorazes") eu já considero um grande acerto. Julianne é uma belíssima atriz e aqui ela dá o seu toque, dá a sua cara, dá a sua característica na pele da Margaret White. Margaret também é uma personagem imortalizada e eternizada na franquia pelas atuações de Piper Laurie e Patricia Clarkson, e a Julianne manteve toda essência da personagem, conseguiu fazer um ótimo contraponto entre a maléfica Margaret da Piper e a sombria Margaret da Patricia. Julianne Moore também fica marcada como uma ótima versão da lendária Margaret White, até pela sua postura demoníaca e suas expressões assombrosas ao praticar a sua automutilação. E olha que a Jodie Foster chegou a ser considerada para interpretar a mãe da Carrie.
Gabriella Wilde ("Mulher-Maravilha 1984") consegue fazer bem a sua versão da também lendária Sue Snell. Para uma versão modernizada ela até que se saiu bem, conseguiu mostrar um remorso e um arrependimento desde o início pelo o que fez com a Carrie na cena do chuveiro. De qualquer forma é impossível falar da personagem Sue Snell e não se lembrar da Amy Irving, que ficou estigmatizada no papel. Portia Doubleday ("Mr. Robot") foi a escolhida para ser a antagonista Chris Hargensen. Portia foi mais uma que não me convenceu com a sua personagem, achei bem mediana. Judy Greer ("Halloween Kills") foi mais uma que esteve muito bem em sua personagem. Sua versão de Srta. Desjardin ficou muito boa, esteve bastante condizente com a essência da personagem no original. Ansel Elgort ("Amor, Sublime Amor") foi ok como Tommy Ross, não se destacou mas também não comprometeu. E completando com Alex Russell ("A Hospedeira") em uma atuação mediana de Billy Nolan, o namorado e cúmplice da Chris.
Tecnicamente o filme é ok! Tem uma trilha sonora modesta que não chega a comprometer. A cinematografia é boa, consegue um bom destaque na fotografia. Os efeitos especiais são muito bons, o que já era de se esperar em uma versão modernizada da obra.
"Carrie" recebeu críticas mistas, com os críticos chamando-o de desnecessário e criticando a falta de originalidade. O longa-metragem arrecadou $ 84 milhões em todo o mundo nas bilheterias.
Existe um final alternativo, que pode ser facilmente encontrado no Youtube, onde mostra um pesadelo da Sue na hora do seu parto. Por sinal um final péssimo, ainda bem que retiraram no corte final e preferiram deixar como final alternativo. Será que este final alternativo poderia ser um gancho para uma possível continuação? Apesar que já se passaram quase 10 anos.
Como eu havia assistido esta versão somente uma única vez no cinema lá em dezembro de 2013, eu não me lembrava muito bem do filme. Hoje depois de ter lido o livro do mestre King, ter reassistido todos os filmes da franquia, eu posso fazer uma avaliação melhor e mais completa desse remake versão modernizada da "Carrie". Dessa forma é completamente impossível não colocar este filme como a pior versão do universo "Carrie". E muito pelas decisões de atualizar uma obra já consagrada para o público atual, modernizar um remake sem a menor necessidade, entregar uma releitura da obra de Stephen King sem nenhuma renovação relevante e construir um terror teen genérico onde falta tensão, falta suspense e principalmente o terror. [30/03/2023]
"Carrie" é baseado no romance homônimo de 1974 de Stephen King, sendo a segunda adaptação cinematográfica e uma releitura do romance, e o terceiro filme da franquia "Carrie". O longa foi escrito por Bryan Fuller (roteirista da série "Hannibal"), dirigido por David Carson (seu último trabalho foi em 2007, com o filme "Em Chamas"), e estrelado por Angela Bettis no papel principal. Na história, Carrie White, uma garota tímida que é assediada por seus colegas de escola, desaparece e uma série de flashbacks revela o que aconteceu com ela.
Após 26 anos da primeira adaptação da obra-prima literária do mestre Stephen King, o clássico do Brian De Palma, eis que surge um remake de toda a história da Carrie. Esta versão foi lançada em 2002 e foi produzida como um telefilme, feita exclusivamente para a TV onde originalmente era exibido pelo canal americano NBC. Aqui no Brasil o filme era constantemente exibido pelo o canal SBT.
Diferentemente daquela versão de 1999, que foi um filme feito com uma proposta de continuação e que jamais deveria ter existido, esta versão aqui é um remake fiel e completamente aceitável. Pois o longa-metragem foi produzido com um baixo orçamento, até por ter sido feito direto para a TV, o que obviamente implicou em vários problemas e algumas dificuldades, como os próprios efeitos especiais, que eram bem fraquinhos. Porém, eu vejo esta versão como um remake que respeita a obra original e consegue manter toda a essência e ser mais fiel ao livro do King do que o próprio filme de 1976 (lembrando que eu li o livro).
Um dos principais acertos dessa versão está exatamente na Carrie White da Angela Bettis, que na minha opinião das três é de fato a Carrie mais estranha. Obviamente a Sissy Spacek é completamente eternizada como a icônica Carrie (e minha preferida das três), porém eu vejo um contraponto muito interessante entre a Carrie da Sissy e a Carrie da Angela. A Carrie da Sissy era mais doce, mais meiga, tinha mais carisma, tinha um rosto mais angelical, se mostrava até mais vulnerável, que imediatamente nos despertava a empatia, o cuidado, o amor, era como se quiséssemos cuidar dela, proteger ela, ser amigo dela. Já a Carrie da Angela realmente se mostra mais estranha até pela sua própria postura, que é mais fechada, mais sisuda, mais soturna, mais amedrontada, mais traumatizada, até pelas suas expressões que são mais pavorosas e que realmente nos assusta. A Carrie da Angela era praticamente um animal acuado, indefeso, sofrido, assustado e misterioso.
É interessante notar que a Angela Bettis tinha 29 anos quando interpretou a Carrie White...a adolescente de 16 anos tímida, solitária, que era ridicularizada e perseguida pelos colegas da escola e constantemente oprimida e dominada pela mãe, uma fanática religiosa que reprime todas as vontades e descobertas normais aos jovens de sua idade. Realmente a Angela conseguia tranquilamente se passar por uma adolescente de 16 anos, assim como a própria Sissy Spacek, que na época também tinha 28 anos.
Em relação ao remake, esta versão segue os mesmos passos da obra do De Palma, se iniciando mostrando o dia a dia da Carrie na escola sofrendo os constantes bullyings e sendo sempre humilhada pelo grupo das garotas. Dentro desse contexto temos a icônica cena do chuveiro, que traz uma metáfora bem interessante, algo como um exaltação no empoderamento, no Girl Power, pois ao menstruar pela primeira vez, Carrie descobre ter poderes paranormais; a telecinese que a adolescente desenvolve simboliza o seu desabrochar e o seu poder de mulher. Especificamente esta cena do chuveiro no filme original é muito mais impactante por ser mais cruel, mais sofrida, mais dolorosa para a Carrie, pois ela sofre por mais tempo e é humilhada com o ataque dos absorventes. Já aqui esta cena perdeu um pouco do impacto, do peso dramático, até por ter ficado uma cena mais simples, mais rápida e sem o ataque dos absorventes, que foi colocado no armário escolar da Carrie. Porém, o que deve ser exaltado nessa cena é a magnífica atuação da Angela Bettis, que nos mostra todo o seu sofrimento pela aquela humilhação que ela acabava de passar.
O filme vai percorrendo todos os momentos que antecedem ao baile de formatura da escola Ewen, por sinal este é o nome original da escola no livro, já que na obra do De Palma foi modificado. É interessante que no decorrer da trama temos alguns flashbacks da infância da Carrie, onde nos mostra um pouco da sua criação que era imposta pela sua mãe. Inclusive temos uma curiosa cena com um ataque de meteoros que caem sobre a casa da Carrie durante seu ataque de fúria contra a mãe (no livro é uma espécie de tempestade de gelo). O longa faz questão de mostrar um certo exagero em algumas exibições iniciais dos poderes telecinéticos da Carrie; como na cena em que ela empurra a mesa do diretor na escola e a cena que ela joga o garoto de bicicleta contra a árvore.
Curioso que nessa versão quando a Carrie descobre os seus poderes telecinéticos, ela passa a buscar alguma informação que possa definir essa origem, como aquelas pesquisas que ela faz na internet, algo que ela pensa estar ligado com algum tipo de milagres iguais os de Jesus Cristo. Ela também passa a treinar a sua mente no controle daqueles seus poderes, o que vai fazendo ela descobrir a força e a proporção que eles podem atingir.
Por fim temos a tão icônica cena do baile! Por falar no baile, anteriormente eu tinha mencionado que a Carrie da Angela era a mais estranha, que ela conseguia passar exatamente essa postura. Porém, devo afirmar que na cena do baile ela está lindíssima naquele vestido pink, aquela Carrie estranha não existe mais. Esta é uma cena que mostra todo o potencial de atuação da Angela Bettis, pois ela consegue contrastar com maestria a sua chegada no baile completamente assustada, claramente incomodada por não fazer parte daquele ambiente, e logo após ela vai suavizando e entrando mais no clima do local. Temos a cena da votação do Rei e da Rainha do baile que exemplifica muito bem tudo isso que eu destaquei, pois após ganharem a votação ela começa a ficar feliz e arrisca pequenos sorrisos, até por ser um momento que ela jamais havia vivido anteriormente.
Especificamente a cena dos ataques da Carrie no baile e toda proporção que ela toma fora do local é a parte que mais difere da obra do De Palma, e consequentemente é a parte mais fiel ao livro. Toda sequência que se inicia a partir dos ataques da Carrie dentro do local do baile é muito boa, como por exemplo aquela cena do choque, que chega a impactar. A partir daí temos as partes que mais se aproximam do livro, que é justamente toda proporção dos ataques da Carrie não só no baile mas em toda a cidade. Diferente da versão de 1976, a Carrie começa a destruir grande parte da cidade com seus ataques incontroláveis de fúria, o que atingi postos de gasolinas, toda a rede elétrica da cidade, bem como lojas e outros estabelecimentos. A proporção dos ataques na cidade são tão grande que logo aciona todas as autoridades locais. A própria morte da mãe da Carrie é igual no livro, que é justamente um ataque cardíaco causado pela própria Carrie (o que é totalmente diferente da versão do De Palma).
Falando das cenas finais do filme: Uma parte original dessa versão e que não existe no livro e nem no filme do De Palma, é exatamente toda aquela parte do interrogatório, que vai sendo mesclada com o desenrolar da história, onde constantemente vamos conhecendo os relatos daquela noite pelo depoimento da Sue Snell (Kandyse McClure) e de outras pessoas que sobreviveram ao ataque do baile de formatura. Esta já é uma parte que difere totalmente do livro e do filme original, pois pelos relatos e depoimentos não foi só a Sue que sobreviveu ao ataque, tiveram mais pessoas, inclusive a própria Srta. Desjardin (Rena Sofer). Acredito que essa decisão em deixar mais sobreviventes (e não só a Sue) parte exatamente da ideia que estavam construindo com o final desse filme, pois a divergência com o original e o livro já começa quando a Sue salva a Carrie na banheira logo após ela ter matado a própria mãe. A própria decisão em manter a Carrie viva e nos apresentar aquela cena em que ela está com uma peruca loira ao lado da Sue de frente com o túmulo de sua mãe e o seu (que foi forjado). A partir daí a Sue diz que vai levar a Carrie para a Flórida, porque ela precisa iniciar uma nova vida em um local que ninguém a reconheça. Todo esse final em aberto que é exclusivo dessa versão foi construído pensando em transformar o filme como um piloto de backdoor para uma série spin-off da Carrie, onde ela viveria na Flórida e conviveria com os seus poderes telecinéticos. Porém, por motivos desconhecidos os produtores cancelaram essa ideia e nenhuma série subsequente foi produzida até hoje.
Sobre a Angela Bettis ("Garota, Interrompida") eu não tenho mais o que destacar, acho que eu já destaquei tudo que precisava ser destacado. Só reitero que a sua personificação de Carrie White é excelente, pela sua forma em desenvolver a atuação, o que na minha opinião a deixa em segundo lugar na lista de melhores Carrie, perdendo obviamente para a versão lendária e icônica da Sissy Spacek. Já a versão de Margaret White da Patricia Clarkson ("À Espera de um Milagre" e "Ilha do Medo") é diferente da lendária versão da Piper Laurie. A Margaret da Piper era mais maléfica, mais protuberante, mais incisiva em seus castigos e até mais opressora. Já a Margaret da Patricia é mais sombria, mais macabra, mais misteriosa, mais densa, ela oprime com uma forma até mais pragmática. Devo afirmar que a Margaret da Patricia Clarkson é muito boa, pois ela consegue o protagonismo merecido e se destaca muito bem, assim como a própria Angela Bettis.
A lendária Sue Snell, que no original foi vivida pela também lendária Amy Irving, dessa vez é interpretada pela Kandyse McClure ("The Good Doctor" e "Private Eyes"). Kandyse está bem na personagem, consegue compor uma Sue até decente, porém sem o mesmo impacto que a Amy Irving teve na época. Rena Sofer ("The Glades") compõe muito bem a Srta. Desjardin, ela consegue dar a exata proporção dessa personagem, tanto nas conversas com a Carrie quanto nos embates com o grupo das garotas. Por falar no grupo de garotas, temos a sua líder, a Chris Hargensen, que aqui foi interpretada pela Emilie de Ravin ("Once Upon a Time"). Emilie também acerta na dose de prepotente, patricinha e maléfica da Chris Hargensen. Tobias Mehler ("Batalha em Seattle") é o Tommy Ross da vez. Assim como o Jesse Cadotte, que foi o cúmplice Billy Nolan, personagem que no original foi vivido pelo John Travolta novinho e no início de carreira.
"Carrie" estreou no canal NBC em 4 de novembro de 2002, quando foi visto por 12,21 milhões de pessoas. Apesar das boas avaliações e de duas indicações a prêmios (um Saturn Award e um ASC Award), o filme foi mal recebido pela crítica de cinema. As atuações, especialmente a de Angela Bettis, foram elogiadas, mas o filme como um todo foi criticado por seus efeitos especiais ruins, falta de uma atmosfera de terror e longa duração. Devo concordar que os efeitos especiais do filme são de fato ruins, e isso é notado facilmente. A duração eu nem considero como um problema, apesar de este ser o filme mais logo de todas as adaptações da Carrie. Já no quesito atmosfera de terror o filme realmente fica devendo, até por ser um filme sobre a Carrie White e tudo que ela causou com seus poderes, o que também se aplica à sua mãe, que era uma figura maléfica e deturpada pela obsessão da fé. Obviamente esperávamos mais suspense, mais terror, como o original, que é referência nesse quesito, mas nesse sentido o filme realmente deixa a desejar.
Embora o filme fique devendo no quesito suspense e terror, tenha enfrentado vários problemas de produção devido o baixo orçamento de um filme feito para a TV, ainda assim eu considero esta versão da "Carrie" como um remake satisfatório, aceitável e condizente com toda a proporção da magnitude do universo "Carrie". Definitivamente este remake mantém toda a essência da obra original, é o filme mais fiel ao livro (apesar do final), traz uma excelente interpretação da Angela Bettis como Carrie White e, na minha modesta opinião, é a melhor adaptação e o melhor filme da "Carrie" depois da obra-prima e icônica do Brian De Palma. [24/03/2023]
"A Maldição de Carrie" é dirigido por Katt Shea (do filme original Netflix "O Resgate de Ruby", lançado no ano passado) e foi lançado em 1999. O longa é uma sequência do filme de terror "Carrie" de 1976, baseado no romance homônimo de 1974 de Stephen King, e serve como o segundo filme da franquia "Carrie". Inicialmente o longa-metragem seria intitulado como "The Curse", pois originalmente o filme foi programado para iniciar a produção em 1996 com Emily Bergl sendo a protagonista, mas a produção teve uma pausa de dois anos. Toda a história tem uma forte base em um incidente da vida real de 1993, no qual um grupo de atletas do ensino médio conhecido como "Spur Posse" se envolveram em um escândalo sexual. O filme acabou entrando em produção em 1998 sob o título "Carrie 2: Say You're Sorry". Depois de algumas semanas de produção, o diretor Robert Mandel ("Arquivo X" e "Lost") desistiu por causa de algumas divergências com a produtora e Katt Shea assumiu a produção.
Em novembro do ano passado eu tive a oportunidade de ler a obra-prima da literatura do mestre Stephen King, "Carrie". O livro é excelente e nos proporciona uma leitura incrível abordo de uma história contemporânea, assustadora, impactante e triunfal. Logo após a leitura eu iniciei a franquia de filmes, obviamente começando pela a obra-prima do Brian De Palma, que na minha opinião é a melhor adaptação do livro da "Carrie" e uma das melhores adaptações de todas as obras publicadas do mestre King. Agora estou de volta na franquia da "Carrie" e vamos dar continuidade com este filme questionável.
"A Maldição de Carrie" foi desenvolvida como uma continuação da obra dos anos 70, até por isso o subtítulo no original é "Carrie 2", ou seja, uma continuação do clássico 23 anos depois. Porém, eu vejo esse filme até mais como um remake/remaster do original do que propriamente uma continuação (sendo bem sincero). De qualquer forma temos aqui mais um caso de uma continuação completamente desnecessária e sem a menor necessidade.
A história do longa segue a meia-irmã mais nova de Carrie White, Rachel Lang (Emily Bergl). Uma jovem que assim como a Carrie também sofre de telecinese, é menosprezada e humilhada na escola, e teve uma infância difícil, pois sua mãe sofria de esquizofrenia e precisou ser internada logo cedo quando ela ainda era uma criança. Rachel tem uma vida difícil em seu dia a dia por ser oprimida e sofrer constantes bullyings por seus colegas da escola, onde o seu único refúgio é estar com sua melhor amiga Lisa (Mena Suvari). Lisa por sua vez acaba se envolvendo com Eric (Zachery Ty Bryan), um rapaz que ela pensava ser uma coisa e no entanto se mostra completamente diferente do que ela esperava, sendo que ele não estava realmente interessado nela e a usou unicamente como uma forma de competição entre os amigos. Lisa não suporta a ideia de ser usada e enganada, o que a leva a cometer suicídio (uma cena bem chocante por sinal). Rachel descobre que o suicídio de sua melhor amiga foi estimulado por um grupo masculino da escola que a exploraram para ganho sexual.
Se pegarmos todo o percurso da história de "A Maldição de Carrie" fica muito nítido que o roteiro se baseou inteiramente na obra do De Palma (até por isso eu classifiquei o filme como um remake). Pois temos a Rachel seguindo os mesmos passos que a Carrie, temos os mesmos bullyings, por ela também ser tachada como a garota estranha e esquisita da escola, e ela também se envolve com um garoto da turma, Jesse (Jason London), onde ela o vê como um alento daquele momento que ela está passando pela perda da sua amiga, e ela acha que ele poderá ajudá-la a superar essa dor. Quando eu afirmo que "A Maldição de Carrie" é uma continuação que sequer deveria ter existido, é justamente por ser um filme completamente inútil, sem relevância, sem nenhuma importância dentro da história da Carrie, por simplesmente não agregar nada, não somar nada, não mudar absolutamente nada desse universo que já estava eternizado.
Vamos lá: a ideia de construir um enredo onde teríamos o surgimento de uma meia-irmã da Carrie White para compor uma nova história é simplesmente péssimo, uma falta de criatividade e originalidade absurda. Sendo que em nenhum momento eu comprei essa ideia da Rachel ser filha do mesmo pai da Carrie, e até por esse fator ela também possuir poderes telecinéticos. Outro ponto: a ideia de basear a trama na história real do grupo "Spur Posse" é até aceitável, visto que essa foi uma história bizarra de um grupo de garotos do ensino médio de Lakewood, Califórnia, que usava um sistema de pontos para acompanhar e comparar seus ataques sexuais e estupros estatutários. Realmente a ideia era boa, visto que a história se encaixa perfeitamente naquele cenário adolescente escolar, porém foi mal desenvolvida, onde tudo não passava de um grande besteirol americano, praticamente um "American Pie" (filme que também estreava em 1999).
O próprio título do filme no original e na versão brasileira dá um norte muito melhor para a história do que essa ideia da Rachel ser irmã da Carrie. Pois no original temos "The Rage", algo como a fúria, e na versão brasileira temos "A Maldição de Carrie", algo como uma maldição deixada pela Carrie. Ou seja, acredito que se a história tivesse se desenvolvido dentro desse contexto de uma fúria da Rachel imposta por um tipo de maldição da Carrie seria melhor e mais aceitável, ao invés de optarem em seguir esse caminho frustrante de meia-irmã para justificar os poderes telecinéticos.
Toda proposta do filme em seguir como uma continuação da história da Carrie acaba fracassando e falhando miseravelmente, e muito por não ter nenhum desenvolvimento sobre o enredo em montar e apresentar novos elementos para compor uma sequência, ao contrário, eles usam até onde podem a história deixada lá atrás e não inovam em nenhum quesito. Sem falar na encheção de linguiça sobre os romances, as crises e os dramas adolescentes, soando até como uma comédia romântica, que é totalmente o inverso da proposta do filme. Temos aqui um roteiro preguiçoso, mal desenvolvido, mal planejado, que seria muito melhor se tivessem seguido uma história paralela e sem o comprometimento de dar continuidade ao filme anterior, pois isso colocou um peso e uma carga muito grande em cima desse filme, que obviamente falhou vergonhosamente.
Nada que esteja ruim que não possa piorar! O roteiro também se utiliza do cenário da jovem esquisita que se envolve com um garoto do grupo, ela se apaixona por ele, transam, e logo depois estas cenas será usadas para expor ela ao ridículo perante todo mundo em uma festa. Esse final de "A Maldição de Carrie" é obviamente inspirado no baile escolar da Carrie, porém, aqui ficou extremamente forçado, onde optaram em colocar cenas cada vez mais sangrentas, um certo gore para impactar o espectador com sequências de mortes bem toscas, que no fim tudo não passou de uma tentativa forçada e falha de impressionar. A própria Sue Snell (Amy Irving), que foi a única sobrevivente do incêndio do baile naquela noite, e aqui ela funciona como uma espécie de psicóloga, até advertido a Rachel sobre seus poderes e o que eles poderiam lhe causar. Sue tem uma morte completamente ridícula, vergonhosa, sério, eu fiquei besta na hora, me recusei a acreditar que realmente escolheram esse final para uma personagem tão icônica como ela. Na boa, se era para reviver a Sue sendo interpretada pela própria Amy Irving e dar este final para ela, seria muito melhor que ela estivesse morrido no baile daquela noite.
A troca na direção no meio da produção resultou em toda essa bagunça que o filme foi transformado. Pois obviamente o próprio Robert Mandel estava em conflitos com os produtores do filme e acabou largando a bomba na mão da Katt Shea. Ela por sua vez além de dar continuidade nas filmagens ainda teve que refazer várias cenas. O longa já começou a dar errado desde a sua pré-produção e o resultado foi esse desastre. Sem falar em alguns efeitos que são bem amadores e não condiz com o orçamento inicial do longa; como na cena em que a Lisa se suicida caindo no para-brisa do carro, ali claramente podemos observar quando a câmera muda de direção que estavam usando uma boneca bem fajuta. Na sequência de mortes da festa, ali também tem cenas que mostra uma cabeça sendo decepada e quando essa cabeça cai no chão é claramente uma cabeça de boneco.
Sobre o elenco não temos muito o que destacar. Salva-se a Emily Bergl e a Amy Irving, pois ambas realmente estão bem em suas respectivas personagens. Emily Bergl ("Blue Jasmine") consegue uma boa atuação sendo uma garota que teve uma infância traumática com os acontecimentos envolvendo sua mãe, e todo esse trauma cresce junto com ela e hoje é um fardo que ela tem que carregar. Emily consegue nos passar um personagem sofrida, oprima, traumatizada. Já na cena final da festa ela consegue impor o seu momento e buscar aquela doce vingança que ela tanto queria. Gostei da Rachel da Emily Bergl, ela segura bem a personagem e até convence em algumas cenas, porém, nem perto da proporção estratosférica de Sissy Spacek. Por falar nela, Sissy Spacek, que interpretou magistralmente a Carrie White no filme original, chegou a ser convidada para aparecer em uma ponta neste novo filme, mas recusou a oferta. Entretanto, ela aceitou que as cenas em que atuou no primeiro filme fossem utilizadas como flashbacks de Sue Snell. Já a Amy Irving ("Distúrbio") reprisou o papel de Sue Snell, que ela originou no primeiro filme, embora ela inicialmente estivesse cautelosa em aceitar o papel e pediu a Brian De Palma a sua bênção. Devo dizer que ela fez muito bem a sua personagem de psicóloga da escola, tendo participação direta no desenvolvimento de toda a história (como ao tentar confrontar respostas com a mãe da Rachel). Só lamento aquele seu final deprimente que eu nunca irei aceitar. Não posso deixar de mencionar a lindíssima Mena Suvari, que deu vida para a melhor amiga da Rachel, Lisa Parker. Mena estava no auge da fama e da beleza em 1999, com apenas 20 aninhos estava fazendo "A Maldição de Carrie", o primeiro "American Pie", sem falar na obra-prima "Beleza Americana", onde ela impactou todo o planeta com a sua maravilhosa e inesquecível Angela Hayes.
"A Maldição de Carrie" traz algumas referências até interessantes: como o nome do asilo de loucos no filme, Arkham, que é uma referência ao famoso asilo de mesmo nome existente nas histórias em quadrinhos do Batman. Aquela referência ao filme "Pânico" (1996) na cena quando toca o telefone. E obviamente as referências ao próprio filme de 1976, como as cenas com flashbacks, e até aquela cena em que a Sue e a Rachel vão até o exato local do baile que foi incendiado.
O longa foi uma decepção de bilheteria na época do lançamento, arrecadando $ 17 milhões contra um orçamento de produção de $ 21 milhões. Além de receber críticas negativas sobre o fracasso do filme em capturar a essência do que tornou o original incrivelmente assustador. Por outro lado, as atuações do elenco foram elogiadas, especialmente a de Emily Bergl, que foi indicada ao Saturn Award e conquistou seguidores cult.
O Rotten Tomatoes relatou que o filme teve uma taxa de aprovação de 20% baseada em 35 críticas com o consenso. No Metacritic, ele teve uma classificação de 42 em uma escala de 0 a 100 com base em 21 avaliações indicando avaliações mistas ou médias. Apesar de toda recepção negativa, o filme tem uma grande base de fãs que o apreciou por sua abordagem moderna da história, foco na caracterização e ser mais uma história de amor trágica do que um terror slasher.
Só me resta finalizar afirmando mais uma vez que o filme "A Maldição de Carrie" sequer deveria ter existido. Pois além de ser uma produção que já começou toda errada, o filme peca em vários pontos; como todo o desenvolvimento da história, do roteiro, dos personagens e principalmente em tentar replicar a cena final do filme original. Sem falar que o longa ainda falha em tentar criar um suspense sem terror, falha como um remake, falha como uma continuação e falha ao recriar a clássica história da obra literária do mestre King sem nenhuma importância ou relevância. É óbvio que jamais poderíamos esperar um filme no mesmo nível (ou melhor) que o original, até porque a obra-prima do De Palma é um ícone, um marco, uma referência do terror e do suspense no universo cinematográfico até os dias de hoje. [22/03/2023]
"Batem à Porta" é escrito e dirigido por M. Night Shyamalan, que escreveu o roteiro a partir de um rascunho inicial de Steve Desmond e Michael Sherman. É baseado no romance de 2018, "O Chalé no Fim do Mundo", de Paul G. Tremblay, sendo a primeira adaptação de uma de suas obras.
O grande cineasta M. Night Shyamalan está de volta. Shyamalan sempre foi a referência do diretor "ame ou odeie", sempre nos entregou verdadeiras obras-primas, mas também sempre entregou verdadeiras catástrofes. Shyamalan ficou estigmatizado pela popularização do termo plot twist, quando ele simplesmente impactou todo o universo com um dos maiores plot twist da história do cinema, a obra-prima "O Sexto Sentido"(1999). Porém, todo esse impacto e todo esse sucesso da popularização do plot twist tinha um preço, que é justamente o preço que ele paga hoje em dia em suas obras, ou seja, sua marca registrada virou seu principal empecilho. Digo isso pelo fato de hoje em dia todas as pessoas que vão assistir um filme do Shyamalan, automaticamente já vão esperando um grande plot twist, e não é sempre que ele entrega, como é justamente o caso aqui.
Um fato que não podemos negar é a capacidade incrível e única que o Shyamalan tem em criar um bom suspense. Realmente ele é um mestre em conseguir criar um ambiente que prende o espectador pelo suspense que vai se instalando e crescendo com o passar do tempo. Ele sabe como prender o espectador em suas histórias pelo mistério, pelo suspense e consequentemente pelo terror, e por mais simples que esta história possa parecer. Em "Tempo" (2021), seu último filme, ele inicia exatamente dentro desse contexto, que é prender o espectador pelo suspense ao mesmo tempo que aguça a nossa curiosidade acerca dos acontecimentos ao redor. Porém, o filme é simplesmente péssimo, horrível, uma completa perda de tempo (sem querer fazer trocadilhos - rsrsrs!). Aquele típico filme que tem uma premissa ótima e um final péssimo, e o plot twist é mais péssimo ainda.
Já adianto que "Batem à Porta" é um filme mediano. Ele não é aquela bomba que foi "Tempo", mas também está muito longe da prateleira de ótimos filmes do diretor. Eu diria que o longa-metragem está no mesmo patamar de "A Visita" (2015), que tem uma história mediana e peca em vários pontos.
Dessa vez o Shyamalan nos traz uma história que estava na "Black List" de 2019 como um dos roteiros não produzidos mais populares do ano. Temos aqui uma família que é composta por dois pais e uma garotinha, que estão de férias em uma remota cabana no meio da floresta, quando repentinamente o local é invadido por quatro estranhos. Até ai tudo bem, já vimos inúmeros filmes que tem exatamente essa premissa. Porém, a grande questão aqui é o motivo pela qual esses quatro estranho invadiram o local e fizeram a família de refém, pois eles dizem terem visões de um apocalipse que se aproxima e que os únicos que poderão salvar a humanidade de um extermínio são justamente um dos três por meio de um sacrifício. Ou seja, a primeira vista qualquer pessoa vai encaram como uma história completamente absurda, que eles são malucos, lunáticos, que obviamente ninguém ali acreditaria neles e consequentemente ninguém se sujeitaria a tamanha bizarrice de propor um sacrifício.
Eu vejo o novo filme do Shyamalan dividido em dois pontos distintos: um pelo lado do suspense, do mistério e consequentemente do terror, e o outro como uma metáfora, uma alusão, uma alegoria à nossa sociedade. O primeiro ponto é um filme bem à cara do Shyamalan, onde temos um começo apostando no mistério, no intrigante, no sombrio, que é justamente toda apresentação do Leonard (Dave Bautista) no primeiro contato com a pequenina Wen (Kristen Cui). A partir daí o suspense e o terror se instala completamente na trama após a invasão na cabana. Nesse quesito o Shyamalan acerta perfeitamente ao criar um ambiente instável, soturno, misterioso, onde somos presos pelo suspense, pela claustrofobia e por toda curiosidade. A premissa é muito interessante e bastante funcional, pois ela nos envolve na paranoia, na delinquência, na questão do apocalipse, do sacrifício, da sobrevivência, em como aquela família fica nas mãos de pessoas estranhas que dizem que o mundo irá acabar se o sacrifício não for realizado. Dessa forma vamos sendo tomados pela dúvida, pela insegurança, pela incerteza de quem está falando a verdade. E esse era exatamente o ponto levantado pelo roteiro de "Batem à Porta", criar uma questão de que lado você está? Será que a família deve acreditar nos estranhos sobre um possível apocalipse? Ou será que aquele grupo não passa de loucos lunáticos que fazem parte de algum culto demoníaco e insano? Quem acreditaria no fim do mundo profetizado por quatro estranhos que acabaram de invadir a sua cabana? Este primeiro ponto no filme é tomado por toda aflição, por toda tensão e todo suspense que vai deixar o espectador incomodado e agoniado, logo o Shyamalan faz um contraponto entre a empatia e o negacionismo.
Já no segundo ponto temos uma alegoria sobre homofobia, ou seja, um suspense que coloca um casal homoafetivo e sua filha adotiva no centro de uma teoria e uma discursão apocalíptica. Como um homem gay pode escolher se sacrificar por toda uma sociedade que o julga unicamente pelo fato dele amar e morar com outro homem? Porque o fim do mundo depende do sacrifício de um casal gay? Vale a pena sacrificar a minha felicidade para a humanidade sobreviver? Vale a pena o meu sacrifício em prol de uma sociedade extremamente preconceituosa e homofóbica? Porque eles se sacrificariam se são tão rejeitados? Essas são as inúmeras perguntas que são levantadas ao longo da trama. Temos um protagonismo gay em um filme de suspense e terror psicológico. Temos os traumas de um casal gay no centro de uma história apocalíptica. Tanto que longa faz questão de destacar uma alegoria sobre a possibilidade daquele casal gay não existir mais para o simples fato do mundo não acabar. Ou seja, o casal gay teria que se sacrificar para manter a existência de uma sociedade homofóbica, o que traz uma clara referência ao sacrifício diário de toda comunidade LGBTQIAPN+.
Outro ponto interessante é a forma como aquele casal vê os quatro invasores, como possíveis religiosos fanáticos, que estariam ali unicamente para julgá-los e converterem sua orientação sexual à heteronormativa. Ou possivelmente como um crime de ódio, de preconceito, de homofobia, um possível extermínio por eles serem gays. Tudo isso passa pela cabeça do casal antes mesmo de eles pensarem que poderia ser apenas um possível sequestro. Realmente esta seria uma forma que faria mais sentido dentro de todo o contexto de uma sociedade tão polarizada como a nossa, e também pelo fato das agressões que eles sofreram no passado, todos os preconceitos que eles sofreram, como no caso dos pais. Tudo isso causou traumas, medos, frustrações, feridas foram abertas e doem até hoje, exatamente uma alusão ao preconceito e a homofobia de toda sociedade. Sem falar que isso fica bem claro quando logo após a invasão da cabana eles fazerem questão de deixar claro que eles não são homofóbicos, que nenhum deles tem um osso homofóbico.
Sobre toda alusão e alegoria que o filme traz sobre a luta diária que a comunidade LGBTQIAPN+ sofre com o preconceito, eu achei um ponto muito válido e extremamente assertivo. Achei uma abordagem bastante condizente com toda a proposta do filme, em afirmar que o destino de toda humanidade está direcionada nas mãos da decisão de um casal gay. Por outro lado o roteiro pesa a mão em suas 1h40min, por ser um roteiro básico, simples, raso, sem surpresas, clichê, onde temos um limbo e um looping eterno entre a estagnação e a repetição. Um roteiro que se estica demais, se alonga demais, embarriga demais, sofre com as inúmeras repetições da mesma ideia afim de criar um mistério, um suspense para manter o espectador preso até o final da história.
Claramente o Shyamalan sofre com a falta de ideias e dinamismo do seu roteiro (e olha que ele teve inúmeras colaborações para escrever o tal roteiro). Pois da mesma forma que a história começa ela termina, não tem absolutamente nada modificado, a aposta está unicamente em criar uma aura de suspense e mistério que envolve aquele grupo se eles estão falando a verdade ou não. E como já podemos imaginar desde o início de fato eles estão falando a verdade, pois ao final tudo acontece exatamente da forma que eles sempre falaram desde o início. Aquele plot das quatro figuras serem os quatro cavaleiros do apocalipse eu achei uma decisão bem questionável. O plot que poderia ser a grande reviravolta do filme, o último fôlego, a última cartada, não aconteceu, pois ele acaba se revelando simples e básico, com uma solução muito óbvia e sem nenhuma surpresa para o espectador. Até aonde eu sei, o final do filme foi totalmente modificado em relação ao final do livro, pois no livro temos um final ambíguo, onde não revela se o apocalipse estava de fato acontecendo ou não. Sem falar que os últimos momentos do livro são bem mais pesados, mais avassalador, mais desolador. A decisão de um final bem explicadinho e mais simplório foi uma decisão unicamente do Shyamalan e quem estava com ele, que deixou um final nem pessimista e nem otimista, apenas um final vago e vazio.
Sobre o elenco temos duas figuras distintas mas que ambos se completam exatamente por essa diversidade. Ben Aldridge ("Pennyworth") traz a figura do Andrew como uma pessoa mais revoltada com a vida exatamente por tudo que ele teve que enfrentar ao logo da sua. Claramente ele sofreu inúmeros preconceitos, inúmeros traumas por ser quem ele era, isso estava bem explícito em sua postura mais feroz, mais voraz, mais determinado. Sendo assim ele dificilmente acreditava nas pessoas, e ali ele estava encarando tudo como uma estranha coincidência. Ótima atuação de Ben Aldridge. Jonathan Groff ("Matrix: Resurrections") já era o inverso, trazendo um Eric mais sensato, mais calmo com a situação, mais centrado em um objetivo, que aparentemente não se desestabilizava e se abalava fácil e mantinha sua postura de ser a cabeça mais pensante daquela relação. Também gostei muito da atuação de Jonathan Groff.
A pequenina Kristen Cui é um doce, muito meiga, muito fofa, que nos fazia criar empatia por ela instantaneamente. Uma graça de atriz muito jovem porém bastante promissora. Olho nela! Dave Bautista está ótimo, ele é uma grata surpresa ao nos mostrar a sua descaracterização daquela figura de brucutu, de truculento, do seu personagem da Marvel, de um lutador de MMA mesmo como ele foi. Aqui Dave traz a figura do Leonard como uma pessoa que sofre por ter que acatar e cumprir a sua missão, que é fazer aquele casal se sacrificar e ele ter que sacrificar as outras pessoas do seu próprio grupo, sendo que no final o próprio se sacrifica. Achei uma atuação totalmente diferente de tudo que sempre vemos do Dave Bautista. Aqui ele traz uma atuação que anda no terreno do drama e ele se sai perfeitamente bem. Abby Quinn ("Adoráveis Mulheres") que fez a Adriane e a Nikki Amuka-Bird ("Tempo") que fez a Sabrina, são duas mulheres que estão sofrendo por estarem ali, que estão sofrendo por ter que acompanhar aquele grupo e compactuar das suas visões e decisões. Gostei da atuação das duas, mas a Abby Quinn entregou uma personagem que me pegou mais, me comoveu mais, até pela sua história verídica com o seu filho. E por fim temos o não menos importante Rupert Grint (o eterno Ron Weasley da franquia "Harry Potter"), que fez o Redmond, uma figura que foi extremamente importante no despertar dos gatilhos sofrido pelo Andrew. Uma atuação básica porém ok dentro da sua limitação de tela.
Por fim, posso afirmar que o diretor das tempestades e da calmaria, M. Night Shyamalan, está de volta e recobra a sua credibilidade como mestre do suspense perdidas com filmes detonados pela crítica. Concorde ou não mas fato é que "Batem à Porta" é um filme que traz todos os ingredientes que já conhecemos e já estamos acostumados em filmes do Shyamalan. Pois o próprio Shyamalan nunca foi o diretor das sutilezas em suas obras, ele sempre entregou o que temos aqui, que é um clima de mistério envolto em um suspense com um terror bastante funcional que prende completamente o espectador do início ao fim de suas histórias.
Apesar que "Batem à Porta" poderia ter sido muito mais do que foi, pois é muito claro que a premissa do roteiro é bastante interessante ao nos prender pelo mistério e pelo suspense, mas peca excessivamente em se esticar demais pra gerar um engajamento na história e não relevar tudo antes do seu final. No fim, o que fica é um longa-metragem que acerta ao trazer uma alegoria em relação a causa enfrentada diariamente em nossa sociedade pela comunidade LGBTQIAPN+. Mas falha em uma conclusão bem chocha em relação aos desdobramentos do roteiro como um todo, e principalmente do plot twist, que se revelou sem nenhum impacto da forma como imaginávamos, e do final, que por sinal é bem básico e vago. [09/03/2023]
"Aftersun" é uma Produção da A24 Films, escrito e dirigido por Charlotte Wells. Situado no início dos anos 2000, o filme segue Sophie, uma menina escocesa de 11 anos, de férias com seu pai em um resort turco na véspera de seu 31º aniversário.
"Aftersun" marca a estreia de Charlotte Wells na direção de um longa-metragem, e ela já faz a sua estreia trazendo uma história que soa como um drama bem intimista para ela, visto que ela descreve o seu roteiro como "emocionalmente autobiográfico", pois toda história foi inspirada na morte do seu pai durante a sua adolescência.
Já inicio afirmando que "Aftersun" é um filme belo, primoroso, emocionante, impactante e peculiar. O longa é muito humano, muito sensível, bastante sensorial, que vai se desenvolvendo de forma única, sutil, com um olhar contemplativo, singelo, que vai te envolvendo na história de forma leve, e ao mesmo tempo com uma intensidade que quando você menos perceber já estará completamente envolvido com a trama. Charlotte Wells é magnífica ao trazer um texto muito bem escrito e desenvolvido sobre a vida, sobre o relacionamento e o envolvimento de um pai e uma filha, com várias abordagens distintas e peculiares, entre várias nuances e várias vertentes.
Passamos a acompanhar aquelas férias de um pai e sua filha no dia a dia curtindo aquele resort, brincando, se divertindo, dando várias risadas. Realmente temos um relacionamento muito carinhoso e muito amoroso entre pai e filha, enquanto ambos desfrutam da companhia agradável um do outro, o que mostra que Calum (Paul Mescal) é um pai super atencioso e amável com sua filha Sophie (Frankie Corio). Este é o ponto a ser desenvolvido no roteiro de Charlotte Wells, a forma como ela queria se aprofundar em um período diferente em uma relação entre um pai e uma filha, e uma filha que não mora com o pai, que está apenas passando uma férias com ele. Dessa forma observamos toda aquela conexão e todo aquele envolvimento que vai se criando entre eles, e obviamente observamos toda proteção paternal, que de alguma forma Calum sempre tenta manter sua filha segura e protegida, mesmo que de certa forma ele acabe falhando.
"Aftersun" consegue ser um filme belo, primoroso e encantador, e ao mesmo tempo trágico, escuro e perturbador. Pois é fato que toda história também se passa pela perspectiva de uma Sophie 20 anos mais velha, onde a própria reflete sobre suas alegrias, melancolias e tristezas sobre sua viagem de férias com o pai há 20 anos atrás. Dessa forma também temos um filme sobre memórias, luto, depressão, aceitação, arrependimentos, traumas, frustrações. Um verdadeiro drama de amadurecimento, de reaproximação, de reconciliação, pois Sophie ainda buscava em suas lembranças uma reconciliação do pai que um dia conheceu, que um dia conviveu, com o homem que hoje ela desconhecia.
Um dos pontos que mais engrandece o roteiro de Charlotte Wells é a forma como ela contrasta o amor, a inocência, o descobrimento e o encantamento da pré-adolescente Sophie, com um mundo sombrio, obscuro, denso e mortal de Calum. É muito perceptível o quanto Calum se esforçava para se tornar uma melhor versão de sim próprio quando estava na presença da Sophie, como algo para agradá-la, mas por outro lado a própria Sophie tinha aquela sensação que havia algo errado com ele. Calum estava trancado dentro de si próprio, clamando por urgência, gritando por socorro, seu comportamento era sempre tomado de melancolia e mistério. Este é o lado sombrio e obscuro que o longa também abrange, também explora, e leva consigo o espectador, para adentrar no submundo introspectivo e reflexivo de Calum.
Apesar de ser apenas o longa-metragem de estreia de Charlotte Wells, ela traz uma experiência absurda com um texto que nos faz refletir, nos faz imaginar, nos faz pensar acerca de tudo que estamos vivenciando pelos olhares da Sophie e do próprio Calum. "Aftersun" nos deixa com dúvidas, com incertezas, com inseguranças, pois estamos diante de um relacionamento de pai e filha que é afetado por uma barreira emocional, existe uma barreira entre Sophie e Calum, que muita das vezes impede ambos de se aproximarem da forma que realmente deveria e precisaria. Por isso que o filme é tão peculiar, é tão intimista, pois existe várias lacunas que vão sendo preenchidas com o passar do tempo, e muita das vezes esse tempo é só 20 anos depois, com uma Sophie adulta ainda em busca das memórias do seu pai. "Aftersun" tem esse poder, tem esse olhar mais seco, que tenta reconstruir (ou pelo menos tenta) pela perspectiva adulta de Sophie uma relação que foi perdida no passado. Realmente é um filme que trata diretamente da busca incansável de uma filha pelo seu pai, ou pelo menos do que ele pode ter sido para ela, do que ele pode ter representado para ela, algo como uma memória afetiva, uma lacuna, uma vazio paternal, que precisaria ser preenchido de alguma forma. Era como se ao buscar o pai, Sophie estivesse buscando a si própria, buscando o seu verdadeiro eu, uma espécie de auto aceitação.
Paul Mescal ("A Filha Perdida") está divino, está excepcional, está triunfante, está magnífico. Faz tempo que eu não assisto uma atuação tão perfeita como a de Paul Mescal. Paul consegue transcender sobre um personagem que estava sofrendo, que estava em desespero, que estava em uma agonia extrema, e o pior de tudo isso era ter que sofrer calado, como se tudo estivesse normal, como se tudo estivesse bem, unicamente pelo fato de ter que passar segurança e carinho para sua filha, ter que dar a atenção que ela precisava e necessitava. Era como se Calum estivesse carregando o mundo em suas costas, pois sofrer calado é angustiante, é desesperador, é uma das piores coisas da vida. Tanto que uma das melhores cenas do filme é justamente a cena em que Calum se desespera ao chorar copiosamente; e esta cena tem uma interpretação monumental de Paul Mescal, onde claramente podemos observar o tamanho da sua entrega e o tamanho da sua veia dramática. E a cena em que ele se entrega ao dançar "Under Pressure" do Queen? Senhoras e senhores, que performance!
A jovem Frankie Corio já se mostra uma ótima atriz, já nos mostra todo o dom e o talento que ela tem na arte de atuar. Frankie conseguiu a proeza de realizar uma atuação leve, singela, sutil, era como se ela não estivesse atuando, era como se fosse ela própria ali no seu dia a dia, em um ambiente de férias. Ela ria naturalmente, agia naturalmente, conversava naturalmente, fazia suas filmagens naturalmente, sem parecer forçada em nada, sem parecer está sendo obrigada a nada, com uma leveza e uma delicadeza extremamente absoluta. Outro ponto foi a química alcançada entre ela e o Paul Mescal, que esteve perceptível em 100% das cenas, tanto pelas partes mais eufóricas quanto pelas partes mais densas e carregadas. Uma cena muito bela é a cena em que ela canta a icônica "Losing My Religion" do R.E.M. com um jeito meio envergonhada esperando que seu pai fosse cantar com ela. Verdadeiramente a jovem Frankie Corio já desponta com um talento muito promissor. Celia Rowlson-Hall (diretora de "Ma", de 2015) fez a Sophie adulta. É bastante interessante a sua apresentação no filme, mesmo com pouco tempo de tela ela consegue despertar toda a nossa curiosidade.
"Aftersun" foi aclamado pela crítica, que elogiou a direção e o roteiro de Charlotte Wells, e as atuações de Paul Mescal e Frankie Corio, com Paul recebendo uma indicação de Melhor Ator no Oscar. Também foi eleito um dos melhores filmes de 2022 pelo National Board of Review, recebeu o prêmio de Melhor Estreia de um Escritor, Diretor ou Produtor Britânico no BAFTA e foi premiado com o primeiro lugar pela Sight and Sound em sua votação para o Melhor Filme do ano.
Charlotte Wells entrega uma direção muito bem ajustada, rica em detalhes nos seus mais variados takes, que dava aquele foco, aquela aproximação nos personagens, nos deixando ainda mais envolvidos pela sua história. A trilha sonora é certeira, trazendo vários clássicos que enriqueceu ainda mais a obra. Assim como a belíssima fotografia, que se destacava como um algo a mais do longa, fazendo aquele contraponto entre o feliz e o alegre com toda melancolia e tristeza.
"Aftersun" é uma grata surpresa, visto que eu não conhecia a diretora e tinha visto pouco sobre o filme. Porém, eu fui surpreendido positivamente, com um filme que entrega um drama na medida certa, sem exagerar e sem pesar a mão (pra não virar um melodrama forçado), com um texto muito bem escrito, muito bem amarrado nos diálogos, que por sinal estavam excelentes. Além do roteiro que é ótimo, as atuações que estão impecáveis e a trilha sonora que é magnífica. Posso afirmar que "Aftersun" é um dos melhores dramas que eu assisti nos últimos anos. Obrigado Charlotte Wells! [05/03/2023]
"A Baleia" é uma produção da A24 Films, dirigido por Darren Aronofsky e escrito por Samuel D. Hunter (roteirista da série "Baskets"), baseado em sua peça de mesmo nome de 2012.
Darren Aronofsky é aquele típico diretor ame ou odeie, pois ele tem o dom de causar polêmicas com suas obras, levantar diversas discursões sobre os mais variados assuntos, trazer temas que consiste em gerar inúmeros debates. De fato o Aronofsky nunca foi sutil com os seus filmes anteriores, ele sempre foi obcecado em retratar a obsessão humana, sempre usando uma forma impactante ao demonstrar o sofrimento de seus personagens; como exemplo posso citar "Réquiem para um Sonho", "Cisne Negro" e "O Lutador". Por outro lado Aronofsky também demonstra o seu lado minucioso, perfeccionista, obcecado em trazer suas histórias com alusões, alegorias, menções e citações bíblicas, ou seja, expor o seu ponto de vista em determinadas obras, que muita das vezes gera uma grande polêmica e soa como uma afronta para as pessoas. Este é o caso de obras como "Noé", "Mãe!" e "A Baleia".
O longa-metragem nos confronta com a história de Charlie (Brendan Fraser), um recluso professor de inglês de meia-idade que pesa 272 kg. Ele vive preso dentro de seu apartamento, tendo como visita apenas a sua colega enfermeira Liz (Hong Chau), que o ajuda constantemente com algumas de suas necessidades. Charlie sofre de obesidade mórbida e tenta a qualquer custo se reconciliar com sua filha adolescente de 17 anos, Ellie (Sadie Sink).
Novamente temos um Darren Aronofsky obcecado em retratar a obsessão humana em seu mais novo trabalho, ou seja, levantar pontos como a obesidade, a gula e a compulsão alimentar. E o mais interessante é observar que o filme não é somente sobre a obesidade mórbida, pois ele vai muito mais além ao levantar diversas discursões sobre traumas, medos, frustrações, transtornos, luto, dores, perdas e depressão. Temos aqui uma obra que fala sobre a redenção humana, sobre a conexão humana, um verdadeiro drama comportamental, um drama psicológico, um estudo da psicologia que nos mostra uma pessoa que errou na vida e hoje não sabe lidar com os seus erros, com os seus traumas, com as suas frustrações, com as suas feridas, e que resolveu se trancar dentro de si, e que no momento se encontra em um estado crítico e procura desesperadamente uma forma de alcançar a sua redenção no pouco tempo que lhe resta.
Este é o cenário atual de Charlie, o ostracismo, a reclusão, o exílio, a dor, a culpa, o medo, e tudo baseado em decisões que ele tomou em sua vida no passado e que hoje está refletindo negativamente em sua vida. Charlie abandonou sua esposa e sua filha de 8 anos para viver um romance homoafetivo com um de seus alunos, que mais tarde veio a falecer. Dessa forma Charlie então passou a comer compulsivamente de dor e culpa pelo ocorrido, chegando a engordar e chegar na forma que ele se encontra atualmente. Hoje Charlie carrega sua parcela de dor e culpa e isso está refletindo diretamente em sua aproximação com sua filha.
Um dos pontos mais interessantes no longa é notar que Charlie se entregou a compulsão de comer e a obesidade não por uma escolha mas pelo fato do enorme trauma e da enorme perda que ele sofreu, isso que o levou a ativar os gatilhos dos distúrbios e da compulsão alimentar. De certa forma o longa até mostra um lado mais sensível, mais íntimo, como o fato da aceitação, do sacrifício, da repressão, da redenção e consequentemente da depressão. Outro ponto extremamente importante é o fato de não romantizar a obesidade, não tratar a obesidade como algo normal, como algo natural, pois a obesidade é muito sério, obesidade é uma doença crônica multifatorial e deve ser tratada com respeito, dignidade e humanidade, antes de mais nada.
Quando eu mencionei que "A Baleia" não é unicamente sobre obesidade, eu estava justamente me referindo sobre as mais variadas mazelas humanas; como o fato do Charlie viver com os conflitos preconceituosos que a sua aparência desperta em seus alunos, justamente pelo fato de ele ministrar suas aulas on-line com a câmera desligada. E constatamos justamente tudo isso quando ele finalmente decidi ligar sua câmera do notebook e observamos uma de suas alunas cair na gargalhada e depois tirar fotos dele - absurdo! Mesmo que Charlie esteja naquela situação que ele sabe que é bastante crítica, ele tenta ser amável com todos ao seu redor, tenta ser amigável e bondoso, mesmo que as pessoas que estejam ali estejam unicamente para julgá-lo e maltratá-lo. Isso foi um ponto que me deixou muito incomodado, observar que Charlie não se importava em ser julgado e ofendido, pois parecia que ele recebia todas aquelas ofensas como parte da culpa que ele carregava por ter abandonado sua filha. Ele sempre aguentava os julgamento das pessoas, as agressões verbais, os olhares vulgares que o deteriorava e o degradava fisicamente, e sempre pedindo desculpas, mesmo sem ter feito nada, era uma culpa que já estava incrustada em sua alma. Nitidamente Charlie desistiu da vida mas não das pessoas, principalmente de sua filha. Embora ele esteja no caminho de uma autodestruição, ele ainda se preocupa em deixar sua filha em um mundo literalmente melhor.
"A Baleia" é um filme que choca e ao mesmo tempo nos incomoda em vários pontos. Eu fiquei bastante incomodado com a forma escolhida por Aronofsky ao usar uns takes que focava na dor e no sofrimento do Charlie ao nos mostrar o seu corpo obeso com uma forma grotesca e animalesca. Achei muito cruel e muito desumano a forma como ele aborda a obesidade, principalmente nas cenas que ele foca no Charlie em uma compulsão alimentar comendo tudo em sua frente. Eu entendo que o Aronofsky queria passar a maior veracidade possível com estas cenas, porém achei muito cruel, toda aquela autodestruição é muito pesado, é muito triste, não precisava uma exposição daquele nível e com a aquela proporção. Na minha opinião o Aronofsky erra grotescamente ao elaborar cenas para explorar a obesidade de Charlie. Principalmente em compor cenas que parece querer explorar a nossa dramaticidade a qualquer custo, por nos mostrar o Charlie se entupindo de comida sofrendo com seu vício autodestrutivo e ainda com aquela trilha sonora destruidora de fundo, como se realmente o único intuito dele era mostrar a degradação humana naquelas cenas bizarras.
Outro ponto: a própria trilha sonora é extremamente forçada, aquela típica trilha sonora que chega a incomodar nas cenas em que ela está sendo explorada. A trilha sonora até pode casar perfeitamente com o intuito da cena, mas eu achei exagerada e muito melodramática. Outro erro de Aronofsky: eu entendo que a personagem da Sadie Sink precisava ser aquela adolescente rebelde, problemática, revoltada com a situação e principalmente com o Charlie, porém, é uma personagem extremamente forçada, exagerada, grotesca, caricata, canastrona. Pra mim é uma personagem mal escrita, mal interpretada, querendo expor a sua veia de rebelde sem causa, mas de uma forma muito forçada e pra mim totalmente desagradável. Gosto muito da atriz Sadie Sink, acompanho ela na série "Stranger Things" e a considero uma ótima atriz dessa nova geração. Porém, aqui eu acho que ela ficou devendo, sua atuação foi muito aquém do que ela de fato sabe entregar, e muito por culpa da sua personagem que foi mal escrita e as decisões do próprio Aronofsky.
Outra decisão questionável do Aronofsky está no fato da decisão em criar histórias paralelas com a história de Charlie. Acredito que a decisão em desviar a atenção do espectador da história principal foi usado como algo proposital para agregar ainda mais na trama, porém, eu acredito que a tentativa em criar um arco pessoal como no caso do personagem Thomas (Ty Simpkins) foi um tiro que saiu pela culatra. Pois no fim a sua história não foi bem desenvolvida, ficou como algo vago e falho (como aquela tentativa de ajudar o Charlie de alguma forma), claramente usado apenas como um desvio de percurso pelo fato de todos os acontecimentos que permeou a história do parceiro de Charlie.
Já a atriz Hong Chau (recentemente em "O Menu") esteve completamente excelente na pele da Liz. Liz era aquela típica amiga, ajudante, parceira, conselheira, que tinha a difícil missão de sempre ajudar o seu amigo Charlie, sempre está de prontidão quando ele precisasse. Porém, ela também tinha seus problemas, seus desafios, por ser uma pessoa descrente e por ter que ajudar seu amigo mesmo não concordando sempre com ele. Muito justa a sua indicação de Atriz Coadjuvante no Oscar. Samantha Morton (eterna Alpha de "The Walking Dead ") compõe uma personagem até ok, dentro das suas proporções. É dela toda a responsabilidade de confrontar o Charlie pelas suas decisões do passado que está infligindo em sua filha no presente.
Falando da principal estrela do filme! Brendan Fraser fez parte de toda geração dos anos 90 e anos 2000. É praticamente impossível não ter assistido pelo menos um dos seus filmes. No meu caso é impossível não se lembrar do seu personagem na saga "A Múmia", que eu adorava. Brendan teve alguns problemas com a indústria cinematográfica e ficou fora de cena por algum tempo. Aronofsky foi o responsável em resgatar o Brendan Fraser, assim como ele já havia feito lá em 2008 ao resgatar o ator Mickey Rourke para trabalhar em "O Lutador". Posso afirmar sem sombra de dúvida que Brendan Fraser entrega a atuação do ano. É impressionante a entrega de Brendan para viver o Charlie, e muito por suportar passar por uma verdadeira transformação sobre as inúmeras próteses que foram colocadas em seu corpo. Por todo carisma em que ele se apresentou, e isso é um ponto bastante interessante, o poder que Brendan tinha em nos despertar amor, compaixão, nos comover verdadeiramente com sua história, por outro lado ao mesmo tempo ele conseguia nos deixar com raiva e enfurecido com suas decisões, principalmente decisões que envolvia a sua filha. É impressionante como Brendan conseguia compor um personagem que acumulava traumas, perdas, culpas por suas escolhas, sendo que a comida era a sua culpa, a sua válvula de escape, e ele nos passava aquela pessoa vulnerável e debilitada, que estava com o psicológico frágil e totalmente destruído, porém ele ainda queria viver apenas para se dedicar à outras pessoas. Brendan Fraser nos entrega a atuação da sua vida, uma performance delicada, sensível, primorosa, singular, ao mesmo tempo enérgica, aguerrida, voraz, com um peso e uma carga dramática muito grande. Aquela cena em que ele discute com a filha e ele chora copiosamente é de cortar o coração. Por outro lado aquela cena em que a Liz ameaça fazer cócegas nele e ele solta aquela risada gostosa, dá vontade de abraçá-lo. Brendan Fraser é o nome do ano, é o retorno do ano, trouxe a atuação do ano e está dignamente indicado ao Oscar de ator do ano - justíssimo por sinal!
Por sua impecável atuação, Brendan Fraser ganhou o prêmio de Melhor Ator no Critics 'Choice Awards e recebeu indicações de Melhor Ator no Globo de Ouro, Screen Actors Guild Awards, British Academy Film Awards e no Oscar. O filme também foi indicado para Melhor Atriz Coadjuvante e Melhor Maquiagem e Penteado (no Oscar), e recebeu uma indicação para o prêmio Producers Guild of America de Melhor Produtor de Filmes Teatrais.
"A Baleia" é uma adaptação de uma peça teatral, ou seja, a história se passa quase que inteiramente dentro do apartamento do Charlie, se limitando ao pouco uso de alguns cômodos do local. Dessa forma toda a história é nos contada dentro de um molde teatral, com ares totalmente teatrais, que vai desde o uso da câmera cada vez mais próxima dos personagens, o fato de quase sempre um personagem sair e o outro já entrar logo na sequência, e a utilização de algumas mudanças sutis de cenários para contextualizar o próximo cenário.
Por fim, "A Baleia" é um filme que vai dividir inúmeras opiniões, pois de fato é um longa-metragem que pode ser interpretado por diferentes visões. Não há como negar que Aronofsky construiu mais um filme polêmico, que gera discursões, que muitas pessoas estão considerando como um filme gordofóbico. Já eu vejo como um filme ok, mediano, que erra tentando acertar, que traz uma discursão em volta de um assunto extremamente importante, que é a obesidade e suas consequências. "A Baleia" é um filme que consegue ser singelo e tocante, ao mesmo tempo que nos desperta revolta e indignação. Brendan Fraser está de volta no papel da sua vida, ao nos entregar um personagem que vai te tocar, vai te identificar, vai te comover, vai te emocionar verdadeiramente. Por outro lado eu fiquei extremamente incomodado com a forma como foi retratada algumas cenas, alguns personagens e algumas decisões do Aronofsky, que no fim ele mais erra do que acerta. [03/03/2023]
"Entre Mulheres" é uma produção da Plan B, escrito e dirigido por Sarah Polley, com Brad Pitt e Frances McDormand como produtores. O filme é baseado no romance homônimo de 2018 de Miriam Toews e estrelado por Rooney Mara, Claire Foy, Jessie Buckley, Judith Ivey, Ben Whishaw e Frances McDormand.
A atriz e escritora Canadense Miriam Toews (atriz no filme "Luz Silenciosa", de 2007) é a autora do livro em que "Entre Mulheres" foi baseado, e o mais interessante é saber que ela se inspirou em eventos da vida real que ocorreram na Colônia de Manitoba, uma comunidade Menonita remota e isolada na Bolívia. Um dos pontos em que eu fiquei boquiaberto foi saber que o filme se passa no ano de 2010, pois na minha cabeça toda aquela história se passava no século passado, o que me deixa ainda mais intrigado.
Temos aqui um drama feminista que traz toda história sobre os olhares das mulheres, a começar pelo fato de ser dirigido por uma mulher, pois Sarah Polley ("Histórias que Contamos") obviamente emprega uma perspectiva feminina para nos contar toda trama que acontece naquela pequena comunidade. O longa segue um grupo de mulheres que vivem em uma comunidade isolada e seguem a religião da igreja Menonita. Elas descobrem que os homens do local sempre usaram um tipo de anestésicos (que era usado em animais) para estuprar as mulheres e as meninas enquanto elas estavam dopadas. Muita das vezes toda essa violência e abuso sexual resultava em gravidez.
A tradução para português do título do filme combina perfeitamente com o que realmente acontece na maior parte do tempo em toda história; que é justamente mulheres falando, conversando, dialogando sobre o fato de que elas precisavam se unir e lutarem para conciliar sua fé com a realidade de cada uma naquele local. Toda narrativa do filme se passa quase que 100% do tempo unicamente dentro daquele palheiro, onde nos confrontava com aquelas mulheres organizando um plebiscito para decidir se ficam e não fazem nada, ficam e lutam ou vão embora. E o mais chocante é descobrir que aquela comunidade seguia a tradição da igreja Menonita e deixava as mulheres sem escolaridade e analfabetismo, sem educação mesmo, com única finalidade de deixá-las com a obrigação de servir os homens daquela comunidade de maneira humilhante.
O longa de Sarah Polley nos traz um choque de realidade ao acompanharmos a série de agressões que aquelas mulheres sofriam caladas, e o mais revoltante era ver uma jovem acordando sozinha na cama com hematomas e feridas visíveis em seus quadris e parte interna das coxas, que obviamente era ferimentos sofridos por estupro durante a noite. Porém, bizarro mesmo era a forma como os abusos daquelas mulheres eram tratados como coisa de fantasmas, do Satanás, ou até mesmo como parte de uma loucura que elas estavam inventando para chamar atenção. Outro ponto bastante intrigante era a obsessão delas pela fé e o fanatismo religioso que as obrigava encarar toda aquela situação com a obrigação de perdoarem os seus agressores, pois elas diziam que fazia parte da fé perdoar, que precisavam perdoar os agressores que estavam encarcerados em uma cidade próxima para não serem expulsas da comunidade e serem aceitas no Reino dos Céus - absurdo!
Posso afirmar com toda certeza que a Sarah Polley acertou muito ao decidir trazer uma história tão chocante, uma realidade tão perversa e brutal, e sem precisar fazer uso da violência extrema, sem precisar inserir cenas que expusesse os abusos que as mulheres passavam. Ela foi humana, contou uma história sobre a perspectiva feminina sem precisar chocar o espectador com cenas dramáticas, sem soar apelativa graficamente, sem expor a crueldade dos atos e sem forçar a barra em construir cenas pesadas para nos elucidar sobre os estupros que elas sofriam. Temos uma cena ou outra que mostra elas com hematomas, com sangue, porém de forma leve, sem precisar pesar a mão. O ponto forte do roteiro é exatamente criar um ambiente e nos inserir naquele universo de realidades com o intuito em nos fazer pensar, nos fazer refletir sobre tudo que estamos presenciando. Sarah Polley engrandece ainda mais a sua obra quando abre mão da violência explícita (que obviamente seria o caminho que um diretor normalmente seguiria) para focar na construção dos diálogos, das discursões, das decisões, onde obviamente ela consegue encaixar um texto muito bem escrito, com frases bem construídas sobre toda aquela situação, sobre toda as decisões que elas precisam tomar ao pesar os prós e os contras de ficarem ou fugirem daquela comunidade.
O filme realmente contextualiza sobre como aquelas mulheres queriam brigar pelo seus direitos, queriam ter o direito de ir e vir livremente, o direito do livre-arbítrio, o direito de poder aprender a ler e a escrever, ser de fato alfabetizadas. O texto aqui conversa diretamente com o espectador ao querer expor os direitos das mulheres, o seu lugar na sociedade, toda a sua representatividade, que obviamente estava perdida ao conviverem naquela comunidade onde elas consideravam que até os animais estavam mais seguros do que elas. Porém, acho muito válido a forma como a Sarah Polley decidi nos confrontar com toda a história sobre aquelas mulheres, mas por outro lado eu acho que ficou devendo um pouquinho em um aprofundamento e um desenvolvimento da história de cada uma (ou pelo menos das principais), algo como um arco pessoal dentro de um contexto da vida delas, para que assim pudéssemos sentir ainda mais o peso de suas histórias e pudéssemos se importar ainda mais com cada uma. Mas de qualquer forma, se tivessem seguido por este caminho o filme ficaria ainda maior em questão de duração, pois ele já tem 1h 45min.
Para um filme que é composto quase que inteiramente por mulheres, obviamente o elenco teria que ser o destaque, teria que se sobressair, teria que chamar toda a atenção, e o elenco de "Entre Mulheres" é completamente impecável! Temos Rooney Mara ("O Beco do Pesadelo") como Ona Friesen, aquela mulher sonhadora, persistente, que ainda acredita no lado bom do ser humano, ainda mais quando esse ser humano é um homem. Um trabalho engrandecedor e fantástico de Rooney Mara. Claire Foy ("The Crown") vive a Salome Friesen, a mais revoltada com aquela situação, a mais aguerrida e decidida em ficar e enfrentar aqueles problemas em que elas viviam. Claire Foy traz uma personagem muito forte, impactante, voraz, que criou uma casca para se proteger daqueles ataques e com isso ela mal consegue pensar e sempre quer agir no impulso. Belíssimo trabalho entregue pela Claire Foy. Jessie Buckley ("A Filha Perdida") vive a Mariche Loewen, uma mulher que segue na mesma linha da Salome, que também está cansada e indignada com aquela vida, que também quer dá um basta em toda situação. Jessie Buckley compõe uma personagem que é astuta e ao mesmo tempo frágil, e que no final das contas acaba sofrendo duras consequências e agressões, que se mostra vulnerável (como vimos em suas últimas cenas). Frances McDormand ("Nomadland") vive a Scarface Janz, a personagem mais misteriosa, intrigante e sombria daquele grupo de mulheres, que no final das contas eu nem sei se realmente ela fazia parte daquele grupo e estava empenhada em lutar pelos seus direitos, visto que no começo ela aparecesse integrada no grupo, porém quando elas decidem irem embora ela não parece se importar. Mesmo com pouco tempo de tela, Frances McDormand consegue se destacar. Judith Ivey ("Grey's Anatomy") vive a Agata, uma figura sempre pacífica, mais calma, que mantém uma mente mais centrada em seu objetivo, que sempre está buscando entender aquela situação trazendo comparações com suas duas éguas de estimação, Ruth e Cheryl. Ben Whishaw ("007 - Sem Tempo Para Morrer") é um dos poucos atores que participam do elenco. Ele vive August Epp, um homem amargurado, um professor que junto com sua família foram expulsos daquela comunidade e depois ele retornou. Agora August faz parte daquele conselho de mulheres anotando as suas prioridades e decisões, além de manter um certo interesse em Ona.
"Entre Mulheres" possui uma excelente direção de arte. Uma bela fotografia mais acinzentada, com aquele tom mais denso, mais mórbido, mais morto, que contextualizava perfeitamente a dor e o sofrimento daquelas mulheres. A trilha sonora de Hildur Guðnadóttir ("Tár") mais uma vez está completamente impecável, nos faz sentir todo aquele drama que era construído exatamente a partir da trilha sonora. O longa traz uma ótima direção da Sarah Polley, é muito bem montado, editado, mixado, tecnicamente e artisticamente é bem acima da média.
"Entre Mulheres" teve uma grande aceitação e foi aclamado pela crítica pelo excelente trabalho na direção de Sarah Polley, as ótimas atuações do elenco, bem como o roteiro, a fotografia e a trilha sonora. No Rotten Tomatoes o filme possui uma aprovação de 86% baseada em 26 resenhas. Já no Metacritic, o filme possui uma média ponderada de 80/100 baseada em treze resenhas. No Oscar, o longa-metragem recebeu indicações para Melhor Filme e Melhor Roteiro Adaptado.
"Entre Mulheres" é um ótimo filme que nos conscientiza sobre os abusos e as agressões que as mulheres sofrem constantemente em nossa sociedade. Também nos mostra em como o fanatismo religioso e a obsessão pela fé pode ser algo extremamente prejudicial, quando usado da maneira errada. Mais uma vez eu devo elogiar o trabalho entregue pela Sarah Polley, por conseguir nos imergir em um cenário tão decadente, tão sofrível, tão amargurado, tão triste, porém sem a necessidade de usar um apelo gráfico, uma violência extrema, se baseando unicamente no poder que a mente humana tem em construir diálogos com sutileza para resolver uma situação com menos sofrimento possível. [25/02/2023]
"Passagem" é dirigido por Lila Neugebauer em sua estreia na direção e escrito por Ottessa Moshfegh, Luke Goebel, Elizabeth Sanders e Jennifer Lawrence, que além de estrelar também fez parte da produção. O filme é uma produção da A24 com distribuição da Apple TV+.
Lila Neugebauer é uma diretora de teatro, escritora e diretora artística. Ela já dirigiu alguns episódios das séries "Room 104", "Maid" e "A Vida Sexual das Universitárias". Além da sua direção do revival da Broadway de "The Waverly Gallery", de Kenneth Lonergan ("Manchester à Beira-Mar"), que recebeu uma indicação ao Tony Award. Porém, "Passagem" é seu primeiro longa-metragem, que segundo ela, serviu como uma oportunidade de entender o que está por trás da cultura militar tão arraigada no inconsciente coletivo dos americanos. Lila disse que trabalhar no projeto do filme fez ela entender os reais motivos que levam tanta gente a se alistar, para além da justificativa fácil do patriotismo, é claro.
O longa de Lila Neugebauer nos conta a história de Lynsey (Jennifer Lawrence), uma soldada americana, que sofre uma lesão cerebral traumática após a explosão de um IED durante seus serviços militares no Afeganistão, o que a obriga a voltar para sua casa em Nova Orleans.
Temos aqui um drama profundo, carregado, denso, intrínseco, com um olhar mais intimista, mais sensorial, mais contemplativo, mais humano, pois a história trata de temas delicados como traumas, dores, medos, frustrações, depressão e o luto. O longa busca nos elucidar sobre o recomeço sutil de Lynsey, algo como tentando se reconstruir de toda complexidade que se instalou em sua vida, pois a princípio ela tem que lutar para recuperar seus movimentos, lutar contra sua impotência e sua incapacidade, reestabelecer uma conexão saudável com sua mente e obviamente com sua vida.
É interessante notar como a Lynsey luta contra seus traumas do campo de batalha e tudo que ela sofreu após seu acidente, porém, o seu retorno para casa conta também como um retorno para uma realidade que ela já viveu, pois ela traz consigo seus traumas pessoais que são carregados desde a sua infância humilde, na qual ela não recebeu muita atenção da sua própria mãe. Toda essa construção do roteiro deixa claro como a Lynsey também tinha suas fragilidades e suas vulnerabilidades, pois ela via no alistamento militar algo como uma fuga da realidade em que ela cresceu, como ela mesmo cita ao desabafar: "O problema é aquela casa, eu fui a única a sair de lá".
Dentro de todo esse contexto de reestruturação na vida de Lynsey, temos a adição de James (Brian Tyree Henry), um mecânico que ela conhece após um problema em sua caminhonete. Este é um ponto muito interessante do roteiro, um confronto, um contraponto entre a história de Lynsey e a história de James. James também carrega suas dores, seus medos, suas frustrações e seus traumas físicos e mentais, pois ele sofre diariamente com o acidente de carro em que seu sobrinho foi morto. A partir desse ponto temos um compartilhamento de dores, de traumas, de recomeço, de aceitações, de sentimentos de culpa e de impotência. É interessante acompanhar o nascimento daquela improvável amizade, pois apesar dos contextos totalmente diferentes nos quais a dupla adquire seus traumas, ambos acabam se identificando, se completando, acabam compartilhando de um mesmo universo, de uma mesma realidade dura e sofrida, pois os dois viviam na solidão, no vazio, uma espécie de abandono, em que nenhum dos dois tinham outras pessoas para que pudessem se abrir, desabafar, confrontar e enfrentar seus medos e seus traumas.
Nesse ponto claramente constatamos o fator que levou Lynsey a fugir da sua realidade ao optar em se alistar, que é justamente a questão de ter sofrido um grave acidente, ter passado por um terrível trauma, mas ser incapaz de conviver em um círculo de pessoas que envolve sua mãe e seu mais novo amigo. Mesmo que a amizade com James funcione como um refúgio, como um alento para Lynsey, ela não consegue se sentir feliz, ela não consegue se reajustar a vida normal, ela não consegue se sentir realizada, ela não consegue realmente sentir que está em casa e que faz parte da vida de outra pessoa ao seu redor. Dessa forma ela busca constantemente a liberação do seu médico para que ela retorne para o exército e seja realocada. No entanto...
Consequentemente temos os confrontos e os embates de ideias entre Lynsey e James, cada um defendendo a sua tese, a sua história, cada um vivendo do seu sofrimento, do seu trauma, onde claramente Lynsey está tentando fugir da sua realidade ao invés de ficar e enfrentá-la. Porém, é muito interessante notar que a partir da cena em que Lynsey discute com James, por ela simplesmente não conseguir manter aquele convívio, logo após ela vai até um clube e mergulha em uma piscina que está rodeada de pessoas convivendo em um mesmo ambiente, em um mesmo espaço, em uma mesma realidade, isso funciona para ela como uma espécie de aceitação de si própria, de enfrentar os seus traumas pessoais e de conseguir conviver com outras pessoas, no caso o próprio James. Exatamente quando ela retorna até a casa dele e aceita o seu convite de morar ali junto com ele, ou seja, conseguir manter aquele relacionamento, aquele convívio social com uma outra pessoa, e ambas, juntas, enfrentarem e se ajudarem a partir dali.
Mesmo com todo esse contexto que foi abordado na trama, com todos os temas que foram trazidos para discutirmos a respeito das decisões da Lynsey e do James. Porém, eu achei que faltou mais profundidade, mais desenvolvimento em vários pontos. Algo como uma abordagem maior e mais profunda, que nos causasse mais preocupação, que pudéssemos ser mais impactados, que conseguíssemos criar mais identificação e mais empatia pela história de cada personagem. Em até certo faltou mais alma, mais impacto, mais atenção, pois eu senti uma abordagem muito rasa, muito leve, muito vazia, e tanto pelo lado da história que foi desenvolvida quanto pelo lado do elenco e suas atuações.
Falando exatamente do elenco: Temos a protagonista Jennifer Lawrence, que vinha de um pequeno hiato em sua carreira causado pelo casamento e pela gravidez do seu primeiro filho. Durante esse período ela também rompeu com sua agência, que vinha acompanhando a sua carreira durante todos esses anos. A própria Jenni chegou a afirmar que sua decisão em romper com sua agência foi considerada por ela como um livramento. Em uma entrevista para o jornal The New York Times, Jenni afirmou que sua agência impedia que projetos menores chegassem até ela, e que ela própria não queria aquele rótulo e aquela blindagem excessiva, principalmente após ter ganhado o Oscar. Jenni afirmou que se sentia mais como uma celebridade do que como uma atriz, pois ela se sentia asfixiada pela fama e pela obrigação de sempre ter que aceitar contratos milionários que a prendiam em superfranquias hollywoodianas - como "Jogos Vorazes" e "X-Men".
Poder voltar a atuar em um projeto mais contido e mais intimista como o filme "Passagem", serviu para Jennifer se reinventar, dar um frescor e um novo fôlego em sua carreira. Serviu também para de certa forma ela retornar às suas origens cinematográficas, algo como o excelente sucesso indie "Inverno da Alma" (2010), que foi o projeto que garantiu a ela sua primeira indicação ao Oscar. E aqui temos uma Jennifer Lawrence em uma atuação que contrasta com personagens que ela já viveu anteriormente; como a própria Ree Dolly de "Inverno da Alma", que era uma personagem que tinha se superar e se reinventar constantemente, arcando com suas responsabilidades para garantir a sua sobrevivência. Por outro lado sua personagem Lynsey me lembra muito da sua personagem Tiffany de "O Lado Bom da Vida" (2012), que também tinha que enfrentar seus traumas, suas frustrações, porém muita das vezes se mostrando como uma pessoa desequilibrada. Todavia, eu não vejo aqui uma exímia atuação da Jennifer, vejo como uma atuação mais normal, sem um grande desenvolvimento ou um grande aprofundamento na personagem. Em até certo ponto eu acredito que sua atuação é fria demais, rasa demais, que por mais que necessariamente estamos falando de uma personagem que vivia enfrentando seus traumas e suas frustrações, e que poderia realmente trazer esse aspecto de fria, de contida, de amargurada e até infeliz, mas eu senti que ela vai muito no automático, sempre com as mesmas expressões, com as mesmas reações, faltou um algo a mais em sua atuação e a mim não me convenceu.
Já o ator Brian Tyree Henry ("Trem-Bala"), que está indicado ao Oscar justamente pela atuação nesse personagem. Bem, pra mim ele vai muito na linha da Jennifer, também constrói um personagem que está sofrendo com um trauma e um peso que agora ele carrega nas costas, se mostra como uma pessoa traumatizada, infeliz, vazia, que está buscando se reerguer e recomeçar a sua vida, e que vê na Lynsey uma provável (ou improvável) oportunidade de fazer este recomeço. Porém, eu uso praticamente as mesmas justificativas que utilizei para descrever a atuação da Jennifer Lawrence. Pra mim o Brian Tyree Henry traz uma atuação até condizente com o que o seu personagem pedia, mas também senti que faltou mais alma, mais coração, faltou mais entrega, faltou mais química com a própria Jennifer. Sendo assim, tanto a Jennifer Lawrence quanto o Brian Tyree Henry conseguem construir seus personagens dentro da proporção de cada um, mas eu não vejo nenhuma grande atuação, ou um trabalho fora da curva, que mereça ser exaltado e até indicado em qualquer premiação.
Compondo o elenco ainda tivemos a Linda Emond ("Succession") como Gloria, a mãe de Lynsey, que trouxe aquela figura de uma mãe que tenta se mostrar preocupada, que tenta fazer parte da vida da filha, quando na verdade a filha estando ali ou não para ela pouco importa. Stephen McKinley Henderson ("Duna") como o Doutor Lucas, o responsável em sempre ouvir as queixas da Lynsey e avaliá-la sobre seu possível retorno ao posto militar. Russell Harvard ("Fargo"), como Justin, o irmão de Lynsey, que nos proporcionou uma linda cena ao final do filme. Engraçado que com uma cena do Justin eu consegui me apegar mais a ele do que com os dois personagens centrais.
A trilha sonora é boa, consegue transmitir o peso que está sendo desenvolvido em cada parte da trama. A fotografia é bem notável, agrega bem na composição das cenas, principalmente aquelas que destacavam os personagens sozinhos e logo após compunha uma reaproximação.
Sendo assim eu concluo que "Passagem" é um bom filme, traz assuntos pertinentes e relevantes dentro de um contexto geral, como a abordagem sobre perdas e recomeços, sobre traumas e frustrações. Porém, falta mais peso dramático, falta uma história com mais corpo, com mais alma, com mais desenvolvimento e mais envolvimento que ligue o espectador com os problemas enfrentados por cada personagem, para que assim possamos realmente sentir o peso da dor de cada um. Porque sinceramente, ao final eu cheguei na conclusão que a história parte do nada e vai pra lugar nenhum. [19/02/2023]
Louca Obsessão
4.1 1,3K Assista AgoraTEM SPOILERS DO LIVRO E DO FILME!
Louca Obsessão (Misery) 1990
"Misery" é dirigido por Rob Reiner ("Questão de Honra", de 1992), baseado no romance homônimo de Stephen King de 1987, estrelado por James Caan e Kathy Bates. A trama gira em torno de uma fã obsessiva que mantém um autor cativo e o obriga a reescrever o final de sua série de livros favorita.
Sobre o livro:
Novamente eu sou impactado com uma leitura avassaladora, imersível, misteriosa, claustrofóbica, intrigante. Uma obra que nos ganha justamente pela construção do drama, do suspense, do horror psicológico, da tensão que é criada e bem administrada principalmente nos primeiros capítulos do livro. Pois este é o ponto-chave dessa belíssima obra literária do mestre king, o seu poder de ir dosando o mistério, o suspense, a curiosidade, de criar todo um universo com um alto nível de tensão, que nos prende e nos envolve justamente nos momentos que antecedem toda selvageria e toda psicopatia de Annie Wilkes.
Por outro lado, como já é de praxe nas obras do mestre King, a história tem um ritmo e um desenvolvimento lento, ficando até arrastada em algumas partes, e sendo extremamente bem detalhada em outras - principalmente nas partes que tínhamos que ler "O Retorno de Misery" com a escrita faltando as letras "N", "T" e "E". Esta parte do livro com certeza foi uma forma do mestre King para nos imergir cada vez mais na mesma dificuldade e na mesma tortura de Paul Sheldon. Ou seja, nos colocar no mesmo ambiente e no mesmo universo do autor durante as constantes ameaças de Annie Wilkes.
"Misery" é mais uma excelente obra literária do mestre King. Não chega a ser uma obra-prima como "O Iluminado", que pra mim é disparado o meu livro preferido da bibliografia do King, mas é uma obra contundente, marcante, gloriosa e com um final apoteótico.
Para quem já leu alguns dos seus livros e já conhece o estilo da abordagem que o mestre king geralmente traz em suas obras, com certeza já está mais do que familiarizado com a sua escrita e a sua forma de contar suas histórias. Que na maioria das vezes é bem detalhada e com um desenvolvimento mais lento. Agora para quem está lendo King pela primeira vez, ou não conhece o autor, com certeza estranhará e sentirá a leitura cansativa em algumas partes. Eu como um eterno fã do mestre, já li várias das suas obras e já estou mais do que acostumado com a sua escrita, pois Stephen King é justamente o meu autor preferido da vida.
Sobre o filme:
"Misery" é uma boa adaptação de uma obra literária do mestre King, onde o próprio afirmou que "Misery" é uma de suas dez principais adaptações favoritas de filmes, em sua coleção "Stephen King Goes to the Movies". Apesar de não ser uma adaptação 100% fiel (o que é mais do que normal) e possuir inúmeras diferenças, até cruciais em relação ao livro, que destacarei mais à frente.
Um dois maiores acertos do longa-metragem é construir exatamente o mesmo clima inicial do livro, que é o crescimento gradativo da tensão, do medo, da aflição, do drama, do mistério e consequentemente de todo o suspense. Esse é o principal diferencial para conseguir inserir o espectador cada vez mais naquele universo que inicialmente é totalmente normal, que é apenas uma ex-enfermeira resgatando e cuidando de um paciente gravemente acidentado. Mas é aí que entra algumas perguntas cruciais: será que, de acordo com o livro de Paul Sheldon, se a personagem Misery Chastain não tivesse morrido durante o parto os gatilhos de loucura e insanidade de Annie Wilkes não seriam ativados após ela descobrir? Seria Annie uma admiradora do Paul ou da Misery?
Nesse ponto temos uma ótima abordagem sobre o fanatismo, a obsessão, o ciúme doentio, o admirador extremista e o fã alucinado. Annie Wilkes se autodenomina como a fã número 1 de Paul, nesse caso inconscientemente ela acredita ter poderes sobre seu artista e poder ditar as suas crenças, as suas decisões e os seus objetivos. Ou seja, Annie passa a delegar arbitrariamente o próprio livre-arbítrio de Paul, uma vez que ela o salvou da morte e o mantém como refém em sua casa.
Assim como em "O Iluminado", aqui também temos um estudo de uma mente humana deturpada, doentia, sádica, uma verdadeira aula de psicanálise e uma análise do surto psicótico. Ou seja, mais uma vez o mestre King cria um personagem emblemático, icônico, nos mesmo moldes do Jack Torrance, que nos expõe justamente a sua confusão mental, a perda da sanidade, a perda do equilíbrio emocional, delírios, alucinações, catatonia, alteração de humor, com um estado mental e espiritual atormentado, chegando à uma completa loucura. Essa era a Annie Wilkes, a fã número 1 de Paul, o puro suco da loucura e do sadismo.
Annie Wilkes é o Jack Torrance de saia!
Kathy Bates (eterna Molly Brown do melhor romance da história do cinema, "Titanic") é mais do que protagonista, é mais do que estrela, ela rouba a cena em todas as suas aparições, conseguindo maior destaque e maior relevância que o próprio Paul Sheldon de James Caan. Kathy emprega um olhar frágil, vulnerável, com um rosto angelical, onde ninguém sequer imaginaria que por trás daquele olhar devoto e compenetrado se esconde uma figura sádica e psicopata. Este é o ponto alto da interpretação de Kathy como Annie, exatamente a sua transformação, expondo a sua irritação, onde sua face muda, sua expressões mudam, seu semblante muda, indo diretamente da sua fragilidade à loucura, de um simples olhar doentio à devoção completa, que logo contrasta com todo seu fanatismo, loucura, obsessão e alienação.
Kathy Bates ficou marcada pela sua excelente atuação de Annie Wilkes, assim como o Jack Nicholson também ficou marcado pelo icônico Jack Torrance.
O próprio mestre King ficou impressionado com interpretação de Kathy Bates que ele chegou a escrever um outro texto diretamente para ela, se inspirando especificamente nela, que podemos encontrar no livro "Dolores Claiborne", que depois foi adaptado no filme " Eclipse Total" (1995).
E o trabalho de Kathy Bates foi tão avassalador, tão apoteótico, tão impecável, que lhe rendeu o Oscar de Melhor Atriz no Oscar de 1991, derrotando simplesmente Meryl Streep por "Lembranças de Hollywood" e Julia Roberts por "Uma Linda Mulher", tornando "Misery" como o único filme baseado em um romance de Stephen King a ganhar um Oscar, e Kathy como a primeira a ganhar um Oscar de melhor atriz pelo desempenho em um filme de suspense.
O lendário James Caan (falecido em julho de 2022) na época já era um veterano consagrado, que já tinha sido indicado ao Oscar pelo icônico Sonny Corleone em "O Poderoso Chefão" (1972). Aqui James Caan dá um verdadeiro show, com um destaque fenomenal sendo o escritor Paul Sheldon e principalmente ao contracenar com a Kathy Bates. Incrível como James consegue nos impactar com sua atuação que na grande maioria é feita unicamente deitado na cama. Realmente tem que ter uma grande experiência, um grande estofo, para não cair na pieguice, no marasmo e não soar melodramático demais, exagerado demais. E definitivamente isso não acontece com James Caan, pois ele emana carisma e empatia, que nos faz torcer por ele, se preocupar com ele, sofrer junto com ele. Verdadeiramente James Caan foi impecável e irretocável como Paul Sheldon. E olha que inicialmente Jack Nicholson foi inclusive convidado a interpretar Paul Sheldon, mas não aceitou.
Isso me leva a pensar: imagina uma cena com Jack Torrance e Annie Wilkes juntos no mesmo ambiente? Isso com certeza abalaria a órbita terrestre.
Comparações entre filme e livro:
A forma como inicialmente o filme transcorre, entre aquele contraponto da Annie com o Paul em sua casa, com a busca do Xerife pelo desaparecimento do Paul após a denúncia de sua agente sobrevoando de helicóptero a casa da Annie. Tudo isso é diferente do livro.
O legal que se atentaram bem aos mínimos detalhes: como o próprio carro do Paul, a Cherokee da Annie e a Máquina de escrever da marca Royal. São detalhes simples mas que fazem uma diferença na fidelidade da adaptação.
Annie diz que Paul deu o seu nome em seu novo livro para o coveiro. No livro Paul dá o nome da Annie para uma das enfermeiras presentes no parto da Misery Chastain.
No livro não existe nenhum jantar comemorativo para celebrar a volta de Misery Chastain. Tampouco no livro o Paul não coloca o pó do remédio na taça de vinho da Annie. Ele até pensa nessa ideia, mas ele não leva adiante justamente por achar que a Annie desconfiaria do gosto por ter os remédios. Mas até que a execução dessa cena, com a Annie batendo na taça de vinho e derramando na mesa, foi muito boa.
No livro temos a escrita na máquina faltando as letras "N", "T" e "E". Já no filme a própria Annie diz que ela se propõe a concertar os "Nn", mas quando temos um foco por cima da máquina podemos observar que tanto o "N" quanto as outras letras estão lá. Um grave erro de continuidade no filme.
No livro a Annie usa um machado para cortar um dos pés de Paul, no filme ela usa uma marreta somente para quebrar seu pé. No livro Annie corta o polegar do Paul, isso não existiu no filme, pois ele termina com todos os seus membros.
Toda essa parte do Xerife, em buscar informações do passado da Annie e confrontar suas falas com o livro do Paul, não existe no livro. Tampouco o Xerife ser o primeiro que vai na casa da Annie atrás do Paul, pois no livro o primeiro a ir em busca do Paul na casa da Annie é um jovem policial, que ela acaba o matando com uma cruz e o cortador de gramas. Já no filme a Annie mata o Xerife com um tiro de espingarda pelas costas quando ele descobre a presença de Paul no porão.
O final é diferente do livro em algumas partes:
No livro Paul coloca fogo nas partes do livro depois que a Annie retorna com uma garrafa de champanhe e não uma taça como no filme. No livro ele acerta ela com a máquina de escrever nas costas e não na cabeça. No livro ela não dá aquele tiro no ombro dele e não existe toda aquela luta, com ele cravando os dedos em seus olhos, muito menos aquela rasteira com a Annie caindo com a cabeça na máquina. No livro ela escorrega na poça de champanhe no chão e cai de cara nos cacos de vidro da garrafa.
No livro policiais chegam na casa da Annie e resgatam o Paul e descobrem que Annie não estava morta no chão, como o próprio Paul havia informado. Depois eles descobrem que ela conseguiu sair da casa e foi em direção do celeiro, morrendo lá dentro pela grande perda de sangue. Já no filme temos aquela luta final do Paul com a Annie e depois já corta pra cena atual, com ele no restaurante com sua agente e tendo visões da Annie.
No geral é uma boa adaptação, mesmo com várias partes que não existem no livro e que foram uma liberdade criativa no roteiro do filme. Porém, uma coisa é inegável: o livro é muito mais sangrento, mais perturbador, mais violento, mais inquietante, mais sombrio, possui mais gore, além de criar muito melhor o clima de tensão, de aflição e do suspense que se instala em cada página da história. Sendo bem sincero: eu fiquei mais aflito, mais incomodado e mais tenso lendo o livro do que assistindo o filme.
O mesmo vale para a Annie Wilkes do livro, que sim, ela é muito mais perversa, mais sádica, mais perturbada, mais violenta, mais descontrolada, mais debochada, mais letal, mais insana, mais sangrenta, além de expor uma tortura absurdamente maior em Paul Sheldon. Pois só de pensar nas páginas do livro onde ela tortura o Paul ao cortar o seu pé com o machado e seu dedo com uma faca, é muito mais aterrorizante que no filme (além daquela parte em que ela tortura o jovem policial com as inúmeras estacadas com a cruz em suas costas, e que não existe no filme). Se você achou pesada aquela cena em que ela quebra o pé do Paul com a marreta, no livro o peso das torturas estão há anos-luz do filme. É só lembrar que no filme o Paul termina praticamente ileso, apenas com algumas dificuldades para andar. Já no livro o Paul termina completamente estropiado, sem um pé e sem um dedo.
Tecnicamente o filme é muito bem destacado e representa muito bem a grandeza de cada detalhe. Como a própria trilha sonora de Marc Shaiman, que ditou perfeitamente o ritmo da agonia e da aflição daquelas cenas mais contundentes. A fotografia é muito bem alocada, trazendo aquele contraponto entre os cenários de neve com a casa da Annie. O mesmo vale para a direção de arte, que soube compor cenários específicos e bem fiéis com a obra original.
"Misery" arrecadou US $ 10.076.834 em seu primeiro final de semana, terminando em segundo nas bilheterias somente atrás do clássico "Esqueceram de Mim" (1990). O longa acabou eventualmente com US $ 61 milhões no mercado interno, sendo considerado como um sucesso de bilheteria.
Além do prêmio inédito de Melhor Atriz para a Kathy Bates no Oscar de 1991, ela também foi indicada no Globo de Ouro daquele mesmo ano.
No Rotten Tomatoes, o filme tem uma classificação de 90%, com base em 67 críticas, com uma classificação média de 7,55 / 10. É o quarto filme baseado em um livro do mestre king com maior aprovação no site. No Metacritic, que atribui uma classificação média ponderada às críticas, o filme tem uma pontuação de 75 com base em 23 críticos. O público entrevistado pela CinemaScore atribuiu ao filme uma nota média de "A-" na escala A+ a F.
Em 2003, Annie Wilkes ficou em 17º lugar na lista de 100 anos dos 100 heróis e vilões da AFI (American Film Institute). A cena "mancando" no filme, na qual Annie quebra os tornozelos de Paul com uma marreta, ficou em 12º lugar no programa de 2004 da Bravo, "The 100 Scariest Movie Moments". Em 2009, Chris Eggertsen de Bloody Disgusting classificou "Misery" em quarto lugar em sua lista de "10 filmes de terror claustrofóbicos".
Sendo assim eu concluo que "Misery" é um ótimo suspense psicológico, que consegue nos deixar incomodado, tenso e assustado, e logo após nos confronta com toda demonstração de loucura, obsessão, fanatismo e alienação. Além de ir ainda mais longe ao nos impactar com cenas com um nível de sadismo e psicopatia absurda. Aquele clássico gênero cativeiro totalmente inserido no clássico terror psicológico.
Como já mencionei anteriormente, "Misery" é um boa adaptação, não está entre as melhores, mas mantém o nível de qualidade, respeito e essência da obra literária, que obviamente é mais detalhada e mais abrangente na história como um todo. [15/07/2023]
Velozes e Furiosos 10
3.0 296 Assista AgoraVelozes e Furiosos 10 (Fast X / Fast & Furious 10) 2023
"Velozes e Furiosos 10" é dirigido por Louis Leterrier a partir de um roteiro escrito por Dan Mazeau e Justin Lin, ambos os quais também co-escreveram a história com Zach Dean. É a sequência de "Velozes e Furiosos 9" (2021), o décimo filme da franquia principal e a décima primeira parcela geral da franquia "Velozes e Furiosos". No filme, Dominic Toretto (Vin Diesel) deve proteger sua família de Dante Reyes (Jason Momoa), que busca vingança pela morte de seu pai e pela perda da fortuna de sua família.
Desde 2014 que foi confirmado que a franquia "Velozes e Furiosos" teria um décimo filme, logo esse décimo filme faria parte de uma nova trilogia iniciada em Velozes 8 e 9, além do décimo filme ser o último da trilogia porém dividido em duas partes, que será "Velozes e Furiosos 11", já confirmado para 2025. Sendo assim, temos aqui os capítulos finais de uma das franquias globais mais famosas e populares da história dos blockbusters e do cinema, que já está em sua terceira década e ainda com o mesmo elenco. Será que realmente a saga "Velozes e Furiosos" estará mesmo chegando ao seu final? Ou será que ainda teremos novas trilogias, novos filmes, se alongando até "Velozes e Furiosos 25"? De fato isso é uma possibilidade.
Novamente estou eu aqui de novo para falar que sou um fã da franquia "Velozes e Furiosos" desde os seus primórdios. Ou seja, desde o lendário roubo de carga de DVD's lá em 2001. Hoje, após 3 décadas de existência da franquia, tudo mudou, várias coisas se perderam na saga e outras foram ficando pelo caminho. São 22 anos de existência entre altos e baixos, entre trancos e barrancos, entre acertos e erros, entre várias mudanças que a franquia sofreu ao longo dos anos, além, é claro, a inesquecível e dolorosa perda de Paul Walker. Realmente a franquia sempre precisou se reinventar, renovar, se adequar aos novos tempos e às novas gerações. Para uma franquia durar tanto tempo como "Velozes e Furiosos", é óbvio que mudanças sempre seriam necessárias. É impossível uma saga durar tanto tempo, fazer tanto sucesso de bilheterias, se mantendo exatamente da forma que começou há mais de 20 anos atrás.
Primeiro vou contextualizar:
É óbvio que "Velozes e Furiosos" já me cansou com o rumo que a série tomou ao longo dos anos, e já confessei que sim, que a franquia "Velozes e Furiosos" já deveria ter acabado há muitos anos. Porém, se eu assisto "Velozes e Furiosos" até hoje é porque alguma coisa ainda me atrai, é porque ainda consigo gostar do elenco e do pouco da essência de "Velozes e Furiosos" que ainda resta nos filmes. Então não adianta eu assistir os filmes e depois reclamar que são galhofas, que são mentirosos, que são forçados, que é uma porcaria. O fato é, se você vai assistir "Velozes e Furiosos" você já sabe o que esperar, você já sabe que são produções galhofas, pastelonas, despretensiosas, descompromissadas com a realidade, que o único intuito é divertir e entreter.
Então é simples: ou você assisti com o senso crítico desligado e aceita a proposta que o filme te entrega, ou simplesmente você não assiste - você tem esta opção. Esta é minha opinião e ponto final!
Um ponto que me chama muito a atenção na franquia "Velozes e Furiosos" é exatamente a forma como eles escrevem os roteiros de cada filme.
Por exemplo: a franquia iniciou lá no início dos anos 2000, foi fazendo fama, ganhando público, conquistando milhares de fãs ao redor do mundo. Ou seja, fatalmente ganharia novos filmes, novas continuações e novos roteiros deveriam ser pensados. O fato é, quando se tem muitos filmes de uma única franquia, fica cada vez mais difícil escrever um roteiro inteligente e coerente com toda a história. E "Velozes e Furiosos" é exatamente isso, que é o fato de sempre tirarem uma história de dentro de outra história dos filmes passados. Sempre vai aparecer um irmão, um primo, um tio. Sempre alguém é irmão de alguém, sempre alguém é filho (filha) de alguém. Chega ser cômico e bizarro!
"Velozes e Furiosos 10" é exatamente dessa forma, pois aqui temos a inclusão do filho de Hernan Reyes (Joaquim de Almeida) lá de "Velozes e Furiosos 5: Operação Rio". Mais curioso ainda (e bem forçado por sinal) é toda construção que inventaram para nos fazer acreditar nessa possibilidade, que é o fato do Dante já estar presente naquela cena do roubo do cofre e na ponte. Ok né! Tudo bem! Algo para mostrar tipo: "Olha ele sempre esteve lá, ok! Não estamos inventando nada. Tem coerência." Tá, sei!
Mas confesso que foram competentes em criarem novas cenas com os novos personagens mesclando com as cenas do filme de 2011.
Por falar em Dante Reyes, Jason Momoa é uma excelente integração no elenco, algo que eu não via acontecer no elenco desde a entrada do Dwayne Johnson lá em 2010. Se formos falar de vilões, Momoa trouxe o que pra mim é o melhor vilão de toda a história da franquia "Velozes e Furiosos". E aqui temos um ponto bastante interessante na construção e desenvolvimento do vilão Dante, que é o fato dele ser diferente dos outros antagonistas como Deckard Shaw (Jason Statham), Cipher (Charlize Theron) e Jakob (John Cena). Ou pelo menos a sua ambição não é ser o superior de todo o universo, querer dominar o planeta, pois sua principal motivação é simplesmente fazer o Dom sofrer pela perda do seu pai e todo o dinheiro de sua família. E como ele fará este sofrimento? Atacando justamente o que o Dom mais preza na vida, que é sua eterna família.
Outro ponto interessante na construção da motivação do vilão Dante, é exatamente o questionamento que ele faz ao Dom, sobre ter uma grande família e em algum momento não poder (ou não conseguir) salvar ou proteger todo mundo.
Baseado nesse questionamento: Jason Momoa incorpora um vilão excêntrico, sádico, extravagante, cínico, lunático, irreverente, sem limites, sem escrúpulos, com a única intenção de instaurar o caos e o sofrimento para conseguir a sua vingança contra Dominic Toretto e sua família (principalmente seu filho). É realmente incrível a interpretação do Jason Momoa de um vilão cruel, caricato, sedento por vingança, com aquele comportamento psicótico que me remete diretamente ao Coringa. Jason Momoa é disparado o melhor acontecimento de "Velozes e Furiosos 10".
Vin Diesel é mais do mesmo. Imortalizado no papel da sua vida - Dominic Toretto.
Michelle Rodriguez teve participações pontuais no filme. Foi interessante aquele protagonismo feminino que ela teve juntamente da vilã (ou ex-vilã, não sei) Charlize Theron.
Tyrese Gibson e Chris "Ludacris" Bridges também são o mais do mesmo. Essa sempre perspectiva deles serem o alívio cômico dos filmes o defasaram demais. Já não tem mais a mesma graça de antigamente.
O mesmo também vale para a Nathalie Emmanuel, que também não tem mais a mesma relevância de antigamente.
Jordana Brewster já foi uma personagem relevante no contexto da história. Hoje em dia ela está cada vez mais escanteada. E aqui comprovamos exatamente isso quando ela é completamente esquecida pelo roteiro.
O mesmo vale para o Jason Statham e o Sung Kang, que também já estiveram em melhores posições de relevância dentro da franquia.
John Cena me surpreendeu positivamente nesse filme, visto seu claro e notável crescimento no personagem em relação ao "Velozes e Furiosos 9".
Brie Larson estava ali apenas para se divertir (ou por sua vontade própria de entrar para a franquia "Velozes e Furiosos"). Ela foi aquela típica personagem que não fez diferença em nada, que aparece no começo e reaparece no final, e só.
Completando o elenco com Scott Eastwood, Michael Rooker, Helen Mirren, Daniela Melchior, Alan Ritchson, Rita Moreno e Cardi B.
Ah, e não podemos esquecer da não menos importante Ludmilla (kkk). Confesso que eu não achei assim tão terrível a sua participação de garota da largada. Achei até aceitável dentro da proporção de uma corrida no Rio de Janeiro, mas não precisava daquele: "Cheeeeeguei!!!" (kkk)
Preciso destacar aquela cena na garagem logo no início, onde o Dom observa várias fotos do seu passado e de sua família, inclusive fotos icônicas dele junto com o Brian (Paul Walker). Nessa mesma cena a personagem da Rita Moreno (que foi escalada como a avó de Dom) o conforta com palavras. Uma bela cena com o instrumental da canção "See You Again" de fundo. Claramente podemos observar que nessa cena não era o Dominic Toretto ali, mas sim o próprio Vin Diesel se emocionando. Esta cena foi real, não foi uma atuação.
Agora uns pontos curiosos que eu me pergunto durante o filme:
Se tínhamos aquele filho do vilão lá de 2011 insaciável por vingança, porque demorou tanto para aparecer? Estava reunindo forças?
Qual o sentindo (ou motivo) em mudar o filho do Toretto? Será que não seria o caso de pedirem um exame de DNA no Ratinho?
E esta velha mania dos vilões dos filmes anteriores ajudarem nos próximos?
E esta velha mania de reviverem os mortos? Quando utilizaram as "Esferas do Dragão" que eu não vi?
Nessa onda de trazerem os mortos de volta à vida, já poderiam ter trazido de volta o lendário Vince (Matt Schulze).
Sung Kang sugeriu que os fãs iniciassem uma campanha de hashtag nas redes sociais, como fizeram com o seu próprio personagem com a tag "Justice for Han", para trazer de volta a Gisele de Gal Gadot para esta edição. Bem, parece que funcionou né. Afinal de contas na última cena vemos quem saindo de dentro do já lendário submarino? Simplesmente a lindíssima Gal Gadot e sua Gisele Harabo.
Em agosto de 2021, foi confirmado que Dwayne Johnson não apareceria mais em nenhum filme de "Velozes e Furiosos". Ou seja, muito curioso aquela cena pós-crédito com a aparição exatamente de ninguém mais ninguém menos que Luke Hobbs.
"Velozes e Furiosos 10" teve um orçamento de produção estimado em US$ 340 milhões, sendo o oitavo filme mais caro já feito. A produção arrecadou menos de $ 720,4 milhões em todo o mundo, tornando-se o terceiro filme de maior bilheteria de 2023. Além da sequência parte 2 com "Velozes e Furiosos 11" que está em desenvolvimento e programada para ser lançada em 2025, já está sendo desenvolvido o "Velozes e Furiosos 10: Hobbs and Reyes". Que nada mais é do que um filme solo do personagem Luke Hobbs interpretado por Dwayne Johnson e Dante Reyes de Jason Momoa que está previsto para sair em 2024. Assim como já aconteceu em 2019 com "Velozes & Furiosos: Hobbs & Shaw".
Por fim, "Velozes e Furiosos 10" entrega tudo que promete, que é exatamente uma produção forçada, exagerada, mentirosa, pastelona, galhofa e sem noção. Mas quem é que liga? Afinal de contas eu já estou mais do que acostumado e familiarizado com o que "Velozes e Furiosos" se tornou ao longo dos filmes e dos anos, que é exatamente aquela produção com o único intuito de divertir e entreter. [08/07/2023]
Psicose
3.1 467 Assista AgoraPsicose (Psycho) 1998
"Psicose" é produzido e dirigido por Gus Van Sant, roteirizado por Joseph Stefano (do clássico) e estrelado por Vince Vaughn, Julianne Moore, Viggo Mortensen, William H. Macy e Anne Heche. É um remake moderno de "Psicose" de Alfred Hitchcock de 1960, e ambos os filmes são adaptados da obra-prima literária de 1959 de Robert Bloch.
Ao longo da minha saga dentro do universo de "Psicose" eu sempre afirmei que a obra-prima do mestre Hitchcock sempre foi completamente irretocável e autossuficiente, sem a menor necessidade de continuações e muito menos remakes.
Já inicio com algumas perguntas extremamente importantes dentro da indústria cinematográfica:
Porque existe remake? Quem inventou os remakes? Quem teve a brilhante ideia de achar que obras irretocáveis do passado necessitavam de remakes? Qual a necessidade de reviver uma obra imortalizada e eternizada em um remake?
Fato é que os remakes sempre existiram, existem e continuarão existindo. Sempre alguém terá a magnífica ideia de pegar uma obra-prima do passado e reviver em um remake moderno. Sempre terá algum estúdio, alguma produtora, alguém que financie tais acontecimentos que na sua grande maioria são completamente desnecessários e dispensáveis.
Temos aqui um remake que se enquadra perfeitamente no caso de um remake completamente desnecessário e inteiramente dispensável. O remake de "Psicose" é simplesmente inexplicável, injustificável e inaceitável.
"Psicose" é praticamente um Ctrl+C e Ctrl+V do original, onde a principal diferença está exatamente na questão de ter sido filmado em cores (pois o clássico foi filmado em preto e branco). A outra questão é o fato da modernização da obra para o final dos anos 90, porém não deixa de ser uma recontagem cena a cena muitas vezes copiando os movimentos e a edição da câmera do próprio Hitchcock. Isso também inclui o roteiro original, além dos diálogos e da trilha sonora, cuja partitura musical de Bernard Herrmann (compositor do clássico) também é reutilizada, embora com um novo arranjo de Danny Elfman (compositor da trilha sonora da trilogia "Homem-Aranha", do Nolan) e Steve Bartek (ex-integrante da banda de rock "Oingo Boingo").
O diretor Gus Van Sant ("Gênio Indomável" de 1997, um de seus melhores filmes) sempre foi um grande admirador do clássico de 1960, e após o sucesso financeiro exatamente de "Gênio Indomável", a Universal Pictures concordou em optar por sua proposta de remake de "Psicose". Porém a proposta de Gus Van Sant em refazer o filme cena a cena gerou uma certa estranheza por parte do estúdio, que chegou a considerar uma ideia muito arriscada por parte do diretor. A própria ideia de refazer o clássico já era uma ideia muito arriscada e perigosa, pois vamos combinar que mexer em uma obra-prima clássica já é arriscado, ainda mais se tratando de um obra-prima de ninguém mais ninguém menos que o eterno mestre do suspense - o gênio Alfred Hitchcock. E o mais bizarro disso tudo foi o fato de Gus Van Sant ter sido perguntado o porque de refazer o clássico e o mesmo responder: "É um esquema de marketing. Porque sempre têm uma coisinha que esqueceram que poderiam colocar no mercado e ganhar dinheiro com isso."
A ideia em criar um remake de "Psicose" totalmente plano a plano foi inteiramente de Gus Van Sant. Pois ele próprio admitiu ter comprado uma versão original do filme em DVD e passou a dirigir seu filme tendo o original como base. Até os prováveis erros encontrados na versão clássica ele queria copiar em seu filme, sempre na intenção de fazer com que o seu "Psicose" fosse o mais parecido possível com o original. Sem dúvida a vontade de Gus Van Sant era ressuscitar o Hitchcock para que assim ele pudesse trabalhar ao lado do mestre nesse seu remake.
Além da projeção de um remake moderno de "Psicose" e as filmagens terem sido realizadas em cores, o longa apresenta pequenas diferenças em termos visuais, pequenos detalhes da trama, bem como as representações dos personagens pelos atores. Além da ideia de Gus Van Sant em atualizar alguns elementos de roteiro e ajustar as referências ao dinheiro que seriam anacrônicas em um cenário moderno. Ou seja, a quantia que Marion Crane (Janet Leigh) roubou no filme original foi de $ 40.000 dólares, já no remake a mesma Marion Crane (Anne Heche) roubou a quantia de $ 400.000 dólares. Outras mudanças perceptíveis estão justamente no Motel Bates, que ganhou uma modernizada em sua aparência, além da modernizada na icônica placa de entrada e a adição de um letreiro enorme com o nome do Motel sobre os quartos.
Se este remake de "Psicose" é praticamente 100% fiel à obra original, foi projetado e filmado nos moldes e plano a plano do clássico e ainda a cores. Então porque é um filme ruim?
Simplesmente por ser um remake sem brilho, sem alma, sem corpo, sem estruturas, sem conexão com o espectador, sem nenhuma relevância para o universo "Psicose", sem agregar ou somar nada para a franquia. É um remake completamente infundado, desprovido de brio, de inteligência, mal feito, mal projetado, sem identificação com nada, sem harmonia com nada. Um remake que nunca foi pedido por ninguém, completamente desnecessário, dispensável, inútil, pífio, sem graça, inexplicável, injustificável e inaceitável. Sem falar na escolha do elenco e suas interpretações, onde pra mim está o maior problema desse remake de "Psicose".
É incrível como o elenco desse remake é completamente inexplicável. E olha que não estamos falando de atores ruins, mas definitivamente nada deu certo em questões de elenco e seus personagens.
Vou começar pela única de todo o elenco que eu ainda consegui gostar, que é justamente a Anne Heche (infelizmente falecida em agosto do ano passado). Anne conseguiu se encaixar até que bem na personagem, e olha que esta é uma tarefa dificílima, pois estamos falando de uma personagem que ficou imortalizada pela eterna e saudosa Janet Leigh. Porém confesso que a versão de Marion Crane da Anne Heche ficou boa, se destacando como a única personagem aceitável de todo o elenco. E olha que a Marion Crane foi inicialmente programada para ser interpretada por Nicole Kidman, mas ela foi forçada a deixar o papel devido a problemas de agendamento. Drew Barrymore também foi considerada para o papel antes de Anne Heche ser escalada.
Se eu falei da melhor personagem desse remake, agora eu preciso destacar o pior:
Vince Vaughn ("Até o Último Homem", de 2016) foi uma péssima escolha para reviver o papel de um dos maiores maníacos e psicopatas da história do cinema. Quem em sã consciência achou que o ator se encaixaria bem no lendário e eterno Norman Bates? E pior, quem aceitou esta escolha? E o problema aqui é tudo, desde o próprio Vince Vaughn, que é um ator apenas ok, passando pela sua interpretação de Norman Bates punheiteiro que é horrível, e aquela sua atuação decadente de um Norman Bates com 1 metro e 96 centímetros. Vince Vaughn já tem a cara de psicopata, só de olhar para ele em sua primeira aparição em cena você já identifica exatamente isso, principalmente quando ele exibe seu primeiro sorriso amarelo para a Marion. Mas nem isso o ajudou, o que o deixa como uma ofensa para a memória do lendário Norman Bates do saudoso Anthony Perkins.
Julianne Moore ("May December", desse ano) é uma excelente atriz, que ao longo de sua carreira já nos brindou com ótimas personagens, como a eterna e inesquecível Marlene Craven no clássico incompreendido "A Mão Que Balança o Berço", de 1991. Aqui nesse remake a própria Julianne Moore disse que optou intencionalmente em retratar a personagem Lila Crane como uma personalidade mais agressiva em contraste com a icônica interpretação de Vera Miles, no original. Devo afirmar que esta decisão da Julianne foi uma péssima escolha, pois sua versão de Lila Crane é horrorosa, completamente destoada, desorganizada, sendo excessivamente forçada. Se tem uma palavra que define perfeitamente a atuação da Julianne, esta palavra é forçada, pois ela força o tempo todo para sua personagem ser mais agressiva, ser mais rebelde, parecer ser muito corajosa, que no fim ficou uma atuação banal e muito ruim.
O grande ator William H. Macy (completamente impecável em "Fargo", de 1996) caiu de paraquedas no meio dessa bagunça. O próprio ator disse optou por permanecer fiel ao retrato de seu personagem no filme de 1960. Porém ele não ficou assim tão fiel, pois o icônico Detetive Arbogast do Martin Balsam era muito mais agressivo, mais desafiador, mais debochado em suas investigações, principalmente quando estava desafiando o Norman Bates. Já a versão de Arbogast do William H. Macy é mais branda, mais suave, ele próprio transparece uma personalidade mais amena, mais serena, que parece não estar muito preocupado com o caso.
Já o galã da época, Viggo Mortensen ("Green Book", de 2018), é uma versão de Sam Loomis completamente perdida no filme. E quando ele está contracenando com a Julianne Moore fica pior ainda. Outra péssima escolha de elenco desse remake.
Um ponto positivo desse remake está justamente por ser uma versão modernizada a cores, que obviamente as cenas com sangue vai demonstrar uma violência gráfica muito maior que o original. No clássico a película em preto e branco foi feita por opção do próprio Hitchcock, que considerava que a cores o filme ficaria ensanguentado demais, ou seja uma preocupação com a recepção do público da época. Exatamente por este motivo que a obra de 1960 apresenta pouco derramamento de sangue visual em suas sequências de assassinato. Já o remake apresenta uma violência mais explícita, particularmente durante a sequência da icônica cena no chuveiro; onde o sangue é mostrado escorrendo pelos ladrilhos da parede, bem como visíveis facadas nas costas de Marion Crane quando ela desmaia na banheira, além de ainda mostrar as nádegas da personagem quando ela morre, aspecto cortado do filme original.
Outro ponto positivo é exatamente a presença da clássica trilha sonora estridente, incomoda e penetrante de Bernard Herrmann. Principalmente na lendária cena do chuveiro, onde fez total diferença com a violência mais explícita devido a presença do sangue a cores. Sem falar que aquela música instrumental clássica do original era tocada em praticamente 100% das cenas (principalmente no início).
"Psicose" foi lançado nos Estados Unidos em 2.477 cinemas, ficando em segundo lugar nas bilheterias domésticas com uma receita bruta de fim de semana de $ 10.031.850. O remake passou a ganhar um total de $ 37.141.130 na bilheteria mundial e $ 21.456.130 no mercado interno. O orçamento de produção do filme foi estimado em US$ 60 milhões.
O longa-metragem foi premiado com dois prêmios do Framboesa de Ouro de 1999, sendo para Pior Remake e Pior Diretor para Gus Van Sant, enquanto Anne Heche foi indicada para Pior Atriz, onde perdeu o troféu para as "Spice Girls" pelo "Spice World". Por outro lado, no 25º Saturn Awards, o filme foi indicado ao Saturn Awards de Melhor Atriz Coadjuvante por Anne Heche e Melhor Roteiro por Joseph Stefano.
No Rotten Tomatoes, "Psicose" detém um índice de aprovação de 40% com base em 78 avaliações, com uma classificação média de 5,30/10. O consenso dos críticos do site diz: "O remake é totalmente sem sentido pois não melhora e nem ilumina o original de Hitchcock". No Metacritic, o filme tem uma pontuação média ponderada de 47 em 100, com base em 23 críticos, indicando críticas mistas ou médias.
Este remake de "Psicose" é tão sem sentindo que o próprio Gus Van Sant admitiu mais tarde que fazer o remake da forma que ele fez foi um experimento que provou que ninguém pode realmente copiar um filme exatamente da mesma maneira que o original. Antes tarde do que nunca né Gus Van Sant, pelo menos admitiu que fez mer$#@.
Por fim, temos aqui mais um clássico caso do remake infundado, desnecessário, dispensável, inexplicável, injustificável e inaceitável. Isso só prova que uma obra irretocável e autossuficiente como o clássico do mestre Hitchcock jamais deveria ter sido cogitado a ideia de fazer um remake.
Como minha mãe sempre diz: "não mexe com quem tá quieto!!!"
Termino afirmando que eu como fã do eterno clássico do mestre Hitchcock e da obra-prima literária de Robert Bloch, me recuso a aceitar que este filme carregue em seu título o nome de "Psicose".
Sem mais!
[28/06/2023]
Psicose 4: O Começo
2.9 107TEM SPOILERS!
Psicose 4: O Começo (Psycho IV: The Beginning) 1990
"Psicose 4" foi feito direto para a televisão (sendo o primeiro filme a ser rodado na Universal Studios na Flórida), sendo dirigido por Mick Garris e novamente sendo roteirizado por Joseph Stefano (que é o roteirista do clássico de 1960). O longa-metragem serve tanto como a terceira sequência da série de filmes quanto como uma prequela de "Psicose" do mestre Hitchcock, com foco no início da vida de Norman Bates. O filme inclui ambos os eventos após "Psicose 3" enquanto foca em flashbacks de eventos que aconteceram antes do clássico. É o quarto e último filme da franquia original de "Psicose", e a última aparição de Anthony Perkins na série antes de sua morte em 1992.
"Psicose" (1960) é aquele clássico absoluto, aquela obra-prima irretocável, aquela obra de arte impecável, simplesmente um dos melhores filmes de suspense de todos os tempos, sendo completamente autossuficiente e sem a menor necessidade de continuações e desmistificação acerca do Norman Bates. Porém, "Psicose 2" é aceitável como um continuação do clássico, e muito por conter um roteiro novo e que soa bastante intrigante e curioso. Já "Psicose 3" não tem jeito, definitivamente é o pior filme da série original de "Psicose", e exatamente por ser uma continuação completamente perdida e desnecessária, com um roteiro péssimo e um elenco deprimente (tirando o Anthony Perkins, é claro).
"Psicose 4" eu vejo na mesma linha de "Psicose 2", que é justamente uma continuação desnecessária e dispensável, porém coerente e aceitável. O mais curioso (e absurdo) desse roteiro de "Psicose 4" é justamente o fato de Norman Bates ter sido novamente solto e reintegrado na sociedade, além de ter se casado e sua esposa estar grávida. Ou seja, totalmente tranquilo e aceitável um maníaco psicopata do calibre do Norman Bates ter sido liberado do sanatório pela segunda vez e ter constituído uma família. Mas ok! Vamos ignorar esta parte do roteiro.
Quando eu afirmo que "Psicose 4" tem um roteiro aceitável, é justamente por nos trazer uma visão sobre o início de toda a história, nos mostrar o começo de Norman Bates, que até então era uma parte nunca explorada nos filmes anteriores e que poderia facilmente despertar a nossa curiosidade. E foi exatamente nesse fator que o roteiro se apegou, em nos contar a história de Norman Bates desde a sua infância, passando pelo falecimento de seu pai, até chegar em sua adolescência e seus primeiros envolvimentos com as garotas. Envolvimentos esses que eram sexuais e que eram sempre repreendido por sua mãe, que aplicava uma forte repressão sexual em Norman. De fato esse é um ponto muito curioso e muito interessante em "Psicose 4", nos mostrar como foi a criação e a educação que a mãe aplicou em Norman. Ou seja, nos mostrar em como ela teve participação e uma influência direta na formação de caráter de Norman Bates, em como ela transformou seu próprio filho em um demônio perturbado e psicopata.
E aqui entra o formato que o filme apostou e que eu achei interessante para todo o contexto que a história estava sendo contada. Que é justamente um formato que mostra o presente, com o Norman Bates decidindo ligar para um programa de rádio para contar sobre seu matricídio, com aquele contraponto de todos os abusos que sua mãe o expunha durante boa parte de sua adolescência sendo revividos através de flashbacks. De fato eu considero um acerto este formato que história foi contada, pois ter o próprio Norman do presente narrando os acontecimentos do Norman do passado deu mais peso e mais corpo para toda a história, além de criar uma motivação e uma relevância ainda maior sobre os flashbacks que eram apresentados. Sem falar que todo contexto que estava sendo desenvolvido através das ligações de Norman, deu um direcionamento para as pessoas que o ouvia sobre o planejamento do seu próximo assassinato.
Outro ponto que foi trazido exclusivamente para "Psicose 4" e que é bastante contundente, é exatamente nos elucidar sobre a mente deturpada e doentia de Norman Bates, nos mostrar seus primeiros assassinatos, e ir ainda mais além, que é nos apresentar a figura da Sra. Bates e nos mostrar que se Norman Bates era desequilibrado e perturbado, sua mãe era muito pior.
Incrível como a Norma Bates (Olivia Hussey) foi a principal responsável pela transformação de seu próprio filho durante a fase da infância para a adolescência. Incrível como a própria mãe impunha todos os limites cruéis para o próprio filho, em como ela o machucava com as palavras, que sim, as suas palavras o marcavam mais que qualquer tipo de violência física. Incrível em como a própria mãe foi a responsável pela criação e a transformação de um psicopata.
Este é o ponto alto do roteiro de "Psicose 4", exatamente a abordagem acerca dos distúrbios psicológicos de Norman Bates, que foram adquiridos através da sua própria mãe. E aqui entra um ponto ainda mais intrigante dentro filme, que é o "Complexo de Édipo" e o "Complexo de Jocasta" que Norman sofria durante sua adolescência, que era justamente o desejo sexual pela mãe que ele teoricamente sentia. O filme não deixa isso evidente, mas dá a entender que a mãe também teria alguma atração sexual pelo Norman, como o fato dela sempre deixar claro que não queria que ele se envolvesse sexualmente com outra garota, que ele seria só dela, seria sempre o filhinho da mamãe. Podemos até comprovar tais fatos como naquela cena que ela pede que ele retire toda a sua roupa molhada e se deite agarrando ela junto ao seu corpo nu. Além de outras cenas que mostrava o Norman sobre o corpo da mãe e ele ficando excitado por estar tocando com o membro nela e ela ainda percebia sua excitação. É nessa hora que Norma impõe uma castração simbólica em Norman, exigindo que ele se aceitasse como uma menina. É também nessa hora que Norma obriga Norman a usar vestido e batom, ativando assim vários gatilhos e distúrbios psicológicos em Norman.
É muito claro que existia um abuso da Norma com o filho. Agora até que ponto ia esse abuso não sabemos, pois o próprio Norman afirmou durante uma de suas ligações que nunca houve um incesto. E todos esses abusos que a mãe estabelecia sobre Norman inevitavelmente ativou o seu gatilho dos ciúmes. Pois quando ela passa a namorar e passa a transar abertamente com seu namorado, isso atacava diretamente a mente de Norman, que naquela altura já estava completamente desequilibrada e perturbada, pois a mãe sempre considerou o Norman como o único homem da casa. Todo esse comportamento da mãe fatalmente levou Norman a cometer o matricídio (assassinato da própria mãe).
Sobre o assassinato da mãe e do seu namorado, o roteiro segue exatamente a história que conhecemos e que vem sendo contada desde o clássico, que foi feito através do envenenamento. Por sinal a partir desse ponto em questão temos algumas cenas bem interessantes e que ficaram boas no contexto geral do filme. O desfecho final eu já acho que perdeu um pouco do peso e da credibilidade que tinha sido conquistada no decorrer de toda a história. Sendo justamente pela a decisão do Norman em levar a sua esposa Connie (Donna Mitchell) até a antiga casa da mãe para assassiná-la juntamente de seu filho que ela estava esperando. Todo discurso que foi criado pelo próprio Norman que o evidencia em tal decisão em matar o próprio filho, eu achei bem questionável. Porém, no final temos uma cena pouco provável, que é justamente aquele desfecho final fofinho e feliz com o poder do amor tocando o coração do Norman Bates, quem diria. Acho que todas aquelas ligações e seus depoimentos lhe serviram como uma terapia para agir dessa forma exatamente no final. Pois ele próprio decide se livrar de tudo que esteja ligado com o seu passado, como a própria casa da mãe, que ele decide tocar fogo em tudo.
É uma sequência de cenas até interessantes, mostrando a mente perturbada de Norman revivendo os fantasmas dos seus assassinatos dentro da casa no meio do incêndio. E no fim ele profere a frase: "Estou Livre!" Por outro lado o porão mostra que o espírito da sua velha mãe jamais sairá dali.
Se em "Psicose 3" temos um elenco completamente medíocre, em "Psicose 4" todos estão bem e funcionam perfeitamente dentro da proposta de cada um para a história.
Pela primeira vez na história o maior destaque de um filme "Psicose" não é o Anthony Perkins e seu lendário Norman Bates. Dessa vez o maior destaque desse elenco é sem dúvida a Olivia Hussey ("Romeu & Julieta", de 1968) e sua admirável Norma Bates. Eu fiquei boquiaberto com o nível de entrega de Olivia Hussey em sua personagem, que por sinal era uma MILF muito irresistível. Era realmente difícil o Norman resistir aos encantos da Norma naquela época, fatalmente ela destruiria toda a sua mente e sua cabeça, como ela realmente fez. Olivia Hussey personificou uma Norma Bates completamente desequilibrada, desestabilizada, perturbada, doentia, perversa, má, soturna, doente, que expunha todos os limites mentais do seu próprio filho, que lhe exigia comportamentos extremos e cruéis, sempre com uma postura depravada, com um sorriso maléfico e uma mente completamente sádica. A personagem Norma Bates foi oferecida a Olivia Hussey, que não precisou fazer qualquer teste para o papel; e ela simplesmente incorporou uma excelente, uma impecável Norma Bates.
Outro fato inédito é a própria apresentação do Anthony Perkins, que dessa vez não era o mesmo Norman Bates que conhecemos, não tinha o mesmo vigor, não teve a mesma relevância, não teve a mesma atuação, ficando bem aquém do que ele próprio já apresentou anteriormente. Olhando para o Perkins em cena fica claro que ele não estava a vontade no personagem como ele sempre esteve, dessa vez algo o incomodava, algo o atrapalhava, ele já mostrava sinais de cansaço, de esgotamento, já nos mostrava estar bem debilitado fisicamente e até mentalmente. Podemos associar tudo isso que eu descrevi pelo fato da sua doença, pois Perkins sofria com AIDS e pneumonia, vindo a falecer com menos de dois anos do lançamento de "Psicose 4". O filme foi lançado nos EUA em 10 de novembro de 1990 e Anthony Perkins faleceu em sua residência na Hollywood Hills em 12 de setembro de 1992, por complicações relacionadas à SIDA (síndrome de imunodeficiência adquirida). O mundo do cinema perdia um artista naquele dia.
Henry Thomas (o Jack Torrance de "Doutor Sono", de 2019) foi outro grande destaque no filme. Henry foi o responsável em dar vida para o jovem Norman Bates, contracenando diretamente com a Olivia Hussey. Henry trouxa a figura de um adolescente assustado, tímido, acanhado, quando o assunto era direcionado à garotas. Sempre mantendo uma postura sisuda, introspectiva, sombria, onde seu principal meio de comunicação era seus pensamentos ocultos. Em cena Henry esteve muito bem no personagem, contracenou perfeitamente com a Olivia e se mostrou muito seguro e muito corajoso.
CCH Pounder (a Mo'at de "Avatar: O Caminho da Água", de 2022) foi a personagem Fran Ambrose, a Locutora do programa de Rádio que o Norman sempre acompanhava e decidiu ligar para contar a sua história. Pounder conseguiu se destacar com sua personagem que a princípio era uma simples locutora interessada na história do Norman, mas logo após ela ganha mais relevância na história quando ela descobre o plano de Norman relacionado ao seu próximo assassinato.
Mick Garris estava fazendo a sua estreia no cinema ao dirigir "Psicose 4". E ele foi até bem nessa sua estreia dentro das suas possibilidades e suas limitações. Já relacionado a trilha sonora, aqui temos a única das sequências de "Psicose" a usar a trilha sonora composta pelo lendário Bernard Herrmann para o filme original. Por sinal a abertura do filme já inicia com aquela clássica música tema de "Psicose". Este é o ponto alto da trilha sonora de Graeme Revell (lendário compositor da icônica trilha de "A Mão Que Balança o Berço", de 1991), o seu poder de nostalgia.
Agora eu trago algumas curiosidades sobre "Psicose 4":
- Quando Norman Bates fala pela primeira vez no programa de rádio ele diz que seu nome é Ed. Robert Bloch, autor do livro o qual "Psicose" foi baseado, criou Norman Bates tendo por base um serial killer verídico chamado Ed Gein, que atacava no estado de Wisconsin, nos EUA.
- O psicólogo deste filme chama-se Leo Richmond, que foi interpretado por Warren Frost. Trata-se de uma referência a Fred Richmond (interpretado por Simon Oakland), personagem de "Psicose" original, de 1960.
- Janet Leigh, estrela de "Psicose" original, apresentou "Psicose 4" em sua primeira exibição na TV americana.
- As filmagens de "Psicose 4" duraram apenas 24 dias, porém vários finais diferentes foram rodados, de forma a manter em sigilo o escolhido.
- Os turistas que visitam o Universal Studios na Flórida podem visitar a casa onde as filmagens de "Psicose 4" aconteceram.
Por fim, temos aqui o quarto e último capítulo da clássica franquia de "Psicose" (pois em 1998 tivemos apenas o contestável remake do original). Assim como já afirmei em minhas análises passadas, de fato o clássico do mestre Hitchcock sempre foi considerado irretocável e autossuficiente, sem nenhuma necessidade de remexer nesse universo que já estava imortalizado e eternizado na cabeça de todos nós cinéfilos. Mas como já é de praxe, a produtora detentora dos direitos comerciais jamais deixaria o filme morrer e muito menos o seu protagonista ser esquecido. Sendo assim o universo de Norman Bates foi revivido e revirado nessas três contestáveis continuações - que por si só todas já soam como continuações desnecessárias e dispensáveis.
Porém, "Psicose 4" é sim um bom filme, que além de tudo ainda teve influências direta na série "Bates Motel" (2013 / 2017), se destacando como uma boa continuação (que funciona como prequela) aceitável e coerente, que consegue prender a nossa atenção com um bom elenco, com um bom roteiro, que confronta fatos do presente e do passado dentro da mesma história, e ainda nos exemplifica como foi a participação direta da Sra. Bates na formação e desenvolvimento de um dos maiores maníacos e psicopatas da história do cinema - o lendário e eterno Norman Bates. [23/06/2023]
Psicose III
2.8 115 Assista AgoraTEM SPOILERS!
Psicose 3 (Psycho III) 1986
"Psicose 3" é o terceiro filme da franquia "Psicose", novamente sendo estrelado por Anthony Perkins, que além de reprisar o papel de Norman Bates, agora ele também dirige o filme. O roteiro é escrito por Charles Edward Pogue. "Psicose 3" não tem relação com o terceiro romance de Robert Bloch, "Psycho House", pois o mesmo foi lançado em 1990.
O filme se passa um mês após os eventos de "Psicose 2", onde Norman Bates ainda dirige o Motel Bates com o cadáver da Sra. Emma Spool (Claudia Bryar) ainda abrigado em sua casa. Maureen Coyle (Diana Scarwid), uma freira suicida por quem Norman se apaixona, chega ao Motel junto com um vagabundo chamado Duane Duke (Jeff Fahey). Uma repórter também tenta resolver o misterioso desaparecimento da Sra. Spool enquanto alguém começa outra onda de assassinatos.
"Psicose 3" marca a estreia de Anthony Perkins como diretor. E ele já abre seu filme prestando uma verdadeira homenagem ao seu grande mentor, o eterno mestre Alfred Hitchcock. Pois bem, a cena de abertura nos mostra uma noviça que se encontra em um estado suicida no topo de uma torre de uma igreja. Logo após a madre superiora despenca lá de cima quando ela tentava recobrar a razão da jovem freira, que sempre proferia a frase "Deus não existe!", e na cena a câmera pega exatamente o ângulo de cima da madre caindo. Ou seja, temos ali uma clara referência ao filme "Um Corpo que Cai" (Vertigo, de 1958) do mestre Hitchcock. Achei muito interessante que na sua estreia como diretor, Perkins decidisse criar uma cena que tivesse ligações direta como toda a sua história em "Psicose 3", porém soando como uma grande homenagem ao eterno mestre do suspense.
Anthony Perkins queria ir mais além em suas homenagens ao mestre Hitchcock, pois ele sugeriu que "Psicose 3" fosse rodado em preto e branco (como uma homenagem ao clássico de 1960), porém a Universal Pictures vetou a sua ideia. Eu acredito que na década de 60 essa decisão em rodar a obra em preto e branco foi uma decisão acertada do mestre Hitchcock, até pela censura da época e para não chocar o público também da época. Já nos anos 80 a censura já não era assim tão rígida, as produções cinematográficas já apresentavam melhor todo o gore em seus slasher movies. É claro que a Universal Pictures queria potencializar a violência e o gore em "Psicose 3", queria demonstrar a violência extrema de um dos maiores maníacos e psicopatas da história do cinema em cores.
Em "Psicose 2" eu afirmei que a obra-prima do mestre Hitchcock era autossuficiente e irretocável, sem nenhuma necessidade em criar continuações ou remakes. Logo todas as produções que vieram após o clássico de 1960 eu considero como desnecessárias e dispensáveis. "Psicose 2" também entra na lista de continuações desnecessárias e dispensáveis, porém o roteiro do filme é interessante e constrói uma nova história que soa intrigante e desperta a nossa curiosidade. Que é justamente toda abordagem acerca do Norman Bates e sua reabilitação se referindo ao seu comportamento quando ele volta a reintegrar uma sociedade. Ou seja, por mais autossuficiente que a obra-prima do mestre Hitchcock foi, mas "Psicose 2" ainda é aceitável dentro desse universo como uma continuação do clássico. Já em "Psicose 3" eu não posso afirmar o mesmo.
"Psicose 3" é a verdadeira personificação de uma continuação completamente desnecessária e dispensável. O roteiro é péssimo, vergonhoso, pífio, onde o mesmo é mal escrito, mal desenvolvido, mal projetado, nos trazendo uma história sem nenhum sentido, sem agregar absolutamente nada e sem nenhuma relevância dentro do universo "Psicose". O roteiro de "Psicose 3" é inteiramente perdido e totalmente bagunçado, pois é nítido como o roteirista se perdeu ao escrever um texto que passa o tempo todo tentando se achar e atirando para todos os lados. Pois aqui temos tantos personagens e tantas histórias se misturando e se esbarrando uma na outra, que no fim nenhuma foi bem abordada e nenhuma teve um fechamento no mínimo interessante.
Vamos lá:
Temos a história da noviça revoltada, atormentada e perturbada, que foge do convento e vai para o Motel, e depois novamente tenta se suicidar e vê uma aparição da Virgem Maria. Temos um zé ninguém que se intitula músico e decidi aceitar o emprego no Motel Bates unicamente para levantar uma grana e depois cair fora. Temos uma repórter se intrometendo na vida do Norman pelo fato dela querer saber mais sobre a sua história para um artigo sobre serial killers que ela está preparando. Ou seja, temos uma mistureba só, uma verdadeira salada de fruta do roteiro.
Em "Psicose 2" eu também afirmei que o roteiro se mostrava até autêntico, sem precisar fazer uso de uma cópia barata do clássico sessentista. Novamente não posso dizer o mesmo de "Psicose 3". Pois aqui me soa como uma cópia barata exatamente na decisão em trazer a personagem Maureen Coyle com uma extrema semelhança da personagem clássica da Marion Crane (Janet Leigh). E a explicação era justamente que a personagem se assemelhasse ao máximo com Marion para causar um transtorno e perturbar a mente do Norman Bates, que obviamente iria se lembrar de todo o ocorrido na clássica cena do chuveiro. Sem falar que ainda colocaram as iniciais MC em sua mala para confundir ainda mais a mente perturbada do Norman, que logo desperta um desejo por ela. Não gostei dessa construção na história, achei totalmente sem criatividade e só mostra a extrema fragilidade e superficialidade desse roteiro.
Novamente temos toda abordagem sobre a figura oculta da Sra. Bates, que agora nada mais é do que a Sra. Spool. E aqui entra mais um ponto confuso e mal desenvolvido desde o final de "Psicose 2", que é todo esse discurso de quem é mãe e quem é tia de Norman Bates. "Psicose 3" perdeu muito a sua essência e o seu teor de suspense, de mistério, de sombrio e consequentemente do terror. Agora temos uma verdadeira farofa que passa por investigativo, sobrenatural, romance, cenas eróticas e até analogias religiosas. Sem falar que aqui as mortes são mais violentas se comparadas com os filmes anteriores, tem mais sangue, mais gore, praticamente um slasher movie oitentista. Porém, as mortes podem até ser mais violentas pela presença do sangue mais explícito, mas não deixam de ser mortes bem patéticas.
Outro ponto bastante questionável em "Psicose 3" é justamente às tentativas em construir reviravoltas coerentes dentro da história - o que não deu lá muito certo! Inicialmente o roteiro de Charles Edward Pogue (junto com a vistoria de Anthony Perkins) indicava que o personagem Duane fosse o verdadeiro assassino da história, ao copiar os passos de Norman Bates reproduzindo os crimes por ser obcecado pelo psicopata. Logo a Universal Pictures vetou a ideia, alegando que o vilão do filme precisava ser Norman Bates (como sempre). A própria Maureen não seria a noviça rebelde, ela seria uma psiquiatra neurótica que foi enviada para substituir o Dr. Raymond (Robert Loggia) do filme anterior. E pasmem, a personagem da noviça estava sendo designada para ninguém mais ninguém menos que a Janet Leigh (a icônica Marion Crane), que voltaria como uma outra personagem para atormentar a mente de Norman Bates. Eu confesso que fiquei curioso se esta decisão do roteiro tivesse sido levado adiante, porém, novamente a Universal vetou essa ideia.
O elenco de "Psicose 3" não tem nenhum destaque e nenhuma relevância, tirando obviamente o Anthony Perkins.
Perkins já é a personificação de Norman Bates, já está imortalizado e eternizado no personagem. E aqui novamente ele dá um verdadeiro show na pele do psicopata, sendo perfeito e impecável em 100% das suas cenas (não tem como, ele é magnífico).
Diana Scarwid foi até esforçada em sua personagem Maureen.
O mesmo vale para o Jeff Fahey e seu depravado e desocupado Duane Duke.
Já a Roberta Maxwell é totalmente perdida na história junto com sua personagem Tracy.
Se na questão da interpretação de Norman Bates o Anthony Perkins é um verdadeiro mestre, já não posso dizer o mesmo dele como diretor, que obviamente deixou a desejar e infelizmente não aconteceu. Já na questão da trilha sonora, Perkins abordou pessoalmente o compositor Carter Burwell para que ele se encarregasse da trilha de seu filme. Já que Perkins havia gostado do seu primeiro trabalho em "Gosto de Sangue" (de 1984 dos irmãos Coen). Perkins afirmou que queria levar a trilha sonora de seu filme em uma direção mais contemporânea do que Jerry Goldsmith fez para sua trilha mais tradicional em "Psicose 2".
"Psicose 3" arrecadou $ 3,2 milhões no fim de semana de estreia e arrecadou $ 14,4 milhões nas bilheterias domésticas dos Estados Unidos com um orçamento de $ 8,4 milhões, tornando-se o capítulo menos rentável da franquia "Psicose".
Infelizmente "Psicose 3" não aconteceu, não conseguiu chegar nem perto do horror elementar do clássico e se tornou apenas mais um capítulo perdido no meio de toda a franquia. Com certeza aqui temos o velho caso de uma continuação infundada, desnecessária e dispensável, que tenta desesperadamente envolver o espectador com um roteiro péssimo, cheio de incongruências, com um elenco medíocre e um final irrelevante. Uma verdadeira mancha no universo de "Psicose". [17/06/2023]
Psicose 2
3.3 213 Assista AgoraPsicose 2 (Psycho II) 1983
"Psicose 2" é dirigido por Richard Franklin, escrito por Tom Holland e estrelado por Anthony Perkins, Vera Miles e Meg Tilly. É a primeira sequência do eterno clássico "Psicose" do mestre Alfred Hitchcock de 1960 e o segundo filme da franquia "Psicose". Situado 22 anos após o original, o longa segue Norman Bates (Perkins) depois que ele é liberado da instituição mental e retorna para a casa e para o Bates Motel para continuar uma vida normal. No entanto, seu passado conturbado continua a assombrá-lo quando alguém começa a assassinar as pessoas ao seu redor. O filme não tem relação com o romance "Psicose 2" de 1982 de Robert Bloch, que ele escreveu como uma sequência de seu romance original de 1959, "Psicose".
Recentemente eu tive a honra de ler a obra-prima de Robert Bloch - "Psicose". É de fato uma experiência incrível, surreal, arrebatadora, envolvente, misteriosa, enigmática e bastante sombria. Virou um dos meus livros da vida, principalmente por colocá-lo como um dos maiores thrillers da literatura de todos os tempos. Já esta continuação - "Psicose 2" - eu confesso que desconhecia da sua existência, sequer tinha imaginado que o Robert Bloch havia escrito uma segundo livro como continuação de "Psicose". Ainda não pesquisei, mas acho que deve ser difícil encontrar versões em português.
Com a ideia de fazer uma continuação do clássico de 1960, a Universal decidiu contratar o desconhecido (na época) Tom Holland para escrever o roteiro (mais tarde ele seria conhecido como o lendário diretor de "A Hora do Espanto", de 1985, e "Brinquedo Assassino", de 1988). A Universal queria que o Tom Holland escrevesse um roteiro totalmente diferente, já que essa continuação não foi baseada no segundo livro da sequência de "Psicose" de Robert Bloch. Já a direção ficou a cargo do diretor australiano Richard Franklin, aluno do mestre Hitchcock. O filme marcou a estreia de Franklin no cinema americano.
Primeiramente vamos deixar um ponto bem claro aqui: "Psicose" (1960) é um clássico irretocável, uma obra-prima da sétima arte, uma obra de arte impecável, um dos melhores filmes de suspense de todos os tempos, livre de qualquer comparação, amarração ou semelhança. Ou seja, é uma obra única, imortalizada e completamente eternizada em todos os corações cinéfilos. Disto isto, idealizar e construir uma continuação de uma obra como "Psicose", de fato é uma tarefa extremamente difícil, até para o próprio Hitchcock, que é simplesmente o eterno mestre do suspense e um dos maiores diretores da história do cinema.
Obviamente seria mais do que normal e aceitável que todo mundo criasse um certo bloqueio referente à esta obra, até por achar uma continuação completamente desnecessária e dispensável. E se analisarmos friamente de fato é uma continuação desnecessária e dispensável, que ninguém pediu, que não clamava por urgência, pois o clássico de 1960 já é autossuficiente, ou seja, não precisava ser revivido e ter uma continuação. Porém, devo confessar que aqui temos algo improvável, que parecia impossível de acontecer, que é justamente uma continuação de uma obra irretocável que não mancha a sua história e o seu legado, e ainda consegue prender a nossa atenção como uma nova construção na história que desperta a nossa curiosidade nos fazendo criar novas expectativas inseridas em um ótimo suspense (apesar das revelações finais serem ruins).
O maior acerto dessa obra é construir a sua própria identidade e não soar como uma simples cópia do clássico, o que naturalmente seria o mais provável. Outro grande acerto foi reviver o Norman Bates e a Lila Crane (que agora passou a ser Lila Loomis) sendo interpretados novamente por Anthony Perkins e Vera Miles. Só faltou mesmo o mestre Hitchcock novamente na direção, mas infelizmente ele havia falecido três anos antes, em abril de 1980.
O roteiro de "Psicose 2" pode até ser questionável nas partes finais, mas é de fato inteligente e foi bem idealizado. Pois é interessante essa ideia de redenção do Norman Bates, de poder ser reabilitado e reintegrado na sociedade, de poder conviver em sociedade, ter um emprego normal, tentar ser uma pessoa normal. Apesar de particularmente eu não acreditar muito em reabilitação, e no caso do Norman Bates, acredito que ele jamais será reabilitado e libertado da sua mente deturpada. E mais interessante ainda é o fato de parecer que realmente ele quer ser reabilitado e reintegrado na sociedade (pelo menos inicialmente é isso que nos passa). Outro ponto que eu achei bem curioso e soa muito intrigante para o desenrolar de toda a história, é o fato de usarem a própria Lila (irmã da Marion) para idealizar uma vingança contra o Norman Bates que foi libertado da justiça.
"Psicose 2" já me ganhou em sua cena de abertura, que nada mais é do que a lendária cena do chuveiro do clássico. Esta é uma das cenas mais emblemáticas da história do cinema, ainda mais por contar com aquela trilha sonora inquietante, estridente e perturbadora, e poder rever novamente esta cena é no mínimo um deleite perturbador para qualquer cinéfilo. Ao longo do filme temos várias referências ao clássico, como os inúmeros enquadramentos, as tomadas de câmeras, os takes e os focos mais fechados nos personagens. Realmente o diretor foi um bom pupilo do mestre Hitchcock e soube homenagear com dignidade o seu grande mentor.
O longa-metragem segue nos trazendo cenas novas e cenas que fazem referência ao clássico: como aquela cena do primeiro contato do Norman ao voltar a empunhar uma faca após anos de seu tratamento. Realmente foi uma cena bem interessante e condizente como o contexto daquele momento na história. Temos a cena que homenageia a clássica cena do chuveiro na banheira, dessa vez sendo vivida pela Mary (Meg Tilly), que diga-se de passagem, que atriz linda na época, e que ainda conta com uma belíssima nudez durante a cena (que dessa vez foi possível de acordo com a censura da época). Nessa cena eu sinceramente achei que teríamos um remake do assassinato, ainda mais pelo fato da câmera focar no famigerado buraco na parede com aquela suspeita de alguém estar observando naquele momento.
Outro ponto que "Psicose 2" consegue manter bem em relação ao clássico, é todo clima intrigante que vai se instalando com o passar do tempo, da construção de um suspense bem palatável, de nos envolver com um ar misterioso e soturno em torno dos acontecimentos acerca de Norman Bates. Estou me referindo justamente sobre a decisão de manter o sombrio, o oculto e o mistério em volta da possível Sra. Bates, que realmente foi uma ideia boa e funcional, principalmente pelas constantes aparições daqueles bilhetes ameaçando a Mary. A própria figura da mãe reaparecendo na janela para o Norman só mostrava o quanto a sua mente ainda continuava deturpada e perturbada, ou sempre esteve. Por mais que depois descobrimos quem estava por trás de todos esses acontecimentos, e que por sinal é uma revelação bem brochante.
Este é o ponto mais questionável de todo o roteiro do filme:
Confesso que a ideia em trazer a Lila para se vingar do Norman foi uma ideia boa, afinal de contas ela não aceitava a sua reintegração na sociedade e a sua possível redenção pelo assassinato de sua irmã (eu no lugar dela também não aceitaria). Mas daí você construir todo um Plot twist que revelava que a Mary era a filha da Lila (sobrinha da falecida Marion), e que ela e a mãe estavam mancomunadas em um plano para desestabilizar o Norman e perturbar novamente a sua mente para conseguir que ele voltasse a ser condenado e voltar para o centro psiquiátrico, é no mínimo uma ideia muito ruim e sem nenhuma criatividade relevante. Sem falar que toda aquela ideia dos bilhetes ameaçadores em nome da Sra. Bates e as suas aparições na janela da casa para o Norman, serem obras da Lila e da Mary, é uma péssima escolha do roteiro.
E pra piorar, no final o roteiro desanda de vez ao apresentar cenas que são ridículas e patéticas, que nem serve como uma vingança...como na cena em que a Mary se veste de Sra. Bates e sai dando pequenas facadas no Norman, ou seja, é uma cena péssima, sem nenhum sentindo, sem nenhuma relevância para a história, que soa vergonhosa e risível. E ainda vai além, quando ela finalmente parece que vai vingar no porão a morte da tia e da mãe, o Xerife simplesmente aparece e dá um tiro nela livrando a pele do Norman mais uma vez.
Até então tínhamos um bom roteiro, que soube construir uma história até curiosa e interessante, e que vinha muito bem até estas partes mencionadas. Mas essas escolhas finais jogou pelo ralo grande parte de todo acerto que foi construído durante todo o filme.
Não posso esquecer de mencionar a cena de fechamento do filme, onde temos uma curiosa aparição da Sra. Spool (Claudia Bryar) como a possível mãe verdadeira de Norman Bates. Ou seja, toda essa historinha do Norman ser adotado, da mãe fake, definitivamente não me agradou e não me convenceu. Temos aqui mais um caso que não precisaria ser mexido, que também estava autossuficiente no clássico de 1960. Pelo menos o Norman deu o mesmo final para mais uma mãe (kkk), que é o famoso chá com veneno. Agora aquela pazada no final foi muito boa hein! Dessa cena eu gostei (kkk). Agora que ele matou a Sra. Spool e a levou para o mesmo quarto da outra mãe, parece que recomeçou tudo de novo, que é ele imitar a voz da mãe junto com a dele, igual já constatamos anteriormente. Seria este o gancho para o terceiro filme?
Sem dúvida a melhor parte dessa continuação é poder contar com a monstruosa interpretação de Anthony Perkins revivendo um dos maiores maníacos e psicopatas da história do cinema - o lendário Norman Bates. Dessa vez com mais de 20 anos longe do personagem, Perkins não decepciona, pelo contrário, ele mostra ter guardado todos os trejeitos, todas as expressões, todas as facetas, toda linguagem corporal técnica e artística do equiparável Norman Bates. Anthony Perkins nasceu para o papel de Norman Bates, onde permanecerá para sempre com esta estigma, e novamente nos surpreendendo com um atuação completamente genial, impecável, irretocável e perfeita na pele do inesquecível Norman Bates.
Vera Miles foi uma grata surpresa no filme, pois eu realmente não esperava que algum dia ela pudesse reviver a sua lendária segunda protagonista do clássico "Psicose". Anteriormente como Lila Crane e agora como Lila noomis, ou seja, ela de fato se casou com o Sam Loomis (personagem do John Gavin) após os eventos finais do clássico. Lila pensou: "minha irmã morreu mesmo, não vai mais voltar, então eu caso com o seu namorado." Boa Lila (kkk). Vera desenvolve bem o seu papel de irmã inconsolada, e quando ela revela todo o seu plano ela fica ainda mais furiosa e sedenta pela vingança. Apesar que é nessa hora que eu vejo a sua atuação ficar muito caricata, com aquele ar de antagonista canastrona, onde cai um pouco de qualidade. Mas no geral foi muito bom rever a lendária Lila.
Meg Tilly foi a principal adição do elenco de "Psicose 2". E digo mais, ela foi a principal estrela ao lado de Anthony Perkins e da Vera Miles. O que causou um grande ciúmes em Perkins, pois a imprensa em geral deu mais atenção à presença da jovem (com 23 anos na época) do que a sua própria presença. Perkins tentou por diversas vezes demiti-la do elenco do filme, porém todas tentativas sem sucesso. Meg Tilly realmente se sobressaiu dos demais do elenco, tanto pela sua beleza (que era estonteante), quanto pela sua competência na personagem. E olha que ela teve participação fundamental em todo desenrolar do roteiro, sendo peça-chave ao final. Ela de fato mandou muito bem.
Tecnicamente a obra é muito bem feita e muito caprichada.
Posso destacar a direção de arte que é muito boa, preservou muito bem a memória do clássico do mestre Hitchcock. Como por exemplo todos os cenários serem muito bem condizentes com aquele universo do Norman Bates, onde até a mesma casa usada no clássico foi utilizada para rodar esta sequência, sendo que o motel foi reconstruído. Já sobre a trilha sonora, o grande gênio John Williams foi considerado para fazer a trilha sonora do filme, mas acabou ficando com o compositor Jerry Goldsmith (o lendário compositor de "Instinto Selvagem", de 1992). Goldsmith era amigo de longa data do Bernard Herrmann (compositor do clássico de 1960). Devo dizer que Goldsmith fez um trabalho decente, conseguiu deixar bem a sua marca nesse universo clássico.
"Psicose 2" arrecadou US$ 34,7 milhões nas bilheterias com um orçamento de US$ 5 milhões. Foi seguido por "Psicose 3" (1986) e "Psicose 4 - A Revelação" (1990), além de um polêmico remake lançado em 1998.
Concluo afirmando que eu nunca fui a favor de remakes e continuações em certas obras que são autossuficientes e irretocáveis, que é justamente o caso do clássico "Psicose". Contudo, "Psicose 2" é uma continuação decente, que soube respeitar a essência da obra original e construir a sua própria história sem se passar por uma cópia barata - por mais que as partes finais eu considere ruins.
Mas como um todo eu acho que valeu a tentativa, principalmente por trazer de volta dois ícones do clássico, que são o Anthony Perkins e a Vera Miles. Acredito que o mestre Alfred Hitchcock nem se revirou tanto assim em seu túmulo. [15/06/2023]
O Exorcismo de Emily Rose
3.5 1,5K Assista AgoraO Exorcismo de Emily Rose (The Exorcism of Emily Rose) 2005
"O Exorcismo de Emily Rose" é dirigido por Scott Derrickson, roteirizado pelo próprio Derrickson e por Paul Harris Boardman ("Livrai-nos do Mal", de 2014). O filme narra a história da jovem estudante Emily Rose (Jennifer Carpenter), que morre em um exorcismo depois de ser possuída por forças demoníacas. Agora, o ceticismo da advogada Erin Bruner (Laura Linney) é posto à prova quando ela deve defender no tribunal o padre Richard Moore (Tom Wilkinson) que exorcizou Emily.
"O Exorcismo de Emily Rose" é surpreendentemente baseado em uma história real: em 1968 aos 16 anos, Anneliese Michel, uma jovem alemã católica, começou a apresentar sintomas e comportamentos que foram diagnosticados como epilepsia aliado a um quadro de esquizofrenia, após diversos episódios de convulsão. A partir de então, a menina entrou em depressão profunda e tentou suicidar-se algumas vezes. A família de Anneliese, que era muito devota da Igreja, começou a acreditar que seu caso não era médico e sim sobrenatural. Durante os dois anos em que passou por exorcismos, Anneliese perdeu muito peso e ficou extremamente fraca. Em 1 de julho de 1976, Anneliese morreu durante o sono, como resultado da recusa em se alimentar e beber água, principalmente durante as sessões de exorcismo. O relatório da autópsia indicou que a causa da morte foi por desnutrição e desidratação de quase um ano de inanição.
Temos aqui uma excelente obra do terror que mistura o místico e o sobrenatural com o suspense, com o drama e com o investigativo. A forma como roteiro foi escrito e transplantado para a tela é de uma inteligência e de uma eficiência absurda. O roteiro de "O Exorcismo de Emily Rose" é sem nenhuma dúvida o melhor roteiro que eu já vi em um filme de terror. Pois a forma como se basearam na história real da vida e morte da jovem Anneliese, usando aquele contraponto entre a ciência e a religião, expondo os dois lados da história, que confrontava exatamente com a crença de cada um ali presente no tribunal, é no mínimo surpreendente e totalmente intrigante.
A principal questão aqui é justamente a forma como muitas pessoas vão de encontro com a obra, pois muitos se surpreendem exatamente na questão da abordagem diversificada do roteiro, e muitos se frustram pelo fato do filme não priorizar somente o terror, o susto, ou os famosos jumpscare (que é o que muitos esperam). A cereja do bolo desse maravilhoso roteiro é exatamente o poder que ele tem em desafiar o nosso subconsciente, a nossa crença, a nossa fé, a nossa doutrina, o nosso ceticismo e o nosso ateísmo. O maior destaque aqui é o respeito que o roteiro tem pela história real, por não tratar a história de forma gratuita, por não vulgarizar e banalizar o caso, por mostrar uma análise autêntica e verdadeira dos fatos que ocorreram. De fato o roteiro abre um leque de possibilidades que te dá margens para construir a sua crença, para você analisar cada história e decidir em qual acreditar.
"O Exorcismo de Emily Rose" é um terror que se sobressai dos demais exatamente por trazer uma construção que não é 100% baseada naquele terror que vai te assustar à todos os momentos, que vai te colocar pânico em todas as cenas, pois aqui temos toda uma parte analítica do caso, que envolve a medicina e sua opiniões, juntamente com a religião e sua fé. Essa guerra que é travada no tribunal mostra todas as consequências de um exorcismo falho entre seus mais variados aspecto, o que é logo confrontado com a ciência e seus termos éticos, e a política e seus termos jurídicos e investigativos. O que de fato temos é um grande embate envolvendo a arquidiocese e a medicina. Exatamente por isso que a obra em si não é feita unicamente para assustar, mas sim para explorar a sua capacidade de pensar dentro de uma temática de terror.
Outro ponto bastante interessante dentro do roteiro é a forma como é tratada a imprudência e a negligência, tanto religiosa quanto médica. Sendo um problema mental ou de possessão, ambos os lados mostraram uma certa negligência no caso. A medicina acreditava que Emily era patológica, que ela era epilética e psicótica, que ela apresentava ataques com sintomas de esquizofrenia, alucinações visuais e às vezes paranoia. Baseado no diagnóstico médico, os ataques que a Emily tinha poderiam paralisar as articulações do seu corpo e o contorcer levemente, e as sua pupilas se delatar. Ou seja, podem ser considerados como sintomas médicos, mas também são causas de possessão demoníaca, pela opinião da Igreja. Já a negligência pelo lado da religião se dá exatamente no fato de expor a vítima ao extremo da sua fé e da sua crença religiosa, de subjugar os limites humanos quando a pessoa está completamente debilitada. Sem dúvida é o maior caso de um confronto entre a psiquiatria e a religião já abordada nesse gênero cinematográfico.
Outro lado que o filme explora é o agnosticismo. A própria advogada de defesa (Erin Bruner) se autoproclama como uma pessoa agnóstica, que não acredita na existência de Deus ou de qualquer outra divindade. Ela realmente acredita que não existe qualquer conhecimento efetivo que comprove a existência ou não existência de um deus. Porém, na medida que o processo transcorre o cinismo e o ateísmo de Erin são desafiados pela fé do Padre Moore e também pelos eventos inexplicáveis em torno do caso. Sendo assim ela passa acreditar na possibilidade da existência de entidades paranormais e até do próprio Deus. É impressionante com a Erin vai saindo daquela postura de descrente, de superior, que justamente se deu pelo fato do seu último caso no tribunal, o que inflou bastante o seu ego. Após o Padre Moore lhe advertir sobre a possibilidade de entidades sobrenaturais começarem a se aproximar, ela entra em um incrível estado de desconstrução, ela começar a adentrar nos acontecimentos ocultos e sombrios que começavam a acontecer em sua vida. Erin Bruner estava em uma guerra espiritual.
Baseado nesse comportamento da personagem Erin Bruner, temos a excelente atuação de Laura Linney (da série "Ozark"). Laura compôs uma personagem que inicialmente se sentia superior, que encarava o caso com irrelevância, porém, quando ela vai adentrando na história do Padre Moore e da Emily, ela passa a acreditar em várias possibilidades que até então era desconhecida para ela. Erin passa a ter um comportamento de uma advogada que queria defender e acima de tudo queria expor os fatos verdadeiros, que queria trazer a atenção de todos para a verdadeira possessão demoníaca. Um verdadeiro show! Uma atuação completamente impecável de Laura Linney. Facilmente uma das melhores personagens de toda a sua carreira.
Não seria nenhum pretenciosismo eu afirmar que aqui temos a melhor atuação e o melhor filme de toda a carreira da Jennifer Carpenter (seu primeiro filme foi "As Branquelas", de 2004). Pelo menos o trabalho mais marcante, isso sem dúvida. Jennifer faz um trabalho tão primoroso, tão avassalador, tão compenetrado, que chega a assustar a tamanha perfeição que ela emprega em cada cena (que não são muitas). A cada aparição da Emily nos flashback soava como o contraponto perfeito entre a sua própria história e aquele embate no tribunal. E a Jennifer trouxe uma interpretação completamente tenebrosa, assustadora, autêntica, que muita das vezes era mesclado entre o seu próprio suspense e o seu próprio terror. Aquela cena do exorcismo, que começa em seu quarto e vai até o estábulo, é completamente absurda, cujas contorções corporais "demoníacas" eram muitas vezes alcançadas sem a ajuda de efeitos visuais. O que a Jennifer entregou ali é algo surreal, estratosférico, uma atuação milimetricamente perfeita e assustadora.
Tom Wilkinson (lendário em "O Patriota", de 2000) é mais um do elenco que entrega uma atuação monumental. Tom deu vida para o Padre Richard Moore: o principal culpado e o causador da morte da jovem Emily, o verdadeiro réu daquela história (pelo menos pela visão da ciência). O que mais impressiona na atuação de Tom Wilkinson é aquela figura de uma Padre inabalável, aquela rocha, aquela postura segura, arrojada, certo de si, da sua crença e da sua fé. Esta era a carapaça que o Padre Moore apresentava no tribunal, pois dentro de si ela estava sofrendo terrivelmente, ela estava desabando, ele estava em uma completa luta emocional e espiritual. Mas ele se manteve firme na sua missão em relatar para todo mundo a verdadeira história da Emily Rose. Belíssima atuação de Tom Wilkinson.
Campbell Scott (recentemente esteve em "Jurassic World: Domínio", de 2022) pode ter sido ofuscado no meio desse elenco e dessas esplêndidas atuações, mas ele precisa ser reconhecido, ele precisa ser destacado, ele precisa levar os créditos pelo seu excelente personagem. Campbell fez o personagem Ethan Thomas, o advogado de acusação do caso. Campbell travou uma verdadeira guerra de palavras, diálogos, discursos e acusações com a Laura Linney naquele magnífico embate no tribunal. Às cenas que mostravam os dois defendendo o seu ponto de vista era incrível, um verdadeiro espetáculo feito apenas com o uso das palavras. Campbell soube incorporar um autêntico acusador, que expunha os fatos com bastante veemência, sempre sendo bastante incisivo com as palavras, sempre muito certo de si e se cobrindo com a razão que inicialmente estava ao seu favor. Campbell Scott também entregou tudo em seu personagem.
Hoje em dia é impossível você encontrar um filme de terror com atuações tão excelentes como em "O Exorcismo de Emily Rose".
Mais uma vez eu preciso destacar que não seria nenhum pretenciosismo em afirmar que "O Exorcismo de Emily Rose" é o melhor trabalho da carreira do Scott Derrickson (que fez um grande trabalho em "O Telefone Preto", de 2021). Derrickson teve muito cuidado e muito respeito ao relatar os fatos que ocorreu ao redor da história da Emily Rose (isso pode ser comprovado nos extras do filme). Tanto na direção quanto no roteiro ele empregou suas decisões de um modo que não obrigasse ninguém a concordar com o seu ponto de vista, ou com sua opinião sobre o caso da história real. A decisão em apresentar a história de forma aberta foi a melhor decisão que ele (junto com sua equipe) poderia ter tomado.
E por falar no Scott Derrickson, o seu trabalho atrás das câmeras é impecável. Como podemos comprovar ao longo do filme, como nos takes precisos durante o embate no tribunal. A cena do exorcismo no quarto e no estábulo é o ápice da sua direção, ali podemos claramente comprovar o tamanho da excelência e da competência de Scott Derrickson. Incrível como ele soube usar a câmera nessa cena, como ele soube captar perfeitamente tudo que estava acontecendo ao entorno da cena, como ele soube dosar os focos em cada personagem, em cada acontecimento (como na própria Emily possuída), como ele soube ser preciso e cirúrgico nas tomadas mais horripilantes de cada cena. Direção impecável de Scott Derrickson!
Aliado com a excelente direção de Derrickson, temos um roteiro irretocável (como já destaquei anteriormente), que acerta muito bem na decisão em nos contar a história da Emily na medida que os depoimentos iam sendo ouvidos no tribunal e as cenas iam sendo revividas através de flashbacks. A trilha sonora de Christopher Young (lendário compositor de "A Hora do Pesadelo") é penetrante, estridente, incômoda, perturbadora, a responsável em aumentar cada vez mais a nossa tensão juntamente com o suspense. A cinematografia é outro grande destaque da obra, que soube extrair com uma perfeita fotografia que sempre confrontava a medicina discutida no tribunal com a possessão vivida pela Emily. O longa é muito bem preparado com uma ótima montagem, uma ótima edição, uma mixagem de som muito limpa e uma direção de arte que acertou em todos os detalhes.
"O Exorcismo de Emily Rose" arrecadou $ 75,1 milhões no mercado interno e $ 144,2 milhões em todo o mundo contra um orçamento de $ 19 milhões. Ainda assim Derrickson afirmou que o filme não teve tanto sucesso quanto ele esperava.
O longa-metragem ganhou o MTM MOVIE AWARDS 2006 com a Melhor Performance Assustadora para a Jennifer Carpenter e ela foi indicada à Melhor Performance Revelação.
No site agregador de resenhas Rotten Tomatoes, o filme detém um índice de aprovação de 44%, com base em 157 resenhas. O consenso crítico do site diz: 'Vagamente baseado em uma história real, "O Exorcismo de Emily Rose" mistura um drama convincente de tribunal com sustos geralmente sem sangue em uma bela abordagem do cinema demoníaco'. No Metacritic, tem uma pontuação geral de 46 de 100, com base em 32 avaliações.
Eu tive o enorme prazer em assistir esta belíssima obra na tela gigante do cinema em dezembro de 2005, cujo ingresso tenho guardado até hoje. Vivi mais uma das várias experiências incríveis e assustadoras que já passei ao longo da vida no cinema.
"O Exorcismo de Emily Rose" é uma obra excelente, porém hoje em dia eu o vejo como um filme muito subestimado, que não tem o valor e o verdadeiro reconhecimento que merecia.
Para mim o filme é uma verdadeira obra-prima do terror psicológico, do drama psicológico, do suspense investigativo, que traz um excelente debate entre a ciência e a religião, te expondo à todos os limites humanos da fé e da medicina, mas sem apelar para o terror trivial dos clichês e dos jumpscare. Um filme que já se tornou um clássico cult, uma obra contemporânea, uma obra influente, que ganha mais peso e mais relevância justamente por ter sido baseado em uma terrível e triste história real.
Existe um livro que conta a história real por trás de todos os acontecimentos que inspiraram o filme "O Exorcismo de Emily Rose" - este livro se chama "Possessão". Ainda não li mas está na minha lista de livros para ler.
Eu considero "O Exorcismo de Emily Rose" como o "Melhor" filme de exorcismo desde o clássico eterno "O Exorcista" (1973). Para mim são os únicos filmes que realmente devem ser considerados como uma verdadeira obra-prima quando nos referimos sobre a temática de exorcismo e possessão.
"O Exorcismo de Emily Rose" não é somente o melhor filme de exorcismo da década de 2000, mas é também um dos melhores da história desse gênero cinematográfico.
Um clássico eterno! [09/06/2023]
It: Uma Obra Prima do Medo
3.5 1,3KTEM SPOILERS DO LIVRO E DO FILME!
IT: Uma Obra Prima do Medo
"IT" (também conhecido como "Stephen King's IT") é uma telessérie que foi dividida em duas partes lançada pela ABC em 1990. A minissérie foi dirigida por Tommy Lee Wallace e adaptada por Lawrence D. Cohen do romance de Stephen King de 1986 com o mesmo nome. A história gira em torno de um monstro predador que pode se transformar nos piores medos de suas presas para devorá-las, permitindo-lhe explorar as fobias de suas vítimas. Ele assume principalmente a forma humanóide de Pennywise, um palhaço cômico sombrio. Os protagonistas são "The Lucky Seven", ou "The Losers Club" (Clube dos otários), um grupo de crianças rejeitadas que descobrem Pennywise e juram matá-lo por todos os meios necessários. A série se passa em dois períodos de tempo diferentes, o primeiro quando os perdedores confrontam Pennywise pela primeira vez quando crianças em 1960, e o segundo quando eles retornam como adultos em 1990 para derrotá-lo uma segunda vez depois que ele ressurge.
O livro "IT" foi inspirado em um conto de fadas infantil da Noruega. A revelação foi feita pelo próprio autor em seu blog oficial.
"IT" (em português "A Coisa") foi o maior livro que eu já li em toda a minha vida bibliófila. A obra literária do mestre King possui 1.103 páginas que te leva para uma experiência incrível, além de bastante sombria e tenebrosa, é claro. O livro nos proporciona uma verdadeira viagem abordo daquela história na cidade fictícia de Derry (Maine), juntamente com o grupo das 7 crianças e os 7 adultos. Sem dúvida "IT" está na prateleira das melhores obras do mestre, e muito por nos proporcionar uma leitura fluida, dinâmica, prazerosa, ao mesmo tempo que éramos confrontados pela figura macabra, sombria, oculta e misteriosa de Pennywise. "IT" te agarra com uma história tão impactante e tão envolvente, onde nos sentíamos parte daquela história que estava sendo contada. Era como se também fizéssemos parte do grupo - incrível!
"IT" foi uma experiência surreal, uma das melhores que eu já tive na vida.
A ideia de adaptar o romance do mestre King em um formato de telefilme, onde foi construído diretamente para a TV norte-americana, foi uma ideia muito boa e que deu bastante certo na época. Até pelo tempo de duração, onde temos 3h12min, que faz bastante jus ao livro, já que o mesmo passa das 1000 páginas. No Brasil fizeram uma reestruturação e uniram as duas partes da minissérie em apenas uma.
"IT" é o puro suco de toda a essência cinematográfica oitentista e noventista! E o maior acerto dessa obra está justamente na adaptação, que particularmente considero "quase" perfeita. De fato temos aqui uma adaptação completamente fiel ao livro, que sim, tem algumas mudanças (o que é natural) mas são mudanças sutis, que colabora ainda mais com a história. Também temos algumas partes do livro que ficaram de fora e outras que foram modificadas, o que também é normal, mas a grande essência e a grande marca do livro está muito bem integrada na história. Dessa forma eu coloco "IT" junto com "Carrie", como as duas melhores adaptações das obras de Stephen King.
Um ponto que pode desagradar algumas pessoas está exatamente no fato da obra ter sido idealizada para a TV, o que obviamente diminuiu muito o apelo gráfico do terror, do horror, do medo, do sangue, e até de alguns pontos cruciais da história envolvendo temas como a pedofilia e o racismo. Digamos que a história em si ficou teoricamente mais leve, mais suave em relação ao livro, que sim, lá temos uma história muito mais pesada e chocante nesses pontos levantados. Outro ponto é na questão do terror como um todo e justamente na figura do palhaço Pennywise, que não tem aquele peso mórbido, soturno e grotesco do Pennywise do livro, sendo bastante aliviado até nas questões estéticas das cores. A figura do Pennywise graficamente é mais colorido, o que talvez não irá impor aquele pavor e aquele medo que muitos esperavam. Acredito que algumas dessas decisões se apliquem ao fato de realmente ser uma produção televisiva e também se esbarrarem nas questões dos efeitos e orçamentos da época, que obviamente era uma outra realidade, outras tecnologias, onde a aposta maior era justamente nas maquiagens ao invés dos efeitos.
Toda essas questões abordadas podem de fato ser o diferencial para algumas pessoas. Já eu vou na contramão, eu vejo a obra por outro lado, com outros olhos, aqui a ideia não é bem aquele medo que vai te levar ao susto (já que o longa em momento algum faz uso dos sustos forçados e dos jumpscare). Eu diria que a obra é calçada na tensão, no incômodo, no suspense, no pavor, no lúdico, que se mistura com os dramas, os medos e os traumas do passado com os fatores do presente na vida de cada um ali. Temos aqui uma obra completamente imergida no drama psicológico, no terror psicológico, no terror fantasioso, que confronta diretamente com o drama de cada um dentro da sua própria história. O próprio Pennywise se utiliza do medo de cada um, do trauma de cada um, para fazer as suas aparições e os seus ataques, que muita das vezes é envolto no mistério e no oculto.
O maior acerto do roteiro está exatamente na decisão em nos envolver na história fazendo um contraponto com o passado e o presente. Toda narrativa que foi criada a partir do telefonema de Michael Hanlon (Tim Reid), onde cada um ia sendo apresentado e inserido na história, onde íamos sendo confrontados com a figura do presente e suas lembranças do passado sendo revividas através de flashbacks, é muito funcional e encaixou perfeitamente com a principal proposta do roteiro. Essa mescla do presente e passado, com os personagens crianças e adultos, ficou excelente, principalmente pelo fato de cada um já adulto ao chegar na cidade começarem a reviver seus fantasmas do passado. Era como ao retornarem para a cidade os seus traumas, medos e frustrações de infância retornarem com eles, ou possivelmente eles não retornaram, mas estiveram todos esses anos guardados com cada um.
A primeira hora é justamente focada em apresentar e desenvolver cada personagem dentro da sua história. E o uso dos flashbacks ficaram perfeitos, casou perfeitamente com a proposta, pois em nenhum momento eles confundiram ou destoaram da trama central. Após a reunião e formação do grupo de crianças temos o então primeiro embate com a figura do Pennywise, onde as crianças saem vitoriosas desse primeiro confronto e juntos selam aquele pacto eterno. A partir da metade do filme temos a nova reunião do Loser Club, 30 anos depois, com cada um dono da sua própria vida e dos seus próprios negócios.
Eu considero a parte das crianças muito melhor que a parte dos adultos (isso em todos os quesitos). Era como se a parte das crianças representasse melhor a obra como um todo. Pois é nessa parte que temos a melhor adaptação em relação ao livro do mestre King; onde temos várias cenas icônicas como aquela clássica do Georgie Denbrough (Tony Dakota) com o barquinho e o primeiro encontro com o temível Pennywise. Além da clássica guerra de pedras e aquele encontro do Eddie Kaspbrak (Adam Faraizl) com o senhor Keene (Tom Heaton) na farmácia, onde o próprio afirma para o garoto que ele não sofre de asma e que aquele remédio nada mais era do que água.
A parte infantil na trama traz uma melhor adaptação justamente por ter mais peso nas questões dos traumas de cada um, dos seus medos e das suas frustrações. Já na parte adulta essa questão também está presente, mas de forma mais leve e sem o mesmo impacto e o mesmo peso de quando eram crianças. Na parte infantil é aonde temos uma abordagem maior em relação ao bullying, o racismo e a selvageria. Pelo lado do bullying temos a figura central do Ben Hanscom (Brandon Crane), que é sempre atacado por ser uma criança gorda. Já na questão do racismo temos a figura central de Mike Hanlon (Marlon Taylor), que é atacado por ser negro. Apesar que aqui temos abordagens muito mais leves em relação à estas partes no livro, já que a história do racismo sofrido por Mike e sua família é bem mais detalhada e triste. Além de explicar exatamente que o clube "Black Spot" foi incendiado pelo "Ku-Klux-Klan", o livro também traz agressões bem mais pesadas praticadas por Henry Bowres (Jarred Blancard). O valentão sempre usa termos racistas para se referir a Mike e pratica gordofobia com Ben. Já na questão da pedofilia, foi uma parte totalmente deixada de lado no filme (por razões óbvias), já que no livro são partes bem chocantes e pesadas sofridas pela Beverly Marsh (Emily Perkins).
Esta clara diferença do núcleo infantil para o núcleo adulto também é sentida na questão do elenco. Pois é muito perceptível o quanto o núcleo infantil é muito melhor em suas atuações, onde cada ator tinha uma interpretação muito melhor que a sua versão adulta.
O núcleo infantil era composto por 7 crianças com idades de 12 anos:
Jonathan Brandis (Bill Denbrough)
Brandon Crane (Ben Hanscom)
Adam Faraizl (Eddie Kaspbrak)
Seth Green (Richie Tozier)
Ben Heller (Stan Uris)
Marlon Taylor (Mike Hanlon)
Emily Perkins (Beverly Marsh)
Cada um desenvolveu muito bem o seu papel, uns se sobressaindo mais que outros, como no caso da Emily Perkins e do Brandon Crane, mas no geral todos estiveram muito bem e entregaram ótimas atuações.
Já o núcleo adulto é composto por:
Richard Thomas (Bill Denbrough)
John Ritter (Ben Hanscom)
Dennis Christopher (Eddie Kaspbrak)
Harry Anderson (Richie Tozier)
Richard Masur (Stan Uris)
Tim Reid (Mike Hanlon)
Annette O'Toole (Beverly Marsh)
Aqui já não temos as mesmas qualidades de atuações das crianças, pois no geral uns se destacavam mais que outros, e outros só estavam compondo o personagem e sendo bem coadjuvantes na história. Vale destacar a Beverly Marsh de Annette O'Toole, que na minha opinião, é a que tem a melhor atuação de todo o núcleo adulto.
Vale destacar o Henry Bowres criança, que foi muito bem interpretado pelo Jarred Blancard. Jarred conseguiu transcender toda maldade e perversidade que estava instalada no coração do Henry, que o deixava como uma criança claramente perturbada e desequilibrada (ou seja, alvo fácil para o Pennywise). Olivia Hussey trouxe uma Audra Phillips até convincente, embora seja bem diferente da Audra do livro. Michael Ryan (VIII) trouxe um Tom Rogan bem arquitetado no próprio Tom Rogan do livro, conseguindo demonstrar toda perversidade e abuso que ele aplicava na Beverly.
Agora chegamos na principal figura do universo "IT" - Pennywise / A Coisa.
Sem dúvida o palhaço Pennywise é icônico, é lendário, é clássico, é o principal nome de "IT" e está no hall dos maiores vilões da história do cinema e da literatura (isso é inegável). O mesmo vale para o grande Tim Curry, que deu vida para a primeira adaptação do lendário palhaço macabro de Stephen King. Pra mim Tim Curry é o principal nome do filme e está 100% perfeito em sua figura grotesca de Pennywise. Tim conseguiu alcançar o ponto exato de sua interpretação, sem forçar demais, sem parecer apelativo demais, sendo burlesco na medida certa, sendo "palhaço" na medida certa. Além de fazer bom uso da sua linguagem corporal, junto com todo o seu gestual, todas as suas expressões, que mesmo sendo uma figura extremamente colorida mas nos causava repulsa, tensão, apreensão e incômodo (principalmente daquela sua risada tenebrosa). É fato que esta minissérie se tornou mais conhecida pela versão de Pennywise de Tim Curry. De fato, seu retrato foi considerado por várias publicações como um dos personagens de palhaço mais assustadores do cinema e da televisão. Também gerou um documentário financiado pelo Indiegogo sobre a produção da minissérie, intitulado "Pennywise: The Story of It" (2020); e um curta de sequência de história alternativa chamado "Georgie", também dos produtores do documentário.
Na minha opinião: Tim Curry é a melhor versão do Pennywise que já existiu.
A parte final (o embate final com a criatura) é uma parte que já difere do final do livro, e que muitas pessoas acabaram não gostando por teoricamente parecer um final mais fácil, mais leve, mais fraco mesmo, em relação à proporção encontrada no livro.
No livro, a derrota final de Pennywise é bem diferente. Bill usa uma técnica ancestral conhecida como Ritual de Chud, o que leva o personagem para um "Multiverso" onde ele se encontrar com o criador do Universo: uma tartaruga gigante chamada Maturin. Ele orienta Bill a usar o poder de sua mente para derrotar "IT", o que enfraquece a criatura para que os Perdedores possam usar um ataque físico.
A própria aparência do Pennywise (ou sua verdadeira forma) é incompreensível para os seres humanos, já que no livro ele é chamado de "Postigos", ou seja, ele acaba tomando a forma de luzes etéreas e sobrenaturais. O mais perto que a mente humana consegue compreender a forma física de Pennywise é quando ele se transforma em uma aranha gigante (que é justamente sua forma no final do filme). Já a sua derrota no filme é justamente dada pela sua maior fraqueza, ao subestimar a bondade, o amor e a amizade do grupo, levando à sua eventual morte presumida, uma vez que o Clube dos Perdedores se unem e lutam contra ele juntos.
É um final bobinho feito em prol da reapresentação da força do amor e da amizade? É. Mas ok! É aceitável!
Tecnicamente o filme é muito bom para a sua época!
A direção do Tommy Lee Wallace é bastante competente (visto que ele vinha do clássico "A Hora do Espanto 2", de 1988). Dirigir uma versão para a tela de uma história do mestre King foi muito difícil para ele; onde o próprio afirmou que Stephen King é tão bom com a linguagem que pode fazer quase tudo parecer incrivelmente assustador. Muito da direção de Wallace foi influenciada por filmes em que trabalhou com o mestre John Carpenter, como "Halloween" (1978) e "A Bruma Assassina" (1980). Wallace tomou várias decisões técnicas e de encenação apenas para tornar cada cena mais assustadora ou estranha. Isso incluía truques de câmera interessantes, como a cena do restaurante chinês sendo filmada com uma câmera portátil; e as cenas em que ele passa por canos filmados como se fossem do ponto de vista dele.
Apesar da época e do orçamento de uma produção feita para a TV, os efeitos especiais ainda assim eram condizentes com a proporção da obra. A maioria dos efeitos especiais foram feitos praticamente sem alteração digital, como marionetistas sendo usados para animar os biscoitos da sorte na cena do restaurante chinês. Algumas cenas foram feitas com animação de substituição, uma técnica de animação semelhante à animação em stop motion. A animação de substituição foi usada para quando Pennywise saiu do ralo, matou Belch nos esgotos e deu uma cambalhota no ar. Muitos dos efeitos que Wallace planejou usar durante o storyboard não chegaram à versão final por razões de orçamento, como as raízes se contorcendo em torno de Pennywise em seu encontro fantasmagórico com os Perdedores adultos no esgoto. Lindsay Craig, uma artista que ganhava a vida trabalhando como adereço no cinema e na televisão, criou um pouco do sangue para "IT" usando corante alimentar, água e metacil.
Juntamente com todo trabalho de efeitos especiais também tivemos os trabalhos manuais. Nas cenas em que o palhaço se tornou cruel, Tim Curry usava lentes amarelas e dois conjuntos de dentes afiados durante as filmagens: um conjunto menor que ele podia falar enquanto usava e um conjunto menos flexível, mas muito maior para cenas mais horripilantes (os dentes foram desenhados por Jim McLoughlin). O diretor originalmente não queria que Pennywise mudasse para um visual de "terror", mas sim manter o visual de palhaço "legal" ao longo da minissérie, mas essa ideia foi abandonada (e eu concordo plenamente).
Outro ponto que merece um destaque é a trilha sonora, que está impecável, conseguindo harmonizar muito bem cada cena em que a tensão era crescente com a presença sombria do Pennywise. A fotografia faz um contraponto bem interessante, que é justamente as cenas que mesclavam o tom mais colorido do palhaço, que poderia soar como alegria (que é o intuito da classe dos palhaços), com a clássica tensão e o medo.
"IT" contou com um orçamento de $ 12 milhões, o dobro do orçamento normal da televisão. A minissérie foi transmitida pela primeira vez durante o mês das varreduras de novembro. Apesar dos fatores de risco, análises críticas mistas antes da exibição e cobertura das viagens ao exterior do presidente George H. W. Bush interrompendo o programa; foi o maior sucesso da ABC em 1990, alcançando 30 milhões de telespectadores em suas duas partes.
"IT" foi indicado a dois prêmios Emmy, um prêmio Eddie, um prêmio Youth in Film e o reconhecimento de melhor minissérie do People's Choice Awards; ganhou duas das indicações, um prêmio Emmy de Melhor Composição Musical pela trilha sonora de Richard Bellis e um prêmio Eddie pela edição da minissérie.
Encerro afirmando que "IT" é um verdadeiro clássico e um verdadeiro patrimônio da cinematografia dos anos 90. Uma obra que correu seus riscos ao apostar em uma produção feita diretamente para a TV, que obviamente obrigou a pegar mais leve nas partes mais cruciais da história, aliviando o terror mas ganhando na tensão e no suspense.
Uma obra que trouxe uma adaptação extremamente fiel ao livro, mantendo toda a sua originalidade e toda a sua essência, e acima de tudo respeitando todo conteúdo da obra-prima da literatura do mestre King.
Uma obra completamente influente, uma referência no gênero (o "Stranger Things" dos anos 90), aquele clássico cult, que trouxe aquela abordagem sobre a verdadeira amizade, o verdadeiro amor, a superação dos nossos medos, dos nossos traumas e das nossas frustrações.
Uma obra que vai muito além do que a nossa mente pode imaginar, que representa todos os males e a manifestação de todos os nossos medos de infância.
Verdadeiramente uma linda história de amizade com um toque de terror.
[26/05/2023]
O Exorcista do Papa
2.8 358 Assista AgoraO Exorcista do Papa (The Pope’s Exorcist)
"O Exorcista do Papa" é dirigido por Julius Avery ("Samaritano", de 2022), com roteiro de Michael Petroni ("Visões do Passado", de 2015) e Evan Spiliotopoulos ("Rogai por Nós", de 2021), baseado no livro de 1990 "An Exorcist Tells His Story" e no livro de 1992 "An Exorcist: More Stories by Father Gabriele Amorth". O filme é estrelado por Russell Crowe como Padre Gabriele Amorth. Amorth nasceu na Itália no ano de 1925 e durante sua vida foi considerado como o exorcista chefe do Vaticano, o exorcista de confiança do Papa, que realizou mais de 100.000 exorcismos em sua vida e faleceu em 2016 aos 91 anos.
Temos aqui mais um dos milhões de filmes existentes sobre exorcismo e possessão, porém este tem um diferencial, a presença ilustre de ninguém menos que o eterno Gladiador. Decidiram gastar milhões em um filme simples de exorcismo para colocar na capa a figura do Russell Crowe, pois obviamente pelo reconhecimento que ele tem, pelo excelente ator que ele é, por suas três indicações e um prêmio no Oscar, verdadeiramente ele seria a grande estratégia do filme para conquistar o público, o grande chamariz da produção.
A cena de abertura do longa é bastante intrigante e curiosa, pois ali temos um contraponto interessante, que é aquele famoso confronto do sobrenatural com a ciência (algo abordado com excelência no clássico cult "O Exorcismo de Emily Rose", de 2005). Na cena o Padre Amorth enfrenta uma provável possessão, mas ele próprio confirmou que nem sempre ele se depara com pessoas que realmente estejam possuídas, que também confronta pessoas com distúrbio psicológico (transtornos mentais). Nesse caso esta cena nos mostrou uma vítima com distúrbio mental, onde as pessoas ao seu redor acreditavam que era uma possessão. Sendo assim o Padre Amorth usou aquele porco para fazer todos acreditarem que o demônio realmente tinha saído do corpo do rapaz.
A história central do filme gira em torno de uma mãe e seus dois filhos que viaja para a Espanha para gerenciar a reforma de uma Abadia (Basílica) que receberam de herança após a morte do pai. A pergunta que fica é: quem recebe uma Basílica de herança? Pois bem, o local esconde um segredo trancado a sete chaves pela Igreja Católica, onde o garotinho logo é tomado por um demônio aparentemente sem nome. Logo eles chamam (e o demônio também exige) o maior exorcista em atividade, simplesmente o exorcista de confiança do Papa.
Na maioria das vezes os filmes de terror, suspense, exorcismo e possessão tentam criar alguma história por trás da trama central para contextualizar toda história que está sendo contada. Pode ser apenas uma encheção de linguiça? Pode. Pode ser apenas uma historinha vaga, rasa e sem nenhum aprofundamento relevante? Também pode. E é exatamente nessas histórias paralelas que "O Exorcista do Papa" tenta se sustentar. Por mais que possa parecer um contexto vazio e mal desenvolvido, mas os arcos pessoais que temos no filme soa como intrigante para dar o principal fundamento na história. E vamos a elas...
O próprio Padre Amorth cita que o demônio ataca nas nossas fraquezas, nos nossos traumas, se alimentando da nossa culpa e se aproveitando da nossa vulnerabilidade. É exatamente assim que o pequeno Henry (Peter DeSouza-Feighoney) se encontra durante o último ano após ter presenciado a terrível morte de seu pai. Ele está traumatizado, assustado, não se comunica, está totalmente vulnerável, sendo uma presa fácil para a possessão demoníaca. Já no caso do Padre Amorth, o demônio também se aproveita das suas fraquezas, dos seus traumas do passado, como o fato dele ter sido um fuzileiro na segunda guerra mundial, e o seu maior trauma que o persegue até hoje, que foi ter presenciado a Rosaria (Bianca Bardoe) se suicidar na sua frente. Este é um ponto interessante, o fato do Padre achar que a Rosaria tinha problemas psicológicos e não possessão, sendo assim este foi o maior trauma da vida do Padre Amorth, que o deixou eternamente como o culpado por aquela morte, e o demônio pode sentir a nossa culpa e usá-la contra nós.
O mesmo vale para o Padre Esquibel (Daniel Zovatto), onde o demônio também se aproveita da sua maior fraqueza, do seu maior arrependimento, do seu maior trauma, que foi justamente todo grande amor que ele tinha pela Adella (Carrie Munro).
Padre Amorth sempre enfrentou os demônios sem nenhum medo, sem nenhum receio, praticamente de igual para igual - o próprio dizia: "Eu, medo de Satanás? É ele que deve ter medo de mim". E é muito interessante aquele embate de palavras entre o Padre e o demônio, sempre usando a sua veia humorística, o seu senso de humor, as suas famosas piadas, onde o próprio dizia que os demônios não gostavam de piadas. E é ainda mais interessante saber que o verdadeiro Padre Amorth costumava manter o senso de humor ao conduzir os exorcismos.
Porém, pela primeira vez vemos o Padre Amorth recuar quando o demônio mostra saber tudo sobre ele e principalmente conhecer o seu passado. Era como se o Padre Amorth estivesse enfrentando o demônio mais desafiador que ele já viu. E aqui entra outro ponto que pode ser encarado talvez como um acerto, ao tirar um filme de exorcismo do terreno do óbvio, mas também pode ser visto apenas como mais uma história forçada, rasa, vaga e totalmente sem aprofundamento e desenvolvimento. Estou me referindo exatamente no ponto em que o Padre Amorth se aprofunda na pesquisa sobre a possessão do garoto e acaba descobrindo uma conspiração secular que o Vaticano tentou desesperadamente proteger e manter no esquecimento. Nesse ponto o roteiro tenta desesperadamente dar um sentindo para toda história indo justamente mexer na questão da Inquisição Católica, que foi um movimento político-religioso que ocorreu entre os séculos XII ao XVIII. Eu considero esta parte bem falha, bem rasa, controversa e totalmente superficial, pois querer de certa forma aplicar o fator da Inquisição sobre demônio para inocentar a Igreja Católica é um tanto quanto questionável.
É praticamente impossível um filme de exorcismo e possessão não seguir aquela famosa cartilha, que são os famosos jumpscare, as famosas forçadas, os famosos clichês, com pessoas sendo atiradas na parede, ossos se quebrando, cabeças se retorcendo, membros se retorcendo, se arranhando, andando na parede. Este é um manual que sempre é rigorosamente seguido em todas essas produções. Parece que as produções de exorcismo e possessão nasceram em "O Exorcista" (1973) e morreram ali mesmo, e tudo que vem depois é sempre mais do mesmo, bebendo sempre da mesma fonte, usando sempre a mesma temática, que pode soar como uma homenagem ao melhor filme de terror de todos os tempos (pelo menos pra mim), ou apenas como cópias baratas mesmo.
"O Exorcista do Papa" segue exatamente esta cartilha que eu citei acima, todavia aqui temos o fator do Padre Amorth ter afirmado que seu filme preferido realmente era "O Exorcista". Tanto que o Padre se tornou um grande amigo do diretor William Friedkin, que mais tarde o próprio dirigiu um documentário sobre o trabalho do Padre Amorth como exorcista - "The Devil and Father Amorth" (2017). Sendo assim eu até posso considerar que tudo que eu vi em "O Exorcista do Papa" pode ser encarado como uma homenagem ao clássico de 1973, ao invés de uma simples cópia barata.
Agora eu preciso relatar as partes finais do filme, onde eu acho que o filme desanda, despenca de vez, perde totalmente a qualidade que poderia ter alcançado durante toda a história (se é que tinha alguma qualidade).
Até a parte em que o Padre Amorth decide ser possuído pelo demônio como forma de aprisioná-lo para a fuga da família do local, ainda poderia estar no terreno do mediano, do aceitável, como qualquer produção corriqueira de exorcismo que encontramos por aí. Porém, esta parte da possessão do Padre é completamente ridícula, grotesca, pífia, onde o roteiro e a direção se abraçam rumo ao fundo do poço em uma descida sem fim. É uma parte completamente viajada, forçada, totalmente carnavalesca, extravagante, psicodélica, onde claramente o único intuito era impressionar a qualquer custo com o uso dos efeitos especiais de luzes, poderes, magias, explosões, forçando o susto gratuito, abusando do jumpscare, se entregando totalmente ao alucinógeno de uma produção vexatória e vergonhosa, e ainda tentando extravasar abusando dos traumas de cada Padre para compor uma cena ridícula onde somos confrontados até por um gore (por incrível que pareça, acreditem se quiser). Tudo isso era realmente para nos impressionar? Pra mim definitivamente não funcionou, pois nessa hora eu comecei a dar risadas de tantas coisas ridículas juntas.
Nada que esteja ruim que não possa piorar. Pois no final ainda temos aquela cena patética da iniciativa Vingadores, onde mostra o Padre Amorth sendo convocado para assumir o maior desafio de sua vida, onde o próprio ainda convoca o Padre Esquibel. Praticamente uma cena do Nick Fury tomando a iniciativa Vingadores para compor uma continuação das novas aventuras de "O Exorcista do Papa". E o Padre Amorth é o líder dos Vingadores da Igreja Católica, afinal de contas ele é o Gladiador, que se quisesse facilmente derrotaria o Asmodeus. E por incrível que pareça, "O Exorcista do Papa" terá uma continuação que já foi confirmada para 2025.
Sobre o elenco não temos muito o que destacar:
Temos aqui a estreia do Russell Crowe como protagonista em um filme de terror. Ele faz o básico, o famoso feijão com arroz, consegue incorporar bem a figura do Padre Amorth, principalmente em suas tiradas cômicas. Russell Crowe conduz bem o seu personagem até o fim de toda a história.
O resto do elenco é praticamente nulo, estão ali unicamente para compor o quadro de elenco que um longa-metragem precisa. Daniel Zovatto ("Corrente do Mal", de 2014) é bastante esforçado, diga-se de passagem, mas também é afetado pelo marasmo do seu próprio personagem, que por sinal é bem secundário na história e não faz a menor diferença.
Alex Essoe ("Doutor Sono", de 2019) é a mãe Julia, que não faz nada no filme todo, ela está ali unicamente porque o demônio no garotinho precisava da presença de uma mãe para apertar os seios. Laurel Marsden ("Ms. Marvel", de 2022) é a adolescente Amy. É impressionante como na maioria das produções de exorcismo sempre precisam da presença de uma jovem adolescente com roupas curtas para apenas ser possuída pelo demônio tarado. Porque sinceramente, a Laurel Marsden traz uma personagem completamente perdida, esquecível, sem nenhum propósito, onde a sua própria atuação também é péssima. E por fim temos o garotinho possuído da vez, Peter DeSouza-Feighoney, o Henry. Até que ele se sai bem dentro da sua proposta na história. Sem esquecer de mencionar o lendário Franco Nero ("John Wick", de 2017), que deu vida para a figura do Papa.
"O Exorcista do Papa" arrecadou US $ 70 milhões em bilheterias em todo o mundo.
Por fim, "O Exorcista do Papa" é apenas mais um filme de exorcismo, que apostou em um nome extremamente conhecido dentro do mundo cinematográfico para ser o seu protagonista e poder comprar a atenção do grande público. Funcionou? Talvez. Deu certo? Não. Definitivamente temos aqui mais uma produção de possessão completamente pífia e vergonhosa, que tentou atirar para todos os lados, tentou desesperadamente se reinventar usando histórias paralelas e até um fato verídico dentro do contexto histórico da Igreja Católica. Porém, não deu certo, falhou miseravelmente, se afundou em seus próprios erros por excesso de pretensiosismo e banalidade. Será apenas mais um filme de exorcismo facilmente esquecível! [19/05/2023]
A Morte do Demônio: A Ascensão
3.3 817 Assista AgoraA Morte do Demônio: A Ascensão (Evil Dead: Rise)
"Evil Dead Rise" é escrito e dirigido por Lee Cronin, e foi produzido por Bruce Campbell, Robert Tapert e Sam Raimi (os produtores da trilogia original). É o quinto filme da série de filmes "Evil Dead". O longa-metragem é estrelado por Lily Sullivan e Alyssa Sutherland como duas irmãs distantes tentando sobreviver e salvar sua família das possessões demoníacas (os lendários deadites).
"Evil Dead" é sem dúvida uma das minhas franquias de terror preferida, juntamente com o grande cineasta Sam Raimi (o mestre do horror). "The Evil Dead" (1981) é um clássico, um ícone, uma referência, uma obra-prima da história cinematográfica de terror (um dos maiores de todos os tempos). Em "Evil Dead Rise" temos vários pontos muito interessantes: como o fato de todo o desenvolvimento do filme ter sido construído pensando em uma sequência do remake de "Evil Dead" (2013) e "Army of Darkness" (1992), e até como uma provável continuação da série "Ash vs Evil Dead" (2015 / 2018). Porém, todos esses planos foram descartados e Raimi decidiu seguir com a produção do projeto como um filme solo, entregando a direção e o roteiro para o diretor Lee Cronin ("Minutos Depois da Meia Noite", de 2016), que por sinal é fã assumido e declarado da franquia "Evil Dead".
Quando começaram a surgir os rumores sobre o lançamento de um novo filme da franquia "Evil Dead", a primeira coisa que me veio na mente foi sobre o roteiro, ou seja, que história iriam contar dessa vez e como encaixariam o "Necronomicon" (O Livro dos Mortos) nela. Outro ponto que me deixou bastante curioso foi sobre a declaração de Bruce Campbell (o eterno Ash), quando ele afirmou em uma entrevista sobre o novo filme que não teríamos mais cabanas na floresta. Essa questão da cabana é muito intrigante e me deixou extremamente curioso, pois a icônica cabana sempre foi peça-chave do universo "Evil Dead", praticamente um personagem muito importante da história assim como o próprio Ash. Então, como seria o novo filme "Evil Dead Rise" com uma história se passando dentro de um apartamento em uma cidade ao invés da famigerada cabana na floresta?
Devo começar elogiando o roteiro escrito por Lee Cronin (com a supervisão de Sam Raimi), pois aqui temos dois pontos bastante peculiar trazidos para o universo "Evil Dead", que é a mudança de cenário e a introdução de uma questão familiar, que soa como uma reflexão sobre a maternidade e a figura central de uma mãe (algo inédito na franquia). Fato é que toda essa abordagem sobre esse conceito materno no filme é feito de forma bem leve, em outras palavras, é até vago e mal desenvolvido. Mas eu entendo e compreendo todo esse desenvolvimento vazio nessa questão, pois de fato essa não era a principal proposta do filme. Essa análise foi trazida apenas para contextualizar toda essa reflexão metafórica que se cria em torno da família e principalmente da figura materna na história. Ou seja, a história de "Evil Dead Rise" gira em torno das duas irmãs: Beth (Lily Sullivan), que acaba de descobrir uma gravidez indesejada, e Ellie (Alyssa Sutherland), que foi abandonada pelo marido e agora mora sozinha com seus três filhos (duas mães em situações diferentes).
Aqui já temos aquela reflexão citada sobre a maternidade; pelo lado da Beth, que ainda não se tornou uma mãe e agora vive assustada com essa realidade repentina em sua vida, e pelo lado da Ellie, que sofre com a carga emocional e o peso de ser uma mãe sozinha, abandonada e ter a difícil missão de criação e proteção de seus filhos dependentes. Outro ponto que deixa a trama ainda mais interessante é a situação atual em que se encontra as duas irmãs. Pois está muito claro a rusga que existe entre elas, aquele passado mal resolvido, aquela carga de ressentimento que ambas carregam, aquelas mágoas antigas e toda aquela tensão que esse reencontro inesperado proporciona para as duas.
Esse contexto familiar em filmes de terror até que funciona para contextualizar a história (por mais leve que seja), pra fazer aquela ligação com o massacre que logo se iniciará. Recentemente eu assisti dois filmes que traziam esse contexto - "M3GAN" e o próprio "Evil Dead" versão 2013.
O maior acerto de "Evil Dead Rise" é justamente apostar no óbvio da temática de sucesso da franquia "Evil Dead". Ou seja, manter aquela fórmula de sucesso e não querer se reinventar, não querer ser mais do que realmente deve ser. O que eu quero dizer é o fato de "Evil Dead Rise" ser o que todos já esperavam, reaproveitar a sua própria originalidade da franquia e do seu já consagrado e eternizado universo. Lee Cronin traz uma nova releitura do universo e sabe muito bem reaproveitar todos os elementos lendários da franquia; como a presença do apartamento mal-assombrado (no lugar da cabana), o icônico "Necronomicon", a lendária espingarda, a famigerada motosserra, aquela leitura das palavras que libertam os demônios, os próprios demônios se aproximando do local em alta velocidade (uma marca registrada da franquia), aquela referência da clássica cena do estupro das árvores, dessa vez sendo feita pelos cabos do elevador. Sem falar que o longa ainda presta uma espécie de homenagem à vários clássicos do terror; como a cena do elevador com sangue, que foi uma clara referência ao icônico Hotel Overlook, de "O Iluminado" (1980).
Assim como o excelente remake de 2013, "Evil Dead Rise" respeita toda a essência da franquia e, principalmente, respeita a obra original. A cena de abertura do filme já é bem condizente com toda a proposta desse universo. A principal marca da franquia está muito bem presente, que é o gore, a violência explícita, a sanguinolência extrema, as mutilações e esquartejamentos. Ou seja, um verdadeiro deleite para os amantes e consumidores dos slasher movies, do trash e do gore. Sem falar nas famosas cenas que nos causa aflição, como mastigar uma taça de vidro, perfurar o rosto com uma agulha, passar um ralador na perna. Além dos famosos vômitos intermináveis, aquelas cenas bem nojentas, aquele banho de sangue (a famosa chuva de sangue), que se tratando de "Evil Dead", é uma obrigação. O sangue em "Evil Dead" é outro personagem extremamente importante no contexto histórico, e aqui não foi diferente, já que de acordo com o diretor Lee Cronin, foram usados 6.500 litros de sangue falso no filme.
Sobre o elenco:
Este é o segundo filme da franquia que não conta com Bruce Campbell como um dos personagens principais. Porém, Campbell é apresentado em uma participação especial não creditada apenas com voz, ouvida em uma gravação em um dos discos fonográficos de 1923; Campbell dá voz a um personagem não identificado que avisa os padres sobre os perigos do ritual de ressurreição do demônio. Bastante interessante por sinal!
Lily Sullivan ("Na Selva", de 2017) traz a personagem Beth de forma bastante contundente na história. Inicialmente Beth está sofrendo em silêncio pelo choque da descoberta da sua gravidez, onde o seu terror já começa ali. Logo após ela toma aquela postura de mãe/tia protetora com seus sobrinhos, e depois ela praticamente incorpora uma versão de Ash feminina. Gostei dessa postura mais bad ass da Beth, aquele girl power, onde ela revive uma versão do Ash empunhando a clássica espingarda e a famigerada motosserra. Sem falar naquela cena clássica em que ela esquarteja aquele demônio acoplado com a motosserra com o famoso banho de sangue. O que seria da franquia "Evil Dead" sem uma cena dessa com a motosserra?
Alyssa Sutherland ("Vikings") também anda nessa mesma linha com sua personagem Ellie. Inicialmente também constatamos todos os seus traumas de mãe abandonada, com seu sofrimento, seu fardo, seu estado emocional comprometido e frágil, o que logo a torna vulnerável para a possessão demoníaca. Devo trazer todos os elogios para a Alyssa Sutherland quando ela incorpora sua versão de "mãe demoníaca". Ali ela dá um verdadeiro show de atuação, embaixo daquela maquiagem pesada, carregada, que compunha a sua figura de mãe assustadora, com expressões, gestuais e um olhar completamente tenebroso. Não é muito comum em filmes de terror a gente se deparar com atuações em alto nível, como a que Alyssa Sutherland entrega aqui.
Morgan Davies, Gabrielle Echols e Nell Fisher fazem suas estreias no cinema. Respectivamente eles são os três filhos de Ellie: Danny, Bridget e Cassie. Os três tiveram atuações mais modestas, porém a Nell Fisher conseguiu maior destaque com sua pequenina Cassie, que luta lado a lado de sua tia Beth no embate final contra aquele demônio bizarro.
Um ponto muito interessante na história é aquela cena logo após a Beth esquartejar o demônio com a motosserra, em que ela volta pra pegar de volta justamente a motosserra. Esta cena me soou como um gancho para uma possível continuação. Inclusive aquela cena, logo após esta citada, em que aparece aquela jovem conversando no celular com uma amiga sobre um final de semana em um lago, onde o local possui um chalé (ou cabana), e logo após ela também é possuída por um demônio, também me soou como uma provável continuação. Na verdade esta cena me despertou a curiosidade de encaixar este "Evil Dead Rise" como um prequel de toda a franquia, ou seja, partindo agora para uma cabana onde se passa o primeiro filme da saga. Realmente eu não sei qual foi a real intenção dessa cena, mas que deixou uma pulga atrás da orelha, isso deixou.
Se baseando nessas duas cenas específicas que eu destaquei como prováveis continuações do universo "Evil Dead": recentemente, em abril desse ano, Bruce Campbell afirmou que ele, Sam e Ivan Raimi estavam planejando uma possibilidade para futuros filmes da franquia 'a cada dois ou três anos' se "Evil Dead Rise" fosse um sucesso. O diretor Lee Cronin também discutiu suas ideias para futuras sequências da série que se passa após "Evil Dead Rise". Bem, ao que tudo indica, após 10 anos do último filme e 5 anos da série, a franquia "Evil Dead" estará mais viva do que nunca com novos filmes para compor ainda mais este incrível universo de terror.
Já no quesito técnico, "Evil Dead Rise" também se destaca. Temos excelentes efeitos, assim como as maquiagens, que também está impecável. A trilha sonora acompanha muito bem cada cena, somando ainda mais o pânico e nossa apreensão. A cinematografia é ótima, com uma fotografia que se destaca em todas as cenas. A própria direção de Lee Cronin é excelente, ele realmente soube usar a mudança de cenário de uma cabana para um apartamento ao seu favor. Ele conseguiu transformar o lar doce lar em um ambiente macabro e tenebroso, praticamente um campo de batalhas demoníacas.
"Evil Dead Rise" foi originalmente programado para estrear com exclusividade no serviço de streaming da HBO Max, mas as exibições teste foram tão bem e tão positivas que a distribuidora Warner Bros. Pictures optou por lançar o filme primeiro nos cinemas.
"Evil Dead Rise" arrecadou mais de $ 132 milhões em todo o mundo contra um orçamento de produção de $ 15-19 milhões, tornando-se o filme de maior bilheteria da série.
No site agregador de críticas Rotten Tomatoes, 83% das 199 críticas dos críticos são positivas, com uma classificação média de 7,2/10. O consenso do site diz: "Oferecendo quase tudo que os fãs de longa data poderiam esperar enquanto ainda conseguem levar a franquia adiante". Já no Metacritic, que usa uma média ponderada, atribuiu ao filme uma pontuação de 69 de 100, com base em 38 críticos, indicando "críticas geralmente favoráveis". O público pesquisado pelo CinemaScore deu ao filme uma nota média de "B" em uma escala de A + a F, enquanto os entrevistados pelo PostTrak deram uma pontuação positiva de 71%, com 57% dizendo que definitivamente o filme é muito bom e que o recomendariam.
Na minha opinião: "Evil Dead Rise" é tão bom quanto o remake de 2013, ambos estão em pé de igualdade dentro da franquia "Evil Dead". Porém, eu ainda prefiro o remake, pelo fato de ser mais violento, mais visceral, mais apoteótico, ter cenas mais impactantes, mais sanguinolentas e consequentemente abusar mais do gore e do trash. [18/05/2023]
A Maldição da Chorona
2.3 524 Assista AgoraA Maldição da Chorona (The Curse of La Llorona)
"A Maldição da Chorona" (também conhecido como "The Curse of the Weeping Woman") foi lançado em 2019, dirigido por Michael Chaves (que estreava na direção, e logo após seria o diretor de "Invocação do Mal 3" e será de "A Freira 2"), e escrito por Mikki Daughtry e Tobias Iaconis (ambos do filme "Noitários de Arrepiar", de 2021). O longa-metragem foi produzido por Gary Dauberman e James Wan, através de seu banner Atomic Monster Productions. O filme segue uma mãe em 1973 em Los Angeles que deve salvar seus filhos de um espírito malévolo que tenta roubá-los.
Um ponto muito interessante no filme é o fato dele ser baseado no folclore mexicano "La Llorona", que segundo a lenda é sobre uma mulher que afogou a si mesma e ao seus filhos, sendo condenada a chorar eternamente, então, ela captura outras crianças para substituir seus filhos, levando-os à morte depois.
Toda essa ideia do roteiro em girar em torno desse conto, dessa lenda, desse mito, é bem funcional e soa bastante intrigante inicialmente. Pois temos uma história de uma mulher (uma assistente social) que se torna viúva e se vê obrigada a criar seus dois filhos sozinha, onde sua vida sofre drásticas mudanças quando ela começa a investigar um caso de entidade sobrenatural, que logo toda essa investigação se volta contra ela. Se analisarmos friamente, é uma lenda que pode gerar uma boa história para uma boa adaptação em um filme de terror.
Começando pelo o fato do roteiro já nos confrontar com a figura central da mãe, que obviamente é considerada como uma soberana na família, aquele símbolo de amor, de cuidado, de proteção para com seus filhos. Então quando ela passa de proteção para ameaça é exatamente aonde tudo começa acontecer e a trama ganha tons de suspense e terror. Outro ponto interessante no filme é aquela construção mais dramática, uma vertente dramática, que aborda exatamente todo drama que Anna (Linda Cardellini) enfrenta ao se deparar com a situação ameaçadora que seus filhos estão enfrentando. Por outro lado a própria Anna tem que lidar com suas falhas como mãe, o que nos confronta exatamente com a Patricia Alvarez (Patricia Velásquez), que também é uma mãe que foi condenada por seus abusos. O mesmo também vale para a Chorona (Marisol Ramirez), que é a principal representação de uma figura materna que falha na proteção de seus filhos. Este é um ponto positivo no filme, o fato de um terror ter essas abordagens mais dramáticas (mesmo que de leve).
Outra parte, que pode soar como clichê em filmes com essa temática, é o fato de todas as suspeitas que se levantam ao redor de Anna. É fato que médicos e assistentes logo desconfiariam da Anna em relação aos machucados nos braço de seus filhos. Obviamente todos iriam logo acreditar que Anna estivesse descontrolada, alucinada, fora de seu estado de controle normal, que ela mesma poderia ser a ameaça, que ela própria poderia estar atacando seus filhos. De fato é um clichê mas que cabe perfeitamente aqui. Outro ponto positivo é o fato da mistura cultural que temos no filme, onde temos um contexto que confronta a cultura norte-americana com a cultura mexicana, ou seja, aquela cultura protestante tipicamente americana com a presença da crença católica mexicana. E esse choque cultural funciona, flui com o desenrolar da história, não vira um conflito.
Se por um lado o longa funciona no quesito do drama familiar de uma mãe em busca da proteção dos seus filhos e do choque entre culturas distintas. Por outro o roteiro jamais vai abrir mão do terror pastelão, do clichezão, da forçação de barra em cima do velho jumpscare, da previsibilidade, da falta de criatividade e originalidade. Tudo que encontramos nos mais variados filmes de terror moderno temos aqui: sustos gratuitos, portas se fechando sozinhas, aparições de vultos, rituais, possessão, invocação, aquelas situações clássicas de tensão e terror. Fato é que hoje em dia está cada vez mais difícil dos filmes de terror fugirem dessas temáticas. A grande maioria até pode ter uma premissa boa, que soa como interessante, mas fatalmente vão se entregar ao já batido e defasado terror moderno.
Um ponto que pode contar para que "A Maldição da Chorona" comece interessante e depois mergulhe no famoso terror pastelão, é exatamente por ser uma produção feita aos cuidados do famoso James Wan. De fato o James Wan nunca abriu mão de começar uma produção instigante, interessante, com um grande potencial, mas depois se jogar de cabeça no terror pastelão (isso é uma marca registrada do diretor). Outro ponto é a ligação que todos imaginam que "A Maldição da Chorona" tem com o "The Conjuring Universe". Muitos acreditam que o longa-metragem é de fato a sexta edição da franquia "The Conjuring Universe", porém o filme não faz parte do universo estendido de "Invocação do Mal", apesar da referência que filme faz com a "Annabelle" e por ter no elenco o padre Perez, que é o mesmo personagem do filme de 2014, sendo interpretado até pelo mesmo ator, Tony Amendola.
Temos um elenco que funciona bem, dentro das cabíveis proporções.
Linda Cardellini (da franquia "Vingadores") é a que mais se destaca, por incorporar a figura de uma mãe que está sofrendo com a presença ameaçadora que coloca em risco a vida de seus filhos. Sem falar na recente perda de seu marido e as duras condições de seu trabalho. Linda é uma excelente atriz, ela tem essa veia mais dramática, que nos comove pelo seu sofrimento, pela sua luta, pela sua garra, e aqui ela funciona exatamente dentro desses requisitos. Considero uma boa atuação de Linda Cardellini.
Patricia Velásquez ("Hawaii Five-0") muito bem com aquela figura de mãe sombria, misteriosa, obscura, que parece sempre estar escondendo algum segredo.
Raymond Cruz (da série "Major Crimes") é mais conhecido por desempenhar trabalhos menores em programas de TV. Aqui Raymond interpreta o padre mexicano Rafael Olvera, e ele vai muito bem ao contracenar com a Linda Cardellini.
Um grande destaque no elenco é a presença mirim, que é composto por Jaynee-Lynne Kinchen como Samantha Garcia (Sam) e Roman Christou como Chris Garcia. Tanto Jaynee-Lynne como Roman se destacam positivamente no filme, eles entregam uma atuação mais inocente e até mais convincente. O mesmo vale para a ótima Madeleine McGraw (que brilhou em "O Telefone Preto", de 2021), que mesmo tendo pouco tempo de tela, ela consegue nos mostrar toda a sua desenvoltura.
Em questões técnicas o filme vai bem!
A maquiagem na Marisol Ramirez ("Circle", de 2015) para se transformar na Chorona é muito boa. Uma maquiagem carregada, pesada, com aquelas mãos escurecidas, realmente um grande trabalho técnico. O trabalho da direção de arte é boa, complementa bem a história. Juntamente com a fotografia mais escurecida, um trilha sonora bem dark e completando com uma direção de Michael Chaves bem ajustada nos momentos mais oportunos. Alguns efeitos deixam um pouco a desejar, mas nada que comprometa muito.
"A Maldição da Chorona" arrecadou $ 123 milhões em todo o mundo contra um orçamento de $ 9 milhões, tornando-se o filme de menor bilheteria se compararmos com a franquia "The Conjuring Universe".
Por fim, temos aqui mais uma produção de terror que conta com uma premissa interessante, tem como base uma lenda bem intrigante, começa bem com o drama central da figura materna, mas logo cai inevitavelmente no marasmo, no clichê, no jumpscare, mergulhando de vez no famoso terror moderno pastelão (mesmo caso do filme "Rogai Por Nós", que assisti recentemente). Pelo menos vale como entretenimento de mais uma produção de terror descompromissada e despretensiosa, mas facilmente esquecível.[29/04/2023]
A Freira
2.5 1,5K Assista AgoraA Freira (The Nun)
"A Freira" (estilizado como †HE NUИ) foi lançado em 2018, dirigido por Corin Hardy e escrito por Gary Dauberman, a partir de uma história de Dauberman e James Wan. É um spin-off/prequela de "Invocação do Mal 2", de 2016 e o quinto longa-metragem da franquia "The Conjuring Universe". A trama segue um padre católico romano e uma freira em seu noviciado quando eles descobrem um segredo profano em 1952 na Romênia.
Aqui temos uma equipe formada por Corin Hardy (diretor pouco conhecido de "A Maldição da Floresta", de 2015), Gary Dauberman (roteirista da franquia "It" e "Annabelle") e James Wan, um dos maiores nomes do terror da atualidade e um dos responsáveis pelo desenvolvimento do "The Conjuring Universe".
É fato que o terror tem sido muito banalizado e massacrado nas últimas décadas no cinema, algo como um gênero muito batido, muito comum, onde falta principalmente a originalidade e a criatividade. Constantemente temos inúmeros exemplos, ou seja, os milhares filmes de terror que vão sendo lançados um atrás do outro. Toda essa forçação de barra em cima do gênero é o principal fator para cada vez mais a sua credibilidade ser perdida. E isso só tende a piorar, como estamos acompanhando mensalmente e anualmente. Por isso está cada vez mais comum às pessoas dizerem que o gênero terror morreu nas décadas de 80 e 90, e o que temos hoje em dia não passam de eternos caça-níqueis.
Dentro desse contexto temos a já consagrada franquia "Invocação do Mal", que iniciou lá em 2013. "Invocação do Mal" hoje é uma franquia que cresceu muito, que já está eternizada, que criou uma grande fanbase, principalmente pela construção do seu próprio universo compartilhado (no maior estilo Marvel e DC), que gerou vários spin-offs ao longo dos anos. Dentro desses vários spin-offs da franquia "Invocação do Mal" temos mais um - "A Freira".
"A Freira", que é conhecida como Valak, apareceu pela primeira vez em "Invocação do Mal 2" (2016) e logo após em "Annabelle 2: A Criação do Mal" (2017). Uma curiosidade sobre Valak: diferente do filme, Valak não tem nada a ver com uma freira. Ele é descrito como uma criança com asas de anjo montado em um dragão de duas cabeças e ele não precisa possuir o corpo de um humano, já que ele pode assumir a forma que quiser. No caso, o filme decidiu usar a personagem da freira como a forma do demônio.
"A Freira" funciona cronologicamente com toda a história do "The Conjuring Universe", pois este é de fato o primeiro capítulo de toda a saga. Temos aqui uma história que é situada no início dos anos 50, num mosteiro na Romênia, quando o Vaticano despacha o Padre Burke (Demián Bichir) e uma jovem freira, Irmã Irene (Taissa Farmiga), para investigar a complexidade do caso em que duas freiras foram brutalmente atacadas por uma entidade maligna, onde uma delas se enforca como uma tentativa de fuga da possessão demoníaca. Um ponto interessante da história é o fato daquela freira que se enforcou ter vivido toda sua vida sobre o enclausuramento daquele estranho convento, e sempre ter sido perseguida pelos seus traumas e seus demônios ocultos. Outro ponto curioso é o fato do Vaticano impor a jornada investigativa à cargo de um padre que parece estar atormentado por um passado assombrado, e uma noviça inexperiente que ainda não fez os seus votos perpétuos para se tornar uma freira.
A forma como a freira foi utilizada em "Invocação do Mal 2", quando aterrorizou a vida do casal Ed e Lorraine Warren (Patrick Wilson e Vera Farmiga), nos deixou muito intrigado sobre quem de fato era aquela freira demoníaca, porque ela causava tanta perturbação e tanto medo em Lorraine. Ou seja, tanto em "Invocação do Mal 2" quanto em "Annabelle 2" a freira era uma das criaturas mais bizarras e assustadoras de toda a história. Logo todos imaginavam que essa personagem também poderia ganhar o seu filme solo, assim como a própria Annabelle havia ganhado. Porém, aqui temos um ponto que merece ser destacado: a Annabelle funcionou perfeitamente tanto no filme "Invocação do Mal" quanto em seu próprio filme solo, o que definitivamente não acontece com a freira, pois ela é muito mais assustadora em "Invocação do Mal", já em seu filme solo ela não funciona, ela não é nem sombra do que havia sido anteriormente.
O longa tem uma premissa interessante, principalmente por já começar nos confrontando com a imagem da freira, o que nos deixa bastante intrigado sobre como será contada toda a sua história, e logo após a cena do suicídio essa curiosidade aumenta ainda mais. O clima de mistério é rapidamente instalado na trama, o que logo vai desenvolvendo todo suspense e toda mística acerca daqueles acontecimentos. Nesse quesito o filme é bem trabalhado e bem desenvolvido, pois a ambientação sombria e macabra é bem funcional. Sem falar nos cenários onde a história se passa, que vai desde aquele pacato vilarejo até o gigantesco castelo que foi transformado em convento. Outro ponto que se destaca é exatamente toda a construção do suspense, que é constante, é crescente e é presente em torno de todo o clima sombrio e gótico, principalmente na introdução da figura da freira, onde sua entidade é na maioria das vezes oculta. A trilha sonora também contribui com os cenários e com toda ambientação soturna.
Por outro lado temos um roteiro fraquíssimo (facilmente um dos piores de todo "The Conjuring Universe"), onde o mesmo é mal trabalhado, mal desenvolvido, mal escrito, sem nenhuma estrutura, sem nenhum ponto de virada. O enredo é limitado, sem desenvolvimento sobre os personagens que compõem a história, sem nos estabelecer suas convicções. Como já destaquei, o início da trama é boa e bem estruturada sobre a construção do suspense, porém logo tudo se perde quando o suspense é deixado de lado para a introdução do terror forçado, do clichê, dos famosos jumpscare, que mesmo sendo usado em pouca quantidade mas sempre estão ali. Toda história em si é bem arrastada, o que deixa o ritmo do filme bem morno e sonolento. Dificilmente (ou quase nunca) o filme te causa medo ou vai te assustar, o que ele mais tenta é te forçar ao susto gratuito, mas definitivamente isso não funciona. A figura da freira é mal utilizada e mal desenvolvida na história, que mesmo sendo utilizada na maioria das vezes à espreita e oculta, mas claramente você sente falta de uma presença maior e mais aterrorizante. Sem falar no embate final, onde temos uma cena completamente pífia e ridícula, quando a Irmã Irene simplesmente derrota a figura assombrosa da freira com o uso do famoso "sangue de Jesus tem poder". Facilmente uma das piores cenas finais de um filme de terror.
O elenco é mediano.
Temos a presença da irmã mais nova da Vera Farmiga, Taissa Farmiga ("American Horror Story). Um ponto curioso sobre a Irmã Irene é o fato que ela possa ser a Lorraine Warren dentro do universo de "Invocação do Mal", já que o filme é cronologicamente o primeiro da saga e as duas são irmãs e são parecidas. Esse é um ponto que deve ser observado nos próximos passos do "The Conjuring Universe". Taissa entrega uma atuação ok, nada perto do nível da sua irmã, mas consegue se manter firme e segura bem a personagem (acredito que ela vai desenvolver mais dentro da franquia).
Demián Bichir ("Godzilla vs Kong") é o padre exorcista da vez, que compõe um personagem que vive traumatizado exatamente por um exorcismo feito no passado e hoje ele atormentado constantemente. Uma atuação que também anda no terreno do aceitável, do mediano, entregou o que o roteiro pedia.
Jonas Bloquet ("As Feras") é o curioso da vez, o personagem que descobre a freira morta no início e depois até participa da batalha demoníaca. Quase um Ash da Shopee - kkk! Bonnie Aarons ("O Lado Bom da Vida") foi quem sempre deu vida para a Valak (A Freira Demoníaca). Eu achei uma boa atuação em um nível grotesco, porém confesso que queria ver ainda mais o que ela tem para nos oferecer (quem sabe numa próxima vez).
"A Freira" obteve recepção negativa quanto a crítica especializada, onde muitos elogiaram suas performances e atmosfera, mas criticaram sua narrativa fraca e lógica inconsistente. No site Rotten tomatoes o longa teve 26% de aprovação com base em 193 avaliações e no metacritic um meta score de 46 por 32 comentários, se tornando o menos bem avaliado de todo "The Conjuring Universe".
O filme arrecadou $ 365 milhões em todo o mundo, tornando-se o filme de maior bilheteria do "The Conjuring Universe".
Uma sequência, "A Freira 2", está atualmente em pós-produção com direção de Michael Chaves e co-produção de James Wan e Peter Safran. O longa-metragem está com lançamento previsto para 8 de setembro desse ano.
Não é sempre que uma boa história gera bons spin-offs, e aqui temos mais uma prova disso. "A Freira" respeita o universo de "Invocação do Mal" mas não consegue alcançar a sua grandiosidade, a sua relevância, a sua estrutura e, principalmente, jamais consegue atingir a sua complexidade técnica e narrativa. De fato temos aqui apenas mais uma tentativa de introdução de uma personagem que apareceu na franquia principal em seu filme solo. Porém essa tentativa falhou, não funcionou, se revelando apenas como mais um caça-níquel na tentativa de espremer ainda mais esse universo. Portanto, só me resta afirmar que "A Freira" é o pior filme do "The Conjuring Universe", uma vez que "O Homem-Torto" foi oficialmente cancelado e "A Maldição da Chorona" teoricamente não faz parte do universo. [27/04/2023]
Rogai Por Nós
2.3 409 Assista AgoraRogai Por Nós (The Unholy)
"Rogai Por Nós" foi lançado em 2021, escrito, produzido e dirigido por Evan Spiliotopoulos (em sua estreia na direção), baseado no romance de terror de 1983, "Shrine", de James Herbert. O longa-metragem foi produzido por nada mais nada menos que o produtor da franquia "Evil Dead", Robert Tapert, e o diretor Sam Raimi, através de seu banner Ghost House Pictures.
Evan Spiliotopoulos é um roteirista, produtor e diretor greco-americano. Evan sempre atuou apenas como roteirista, desde 2002, quando assinou o roteiro de "Mogli - o Menino Lobo 2", passando por "A Pequena Sereia" (2008), "Hércules" (2014), "A Bela e a Fera"(2017) e "As Panteras" (2019). E ele é o roteirista de "O Exorcista do Papa", filme lançado no dia 06/04 e que conta com o protagonista Russell Crowe. O mais curioso é o fato de Evan nunca ter trabalhado com nada relacionado ao terror, e justamente sua estreia na direção de um longa-metragem é com uma adaptação de terror.
"Rogai Por Nós" inicia com um acontecimento no ano de 1845, e esse acontecimento reflete nos dias atuais de uma pequena cidade da Nova Inglaterra, onde temos um cotidiano normal dos moradores que visitam frequentemente a paróquia da cidade para alimentar a fé. Aquela típica cidadezinha do interior onde nada acontece e todos vivem na tranquilidade e na paz. Logo temos um decadente jornalista (Jeffrey Dean Morgan) que se depara com uma jovem, que até então era muda, e que diz ter sido visitada e abençoada pela Virgem Maria e, repentinamente, ela passa a ouvir, falar e curar pessoas que trazem até ela algum tipo de enfermidade.
O interessante é justamente a forma como Fenn (o jornalista) age em relação à todos esses fatos curiosos, onde, obviamente, ele passa a investigar o caso e vê uma oportunidade de ressuscitar a sua carreira jornalística desvendando o caso dos segredos milagrosos.
Temos aqui um filme de terror e suspense com uma premissa muito intrigante e bastante interessante, que logo de cara já nos deixa curioso acerca de todos os acontecimentos que permeia aquela cidade. O fato do enredo tratar exatamente na questão dos milagres soa como intrigante, instigante, misterioso, e justamente pelo fato de você se perguntar se os fenômenos e milagres serão mesmo obra da Virgem Maria ou de algum poder macabro, algo que possa ter uma fonte e uma ligação muito mais sombria. Toda essa premissa funciona bem inicialmente, até pelo fato da citação que o filme faz com os acontecimentos reais das aparições da Virgem Maria nas cidades de Lourdes e Fátima, locais que viraram pontos de peregrinação.
A construção do suspense baseado no mistério é bastante funcional, até pelo fato de você passar a criar inúmeras possibilidades, de não acreditar em tais acontecimentos, de criar uma barreira entre a fé e a ilusão, e aqui a semente da dúvida e da desconfiança é plantada em nossa cabeça com sucesso. E o roteiro usa aquela típica receita clássica do terror que se baseia em temática católica, com padres de fé duvidosa, personalidades infiéis, cruzes pegando fogo, além de explorar temas de êxtase religioso, histeria em massa, possessão demoníaca, cura pela fé e catolicismo.
Outro ponto interessante no filme é a forma como ele mostra a manipulação da fé, a deturpação e degradação dessa fé, algo como os falsos religiosos, falsos profetas, falsos cristãos, aquelas pessoas que se consideram cristão só pelo rótulo de certas crenças ou determinada religião (e isso é o que mais existe hoje em dia). Uma verdadeira cutucada sobre os falsos profetas em peles de cordeiros, quando na verdade são lobos raivosos.
No entanto, "Rogai Por Nós" levantou uma polêmica e gerou discursão sobre a forma representada da Virgem Maria (Mãe de Deus) no filme, pelo fato dela ter sido representada em algumas formas malignas e demoníacas. O filme faz questão em nos apresentar uma Virgem Maria com um pacto demoníaco, uma Virgem Maria que assume uma forma negra, grotesca, macabra, sombria, aterrorizante, além da sua imagem constantemente sangrar pelos olhos e ainda se desintegrar (algo como uma alusão sobre todo o poder que o demônio possa ter sobre as pessoas que nem mesmo a sua fé é capaz de protegê-la). Toda essa representação da Virgem Maria foi encarado como blasfêmia, com estereótipos anticatólicos, um anticatolicismo, uma verdadeira ofensa à Igreja Católica. Muitas pessoas se sentiram ofendidas ao assistirem o filme.
Jeffrey Dean Morgan (o eterno Negan de "The Walking Dead") tem uma atuação ok como o jornalista Gerald Fenn, nada surpreendente ou de grande relevância, porém ele vai muito bem nesses papeis, ele sabe entregar exatamente o que o roteiro precisa do seu personagem (belíssimo ator). Cricket Brown ("We Want Faces So Bad") bem mediana como Alice, tem cenas que ela até vai bem, mas tem outras que ele fica devendo, e sinceramente ela não convence em um filme de terror. Katie Aselton ("The Morning Show") como Dr. Natalie Gates, ela até consegue boas cenas, mas nada que mereça um grande destaque. William Sadler ("À Espera de um Milagre" e "Um Sonho de Liberdade") como Padre Hagan, um personagem misterioso que até surpreende em alguns pontos e algumas tomadas de decisão. Definitivamente o filme possui um bom elenco mas que foram subaproveitados.
"Rogai Por Nós" é mais um caso de um filme de terror com uma boa premissa, com um grande potencial, principalmente por inicialmente construir um clima onde o suspense se sobressai, onde somos pegos pelo mistério, pela crença, pela fé, pela curiosidade. Porém, todo esse suspense e mistério é deixado de lado para dar espaço ao velho clichê, para forçar o susto gratuito, para tentar impressionar o espectador forçando a barra em cima dos velhos jumpscare. Ou seja, mais uma vez temos um caso de um bom material que foi mal aproveitado, mal trabalhado e mal adaptado. Porém, ainda assim o filme não é essa tragédia toda como muitas pessoas afirmaram, considero até como um terror mediano, vale a experiência pelo entretenimento, principalmente por contar com o excelente Jeffrey Dean Morgan. [23/04/2023]
A Morte do Demônio
3.2 3,9K Assista AgoraA Morte do Demônio (Evil Dead)
"Evil Dead" é dirigido por Fede Álvarez (em sua estreia na direção), foi produzido por Bruce Campbell, Robert Tapert e Sam Raimi (os produtores da trilogia original), e co-escrito por Rodo Sayagues e o próprio Álvarez. O roteiro foi então adulterado por Diablo Cody ("Juno", de 2007) em um esforço para americanizar o diálogo, já que o inglês não era a primeira língua dos escritores. Apelidado de uma "reimaginação", é o quarto título da série "Evil Dead" e serve tanto como um reboot (remake) do filme original de 1981 como uma continuação da trilogia original. A história segue um grupo de cinco pessoas sob ataque de uma entidade sobrenatural em uma cabana remota na floresta.
Seria mais do que óbvio que após o terceiro filme de "Evil Dead", Raimi seria muito questionado sobre uma possível produção de um quarto filme da já consagrada franquia. E principalmente pela forma como o terceiro terminou (com o final original), com o Ash acordando no futuro em um cenário pós-apocalíptico. Ou seja, todos imaginavam um quarto filme levando o personagem até esse futuro pós-apocalíptico. As negociações para um quarto filme começaram em 2004, com o Bruce Campbell sobre a possibilidade de um próximo filme da franquia, porém as negociações não avançaram. Fato é que Raimi e Campbell planejaram um remake por muitos anos, mas, em 2009, Campbell afirmou que a construção do remake que estava sendo proposto estava "indo a lugar nenhum" e fracassou devido à reação extremamente negativa dos fãs. Já em abril de 2011, Campbell declarou que estavam trabalhando firme em um remake e que o roteiro era simplesmente incrível.
Nas últimas décadas a onda dos remakes vem se intensificando cada vez mais, onde produções que são consideradas eternizadas e irretocáveis tem ganhado seus remakes, que muita das vezes são sempre considerados inferiores se comparados com a obra original. Os exemplos mais conhecidos vão desde "Psicose" até "O Massacre da Serra Elétrica", de "Sexta-Feira 13", passando por "Halloween" e até mesmo "A Profecia". Outro exemplo é o remake de "Carrie" (2013), que recentemente revi e escrevi minha análise. Esse remake da "Carrie" é simplesmente péssimo, cabe perfeitamente o caso da falta de criatividade, credibilidade e relevância na construção dos remakes hollywoodianos.
Já no caso do remake de "Evil Dead", Raimi pensava em produzir um remake que pudesse respeitar a obra original, manter a sua essência, que pudesse ser filmado nos moldes do original. Partindo dessa premissa, Raimi queria contar com um cineasta amador, ou pelo menos sem muita experiência, vindo de produções de curtas, com uma mente aberta em relação à novas propostas, sem imitar cenas, sem forçar em cima do CGI e, principalmente, sem aqueles orçamentos exagerados (o que já era corriqueiro).
O diretor Uruguaio Fede Álvarez se encaixou perfeitamente nas exigências de Raimi, pois o remake de "Evil Dead" seria seu primeiro trabalho em um longa-metragem, e ele havia se destacado graças ao curta "Ataque de Pânico!" (2009). Além do mais, a sua forma de trabalhar com o uso do CGI batia exatamente com a opinião do Raimi, pois o próprio Álvarez disse que as pessoas usavam o CGI por ser mais barato e mais rápido e ele odiava tudo isso. Álvarez confirmou em uma entrevista que o remake de "Evil Dead" só utilizou o CGI em pequenos retoques durante toda a produção. Ele afirma que tudo que vemos no filme é de fato real, e ele decidiu apenas utilizar maquiagens e truques ilusórios para nos imergir naquele cenário claustrofóbico. Ou seja, ele decidiu abrir mão do uso do CGI para brincar com a nossa mente entre o real e o imaginário, despertando os nossos medos, agonias e nos aterrorizando. Álvarez também afirma que essa produção foi muito exigente, que a filmagem foi muito longa, que durou cerca de 70 dias de filmagem à noite.
Eu assisti "Evil Dead" no cinema em sua semana de estreia lá em abril de 2013, e já havia gostado muito desse remake. Revendo o filme hoje, depois de rever a trilogia original, eu afirmo com toda a certeza que esse remake é excelente, simplesmente um dos melhores remakes da história dos remakes. Eu nunca fui a favor dos remakes, sempre tive um pé-atrás quando o assunto era mexer em obras clássicas, mas dessa vez eu confesso que "Evil Dead" é definitivamente aquele remake de respeito.
Toda a ideia que trouxeram para compor o roteiro eu achei bem condizente com a proposta do filme. Ou seja, exatamente essa decisão de levarem a Mia (Jane Levy), que era uma viciada em drogas, para uma cabana insolada no meio da floresta no intuito de realizarem uma longa cura de desintoxicação. Essa é uma ideia boa e casa exatamente com o fato da possessão de Mia, que a princípio todos vão acreditar que o seu comportamento é fruto da sua abstinência, e logo após todos percebem que uma força demoníaca se apoderou de seu corpo.
"Evil Dead" é um excelente remake justamente por respeitar a obra original, por manter toda a sua essência, por decidir seguir no campo do terror e não apostar na comédia (como aconteceu na trilogia clássica). A cena de abertura já é excelente, com aquela perseguição da garota na floresta e logo após aquela cena impactante onde ela é queimada viva pelo próprio pai. Logo após somos apresentados ao grupo da cabana, onde temos a cena de apresentação da Mia que soa como uma verdadeira homenagem ao Sam Raimi, quando ela aparece vestida com um suéter da universidade de Michigan, a universidade que o diretor estudou.
"Evil Dead" também se destaca pela grandiosidade ao respeitar e preservar alguns elementos clássicos da obra de Raimi: temos a cabana isolada no meio da floresta, o encontro com o icônico livro dos mortos ("Necronomicon"), o famigerado porão, a leitura no livro das palavras que vão despertando os demônios, a câmera vindo em alta velocidade em direção à cabana, cuja definição é exatamente sobre os demônios se aproximando da Mia, a clássica cena do estupro das árvores, a clássica cena em que o demônio (ou a Mia) dá aquela olhadinha por baixo da porta do porão, o colar servindo como amuleto, e como jamais poderia faltar, a icônica motosserra.
"Evil Dead" é exagerado sim, é sem noção sim, traz um apelo gráfico pelo puro prazer estético do sangue e da violência sim, tem personagens que tomam atitudes burras sim. Tudo isso faz com que esse remake seja grandioso, seja coerente com a obra original, era exatamente tudo isso mesmo que a gente precisava. Um remake de "Evil Dead" que honra os amantes e consumidores de um verdadeiro slasher movies, do trash, do gore, com cenas absurdamente sangrentas, com uma violência explícita impecável. Esse é um dos grandes méritos do longa de Fede Álvarez, não poupar o espectador, não economizar na violência, não economizar no gore, não economizar nas vísceras, não economizar nas mutilações e esquartejamentos, ser forçado sim, principalmente no quesito sanguinolência e violência.
Assistir este filme no cinema foi um verdadeiro deleite, pois suas cenas impactavam e incomodavam à todos os presentes na sala, principalmente as garotas, que se contorciam na cadeira em cenas como: passar a língua no estilete e deixá-la bifurcada. Escovar os dentes com cacos de vidros. Tirar uma agulha do olho. Atirar pregos direto na cara. Cortar o próprio braço com uma serra elétrica de cortar carne. Ou seja, cenas completamente bizarras, que nos dava agonia e aflição. Sem falar no terror dos demônios, das possessões, com bruxarias, com aparições de figuras bizarras, e como jamais poderia faltar em um filme do universo "Evil Dead", aquelas cenas bem nojentas.
A cena final é a verdadeira cereja do bolo, o verdadeiro ápice do filme, quando temos aquela assombrosa chuva de sangue e o verdadeiro massacre da serra elétrica. Esta específica cena é a verdadeira definição do título "Uma Noite Alucinante". Que cena bizarramente impecável, com uma violência e um gore absurdo, um verdadeiro massacre da serra elétrica pra deixar o Leatherface completamente no chinelo. Esse é o filme com mais sangue feito até o momento.
Em questão de elenco não tem muito o que destacar. Na verdade temos um elenco bem limitado (eu diria), salva-se a Mia e o seu irmão David. Jane Levy ("O Homem nas Trevas", de 2016) consegue uma boa atuação na pele da Mia, nos passando aquela garota que inicialmente está sofrendo pela abstinência das drogas, e logo após ela fica muito bem caracterizada de "demônio", principalmente pelas suas expressões faciais e seus gestuais. Shiloh Fernandez ("A Garota da Capa Vermelha", de 2011) é talvez o que mais se assemelha ao icônico Ash, pois de fato não temos um herói absoluto na trama, e seu David até que se sai bem em algumas cenas.
Uma curiosidade bizarra sobre o elenco: as iniciais dos nomes de cada um (David, Eric, Mia, Olivia e Natalie) forma a palavra Demon.
Em questões técnicas temos um ótimo trabalho de direção de Fede Álvarez ("O Homem nas Trevas"). Realmente ele sabe conduzir muito bem a sua câmera, conseguindo aqueles takes e aqueles focos bem bizarros, sem falar nas cenas em que os demônios corriam pela floresta, onde temos excelentes perseguições com o uso da câmera. A fotografia de Aaron Morton ("Espontânea", de 2020) é boa e muito correta em algumas partes, principalmente nas cenas em que era preciso o uso do sombrio, do macabro, dando aquele foco na tempestade e na neblina intensa. Já a trilha sonora de Roque Baños ("O Operário", de 2004) chega a ser estridente e incômoda durante grande parte do filme, principalmente na cena final, onde o destaque da trilha sonora se intensifica ainda mais. Uma trilha sonora que casa perfeitamente com cada cena do filme.
Em outubro de 2019, Raimi anunciou na Comic Con de Nova York que um novo filme do universo "Evil Dead" estava oficialmente com luz verde e em desenvolvimento, com Robert G. Tapert como produtor, enquanto Raimi e Campbell atuavam apenas como produtores executivos, todos sob a direção da Ghost - Banner. Em junho de 2020, Lee Cronin ("Minutos Depois da Meia Noite", de 2016) foi escolhido como diretor com um roteiro que ele próprio escreveu. Oficialmente intitulado "Evil Dead Rise", o projeto foi desenvolvido pela New Line Cinema. Alyssa Sutherland (da série "Vikings") e Lily Sullivan ("Na Selva", de 2017) foram escaladas para o filme, e as filmagens foram concluídas em 27 de outubro de 2021. "Evil Dead Rise" está programado para ser lançado nos cinemas em 20 de abril de 2023.
"Evil Dead" arrecadou $ 97 milhões em todo o mundo contra um orçamento de produção de $ 17 milhões.
Uma versão estendida com um final alternativo (uma cena excluída no meio dos créditos) e vários outros clipes e diálogos excluídos, alguns dos quais foram apresentados no trailer original, mas posteriormente removidos da versão final, foi ao ar no Reino Unido no Canal 4 em 25 de janeiro de 2015.
O longa-metragem ainda apresenta uma inusitada cena pós-créditos.
Por fim, posso afirmar que a maioria dos remakes nunca são pedidos por ninguém, e os clássicos também não clamam com urgência por uma nova versão (como a indústria cinematográfica deve pensar). Porém, aqui temos um caso raríssimo, um ponto fora da curva, um remake excelente, de qualidade, que soube se reinventar e trazer uma refilmagem imersa no terror, na violência, abusando da ousadia e principalmente do gore, mas sempre respeitando e honrando o eterno clássico de 1981. "Evil Dead" versão 2013 é um dos melhores remakes já feitos e um dos melhores que já assisti. Sem mais!
("Evil Dead" foi lançado no cinema brasileiro em 19 de abril de 2013 e eu revi hoje, 19 de abril de 2023, com exatos 10 anos de lançamento)
Uma Noite Alucinante 3
3.5 530 Assista AgoraUma Noite Alucinante 3 / Exército das Trevas (Army of Darkness)
"Army of Darkness" foi lançado em 1992, dirigido, co-escrito e co-editado (sob o pseudônimo de R.O.C. Sandstorm) por Sam Raimi (junto com seu irmão Ivan Raimi). O filme é produzido por Robert Tapert e Bruce Campbell, sendo o terceiro capítulo da série de filmes "Evil Dead" e a sequência direta de "Evil Dead II" (1987). Estrelado por Bruce Campbell e Embeth Davidtz, o longa segue Ash Williams (Campbell) enquanto ele está preso na Idade Média e luta contra os mortos-vivos em sua busca para retornar ao presente.
"Army of Darkness" (originalmente intitulado "Evil Dead III: Army of Darkness") foi produzido como parte de um contrato de produção com a Universal Pictures após o sucesso financeiro de "Darkman" (1990). Realmente "Darkman" fez um grande sucesso em sua época de lançamento, tanto pela crítica quanto financeiramente. Todo esse sucesso de "Darkman" incentivou Raimi e seus produtores a darem continuidade em um terceiro filme da já formada franquia "Evil Dead". Raimi já tinha essa ideia de levar o Ash para a Idade Média desde a segunda metade de "Evil Dead II", mas por falta de verba para tal realização, o segundo filme seguiu os mesmos passos do primeiro, que era justamente se concentrar em um terror claustrofóbico novamente na cabana. Tanto que no final de "Evil Dead II" Raimi deixa um epílogo intrigante e provocativo sobre essa sua vontade de levar seu novo herói para a Idade Média. E justamente essa cena final de "Evil Dead II" nos mostra Ash sendo engolido por um portal que se abriu na cabana que o levou até o ano de 1300 A.C., onde ele já chega no local sendo recebido com estranheza pelos povos presentes, porém após ele enfrentar e matar um demônio com sua espingarda, ele é glorificado como um novo salvador que caiu dos céus.
Mesmo com todo o sucesso de "Darkman" e a própria recepção positiva de "Evil Dead II", Raimi ainda teve problemas financeiros para a realização do terceiro filme da franquia. Pois os altos valores necessários para a produção de um possível "Evil Dead III" levou o diretor a cogitar a ideia de produzir um terceiro filme onde levaria novamente o protagonista ao inferno da cabana isolada. E realmente a princípio Raimi pensou em um script mais modesto, mais curto, cujo roteiro original possuía apenas 43 páginas. No entanto, como uma produção ambiciosa já fazia parte dos planos de Raimi, ele decidiu tocar o barco e por em prática a sua ideia de manter seu protagonista preso na Idade Média, de mostrar a aventura do seu herói na Idade das Trevas, de criar uma mitologia com Ash enfrentando os demônios kandarianos.
Se "The Evil Dead" (1981) é mundialmente respeitado e considerado como um dos maiores filmes de terror independente da década de 1980 e de toda a história do cinema. "Evil Dead II" já pende para o lado "Terrir", já aposta em uma comédia de terror, ou seja uma comédia trash em um filme de terror. Com "Evil Dead III" Raimi já abraça completamente a comédia pastelona e exagerada, já assume de vez o "Terrir", o terror fantasioso, a comédia trash em um filme de terror. Essa era justamente a ideia de Raimi, assumir esse fechamento da sua trilogia como uma paródia dentro de sua própria mitologia. Trazer um filme de terror que tem essa essência do terror, mas abraçando a comédia, transformando toda trajetória de seu protagonista em uma verdadeira aventura cartunesca e lúdica.
"Evil Dead III" foi um filme que dividiu muitas opiniões em sua época, e justamente por trazer todo o universo de "Evil Dead" (que todos já estavam acostumados), porém forçar muito no cômico, no exagero humorístico, na comédia pastelona que beira o ridículo, e principalmente por ser o filme que transforma de vez o protagonista Ash em um verdadeiro canastrão. Ash já vinha em uma crescente evolução dentro da franquia, mas foi em "Evil Dead III" que ele deixou de lado o seu lado mais covarde e tímido para incorporar de vez em um herói pastelão, aquele valentão machista (que na época não soava como pejorativo), na verdade se transformar em um anti-herói com bastante carisma (o que é bastante intensificado durante a série "Ash Vs The Evil Dead", de 2015).
De fato o Bruce Campbell se assume de vez como o anti-herói carismático que virou a cara e a referência de todo o universo "Evil Dead". Temos aqui um Campbell com a sua interpretação mais caricata, mais canastrona, onde ele realmente força bastante em suas expressões faciais e em sua alta dose de humor, com aquelas suas caras e bocas. E toda essa sua caracterização condiz perfeitamente com a sua personalidade na hora de atuar, pois o Campbell é exatamente dessa forma que nos foi passado no filme, divertido, engraçado, carismático, envolvente, fodão, um herói diferente, um romântico atrapalhado.
Em "Evil Dead III" Bruce Campbell está mais solto, mais leve e mais feliz para realizar às cenas mais hilárias da história dessa franquia. E realmente ele nos diverte com inúmeras cenas bizarras e engraçadíssimas - como a cena inicial do poço, onde ele retoma o poder do seu famigerado motosserra. A cena da dancinha possuído, a luta contra os inúmeros mini-Ash, a luta contra as mãos dos esqueletos vindas da terra no cemitério. E completando com aquela batalha medieval. Uma batalha épica pra "Coração Valente" nenhum botar defeito - rsrs!
Ainda quiseram forçar um certo romance bem vazio entre Ash e Sheila (Embeth Davidtz, recentemente esteve no filme "Tempo", do Shyamalan). Na verdade a personagem Sheila foi incluída na trama unicamente pra não deixar passar uma aventura noventista sem a participação de uma mocinha para o herói defender. E foi justamente o que aconteceu ao final, quando a paz é selada entre os reinos e o nosso herói se despede da mocinha e parte rumo ao seu destino.
Tecnicamente "Evil Dead III" mostra um avanço em relação aos filmes anteriores (o que já era de se esperar). Temos várias cenas que enaltecem os bons efeitos especiais. Mais uma vez a trilha sonora é boa e se sobressai nas cenas. A cinematografia é muito bem diversificada ao longo do filme. Assim como a própria direção de arte, pois nesse terceiro filme não ficamos presos somente em cenas noturnas na cabana, aqui temos uma mescla de cenários entre o medieval e o sombrio, assim como às próprias cenas, que se passam tanto de dia quanto de noite. Não posso deixar de mencionar aquela câmera demoníaca do Raimi, onde a própria parecia estar possuída ao ficar rodando e sacudindo à todo o momento. Sem falar nas cenas onde a câmera sempre dava aquele zoom enlouquecedor.
"Evil Dead III" possui dois finais: um considerado como o final original pessimista (sendo a versão que chegou ao mercado internacional), onde o Ash toma uma gota a mais do elixir que o levaria de volta para casa e acorda no futuro, numa Inglaterra pós-apocalíptica completamente destruída. Já nos Estados Unidos temos o segundo final, onde a Universal optou pelo retorno de um Ash relativamente ileso ao S-Mart (o supermercado que ele trabalhava anteriormente), tendo que enfrentar um cliente-demônio. Eu concordo com o segundo final, e na verdade é o meu preferido, justamente por encerrar a produção dentro desse universo humorístico que foi proposto o tempo todo pelo filme.
"Evil Dead III" arrecadou $ 21,5 milhões no total acima de seu orçamento de $ 11 milhões e recebeu críticas geralmente positivas dos críticos, que elogiaram a direção de Raimi, o humor, os visuais e a atuação de Bruce Campbell, embora as críticas fossem voltadas para o tom mais leve em comparação com os filmes anteriores. A maioria deles contribui para os conflitos criativos e o comportamento do estúdio no set e durante a pós-produção.
Apesar de não ser um sucesso de bilheteria, o longa tornou-se um sucesso no lançamento em vídeo e mais tarde conquistou o culto dos fãs da série, junto com os outros dois filmes da trilogia. O filme foi dedicado ao agente de vendas de "The Evil Dead" e produtor executivo de "Evil Dead II", Irvin Shapiro, que morreu antes da produção do filme em 1989.
O longa-metragem ainda foi indicado ao Saturn Awards Academy de 1993 na categoria de Melhor Filme de terror.
Mesmo sendo a proposta do filme em trazer uma comédia pastelona trash de terror, eu confesso que senti falta de uma abordagem maior justamente no quesito terror (que foi o gênero que consagrou "The Evil Dead"). Porém ainda temos boas doses de horror, seja na caracterização dos demônios, nas cenas de perseguição na floresta e na atmosfera do cemitério macabro. Outro ponto que senti falta foi justamente do gore, que também sempre foi uma marca registrada da franquia. Pois aqui o filme abraça tanto a comédia e o nonsense que acaba deixando de lado o gore. O mesmo vale para os eternos demônios de massinha moldável com aquelas maquiagens bizarras, que também senti falta (apesar daquele vilão meia boca). Também vale mencionar a decisão em retirar o uso do famigerado motosserra do Ash para a inclusão daquela mão mecânica, que confesso não ter me agradado tanto assim.
Sam Raimi consegue fechar com chave de ouro a sua trilogia "Evil Dead", e muito por este terceiro ser um filme livre de rótulos, de amarras, onde ele aposta no terror, na aventura, muda cenários, propostas, aposta na comédia pastelona, no trash, no humor, no cômico, constrói um filme de terror completamente nonsense e que funciona pela sua criatividade e ousadia.
"Evil Dead III" não é o melhor da trilogia, mas é ousado, criativo, satisfatório e suficientemente divertido e aterrorizante. [13/04/2023]
Uma Noite Alucinante 2
3.8 711 Assista AgoraUma Noite Alucinante 2 (Evil Dead II)
"Evil Dead II" (também conhecido como "Evil Dead 2: Dead by Dawn") é um filme de 1987 dirigido por Sam Raimi, que co-escreveu o roteiro junto com Scott Spiegel ("Um Drink no Inferno 2"), e foi produzido por Robert Tapert ("O Grito") e Bruce Campbell. O filme é estrelado por Bruce Campbell como Ash Williams, que passa férias com sua namorada Linda (Denise Bixler) em uma remota cabana na floresta. Ele descobre uma fita de áudio com recitações de um livro de textos antigos e, quando a gravação é tocada, ela libera uma série de demônios que o possuem e o atormentam.
Em 1981 "The Evil Dead" revelava ao mundo um dos grandes nomes da história do cinema de terror, o verdadeiro mestre do horror, o diretor Sam Raimi ("Doutor Estranho no Multiverso da Loucura"). "The Evil Dead" é considerado como um dos maiores filmes de terror independente da década de 1980 e de todos os tempos. Um dos filmes mais inovadores e audaciosos do terror dos anos 80. Com "The Evil Dead" Raimi provou ao mundo cinematográfico todo o seu amor ao cinema trash, e com um baixo orçamento ele construiu um clássico do terror trash, do terror Cult, do gore oitentista, que serviu de base e influenciou vários filmes que aderem o seu estilo até os dias de hoje. Sem nenhuma dúvida Sam Raimi foi um dos grandes responsáveis em revolucionar o cinema de super-heróis (pela sua trilogia de "O Homem Aranha"), juntamente com o terror.
Após o fracasso crítico e comercial de "Crimewave" ("Dois Heróis Bem Trapalhões", de 1985), Sam Raimi, o produtor Robert Tapert e Bruce Campbell começaram a trabalhar em uma sequência de "The Evil Dead" por insistência de seu publicitário Irvin Shapiro (o homem responsável por introduzir uma série de filmes estrangeiros influentes nos Estados Unidos, além de lidar com os primeiros trabalhos de alguns diretores notáveis). Por ser um grande fã do filme original, o mestre do suspense Stephen King chamou a atenção do produtor Dino De Laurentiis ("Hannibal - A Origem do Mal") para o projeto, com quem havia feito sua estreia na direção de "Maximum Overdrive" ("Comboio do Terror", de 1986). De Laurentiis concordou em fornecer apoio financeiro e atribuiu aos cineastas um orçamento consideravelmente maior do que o que haviam trabalhado no filme original de 1981. Embora Raimi tenha criado uma premissa ambientada na Idade Média e envolvendo viagens no tempo, De Laurentiis solicitou que o filme fosse semelhante ao seu antecessor.
Fato é que "Evil Dead II" era pra ser uma continuação do filme de 1981, mas como não foi possível conseguir os direitos para exibir algumas cenas, o início da história foi recriado. Dessa forma "Evil Dead II" pode ser considerado como uma refilmagem de uma mesma história, um remake, ou até um reboot (reinício) que serve de continuação (ou prequência) em vez de uma sequência como poderia ser imaginado inicialmente.
Dessa vez temos um Raimi mais ousado, mais criativo, mais confiante, pois ele traz a mesma história do filme anterior, mantém a mesma essência, o mesmo clima, o mesmo ambiente sombrio, macabro, misterioso e soturno. Porém, ele inova no suspense, inova no terror, ele aposta em uma comédia de terror, uma comédia trash em um filme de terror, um verdadeiro "Terrir", soando até como uma paródia do seu próprio filme. Dessa vez com um orçamento melhorado em relação ao filme anterior, Raimi pode melhorar algumas qualidades técnicas em sua produção, como os próprio efeitos e maquiagens, que ganharam uma qualidade melhor. Temos aquele excelente e divertido jogo de câmeras, onde Raimi nos leva abordo da sua câmera ao passear pela floresta e pelos cômodos da cabana. Este é um ponto que se sobressai em "Evil Dead II" (assim como no primeiro), esta opção em brincar com a nossa imaginação ao nos confrontar com a câmera perseguindo os personagens para nos elucidar sobre as forças demoníacas que estavam sendo despertadas e avançando até a cabana.
O filme começa nos contando sobre a origem do "Necronomicon - O Livro dos Mortos", por sinal uma ótima cena com uma história um tanto quanto bizarra. A partir do encontro com a fita da gravação feita pelo pesquisador com a citação que acordou e libertou os demônios, na tentativa de traduzir o Livro dos Mortos, logo na sequência a namorada de Ash é possuída pelos espíritos em uma cena com uma bela perseguição de câmeras. Logo após temos uma curiosa e inusitada cena com um verdadeiro show de stop-motion da Linda (ou do cadáver dela) fazendo aquela dança bizarra e depois sumindo na escuridão da floresta. Em paralelo com a história temos a Annie (Sarah Berry), a filha do professor, que volta para a cabana junto com um mecânico que trabalhava com ele e sua namorada na busca pelo seu pai. Agora com todos presos na cabana, eles lutam contra fantasmas, demônios e espíritos malignos que mudam de forma a todo instante, e a arma mais letal contra os demônios pode estar no livro, especificamente em umas páginas especiais recém encontradas.
"Evil Dead II" nos traz inúmeras cenas clássicas, aquelas que ficaram eternizadas e imortalizadas na história dessa franquia. A clássica cena das árvores atacando a mocinha indefesa. A icônica luta do Ash contra a sua própria mão (uma das maiores cenas de uma luta sozinho de toda a história do cinema). A própria sequência de cenas que envolve o Ash contra aquela mãozinha no maior estilo "A Família Addams". A clássica cena da mão-motosserra, que é uma das mais fortes características do personagem, a partir desta sequência. A lendária cena em que o Ash corta o cano da espingarda e se arma para enfrentar os demônios, se trajando praticamente de um exterminador. Aquelas várias frases de efeitos (os famosos bordões do Ash), que também ficou eternizada.
Sobre o elenco, tivemos alguns cortes do elenco original do filme de 1981. A própria Linda é vivida dessa vez pela Denise Bixler, que estava fazendo a sua estreia na carreira de atriz. Apesar que a sua carreira não alavancou após "Evil Dead II", onde ela atuou apenas no filme "Crisis in the Kremlin" (1992) e em um episódio do seriado "Booker" (1989), abandonando a carreira logo após. Sarah Berry, que fez a Annie, ficou conhecida exclusivamente por sua personagem em "Evil Dead II", o que a levou a fazer apenas mais um filme, "Chud - A Cidade das Sombras" (1989), e depois abandonar o cinema para trabalhar exclusivamente com teatro e musicais da broadway. A personagem Bobbie Joe, que foi vivida pela atriz Kassie Wesley DePaiva, foi inspirada na atriz Holly Hunter. O mecânico caipira Jake foi vivido pelo ator Dan Hicks, um amigo pessoal do Sam Raimi e do Bruce Campbell, que sempre aparecia no elenco de suas produções (infelizmente ele veio a falecer em 2020 vítima do câncer). E finalizando com Ted Raimi, o irmão mais novo do Sam Raimi, que também apareceu no primeiro filme.
Quando falamos sobre a franquia "Evil Dead" a primeira coisa que vem em nossa cabeça é o Sam Raimi e consequentemente o personagem Ash Williams. Ash é um personagem imortalizado e eternizado na franquia graças a competência absurda de Bruce Campbell ao dar vida à um dos personagens mais icônicos da história do terror trash. Sem nenhuma dúvida, Campbell ficou estigmatizado pelo personagem Ash. Ouso a dizer que o Ash foi o maior e melhor personagem de toda a carreira do Bruce Campbell.
"Evil Dead II" contou com uma extensa animação em stop-motion e efeitos de maquiagem protética criados por uma equipe de artistas que incluía Mark Shostrom, Greg Nicotero, Robert Kurtzman e Tom Sullivan, este último dos quais voltaram do filme original. Todo o trabalho de stop-motion, efeitos e maquiagens deram um charme a mais para toda a produção do filme. Apesar que hoje em dia fica muito nítido como são técnicas ultrapassadas e que não funcionam mais com o mesmo impacto para a geração atual, como funcionou perfeitamente para a geração daquela época.
O longa novamente aposta no gore, na violência explícita e compõe cenas bem bizarras, e devido ao seu alto nível de violência, o filme foi lançado por meio de um distribuidor pseudônimo para conter uma classificação X antecipada da Motion Picture Association of America.
Assim como o clássico de 1981, "Evil Dead II" foi amplamente aclamado pela crítica, que elogiou a nova mudança para uma comédia trash de terror, a direção de Raimi e a atuação de Bruce Campbell; muitos o consideraram superior ao seu antecessor e, da mesma forma, como um dos maiores filmes de terror já feitos. Apesar de ter um lançamento um tanto limitado, como um orçamento de US$ 3,5 milhões, o filme ainda fez um modesto sucesso de bilheteria, arrecadando cerca de $ 6 milhões em todo o mundo.
Assim como o enorme sucesso do primeiro filme, "Evil Dead II" seguiu os mesmos passos e acumulou um grande culto internacional de seguidores. Em 1992, foi seguido pela sequência direta "Army of Darkness" ("Uma Noite Alucinante 3"), que utilizou a premissa original de Raimi; em 2013, foi seguido pelo soft reboot e continuação "Evil Dead"; e em 2015, foi seguido pela série de televisão "Ash vs Evil Dead". Um quinto filme da série, "Evil Dead Rise", está programado para ser lançado este mês nos cinemas.
O longa-metragem ainda foi indicado ao Saturn Awards Academy de 1987 na categoria de melhor filme de terror.
Por fim, Sam Raimi nos entrega uma sequência (ou reboot) que condiz com a excelência da obra-prima de 1981. Além de conseguir manter toda a sua essência e ainda inovando no quesito comédia trash de terror. Admiro muito a ousadia do Raimi em construir um universo de "Evil Dead" mergulhado no surrealismo, com um senso de humor, com um timing cômico, porém sem perder a sua marca registrada do suspense e consequentemente do terror. É um filme que você consegue se assustar e ao mesmo tempo dar risadas - só o Raimi mesmo pra conseguir tamanha façanha!
E o que foi aquela última cena do filme? Uma viagem no tempo bem inusitada e com um contexto bem viajado e bem bizarro (eu diria). Acho que desde aquela época o Sam Raimi já estava mergulhado no Multiverso da Loucura. [08/04/2023]
Carrie, a Estranha
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Carrie, a Estranha
"Carrie" foi lançado em 2013 e é dirigido por Kimberly Peirce ("Meninos Não Choram"). O longa é a terceira adaptação cinematográfica, sendo um remake da adaptação de 1976 do romance homônimo de Stephen King de 1974 e o quarto filme da franquia "Carrie". O filme foi produzido por Kevin Misher (produtor da franquia "O Escorpião Rei"), com roteiro de Lawrence D. Cohen (roteirista do filme original de 1976) e Roberto Aguirre-Sacasa (produtor da série "Riverdale"). O filme é estrelado por Chloë Grace Moretz como Carrie White, ao lado de Julianne Moore como Margaret White.
Parece que nos últimos anos o cinema tem cada vez mais perdido a sua credibilidade, a sua criatividade, a sua relevância, justamente pela falta em nos entregar algo inédito, novo, original, que obviamente não esteja dentro dessa nova onda hollywoodiana dos remakes, reboots, prequelas, ou o já famoso "ambientado antes dos eventos de". Obviamente esta versão da "Carrie" tem quase 10 anos desde o seu lançamento, mas de qualquer forma não deixa de beber dessa nova fonte hollywoodiana, que é esse desespero em lançar remakes de obras que são completamente irretocáveis e eternizadas - como é o caso da obra-prima do De Palma.
O maior problema dessa versão da "Carrie" está justamente na decisão em trazer uma nova releitura moderna do romance de Stephen King, e na minha opinião esta é a principal falha dessa versão, que basicamente é o objetivo em tornar a história acessível ao público atual (geração atual), sem adicionar qualquer visão extra ou algum ponto novo e relevante. Acredito que essa busca insaciável em atualizar a trama para o século 21 resultou em alguns erros referentes ao texto da obra original, e no fim o resultado ficou como um terror teen genérico adaptado para o novo público do cinema.
Temos aqui aquele famoso caso do remake que ninguém pedia, uma atualização e uma nova releitura completamente desnecessária. Aquele típico caso de oferecer um produto novo a um consumidor que está muito satisfeito com o original. A diretora Kimberly Peirce sofre com a falta de criatividade, de novidade, de relevância, soando apenas como uma forçação de barra, uma exploração de uma história consagrada e famosa. Obviamente já temos um remake lançado lá em 2002, mas de qualquer forma eu ainda vejo aquele remake mais respeitoso com a essência da obra original e mais relevante do que esta versão de 2013.
Nessa versão modernizada da "Carrie" temos a inclusão da internet na história, como no caso dos SMS, das fotos e dos vídeos que estão acessíveis à todos. Partindo dessa premissa temos a tão icônica cena do chuveiro, que na versão original tem um grande peso e uma grande relevância dentro do contexto da história. Aqui é uma cena simples, modesta, básica, onde temos a Carrie sofrendo o ataque de absorventes das outras garotas. Eu senti falta de um peso mais dramático nessa cena, principalmente na atuação da própria Chloë Grace Moretz, pois parecia que o foco maior estava justamente no algo novo na história...o vídeo que estava sendo gravado pelo celular.
Outro ponto que eu considero como um erro dessa versão está justamente na escalação da Chloë Grace Moretz como Carrie White. Devo mencionar que o papel da Carrie foi oferecido a Shailene Woodley, que o recusou. Dakota Fanning, Haley Bennett, Emily Browning, Lily Collins e Bella Heathcote fizeram testes para a personagem, e no fim ficou com a Chloë. Não tenho nada contra a atriz Chloë Grace Moretz, pelo contrário, até acho ela uma boa atriz. Porém, é muito claro que ela não se encaixa no perfil de Carrie White, ela não convence como estranha, feia e muito menos esquisita. É difícil até acreditar que uma garota como ela sofreria aqueles tipos de bullyings, pois ela se encaixa mais na adolescente bonita com baixa estima por conta dos abusos que sofre. E digo isso não no sentindo da Chloë ter que ser feia, ou que deveriam escalar uma atriz feia, ou até mesmo que a própria Sissy Spacek e a Angela Bettis eram atrizes feias. Digo no sentido de postura mesmo, falta na Chloë uma postura de estranha, de esquisita, no sentindo de atuação e interpretação. Como a própria Angela Bettis, que foi a Carrie mais estranha das três, pois ela sabia exatamente nos passar essa postura de Carrie estranha e esquisita, porém no baile ela se mostrou belíssima. E a própria Sissy Spacek, que também sabia se portar perfeitamente no sentido de Carrie estranha, e ela era uma atriz lindíssima.
A Sissy Spacek tinha 28 anos na época que interpretou a Carrie White, já a Angela Bettis tinha 29, e ambas se encaixaram perfeitamente interpretando uma adolescente de 16 anos. Já no caso da Chloë, ela realmente tinha 16 anos na época do filme, o que poderia ser um diferencial para ela, já que ela realmente era uma adolescente interpretando o papel de uma adolescente.
Mais uma falha dessa versão:
Na versão original e no remake de 2002, a Carrie se mostrava uma garota assustada, amedrontada e ingênua sobre várias coisas, coisas essas como os seus próprios poderes telecinéticos. Pois acompanhávamos todo o descobrimento desses seus poderes juntamente com ela, juntamente com todo o mistério que estava por trás, toda inexperiência dela própria em dominar e controlar tais poderes que até então ela desconhecia. Já essa versão da Chloë parece que ela já descobre os seus poderes e já os domina facilmente e instantaneamente (mesmo que no começo é uma novidade para ela e ela busca saber mais a respeito deles). Pois fica nítido como ela abusa do uso dos seus poderes em praticamente todos os momentos (até para prever o sexo de um bebê). Dessa forma perde um pouco da essência da Carrie e da sua objetividade.
Dentro desse contexto temos uma espécie de Carrie que mais se parece uma super-heroína, uma mutante, uma integrante dos X-Men. Sem nenhuma dúvida esta é a Carrie mais poderosa de todas, pois a forma como ela manipula os seus poderes parece uma espécie de Fênix Negra, quase um Hulk com o seu poder de pisar no chão e abrir crateras.
Falando do lendário e icônico baile de formatura: aqui temos a melhor parte de todo o filme, pois eu realmente gostei dessa nova releitura, dessa nova cara, tirando a parte de colocarem o vídeo da Carrie no telão. A cena da destruição do baile é mais violenta, mais impactante, mais sangrenta, até mais condizente com essa nova versão de Carrie super-mega-poderosa. Pois se realmente ela já tinha o total domínio de todos os seus poderes, fatalmente ela iria causar uma destruição muito maior nessa cena. E não deu outra, a Carrie exibe todos os seus poderes começando com um super grito onde todos são atingidos por uma espécie de pulso eletromagnético. As mortes são mais violentas, como a garota batendo de cara na porta de vidro, o garoto sendo esmagado pelos bancos e as garotas sendo pisoteadas no chão.
Especificamente nessa parte do filme é a única parte que a Chloë consegue convencer como Carrie White. Suas expressões ficaram convincentes com o momento de fúria, ela exibe aquele ar de crueldade, um sadismo misturado com vingança. Na cena que ela persegue a Chris e o Billy (Portia Doubleday e Alex Russell) para obter a sua doce e violenta vingança, é mais uma cena controversa e inusitada. A cena tem um certo exagero mas ficou bem violenta, com a cara da Chris presa nos vidros do para-brisa do carro e aquelas caras e bocas da Chloë.
Nessa versão temos uma cena logo após os acontecimentos no local do baile mais condizente com o livro, e justamente por mostrar toda proporção causada pelos impactos dos ataques da Carrie na cidade. Na cena que a Carrie volta para casa e mata sua mãe temos dois pontos interessantes: a parte que a Margaret ataca a Carrie com a Faca, que é exatamente igual o livro, e a forma que a Carrie mata a Margaret, que é uma referência à obra de 1976, com aquele monte de objetos pontiagudos cravando o seu corpo na parede em posição de cruz. A cena final da casa da Carrie sendo destruída por uma chuva de pedras, onde ela morre, é também uma clara referência à obra do De Palma. Agora essa ideia da Sue (Gabriella Wilde) grávida...é...isso que eu chamo de modernizar a obra.
Sobre a Chloë Grace Moretz ("Suspíria - A Dança do Medo"), ela realmente fica devendo com o seu papel de Carrie White. Desde a sua escalação eu já considero um erro, e ela realmente não convence como Carrie, pois falta caracterização, interpretação e postura (tirando a cena do baile, que ali é o único momento que ela consegue convencer). A escalação da Julianne Moore ("Jogos Vorazes") eu já considero um grande acerto. Julianne é uma belíssima atriz e aqui ela dá o seu toque, dá a sua cara, dá a sua característica na pele da Margaret White. Margaret também é uma personagem imortalizada e eternizada na franquia pelas atuações de Piper Laurie e Patricia Clarkson, e a Julianne manteve toda essência da personagem, conseguiu fazer um ótimo contraponto entre a maléfica Margaret da Piper e a sombria Margaret da Patricia. Julianne Moore também fica marcada como uma ótima versão da lendária Margaret White, até pela sua postura demoníaca e suas expressões assombrosas ao praticar a sua automutilação. E olha que a Jodie Foster chegou a ser considerada para interpretar a mãe da Carrie.
Gabriella Wilde ("Mulher-Maravilha 1984") consegue fazer bem a sua versão da também lendária Sue Snell. Para uma versão modernizada ela até que se saiu bem, conseguiu mostrar um remorso e um arrependimento desde o início pelo o que fez com a Carrie na cena do chuveiro. De qualquer forma é impossível falar da personagem Sue Snell e não se lembrar da Amy Irving, que ficou estigmatizada no papel. Portia Doubleday ("Mr. Robot") foi a escolhida para ser a antagonista Chris Hargensen. Portia foi mais uma que não me convenceu com a sua personagem, achei bem mediana. Judy Greer ("Halloween Kills") foi mais uma que esteve muito bem em sua personagem. Sua versão de Srta. Desjardin ficou muito boa, esteve bastante condizente com a essência da personagem no original. Ansel Elgort ("Amor, Sublime Amor") foi ok como Tommy Ross, não se destacou mas também não comprometeu. E completando com Alex Russell ("A Hospedeira") em uma atuação mediana de Billy Nolan, o namorado e cúmplice da Chris.
Tecnicamente o filme é ok!
Tem uma trilha sonora modesta que não chega a comprometer. A cinematografia é boa, consegue um bom destaque na fotografia. Os efeitos especiais são muito bons, o que já era de se esperar em uma versão modernizada da obra.
"Carrie" recebeu críticas mistas, com os críticos chamando-o de desnecessário e criticando a falta de originalidade. O longa-metragem arrecadou $ 84 milhões em todo o mundo nas bilheterias.
Existe um final alternativo, que pode ser facilmente encontrado no Youtube, onde mostra um pesadelo da Sue na hora do seu parto. Por sinal um final péssimo, ainda bem que retiraram no corte final e preferiram deixar como final alternativo. Será que este final alternativo poderia ser um gancho para uma possível continuação? Apesar que já se passaram quase 10 anos.
Como eu havia assistido esta versão somente uma única vez no cinema lá em dezembro de 2013, eu não me lembrava muito bem do filme. Hoje depois de ter lido o livro do mestre King, ter reassistido todos os filmes da franquia, eu posso fazer uma avaliação melhor e mais completa desse remake versão modernizada da "Carrie". Dessa forma é completamente impossível não colocar este filme como a pior versão do universo "Carrie". E muito pelas decisões de atualizar uma obra já consagrada para o público atual, modernizar um remake sem a menor necessidade, entregar uma releitura da obra de Stephen King sem nenhuma renovação relevante e construir um terror teen genérico onde falta tensão, falta suspense e principalmente o terror. [30/03/2023]
Carrie, a Estranha
3.1 612 Assista AgoraTEM SPOILERS!
Carrie, a Estranha
"Carrie" é baseado no romance homônimo de 1974 de Stephen King, sendo a segunda adaptação cinematográfica e uma releitura do romance, e o terceiro filme da franquia "Carrie". O longa foi escrito por Bryan Fuller (roteirista da série "Hannibal"), dirigido por David Carson (seu último trabalho foi em 2007, com o filme "Em Chamas"), e estrelado por Angela Bettis no papel principal. Na história, Carrie White, uma garota tímida que é assediada por seus colegas de escola, desaparece e uma série de flashbacks revela o que aconteceu com ela.
Após 26 anos da primeira adaptação da obra-prima literária do mestre Stephen King, o clássico do Brian De Palma, eis que surge um remake de toda a história da Carrie. Esta versão foi lançada em 2002 e foi produzida como um telefilme, feita exclusivamente para a TV onde originalmente era exibido pelo canal americano NBC. Aqui no Brasil o filme era constantemente exibido pelo o canal SBT.
Diferentemente daquela versão de 1999, que foi um filme feito com uma proposta de continuação e que jamais deveria ter existido, esta versão aqui é um remake fiel e completamente aceitável. Pois o longa-metragem foi produzido com um baixo orçamento, até por ter sido feito direto para a TV, o que obviamente implicou em vários problemas e algumas dificuldades, como os próprios efeitos especiais, que eram bem fraquinhos. Porém, eu vejo esta versão como um remake que respeita a obra original e consegue manter toda a essência e ser mais fiel ao livro do King do que o próprio filme de 1976 (lembrando que eu li o livro).
Um dos principais acertos dessa versão está exatamente na Carrie White da Angela Bettis, que na minha opinião das três é de fato a Carrie mais estranha. Obviamente a Sissy Spacek é completamente eternizada como a icônica Carrie (e minha preferida das três), porém eu vejo um contraponto muito interessante entre a Carrie da Sissy e a Carrie da Angela. A Carrie da Sissy era mais doce, mais meiga, tinha mais carisma, tinha um rosto mais angelical, se mostrava até mais vulnerável, que imediatamente nos despertava a empatia, o cuidado, o amor, era como se quiséssemos cuidar dela, proteger ela, ser amigo dela. Já a Carrie da Angela realmente se mostra mais estranha até pela sua própria postura, que é mais fechada, mais sisuda, mais soturna, mais amedrontada, mais traumatizada, até pelas suas expressões que são mais pavorosas e que realmente nos assusta. A Carrie da Angela era praticamente um animal acuado, indefeso, sofrido, assustado e misterioso.
É interessante notar que a Angela Bettis tinha 29 anos quando interpretou a Carrie White...a adolescente de 16 anos tímida, solitária, que era ridicularizada e perseguida pelos colegas da escola e constantemente oprimida e dominada pela mãe, uma fanática religiosa que reprime todas as vontades e descobertas normais aos jovens de sua idade. Realmente a Angela conseguia tranquilamente se passar por uma adolescente de 16 anos, assim como a própria Sissy Spacek, que na época também tinha 28 anos.
Em relação ao remake, esta versão segue os mesmos passos da obra do De Palma, se iniciando mostrando o dia a dia da Carrie na escola sofrendo os constantes bullyings e sendo sempre humilhada pelo grupo das garotas. Dentro desse contexto temos a icônica cena do chuveiro, que traz uma metáfora bem interessante, algo como um exaltação no empoderamento, no Girl Power, pois ao menstruar pela primeira vez, Carrie descobre ter poderes paranormais; a telecinese que a adolescente desenvolve simboliza o seu desabrochar e o seu poder de mulher. Especificamente esta cena do chuveiro no filme original é muito mais impactante por ser mais cruel, mais sofrida, mais dolorosa para a Carrie, pois ela sofre por mais tempo e é humilhada com o ataque dos absorventes. Já aqui esta cena perdeu um pouco do impacto, do peso dramático, até por ter ficado uma cena mais simples, mais rápida e sem o ataque dos absorventes, que foi colocado no armário escolar da Carrie. Porém, o que deve ser exaltado nessa cena é a magnífica atuação da Angela Bettis, que nos mostra todo o seu sofrimento pela aquela humilhação que ela acabava de passar.
O filme vai percorrendo todos os momentos que antecedem ao baile de formatura da escola Ewen, por sinal este é o nome original da escola no livro, já que na obra do De Palma foi modificado. É interessante que no decorrer da trama temos alguns flashbacks da infância da Carrie, onde nos mostra um pouco da sua criação que era imposta pela sua mãe. Inclusive temos uma curiosa cena com um ataque de meteoros que caem sobre a casa da Carrie durante seu ataque de fúria contra a mãe (no livro é uma espécie de tempestade de gelo). O longa faz questão de mostrar um certo exagero em algumas exibições iniciais dos poderes telecinéticos da Carrie; como na cena em que ela empurra a mesa do diretor na escola e a cena que ela joga o garoto de bicicleta contra a árvore.
Curioso que nessa versão quando a Carrie descobre os seus poderes telecinéticos, ela passa a buscar alguma informação que possa definir essa origem, como aquelas pesquisas que ela faz na internet, algo que ela pensa estar ligado com algum tipo de milagres iguais os de Jesus Cristo. Ela também passa a treinar a sua mente no controle daqueles seus poderes, o que vai fazendo ela descobrir a força e a proporção que eles podem atingir.
Por fim temos a tão icônica cena do baile!
Por falar no baile, anteriormente eu tinha mencionado que a Carrie da Angela era a mais estranha, que ela conseguia passar exatamente essa postura. Porém, devo afirmar que na cena do baile ela está lindíssima naquele vestido pink, aquela Carrie estranha não existe mais. Esta é uma cena que mostra todo o potencial de atuação da Angela Bettis, pois ela consegue contrastar com maestria a sua chegada no baile completamente assustada, claramente incomodada por não fazer parte daquele ambiente, e logo após ela vai suavizando e entrando mais no clima do local. Temos a cena da votação do Rei e da Rainha do baile que exemplifica muito bem tudo isso que eu destaquei, pois após ganharem a votação ela começa a ficar feliz e arrisca pequenos sorrisos, até por ser um momento que ela jamais havia vivido anteriormente.
Especificamente a cena dos ataques da Carrie no baile e toda proporção que ela toma fora do local é a parte que mais difere da obra do De Palma, e consequentemente é a parte mais fiel ao livro. Toda sequência que se inicia a partir dos ataques da Carrie dentro do local do baile é muito boa, como por exemplo aquela cena do choque, que chega a impactar. A partir daí temos as partes que mais se aproximam do livro, que é justamente toda proporção dos ataques da Carrie não só no baile mas em toda a cidade. Diferente da versão de 1976, a Carrie começa a destruir grande parte da cidade com seus ataques incontroláveis de fúria, o que atingi postos de gasolinas, toda a rede elétrica da cidade, bem como lojas e outros estabelecimentos. A proporção dos ataques na cidade são tão grande que logo aciona todas as autoridades locais. A própria morte da mãe da Carrie é igual no livro, que é justamente um ataque cardíaco causado pela própria Carrie (o que é totalmente diferente da versão do De Palma).
Falando das cenas finais do filme:
Uma parte original dessa versão e que não existe no livro e nem no filme do De Palma, é exatamente toda aquela parte do interrogatório, que vai sendo mesclada com o desenrolar da história, onde constantemente vamos conhecendo os relatos daquela noite pelo depoimento da Sue Snell (Kandyse McClure) e de outras pessoas que sobreviveram ao ataque do baile de formatura. Esta já é uma parte que difere totalmente do livro e do filme original, pois pelos relatos e depoimentos não foi só a Sue que sobreviveu ao ataque, tiveram mais pessoas, inclusive a própria Srta. Desjardin (Rena Sofer). Acredito que essa decisão em deixar mais sobreviventes (e não só a Sue) parte exatamente da ideia que estavam construindo com o final desse filme, pois a divergência com o original e o livro já começa quando a Sue salva a Carrie na banheira logo após ela ter matado a própria mãe. A própria decisão em manter a Carrie viva e nos apresentar aquela cena em que ela está com uma peruca loira ao lado da Sue de frente com o túmulo de sua mãe e o seu (que foi forjado). A partir daí a Sue diz que vai levar a Carrie para a Flórida, porque ela precisa iniciar uma nova vida em um local que ninguém a reconheça. Todo esse final em aberto que é exclusivo dessa versão foi construído pensando em transformar o filme como um piloto de backdoor para uma série spin-off da Carrie, onde ela viveria na Flórida e conviveria com os seus poderes telecinéticos. Porém, por motivos desconhecidos os produtores cancelaram essa ideia e nenhuma série subsequente foi produzida até hoje.
Sobre a Angela Bettis ("Garota, Interrompida") eu não tenho mais o que destacar, acho que eu já destaquei tudo que precisava ser destacado. Só reitero que a sua personificação de Carrie White é excelente, pela sua forma em desenvolver a atuação, o que na minha opinião a deixa em segundo lugar na lista de melhores Carrie, perdendo obviamente para a versão lendária e icônica da Sissy Spacek.
Já a versão de Margaret White da Patricia Clarkson ("À Espera de um Milagre" e "Ilha do Medo") é diferente da lendária versão da Piper Laurie. A Margaret da Piper era mais maléfica, mais protuberante, mais incisiva em seus castigos e até mais opressora. Já a Margaret da Patricia é mais sombria, mais macabra, mais misteriosa, mais densa, ela oprime com uma forma até mais pragmática. Devo afirmar que a Margaret da Patricia Clarkson é muito boa, pois ela consegue o protagonismo merecido e se destaca muito bem, assim como a própria Angela Bettis.
A lendária Sue Snell, que no original foi vivida pela também lendária Amy Irving, dessa vez é interpretada pela Kandyse McClure ("The Good Doctor" e "Private Eyes"). Kandyse está bem na personagem, consegue compor uma Sue até decente, porém sem o mesmo impacto que a Amy Irving teve na época. Rena Sofer ("The Glades") compõe muito bem a Srta. Desjardin, ela consegue dar a exata proporção dessa personagem, tanto nas conversas com a Carrie quanto nos embates com o grupo das garotas. Por falar no grupo de garotas, temos a sua líder, a Chris Hargensen, que aqui foi interpretada pela Emilie de Ravin ("Once Upon a Time"). Emilie também acerta na dose de prepotente, patricinha e maléfica da Chris Hargensen. Tobias Mehler ("Batalha em Seattle") é o Tommy Ross da vez. Assim como o Jesse Cadotte, que foi o cúmplice Billy Nolan, personagem que no original foi vivido pelo John Travolta novinho e no início de carreira.
"Carrie" estreou no canal NBC em 4 de novembro de 2002, quando foi visto por 12,21 milhões de pessoas. Apesar das boas avaliações e de duas indicações a prêmios (um Saturn Award e um ASC Award), o filme foi mal recebido pela crítica de cinema. As atuações, especialmente a de Angela Bettis, foram elogiadas, mas o filme como um todo foi criticado por seus efeitos especiais ruins, falta de uma atmosfera de terror e longa duração.
Devo concordar que os efeitos especiais do filme são de fato ruins, e isso é notado facilmente. A duração eu nem considero como um problema, apesar de este ser o filme mais logo de todas as adaptações da Carrie. Já no quesito atmosfera de terror o filme realmente fica devendo, até por ser um filme sobre a Carrie White e tudo que ela causou com seus poderes, o que também se aplica à sua mãe, que era uma figura maléfica e deturpada pela obsessão da fé. Obviamente esperávamos mais suspense, mais terror, como o original, que é referência nesse quesito, mas nesse sentido o filme realmente deixa a desejar.
Embora o filme fique devendo no quesito suspense e terror, tenha enfrentado vários problemas de produção devido o baixo orçamento de um filme feito para a TV, ainda assim eu considero esta versão da "Carrie" como um remake satisfatório, aceitável e condizente com toda a proporção da magnitude do universo "Carrie". Definitivamente este remake mantém toda a essência da obra original, é o filme mais fiel ao livro (apesar do final), traz uma excelente interpretação da Angela Bettis como Carrie White e, na minha modesta opinião, é a melhor adaptação e o melhor filme da "Carrie" depois da obra-prima e icônica do Brian De Palma. [24/03/2023]
A Maldição de Carrie
2.5 157 Assista AgoraTEM SPOILERS!
A Maldição de Carrie (The Rage: Carrie 2)
"A Maldição de Carrie" é dirigido por Katt Shea (do filme original Netflix "O Resgate de Ruby", lançado no ano passado) e foi lançado em 1999. O longa é uma sequência do filme de terror "Carrie" de 1976, baseado no romance homônimo de 1974 de Stephen King, e serve como o segundo filme da franquia "Carrie".
Inicialmente o longa-metragem seria intitulado como "The Curse", pois originalmente o filme foi programado para iniciar a produção em 1996 com Emily Bergl sendo a protagonista, mas a produção teve uma pausa de dois anos. Toda a história tem uma forte base em um incidente da vida real de 1993, no qual um grupo de atletas do ensino médio conhecido como "Spur Posse" se envolveram em um escândalo sexual. O filme acabou entrando em produção em 1998 sob o título "Carrie 2: Say You're Sorry". Depois de algumas semanas de produção, o diretor Robert Mandel ("Arquivo X" e "Lost") desistiu por causa de algumas divergências com a produtora e Katt Shea assumiu a produção.
Em novembro do ano passado eu tive a oportunidade de ler a obra-prima da literatura do mestre Stephen King, "Carrie". O livro é excelente e nos proporciona uma leitura incrível abordo de uma história contemporânea, assustadora, impactante e triunfal. Logo após a leitura eu iniciei a franquia de filmes, obviamente começando pela a obra-prima do Brian De Palma, que na minha opinião é a melhor adaptação do livro da "Carrie" e uma das melhores adaptações de todas as obras publicadas do mestre King. Agora estou de volta na franquia da "Carrie" e vamos dar continuidade com este filme questionável.
"A Maldição de Carrie" foi desenvolvida como uma continuação da obra dos anos 70, até por isso o subtítulo no original é "Carrie 2", ou seja, uma continuação do clássico 23 anos depois. Porém, eu vejo esse filme até mais como um remake/remaster do original do que propriamente uma continuação (sendo bem sincero). De qualquer forma temos aqui mais um caso de uma continuação completamente desnecessária e sem a menor necessidade.
A história do longa segue a meia-irmã mais nova de Carrie White, Rachel Lang (Emily Bergl). Uma jovem que assim como a Carrie também sofre de telecinese, é menosprezada e humilhada na escola, e teve uma infância difícil, pois sua mãe sofria de esquizofrenia e precisou ser internada logo cedo quando ela ainda era uma criança. Rachel tem uma vida difícil em seu dia a dia por ser oprimida e sofrer constantes bullyings por seus colegas da escola, onde o seu único refúgio é estar com sua melhor amiga Lisa (Mena Suvari). Lisa por sua vez acaba se envolvendo com Eric (Zachery Ty Bryan), um rapaz que ela pensava ser uma coisa e no entanto se mostra completamente diferente do que ela esperava, sendo que ele não estava realmente interessado nela e a usou unicamente como uma forma de competição entre os amigos. Lisa não suporta a ideia de ser usada e enganada, o que a leva a cometer suicídio (uma cena bem chocante por sinal). Rachel descobre que o suicídio de sua melhor amiga foi estimulado por um grupo masculino da escola que a exploraram para ganho sexual.
Se pegarmos todo o percurso da história de "A Maldição de Carrie" fica muito nítido que o roteiro se baseou inteiramente na obra do De Palma (até por isso eu classifiquei o filme como um remake). Pois temos a Rachel seguindo os mesmos passos que a Carrie, temos os mesmos bullyings, por ela também ser tachada como a garota estranha e esquisita da escola, e ela também se envolve com um garoto da turma, Jesse (Jason London), onde ela o vê como um alento daquele momento que ela está passando pela perda da sua amiga, e ela acha que ele poderá ajudá-la a superar essa dor.
Quando eu afirmo que "A Maldição de Carrie" é uma continuação que sequer deveria ter existido, é justamente por ser um filme completamente inútil, sem relevância, sem nenhuma importância dentro da história da Carrie, por simplesmente não agregar nada, não somar nada, não mudar absolutamente nada desse universo que já estava eternizado.
Vamos lá: a ideia de construir um enredo onde teríamos o surgimento de uma meia-irmã da Carrie White para compor uma nova história é simplesmente péssimo, uma falta de criatividade e originalidade absurda. Sendo que em nenhum momento eu comprei essa ideia da Rachel ser filha do mesmo pai da Carrie, e até por esse fator ela também possuir poderes telecinéticos.
Outro ponto: a ideia de basear a trama na história real do grupo "Spur Posse" é até aceitável, visto que essa foi uma história bizarra de um grupo de garotos do ensino médio de Lakewood, Califórnia, que usava um sistema de pontos para acompanhar e comparar seus ataques sexuais e estupros estatutários. Realmente a ideia era boa, visto que a história se encaixa perfeitamente naquele cenário adolescente escolar, porém foi mal desenvolvida, onde tudo não passava de um grande besteirol americano, praticamente um "American Pie" (filme que também estreava em 1999).
O próprio título do filme no original e na versão brasileira dá um norte muito melhor para a história do que essa ideia da Rachel ser irmã da Carrie. Pois no original temos "The Rage", algo como a fúria, e na versão brasileira temos "A Maldição de Carrie", algo como uma maldição deixada pela Carrie. Ou seja, acredito que se a história tivesse se desenvolvido dentro desse contexto de uma fúria da Rachel imposta por um tipo de maldição da Carrie seria melhor e mais aceitável, ao invés de optarem em seguir esse caminho frustrante de meia-irmã para justificar os poderes telecinéticos.
Toda proposta do filme em seguir como uma continuação da história da Carrie acaba fracassando e falhando miseravelmente, e muito por não ter nenhum desenvolvimento sobre o enredo em montar e apresentar novos elementos para compor uma sequência, ao contrário, eles usam até onde podem a história deixada lá atrás e não inovam em nenhum quesito. Sem falar na encheção de linguiça sobre os romances, as crises e os dramas adolescentes, soando até como uma comédia romântica, que é totalmente o inverso da proposta do filme. Temos aqui um roteiro preguiçoso, mal desenvolvido, mal planejado, que seria muito melhor se tivessem seguido uma história paralela e sem o comprometimento de dar continuidade ao filme anterior, pois isso colocou um peso e uma carga muito grande em cima desse filme, que obviamente falhou vergonhosamente.
Nada que esteja ruim que não possa piorar!
O roteiro também se utiliza do cenário da jovem esquisita que se envolve com um garoto do grupo, ela se apaixona por ele, transam, e logo depois estas cenas será usadas para expor ela ao ridículo perante todo mundo em uma festa. Esse final de "A Maldição de Carrie" é obviamente inspirado no baile escolar da Carrie, porém, aqui ficou extremamente forçado, onde optaram em colocar cenas cada vez mais sangrentas, um certo gore para impactar o espectador com sequências de mortes bem toscas, que no fim tudo não passou de uma tentativa forçada e falha de impressionar. A própria Sue Snell (Amy Irving), que foi a única sobrevivente do incêndio do baile naquela noite, e aqui ela funciona como uma espécie de psicóloga, até advertido a Rachel sobre seus poderes e o que eles poderiam lhe causar. Sue tem uma morte completamente ridícula, vergonhosa, sério, eu fiquei besta na hora, me recusei a acreditar que realmente escolheram esse final para uma personagem tão icônica como ela. Na boa, se era para reviver a Sue sendo interpretada pela própria Amy Irving e dar este final para ela, seria muito melhor que ela estivesse morrido no baile daquela noite.
A troca na direção no meio da produção resultou em toda essa bagunça que o filme foi transformado. Pois obviamente o próprio Robert Mandel estava em conflitos com os produtores do filme e acabou largando a bomba na mão da Katt Shea. Ela por sua vez além de dar continuidade nas filmagens ainda teve que refazer várias cenas. O longa já começou a dar errado desde a sua pré-produção e o resultado foi esse desastre. Sem falar em alguns efeitos que são bem amadores e não condiz com o orçamento inicial do longa; como na cena em que a Lisa se suicida caindo no para-brisa do carro, ali claramente podemos observar quando a câmera muda de direção que estavam usando uma boneca bem fajuta. Na sequência de mortes da festa, ali também tem cenas que mostra uma cabeça sendo decepada e quando essa cabeça cai no chão é claramente uma cabeça de boneco.
Sobre o elenco não temos muito o que destacar. Salva-se a Emily Bergl e a Amy Irving, pois ambas realmente estão bem em suas respectivas personagens.
Emily Bergl ("Blue Jasmine") consegue uma boa atuação sendo uma garota que teve uma infância traumática com os acontecimentos envolvendo sua mãe, e todo esse trauma cresce junto com ela e hoje é um fardo que ela tem que carregar. Emily consegue nos passar um personagem sofrida, oprima, traumatizada. Já na cena final da festa ela consegue impor o seu momento e buscar aquela doce vingança que ela tanto queria. Gostei da Rachel da Emily Bergl, ela segura bem a personagem e até convence em algumas cenas, porém, nem perto da proporção estratosférica de Sissy Spacek. Por falar nela, Sissy Spacek, que interpretou magistralmente a Carrie White no filme original, chegou a ser convidada para aparecer em uma ponta neste novo filme, mas recusou a oferta. Entretanto, ela aceitou que as cenas em que atuou no primeiro filme fossem utilizadas como flashbacks de Sue Snell.
Já a Amy Irving ("Distúrbio") reprisou o papel de Sue Snell, que ela originou no primeiro filme, embora ela inicialmente estivesse cautelosa em aceitar o papel e pediu a Brian De Palma a sua bênção. Devo dizer que ela fez muito bem a sua personagem de psicóloga da escola, tendo participação direta no desenvolvimento de toda a história (como ao tentar confrontar respostas com a mãe da Rachel). Só lamento aquele seu final deprimente que eu nunca irei aceitar.
Não posso deixar de mencionar a lindíssima Mena Suvari, que deu vida para a melhor amiga da Rachel, Lisa Parker. Mena estava no auge da fama e da beleza em 1999, com apenas 20 aninhos estava fazendo "A Maldição de Carrie", o primeiro "American Pie", sem falar na obra-prima "Beleza Americana", onde ela impactou todo o planeta com a sua maravilhosa e inesquecível Angela Hayes.
"A Maldição de Carrie" traz algumas referências até interessantes: como o nome do asilo de loucos no filme, Arkham, que é uma referência ao famoso asilo de mesmo nome existente nas histórias em quadrinhos do Batman. Aquela referência ao filme "Pânico" (1996) na cena quando toca o telefone. E obviamente as referências ao próprio filme de 1976, como as cenas com flashbacks, e até aquela cena em que a Sue e a Rachel vão até o exato local do baile que foi incendiado.
O longa foi uma decepção de bilheteria na época do lançamento, arrecadando $ 17 milhões contra um orçamento de produção de $ 21 milhões. Além de receber críticas negativas sobre o fracasso do filme em capturar a essência do que tornou o original incrivelmente assustador. Por outro lado, as atuações do elenco foram elogiadas, especialmente a de Emily Bergl, que foi indicada ao Saturn Award e conquistou seguidores cult.
O Rotten Tomatoes relatou que o filme teve uma taxa de aprovação de 20% baseada em 35 críticas com o consenso. No Metacritic, ele teve uma classificação de 42 em uma escala de 0 a 100 com base em 21 avaliações indicando avaliações mistas ou médias. Apesar de toda recepção negativa, o filme tem uma grande base de fãs que o apreciou por sua abordagem moderna da história, foco na caracterização e ser mais uma história de amor trágica do que um terror slasher.
Só me resta finalizar afirmando mais uma vez que o filme "A Maldição de Carrie" sequer deveria ter existido. Pois além de ser uma produção que já começou toda errada, o filme peca em vários pontos; como todo o desenvolvimento da história, do roteiro, dos personagens e principalmente em tentar replicar a cena final do filme original. Sem falar que o longa ainda falha em tentar criar um suspense sem terror, falha como um remake, falha como uma continuação e falha ao recriar a clássica história da obra literária do mestre King sem nenhuma importância ou relevância.
É óbvio que jamais poderíamos esperar um filme no mesmo nível (ou melhor) que o original, até porque a obra-prima do De Palma é um ícone, um marco, uma referência do terror e do suspense no universo cinematográfico até os dias de hoje. [22/03/2023]
Batem à Porta
3.1 563 Assista AgoraTEM SPOILERS!
Batem à Porta (Knock at the Cabin)
"Batem à Porta" é escrito e dirigido por M. Night Shyamalan, que escreveu o roteiro a partir de um rascunho inicial de Steve Desmond e Michael Sherman. É baseado no romance de 2018, "O Chalé no Fim do Mundo", de Paul G. Tremblay, sendo a primeira adaptação de uma de suas obras.
O grande cineasta M. Night Shyamalan está de volta. Shyamalan sempre foi a referência do diretor "ame ou odeie", sempre nos entregou verdadeiras obras-primas, mas também sempre entregou verdadeiras catástrofes. Shyamalan ficou estigmatizado pela popularização do termo plot twist, quando ele simplesmente impactou todo o universo com um dos maiores plot twist da história do cinema, a obra-prima "O Sexto Sentido"(1999). Porém, todo esse impacto e todo esse sucesso da popularização do plot twist tinha um preço, que é justamente o preço que ele paga hoje em dia em suas obras, ou seja, sua marca registrada virou seu principal empecilho. Digo isso pelo fato de hoje em dia todas as pessoas que vão assistir um filme do Shyamalan, automaticamente já vão esperando um grande plot twist, e não é sempre que ele entrega, como é justamente o caso aqui.
Um fato que não podemos negar é a capacidade incrível e única que o Shyamalan tem em criar um bom suspense. Realmente ele é um mestre em conseguir criar um ambiente que prende o espectador pelo suspense que vai se instalando e crescendo com o passar do tempo. Ele sabe como prender o espectador em suas histórias pelo mistério, pelo suspense e consequentemente pelo terror, e por mais simples que esta história possa parecer. Em "Tempo" (2021), seu último filme, ele inicia exatamente dentro desse contexto, que é prender o espectador pelo suspense ao mesmo tempo que aguça a nossa curiosidade acerca dos acontecimentos ao redor. Porém, o filme é simplesmente péssimo, horrível, uma completa perda de tempo (sem querer fazer trocadilhos - rsrsrs!). Aquele típico filme que tem uma premissa ótima e um final péssimo, e o plot twist é mais péssimo ainda.
Já adianto que "Batem à Porta" é um filme mediano. Ele não é aquela bomba que foi "Tempo", mas também está muito longe da prateleira de ótimos filmes do diretor. Eu diria que o longa-metragem está no mesmo patamar de "A Visita" (2015), que tem uma história mediana e peca em vários pontos.
Dessa vez o Shyamalan nos traz uma história que estava na "Black List" de 2019 como um dos roteiros não produzidos mais populares do ano. Temos aqui uma família que é composta por dois pais e uma garotinha, que estão de férias em uma remota cabana no meio da floresta, quando repentinamente o local é invadido por quatro estranhos. Até ai tudo bem, já vimos inúmeros filmes que tem exatamente essa premissa. Porém, a grande questão aqui é o motivo pela qual esses quatro estranho invadiram o local e fizeram a família de refém, pois eles dizem terem visões de um apocalipse que se aproxima e que os únicos que poderão salvar a humanidade de um extermínio são justamente um dos três por meio de um sacrifício. Ou seja, a primeira vista qualquer pessoa vai encaram como uma história completamente absurda, que eles são malucos, lunáticos, que obviamente ninguém ali acreditaria neles e consequentemente ninguém se sujeitaria a tamanha bizarrice de propor um sacrifício.
Eu vejo o novo filme do Shyamalan dividido em dois pontos distintos: um pelo lado do suspense, do mistério e consequentemente do terror, e o outro como uma metáfora, uma alusão, uma alegoria à nossa sociedade.
O primeiro ponto é um filme bem à cara do Shyamalan, onde temos um começo apostando no mistério, no intrigante, no sombrio, que é justamente toda apresentação do Leonard (Dave Bautista) no primeiro contato com a pequenina Wen (Kristen Cui). A partir daí o suspense e o terror se instala completamente na trama após a invasão na cabana. Nesse quesito o Shyamalan acerta perfeitamente ao criar um ambiente instável, soturno, misterioso, onde somos presos pelo suspense, pela claustrofobia e por toda curiosidade. A premissa é muito interessante e bastante funcional, pois ela nos envolve na paranoia, na delinquência, na questão do apocalipse, do sacrifício, da sobrevivência, em como aquela família fica nas mãos de pessoas estranhas que dizem que o mundo irá acabar se o sacrifício não for realizado.
Dessa forma vamos sendo tomados pela dúvida, pela insegurança, pela incerteza de quem está falando a verdade. E esse era exatamente o ponto levantado pelo roteiro de "Batem à Porta", criar uma questão de que lado você está? Será que a família deve acreditar nos estranhos sobre um possível apocalipse? Ou será que aquele grupo não passa de loucos lunáticos que fazem parte de algum culto demoníaco e insano? Quem acreditaria no fim do mundo profetizado por quatro estranhos que acabaram de invadir a sua cabana?
Este primeiro ponto no filme é tomado por toda aflição, por toda tensão e todo suspense que vai deixar o espectador incomodado e agoniado, logo o Shyamalan faz um contraponto entre a empatia e o negacionismo.
Já no segundo ponto temos uma alegoria sobre homofobia, ou seja, um suspense que coloca um casal homoafetivo e sua filha adotiva no centro de uma teoria e uma discursão apocalíptica. Como um homem gay pode escolher se sacrificar por toda uma sociedade que o julga unicamente pelo fato dele amar e morar com outro homem? Porque o fim do mundo depende do sacrifício de um casal gay? Vale a pena sacrificar a minha felicidade para a humanidade sobreviver? Vale a pena o meu sacrifício em prol de uma sociedade extremamente preconceituosa e homofóbica? Porque eles se sacrificariam se são tão rejeitados? Essas são as inúmeras perguntas que são levantadas ao longo da trama. Temos um protagonismo gay em um filme de suspense e terror psicológico. Temos os traumas de um casal gay no centro de uma história apocalíptica. Tanto que longa faz questão de destacar uma alegoria sobre a possibilidade daquele casal gay não existir mais para o simples fato do mundo não acabar. Ou seja, o casal gay teria que se sacrificar para manter a existência de uma sociedade homofóbica, o que traz uma clara referência ao sacrifício diário de toda comunidade LGBTQIAPN+.
Outro ponto interessante é a forma como aquele casal vê os quatro invasores, como possíveis religiosos fanáticos, que estariam ali unicamente para julgá-los e converterem sua orientação sexual à heteronormativa. Ou possivelmente como um crime de ódio, de preconceito, de homofobia, um possível extermínio por eles serem gays. Tudo isso passa pela cabeça do casal antes mesmo de eles pensarem que poderia ser apenas um possível sequestro. Realmente esta seria uma forma que faria mais sentido dentro de todo o contexto de uma sociedade tão polarizada como a nossa, e também pelo fato das agressões que eles sofreram no passado, todos os preconceitos que eles sofreram, como no caso dos pais. Tudo isso causou traumas, medos, frustrações, feridas foram abertas e doem até hoje, exatamente uma alusão ao preconceito e a homofobia de toda sociedade. Sem falar que isso fica bem claro quando logo após a invasão da cabana eles fazerem questão de deixar claro que eles não são homofóbicos, que nenhum deles tem um osso homofóbico.
Sobre toda alusão e alegoria que o filme traz sobre a luta diária que a comunidade LGBTQIAPN+ sofre com o preconceito, eu achei um ponto muito válido e extremamente assertivo. Achei uma abordagem bastante condizente com toda a proposta do filme, em afirmar que o destino de toda humanidade está direcionada nas mãos da decisão de um casal gay. Por outro lado o roteiro pesa a mão em suas 1h40min, por ser um roteiro básico, simples, raso, sem surpresas, clichê, onde temos um limbo e um looping eterno entre a estagnação e a repetição. Um roteiro que se estica demais, se alonga demais, embarriga demais, sofre com as inúmeras repetições da mesma ideia afim de criar um mistério, um suspense para manter o espectador preso até o final da história.
Claramente o Shyamalan sofre com a falta de ideias e dinamismo do seu roteiro (e olha que ele teve inúmeras colaborações para escrever o tal roteiro). Pois da mesma forma que a história começa ela termina, não tem absolutamente nada modificado, a aposta está unicamente em criar uma aura de suspense e mistério que envolve aquele grupo se eles estão falando a verdade ou não. E como já podemos imaginar desde o início de fato eles estão falando a verdade, pois ao final tudo acontece exatamente da forma que eles sempre falaram desde o início. Aquele plot das quatro figuras serem os quatro cavaleiros do apocalipse eu achei uma decisão bem questionável. O plot que poderia ser a grande reviravolta do filme, o último fôlego, a última cartada, não aconteceu, pois ele acaba se revelando simples e básico, com uma solução muito óbvia e sem nenhuma surpresa para o espectador. Até aonde eu sei, o final do filme foi totalmente modificado em relação ao final do livro, pois no livro temos um final ambíguo, onde não revela se o apocalipse estava de fato acontecendo ou não. Sem falar que os últimos momentos do livro são bem mais pesados, mais avassalador, mais desolador. A decisão de um final bem explicadinho e mais simplório foi uma decisão unicamente do Shyamalan e quem estava com ele, que deixou um final nem pessimista e nem otimista, apenas um final vago e vazio.
Sobre o elenco temos duas figuras distintas mas que ambos se completam exatamente por essa diversidade. Ben Aldridge ("Pennyworth") traz a figura do Andrew como uma pessoa mais revoltada com a vida exatamente por tudo que ele teve que enfrentar ao logo da sua. Claramente ele sofreu inúmeros preconceitos, inúmeros traumas por ser quem ele era, isso estava bem explícito em sua postura mais feroz, mais voraz, mais determinado. Sendo assim ele dificilmente acreditava nas pessoas, e ali ele estava encarando tudo como uma estranha coincidência. Ótima atuação de Ben Aldridge.
Jonathan Groff ("Matrix: Resurrections") já era o inverso, trazendo um Eric mais sensato, mais calmo com a situação, mais centrado em um objetivo, que aparentemente não se desestabilizava e se abalava fácil e mantinha sua postura de ser a cabeça mais pensante daquela relação. Também gostei muito da atuação de Jonathan Groff.
A pequenina Kristen Cui é um doce, muito meiga, muito fofa, que nos fazia criar empatia por ela instantaneamente. Uma graça de atriz muito jovem porém bastante promissora. Olho nela! Dave Bautista está ótimo, ele é uma grata surpresa ao nos mostrar a sua descaracterização daquela figura de brucutu, de truculento, do seu personagem da Marvel, de um lutador de MMA mesmo como ele foi. Aqui Dave traz a figura do Leonard como uma pessoa que sofre por ter que acatar e cumprir a sua missão, que é fazer aquele casal se sacrificar e ele ter que sacrificar as outras pessoas do seu próprio grupo, sendo que no final o próprio se sacrifica. Achei uma atuação totalmente diferente de tudo que sempre vemos do Dave Bautista. Aqui ele traz uma atuação que anda no terreno do drama e ele se sai perfeitamente bem.
Abby Quinn ("Adoráveis Mulheres") que fez a Adriane e a Nikki Amuka-Bird ("Tempo") que fez a Sabrina, são duas mulheres que estão sofrendo por estarem ali, que estão sofrendo por ter que acompanhar aquele grupo e compactuar das suas visões e decisões. Gostei da atuação das duas, mas a Abby Quinn entregou uma personagem que me pegou mais, me comoveu mais, até pela sua história verídica com o seu filho. E por fim temos o não menos importante Rupert Grint (o eterno Ron Weasley da franquia "Harry Potter"), que fez o Redmond, uma figura que foi extremamente importante no despertar dos gatilhos sofrido pelo Andrew. Uma atuação básica porém ok dentro da sua limitação de tela.
Por fim, posso afirmar que o diretor das tempestades e da calmaria, M. Night Shyamalan, está de volta e recobra a sua credibilidade como mestre do suspense perdidas com filmes detonados pela crítica. Concorde ou não mas fato é que "Batem à Porta" é um filme que traz todos os ingredientes que já conhecemos e já estamos acostumados em filmes do Shyamalan. Pois o próprio Shyamalan nunca foi o diretor das sutilezas em suas obras, ele sempre entregou o que temos aqui, que é um clima de mistério envolto em um suspense com um terror bastante funcional que prende completamente o espectador do início ao fim de suas histórias.
Apesar que "Batem à Porta" poderia ter sido muito mais do que foi, pois é muito claro que a premissa do roteiro é bastante interessante ao nos prender pelo mistério e pelo suspense, mas peca excessivamente em se esticar demais pra gerar um engajamento na história e não relevar tudo antes do seu final. No fim, o que fica é um longa-metragem que acerta ao trazer uma alegoria em relação a causa enfrentada diariamente em nossa sociedade pela comunidade LGBTQIAPN+. Mas falha em uma conclusão bem chocha em relação aos desdobramentos do roteiro como um todo, e principalmente do plot twist, que se revelou sem nenhum impacto da forma como imaginávamos, e do final, que por sinal é bem básico e vago. [09/03/2023]
Aftersun
4.1 709Aftersun
"Aftersun" é uma Produção da A24 Films, escrito e dirigido por Charlotte Wells. Situado no início dos anos 2000, o filme segue Sophie, uma menina escocesa de 11 anos, de férias com seu pai em um resort turco na véspera de seu 31º aniversário.
"Aftersun" marca a estreia de Charlotte Wells na direção de um longa-metragem, e ela já faz a sua estreia trazendo uma história que soa como um drama bem intimista para ela, visto que ela descreve o seu roteiro como "emocionalmente autobiográfico", pois toda história foi inspirada na morte do seu pai durante a sua adolescência.
Já inicio afirmando que "Aftersun" é um filme belo, primoroso, emocionante, impactante e peculiar. O longa é muito humano, muito sensível, bastante sensorial, que vai se desenvolvendo de forma única, sutil, com um olhar contemplativo, singelo, que vai te envolvendo na história de forma leve, e ao mesmo tempo com uma intensidade que quando você menos perceber já estará completamente envolvido com a trama. Charlotte Wells é magnífica ao trazer um texto muito bem escrito e desenvolvido sobre a vida, sobre o relacionamento e o envolvimento de um pai e uma filha, com várias abordagens distintas e peculiares, entre várias nuances e várias vertentes.
Passamos a acompanhar aquelas férias de um pai e sua filha no dia a dia curtindo aquele resort, brincando, se divertindo, dando várias risadas. Realmente temos um relacionamento muito carinhoso e muito amoroso entre pai e filha, enquanto ambos desfrutam da companhia agradável um do outro, o que mostra que Calum (Paul Mescal) é um pai super atencioso e amável com sua filha Sophie (Frankie Corio). Este é o ponto a ser desenvolvido no roteiro de Charlotte Wells, a forma como ela queria se aprofundar em um período diferente em uma relação entre um pai e uma filha, e uma filha que não mora com o pai, que está apenas passando uma férias com ele. Dessa forma observamos toda aquela conexão e todo aquele envolvimento que vai se criando entre eles, e obviamente observamos toda proteção paternal, que de alguma forma Calum sempre tenta manter sua filha segura e protegida, mesmo que de certa forma ele acabe falhando.
"Aftersun" consegue ser um filme belo, primoroso e encantador, e ao mesmo tempo trágico, escuro e perturbador. Pois é fato que toda história também se passa pela perspectiva de uma Sophie 20 anos mais velha, onde a própria reflete sobre suas alegrias, melancolias e tristezas sobre sua viagem de férias com o pai há 20 anos atrás. Dessa forma também temos um filme sobre memórias, luto, depressão, aceitação, arrependimentos, traumas, frustrações. Um verdadeiro drama de amadurecimento, de reaproximação, de reconciliação, pois Sophie ainda buscava em suas lembranças uma reconciliação do pai que um dia conheceu, que um dia conviveu, com o homem que hoje ela desconhecia.
Um dos pontos que mais engrandece o roteiro de Charlotte Wells é a forma como ela contrasta o amor, a inocência, o descobrimento e o encantamento da pré-adolescente Sophie, com um mundo sombrio, obscuro, denso e mortal de Calum. É muito perceptível o quanto Calum se esforçava para se tornar uma melhor versão de sim próprio quando estava na presença da Sophie, como algo para agradá-la, mas por outro lado a própria Sophie tinha aquela sensação que havia algo errado com ele. Calum estava trancado dentro de si próprio, clamando por urgência, gritando por socorro, seu comportamento era sempre tomado de melancolia e mistério. Este é o lado sombrio e obscuro que o longa também abrange, também explora, e leva consigo o espectador, para adentrar no submundo introspectivo e reflexivo de Calum.
Apesar de ser apenas o longa-metragem de estreia de Charlotte Wells, ela traz uma experiência absurda com um texto que nos faz refletir, nos faz imaginar, nos faz pensar acerca de tudo que estamos vivenciando pelos olhares da Sophie e do próprio Calum. "Aftersun" nos deixa com dúvidas, com incertezas, com inseguranças, pois estamos diante de um relacionamento de pai e filha que é afetado por uma barreira emocional, existe uma barreira entre Sophie e Calum, que muita das vezes impede ambos de se aproximarem da forma que realmente deveria e precisaria. Por isso que o filme é tão peculiar, é tão intimista, pois existe várias lacunas que vão sendo preenchidas com o passar do tempo, e muita das vezes esse tempo é só 20 anos depois, com uma Sophie adulta ainda em busca das memórias do seu pai.
"Aftersun" tem esse poder, tem esse olhar mais seco, que tenta reconstruir (ou pelo menos tenta) pela perspectiva adulta de Sophie uma relação que foi perdida no passado. Realmente é um filme que trata diretamente da busca incansável de uma filha pelo seu pai, ou pelo menos do que ele pode ter sido para ela, do que ele pode ter representado para ela, algo como uma memória afetiva, uma lacuna, uma vazio paternal, que precisaria ser preenchido de alguma forma. Era como se ao buscar o pai, Sophie estivesse buscando a si própria, buscando o seu verdadeiro eu, uma espécie de auto aceitação.
Paul Mescal ("A Filha Perdida") está divino, está excepcional, está triunfante, está magnífico. Faz tempo que eu não assisto uma atuação tão perfeita como a de Paul Mescal. Paul consegue transcender sobre um personagem que estava sofrendo, que estava em desespero, que estava em uma agonia extrema, e o pior de tudo isso era ter que sofrer calado, como se tudo estivesse normal, como se tudo estivesse bem, unicamente pelo fato de ter que passar segurança e carinho para sua filha, ter que dar a atenção que ela precisava e necessitava. Era como se Calum estivesse carregando o mundo em suas costas, pois sofrer calado é angustiante, é desesperador, é uma das piores coisas da vida. Tanto que uma das melhores cenas do filme é justamente a cena em que Calum se desespera ao chorar copiosamente; e esta cena tem uma interpretação monumental de Paul Mescal, onde claramente podemos observar o tamanho da sua entrega e o tamanho da sua veia dramática. E a cena em que ele se entrega ao dançar "Under Pressure" do Queen? Senhoras e senhores, que performance!
A jovem Frankie Corio já se mostra uma ótima atriz, já nos mostra todo o dom e o talento que ela tem na arte de atuar. Frankie conseguiu a proeza de realizar uma atuação leve, singela, sutil, era como se ela não estivesse atuando, era como se fosse ela própria ali no seu dia a dia, em um ambiente de férias. Ela ria naturalmente, agia naturalmente, conversava naturalmente, fazia suas filmagens naturalmente, sem parecer forçada em nada, sem parecer está sendo obrigada a nada, com uma leveza e uma delicadeza extremamente absoluta. Outro ponto foi a química alcançada entre ela e o Paul Mescal, que esteve perceptível em 100% das cenas, tanto pelas partes mais eufóricas quanto pelas partes mais densas e carregadas. Uma cena muito bela é a cena em que ela canta a icônica "Losing My Religion" do R.E.M. com um jeito meio envergonhada esperando que seu pai fosse cantar com ela. Verdadeiramente a jovem Frankie Corio já desponta com um talento muito promissor.
Celia Rowlson-Hall (diretora de "Ma", de 2015) fez a Sophie adulta. É bastante interessante a sua apresentação no filme, mesmo com pouco tempo de tela ela consegue despertar toda a nossa curiosidade.
"Aftersun" foi aclamado pela crítica, que elogiou a direção e o roteiro de Charlotte Wells, e as atuações de Paul Mescal e Frankie Corio, com Paul recebendo uma indicação de Melhor Ator no Oscar. Também foi eleito um dos melhores filmes de 2022 pelo National Board of Review, recebeu o prêmio de Melhor Estreia de um Escritor, Diretor ou Produtor Britânico no BAFTA e foi premiado com o primeiro lugar pela Sight and Sound em sua votação para o Melhor Filme do ano.
Charlotte Wells entrega uma direção muito bem ajustada, rica em detalhes nos seus mais variados takes, que dava aquele foco, aquela aproximação nos personagens, nos deixando ainda mais envolvidos pela sua história. A trilha sonora é certeira, trazendo vários clássicos que enriqueceu ainda mais a obra. Assim como a belíssima fotografia, que se destacava como um algo a mais do longa, fazendo aquele contraponto entre o feliz e o alegre com toda melancolia e tristeza.
"Aftersun" é uma grata surpresa, visto que eu não conhecia a diretora e tinha visto pouco sobre o filme. Porém, eu fui surpreendido positivamente, com um filme que entrega um drama na medida certa, sem exagerar e sem pesar a mão (pra não virar um melodrama forçado), com um texto muito bem escrito, muito bem amarrado nos diálogos, que por sinal estavam excelentes. Além do roteiro que é ótimo, as atuações que estão impecáveis e a trilha sonora que é magnífica. Posso afirmar que "Aftersun" é um dos melhores dramas que eu assisti nos últimos anos.
Obrigado Charlotte Wells! [05/03/2023]
A Baleia
4.0 1,0K Assista AgoraA Baleia (The Whale)
"A Baleia" é uma produção da A24 Films, dirigido por Darren Aronofsky e escrito por Samuel D. Hunter (roteirista da série "Baskets"), baseado em sua peça de mesmo nome de 2012.
Darren Aronofsky é aquele típico diretor ame ou odeie, pois ele tem o dom de causar polêmicas com suas obras, levantar diversas discursões sobre os mais variados assuntos, trazer temas que consiste em gerar inúmeros debates. De fato o Aronofsky nunca foi sutil com os seus filmes anteriores, ele sempre foi obcecado em retratar a obsessão humana, sempre usando uma forma impactante ao demonstrar o sofrimento de seus personagens; como exemplo posso citar "Réquiem para um Sonho", "Cisne Negro" e "O Lutador". Por outro lado Aronofsky também demonstra o seu lado minucioso, perfeccionista, obcecado em trazer suas histórias com alusões, alegorias, menções e citações bíblicas, ou seja, expor o seu ponto de vista em determinadas obras, que muita das vezes gera uma grande polêmica e soa como uma afronta para as pessoas. Este é o caso de obras como "Noé", "Mãe!" e "A Baleia".
O longa-metragem nos confronta com a história de Charlie (Brendan Fraser), um recluso professor de inglês de meia-idade que pesa 272 kg. Ele vive preso dentro de seu apartamento, tendo como visita apenas a sua colega enfermeira Liz (Hong Chau), que o ajuda constantemente com algumas de suas necessidades. Charlie sofre de obesidade mórbida e tenta a qualquer custo se reconciliar com sua filha adolescente de 17 anos, Ellie (Sadie Sink).
Novamente temos um Darren Aronofsky obcecado em retratar a obsessão humana em seu mais novo trabalho, ou seja, levantar pontos como a obesidade, a gula e a compulsão alimentar. E o mais interessante é observar que o filme não é somente sobre a obesidade mórbida, pois ele vai muito mais além ao levantar diversas discursões sobre traumas, medos, frustrações, transtornos, luto, dores, perdas e depressão. Temos aqui uma obra que fala sobre a redenção humana, sobre a conexão humana, um verdadeiro drama comportamental, um drama psicológico, um estudo da psicologia que nos mostra uma pessoa que errou na vida e hoje não sabe lidar com os seus erros, com os seus traumas, com as suas frustrações, com as suas feridas, e que resolveu se trancar dentro de si, e que no momento se encontra em um estado crítico e procura desesperadamente uma forma de alcançar a sua redenção no pouco tempo que lhe resta.
Este é o cenário atual de Charlie, o ostracismo, a reclusão, o exílio, a dor, a culpa, o medo, e tudo baseado em decisões que ele tomou em sua vida no passado e que hoje está refletindo negativamente em sua vida. Charlie abandonou sua esposa e sua filha de 8 anos para viver um romance homoafetivo com um de seus alunos, que mais tarde veio a falecer. Dessa forma Charlie então passou a comer compulsivamente de dor e culpa pelo ocorrido, chegando a engordar e chegar na forma que ele se encontra atualmente. Hoje Charlie carrega sua parcela de dor e culpa e isso está refletindo diretamente em sua aproximação com sua filha.
Um dos pontos mais interessantes no longa é notar que Charlie se entregou a compulsão de comer e a obesidade não por uma escolha mas pelo fato do enorme trauma e da enorme perda que ele sofreu, isso que o levou a ativar os gatilhos dos distúrbios e da compulsão alimentar. De certa forma o longa até mostra um lado mais sensível, mais íntimo, como o fato da aceitação, do sacrifício, da repressão, da redenção e consequentemente da depressão. Outro ponto extremamente importante é o fato de não romantizar a obesidade, não tratar a obesidade como algo normal, como algo natural, pois a obesidade é muito sério, obesidade é uma doença crônica multifatorial e deve ser tratada com respeito, dignidade e humanidade, antes de mais nada.
Quando eu mencionei que "A Baleia" não é unicamente sobre obesidade, eu estava justamente me referindo sobre as mais variadas mazelas humanas; como o fato do Charlie viver com os conflitos preconceituosos que a sua aparência desperta em seus alunos, justamente pelo fato de ele ministrar suas aulas on-line com a câmera desligada. E constatamos justamente tudo isso quando ele finalmente decidi ligar sua câmera do notebook e observamos uma de suas alunas cair na gargalhada e depois tirar fotos dele - absurdo!
Mesmo que Charlie esteja naquela situação que ele sabe que é bastante crítica, ele tenta ser amável com todos ao seu redor, tenta ser amigável e bondoso, mesmo que as pessoas que estejam ali estejam unicamente para julgá-lo e maltratá-lo. Isso foi um ponto que me deixou muito incomodado, observar que Charlie não se importava em ser julgado e ofendido, pois parecia que ele recebia todas aquelas ofensas como parte da culpa que ele carregava por ter abandonado sua filha. Ele sempre aguentava os julgamento das pessoas, as agressões verbais, os olhares vulgares que o deteriorava e o degradava fisicamente, e sempre pedindo desculpas, mesmo sem ter feito nada, era uma culpa que já estava incrustada em sua alma. Nitidamente Charlie desistiu da vida mas não das pessoas, principalmente de sua filha. Embora ele esteja no caminho de uma autodestruição, ele ainda se preocupa em deixar sua filha em um mundo literalmente melhor.
"A Baleia" é um filme que choca e ao mesmo tempo nos incomoda em vários pontos. Eu fiquei bastante incomodado com a forma escolhida por Aronofsky ao usar uns takes que focava na dor e no sofrimento do Charlie ao nos mostrar o seu corpo obeso com uma forma grotesca e animalesca. Achei muito cruel e muito desumano a forma como ele aborda a obesidade, principalmente nas cenas que ele foca no Charlie em uma compulsão alimentar comendo tudo em sua frente. Eu entendo que o Aronofsky queria passar a maior veracidade possível com estas cenas, porém achei muito cruel, toda aquela autodestruição é muito pesado, é muito triste, não precisava uma exposição daquele nível e com a aquela proporção. Na minha opinião o Aronofsky erra grotescamente ao elaborar cenas para explorar a obesidade de Charlie. Principalmente em compor cenas que parece querer explorar a nossa dramaticidade a qualquer custo, por nos mostrar o Charlie se entupindo de comida sofrendo com seu vício autodestrutivo e ainda com aquela trilha sonora destruidora de fundo, como se realmente o único intuito dele era mostrar a degradação humana naquelas cenas bizarras.
Outro ponto: a própria trilha sonora é extremamente forçada, aquela típica trilha sonora que chega a incomodar nas cenas em que ela está sendo explorada. A trilha sonora até pode casar perfeitamente com o intuito da cena, mas eu achei exagerada e muito melodramática.
Outro erro de Aronofsky: eu entendo que a personagem da Sadie Sink precisava ser aquela adolescente rebelde, problemática, revoltada com a situação e principalmente com o Charlie, porém, é uma personagem extremamente forçada, exagerada, grotesca, caricata, canastrona. Pra mim é uma personagem mal escrita, mal interpretada, querendo expor a sua veia de rebelde sem causa, mas de uma forma muito forçada e pra mim totalmente desagradável. Gosto muito da atriz Sadie Sink, acompanho ela na série "Stranger Things" e a considero uma ótima atriz dessa nova geração. Porém, aqui eu acho que ela ficou devendo, sua atuação foi muito aquém do que ela de fato sabe entregar, e muito por culpa da sua personagem que foi mal escrita e as decisões do próprio Aronofsky.
Outra decisão questionável do Aronofsky está no fato da decisão em criar histórias paralelas com a história de Charlie. Acredito que a decisão em desviar a atenção do espectador da história principal foi usado como algo proposital para agregar ainda mais na trama, porém, eu acredito que a tentativa em criar um arco pessoal como no caso do personagem Thomas (Ty Simpkins) foi um tiro que saiu pela culatra. Pois no fim a sua história não foi bem desenvolvida, ficou como algo vago e falho (como aquela tentativa de ajudar o Charlie de alguma forma), claramente usado apenas como um desvio de percurso pelo fato de todos os acontecimentos que permeou a história do parceiro de Charlie.
Já a atriz Hong Chau (recentemente em "O Menu") esteve completamente excelente na pele da Liz. Liz era aquela típica amiga, ajudante, parceira, conselheira, que tinha a difícil missão de sempre ajudar o seu amigo Charlie, sempre está de prontidão quando ele precisasse. Porém, ela também tinha seus problemas, seus desafios, por ser uma pessoa descrente e por ter que ajudar seu amigo mesmo não concordando sempre com ele. Muito justa a sua indicação de Atriz Coadjuvante no Oscar.
Samantha Morton (eterna Alpha de "The Walking Dead ") compõe uma personagem até ok, dentro das suas proporções. É dela toda a responsabilidade de confrontar o Charlie pelas suas decisões do passado que está infligindo em sua filha no presente.
Falando da principal estrela do filme!
Brendan Fraser fez parte de toda geração dos anos 90 e anos 2000. É praticamente impossível não ter assistido pelo menos um dos seus filmes. No meu caso é impossível não se lembrar do seu personagem na saga "A Múmia", que eu adorava. Brendan teve alguns problemas com a indústria cinematográfica e ficou fora de cena por algum tempo. Aronofsky foi o responsável em resgatar o Brendan Fraser, assim como ele já havia feito lá em 2008 ao resgatar o ator Mickey Rourke para trabalhar em "O Lutador".
Posso afirmar sem sombra de dúvida que Brendan Fraser entrega a atuação do ano. É impressionante a entrega de Brendan para viver o Charlie, e muito por suportar passar por uma verdadeira transformação sobre as inúmeras próteses que foram colocadas em seu corpo. Por todo carisma em que ele se apresentou, e isso é um ponto bastante interessante, o poder que Brendan tinha em nos despertar amor, compaixão, nos comover verdadeiramente com sua história, por outro lado ao mesmo tempo ele conseguia nos deixar com raiva e enfurecido com suas decisões, principalmente decisões que envolvia a sua filha.
É impressionante como Brendan conseguia compor um personagem que acumulava traumas, perdas, culpas por suas escolhas, sendo que a comida era a sua culpa, a sua válvula de escape, e ele nos passava aquela pessoa vulnerável e debilitada, que estava com o psicológico frágil e totalmente destruído, porém ele ainda queria viver apenas para se dedicar à outras pessoas.
Brendan Fraser nos entrega a atuação da sua vida, uma performance delicada, sensível, primorosa, singular, ao mesmo tempo enérgica, aguerrida, voraz, com um peso e uma carga dramática muito grande. Aquela cena em que ele discute com a filha e ele chora copiosamente é de cortar o coração. Por outro lado aquela cena em que a Liz ameaça fazer cócegas nele e ele solta aquela risada gostosa, dá vontade de abraçá-lo. Brendan Fraser é o nome do ano, é o retorno do ano, trouxe a atuação do ano e está dignamente indicado ao Oscar de ator do ano - justíssimo por sinal!
Por sua impecável atuação, Brendan Fraser ganhou o prêmio de Melhor Ator no Critics 'Choice Awards e recebeu indicações de Melhor Ator no Globo de Ouro, Screen Actors Guild Awards, British Academy Film Awards e no Oscar. O filme também foi indicado para Melhor Atriz Coadjuvante e Melhor Maquiagem e Penteado (no Oscar), e recebeu uma indicação para o prêmio Producers Guild of America de Melhor Produtor de Filmes Teatrais.
"A Baleia" é uma adaptação de uma peça teatral, ou seja, a história se passa quase que inteiramente dentro do apartamento do Charlie, se limitando ao pouco uso de alguns cômodos do local. Dessa forma toda a história é nos contada dentro de um molde teatral, com ares totalmente teatrais, que vai desde o uso da câmera cada vez mais próxima dos personagens, o fato de quase sempre um personagem sair e o outro já entrar logo na sequência, e a utilização de algumas mudanças sutis de cenários para contextualizar o próximo cenário.
Por fim, "A Baleia" é um filme que vai dividir inúmeras opiniões, pois de fato é um longa-metragem que pode ser interpretado por diferentes visões. Não há como negar que Aronofsky construiu mais um filme polêmico, que gera discursões, que muitas pessoas estão considerando como um filme gordofóbico. Já eu vejo como um filme ok, mediano, que erra tentando acertar, que traz uma discursão em volta de um assunto extremamente importante, que é a obesidade e suas consequências.
"A Baleia" é um filme que consegue ser singelo e tocante, ao mesmo tempo que nos desperta revolta e indignação. Brendan Fraser está de volta no papel da sua vida, ao nos entregar um personagem que vai te tocar, vai te identificar, vai te comover, vai te emocionar verdadeiramente. Por outro lado eu fiquei extremamente incomodado com a forma como foi retratada algumas cenas, alguns personagens e algumas decisões do Aronofsky, que no fim ele mais erra do que acerta. [03/03/2023]
Entre Mulheres
3.7 262Entre Mulheres (Women Talking)
"Entre Mulheres" é uma produção da Plan B, escrito e dirigido por Sarah Polley, com Brad Pitt e Frances McDormand como produtores. O filme é baseado no romance homônimo de 2018 de Miriam Toews e estrelado por Rooney Mara, Claire Foy, Jessie Buckley, Judith Ivey, Ben Whishaw e Frances McDormand.
A atriz e escritora Canadense Miriam Toews (atriz no filme "Luz Silenciosa", de 2007) é a autora do livro em que "Entre Mulheres" foi baseado, e o mais interessante é saber que ela se inspirou em eventos da vida real que ocorreram na Colônia de Manitoba, uma comunidade Menonita remota e isolada na Bolívia. Um dos pontos em que eu fiquei boquiaberto foi saber que o filme se passa no ano de 2010, pois na minha cabeça toda aquela história se passava no século passado, o que me deixa ainda mais intrigado.
Temos aqui um drama feminista que traz toda história sobre os olhares das mulheres, a começar pelo fato de ser dirigido por uma mulher, pois Sarah Polley ("Histórias que Contamos") obviamente emprega uma perspectiva feminina para nos contar toda trama que acontece naquela pequena comunidade. O longa segue um grupo de mulheres que vivem em uma comunidade isolada e seguem a religião da igreja Menonita. Elas descobrem que os homens do local sempre usaram um tipo de anestésicos (que era usado em animais) para estuprar as mulheres e as meninas enquanto elas estavam dopadas. Muita das vezes toda essa violência e abuso sexual resultava em gravidez.
A tradução para português do título do filme combina perfeitamente com o que realmente acontece na maior parte do tempo em toda história; que é justamente mulheres falando, conversando, dialogando sobre o fato de que elas precisavam se unir e lutarem para conciliar sua fé com a realidade de cada uma naquele local. Toda narrativa do filme se passa quase que 100% do tempo unicamente dentro daquele palheiro, onde nos confrontava com aquelas mulheres organizando um plebiscito para decidir se ficam e não fazem nada, ficam e lutam ou vão embora. E o mais chocante é descobrir que aquela comunidade seguia a tradição da igreja Menonita e deixava as mulheres sem escolaridade e analfabetismo, sem educação mesmo, com única finalidade de deixá-las com a obrigação de servir os homens daquela comunidade de maneira humilhante.
O longa de Sarah Polley nos traz um choque de realidade ao acompanharmos a série de agressões que aquelas mulheres sofriam caladas, e o mais revoltante era ver uma jovem acordando sozinha na cama com hematomas e feridas visíveis em seus quadris e parte interna das coxas, que obviamente era ferimentos sofridos por estupro durante a noite. Porém, bizarro mesmo era a forma como os abusos daquelas mulheres eram tratados como coisa de fantasmas, do Satanás, ou até mesmo como parte de uma loucura que elas estavam inventando para chamar atenção. Outro ponto bastante intrigante era a obsessão delas pela fé e o fanatismo religioso que as obrigava encarar toda aquela situação com a obrigação de perdoarem os seus agressores, pois elas diziam que fazia parte da fé perdoar, que precisavam perdoar os agressores que estavam encarcerados em uma cidade próxima para não serem expulsas da comunidade e serem aceitas no Reino dos Céus - absurdo!
Posso afirmar com toda certeza que a Sarah Polley acertou muito ao decidir trazer uma história tão chocante, uma realidade tão perversa e brutal, e sem precisar fazer uso da violência extrema, sem precisar inserir cenas que expusesse os abusos que as mulheres passavam. Ela foi humana, contou uma história sobre a perspectiva feminina sem precisar chocar o espectador com cenas dramáticas, sem soar apelativa graficamente, sem expor a crueldade dos atos e sem forçar a barra em construir cenas pesadas para nos elucidar sobre os estupros que elas sofriam. Temos uma cena ou outra que mostra elas com hematomas, com sangue, porém de forma leve, sem precisar pesar a mão. O ponto forte do roteiro é exatamente criar um ambiente e nos inserir naquele universo de realidades com o intuito em nos fazer pensar, nos fazer refletir sobre tudo que estamos presenciando. Sarah Polley engrandece ainda mais a sua obra quando abre mão da violência explícita (que obviamente seria o caminho que um diretor normalmente seguiria) para focar na construção dos diálogos, das discursões, das decisões, onde obviamente ela consegue encaixar um texto muito bem escrito, com frases bem construídas sobre toda aquela situação, sobre toda as decisões que elas precisam tomar ao pesar os prós e os contras de ficarem ou fugirem daquela comunidade.
O filme realmente contextualiza sobre como aquelas mulheres queriam brigar pelo seus direitos, queriam ter o direito de ir e vir livremente, o direito do livre-arbítrio, o direito de poder aprender a ler e a escrever, ser de fato alfabetizadas. O texto aqui conversa diretamente com o espectador ao querer expor os direitos das mulheres, o seu lugar na sociedade, toda a sua representatividade, que obviamente estava perdida ao conviverem naquela comunidade onde elas consideravam que até os animais estavam mais seguros do que elas. Porém, acho muito válido a forma como a Sarah Polley decidi nos confrontar com toda a história sobre aquelas mulheres, mas por outro lado eu acho que ficou devendo um pouquinho em um aprofundamento e um desenvolvimento da história de cada uma (ou pelo menos das principais), algo como um arco pessoal dentro de um contexto da vida delas, para que assim pudéssemos sentir ainda mais o peso de suas histórias e pudéssemos se importar ainda mais com cada uma. Mas de qualquer forma, se tivessem seguido por este caminho o filme ficaria ainda maior em questão de duração, pois ele já tem 1h 45min.
Para um filme que é composto quase que inteiramente por mulheres, obviamente o elenco teria que ser o destaque, teria que se sobressair, teria que chamar toda a atenção, e o elenco de "Entre Mulheres" é completamente impecável!
Temos Rooney Mara ("O Beco do Pesadelo") como Ona Friesen, aquela mulher sonhadora, persistente, que ainda acredita no lado bom do ser humano, ainda mais quando esse ser humano é um homem. Um trabalho engrandecedor e fantástico de Rooney Mara.
Claire Foy ("The Crown") vive a Salome Friesen, a mais revoltada com aquela situação, a mais aguerrida e decidida em ficar e enfrentar aqueles problemas em que elas viviam. Claire Foy traz uma personagem muito forte, impactante, voraz, que criou uma casca para se proteger daqueles ataques e com isso ela mal consegue pensar e sempre quer agir no impulso. Belíssimo trabalho entregue pela Claire Foy.
Jessie Buckley ("A Filha Perdida") vive a Mariche Loewen, uma mulher que segue na mesma linha da Salome, que também está cansada e indignada com aquela vida, que também quer dá um basta em toda situação. Jessie Buckley compõe uma personagem que é astuta e ao mesmo tempo frágil, e que no final das contas acaba sofrendo duras consequências e agressões, que se mostra vulnerável (como vimos em suas últimas cenas).
Frances McDormand ("Nomadland") vive a Scarface Janz, a personagem mais misteriosa, intrigante e sombria daquele grupo de mulheres, que no final das contas eu nem sei se realmente ela fazia parte daquele grupo e estava empenhada em lutar pelos seus direitos, visto que no começo ela aparecesse integrada no grupo, porém quando elas decidem irem embora ela não parece se importar. Mesmo com pouco tempo de tela, Frances McDormand consegue se destacar.
Judith Ivey ("Grey's Anatomy") vive a Agata, uma figura sempre pacífica, mais calma, que mantém uma mente mais centrada em seu objetivo, que sempre está buscando entender aquela situação trazendo comparações com suas duas éguas de estimação, Ruth e Cheryl.
Ben Whishaw ("007 - Sem Tempo Para Morrer") é um dos poucos atores que participam do elenco. Ele vive August Epp, um homem amargurado, um professor que junto com sua família foram expulsos daquela comunidade e depois ele retornou. Agora August faz parte daquele conselho de mulheres anotando as suas prioridades e decisões, além de manter um certo interesse em Ona.
"Entre Mulheres" possui uma excelente direção de arte. Uma bela fotografia mais acinzentada, com aquele tom mais denso, mais mórbido, mais morto, que contextualizava perfeitamente a dor e o sofrimento daquelas mulheres. A trilha sonora de Hildur Guðnadóttir ("Tár") mais uma vez está completamente impecável, nos faz sentir todo aquele drama que era construído exatamente a partir da trilha sonora. O longa traz uma ótima direção da Sarah Polley, é muito bem montado, editado, mixado, tecnicamente e artisticamente é bem acima da média.
"Entre Mulheres" teve uma grande aceitação e foi aclamado pela crítica pelo excelente trabalho na direção de Sarah Polley, as ótimas atuações do elenco, bem como o roteiro, a fotografia e a trilha sonora. No Rotten Tomatoes o filme possui uma aprovação de 86% baseada em 26 resenhas. Já no Metacritic, o filme possui uma média ponderada de 80/100 baseada em treze resenhas. No Oscar, o longa-metragem recebeu indicações para Melhor Filme e Melhor Roteiro Adaptado.
"Entre Mulheres" é um ótimo filme que nos conscientiza sobre os abusos e as agressões que as mulheres sofrem constantemente em nossa sociedade. Também nos mostra em como o fanatismo religioso e a obsessão pela fé pode ser algo extremamente prejudicial, quando usado da maneira errada. Mais uma vez eu devo elogiar o trabalho entregue pela Sarah Polley, por conseguir nos imergir em um cenário tão decadente, tão sofrível, tão amargurado, tão triste, porém sem a necessidade de usar um apelo gráfico, uma violência extrema, se baseando unicamente no poder que a mente humana tem em construir diálogos com sutileza para resolver uma situação com menos sofrimento possível. [25/02/2023]
Passagem
3.3 113 Assista AgoraPassagem (Causeway)
"Passagem" é dirigido por Lila Neugebauer em sua estreia na direção e escrito por Ottessa Moshfegh, Luke Goebel, Elizabeth Sanders e Jennifer Lawrence, que além de estrelar também fez parte da produção. O filme é uma produção da A24 com distribuição da Apple TV+.
Lila Neugebauer é uma diretora de teatro, escritora e diretora artística. Ela já dirigiu alguns episódios das séries "Room 104", "Maid" e "A Vida Sexual das Universitárias". Além da sua direção do revival da Broadway de "The Waverly Gallery", de Kenneth Lonergan ("Manchester à Beira-Mar"), que recebeu uma indicação ao Tony Award. Porém, "Passagem" é seu primeiro longa-metragem, que segundo ela, serviu como uma oportunidade de entender o que está por trás da cultura militar tão arraigada no inconsciente coletivo dos americanos. Lila disse que trabalhar no projeto do filme fez ela entender os reais motivos que levam tanta gente a se alistar, para além da justificativa fácil do patriotismo, é claro.
O longa de Lila Neugebauer nos conta a história de Lynsey (Jennifer Lawrence), uma soldada americana, que sofre uma lesão cerebral traumática após a explosão de um IED durante seus serviços militares no Afeganistão, o que a obriga a voltar para sua casa em Nova Orleans.
Temos aqui um drama profundo, carregado, denso, intrínseco, com um olhar mais intimista, mais sensorial, mais contemplativo, mais humano, pois a história trata de temas delicados como traumas, dores, medos, frustrações, depressão e o luto. O longa busca nos elucidar sobre o recomeço sutil de Lynsey, algo como tentando se reconstruir de toda complexidade que se instalou em sua vida, pois a princípio ela tem que lutar para recuperar seus movimentos, lutar contra sua impotência e sua incapacidade, reestabelecer uma conexão saudável com sua mente e obviamente com sua vida.
É interessante notar como a Lynsey luta contra seus traumas do campo de batalha e tudo que ela sofreu após seu acidente, porém, o seu retorno para casa conta também como um retorno para uma realidade que ela já viveu, pois ela traz consigo seus traumas pessoais que são carregados desde a sua infância humilde, na qual ela não recebeu muita atenção da sua própria mãe. Toda essa construção do roteiro deixa claro como a Lynsey também tinha suas fragilidades e suas vulnerabilidades, pois ela via no alistamento militar algo como uma fuga da realidade em que ela cresceu, como ela mesmo cita ao desabafar: "O problema é aquela casa, eu fui a única a sair de lá".
Dentro de todo esse contexto de reestruturação na vida de Lynsey, temos a adição de James (Brian Tyree Henry), um mecânico que ela conhece após um problema em sua caminhonete. Este é um ponto muito interessante do roteiro, um confronto, um contraponto entre a história de Lynsey e a história de James. James também carrega suas dores, seus medos, suas frustrações e seus traumas físicos e mentais, pois ele sofre diariamente com o acidente de carro em que seu sobrinho foi morto. A partir desse ponto temos um compartilhamento de dores, de traumas, de recomeço, de aceitações, de sentimentos de culpa e de impotência. É interessante acompanhar o nascimento daquela improvável amizade, pois apesar dos contextos totalmente diferentes nos quais a dupla adquire seus traumas, ambos acabam se identificando, se completando, acabam compartilhando de um mesmo universo, de uma mesma realidade dura e sofrida, pois os dois viviam na solidão, no vazio, uma espécie de abandono, em que nenhum dos dois tinham outras pessoas para que pudessem se abrir, desabafar, confrontar e enfrentar seus medos e seus traumas.
Nesse ponto claramente constatamos o fator que levou Lynsey a fugir da sua realidade ao optar em se alistar, que é justamente a questão de ter sofrido um grave acidente, ter passado por um terrível trauma, mas ser incapaz de conviver em um círculo de pessoas que envolve sua mãe e seu mais novo amigo. Mesmo que a amizade com James funcione como um refúgio, como um alento para Lynsey, ela não consegue se sentir feliz, ela não consegue se reajustar a vida normal, ela não consegue se sentir realizada, ela não consegue realmente sentir que está em casa e que faz parte da vida de outra pessoa ao seu redor. Dessa forma ela busca constantemente a liberação do seu médico para que ela retorne para o exército e seja realocada. No entanto...
Consequentemente temos os confrontos e os embates de ideias entre Lynsey e James, cada um defendendo a sua tese, a sua história, cada um vivendo do seu sofrimento, do seu trauma, onde claramente Lynsey está tentando fugir da sua realidade ao invés de ficar e enfrentá-la. Porém, é muito interessante notar que a partir da cena em que Lynsey discute com James, por ela simplesmente não conseguir manter aquele convívio, logo após ela vai até um clube e mergulha em uma piscina que está rodeada de pessoas convivendo em um mesmo ambiente, em um mesmo espaço, em uma mesma realidade, isso funciona para ela como uma espécie de aceitação de si própria, de enfrentar os seus traumas pessoais e de conseguir conviver com outras pessoas, no caso o próprio James. Exatamente quando ela retorna até a casa dele e aceita o seu convite de morar ali junto com ele, ou seja, conseguir manter aquele relacionamento, aquele convívio social com uma outra pessoa, e ambas, juntas, enfrentarem e se ajudarem a partir dali.
Mesmo com todo esse contexto que foi abordado na trama, com todos os temas que foram trazidos para discutirmos a respeito das decisões da Lynsey e do James. Porém, eu achei que faltou mais profundidade, mais desenvolvimento em vários pontos. Algo como uma abordagem maior e mais profunda, que nos causasse mais preocupação, que pudéssemos ser mais impactados, que conseguíssemos criar mais identificação e mais empatia pela história de cada personagem. Em até certo faltou mais alma, mais impacto, mais atenção, pois eu senti uma abordagem muito rasa, muito leve, muito vazia, e tanto pelo lado da história que foi desenvolvida quanto pelo lado do elenco e suas atuações.
Falando exatamente do elenco:
Temos a protagonista Jennifer Lawrence, que vinha de um pequeno hiato em sua carreira causado pelo casamento e pela gravidez do seu primeiro filho. Durante esse período ela também rompeu com sua agência, que vinha acompanhando a sua carreira durante todos esses anos. A própria Jenni chegou a afirmar que sua decisão em romper com sua agência foi considerada por ela como um livramento. Em uma entrevista para o jornal The New York Times, Jenni afirmou que sua agência impedia que projetos menores chegassem até ela, e que ela própria não queria aquele rótulo e aquela blindagem excessiva, principalmente após ter ganhado o Oscar. Jenni afirmou que se sentia mais como uma celebridade do que como uma atriz, pois ela se sentia asfixiada pela fama e pela obrigação de sempre ter que aceitar contratos milionários que a prendiam em superfranquias hollywoodianas - como "Jogos Vorazes" e "X-Men".
Poder voltar a atuar em um projeto mais contido e mais intimista como o filme "Passagem", serviu para Jennifer se reinventar, dar um frescor e um novo fôlego em sua carreira. Serviu também para de certa forma ela retornar às suas origens cinematográficas, algo como o excelente sucesso indie "Inverno da Alma" (2010), que foi o projeto que garantiu a ela sua primeira indicação ao Oscar.
E aqui temos uma Jennifer Lawrence em uma atuação que contrasta com personagens que ela já viveu anteriormente; como a própria Ree Dolly de "Inverno da Alma", que era uma personagem que tinha se superar e se reinventar constantemente, arcando com suas responsabilidades para garantir a sua sobrevivência. Por outro lado sua personagem Lynsey me lembra muito da sua personagem Tiffany de "O Lado Bom da Vida" (2012), que também tinha que enfrentar seus traumas, suas frustrações, porém muita das vezes se mostrando como uma pessoa desequilibrada.
Todavia, eu não vejo aqui uma exímia atuação da Jennifer, vejo como uma atuação mais normal, sem um grande desenvolvimento ou um grande aprofundamento na personagem. Em até certo ponto eu acredito que sua atuação é fria demais, rasa demais, que por mais que necessariamente estamos falando de uma personagem que vivia enfrentando seus traumas e suas frustrações, e que poderia realmente trazer esse aspecto de fria, de contida, de amargurada e até infeliz, mas eu senti que ela vai muito no automático, sempre com as mesmas expressões, com as mesmas reações, faltou um algo a mais em sua atuação e a mim não me convenceu.
Já o ator Brian Tyree Henry ("Trem-Bala"), que está indicado ao Oscar justamente pela atuação nesse personagem. Bem, pra mim ele vai muito na linha da Jennifer, também constrói um personagem que está sofrendo com um trauma e um peso que agora ele carrega nas costas, se mostra como uma pessoa traumatizada, infeliz, vazia, que está buscando se reerguer e recomeçar a sua vida, e que vê na Lynsey uma provável (ou improvável) oportunidade de fazer este recomeço. Porém, eu uso praticamente as mesmas justificativas que utilizei para descrever a atuação da Jennifer Lawrence. Pra mim o Brian Tyree Henry traz uma atuação até condizente com o que o seu personagem pedia, mas também senti que faltou mais alma, mais coração, faltou mais entrega, faltou mais química com a própria Jennifer.
Sendo assim, tanto a Jennifer Lawrence quanto o Brian Tyree Henry conseguem construir seus personagens dentro da proporção de cada um, mas eu não vejo nenhuma grande atuação, ou um trabalho fora da curva, que mereça ser exaltado e até indicado em qualquer premiação.
Compondo o elenco ainda tivemos a Linda Emond ("Succession") como Gloria, a mãe de Lynsey, que trouxe aquela figura de uma mãe que tenta se mostrar preocupada, que tenta fazer parte da vida da filha, quando na verdade a filha estando ali ou não para ela pouco importa. Stephen McKinley Henderson ("Duna") como o Doutor Lucas, o responsável em sempre ouvir as queixas da Lynsey e avaliá-la sobre seu possível retorno ao posto militar. Russell Harvard ("Fargo"), como Justin, o irmão de Lynsey, que nos proporcionou uma linda cena ao final do filme. Engraçado que com uma cena do Justin eu consegui me apegar mais a ele do que com os dois personagens centrais.
A trilha sonora é boa, consegue transmitir o peso que está sendo desenvolvido em cada parte da trama. A fotografia é bem notável, agrega bem na composição das cenas, principalmente aquelas que destacavam os personagens sozinhos e logo após compunha uma reaproximação.
Sendo assim eu concluo que "Passagem" é um bom filme, traz assuntos pertinentes e relevantes dentro de um contexto geral, como a abordagem sobre perdas e recomeços, sobre traumas e frustrações. Porém, falta mais peso dramático, falta uma história com mais corpo, com mais alma, com mais desenvolvimento e mais envolvimento que ligue o espectador com os problemas enfrentados por cada personagem, para que assim possamos realmente sentir o peso da dor de cada um. Porque sinceramente, ao final eu cheguei na conclusão que a história parte do nada e vai pra lugar nenhum. [19/02/2023]