A classe média, esse mal dos tempos, continua sendo a classe média em qualquer canto do mundo.
Em vez da abordagem comum ao apresentar uma história, a de logo no começo traçar todo o panorama familiar e, a partir daí, seguir com os conflitos e desenrolar da trama, Franco opta por até o último minuto de filme revelar parcelas de informação a cerca dos personagens. Seja de casamentos prévios, mágoas e rancores adormecidos, problemas e conflitos pessoais que se desdobram, nada é entregue de bandeja, mas cada uma dessas pontas, peça por peça, serve pra construir ao fim uma história perturbadora sobre como um ambiente familiar pode ser tóxico e altamente destrutivo.
Nenhuma das personagens é sã, ao mesmo tempo em que, como em um efeito cascata, seus problemas acabam projetando tormenta no próximo, servindo como catalisador pra trama. Clara, que é um jovem sozinha, com sérios problemas de auto estima e segurança, provavelmente em virtude de sua criação, recebe na casa de praia da família sua irmã grávida, Valéria. Acredito que sem dúvida alguma o velado rancor para com a irmã, de boa aparência e com um namorado igualmente bonito, fez com que ela trouxesse para a cena a mãe de ambas, uma sociopata com tendências controladoras e manipuladora.
O resto é história, e muito boa história. A forma fria de condução de Franco, sem ceder sequer um momento de arroubos, nem para cima nem para baixo, faz com que o clima tenso permeie toda a obra, constantemente a sensação de que algo muito ruim está ou vai acontecer.
É um alento poder encontrar uma obra-prima dessas, transpirando classe e refinamento, de um diretor com uma mão pesada e característica que impõe sua identidade ao que filma. Quem acompanha o cinema do Lanthimos pode observar toda sua evolução, desde o choque perturbador, seco e rude de Dente Canino, passando pela sátira vulgar de A Lagosta, a derrapada de Cervo Sagrado, até aqui, sua realização máxima, completa, o ápice de seu domínio cinematográfico e desenvolvimento de personagens.
A grande angular está lá, tão dinâmica e opressora, para os personagens ali soterrados, quanto para quem assiste, difícil tomar conhecimento de cada detalhe em cena. E acho mesmo que a cinematografia contribui pra essa sensação de isolamento, alienação, solidão das personagens que são reféns das idiossincrasias de época, dos pequenos jogos de poder e preferências.
Frequentemente o diretor posiciona a câmera em um ângulo inferior às personagens e à ação que se desenvolve, de baixo pra cima, esquerda pra direita, somos forçados a uma posição subalterna, o que acaba sendo o destino de Abigail na sequência final, ainda que ela minta pra si mesmo nesse novo status de emergente social, como uma vitória sua, ela ainda (também) é uma refém da estrutura que se esforçou pra fazer parte, de sua rainha, de si mesma.
As atuações de Weisz e Stone são brilhantes, duas coadjuvantes absurdas que gravitam em torno da força assustadora de Colman. É corriqueiro associarmos uma atuação poderosa com overacting, arroubos e dinamismo, aqui não é o caso. Colman constrói e da vida a uma monarca britânica complexa, cheia de camadas sutis de personalidade, alternando entre o histrionismo, arroubos de ciúmes e carência, e a miséria emocional marcada pelas tragédias pessoais.
Além de tudo isso, é sensacional ver uma obra política, biográfica e dramática tendo três mulheres no centro, suas relações de poder e intimidade, iluminando uma figura importantíssima, embora apagada, da História britânica.
óbvio que ninguém iria comentar isso aqui, mas bora lá:
pessoas brancas, de classe média alta, com problemas de drogas: "ah, que garoto bonitinho, mas tão problemático, que vida sofrida e difícil a dele, pobrezinho. olha como ele é um doce, a gente vai inclusive escalar o Chalamet pra interpretar, assim vai gerar mais comoção no público. inofensiva essa pobre alma atormentada pelas drogas"
pessoas negras, de classe baixa, com problemas de drogas: "vagabundo, marginal, bandido, delinquente, preguiçoso, vai trabalhar seu inútil, quem mandou escolher essa vida?, bandido bom é bandido morto, sustenta o tráfico!!"
a história se repete. ao branco com dinheiro, a clínica de rehab, ao negro pobre, o presídio.
ah... o cheiro de racismo pela manhã cedo. mas fico feliz que o real problema do Chalamet seja em trabalhar de novo com o Woody Allen, e não atuar em um filme merda pra descolar um Oscar.
Revisto, dessa vez no cinema. Não lembrava tão bem assim da importância da música e trilha sonora no filme, infiltra e permeia toda a obra. Violência perturbadora, quando contextualizada, é uma das revoluções na forma de se fazer cinema nos EUA na década de 70. De Niro em uma atuação para a história.
Uma alegoria bizarra e surreal sobre como um sistema excessivamente burocrático, engessado e que, por efeito, fomenta a corrupção endêmica em toda a sociedade e instituições, atropela de maneira avassaladora o indivíduo comum, passivo e apático.
A doce criatura em momento algum levanta a voz, contesta, reage, sequer apresenta o menor sinal de vida. Propositalmente é uma observadora usada pela narrativa para mostrar como esse sistema virulento destrói seu povo de dentro pra fora, mina a vontade sem qualquer sinal de luz no fim do túnel.
Não é de hoje que Loznitsa trabalha em cima desses pontos a cerca da sociedade russa, de forma documental, distante e fria. Uns acusam sua lentidão na condução da trama, outros aplaudem o caráter de observação sem julgamentos. São todos parasitas, cupins lutando pela sobrevivência sem qualquer perspectiva de futuro e não possuem a menor empatia pelo próximo.
O que me incomoda é o final, a brusca mudança de tom, do realista monótono para a fantasia didática. Uma pena. Cortasse os vinte minutos finais, substituindo pelo plano (esse sim) final, e seria uma obra a par com suas anteriores.
Uma baboseira infantil, que parece claramente se excitar com as alegoria fúteis, as auto referências típicas do ego narcisista do diretor, sem mencionar sua misoginia exacerbada. Nem parece o mesmo diretor de Anticristo e Melancolia, aqui resume-se a uma criança que se apaixonou pelo próprio reflexo no espelho, incapaz de respirar fora da sua bolha/universo, acredita ainda naquilo que diz.
É interessante observar como possui duas metades distintas, um filme de muitas camadas, mesmo com uma narrativa direta: a primeira acusa a mão forte do diretor, seja pela antológica sequência inicial, seja por demonstrar o peso das consequências do ato de terrorismo sobre a psique de Celeste.
A segunda parte acaba sendo sequestrada pela atuação grandiloquente da Natalie Portman, e é perfeitamente cabível. Corbet construiu essa persona narcisista, mimada, ególatra e descontrolada, quase maníaca, que ofusca tudo e todos a sua volta por causa dessa força gravitacional absurda. Esses dois principais coadjuvantes, Stacy Martin e Jude Law desaparecem sob a força da interpretação da principal.
Como fica registrado na narração em off: o passar dos anos agravou as diferenças e extremos de personalidade das duas irmãs, o resultado é que Celeste torna-se cada vez mais expansiva e manipuladora, diminuindo Ellie, que por sua vez acaba retraída ao ponto de perder a própria voz.
Lembrei de um tema em Dark Mirror, dizia que o capitalismo moderno devora todo e qualquer ato de bondade altruísta, digere e bota pra fora como um produto pronto pra consumo, esvaziado de sentido e significado. Exatamente da mesma forma que, porque não, a violência e a dor inicial foram consumidos, espetacularizados e expostos ao máximo, culminando no primeiro momento chave que é a performance de Celeste no funeral. Capitalização em cima da dor e da morte.
Gosto de pensar que Celeste é um conduíte para esse revisionismo sócio cultural do começo do século 21 que Corbet pinta, com muito sarcasmo e sátira, permeado pela brutalidade e violência que normatizamos e consumimos. No fim das contas nós desejamos e nos excitamos com os dois, o espetáculo vulgar e a dor.
Hoje lendo uma crítica sobre o filme acabei me prendendo na parte em que dizia Koreeda encurta a distância e se aproxima do mestre Ozu, principalmente no que concerne o campo de estudo, o seio familiar. A mesma crítica logo depois sugere maior semelhança, na verdade, com Ken Loach, pelo fato de ambos tratarem de personagens às margens da sociedade.
Tenho que concordar com as duas analogias, Koreeda estuda e narra como ninguém sobre o tema familiar, o incrível é que a todo instante da sua filmografia ele nos convida pra subverter, questionar, reinventar o conceito de 'família'. Em todos seus filmes existe esse olhar carinhoso e gentil, talvez até mesmo acolhedor, para com o marginal, aquele tipo de figura que foi deixada pra trás no tsunami de pós modernização, que acaba por trivializar as relações humanas.
Koreeda faz um apelo para a pausa e a observação livre de julgamentos morais, escolhe o marginal não por acaso, mas porque é dali que abre-se um leque impressionante de possibilidades de estudo dessas tais relações humanas, e como mesmo nos ambientes mais frágeis e de miséria que se aflora o amor, o cuidado, o perdão. Tudo partindo de um componente chave: o abandono.
Ou será que não? A dúvida também permeia a natureza e motivação das relações que foram construídas no filme: seriam realmente altruístas ou o dinheiro, em todas as instâncias, corrompe o indivíduo?
Iguala-se a Ozu na condução linear e sutil da trama, mas também inova, parte de um contexto pronto e formado pra desconstruir, peça por peça, dessa família não convencional, indo na contramão do que se esperaria. É brilhante, melancólico, agridoce, todos aqueles adjetivos que descrevem a sensação de amargor depois de assistir uma obra dessas são cabíveis.
Jia segue como um dos maiores condutores de narrativa do cinema atual. É um roteiro linear, sem maiores surpresas, elipses de tempo limpas, acompanha direitinho a personagem principal sem qualquer digressão e, ainda assim, te mantenho preso por mais de 140 minutos.
Como toda filmografia, as constantes mudanças sociais na China durante duas décadas transparecem na vida dos personagens, um reflexo em que se observa os efeitos da abertura política e econômica, não apenas no uso popular de smartphones, mas também - e aí de forma mais sutil após o primeiro salto no tempo - na perda momentânea da identidade de Qiao, passa a buscar a si mesma após a reclusão, tentando encontrar seu lugar nessa nova sociedade.
É uma China de explosão econômica, modernização de metrópoles, mas ao mesmo tempo da precarização das relações trabalhistas, empobrecimento das periferias e, porque não, apagamento de indivíduos. Senti isso o tempo todo com o desenvolvimento de Bin, claramente um personagem perdido no passado 'glorioso', ou ao menos de relevância. Na atual China pessoas como Bin foram atropeladas, soterradas pela modernização capitalista e efervescência cultural, não há mais espaço para tais figuras. Ele sabe disso, decide por si próprio sair de cena. É melancólico, mas ao menos honroso.
Um ponto que merece ser destacado: deus salve a maior sequência desse filme, a que muda completamente a narrativa no centro do filme. Uma obra de arte esse domínio de espaço da câmera e fotografia.
Um pastiche de péssimo gosto a partir de uma boa intenção. Nada, absolutamente nada, nesse filme gera qualquer teor de suspense ou mistério. Logo desde os primeiros minutos já é bem fácil entender vagamente a trama e as razões pelas quais os personagens se comportam de determinada forma.
Depois de True Detective parece que veio uma leva de filmes ressuscitados com essa pegada 'dark/anti herói', o problema é que nenhum desses refugos, nem mesmo a temporada 2 da série, conseguiu arranhar no nível de excelência da primeira temporada. Não tem como duplicar essa ambientação, e Kusama falha espetacularmente. O roteiro não ajuda, é pobre, tosco, os flashbacks são previsíveis e o pior, a atuação da Kidman é uma coisa horrível. Típico overacting hollywoodiano.
Um filme feito em 2017 que ainda recorre aos clichês batidos do gênero para gerar suspense, de forma bem clara: a estupidez da personagem principal que não passa de uma marionete inerte e submissa, com o único objetivo de servir aos impulsos doentios do psicopata da vez.
Tanto faz e pouco importa que haja zero desenvolvimento de qualquer uma das duas personalidades, tudo vai caminhar exatamente de acordo com um roteiro raso e pueril, incapaz de criar tensão por si só, em vez disso se apóia, justamente, em todas aquelas atitudes (ou falta de) da personagem que se encontra a mercê do que virá.
Vamos esquecer da inocência latente, de confiar de cara em um estrangeiro, não é culpa da vítima a psicopatia alheia. Mas, uma vez dentro daquela prisão, porque CARALHOS, em toda oportunidade, ela opta pela inanição? Com uma chave de fenda você mira na mão e não na cabeça? Com a chave da porta você deixa a mesma aberta depois de passar por ela? Sem contar o arsenal de armas e possibilidades de emboscada que existia naquele loft, AINDA ASSIM... nada. Mesmo sem cartão sim ela poderia fazer uma chamada de emergência. E ainda assim... nada.
É frustrante ver que um filme todo é construído com a suposição de que quem o assiste seja um completo imbecil.
Assisti a um filme bobo. Não chega nem ser um espanto entrar aqui e ver o desfile de adjetivos (clichês a essa altura) rasos para descrever um filme... raso. E bobo. "Sutil, belo, íntimo, silencioso, delicado, uma flor, etc.", com todo respeito, mas pra mim isso é um monte de baboseira copiada e colada do anterior.
Em momento algum o filme decidi ser alguma coisa, nem road movie, nem drama. Não desenvolve a relação (ou falta de) da personagem principal com o trabalho, sua rotina e a posterior demissão. Não constrói um mínimo de background sobre essa mesma personagem pra que tenhamos uma conexão.
E como se não bastasse tudo isso, ainda de quebra, o seu insosso irmão como personagem tá sempre ali pra navalhar qualquer tentativa da narrativa de focar em um centro. Os parcos diálogos são bobos, infantis e pueris. Beira uma tolice a introdução da filha do patrão que 'promoveu' toda essa jornada, mas principalmente porque o roteiro abdica de desenvolver. Na realidade, nenhuma relação ali é desenvolvida.
Estilisticamente é uma bagunça. Quando mira em Enter the Void, acerta num pastiche de Tree of Life com Knight of Cups. Falta a força e densidade de Noé, sobra o que há de etéreo e espectral em David Lynch. Eu não sei se isso é mérito ou demérito, o recorrente uso de nomes, estilos e identidade de cineastas distintos aqui nos comentários, mas a verdade é que me senti perdido nessa mistura de estilos, não tanto pela originalidade (ou falta de) e mais pela ausência de coesão.
E se o aspecto estético/visual/sensorial, que deveria ser a força motriz do filme, falha tão categoricamente, o fiapo narrativo pouco consegue prover sustentação. Claro, as atuações, nessas circunstâncias, precisavam ser fora do normal, absurdas. Só assim pra conduzir esses 180 minutos.
Então... basicamente ele resolveu fazer uma refilmagem de Manhattan, e que por acaso acaba justificando e defendendo o Woody Allen de todas as acusações que ele sofreu. Pois é.
Um filme bem problemático e inconstante, com personagens simplórios e rasos, sendo o de Louie o pior de todos, um senhor hipócrita, covarde e que passa grande parte do filme se desculpando, mesmo sem ele saber porque se desculpa, perdido gaguejando. Levanta o péssimo clichê do "e se fosse a sua filha?" Pois é.
Tem alguns bons momentos em que denuncia/faz um mea culpa com diversas atitudes nocivas da indústria de hollywood, e outros momentos catastróficos, como quando resolve colocar a "culpa" na mulher por ter se metido numa relação abusiva com um homem de 50 anos mais velho. Gostaria de entender porque tantas personagens femininas justificando isso. Infelizmente ainda vivemos numa sociedade que não consegue enxergar tudo de problemático que existe em uma menina de 16 se relacionar com um homem adulto de 66.
Toda a frieza que permeia as relações pessoais, seja de familiares, ambiente de trabalho, amorosas - frieza que beira a sociopatia, do indivíduo auto centrado e imerso em si mesmo, no próprio ego e alheio a tudo e todos a sua volta - é maquiada e disfarçada por uma polida educação, boas maneiras e cortesia pontuais da alta classe e elite.
Acredito que, com um tema desses, o sarcasmo e ironia que Haneke usa cai como uma luva, ele ri de si mesmo diante do absurdo, em frente a uma realidade bizarra, somente escapando dela com toques histriônicos.
Passando os olhos nos comentários vi um rapaz perguntando porque esse filme existe. Recuso-me a entrar nesse tipo raso de auto indulgência, mas devo agradecer ao cinema por existir e nos permitir assistir autores como Haneke.
O Ross Perry tem algum filme ruim? Tornou-se um Woody Allen melhor do que o original, pelo menos na questão de saber conduzir um drama sem o peso da mão do anterior (e sem a influência sufocante de Bergman), ainda mais considerando a versão diluída de Allen atualmente.
Sem perder o compasso, Perry habilmente constrói um drama pesadíssimo em torno de 3 mulheres tentando se encontrar em diferentes etapas da vida, enquanto precisam lidar com as patéticas figuras masculinas, construção já comum ao cinema do diretor. São sempre os mesmos homens infantis, que recusam-se a crescer, mergulham na auto condescendência, vitimização e senso delirante de importância.
É brilhante ver a complexidade dessas personagens femininas, e em vez de se digladiarem física e psicologicamente como em Rainha do Mundo, aqui uma estende a mão à outra, nítida a compreensão do que é ser mulher no contexto social atual, mesmo que o latente atrito de personalidades esteja também presente.
Assim como a verborragia, típica do diretor também presente, aqui não incomoda. Pelo contrário, é age como mais um elemento construindo fantástica ambientação, o peso da narrativa e a necessidade de uma lufada de ar puro. De certa forma algumas delas conseguem essa brecha, outras não. É uma questão de escolha. Como escancarado no filme anterior, é terrivelmente difícil conseguir quebrar o próprio ciclo de erros e escolhas equivocadas.
Óbvio que a saída mais fácil é julgar a filha, pela imaturidade, egoísmo e total frieza ao tratar a mãe. Julgamos um ato, e não a pessoa. Entender a pessoa levaria tempo demais, reflexão demais, conhecer demais sobre alguém. A mãe, apresentada de forma doce afetada pela senilidade, acaba sendo presa do interesse unicamente financeiro da filha.
Mas o que me interessa é entender porque a filha é do jeito que é: que tipo de mãe Isadora foi décadas atrás, ainda jovem? Como foi a criação da filha? Havia amor suficiente, carinho, bons tratos, afeto? Não podemos nunca desviar do fato de que os pais possuem uma influência muito forte sobre o que os filhos acabam se tornando.
Dito, uma coisa não justifica a outra. A filha deveria ter quebrado o ciclo de dor, ressentimento e miséria muito tempo atrás. Remoer tanto de nada adianta. Não foi capaz disso e hoje é um ser humano fracassado, amargurado e perseguido pelo que ela achava merecer da mãe.
Não acredito que haja inocentes, vítimas puras. Também não acredito que a intenção do filme tenha sido explorar qualquer tipo de reconciliação. Como ilustrado no fim, Isadora já não estava mais ali. Nem a filha. Nem a mãe. Havia o nada entre as duas.
Revisto 5 anos depois. Incrível como uma revisão, dado o devido tempo, pode mudar completamente sua percepção sobre alguma obra. Tornou-se um filme espetacular, absurdo com Vicci em cena, Mastroianni um monstro sagrado. A cena final, da leitura da carta, continua me fazendo ir às lágrimas.
Uma das características mais marcantes do cinema social dos Dardenne, pra mim, é essa busca, perseguição, procura por vezes implacável e urgente. Numa camada mais superficial, a busca é sempre motivada por questões banais e cotidianas, mas sempre, em todos os filmes, essa perseguição se traduz numa procura pela mais simples humanidade, por algo tão básico e fundamental na vida de todo ser humano. Em A Garota Desconhecida (a identidade da mulher morta/enterro, cuidados, dignidade com quem morreu); Dois Dias, Uma Noite (recuperar o emprego/dignidade financeira, sobrevivência); O Garota da Bicicleta (amor materno/pertencer e se sentir protegido pelo familiar); O Silêncio de Lorna e Rosetta (emprego/dignidade financeira, sobrevivência), etc. Como uma obsessão.
E são essas buscas incessantes que contrapõem diretamente esse "ritmo lento e arrastado" aqui criticado. Porque é uma ação frenética de encontro de seres humanos em diversos estados, momentos, condições, gerando uma fricção extremamente ansiosa. É o mesmo contraponto entre a ação e a não ação, e como nos dois casos as consequências são impossíveis de se evitar ou controlar. Se você decide não tomar uma ação, permanecer nulo e fazer nada, ainda assim isso provoca uma ação indireta, inferindo e alterando a vida dos outros à sua volta, pro bem ou pro mal. É um exemplo claro de como se anular em um meio social carrega uma profunda responsabilidade ainda assim sobre os outros. Nesse caso, duas atitudes de não ação são diretamente responsáveis por uma vida humana.
A perseguição de Jenny é pela dignidade de uma desconhecida, por conferir a ela a atenção, cuidado e empatia que, em um momento de lapso, ignorou. A culpa motiva toda essa obsessão, claro, mas em última instância transborda humanidade em todos os quadros, nos mais sutis detalhes.
É curioso como a maior aparente fonte de insatisfação dos comentários aqui resume-se à duração do filme, à sua "chatice", ou ao "nada acontece". Curioso porque, em última instância, são justamente os longos espaços de "tempo morto" dentro da narrativa, artifício excepcionalmente utilizado em grande parte no cinema romeno da última década, e também no cinema de Antonioni, que vão justificar a razão de ser do filme. A construção do mesmo por si só já é suficientemente desconfortável. Quem assistiu os filmes anteriores da diretora tem conhecimento disso, da elaboração de situações onde ela insere personagens claramente deslocados e fora d'água pra ilustrar ou estudar algo. O fato dele não ter uma narrativa explícita, parecer uma sequência de esquetes e acontecimentos bizarros, é fundamental pra estabelecer o significado, o papel do pai de Ines dentro do filme.
Duplamente curioso também, é que em certo momento, durante a apresentação da proposta da construtora, um dos empresários romenos contrapõe o argumento de Ines sobre a internacionalidade dos jovens romenos. Ora, quanto mais globalizados, menos conscientes da própria pátria-mãe, a Romênia. Ele fala com certo rancor, e percebemos que é o mesmo cenário de Ines: alemã, empresária, poliglota, trabalhando em Bucareste, visando mudar pra Xangai, com pouco ou nenhum apego ao país de origem, ao pai, a família.
Tanto tempo morto confere um aspecto extremamente realista ao filme, embora tenha um ritmo ágil no deslocamento da ação, acredito que poderia facilmente ultrapassar os 180 minutos. Mas além do teor de realidade, a proposta da diretora com isso é apresentar os peronagens principais, pai e filha, desconfortáveis dentro do muro de objeções, frieza, distância e desapego que construíram. É palpável em diversos momentos. Numa tentativa de se reaproximar da filha, a escolha de Toni é a de criar máscaras, ilusões e mentiras infantis, mas que ao mesmo tempo se desnudava como um homem de bom coração, desajeitado, sozinho e tímido (quão poético é o fato de que no único momento onde a filha demonstra amor pelo pai, ele está totalmente coberto com uma puta fantasia búlgara??). Por outro lado, Ines levantou uma muralha ao seu redor (talvez como forma de ter sucesso na empresa?), criando relações amorosas estéreis, amizades cujo assunto fica retido sobre o emprego, o seu trabalho tornou-se uma válvula de escape pra uma vida vazia, sem sentido, sem prazer. Toni está sozinho, não possui mais nada pelo que viver, exceto a esperança de recuperar a relação com a filha. Ines, pelo contrário, engana-se com uma auto importância que não existe, conta pra si mesmo mentiras de uma vida sem espaço e tempo para o inútil, desconfortável e lento pai.
A meia hora final beira a genialidade: do desmonte de máscaras e farsas com a 'festa do cabide' bizarramente cheirando a desastre, até a catártica cena no parque entre filha e pai, já mencionada. Mas o que eu vou guardar comigo é a exata sequência final, que transparece todo o amargor de um filme justo em si mesmo. A modernidade líquida que critica, e usa como pano de fundo para a narrativa, é a mesma que rege a estranha dinâmica final entre pai e filha. Eu vi alguém comentando logo abaixo sobre onde exatamente o filme deveria terminar, mas não consigo visualizar esse filme como uma obra completa sem os seus cinco minutos finais. Logo após se abrir pra filha sobre o que, para si, considerava uma válida razão para viver ("nós fazemos coisas aqui, fazemos coisas ali, enquanto a vida passa"), Ines adota uma das fantasias do pai; parece um momento singelo de conexão entre duas pessoas que por muito tempo não se encontraram. Seguindo a lógica do pai, era um desses momentos para se aproveitar, reconhecer a felicidade fugaz que ali residia, viver no presente. Ele então, contrariando o próprio discurso, mas agindo como qualquer ser humano, abandona o momento, o quadro, e a filha, busca pela câmera para registrar aquilo que ele deveria ter registrado com os próprios olhos e coração. Ela, por outro lado, ressignifica o tempo morto de uma realidade amarga, desfaz a fantasia e encara o vazio sem vida, sem sentido, sozinha.
Um poderoso filme no que diz respeito a construir um estudo de consequências, não de personagem. Essa temática do "volta pra casa" do membro desgarrado e em queda é batida, mas aqui me parece um pouco diferente a forma como o diretor insere a personagem de Krisha de volta ao seio familiar, lembrando claro que nem sempre é constituída por família de sangue.
Eu não pude deixar de notar nos poucos comentários aqui na página, e como imaginei que seria, a falsa e cega empatia de pessoas culpando imediatamente a família de Krisha por tudo de errado e pela forma como recebem a mulher sexagenária. É principalmente interessante que o diretor opte por não dar um passado, tanto para Krisha e as causas e motivos de seu estado completamente perturbado, psicológico e emocional, assim como dos familiares e pessoas a quem esse estado e atitudes tanto machucou e feriu.
Veja bem, parece claro que a primeira intenção seja a de induzir a um julgamento moral, mas sem qualquer elemento que ajude a navegar e entender as intrincadas relações familiares, somos obrigados a tomar um lado mediante experiências pessoais. A falsa empatia de quem nunca viveu nenhuma das experiências sugere tomar o partido da personagem principal, através dos olhos dos quais vemos a narrativa se desenrolar.
Mas e os questionamentos que surgem se começarmos a tentar entender como o filho de Krisha (ou qualquer outra pessoa da família) se sentiu com os constantes abandonos, como foi a convivência com uma mulher aparentemente alcoólatra, que abusava de medicamentos e álcool, com tendências a abandono, egoísta, extremamente dependente emocionalmente dos outros, sufocante, vitimista, e sem a menor inclinação a se responsabilizar por seus atos?
Acho que só quem convive ou conviveu por um bom tempo com um dependente químico, como é o meu caso, sabe como é essa relação maldita. Eventualmente o dependente se exime de culpa ou responsabilidade, se eximir de tentar ou procurar ajuda. A culpa e o inferno são os outros, os outros tem toda a responsabilidade pelo bem ou mal estar do viciado. São os outros que não cuidaram direito, que não ajudaram, que não se importaram, que não deram assistência, etc. Por duas décadas eu vi um alcoólatra destruir tudo que via pela frente, se negar a qualquer tipo de ajuda, de medicação ou tratamento. No fim a culpa foi da mulher ou dos filhos que não serviram de coisa alguma.
O deslocamento de Krisha é óbvio: uma alcoólatra irresponsável, profundamente danificada e que não tem um pingo de noção do quão nocivas foram as suas atitudes aos outros. Não existe reconhecimento de responsabilidade. Todos na vida lidamos com merda, uns mais, outros menos.
É um desses tipos que provoca a rara sensação de um soco no estômago, ou uma falta de ar. Durante uma boa parte do filme fiquei procurando correlações e paralelos, desde o uso do instrumento musical como peça central da trama (Sonata de Tóquio, embora seja completamente diferente a construção da narrativa), até os ríspidos e combativos diálogos (lembra muito Bergman) que revelam o que há muito foi varrido pra baixo do tapete.
Mas apesar de todas essas semelhanças, Harmonium acaba desenvolvendo-se como um monstro único e original. É tanto um poderoso drama familiar desde os minutos iniciais, construindo com calma e cuidado todo o cenário que vai ser devastado pela introdução de um elemento externo, como um terror, sim, assustador, que reside no comum, no acaso passível a todos os indivíduos.
E é justamente esse elemento externo que acaba servindo apenas como muleta pra provocar essa virada de mesa na narrativa. São dois filmes em um só, mas que juntos tornam-se uma obra gigantesca, que finalmente que expõe as fissuras e desgostos ao longo do tempo que se escondem nos silêncios da família, quando a verdade sobre o que existe no interior de cada um daqueles personagens vem à tona.
Assim como o final, por diversos momentos, desde o mais banal que representa a virada na trama, até a tragédia em questão, a sensação de assistir Harmonium é justamente essa, de buscar pelo ar, por respirar, mas encontrar o nada.
Logo eu, um detrator e crítico ferrenho do Dolan, acabei gostando. Vocês andam chatos demais. Talvez, se for possível, ignorar o uso completamente equivocado, cafona e exagerado da trilha sonora (como sempre nos filmes dele), a obra ainda melhore.
Acredito que seja um Dolan contido, não sei se pela presença de tantos nomes de peso no elenco (é sabido que o gênio e o ego do diretor são enormes), mas é um ótimo sinal, principalmente se nos acostumarmos com o overacting de costume, aqui pelo menos é algo que casa bem com a constante tensão que transpira nos planos fechados e super closes, de haver sempre um embate ou um confronto à vista. Afinal, um reencontro familiar é isso.
No final da sessão eu ouvi um casal atrás falando justamente disso, da sensação de incômodo com a forma como ele enfia a câmera rosto acima dos atores, dando luz verde pros surtos não tão ocasionais, trejeitos e tiques particulares de cada personagem de forma beirando o caricatural. Sim, é incômodo, mas tem um propósito (jesus cristo, até os slow motions estavam contidos!).
Enfim, sou obrigado a discordar também daqueles que dizem coisas ruins do final. Ele foi perfeito, era o único desfecho possível. A ausência é isso, não se recupera o tempo perdido, mas, de forma irremediável e melancólica, não se pode também mudar o terreno que o tempo moldou, com tantos ressentimentos, rancores e culpas acumulados. Nesses casos resta apenas a distância.
Boa sorte pra quem tentar fazer sentido desse filme. Fiquei surpreso também com tantas reações adversas, talvez porque imaginava algo parecido ou caminhando para lugares ainda mais limítrofes depois de 'Acima das Nuvens'. O ponto é que esse não é um estudo de personagem, não é um drama, nem um thriller ou suspense. Do que ficou claro pra mim, é um filme muito eficaz em criar uma ambientação de puro sinistro, assombro e tensão.
E impressionante como o Assayas consegue destravar na Stewart um tipo de frenesi e energia na atuação, tanto o desconforto e a confusão da situação de identidade da sua personagem, como uma atração beirando o sexual em determinados momentos.
Convenhamos, ele não tá nem um pouco preocupado com onde a trama vai chegar, com s respostas que devem ou exigem ser fornecidas pelo roteiro, nada disso importa, senão a ambientação. prova disso são os cortes secos e os fade outs no meio da ação, mais notadamente numa das cenas de maior importância perto do fim. E vamos deixar algo claro,
as trocas de mensagens eram com o assassino da mulher, certo?
Então no fim tudo gira em torno da própria Maureen, não do que ela acredita ser verdade, mas do tanto que ela não sabe, desconhece e de toda essa confusão na qual ela está imersa. Pouco importa o que a audiência interpreta ou não, no fim tudo é Maureen.
As Filhas de Abril
3.4 8A classe média, esse mal dos tempos, continua sendo a classe média em qualquer canto do mundo.
Em vez da abordagem comum ao apresentar uma história, a de logo no começo traçar todo o panorama familiar e, a partir daí, seguir com os conflitos e desenrolar da trama, Franco opta por até o último minuto de filme revelar parcelas de informação a cerca dos personagens. Seja de casamentos prévios, mágoas e rancores adormecidos, problemas e conflitos pessoais que se desdobram, nada é entregue de bandeja, mas cada uma dessas pontas, peça por peça, serve pra construir ao fim uma história perturbadora sobre como um ambiente familiar pode ser tóxico e altamente destrutivo.
Nenhuma das personagens é sã, ao mesmo tempo em que, como em um efeito cascata, seus problemas acabam projetando tormenta no próximo, servindo como catalisador pra trama. Clara, que é um jovem sozinha, com sérios problemas de auto estima e segurança, provavelmente em virtude de sua criação, recebe na casa de praia da família sua irmã grávida, Valéria. Acredito que sem dúvida alguma o velado rancor para com a irmã, de boa aparência e com um namorado igualmente bonito, fez com que ela trouxesse para a cena a mãe de ambas, uma sociopata com tendências controladoras e manipuladora.
O resto é história, e muito boa história. A forma fria de condução de Franco, sem ceder sequer um momento de arroubos, nem para cima nem para baixo, faz com que o clima tenso permeie toda a obra, constantemente a sensação de que algo muito ruim está ou vai acontecer.
A Favorita
3.9 1,2K Assista AgoraÉ um alento poder encontrar uma obra-prima dessas, transpirando classe e refinamento, de um diretor com uma mão pesada e característica que impõe sua identidade ao que filma. Quem acompanha o cinema do Lanthimos pode observar toda sua evolução, desde o choque perturbador, seco e rude de Dente Canino, passando pela sátira vulgar de A Lagosta, a derrapada de Cervo Sagrado, até aqui, sua realização máxima, completa, o ápice de seu domínio cinematográfico e desenvolvimento de personagens.
A grande angular está lá, tão dinâmica e opressora, para os personagens ali soterrados, quanto para quem assiste, difícil tomar conhecimento de cada detalhe em cena. E acho mesmo que a cinematografia contribui pra essa sensação de isolamento, alienação, solidão das personagens que são reféns das idiossincrasias de época, dos pequenos jogos de poder e preferências.
Frequentemente o diretor posiciona a câmera em um ângulo inferior às personagens e à ação que se desenvolve, de baixo pra cima, esquerda pra direita, somos forçados a uma posição subalterna, o que acaba sendo o destino de Abigail na sequência final, ainda que ela minta pra si mesmo nesse novo status de emergente social, como uma vitória sua, ela ainda (também) é uma refém da estrutura que se esforçou pra fazer parte, de sua rainha, de si mesma.
As atuações de Weisz e Stone são brilhantes, duas coadjuvantes absurdas que gravitam em torno da força assustadora de Colman. É corriqueiro associarmos uma atuação poderosa com overacting, arroubos e dinamismo, aqui não é o caso. Colman constrói e da vida a uma monarca britânica complexa, cheia de camadas sutis de personalidade, alternando entre o histrionismo, arroubos de ciúmes e carência, e a miséria emocional marcada pelas tragédias pessoais.
Além de tudo isso, é sensacional ver uma obra política, biográfica e dramática tendo três mulheres no centro, suas relações de poder e intimidade, iluminando uma figura importantíssima, embora apagada, da História britânica.
Querido Menino
3.8 471 Assista Agoraóbvio que ninguém iria comentar isso aqui, mas bora lá:
pessoas brancas, de classe média alta, com problemas de drogas: "ah, que garoto bonitinho, mas tão problemático, que vida sofrida e difícil a dele, pobrezinho. olha como ele é um doce, a gente vai inclusive escalar o Chalamet pra interpretar, assim vai gerar mais comoção no público. inofensiva essa pobre alma atormentada pelas drogas"
pessoas negras, de classe baixa, com problemas de drogas: "vagabundo, marginal, bandido, delinquente, preguiçoso, vai trabalhar seu inútil, quem mandou escolher essa vida?, bandido bom é bandido morto, sustenta o tráfico!!"
a história se repete. ao branco com dinheiro, a clínica de rehab, ao negro pobre, o presídio.
ah... o cheiro de racismo pela manhã cedo. mas fico feliz que o real problema do Chalamet seja em trabalhar de novo com o Woody Allen, e não atuar em um filme merda pra descolar um Oscar.
Taxi Driver
4.2 2,5K Assista AgoraRevisto, dessa vez no cinema. Não lembrava tão bem assim da importância da música e trilha sonora no filme, infiltra e permeia toda a obra. Violência perturbadora, quando contextualizada, é uma das revoluções na forma de se fazer cinema nos EUA na década de 70. De Niro em uma atuação para a história.
Uma Criatura Gentil
3.1 9Uma alegoria bizarra e surreal sobre como um sistema excessivamente burocrático, engessado e que, por efeito, fomenta a corrupção endêmica em toda a sociedade e instituições, atropela de maneira avassaladora o indivíduo comum, passivo e apático.
A doce criatura em momento algum levanta a voz, contesta, reage, sequer apresenta o menor sinal de vida. Propositalmente é uma observadora usada pela narrativa para mostrar como esse sistema virulento destrói seu povo de dentro pra fora, mina a vontade sem qualquer sinal de luz no fim do túnel.
Não é de hoje que Loznitsa trabalha em cima desses pontos a cerca da sociedade russa, de forma documental, distante e fria. Uns acusam sua lentidão na condução da trama, outros aplaudem o caráter de observação sem julgamentos. São todos parasitas, cupins lutando pela sobrevivência sem qualquer perspectiva de futuro e não possuem a menor empatia pelo próximo.
O que me incomoda é o final, a brusca mudança de tom, do realista monótono para a fantasia didática. Uma pena. Cortasse os vinte minutos finais, substituindo pelo plano (esse sim) final, e seria uma obra a par com suas anteriores.
A Casa Que Jack Construiu
3.5 789 Assista AgoraUma baboseira infantil, que parece claramente se excitar com as alegoria fúteis, as auto referências típicas do ego narcisista do diretor, sem mencionar sua misoginia exacerbada. Nem parece o mesmo diretor de Anticristo e Melancolia, aqui resume-se a uma criança que se apaixonou pelo próprio reflexo no espelho, incapaz de respirar fora da sua bolha/universo, acredita ainda naquilo que diz.
Vox Lux - O Preço da Fama
2.9 223É interessante observar como possui duas metades distintas, um filme de muitas camadas, mesmo com uma narrativa direta: a primeira acusa a mão forte do diretor, seja pela antológica sequência inicial, seja por demonstrar o peso das consequências do ato de terrorismo sobre a psique de Celeste.
A segunda parte acaba sendo sequestrada pela atuação grandiloquente da Natalie Portman, e é perfeitamente cabível. Corbet construiu essa persona narcisista, mimada, ególatra e descontrolada, quase maníaca, que ofusca tudo e todos a sua volta por causa dessa força gravitacional absurda. Esses dois principais coadjuvantes, Stacy Martin e Jude Law desaparecem sob a força da interpretação da principal.
Como fica registrado na narração em off: o passar dos anos agravou as diferenças e extremos de personalidade das duas irmãs, o resultado é que Celeste torna-se cada vez mais expansiva e manipuladora, diminuindo Ellie, que por sua vez acaba retraída ao ponto de perder a própria voz.
Lembrei de um tema em Dark Mirror, dizia que o capitalismo moderno devora todo e qualquer ato de bondade altruísta, digere e bota pra fora como um produto pronto pra consumo, esvaziado de sentido e significado. Exatamente da mesma forma que, porque não, a violência e a dor inicial foram consumidos, espetacularizados e expostos ao máximo, culminando no primeiro momento chave que é a performance de Celeste no funeral. Capitalização em cima da dor e da morte.
Gosto de pensar que Celeste é um conduíte para esse revisionismo sócio cultural do começo do século 21 que Corbet pinta, com muito sarcasmo e sátira, permeado pela brutalidade e violência que normatizamos e consumimos. No fim das contas nós desejamos e nos excitamos com os dois, o espetáculo vulgar e a dor.
Assunto de Família
4.2 399 Assista AgoraHoje lendo uma crítica sobre o filme acabei me prendendo na parte em que dizia Koreeda encurta a distância e se aproxima do mestre Ozu, principalmente no que concerne o campo de estudo, o seio familiar. A mesma crítica logo depois sugere maior semelhança, na verdade, com Ken Loach, pelo fato de ambos tratarem de personagens às margens da sociedade.
Tenho que concordar com as duas analogias, Koreeda estuda e narra como ninguém sobre o tema familiar, o incrível é que a todo instante da sua filmografia ele nos convida pra subverter, questionar, reinventar o conceito de 'família'. Em todos seus filmes existe esse olhar carinhoso e gentil, talvez até mesmo acolhedor, para com o marginal, aquele tipo de figura que foi deixada pra trás no tsunami de pós modernização, que acaba por trivializar as relações humanas.
Koreeda faz um apelo para a pausa e a observação livre de julgamentos morais, escolhe o marginal não por acaso, mas porque é dali que abre-se um leque impressionante de possibilidades de estudo dessas tais relações humanas, e como mesmo nos ambientes mais frágeis e de miséria que se aflora o amor, o cuidado, o perdão. Tudo partindo de um componente chave: o abandono.
Ou será que não? A dúvida também permeia a natureza e motivação das relações que foram construídas no filme: seriam realmente altruístas ou o dinheiro, em todas as instâncias, corrompe o indivíduo?
Iguala-se a Ozu na condução linear e sutil da trama, mas também inova, parte de um contexto pronto e formado pra desconstruir, peça por peça, dessa família não convencional, indo na contramão do que se esperaria. É brilhante, melancólico, agridoce, todos aqueles adjetivos que descrevem a sensação de amargor depois de assistir uma obra dessas são cabíveis.
Amor Até as Cinzas
3.6 30Jia segue como um dos maiores condutores de narrativa do cinema atual. É um roteiro linear, sem maiores surpresas, elipses de tempo limpas, acompanha direitinho a personagem principal sem qualquer digressão e, ainda assim, te mantenho preso por mais de 140 minutos.
Como toda filmografia, as constantes mudanças sociais na China durante duas décadas transparecem na vida dos personagens, um reflexo em que se observa os efeitos da abertura política e econômica, não apenas no uso popular de smartphones, mas também - e aí de forma mais sutil após o primeiro salto no tempo - na perda momentânea da identidade de Qiao, passa a buscar a si mesma após a reclusão, tentando encontrar seu lugar nessa nova sociedade.
É uma China de explosão econômica, modernização de metrópoles, mas ao mesmo tempo da precarização das relações trabalhistas, empobrecimento das periferias e, porque não, apagamento de indivíduos. Senti isso o tempo todo com o desenvolvimento de Bin, claramente um personagem perdido no passado 'glorioso', ou ao menos de relevância. Na atual China pessoas como Bin foram atropeladas, soterradas pela modernização capitalista e efervescência cultural, não há mais espaço para tais figuras. Ele sabe disso, decide por si próprio sair de cena. É melancólico, mas ao menos honroso.
Um ponto que merece ser destacado: deus salve a maior sequência desse filme, a que muda completamente a narrativa no centro do filme. Uma obra de arte esse domínio de espaço da câmera e fotografia.
O Peso do Passado
3.0 140Um pastiche de péssimo gosto a partir de uma boa intenção. Nada, absolutamente nada, nesse filme gera qualquer teor de suspense ou mistério. Logo desde os primeiros minutos já é bem fácil entender vagamente a trama e as razões pelas quais os personagens se comportam de determinada forma.
Depois de True Detective parece que veio uma leva de filmes ressuscitados com essa pegada 'dark/anti herói', o problema é que nenhum desses refugos, nem mesmo a temporada 2 da série, conseguiu arranhar no nível de excelência da primeira temporada. Não tem como duplicar essa ambientação, e Kusama falha espetacularmente. O roteiro não ajuda, é pobre, tosco, os flashbacks são previsíveis e o pior, a atuação da Kidman é uma coisa horrível. Típico overacting hollywoodiano.
A Síndrome de Berlim
3.2 165 Assista AgoraUm filme feito em 2017 que ainda recorre aos clichês batidos do gênero para gerar suspense, de forma bem clara: a estupidez da personagem principal que não passa de uma marionete inerte e submissa, com o único objetivo de servir aos impulsos doentios do psicopata da vez.
Tanto faz e pouco importa que haja zero desenvolvimento de qualquer uma das duas personalidades, tudo vai caminhar exatamente de acordo com um roteiro raso e pueril, incapaz de criar tensão por si só, em vez disso se apóia, justamente, em todas aquelas atitudes (ou falta de) da personagem que se encontra a mercê do que virá.
Vamos esquecer da inocência latente, de confiar de cara em um estrangeiro, não é culpa da vítima a psicopatia alheia. Mas, uma vez dentro daquela prisão, porque CARALHOS, em toda oportunidade, ela opta pela inanição? Com uma chave de fenda você mira na mão e não na cabeça? Com a chave da porta você deixa a mesma aberta depois de passar por ela? Sem contar o arsenal de armas e possibilidades de emboscada que existia naquele loft, AINDA ASSIM... nada. Mesmo sem cartão sim ela poderia fazer uma chamada de emergência. E ainda assim... nada.
É frustrante ver que um filme todo é construído com a suposição de que quem o assiste seja um completo imbecil.
Pela Janela
3.5 57Assisti a um filme bobo. Não chega nem ser um espanto entrar aqui e ver o desfile de adjetivos (clichês a essa altura) rasos para descrever um filme... raso. E bobo. "Sutil, belo, íntimo, silencioso, delicado, uma flor, etc.", com todo respeito, mas pra mim isso é um monte de baboseira copiada e colada do anterior.
Em momento algum o filme decidi ser alguma coisa, nem road movie, nem drama. Não desenvolve a relação (ou falta de) da personagem principal com o trabalho, sua rotina e a posterior demissão. Não constrói um mínimo de background sobre essa mesma personagem pra que tenhamos uma conexão.
E como se não bastasse tudo isso, ainda de quebra, o seu insosso irmão como personagem tá sempre ali pra navalhar qualquer tentativa da narrativa de focar em um centro. Os parcos diálogos são bobos, infantis e pueris. Beira uma tolice a introdução da filha do patrão que 'promoveu' toda essa jornada, mas principalmente porque o roteiro abdica de desenvolver. Na realidade, nenhuma relação ali é desenvolvida.
Apesar da Noite
2.7 17Estilisticamente é uma bagunça. Quando mira em Enter the Void, acerta num pastiche de Tree of Life com Knight of Cups. Falta a força e densidade de Noé, sobra o que há de etéreo e espectral em David Lynch. Eu não sei se isso é mérito ou demérito, o recorrente uso de nomes, estilos e identidade de cineastas distintos aqui nos comentários, mas a verdade é que me senti perdido nessa mistura de estilos, não tanto pela originalidade (ou falta de) e mais pela ausência de coesão.
E se o aspecto estético/visual/sensorial, que deveria ser a força motriz do filme, falha tão categoricamente, o fiapo narrativo pouco consegue prover sustentação. Claro, as atuações, nessas circunstâncias, precisavam ser fora do normal, absurdas. Só assim pra conduzir esses 180 minutos.
I Love You, Daddy
2.8 12Então... basicamente ele resolveu fazer uma refilmagem de Manhattan, e que por acaso acaba justificando e defendendo o Woody Allen de todas as acusações que ele sofreu. Pois é.
Um filme bem problemático e inconstante, com personagens simplórios e rasos, sendo o de Louie o pior de todos, um senhor hipócrita, covarde e que passa grande parte do filme se desculpando, mesmo sem ele saber porque se desculpa, perdido gaguejando. Levanta o péssimo clichê do "e se fosse a sua filha?" Pois é.
Tem alguns bons momentos em que denuncia/faz um mea culpa com diversas atitudes nocivas da indústria de hollywood, e outros momentos catastróficos, como quando resolve colocar a "culpa" na mulher por ter se metido numa relação abusiva com um homem de 50 anos mais velho. Gostaria de entender porque tantas personagens femininas justificando isso. Infelizmente ainda vivemos numa sociedade que não consegue enxergar tudo de problemático que existe em uma menina de 16 se relacionar com um homem adulto de 66.
Happy End
3.5 93 Assista AgoraToda a frieza que permeia as relações pessoais, seja de familiares, ambiente de trabalho, amorosas - frieza que beira a sociopatia, do indivíduo auto centrado e imerso em si mesmo, no próprio ego e alheio a tudo e todos a sua volta - é maquiada e disfarçada por uma polida educação, boas maneiras e cortesia pontuais da alta classe e elite.
Acredito que, com um tema desses, o sarcasmo e ironia que Haneke usa cai como uma luva, ele ri de si mesmo diante do absurdo, em frente a uma realidade bizarra, somente escapando dela com toques histriônicos.
Passando os olhos nos comentários vi um rapaz perguntando porque esse filme existe. Recuso-me a entrar nesse tipo raso de auto indulgência, mas devo agradecer ao cinema por existir e nos permitir assistir autores como Haneke.
Grande Saída
3.1 10 Assista AgoraO Ross Perry tem algum filme ruim? Tornou-se um Woody Allen melhor do que o original, pelo menos na questão de saber conduzir um drama sem o peso da mão do anterior (e sem a influência sufocante de Bergman), ainda mais considerando a versão diluída de Allen atualmente.
Sem perder o compasso, Perry habilmente constrói um drama pesadíssimo em torno de 3 mulheres tentando se encontrar em diferentes etapas da vida, enquanto precisam lidar com as patéticas figuras masculinas, construção já comum ao cinema do diretor. São sempre os mesmos homens infantis, que recusam-se a crescer, mergulham na auto condescendência, vitimização e senso delirante de importância.
É brilhante ver a complexidade dessas personagens femininas, e em vez de se digladiarem física e psicologicamente como em Rainha do Mundo, aqui uma estende a mão à outra, nítida a compreensão do que é ser mulher no contexto social atual, mesmo que o latente atrito de personalidades esteja também presente.
Assim como a verborragia, típica do diretor também presente, aqui não incomoda. Pelo contrário, é age como mais um elemento construindo fantástica ambientação, o peso da narrativa e a necessidade de uma lufada de ar puro. De certa forma algumas delas conseguem essa brecha, outras não. É uma questão de escolha. Como escancarado no filme anterior, é terrivelmente difícil conseguir quebrar o próprio ciclo de erros e escolhas equivocadas.
Gatos Velhos
3.9 37 Assista AgoraÓbvio que a saída mais fácil é julgar a filha, pela imaturidade, egoísmo e total frieza ao tratar a mãe. Julgamos um ato, e não a pessoa. Entender a pessoa levaria tempo demais, reflexão demais, conhecer demais sobre alguém. A mãe, apresentada de forma doce afetada pela senilidade, acaba sendo presa do interesse unicamente financeiro da filha.
Mas o que me interessa é entender porque a filha é do jeito que é: que tipo de mãe Isadora foi décadas atrás, ainda jovem? Como foi a criação da filha? Havia amor suficiente, carinho, bons tratos, afeto? Não podemos nunca desviar do fato de que os pais possuem uma influência muito forte sobre o que os filhos acabam se tornando.
Dito, uma coisa não justifica a outra. A filha deveria ter quebrado o ciclo de dor, ressentimento e miséria muito tempo atrás. Remoer tanto de nada adianta. Não foi capaz disso e hoje é um ser humano fracassado, amargurado e perseguido pelo que ela achava merecer da mãe.
Não acredito que haja inocentes, vítimas puras. Também não acredito que a intenção do filme tenha sido explorar qualquer tipo de reconciliação. Como ilustrado no fim, Isadora já não estava mais ali. Nem a filha. Nem a mãe. Havia o nada entre as duas.
A Noite
4.2 104Revisto 5 anos depois. Incrível como uma revisão, dado o devido tempo, pode mudar completamente sua percepção sobre alguma obra. Tornou-se um filme espetacular, absurdo com Vicci em cena, Mastroianni um monstro sagrado. A cena final, da leitura da carta, continua me fazendo ir às lágrimas.
A Garota Desconhecida
3.2 113 Assista AgoraUma das características mais marcantes do cinema social dos Dardenne, pra mim, é essa busca, perseguição, procura por vezes implacável e urgente. Numa camada mais superficial, a busca é sempre motivada por questões banais e cotidianas, mas sempre, em todos os filmes, essa perseguição se traduz numa procura pela mais simples humanidade, por algo tão básico e fundamental na vida de todo ser humano. Em A Garota Desconhecida (a identidade da mulher morta/enterro, cuidados, dignidade com quem morreu); Dois Dias, Uma Noite (recuperar o emprego/dignidade financeira, sobrevivência); O Garota da Bicicleta (amor materno/pertencer e se sentir protegido pelo familiar); O Silêncio de Lorna e Rosetta (emprego/dignidade financeira, sobrevivência), etc. Como uma obsessão.
E são essas buscas incessantes que contrapõem diretamente esse "ritmo lento e arrastado" aqui criticado. Porque é uma ação frenética de encontro de seres humanos em diversos estados, momentos, condições, gerando uma fricção extremamente ansiosa. É o mesmo contraponto entre a ação e a não ação, e como nos dois casos as consequências são impossíveis de se evitar ou controlar. Se você decide não tomar uma ação, permanecer nulo e fazer nada, ainda assim isso provoca uma ação indireta, inferindo e alterando a vida dos outros à sua volta, pro bem ou pro mal. É um exemplo claro de como se anular em um meio social carrega uma profunda responsabilidade ainda assim sobre os outros. Nesse caso, duas atitudes de não ação são diretamente responsáveis por uma vida humana.
A perseguição de Jenny é pela dignidade de uma desconhecida, por conferir a ela a atenção, cuidado e empatia que, em um momento de lapso, ignorou. A culpa motiva toda essa obsessão, claro, mas em última instância transborda humanidade em todos os quadros, nos mais sutis detalhes.
As Faces de Toni Erdmann
3.8 257 Assista AgoraÉ curioso como a maior aparente fonte de insatisfação dos comentários aqui resume-se à duração do filme, à sua "chatice", ou ao "nada acontece". Curioso porque, em última instância, são justamente os longos espaços de "tempo morto" dentro da narrativa, artifício excepcionalmente utilizado em grande parte no cinema romeno da última década, e também no cinema de Antonioni, que vão justificar a razão de ser do filme. A construção do mesmo por si só já é suficientemente desconfortável. Quem assistiu os filmes anteriores da diretora tem conhecimento disso, da elaboração de situações onde ela insere personagens claramente deslocados e fora d'água pra ilustrar ou estudar algo. O fato dele não ter uma narrativa explícita, parecer uma sequência de esquetes e acontecimentos bizarros, é fundamental pra estabelecer o significado, o papel do pai de Ines dentro do filme.
Duplamente curioso também, é que em certo momento, durante a apresentação da proposta da construtora, um dos empresários romenos contrapõe o argumento de Ines sobre a internacionalidade dos jovens romenos. Ora, quanto mais globalizados, menos conscientes da própria pátria-mãe, a Romênia. Ele fala com certo rancor, e percebemos que é o mesmo cenário de Ines: alemã, empresária, poliglota, trabalhando em Bucareste, visando mudar pra Xangai, com pouco ou nenhum apego ao país de origem, ao pai, a família.
Tanto tempo morto confere um aspecto extremamente realista ao filme, embora tenha um ritmo ágil no deslocamento da ação, acredito que poderia facilmente ultrapassar os 180 minutos. Mas além do teor de realidade, a proposta da diretora com isso é apresentar os peronagens principais, pai e filha, desconfortáveis dentro do muro de objeções, frieza, distância e desapego que construíram. É palpável em diversos momentos. Numa tentativa de se reaproximar da filha, a escolha de Toni é a de criar máscaras, ilusões e mentiras infantis, mas que ao mesmo tempo se desnudava como um homem de bom coração, desajeitado, sozinho e tímido (quão poético é o fato de que no único momento onde a filha demonstra amor pelo pai, ele está totalmente coberto com uma puta fantasia búlgara??). Por outro lado, Ines levantou uma muralha ao seu redor (talvez como forma de ter sucesso na empresa?), criando relações amorosas estéreis, amizades cujo assunto fica retido sobre o emprego, o seu trabalho tornou-se uma válvula de escape pra uma vida vazia, sem sentido, sem prazer. Toni está sozinho, não possui mais nada pelo que viver, exceto a esperança de recuperar a relação com a filha. Ines, pelo contrário, engana-se com uma auto importância que não existe, conta pra si mesmo mentiras de uma vida sem espaço e tempo para o inútil, desconfortável e lento pai.
A meia hora final beira a genialidade: do desmonte de máscaras e farsas com a 'festa do cabide' bizarramente cheirando a desastre, até a catártica cena no parque entre filha e pai, já mencionada.
Mas o que eu vou guardar comigo é a exata sequência final, que transparece todo o amargor de um filme justo em si mesmo. A modernidade líquida que critica, e usa como pano de fundo para a narrativa, é a mesma que rege a estranha dinâmica final entre pai e filha. Eu vi alguém comentando logo abaixo sobre onde exatamente o filme deveria terminar, mas não consigo visualizar esse filme como uma obra completa sem os seus cinco minutos finais. Logo após se abrir pra filha sobre o que, para si, considerava uma válida razão para viver ("nós fazemos coisas aqui, fazemos coisas ali, enquanto a vida passa"), Ines adota uma das fantasias do pai; parece um momento singelo de conexão entre duas pessoas que por muito tempo não se encontraram. Seguindo a lógica do pai, era um desses momentos para se aproveitar, reconhecer a felicidade fugaz que ali residia, viver no presente. Ele então, contrariando o próprio discurso, mas agindo como qualquer ser humano, abandona o momento, o quadro, e a filha, busca pela câmera para registrar aquilo que ele deveria ter registrado com os próprios olhos e coração. Ela, por outro lado, ressignifica o tempo morto de uma realidade amarga, desfaz a fantasia e encara o vazio sem vida, sem sentido, sozinha.
Krisha
3.7 83Um poderoso filme no que diz respeito a construir um estudo de consequências, não de personagem. Essa temática do "volta pra casa" do membro desgarrado e em queda é batida, mas aqui me parece um pouco diferente a forma como o diretor insere a personagem de Krisha de volta ao seio familiar, lembrando claro que nem sempre é constituída por família de sangue.
Eu não pude deixar de notar nos poucos comentários aqui na página, e como imaginei que seria, a falsa e cega empatia de pessoas culpando imediatamente a família de Krisha por tudo de errado e pela forma como recebem a mulher sexagenária. É principalmente interessante que o diretor opte por não dar um passado, tanto para Krisha e as causas e motivos de seu estado completamente perturbado, psicológico e emocional, assim como dos familiares e pessoas a quem esse estado e atitudes tanto machucou e feriu.
Veja bem, parece claro que a primeira intenção seja a de induzir a um julgamento moral, mas sem qualquer elemento que ajude a navegar e entender as intrincadas relações familiares, somos obrigados a tomar um lado mediante experiências pessoais. A falsa empatia de quem nunca viveu nenhuma das experiências sugere tomar o partido da personagem principal, através dos olhos dos quais vemos a narrativa se desenrolar.
Mas e os questionamentos que surgem se começarmos a tentar entender como o filho de Krisha (ou qualquer outra pessoa da família) se sentiu com os constantes abandonos, como foi a convivência com uma mulher aparentemente alcoólatra, que abusava de medicamentos e álcool, com tendências a abandono, egoísta, extremamente dependente emocionalmente dos outros, sufocante, vitimista, e sem a menor inclinação a se responsabilizar por seus atos?
Acho que só quem convive ou conviveu por um bom tempo com um dependente químico, como é o meu caso, sabe como é essa relação maldita. Eventualmente o dependente se exime de culpa ou responsabilidade, se eximir de tentar ou procurar ajuda. A culpa e o inferno são os outros, os outros tem toda a responsabilidade pelo bem ou mal estar do viciado. São os outros que não cuidaram direito, que não ajudaram, que não se importaram, que não deram assistência, etc. Por duas décadas eu vi um alcoólatra destruir tudo que via pela frente, se negar a qualquer tipo de ajuda, de medicação ou tratamento. No fim a culpa foi da mulher ou dos filhos que não serviram de coisa alguma.
O deslocamento de Krisha é óbvio: uma alcoólatra irresponsável, profundamente danificada e que não tem um pingo de noção do quão nocivas foram as suas atitudes aos outros. Não existe reconhecimento de responsabilidade. Todos na vida lidamos com merda, uns mais, outros menos.
Harmonium
3.8 12É um desses tipos que provoca a rara sensação de um soco no estômago, ou uma falta de ar. Durante uma boa parte do filme fiquei procurando correlações e paralelos, desde o uso do instrumento musical como peça central da trama (Sonata de Tóquio, embora seja completamente diferente a construção da narrativa), até os ríspidos e combativos diálogos (lembra muito Bergman) que revelam o que há muito foi varrido pra baixo do tapete.
Mas apesar de todas essas semelhanças, Harmonium acaba desenvolvendo-se como um monstro único e original. É tanto um poderoso drama familiar desde os minutos iniciais, construindo com calma e cuidado todo o cenário que vai ser devastado pela introdução de um elemento externo, como um terror, sim, assustador, que reside no comum, no acaso passível a todos os indivíduos.
E é justamente esse elemento externo que acaba servindo apenas como muleta pra provocar essa virada de mesa na narrativa. São dois filmes em um só, mas que juntos tornam-se uma obra gigantesca, que finalmente que expõe as fissuras e desgostos ao longo do tempo que se escondem nos silêncios da família, quando a verdade sobre o que existe no interior de cada um daqueles personagens vem à tona.
Assim como o final, por diversos momentos, desde o mais banal que representa a virada na trama, até a tragédia em questão, a sensação de assistir Harmonium é justamente essa, de buscar pelo ar, por respirar, mas encontrar o nada.
É Apenas o Fim do Mundo
3.5 304 Assista AgoraLogo eu, um detrator e crítico ferrenho do Dolan, acabei gostando. Vocês andam chatos demais. Talvez, se for possível, ignorar o uso completamente equivocado, cafona e exagerado da trilha sonora (como sempre nos filmes dele), a obra ainda melhore.
Acredito que seja um Dolan contido, não sei se pela presença de tantos nomes de peso no elenco (é sabido que o gênio e o ego do diretor são enormes), mas é um ótimo sinal, principalmente se nos acostumarmos com o overacting de costume, aqui pelo menos é algo que casa bem com a constante tensão que transpira nos planos fechados e super closes, de haver sempre um embate ou um confronto à vista. Afinal, um reencontro familiar é isso.
No final da sessão eu ouvi um casal atrás falando justamente disso, da sensação de incômodo com a forma como ele enfia a câmera rosto acima dos atores, dando luz verde pros surtos não tão ocasionais, trejeitos e tiques particulares de cada personagem de forma beirando o caricatural. Sim, é incômodo, mas tem um propósito (jesus cristo, até os slow motions estavam contidos!).
Enfim, sou obrigado a discordar também daqueles que dizem coisas ruins do final. Ele foi perfeito, era o único desfecho possível. A ausência é isso, não se recupera o tempo perdido, mas, de forma irremediável e melancólica, não se pode também mudar o terreno que o tempo moldou, com tantos ressentimentos, rancores e culpas acumulados. Nesses casos resta apenas a distância.
Personal Shopper
3.1 384 Assista AgoraBoa sorte pra quem tentar fazer sentido desse filme. Fiquei surpreso também com tantas reações adversas, talvez porque imaginava algo parecido ou caminhando para lugares ainda mais limítrofes depois de 'Acima das Nuvens'.
O ponto é que esse não é um estudo de personagem, não é um drama, nem um thriller ou suspense. Do que ficou claro pra mim, é um filme muito eficaz em criar uma ambientação de puro sinistro, assombro e tensão.
E impressionante como o Assayas consegue destravar na Stewart um tipo de frenesi e energia na atuação, tanto o desconforto e a confusão da situação de identidade da sua personagem, como uma atração beirando o sexual em determinados momentos.
Convenhamos, ele não tá nem um pouco preocupado com onde a trama vai chegar, com s respostas que devem ou exigem ser fornecidas pelo roteiro, nada disso importa, senão a ambientação. prova disso são os cortes secos e os fade outs no meio da ação, mais notadamente numa das cenas de maior importância perto do fim. E vamos deixar algo claro,
as trocas de mensagens eram com o assassino da mulher, certo?
Então no fim tudo gira em torno da própria Maureen, não do que ela acredita ser verdade, mas do tanto que ela não sabe, desconhece e de toda essa confusão na qual ela está imersa. Pouco importa o que a audiência interpreta ou não, no fim tudo é Maureen.