O filho da put* do Casey Affleck é um desses atores que carrega uma tristeza, uma melancolia já no tom de voz, na forma de olhar pro vazio, de respirar antes de falar alguma coisa. Um dos atores mais subestimados aí fora.
Desde que, recentemente, veio a público a história vivida por Linklater e que serviu de inspiração, para o próprio, na concepção de Before Sunrise, uma coisa acabou criando raízes na minha mente até hoje: a captura cinematográfica de um sentimento, um instante. É a principal força que propulsiona o primeiro filme da trilogia, a existência daquele sentimento tão constantemente rotulado, mas que apenas o é entre o casal principal.
Em Before Sunset a mesma busca ocorre, mas dessa vez não há a necessidade de filmar sobre um sentimento recém descoberto, mas a fagulha de esperança que torna-se um incêndio quando, como diz a chamada de capa para o dvd do filme, você reencontra o amor da sua vida. É sobre expectativa que anuncia-se a grande virada na trilogia, quando o artista concede a si mesmo a oportunidade de viver uma segunda chance, e porque não, ao próprio público. Se desde a invenção do cinema o ser humano experiencia 2/3 a mais de vida do que antes da sua invenção (não sei se procede a estatística, vi isso em algum filme), é justo afirmar que através de sua arte, Linklater pôde viver o que seria de sua vida caso tivesse reencontrado a menina/mulher que conhecera e pela qual se apaixonara anos antes. É o mesmo presente que nós recebemos, a oportunidade de viver algo que por algum motivo ou circunstância acabou não se realizando.
Agora em Before Midnight a conexão já existe, ou existia. O instante filmado na relação daquele casal envolve os problemas decorrentes de uma longa relação cuja força motriz, o amor que os uniu, acabou soterrada pelas ruínas do dia-a-dia, das responsabilidades, de compromissos, do sacrifício em prol dos filhos e da constatação de que o amor não é suficiente. Ou talvez seja? Porque o amor entre duas pessoas pode ser egoísta, a delimitação de um espaço individual que você abre para o convívio com o(a) outro(a) é essencial ser respeitada, mas e o que acontece quando a vida em conjunto cresceu e se transformou numa bagunça desconcertante, quando você nem mesmo tem mais noção de quem é? Nesta última parte da trilogia vemos aquele mesmo casal doce, com a paixão à flor da pele de um dia, se redescobrir como indivíduos, e depois, após uma longa, cruel e amarga discussão, seguir em frente. Juntos.
Mas a trilogia de Linklater exala autenticidade e fluidez por todos os poros. É praticamente impossível evitar uma conexão com aqueles retratos específicos de momentos do casal, desde o encontro casual, passando pela transição cínica dos trinta anos e desaguando no conflito amargo familiar. Por uma boa parte eu acreditei que a amargura vista em cena era devido o fato de achar que Before Midnight desconstruía e pesava em Before Sunrise. Era como se o sonho fosse propositadamente desiludido em crua realidade. Como ver o tipo de relação adulta que eu jamais gostaria de ter. Então, devido essa maravilha roteirística, Before Midnight remete a si mesmo e aos seus predecessores, e através dessa manobra consegue prover um desfecho otimista, mesmo com um final em aberto.
Ele remete a si mesmo porque vemos ao longo da vida uma constante idéia fantasiosa e idealística do que é o amor ou uma relação a dois, uma ilusão que eventualmente arruína suas expectativas e o traz de volta para a realidade, mesmo a contragosto. É bem o oposto disso, quando para aliviar a realidade que Jesse faz uso de uma pequena fantasia para mostrar a Celine que o amor que um dia sentiram pelo outro ainda está lá, mas transformado em algo mais maduro, em proximidade, cumplicidade, carinho e companheirismo mesmo depois de 18 anos quando perambulam pelas ruas, é um amor que sobrevive ao desgaste do tempo e da convivência, que se reinventou devido a necessidade. Porque na juventude é tudo tão a flor da pele, uma ebulição de sentimentos e sensações, explosão de criatividade, de agitação e impulsividade, onde tudo é mais fácil e rapidamente apaixonante.
Remete-se no monólogo da senhora viúva sobre os pequenos momentos de felicidade na vida que deveriam “somar um todo”, os detalhes singelos da vida a dois que demandam energia e disposição, depois de tanto tempo, para serem apreciados como a maravilha que são. Before Midnight é também uma correspondência entre o passado, que transpira sua nostalgia romântica, e o futuro cercado de incerteza. Um futuro que exige acima de tudo comprometimento para sequer existir. Outra maravilha que traz certa melancolia para essa fita amarga é a latente dificuldade de se fazer escolhas e o tanto que se perde com isso. Jesse perdeu anos da vida junto com Celine, basicamente toda sua juventude, até se reencontrarem. Justamente por sua decisão de ficar com ela em Paris, ele também perdeu a infância do seu primeiro filho. E o que agrega tanta originalidade à trilogia é a forma como o tempo é utilizado, com blocos reais. No romance típico o tempo, não importa quanto, passa na mesma velocidade, um frame por segundo, ele é inofensivo para o público. Agora com 18 anos separando Before Sunrise de Before Midnight percebemos a real extensão da passagem do tempo na vida de Jesse e Celine, toda a mudança nos personagens permite uma aproximação com a realidade jamais vista antes. Do ponto de vista técnico, o filme é uma obra-prima. Repete com competência invejável o controle da longevidade dos extensos planos-sequência, onde o ritmo é pautado pelo texto, o corte pela filmagem.
Para mim, quando me dei conta, a tela já tinha ficado preta e os créditos subiam. Sempre tive a noção de que as coisas se resolviam melhor nos filmes do que na vida real, todas as escolhas feitas pareciam ser acertadas. Apesar dos pesares, das lembranças distantes e dos conflitos atuais, é maravilhoso notar a vontade que Jesse e Celine tem de passar o resto de suas vidas na companhia uma do outro.
Segundo filme que vejo dele, acho que por justamente esperar algo parecido com Yi Yi que fui surpreendido agradavelmente. Não é um filme melhor, mas esteticamente é uma obra-prima. O uso hábil das tomadas externas nas ruas, vielas e becos, a constante presença de sombras que se projetam dentro dos cômodos de maneira assustadora... tudo me leva a julgá-lo uma obra-prima. Bem, quase tudo. Não achei válido o estopim para a crise conjugal que se estabelece, pareceu muito pueril e banal, talvez seja um sintoma de uma juventude alienada e que se estupidifica mais a cada dia. Mas a condução do que se segue é coisa de mestre. Todo o jogo de realidade vs. ficção, de aparências vs. interiores é composto de forma fantástica. E a meia hora final é realmente brutal.
Depois de visto A Plataforma e Estranhos Prazeres, devo admitir que é algo bem difícil de se envolver, especialmente devido a forma como Jia manuseia os blocos de tempo nos seus filmes. E ele usa isso de forma bastante incisiva. É interessante ver que em ambos os filmes não são os personagens que se movimentam, que agem, mas o espaço-tempo. A impressão que me deixou é a de que aqueles jovens caminham em círculos, indo do nada ao lugar algum, à margem de uma revolução que supostamente mudaria suas vidas (A Plataforma) mas que está distante, acontecendo em outro lugar, ou que já aconteceu e os deixaram para trás (Prazeres Desconhecidos). Basicamente o mundo à volta está mudando, mas o estado de alienação e torpor é grande demais, nada parece ser capaz de destituí-los de uma grande e inevitável desolação. Vemos os efeitos numa sociedade de controle de natalidade e supressão da individualidade, onde nenhum grande acontecimento nacional parece provocar uma mudança no comportamento da sociedade.
É um tipo de obra subversiva que representa uma resistência por uma pessoa que sabe o que é viver numa província rural afetada pela forme, pela miséria e crescer sem saber como ser um indivíduo, sem ter voz. Seus personagens são assim, marionetes que observam o espaço-tempo mudar em volta, mas que continuam vivendo de forma desesperadora, errante, sem um futuro, sem expectativas, apenas dia após dia. Não faltam exemplos visuais disso: o trem que escapa daqueles que o perseguem, a moto atolada que se recusa a pegar debaixo de chuva, o contraste daqueles que decidem ir embora com aqueles que continuam perambulando pelos mesmos locais, com a certeza de que o amanhã será igualmente monótono quanto o hoje.
A fluidez da narrativa confere uma ótima sensação. Mas entre as histórias recorrentes e segundas-chances perdidas (e olha que às vezes achamos que nossas histórias são únicas), entre o imenso absimo de incomunicabilidade e falta de confiança entre os membros da família, o que mais me chamou a atenção nesse épico familiar de quase 180 minutos é que não há fórmula ou saídas fáceis para cada contra tempo e obstáculo que a vida nos apresenta. Ok, certas coisas na vida são simples, mas isso não significa que sejam fáceis ou indolores de vivenciar.
É uma constatação que cada um dos personagens luta com suas próprias dificuldades, fracassos e inseguranças, cada um isoladamente habitando a mesma casa, mas a solidão não poderia ser maior. Mas o ponto de convergência acaba sendo o mesmo, a avó em coma. Representa a sabedoria que supostamente devemos adquirir com a idade, mas em momento algum isso parece ser verdade, apesar daquele corpo inerte e idoso funcionar como um psicólogo, um confessionário, uma orientação. Mas não importa quão maduro alguém possa ser, e isso o filme deixa claro, sempre parecemos saber tão pouco sobre a vida, sobre nós mesmos, sobre o que nos cerca.
E o que costura essas linhas de história é um luminoso fio de esperança representado por toda inocência "destrói corações de manteiga" do pequeno Yang. Não há como se manter indiferente a toda essa incrível demonstração de sensibilidade e confiança humana depositadas naquela jovem pessoa.
O diálogo inicial de Marty com Myrtle, e a declaração apaixonada para a senhora da fotografia, anuncia o caráter dramático de Opening Night: a passagem dos anos, o acúmulo de decepções, fracassos, dores. Com o tempo, eventualmente, esperamos sabermos lidar com as consequências de nossas escolhas e nos conformarmos com o que nossas vidas se tornam. É o que todo mundo aguarda da velhice, serenidade.
Myrtle encontra dificuldades com a personagem que representa, alega não haver tato com a realidade de uma mulher que envelhece e, por isso, é incapaz de enxergar qualquer semelhança entre atriz/personagem. Mas Myrtle afunda em um colapso nervoso e depressão ao ir além das paridades, o que a amedronta é a ausência de esperança quando percebe que, assim como para a personagem que interpreta, a vida é igualmente efêmera e irreversível. Suas escolhas já foram feitas e tudo que seu presente é, é apenas consequência. Ela entra em um intenso estado de negação, ao deturpar parte da escrita da peça afirmando que não passa disso, uma peça, ao visualizar a menina morta no acidente e sentir-se culpada pela vida jovem encerrada drasticamente. São todos sintomas de uma mulher que ao olhar para trás e refletir, percebe que toda sua vida pode ter sido um grande desperdício desprovido de sentido. Tudo que lhe resta é o palco.
A câmera de Cassavetes continua incisiva ao desnudar tanto personagens quanto o backstage da companhia de teatro, sem pedir permissão. Continua seca, distante e intervencionista.
"E isso tudo não importa a ninguém... a ninguém. Ninguém tem tempo para ser vulnerável com os outros, então... a gente segue em frente, sabe? A gente põe... uma espécie de armadura emocional que nos protege e nos mostramos como 'homens mecânicos'."
É recorrente a comparação com Vá e Veja (apesar de que a mais próxima semelhança tenha sido o matrimônio dos dois diretores), mas na minha opinião são filmes bem diferentes. The Ascent não é um manifesto anti-guerra tão intenso e pungente, mas uma captura hiper realista das consequências do fim da guerra, consequências de privação de esperança e dignidade. Por vezes toma contornos até mesmo bidimensionais entre alemães e russos (como a vilanização absoluta da tropa alemã e arrogante e incorruptível honra de Sotnikov ao tratar o senhor da aldeia), mas se aprofunda na complexa psique humana ao confrontar escolhas tomadas em momentos definidores no filme pelos personagens (nesse ponto total vantagem para Vá e Veja ao apresentar um personagem extremamente intrincado).
E é a partir do momento da captura dos dois soldados russos que o filme ganha força. Em uma desoladora nevasca, os personagens encontram-se sem saída tanto geográfica quanto mentalmente, totalmente cercados por inimigos e pelas pesadas consequências de suas decisões. A catarse final encontra-se justamente no reflexo de uma dessas escolhas, em particular. Se o ser humano é capaz da mais desprezível ação em prol de preservar a própria vida, ainda que um resquício miserável de liberdade, é o fato dele ser refém da própria consciência viva que o consumirá através da culpa, tornando sua mente uma prisão inescapável e opressora (importante ressaltar as constantes visões de Rybak ao tentar escapar dos alemães, sempre culminando com sua morte e a volta para a realidade onde deve conviver com a vergonha de sua covardia).
Não sei o porque da rotulação do filme como um drama, uma vez que ele passa longe disso. É divertido, leve e engraçado. Tudo me leva a crer que é um noir disfarçado, temos o personagem principal fracassado e paranóico empreendendo uma investigação própria, o voice over pessoal denotando sua proximidade com outros personagens também fracassados e depressivos, a trilha sonora jazzística, a dupla deliciosa de femmes fatales... tudo converge para o final até mesmo previsível.
Dito isso, o que sempre criticamos no cinema nacional é a falta de variedade. Pois bem, este aqui é um ótimo exemplo diferente da costumeira leva de filmes nacionais produzidos pela Globo Filmes que arrebata as audiências. E não, não tem nada de "francês" nele. Quem diz isso claramente não entende coisa alguma de cinema francês.
Filme desprezível. A mediocridade do casal principal mata qualquer um de tédio e desgosto, com todo aquele vai-e-vem interminável, tudo muito burguesinho e estereotipado nas figuras de um machista nojento e uma mulher desprovida de qualquer amor próprio. Outros já usaram e abusaram desse tema "crise de casal" de forma melhor e mais prolífica.
Como primeiro filme do Pialat fiquei decepcionado.
É um sacrifício conseguir ir até o final. Pra mim aqui o Kar Wai derrapou feio. Se em 2046 havia alcançado com sucesso uma interessate diversificação de narrativas e gêneros, aqui tudo soa extremamente forçado, nada é muito natural e percebe-se um esforço enorme em cada frame para subverter a história em prol da estética. É tedioso, vazio e banal. Infelizmente até as atuações são um ponto fraco.
Se em Mulher sob Influência via-se a história e o desenvolvimento de um casal complexo, à margem da sociedade que (supostamente) os envolve, em Sombras me parece o contrário. Não tem a mesma grandeza de personagens com tamanha profundidade, mas ainda assim são personagens intensos e totalmente imersos numa sociedade em constante mudança, praticamente em ebulição.
Mais do que uma abordagem diferencial do tratamento do preconceito racial vigente naquela época, é excepcional ver a dimensão social do filme. O irmão mais novo agindo de forma inconsequente e imatura, até mesmo negligente em relação àquela discriminação velada, um exemplo perfeito de alienação. O pilar incrível da mulher no filme representado por Leila, ela encarna todo um vanguardismo na conquista de uma maior liberdade feminina, liberdade sexual, liberdade política, liberdade intelectual. Liberdade de ser e fazer o que bem entender. E engraçado que procurei mas não vi ninguém mencionar esse gigante detalhe.
E tem toda essa maleabilidade da narrativa, tem o óbvio aspecto da improvisação que é conduzida pelo jazz, mas creio numa maleabilidade onde não há um norte para o filme, um clímax necessário, e ainda assim ele consegue ser completo nos seus 81 minutos.
Sempre tive uma admiração incólume pelo Cassavetes, é pra mim um 3 maiores cineastas americanos. Apesar de ter visto apenas "Amantes" e "Os Maridos" um tempo atrás, bem mais novo, essa impressão do grande cineasta que é me acompanhava. E eis que decido fazer uma maratona e pego esse pra ver.
A atmosfera extremamente desconfortante e incômoda está lá, disso lembrava bem. Nunca é algo prazeroso de assistir e exige demais de quem se atreve a adentrar o ambiente daquela família. É, antes de mais nada, na minha opinião, um excelente estudo de relações familiares sob um prisma de total disfuncionalidade, onde impera um caos absurdo e que desgasta totalmente os envolvidos. Daí temos a personagem título, a tal mulher sob influência, mas quais influências? O amigo ali em cima falou que o filme é sobre Mabel, e não seu marido. Mas a mim parece que a presença machista, agressiva e incompreensiva do marido exerce um papel determinante na degradação psicológica e emocional da mulher. Aliás, ali naquela pequena sociedade ninguém parece entendê-la muito bem e que contribui para a inquietude de Mabel. É um exemplo nítido onde percebemos em alguns parcos momentos que existe um amor cru entre marido e mulher, mas que jamais é suficiente para fazer funcionar uma relação a dois de forma saudável.
Gradativamente, através de uma crescente tensão construída por Cassavetes, os papéis são invertidos. Mabel, de provocadora da dissolução da harmonia familiar, torna-se vítima. Nicky, de marido trabalhador e cuidadoso, torna-se o opressor patriarcal, completamente alheio às necessidades da mulher priorizando a manutenção das aparências. Também é um excepcional modelo de reflexão do papel da mulher/esposa na sociedade de época, como Mabel é constantemente taxada de fora do comum classe média.
Tem uma cena que traduz toda a genialidade do Cassavetes:
o momento onde Mabel é tomada pelas mãos do marido, logo após seu retorno do hospital, e os dois tem um momento de intensa honestidade, com Nicky pedindo para ser ela mesmo, tudo encoberto pelas sombras do corredor. É brilhante pra cacete. E que fotografia!
Fico feliz por não ter sido este o primeiro filme do Cassavetes que eu vi. Tão físico quanto momentâneo, é um recorte impressionante da falência de um homem, consumido e vítima de si mesmo. Interessante que Cassavetes não direcione sua câmera para uma análise de personagem, do aspecto social que o envolve, mas que a deixa livre para ser conduzida pelos caminhos errôneos de Cosmo, refém de suas paixões (as mulheres e o jogo) e igualmente refém de sua forma inconsequente, confiante de viver.
Agora o porque de ter ficado feliz de não ter visto esse filme primeiro, eu realmente não sei direito se gostaria de primeira. Mas dá aquela sensação de que são dois cortes no mesmo filme. Um é o noir sujo e que tão bem subverte a tensão do gênero pela fluidez desfecho anticlimático. O outro é o tour pela boate burlesque, que se distancia do glamour e da reafirmação sexy do cinema plástico.
Ah sim, bom filme. E esses finais do Cassavetes...
Que filme difícil! Infelizmente eu não sou daquelas pessoas que consegue maneirar na expectativa, mas apesar disso é um bom filme. Não tem nada de poético nele, bem distante disso. Faz uso máximo daquele ambiente desolador e hermético de "4 meses, 3 semanas, 2 dias", da monotonia da rotina de um sociopata (muito interessante observar a sua postura e reação quando perto de mulheres), das suas ações repetitivas e banais. Aliás, o final é realmente o melhor momento do filme.
a reafirmação da banalidade com que Viorel recorda seus atos, mas também a pouca importância que os detetives dão aos crimes, com uma impressionante frieza. mas continuo achando o final de Além das Montanhas muito mais incisivo e direto na sua proposta.
É aquela coisa: são 181 minutos de um único ritmo, incansavelmente na marcha 1. Mas por mais engraçado que pareça, ele consegue te prender a atenção.
Mas o que não saiu da minha cabeça é essa lenta construção do novo cinema romeno, vai se tornando um pilar diferencial no cinema atual.
Ray (Girls) sempre. Não é lá um grande filme, na verdade é bem mediano. Mas esses personagens fracassados, que não têm plena consciência do seu fracasso como seres humanos, como pessoas... sei lá, me cativam. É de uma melancolia não proposital muito envolvente.
Muitos dos que não sejam do Rio talvez não entendam o paralelo que vou fazer, mas essa é uma das razões pelas quais O Som ao Redor é amplamente considerado um filme universal, não porque é apenas um recorte diário da classe média, mas porque sutilmente satiriza com um realismo preciso seu decadente e nauseante senso de moral social.
Lembrando que eu já havi lido esse insight do paralelo na crítica de algum site, mas não recordo agora. A história do filme poderia muito bem a ser de qualquer uma das ruas da Barra da Tijuca, o recanto dos pseudo-ricos emergentes durante a última década, o bairro estandarte da consolidação de duas gerações que solidificaram a camada da classe média carioca. Começando pela privilegiada localização geográfica, assim como a apresentada no filme em Recife, a proximidade com a praia. A genial contraposição feita ao apresentar o apartamento para uma possível locatária, a frase que o jovem usa para enaltecer o imóvel é: "olha a vista, bem agradável." Quando a menina abre a janela somos tomados por um horizonte coberto de arranha-céus, sem o menor sinal de mar. É bem como aqui no Rio, algum imbecil há décadas atrás achou genial entupir a orla da praia com prédios gigantescos, uma poluição visual e ambiental estúpida motivada pela especulação imobiliária, crescente urbanização e possibilidade de sugar milhões dos impressionados com a opção de "morar de frente pra praia". Então o resultado são centenas de ruelas como um labirinto tornando o acesso à praia um caos. E a vista, bem, essa fica reservada pro que se dispor a desembolsar alguns milhões de reais.
É bem uma idéia geral que vai ser aprofundada por diversos outros simbolismos que compõem O Som ao Redor. Como o menino que pede de volta a bola, separados por um muro, é o mesmo muro que separa, segrega e afasta. As grades, cercas elétricas, muros, são apenas meios físicos exponenciados pela mentalidade segregacional que a própria classe possui. Dessa forma são cercados pelos seus medos e preconceitos, construindo uma paranóia por segurança e somando a distância com a inabilidade social. É a mesma mentalidade que passa de pai pra filho, onde na nossa sociedade é comum a idéia de se auto afirmar através da ostentação de posses, desde a sua televisão ter 8 polegadas a mais que a do vizinho, o seu apartamento ter 50m² a mais, seus adereços serem de ouro porque aparece mais, e por aí vai.
Então aí que entra o segundo ponto de crítica no filme, com o tempo, após a disposição de certos elementos, aos poucos, KMF retrata uma absurda alienação vigente, uma completa falta de perspectiva do mundo que os cerca. A tirada em cima da mulher que cita a Veja é apenas uma curtição, o dedo na ferida vem com outro morador na reunião de condôminos, completamente arrogante e autoritário, exigindo a demissão imediata do porteiro e sem qualquer pagamento de comissão pela mais de uma década de serviços prestados. "Farinha pouca meu pirão primeiro", essa é a postura que o pai ensina para o filho, alimentando um círculo vicioso de uma sociedade egoísta, opressiva e hipócrita (e veio bem a calhar agora com a PEC para o trabalho das domésticas e a reação das patroas). Ou no caso do jovem que defende o porteiro, abandonar sua posição defendendo uma minoria sendo fortemente oprimida, para ir atrás de um asusnto particular, facilmente abandonando uma causa pela qual acredita ser justa. É o mesmo tipo de mentalidade da garotada que aplaude de pé a política violenta e corrupta da polícia em Tropa de Elite, afinal, "bandido bom é bandido morto", mas não abre mão do seu baseado, da sua coca, do seu ecstasy, nem de burlar a Lei Seca pra voltar pra casa bêbado feito um porco.
Enfim, seguem uma série de detalhes interessantíssimos, como os que caracterizam a cultura popular pernambucana, como o mito do menino aranha, ou os que simplesmente denotam esse avanço da tomada da cidade pelas construções, como o olhar do tio saindo de sua casa, a única que não possui muros, e imaginando com aquela mesma rua, décadas atrás, ainda de terra batida no chão.
Claro que o filme possui falhas, não é perfeito. As atuações realmente são o ponto fraco, beiram o amadorismo. Mas acho que consigo relevar isso em prol do todo que é excelente.
Fiquei com a impressão de que a comparação com 2046 e Amor à Flor da Pele foi um desserviço para Dias Selvagens.Foi o primeiro filme do Kar Wai de que não gostei, sofre do mal de personagens irritantes e desinteressantes, especialmente York, que possui um caráter de embrulhar o estômago. Mas não sei, a forma como a relação homem-mulher é retratada aqui é bastante nociva, machista e sempre colocando as mulheres, em relação ao amor, numa posição submissa e sujeita às vontades masculinas. Embora, apesar disso, possua alguns ótimos momentos como só o Kar Wai sabe proporcionar.
Pode parecer que ele é um diretor de uma paleta só, o momento fugaz de felicidade nas nossas vidas solitárias, na forma com que o tempo constantemente muda as pessoas (e sentimentos), onde tudo se perde, a não ser na memória. Mas... é impressionante como mesmo dentro de uma temática tão sensível, Kar Wai consegue entregar filmes distintos e únicos, um banho de originalidade. Sem dúvida alguma é um dos grandes diretores em atividade, resistindo como um ícone desse tipo de cinema. Pra mim a recorrência de certos conceitos, frases, visuais nos personagens, tudo isso torna ainda mais prazeroso acompanhar sua carreira no cinema. E a cena final é de guardar pra sempre e mostrar pros amigos, cinema é isso aqui.
Primeiro filme da Miranda July que vejo, mesmo já tendo namorado com algum torrent de "Eu, Você e Todos Nós" há algum tempo, mas nunca atingido os finalmente. Provoca uma certa estranheza as opções estéticas e de narrativa dela no filme, mas o essencial é não se deixar afastar por isso, ao contrário, mergulhar de vez na pequena loucura original da diretora. E pode ser bem divertido, confesso que o ritmo é bastante envolvente. Talvez uma escolha ou outra na simbologia acabe sendo perdida, talvez a proposta seja universal demais, enfim.
O interessante são as perguntas a serem feitas: o que você realmente faria da sua vida em 30 dias, o que sempre teve vontade de fazer, mas nunca fez porque num dia tinha 20 anos e uma vida de expectativas e esperanças pela frente, no outro dia tinha 35 anos e uma crise de meia idade decorrente de um fracasso ambulante. É uma sensação de esvaziamento e uma estranheza na existência muito grande. Daí vem o senso de tragicomédia, o absurdo que nos diverte. Cada um no seu próprio desespero atirando pra tudo quanto é lado. E a própria representação do gatinho na narração em off, como uma responsabilidade ignorada, ou um convite para o amadurecimento pessoal do casal, caiu muito bem no fim das contas.
O que Kiarostami já tinha feito com perfeição em Cópia Fiel, esse exercício de linguagem que questiona a forma como vemos os personagens e como os próprios se veêm, aqui em Um Alguém Apaixonado atinge o ápice dessa desconstrução. Até onde é possível dissolver completamente uma personagem, um contexto, uma idéia, e reconstrui-los na narrativa. O jogo de encenação, do que é verdade e mentira e que toma parte no meio de cena é totalmente delineado pela forma com que cada um dos personagens enxerga um ao outro, como quebram as convenções do roteiro básico pré estabelecido na meia hora inicial, como alternam suas identidades e representações, tudo isso de uma forma extremamente fluida e orgânica, bastante sutil.
O interessante é notar a constante presença de espelhos, janelas, vidros, em momentos essenciais do filme:
Na maravilhosa cena do táxi, com todo o primor estético de Kiarostami em funcionamento, repete-se essa dinâmica, entre o observador, Akiko, e o observado, sua avó, e novamente através de uma janela, esta a do carro. Uma cena especialmente angustiante pela impossibilidade do contato, da realização. Akiko está presa ao seu personagem, a garota de programa.
Já no apartamento de Watannabe, essa dinâmica entre o cliente e a garota de programa será quebrada, é o grande momento de desconstrução desse paradigma alternando as identidades dos personagens. Interesse observar então que, quando ela caminha para o quarto e pretende desempenhar seu papel idealizado pelo contrato sexual, a câmera jamais foca em Akiko. O que vemos é um reflexo nublado através do espelho, totalmente distorcido e impossível de precisar. Ali já não vemos mais Akiko, a prostituta. No momento que ela adormece na cama, cansada, é a grande transgressão da narrativa, confundindo ficção com realidade. A partir dali, na manhã seguinte, fica óbvia a mudança na encenação e interação entre os personagens, claramente podendo ser o diálogo no carro entre um avô e sua neta.
O que se segue é a completa regressão de tudo que vimos até então, após cruzar a linha imaginária que havia delineado as bases da história. Dessa forma os personagens assumem novas identidades para eludir o namorado obcecado.
Então, através da mesma janela que Watannabe observava a chegada de Akiko que também chegara o fim do filme, a transgressão final, onde o namorado ciumento atinge níveis psicóticos de perseguição e tem a potencialmente simbólica atitude de arremessar um pedregulho quebrando com a linha que divide todas as interações, observações e encenações sociais. Ao quebrar aquela janela, Kiarostami obtêm seu desfecho anticlimático, mas também sua desconstrução absoluta.
Mais importante ainda do que presumida irreparável pureza da criança, a total confiança de que era verdade o que foi contado, é notar como jamais o benefício da dúvida é concedido a Lucas. Acho que em parte por causa da decadente sociedade na qual vivemos, o adulto é imediatamente rotulado como corrupto e doentio.
E não é em cima de um qualquer que tais acusações são arremessadas, é de um amigo de infância da grande maioria daqueles pais. A meia hora inicial é importantíssima para salientar o elo de amizade que os une. Mas mesmo assim, não importa as circunstâncias, adultos tomam a palavra da criança como verdade inabalável. O que exponencia a tragédia é ver a conduta inaceitável de um adulto ao conversar com Klara, fazendo sugestões e dando contornos piores a mentira contada, o que vai gerar uma bola de neve destrutiva sobre a vida de Lucas.
Claro que é fácil falar daqui, quando sabemos da correta verdade. Mas por ser um tema extremamente delicado, não sou capaz de condenar totalmente o repúdio daqueles que achavam Lucas culpado. Faço questão de tentar me colocar no lugar daqueles que muitos aqui rapidamente tentam julgar. E afinal, não é sobre isso que "A Caça" fala? Do rápido e precipitado julgamento, sem base ou conhecimento dos fatos? Poderíamos até mesmo estender o assunto à mídia, sempre promovendo a condenação prévia de pessoas ainda em julgamento, tentam capitalizar na tragédia alheia e criando uma figura para servir de bode expiatório de uma sociedade. Não é aqui esse o papel de Lucas?
O problema é essa desumanização, essa perda de racionalidade e o subterfúgio na violência física e moral contra Lucas, mesmo que nada de concreto tendo sido provado pela polícia. É a velha noção que o ser humano tem de fazer justiça com as próprias mãos, assumindo o lugar do Estado de pré-julgar culpado ou inocente um ser humano.
Enfim, um puta filme mesmo, brilhante. A direção de Vinterberg é seca, coordenando muito bem a crescente tensão drmática do filme, formando um nó na garganta da audiência. E que final! Mas ainda tenho Submarino como meu preferido.
Manchester à Beira-Mar
3.8 1,4K Assista AgoraO filho da put* do Casey Affleck é um desses atores que carrega uma tristeza, uma melancolia já no tom de voz, na forma de olhar pro vazio, de respirar antes de falar alguma coisa. Um dos atores mais subestimados aí fora.
Personal Shopper
3.1 384 Assista AgoraQUE POSTER!
Antes da Meia-Noite
4.2 1,5K Assista AgoraDesde que, recentemente, veio a público a história vivida por Linklater e que serviu de inspiração, para o próprio, na concepção de Before Sunrise, uma coisa acabou criando raízes na minha mente até hoje: a captura cinematográfica de um sentimento, um instante. É a principal força que propulsiona o primeiro filme da trilogia, a existência daquele sentimento tão constantemente rotulado, mas que apenas o é entre o casal principal.
Em Before Sunset a mesma busca ocorre, mas dessa vez não há a necessidade de filmar sobre um sentimento recém descoberto, mas a fagulha de esperança que torna-se um incêndio quando, como diz a chamada de capa para o dvd do filme, você reencontra o amor da sua vida. É sobre expectativa que anuncia-se a grande virada na trilogia, quando o artista concede a si mesmo a oportunidade de viver uma segunda chance, e porque não, ao próprio público. Se desde a invenção do cinema o ser humano experiencia 2/3 a mais de vida do que antes da sua invenção (não sei se procede a estatística, vi isso em algum filme), é justo afirmar que através de sua arte, Linklater pôde viver o que seria de sua vida caso tivesse reencontrado a menina/mulher que conhecera e pela qual se apaixonara anos antes. É o mesmo presente que nós recebemos, a oportunidade de viver algo que por algum motivo ou circunstância acabou não se realizando.
Agora em Before Midnight a conexão já existe, ou existia. O instante filmado na relação daquele casal envolve os problemas decorrentes de uma longa relação cuja força motriz, o amor que os uniu, acabou soterrada pelas ruínas do dia-a-dia, das responsabilidades, de compromissos, do sacrifício em prol dos filhos e da constatação de que o amor não é suficiente. Ou talvez seja? Porque o amor entre duas pessoas pode ser egoísta, a delimitação de um espaço individual que você abre para o convívio com o(a) outro(a) é essencial ser respeitada, mas e o que acontece quando a vida em conjunto cresceu e se transformou numa bagunça desconcertante, quando você nem mesmo tem mais noção de quem é? Nesta última parte da trilogia vemos aquele mesmo casal doce, com a paixão à flor da pele de um dia, se redescobrir como indivíduos, e depois, após uma longa, cruel e amarga discussão, seguir em frente. Juntos.
Mas a trilogia de Linklater exala autenticidade e fluidez por todos os poros. É praticamente impossível evitar uma conexão com aqueles retratos específicos de momentos do casal, desde o encontro casual, passando pela transição cínica dos trinta anos e desaguando no conflito amargo familiar. Por uma boa parte eu acreditei que a amargura vista em cena era devido o fato de achar que Before Midnight desconstruía e pesava em Before Sunrise. Era como se o sonho fosse propositadamente desiludido em crua realidade. Como ver o tipo de relação adulta que eu jamais gostaria de ter.
Então, devido essa maravilha roteirística, Before Midnight remete a si mesmo e aos seus predecessores, e através dessa manobra consegue prover um desfecho otimista, mesmo com um final em aberto.
Ele remete a si mesmo porque vemos ao longo da vida uma constante idéia fantasiosa e idealística do que é o amor ou uma relação a dois, uma ilusão que eventualmente arruína suas expectativas e o traz de volta para a realidade, mesmo a contragosto. É bem o oposto disso, quando para aliviar a realidade que Jesse faz uso de uma pequena fantasia para mostrar a Celine que o amor que um dia sentiram pelo outro ainda está lá, mas transformado em algo mais maduro, em proximidade, cumplicidade, carinho e companheirismo mesmo depois de 18 anos quando perambulam pelas ruas, é um amor que sobrevive ao desgaste do tempo e da convivência, que se reinventou devido a necessidade. Porque na juventude é tudo tão a flor da pele, uma ebulição de sentimentos e sensações, explosão de criatividade, de agitação e impulsividade, onde tudo é mais fácil e rapidamente apaixonante.
Remete-se no monólogo da senhora viúva sobre os pequenos momentos de felicidade na vida que deveriam “somar um todo”, os detalhes singelos da vida a dois que demandam energia e disposição, depois de tanto tempo, para serem apreciados como a maravilha que são.
Before Midnight é também uma correspondência entre o passado, que transpira sua nostalgia romântica, e o futuro cercado de incerteza. Um futuro que exige acima de tudo comprometimento para sequer existir. Outra maravilha que traz certa melancolia para essa fita amarga é a latente dificuldade de se fazer escolhas e o tanto que se perde com isso. Jesse perdeu anos da vida junto com Celine, basicamente toda sua juventude, até se reencontrarem. Justamente por sua decisão de ficar com ela em Paris, ele também perdeu a infância do seu primeiro filho. E o que agrega tanta originalidade à trilogia é a forma como o tempo é utilizado, com blocos reais. No romance típico o tempo, não importa quanto, passa na mesma velocidade, um frame por segundo, ele é inofensivo para o público. Agora com 18 anos separando Before Sunrise de Before Midnight percebemos a real extensão da passagem do tempo na vida de Jesse e Celine, toda a mudança nos personagens permite uma aproximação com a realidade jamais vista antes.
Do ponto de vista técnico, o filme é uma obra-prima. Repete com competência invejável o controle da longevidade dos extensos planos-sequência, onde o ritmo é pautado pelo texto, o corte pela filmagem.
Para mim, quando me dei conta, a tela já tinha ficado preta e os créditos subiam. Sempre tive a noção de que as coisas se resolviam melhor nos filmes do que na vida real, todas as escolhas feitas pareciam ser acertadas. Apesar dos pesares, das lembranças distantes e dos conflitos atuais, é maravilhoso notar a vontade que Jesse e Celine tem de passar o resto de suas vidas na companhia uma do outro.
O Lugar Onde Tudo Termina
3.7 857 Assista AgoraUm filme que se afoga na própria pretensão, uma pena.
Os Terroristas
4.1 24Segundo filme que vejo dele, acho que por justamente esperar algo parecido com Yi Yi que fui surpreendido agradavelmente. Não é um filme melhor, mas esteticamente é uma obra-prima. O uso hábil das tomadas externas nas ruas, vielas e becos, a constante presença de sombras que se projetam dentro dos cômodos de maneira assustadora... tudo me leva a julgá-lo uma obra-prima. Bem, quase tudo. Não achei válido o estopim para a crise conjugal que se estabelece, pareceu muito pueril e banal, talvez seja um sintoma de uma juventude alienada e que se estupidifica mais a cada dia.
Mas a condução do que se segue é coisa de mestre. Todo o jogo de realidade vs. ficção, de aparências vs. interiores é composto de forma fantástica.
E a meia hora final é realmente brutal.
Prazeres Desconhecidos
3.8 12Depois de visto A Plataforma e Estranhos Prazeres, devo admitir que é algo bem difícil de se envolver, especialmente devido a forma como Jia manuseia os blocos de tempo nos seus filmes. E ele usa isso de forma bastante incisiva. É interessante ver que em ambos os filmes não são os personagens que se movimentam, que agem, mas o espaço-tempo. A impressão que me deixou é a de que aqueles jovens caminham em círculos, indo do nada ao lugar algum, à margem de uma revolução que supostamente mudaria suas vidas (A Plataforma) mas que está distante, acontecendo em outro lugar, ou que já aconteceu e os deixaram para trás (Prazeres Desconhecidos).
Basicamente o mundo à volta está mudando, mas o estado de alienação e torpor é grande demais, nada parece ser capaz de destituí-los de uma grande e inevitável desolação. Vemos os efeitos numa sociedade de controle de natalidade e supressão da individualidade, onde nenhum grande acontecimento nacional parece provocar uma mudança no comportamento da sociedade.
É um tipo de obra subversiva que representa uma resistência por uma pessoa que sabe o que é viver numa província rural afetada pela forme, pela miséria e crescer sem saber como ser um indivíduo, sem ter voz. Seus personagens são assim, marionetes que observam o espaço-tempo mudar em volta, mas que continuam vivendo de forma desesperadora, errante, sem um futuro, sem expectativas, apenas dia após dia. Não faltam exemplos visuais disso: o trem que escapa daqueles que o perseguem, a moto atolada que se recusa a pegar debaixo de chuva, o contraste daqueles que decidem ir embora com aqueles que continuam perambulando pelos mesmos locais, com a certeza de que o amanhã será igualmente monótono quanto o hoje.
As Coisas Simples da Vida
4.3 120A fluidez da narrativa confere uma ótima sensação. Mas entre as histórias recorrentes e segundas-chances perdidas (e olha que às vezes achamos que nossas histórias são únicas), entre o imenso absimo de incomunicabilidade e falta de confiança entre os membros da família, o que mais me chamou a atenção nesse épico familiar de quase 180 minutos é que não há fórmula ou saídas fáceis para cada contra tempo e obstáculo que a vida nos apresenta. Ok, certas coisas na vida são simples, mas isso não significa que sejam fáceis ou indolores de vivenciar.
É uma constatação que cada um dos personagens luta com suas próprias dificuldades, fracassos e inseguranças, cada um isoladamente habitando a mesma casa, mas a solidão não poderia ser maior. Mas o ponto de convergência acaba sendo o mesmo, a avó em coma. Representa a sabedoria que supostamente devemos adquirir com a idade, mas em momento algum isso parece ser verdade, apesar daquele corpo inerte e idoso funcionar como um psicólogo, um confessionário, uma orientação. Mas não importa quão maduro alguém possa ser, e isso o filme deixa claro, sempre parecemos saber tão pouco sobre a vida, sobre nós mesmos, sobre o que nos cerca.
E o que costura essas linhas de história é um luminoso fio de esperança representado por toda inocência "destrói corações de manteiga" do pequeno Yang. Não há como se manter indiferente a toda essa incrível demonstração de sensibilidade e confiança humana depositadas naquela jovem pessoa.
Noite de Estréia
4.4 52O diálogo inicial de Marty com Myrtle, e a declaração apaixonada para a senhora da fotografia, anuncia o caráter dramático de Opening Night: a passagem dos anos, o acúmulo de decepções, fracassos, dores. Com o tempo, eventualmente, esperamos sabermos lidar com as consequências de nossas escolhas e nos conformarmos com o que nossas vidas se tornam. É o que todo mundo aguarda da velhice, serenidade.
Myrtle encontra dificuldades com a personagem que representa, alega não haver tato com a realidade de uma mulher que envelhece e, por isso, é incapaz de enxergar qualquer semelhança entre atriz/personagem. Mas Myrtle afunda em um colapso nervoso e depressão ao ir além das paridades, o que a amedronta é a ausência de esperança quando percebe que, assim como para a personagem que interpreta, a vida é igualmente efêmera e irreversível. Suas escolhas já foram feitas e tudo que seu presente é, é apenas consequência. Ela entra em um intenso estado de negação, ao deturpar parte da escrita da peça afirmando que não passa disso, uma peça, ao visualizar a menina morta no acidente e sentir-se culpada pela vida jovem encerrada drasticamente. São todos sintomas de uma mulher que ao olhar para trás e refletir, percebe que toda sua vida pode ter sido um grande desperdício desprovido de sentido. Tudo que lhe resta é o palco.
A câmera de Cassavetes continua incisiva ao desnudar tanto personagens quanto o backstage da companhia de teatro, sem pedir permissão. Continua seca, distante e intervencionista.
Faces
4.1 62"E isso tudo não importa a ninguém... a ninguém. Ninguém tem tempo para ser vulnerável com os outros, então... a gente segue em frente, sabe? A gente põe... uma espécie de
armadura emocional que nos protege e nos mostramos como 'homens mecânicos'."
A Ascensão
4.3 61É recorrente a comparação com Vá e Veja (apesar de que a mais próxima semelhança tenha sido o matrimônio dos dois diretores), mas na minha opinião são filmes bem diferentes. The Ascent não é um manifesto anti-guerra tão intenso e pungente, mas uma captura hiper realista das consequências do fim da guerra, consequências de privação de esperança e dignidade. Por vezes toma contornos até mesmo bidimensionais entre alemães e russos (como a vilanização absoluta da tropa alemã e arrogante e incorruptível honra de Sotnikov ao tratar o senhor da aldeia), mas se aprofunda na complexa psique humana ao confrontar escolhas tomadas em momentos definidores no filme pelos personagens (nesse ponto total vantagem para Vá e Veja ao apresentar um personagem extremamente intrincado).
E é a partir do momento da captura dos dois soldados russos que o filme ganha força. Em uma desoladora nevasca, os personagens encontram-se sem saída tanto geográfica quanto mentalmente, totalmente cercados por inimigos e pelas pesadas consequências de suas decisões. A catarse final encontra-se justamente no reflexo de uma dessas escolhas, em particular. Se o ser humano é capaz da mais desprezível ação em prol de preservar a própria vida, ainda que um resquício miserável de liberdade, é o fato dele ser refém da própria consciência viva que o consumirá através da culpa, tornando sua mente uma prisão inescapável e opressora (importante ressaltar as constantes visões de Rybak ao tentar escapar dos alemães, sempre culminando com sua morte e a volta para a realidade onde deve conviver com a vergonha de sua covardia).
Histórias de Amor Duram Apenas 90 Minutos
3.4 632Não sei o porque da rotulação do filme como um drama, uma vez que ele passa longe disso. É divertido, leve e engraçado. Tudo me leva a crer que é um noir disfarçado, temos o personagem principal fracassado e paranóico empreendendo uma investigação própria, o voice over pessoal denotando sua proximidade com outros personagens também fracassados e depressivos, a trilha sonora jazzística, a dupla deliciosa de femmes fatales... tudo converge para o final até mesmo previsível.
Dito isso, o que sempre criticamos no cinema nacional é a falta de variedade. Pois bem, este aqui é um ótimo exemplo diferente da costumeira leva de filmes nacionais produzidos pela Globo Filmes que arrebata as audiências. E não, não tem nada de "francês" nele. Quem diz isso claramente não entende coisa alguma de cinema francês.
Nós Não Envelheceremos Juntos
3.8 10Filme desprezível. A mediocridade do casal principal mata qualquer um de tédio e desgosto, com todo aquele vai-e-vem interminável, tudo muito burguesinho e estereotipado nas figuras de um machista nojento e uma mulher desprovida de qualquer amor próprio. Outros já usaram e abusaram desse tema "crise de casal" de forma melhor e mais prolífica.
Como primeiro filme do Pialat fiquei decepcionado.
Cinzas do Passado Redux
3.7 52 Assista AgoraÉ um sacrifício conseguir ir até o final. Pra mim aqui o Kar Wai derrapou feio. Se em 2046 havia alcançado com sucesso uma interessate diversificação de narrativas e gêneros, aqui tudo soa extremamente forçado, nada é muito natural e percebe-se um esforço enorme em cada frame para subverter a história em prol da estética. É tedioso, vazio e banal.
Infelizmente até as atuações são um ponto fraco.
Sombras
3.8 50Se em Mulher sob Influência via-se a história e o desenvolvimento de um casal complexo, à margem da sociedade que (supostamente) os envolve, em Sombras me parece o contrário. Não tem a mesma grandeza de personagens com tamanha profundidade, mas ainda assim são personagens intensos e totalmente imersos numa sociedade em constante mudança, praticamente em ebulição.
Mais do que uma abordagem diferencial do tratamento do preconceito racial vigente naquela época, é excepcional ver a dimensão social do filme. O irmão mais novo agindo de forma inconsequente e imatura, até mesmo negligente em relação àquela discriminação velada, um exemplo perfeito de alienação.
O pilar incrível da mulher no filme representado por Leila, ela encarna todo um vanguardismo na conquista de uma maior liberdade feminina, liberdade sexual, liberdade política, liberdade intelectual. Liberdade de ser e fazer o que bem entender. E engraçado que procurei mas não vi ninguém mencionar esse gigante detalhe.
E tem toda essa maleabilidade da narrativa, tem o óbvio aspecto da improvisação que é conduzida pelo jazz, mas creio numa maleabilidade onde não há um norte para o filme, um clímax necessário, e ainda assim ele consegue ser completo nos seus 81 minutos.
Ps. Finais de filmes do Cassavetes...
Uma Mulher Sob Influência
4.3 159 Assista AgoraSempre tive uma admiração incólume pelo Cassavetes, é pra mim um 3 maiores cineastas americanos. Apesar de ter visto apenas "Amantes" e "Os Maridos" um tempo atrás, bem mais novo, essa impressão do grande cineasta que é me acompanhava.
E eis que decido fazer uma maratona e pego esse pra ver.
A atmosfera extremamente desconfortante e incômoda está lá, disso lembrava bem. Nunca é algo prazeroso de assistir e exige demais de quem se atreve a adentrar o ambiente daquela família. É, antes de mais nada, na minha opinião, um excelente estudo de relações familiares sob um prisma de total disfuncionalidade, onde impera um caos absurdo e que desgasta totalmente os envolvidos.
Daí temos a personagem título, a tal mulher sob influência, mas quais influências? O amigo ali em cima falou que o filme é sobre Mabel, e não seu marido. Mas a mim parece que a presença machista, agressiva e incompreensiva do marido exerce um papel determinante na degradação psicológica e emocional da mulher. Aliás, ali naquela pequena sociedade ninguém parece entendê-la muito bem e que contribui para a inquietude de Mabel. É um exemplo nítido onde percebemos em alguns parcos momentos que existe um amor cru entre marido e mulher, mas que jamais é suficiente para fazer funcionar uma relação a dois de forma saudável.
Gradativamente, através de uma crescente tensão construída por Cassavetes, os papéis são invertidos. Mabel, de provocadora da dissolução da harmonia familiar, torna-se vítima. Nicky, de marido trabalhador e cuidadoso, torna-se o opressor patriarcal, completamente alheio às necessidades da mulher priorizando a manutenção das aparências.
Também é um excepcional modelo de reflexão do papel da mulher/esposa na sociedade de época, como Mabel é constantemente taxada de fora do comum classe média.
Tem uma cena que traduz toda a genialidade do Cassavetes:
o momento onde Mabel é tomada pelas mãos do marido, logo após seu retorno do hospital, e os dois tem um momento de intensa honestidade, com Nicky pedindo para ser ela mesmo, tudo encoberto pelas sombras do corredor. É brilhante pra cacete. E que fotografia!
A Morte de um Bookmaker Chinês
4.0 28Fico feliz por não ter sido este o primeiro filme do Cassavetes que eu vi. Tão físico quanto momentâneo, é um recorte impressionante da falência de um homem, consumido e vítima de si mesmo. Interessante que Cassavetes não direcione sua câmera para uma análise de personagem, do aspecto social que o envolve, mas que a deixa livre para ser conduzida pelos caminhos errôneos de Cosmo, refém de suas paixões (as mulheres e o jogo) e igualmente refém de sua forma inconsequente, confiante de viver.
Agora o porque de ter ficado feliz de não ter visto esse filme primeiro, eu realmente não sei direito se gostaria de primeira. Mas dá aquela sensação de que são dois cortes no mesmo filme. Um é o noir sujo e que tão bem subverte a tensão do gênero pela fluidez desfecho anticlimático. O outro é o tour pela boate burlesque, que se distancia do glamour e da reafirmação sexy do cinema plástico.
Ah sim, bom filme. E esses finais do Cassavetes...
Aurora
3.2 6Que filme difícil! Infelizmente eu não sou daquelas pessoas que consegue maneirar na expectativa, mas apesar disso é um bom filme. Não tem nada de poético nele, bem distante disso. Faz uso máximo daquele ambiente desolador e hermético de "4 meses, 3 semanas, 2 dias", da monotonia da rotina de um sociopata (muito interessante observar a sua postura e reação quando perto de mulheres), das suas ações repetitivas e banais. Aliás, o final é realmente o melhor momento do filme.
a reafirmação da banalidade com que Viorel recorda seus atos, mas também a pouca importância que os detetives dão aos crimes, com uma impressionante frieza. mas continuo achando o final de Além das Montanhas muito mais incisivo e direto na sua proposta.
É aquela coisa: são 181 minutos de um único ritmo, incansavelmente na marcha 1. Mas por mais engraçado que pareça, ele consegue te prender a atenção.
Mas o que não saiu da minha cabeça é essa lenta construção do novo cinema romeno, vai se tornando um pilar diferencial no cinema atual.
Supporting Characters
3.2 3Ray (Girls) sempre. Não é lá um grande filme, na verdade é bem mediano. Mas esses personagens fracassados, que não têm plena consciência do seu fracasso como seres humanos, como pessoas... sei lá, me cativam. É de uma melancolia não proposital muito envolvente.
O Som ao Redor
3.8 1,1K Assista AgoraMuitos dos que não sejam do Rio talvez não entendam o paralelo que vou fazer, mas essa é uma das razões pelas quais O Som ao Redor é amplamente considerado um filme universal, não porque é apenas um recorte diário da classe média, mas porque sutilmente satiriza com um realismo preciso seu decadente e nauseante senso de moral social.
Lembrando que eu já havi lido esse insight do paralelo na crítica de algum site, mas não recordo agora. A história do filme poderia muito bem a ser de qualquer uma das ruas da Barra da Tijuca, o recanto dos pseudo-ricos emergentes durante a última década, o bairro estandarte da consolidação de duas gerações que solidificaram a camada da classe média carioca. Começando pela privilegiada localização geográfica, assim como a apresentada no filme em Recife, a proximidade com a praia. A genial contraposição feita ao apresentar o apartamento para uma possível locatária, a frase que o jovem usa para enaltecer o imóvel é: "olha a vista, bem agradável." Quando a menina abre a janela somos tomados por um horizonte coberto de arranha-céus, sem o menor sinal de mar. É bem como aqui no Rio, algum imbecil há décadas atrás achou genial entupir a orla da praia com prédios gigantescos, uma poluição visual e ambiental estúpida motivada pela especulação imobiliária, crescente urbanização e possibilidade de sugar milhões dos impressionados com a opção de "morar de frente pra praia". Então o resultado são centenas de ruelas como um labirinto tornando o acesso à praia um caos. E a vista, bem, essa fica reservada pro que se dispor a desembolsar alguns milhões de reais.
É bem uma idéia geral que vai ser aprofundada por diversos outros simbolismos que compõem O Som ao Redor. Como o menino que pede de volta a bola, separados por um muro, é o mesmo muro que separa, segrega e afasta. As grades, cercas elétricas, muros, são apenas meios físicos exponenciados pela mentalidade segregacional que a própria classe possui. Dessa forma são cercados pelos seus medos e preconceitos, construindo uma paranóia por segurança e somando a distância com a inabilidade social. É a mesma mentalidade que passa de pai pra filho, onde na nossa sociedade é comum a idéia de se auto afirmar através da ostentação de posses, desde a sua televisão ter 8 polegadas a mais que a do vizinho, o seu apartamento ter 50m² a mais, seus adereços serem de ouro porque aparece mais, e por aí vai.
Então aí que entra o segundo ponto de crítica no filme, com o tempo, após a disposição de certos elementos, aos poucos, KMF retrata uma absurda alienação vigente, uma completa falta de perspectiva do mundo que os cerca. A tirada em cima da mulher que cita a Veja é apenas uma curtição, o dedo na ferida vem com outro morador na reunião de condôminos, completamente arrogante e autoritário, exigindo a demissão imediata do porteiro e sem qualquer pagamento de comissão pela mais de uma década de serviços prestados. "Farinha pouca meu pirão primeiro", essa é a postura que o pai ensina para o filho, alimentando um círculo vicioso de uma sociedade egoísta, opressiva e hipócrita (e veio bem a calhar agora com a PEC para o trabalho das domésticas e a reação das patroas). Ou no caso do jovem que defende o porteiro, abandonar sua posição defendendo uma minoria sendo fortemente oprimida, para ir atrás de um asusnto particular, facilmente abandonando uma causa pela qual acredita ser justa. É o mesmo tipo de mentalidade da garotada que aplaude de pé a política violenta e corrupta da polícia em Tropa de Elite, afinal, "bandido bom é bandido morto", mas não abre mão do seu baseado, da sua coca, do seu ecstasy, nem de burlar a Lei Seca pra voltar pra casa bêbado feito um porco.
Enfim, seguem uma série de detalhes interessantíssimos, como os que caracterizam a cultura popular pernambucana, como o mito do menino aranha, ou os que simplesmente denotam esse avanço da tomada da cidade pelas construções, como o olhar do tio saindo de sua casa, a única que não possui muros, e imaginando com aquela mesma rua, décadas atrás, ainda de terra batida no chão.
Claro que o filme possui falhas, não é perfeito. As atuações realmente são o ponto fraco, beiram o amadorismo. Mas acho que consigo relevar isso em prol do todo que é excelente.
Dias Selvagens
3.8 72Fiquei com a impressão de que a comparação com 2046 e Amor à Flor da Pele foi um desserviço para Dias Selvagens.Foi o primeiro filme do Kar Wai de que não gostei, sofre do mal de personagens irritantes e desinteressantes, especialmente York, que possui um caráter de embrulhar o estômago. Mas não sei, a forma como a relação homem-mulher é retratada aqui é bastante nociva, machista e sempre colocando as mulheres, em relação ao amor, numa posição submissa e sujeita às vontades masculinas.
Embora, apesar disso, possua alguns ótimos momentos como só o Kar Wai sabe proporcionar.
Anjos Caídos
4.0 266 Assista AgoraPode parecer que ele é um diretor de uma paleta só, o momento fugaz de felicidade nas nossas vidas solitárias, na forma com que o tempo constantemente muda as pessoas (e sentimentos), onde tudo se perde, a não ser na memória. Mas... é impressionante como mesmo dentro de uma temática tão sensível, Kar Wai consegue entregar filmes distintos e únicos, um banho de originalidade. Sem dúvida alguma é um dos grandes diretores em atividade, resistindo como um ícone desse tipo de cinema.
Pra mim a recorrência de certos conceitos, frases, visuais nos personagens, tudo isso torna ainda mais prazeroso acompanhar sua carreira no cinema. E a cena final é de guardar pra sempre e mostrar pros amigos, cinema é isso aqui.
O Futuro
3.5 155 Assista AgoraPrimeiro filme da Miranda July que vejo, mesmo já tendo namorado com algum torrent de "Eu, Você e Todos Nós" há algum tempo, mas nunca atingido os finalmente. Provoca uma certa estranheza as opções estéticas e de narrativa dela no filme, mas o essencial é não se deixar afastar por isso, ao contrário, mergulhar de vez na pequena loucura original da diretora. E pode ser bem divertido, confesso que o ritmo é bastante envolvente. Talvez uma escolha ou outra na simbologia acabe sendo perdida, talvez a proposta seja universal demais, enfim.
O interessante são as perguntas a serem feitas: o que você realmente faria da sua vida em 30 dias, o que sempre teve vontade de fazer, mas nunca fez porque num dia tinha 20 anos e uma vida de expectativas e esperanças pela frente, no outro dia tinha 35 anos e uma crise de meia idade decorrente de um fracasso ambulante. É uma sensação de esvaziamento e uma estranheza na existência muito grande.
Daí vem o senso de tragicomédia, o absurdo que nos diverte. Cada um no seu próprio desespero atirando pra tudo quanto é lado. E a própria representação do gatinho na narração em off, como uma responsabilidade ignorada, ou um convite para o amadurecimento pessoal do casal, caiu muito bem no fim das contas.
Um Alguém Apaixonado
3.6 118 Assista AgoraO que Kiarostami já tinha feito com perfeição em Cópia Fiel, esse exercício de linguagem que questiona a forma como vemos os personagens e como os próprios se veêm, aqui em Um Alguém Apaixonado atinge o ápice dessa desconstrução. Até onde é possível dissolver completamente uma personagem, um contexto, uma idéia, e reconstrui-los na narrativa. O jogo de encenação, do que é verdade e mentira e que toma parte no meio de cena é totalmente delineado pela forma com que cada um dos personagens enxerga um ao outro, como quebram as convenções do roteiro básico pré estabelecido na meia hora inicial, como alternam suas identidades e representações, tudo isso de uma forma extremamente fluida e orgânica, bastante sutil.
O interessante é notar a constante presença de espelhos, janelas, vidros, em momentos essenciais do filme:
Na maravilhosa cena do táxi, com todo o primor estético de Kiarostami em funcionamento, repete-se essa dinâmica, entre o observador, Akiko, e o observado, sua avó, e novamente através de uma janela, esta a do carro. Uma cena especialmente angustiante pela impossibilidade do contato, da realização. Akiko está presa ao seu personagem, a garota de programa.
Já no apartamento de Watannabe, essa dinâmica entre o cliente e a garota de programa será quebrada, é o grande momento de desconstrução desse paradigma alternando as identidades dos personagens. Interesse observar então que, quando ela caminha para o quarto e pretende desempenhar seu papel idealizado pelo contrato sexual, a câmera jamais foca em Akiko. O que vemos é um reflexo nublado através do espelho, totalmente distorcido e impossível de precisar. Ali já não vemos mais Akiko, a prostituta. No momento que ela adormece na cama, cansada, é a grande transgressão da narrativa, confundindo ficção com realidade. A partir dali, na manhã seguinte, fica óbvia a mudança na encenação e interação entre os personagens, claramente podendo ser o diálogo no carro entre um avô e sua neta.
O que se segue é a completa regressão de tudo que vimos até então, após cruzar a linha imaginária que havia delineado as bases da história. Dessa forma os personagens assumem novas identidades para eludir o namorado obcecado.
Então, através da mesma janela que Watannabe observava a chegada de Akiko que também chegara o fim do filme, a transgressão final, onde o namorado ciumento atinge níveis psicóticos de perseguição e tem a potencialmente simbólica atitude de arremessar um pedregulho quebrando com a linha que divide todas as interações, observações e encenações sociais. Ao quebrar aquela janela, Kiarostami obtêm seu desfecho anticlimático, mas também sua desconstrução absoluta.
A Caça
4.2 2,0K Assista AgoraMais importante ainda do que presumida irreparável pureza da criança, a total confiança de que era verdade o que foi contado, é notar como jamais o benefício da dúvida é concedido a Lucas. Acho que em parte por causa da decadente sociedade na qual vivemos, o adulto é imediatamente rotulado como corrupto e doentio.
E não é em cima de um qualquer que tais acusações são arremessadas, é de um amigo de infância da grande maioria daqueles pais. A meia hora inicial é importantíssima para salientar o elo de amizade que os une. Mas mesmo assim, não importa as circunstâncias, adultos tomam a palavra da criança como verdade inabalável. O que exponencia a tragédia é ver a conduta inaceitável de um adulto ao conversar com Klara, fazendo sugestões e dando contornos piores a mentira contada, o que vai gerar uma bola de neve destrutiva sobre a vida de Lucas.
Claro que é fácil falar daqui, quando sabemos da correta verdade. Mas por ser um tema extremamente delicado, não sou capaz de condenar totalmente o repúdio daqueles que achavam Lucas culpado. Faço questão de tentar me colocar no lugar daqueles que muitos aqui rapidamente tentam julgar. E afinal, não é sobre isso que "A Caça" fala? Do rápido e precipitado julgamento, sem base ou conhecimento dos fatos? Poderíamos até mesmo estender o assunto à mídia, sempre promovendo a condenação prévia de pessoas ainda em julgamento, tentam capitalizar na tragédia alheia e criando uma figura para servir de bode expiatório de uma sociedade. Não é aqui esse o papel de Lucas?
O problema é essa desumanização, essa perda de racionalidade e o subterfúgio na violência física e moral contra Lucas, mesmo que nada de concreto tendo sido provado pela polícia. É a velha noção que o ser humano tem de fazer justiça com as próprias mãos, assumindo o lugar do Estado de pré-julgar culpado ou inocente um ser humano.
Enfim, um puta filme mesmo, brilhante. A direção de Vinterberg é seca, coordenando muito bem a crescente tensão drmática do filme, formando um nó na garganta da audiência. E que final! Mas ainda tenho Submarino como meu preferido.