lavra dor é um curta-metragem sessentista com uma organização poética muito instigante acerca da reforma agrária; a montagem estética não é lá tão poderosa, mas é digno de um comentário o filme em negativo e os altos contrastes que estão lá para anunciar as agruras da vida campesina e a forte dicotomia camponês-fazendeiro. a sua linguagem é revolucionária, seu discurso permite revelar a tez abatida dos trabalhadores rurais e a dureza da realidade pastoril em uma época de trevas políticas; é uma fotografia do povo e ao mesmo tempo ferramenta para sua própria emancipação. o poema-praxis de chamie surge como um mantra que busca destruir o concreto dos concretistas, estabelecer novas semânticas com uma abordagem mais social e brincar com a "fisionomia" das palavras
tudo o que envolve o diabo e seus arquétipos luciferianos me agrada! nesse curta francês do início do século passado, o anjo banido aparece bem vestido e disposto a se divertir com tudo o que as ruas parisienses podem oferecer para um lúcifer enfadado; tenho a plena certeza de que satã visitou os últimos poetas simbolistas, ofereceu-lhes haxixe e apontou-lhes as direções com seu bom e velho jeito mefistofélico de ser e seduzir. acho muito elegante esse véu cor de vinho que cobre a tela, embeleza a fotografia e potencializa a graciosidade dessa peça infernal
o mestre švankmajer nos apresenta três breves contos sobre nós mesmos; a comida e a maneira como nos relacionamos com ela é uma temática muito espirituosa para manifestar o grotesco da condição antropofágica da qual somos vítimas; as personagens se revelam feras! quando apertei o play eu já esperava uma antologia de críticas agudas, muita lucidez e discernimento... a obra é inconfundível, são aquelas célebres alegorias surrealistas feitas em stop motion pelas quais o diretor tcheco é amplamente conhecido; o primeiro conto me pareceu uma expressão inteligente da mecanização, precarização e massificação ligadas ao ato de comer; o segundo ato aparenta ser mais astuto e direto, compreendi como classismo e reprodução de ideologia; o último conto flerta ainda mais com a antropofagia e nos ensina que um pouco de tempero já pode disfarçar o absurdo de devorar a si mesmo, é fácil aniquiliar-se a depender dos rumos políticos de uma nação
é tão único e brilhante quanto rock lee vs gaara ao som de linkin park rsrs... um baita anime! hoje conheci o senhor kurosaka e essa obra me pareceu ser um apropriado cartão de visitas para apresentar-me a um diretor que está visceralmente filiado aos costumes da arte contemporânea e do experimentalismo; mochibei tem a duração ideal para ser exatamente o que é, nem curto demais para não ter substância, nem muito longo para se perder e se desligar de sua própria ideia; vejo uma figura que amaldiçoa a si mesmo, maldizendo-se e castigando-se, vítima de seu maior carrasco, o eu-mesmo. esse traço sujo e impolido da animação é algo que acompanha muitíssimo bem um horror surreal e bizarro feito no japão; a única forma de se preparar para esse curta é assistindo-o! por fim eu preciso dizer uma coisa, lá vai... nossa, é literalmente eu, sério mesmo, muito eu depois de qualquer interação social
sublime e formidável! é uma belíssima animação aquarelada! julgando somente o zelo técnico e o capricho artístico esse curtinha já é um delicioso deleite aos olhos. tango, da forma como interpreto, parece ser uma manifestação das transgressões e vícios do humano, uma história sobre feras e seus pecados, um breve conto sobre poluição, miséria e morte... inexorável condição humana que explora, esgota e degrada; comunica também o destino trágico que sempre nos reserva o odioso mecanismo do messianismo e dos mitos; a jornada dos povos e a marcha da história estão repletas desse nefasto devir... são tantos fatalismos que nos condenam!
tudo nesse curta me lembrava foucault; todos os desenhos, os escritos e as cenas de profunda e inefável alienação... tudo parece comunicar uma sabedoria obscura e impenetrável, um caos ainda não decifrado
"A loucura fascina porque é um saber. É saber, de início, porque todas essas figuras absurdas são, na realidade, elementos de um saber difícil, fechado, esotérico. Este saber, tão inacessível e temível, o Louco o detêm em sua parvoíce inocente. Enquanto o homem racional e sábio percebe apenas algumas figuras fragmentárias, e por isso mesmo mais inquietantes, o Louco o carrega inteiro em uma esfera intacta: essa bola de cristal, que para todos está vazia, a seus olhos está cheia de um saber invisível"
um homem aprendendo a morrer! normalmente o problema da morte não é um fato devidamente refletido; digo mais, é por causa dela que a vida é tão repleta de distrações, passatempos e divertimentos; cronenberg resgata brilhantemente o tabu primordial, abre a ferida primeira e nos mostra que morrer é difícil... enfrentar a mortalidade, se deitar ao lado do próprio corpo pálido, vazio e esgotado e aceitá-lo em toda a dimensão de seu não-ser é uma dura tarefa
estava torcendo para que nunca chegassem em lugar nenhum! o retrato de um tédio geracional precisa de um motor, necessita da velocidade que deforma um presente esvaziado. o carro faz com que as paisagens artificiais passem e não se fixem pelos vidros do automóvel... a identidade e todos os desejos de uma juventude sessentista marginal são igualmente fugidias, tal como o chão que corre e fica para trás; há uma tensão permanente entre passado e presente, e a montagem sganzerliana parece imitar as ansiedades da adolescência brasileira dos anos sessenta. a câmera percorre a cidade sem saber onde chegar, mas conservando o movimento e a ânsia pela novidade, nem que seja uma tragédia, sei lá... uma peste bubônica (risos)
farnese é um poeta das sucatas! artista dos troços e destroços! suas obras são pedaços de um poema fatal sobre o descartável e sobre os restos medíocres que se transfiguram através das forças recicladoras do inutilizável! fazer arte a partir dos entulhos do ex-mundo. escandalizar a morbidez da matéria... um barato total essas colagens que erguem, ao final, um monumento aos escombros e ao lixo... metáfora ao caos pós-guerra inflada de pessimismo, desilusão e amargura. um carinha bastante idiossincrático, já está entre meus favoritos
bonito trabalho documental de um kubrick jovem e já suficientemente lúcido para apontar ângulos únicos com a câmera e competente para construir um ambiente onde o tempo é "estudado" vertiginosamente durante esse dia-lentidão que esconde a noite da luta. a verdadeira luta é a passagem nauseante das horas de um dia que é guardião de ansiedades, rituais e cotidianidades. é como se a espera do boxeador fosse a própria imagem de um ringue sangrento, e a luta propriamente dita, um paraíso terapêutico de suspensão de uma temporalidade que acossava... as filmagens direcionadas ao cotidiano do lutador também quebram uma certa expectativa que costuma desumanizar os lutadores. todas essas ambiguidades têm um grande relevo nesse curta-metragem
eu fico muito feliz quando descubro artistas como nabuhiro, porque é muito bonito poder percorrer essas obras repletas de esoterismos e cenários meio esfíngicos. é tão hermético e assustadoramente imagético como algumas obras do kurt kren e do brakage, o ponto em comum é que todas produzem uma dança frenética de frames que parecem que possuem vida própria, cada frame poderia ser estudado isoladamente. qualquer pause revela um recorte lindíssimo... nesse trabalho nabuhiro parece brincar de representar fragmentos da visão frenética e psicodélica de um corvo. por mais abstrato e arbitrário que essa forma de fazer cinema possa parecer, existem muitos afetos acontecendo durante os quatro minutos de filmagem, não é difícil encontrar aqui confusão, mistério, sonolência, dissociação ou medo
me lembra das vezes que eu brincava de desenhar folhas secas desse jeito, riscando um papel com giz de cera e vendo as "cicatrizes" e as singularidades da folha aparecendo por cima... amo todos os esforços colocados nesses projetos de abstracionismos artesanais!! muito pertinentes para quando as figuras cansam ou são insuficientes por si só. a composição de traços e formatos vermelhos é mágica e hipnótica! mágica porque os tonzinhos de vermelho somem e reaparecem de um jeito musical e lisérgico; e hipnótica porque é acompanhada por esse som-transe que faz tudo ficar meio cerimonial e psicótico-narcótico. é como observar fogos de artifício no céu noturno e captar não muito mais do que algumas ligeiras centelhas dissolvidas feito memórias. a libélula e as suas metamorfoses acerejadas não demoram até se transformarem em esquecimentos, um desmanche abstrato logo atrás de outro, uma memória do vermelho
o curta é todinho cercado de um clima de tensão, de atração sexual, de voyeurismo, desejo e repulsa. parece incorporar um simbolismo poético e até mesmo lúgubre sobre os amores, as paixões e todas as complexidades que envolvem as relações humanas e as aflições entre feminino e masculino. são recortes desse momento sombroso e iluminado de um fervor desejoso e inspiração, mas também de dominação e subjugação, já que o seu binóculo parece sugerir alguma investigação e domínio relacional do tipo sujeito-objeto. é uma bonita expressão polissêmica sobre a sublimidade e a feiura das relações amorosas! é um trabalho um tantão ambíguo, já que seu tema poderia ser a intimidade e a proximidade, assim como o distanciamento e o estranhamento
uma animação pictórica, onírica e surreal como simbolismo das dilacerações da alma! que belíssima conjunção de artes temos nesse curta sombrio, fatal e poético do petrov! é talvez uma das obras que melhor explorou a densa atmosfera de terror e morbidez que orbita em dostoiésvki; o clima soturno e desesperançoso causado pelos horrores da guerra e o seu terrível processo de desumanização são projetados através de pinceladas grossas e brutas; a guerra é um vazio! o futuro é um nada! porém, nessa terra "recheada" de esvaziamentos, alguns fatos puros e intocados ainda podem nos entregar uma quieta e brevíssima nostalgia do éden perdido... é um recorte quimérico de fé, um sonho como resolução da realidade, mas que de todo modo acaba em chamas, pó e ruínas
achei tão sensual esse frenesi violeta-púrpura que atua como perspectiva estética de um cinema gestual-abstrato; essa impermanência das imagens moldam uma fila de novidades sobre a banalidade dos atos... segurar um cigarro entre os dedos, ou descascar um ovo, se contemplados dentro da sugestão delirante dos atos, pode até nos convencer dos novos significados e das semânticas possivelmente inventadas pela película magenta do diretor, já que a tremenda alternância imagética-psicótica-colorida funda um tipo de abstracionismo nas figuras; a obra pode até sugerir, através da trivialidade dos gestos, uma coleção de neologismos das mãos!
surrealismo sublime & pesadíssimo! é um traço despojado e sem muitas cerimônias, mas que vai guiando o espectador numa coleção interminável de metamorfoses imagéticas e lisérgicas das dolorosas reminiscências da dançarina; o chapéu vai alterando sua forma e encaminhando esse montante medonho de lembranças-perturbações enquanto a moça dança nua em um bar; um curta pesado e terrível sobre todos os tipos de sofrimentos psicossexuais da infância: a imagem permanente do agressor que acossa e persegue durante a existência toda; a tinta preta que a cournoyer utiliza materializa essa tremenda inquietação febril da memória indelével do assédio que surge repentinamente como uma punhalada
achei do caralho essa animação empregada nesse trabalho esquecido e de caráter fragmentário; nada como uma boa leitura certeira e aguda sobre o ser humano! deve até mesmo existir alguma dúvida de terminologia: esses singelos e verdadeiros comentários apontam para a condição humana ou para a natureza humana? pra mim ainda existe alguma indefinição nisso tudo; por vezes nossas taras e fetiches ideológico-metafísicos parecem condenações existenciais intrinsecamente ligadas aos terrores indecifráveis da nossa consciência — será que nossa inclinação para inventar ficções é a mesma inclinação que faz os órgãos continuarem funcionando? ("todo homem tem pulmão, coração, cérebro e uma bandeira (...) alguns não tem cérebro... mas um homem sem bandeira? impossível!") — outras vezes penso que toda a desgraça da existência não passa de um vício culturalmente transmissível
assistir essa "grande" obra "curta" do grande buñuel foi uma experiência extensamente inefável! como é difícil arranjar termos pra caraterizar essa narratividade cinematográfica que, ora parece irônica, ora parece terrivelmente denunciativa; se trata de um pseudo-documentário-denúncia (mocumentário), uma confusão lírica um tantinho surreal entre uma realidade crua e sórdida e uma ficção inventada e satírica; filmar uma cabra caindo de maneira profundamente ""acidental"" para servir de retrato imagético dos hábitos alimentares do povo da região?? enfim, a denúncia da miséria, a feiura, a falta de higiene, a precariedade e o esquecimento são elementos que certamente se fazem logo evidentes, mas parece também interessar a luis buñuel uma certa alfinetada na forma como nós, espectadores amenos, passivamente internalizamos o desfile de fatos de uma narrativa
acabo de conhecer e experimentar, ainda que de forma fatalmente tardia, o extremo-violento-escatológico-corpulento-poético movimento vienense do cinema actionista; achei um barato total esse modo de expressão performática e profundamente rachada, volumosa e visualmente agressiva; nudez, fluídos corporais, fezes, entranhas e sujeira como ferramentas de choque diante dum contexto político-social em ruínas de guerra, enrijecido e terrivelmente sisudo; nesse tipo de performance selvagem e sublime, o corpo torna-se palco de excessos, flagelações, brutalidades e de libertações sexuais!
kurt kren tornou completamente pública e cristalina a tamanha facilidade que é inventar retratos abstratos a partir das copas de árvores e dos galhos nus outonais, estes combinados com um fundo branco de um céu nebuloso; é um experimentalismo um tanto absurdo! é, afinal, um naturalismo antinatural, a obra de kren parece ser um processo de aproximação e afastamento; são árvores, mas também são simples traços; são galhos, mas também puramente uma experiência ótica; são copas, mas também meras geometrias; os cortes rápidos terminam o serviço de criar esse vislumbre fantástico e incapturável
experimental, psicodélico, demonológico, teatral e exuberantemente cinético-cinematográfico! sem dúvidas, a experiência visual é única, que bela visão mágica que há em seguir a câmera durante suas órbitas ilusórias e alucinógenas em volta do demônio-astro! matsumoto inventou uma porção de ilusionismos fotográficos e fez disso cinema e movimento diabólico! não há nada além de um monte de frames "mortos" arranjados num tipo de processo de stop motion imensamente mais encantador; deve existir alguma interpretação mito-poética ou religiosa para a reiterada centralidade da figura de hannya e de nossa trajetória circular, perpétua e inevitável ao redor dessa máscara-simbolo das tensões da consciência e dos conflitos existenciais
estou apaixonado por essa diretora-poeta! uma belíssima coleção de estéticas e fragmentos presentes em cada um dos elementos da natureza, dos climas e estações do ano; é um curta sobre o quão cambiante são as atmosferas, os ares e tudo o mais que estiver colado nas cenas da cotidianidade mais imediata; além do imenso prazer que são os vislumbres cinematográficos analógicos e a alternância de matizes, essa obra tem até uma propriedade sedativa e uma vibe caseira super aconchegante! é praticamente um estudo poético-climatológico que abrange uns quarterões ou uns metros quadrados, mas digamos que já foi muitíssimo mais que o suficiente para tornar a experiência um contentamento só
um jardim-composição, jardim-poesia como última e florida manifestação do campesino, do contemplativo, do organicamente deleitoso... ventos e pétalas dançantes como singelas resistências contra a crescente rudez citadina, à aspereza das máquinas e das guerras sanguinárias, à inconveniência do concreto que transforma tudo em uniformidade e simetria crua e impessoal, dos tratores brutos e da grosseria ativa das metrópoles murchas; na sublime sonata floral, os tratores não são apenas ruídos estrangeiros, mas anti-musicalidade em si! adoro como as flores ganham um tecido bonito através dessas lentes dos anos cinquenta e sessenta, simplesmente belo e uma ode ao conservacionismo!
um registro urbano e novaiorquino em forma de um poema visual imensamente mais ameno e contemplativo, composição relativamente rara dentro da filmografia alucinógena, arranhada, fraturada e cineticamente futurista do brakhage; claro que o diretor se aproveitaria desta vista profana das janelas dos trens para transformá-las em quadros sagrados e vivos por onde a perspectiva cambiante, as luzes, as ilusões do vidro e os reflexões pincelam novos "mundologias" de concreto silencioso; e qual cinema que não é um olho inédito fabricado de mais e mais afetos, de recordações e despedidas? que bela obra rendeu essa parceria experimental!
" [...] Third Avenue El de Nova York (desde então demolida) como se fosse através dos olhos de uma criança em um carrossel. ' - Cinema 16."
Lavra Dor
3.8 4lavra dor é um curta-metragem sessentista com uma organização poética muito instigante acerca da reforma agrária; a montagem estética não é lá tão poderosa, mas é digno de um comentário o filme em negativo e os altos contrastes que estão lá para anunciar as agruras da vida campesina e a forte dicotomia camponês-fazendeiro. a sua linguagem é revolucionária, seu discurso permite revelar a tez abatida dos trabalhadores rurais e a dureza da realidade pastoril em uma época de trevas políticas; é uma fotografia do povo e ao mesmo tempo ferramenta para sua própria emancipação. o poema-praxis de chamie surge como um mantra que busca destruir o concreto dos concretistas, estabelecer novas semânticas com uma abordagem mais social e brincar com a "fisionomia" das palavras
Satan Fait la Noce
4.5 2tudo o que envolve o diabo e seus arquétipos luciferianos me agrada! nesse curta francês do início do século passado, o anjo banido aparece bem vestido e disposto a se divertir com tudo o que as ruas parisienses podem oferecer para um lúcifer enfadado; tenho a plena certeza de que satã visitou os últimos poetas simbolistas, ofereceu-lhes haxixe e apontou-lhes as direções com seu bom e velho jeito mefistofélico de ser e seduzir. acho muito elegante esse véu cor de vinho que cobre a tela, embeleza a fotografia e potencializa a graciosidade dessa peça infernal
Comida
4.5 78o mestre švankmajer nos apresenta três breves contos sobre nós mesmos; a comida e a maneira como nos relacionamos com ela é uma temática muito espirituosa para manifestar o grotesco da condição antropofágica da qual somos vítimas; as personagens se revelam feras! quando apertei o play eu já esperava uma antologia de críticas agudas, muita lucidez e discernimento... a obra é inconfundível, são aquelas célebres alegorias surrealistas feitas em stop motion pelas quais o diretor tcheco é amplamente conhecido; o primeiro conto me pareceu uma expressão inteligente da mecanização, precarização e massificação ligadas ao ato de comer; o segundo ato aparenta ser mais astuto e direto, compreendi como classismo e reprodução de ideologia; o último conto flerta ainda mais com a antropofagia e nos ensina que um pouco de tempero já pode disfarçar o absurdo de devorar a si mesmo, é fácil aniquiliar-se a depender dos rumos políticos de uma nação
Mochibei
3.5 1é tão único e brilhante quanto rock lee vs gaara ao som de linkin park rsrs... um baita anime! hoje conheci o senhor kurosaka e essa obra me pareceu ser um apropriado cartão de visitas para apresentar-me a um diretor que está visceralmente filiado aos costumes da arte contemporânea e do experimentalismo; mochibei tem a duração ideal para ser exatamente o que é, nem curto demais para não ter substância, nem muito longo para se perder e se desligar de sua própria ideia; vejo uma figura que amaldiçoa a si mesmo, maldizendo-se e castigando-se, vítima de seu maior carrasco, o eu-mesmo. esse traço sujo e impolido da animação é algo que acompanha muitíssimo bem um horror surreal e bizarro feito no japão; a única forma de se preparar para esse curta é assistindo-o! por fim eu preciso dizer uma coisa, lá vai... nossa, é literalmente eu, sério mesmo, muito eu depois de qualquer interação social
Tango
4.2 2sublime e formidável! é uma belíssima animação aquarelada! julgando somente o zelo técnico e o capricho artístico esse curtinha já é um delicioso deleite aos olhos. tango, da forma como interpreto, parece ser uma manifestação das transgressões e vícios do humano, uma história sobre feras e seus pecados, um breve conto sobre poluição, miséria e morte... inexorável condição humana que explora, esgota e degrada; comunica também o destino trágico que sempre nos reserva o odioso mecanismo do messianismo e dos mitos; a jornada dos povos e a marcha da história estão repletas desse nefasto devir... são tantos fatalismos que nos condenam!
Jaime
4.1 1tudo nesse curta me lembrava foucault; todos os desenhos, os escritos e as cenas de profunda e inefável alienação... tudo parece comunicar uma sabedoria obscura e impenetrável, um caos ainda não decifrado
"A loucura fascina porque é um saber. É saber, de início, porque todas essas figuras absurdas são, na realidade, elementos de um saber difícil, fechado, esotérico. Este saber, tão inacessível e temível, o Louco o detêm em sua parvoíce inocente. Enquanto o homem racional e sábio percebe apenas algumas figuras fragmentárias, e por isso mesmo mais inquietantes, o Louco o carrega inteiro em uma esfera intacta: essa bola de cristal, que para todos está vazia, a seus olhos está cheia de um saber invisível"
The Death of David Cronenberg
4.0 4um homem aprendendo a morrer! normalmente o problema da morte não é um fato devidamente refletido; digo mais, é por causa dela que a vida é tão repleta de distrações, passatempos e divertimentos; cronenberg resgata brilhantemente o tabu primordial, abre a ferida primeira e nos mostra que morrer é difícil... enfrentar a mortalidade, se deitar ao lado do próprio corpo pálido, vazio e esgotado e aceitá-lo em toda a dimensão de seu não-ser é uma dura tarefa
Olho por Olho
3.7 7estava torcendo para que nunca chegassem em lugar nenhum! o retrato de um tédio geracional precisa de um motor, necessita da velocidade que deforma um presente esvaziado. o carro faz com que as paisagens artificiais passem e não se fixem pelos vidros do automóvel... a identidade e todos os desejos de uma juventude sessentista marginal são igualmente fugidias, tal como o chão que corre e fica para trás; há uma tensão permanente entre passado e presente, e a montagem sganzerliana parece imitar as ansiedades da adolescência brasileira dos anos sessenta. a câmera percorre a cidade sem saber onde chegar, mas conservando o movimento e a ânsia pela novidade, nem que seja uma tragédia, sei lá... uma peste bubônica (risos)
Farnese
4.2 7farnese é um poeta das sucatas! artista dos troços e destroços! suas obras são pedaços de um poema fatal sobre o descartável e sobre os restos medíocres que se transfiguram através das forças recicladoras do inutilizável! fazer arte a partir dos entulhos do ex-mundo. escandalizar a morbidez da matéria... um barato total essas colagens que erguem, ao final, um monumento aos escombros e ao lixo... metáfora ao caos pós-guerra inflada de pessimismo, desilusão e amargura. um carinha bastante idiossincrático, já está entre meus favoritos
O Dia da Luta
3.1 28bonito trabalho documental de um kubrick jovem e já suficientemente lúcido para apontar ângulos únicos com a câmera e competente para construir um ambiente onde o tempo é "estudado" vertiginosamente durante esse dia-lentidão que esconde a noite da luta. a verdadeira luta é a passagem nauseante das horas de um dia que é guardião de ansiedades, rituais e cotidianidades. é como se a espera do boxeador fosse a própria imagem de um ringue sangrento, e a luta propriamente dita, um paraíso terapêutico de suspensão de uma temporalidade que acossava... as filmagens direcionadas ao cotidiano do lutador também quebram uma certa expectativa que costuma desumanizar os lutadores. todas essas ambiguidades têm um grande relevo nesse curta-metragem
Crow
3.8 2eu fico muito feliz quando descubro artistas como nabuhiro, porque é muito bonito poder percorrer essas obras repletas de esoterismos e cenários meio esfíngicos. é tão hermético e assustadoramente imagético como algumas obras do kurt kren e do brakage, o ponto em comum é que todas produzem uma dança frenética de frames que parecem que possuem vida própria, cada frame poderia ser estudado isoladamente. qualquer pause revela um recorte lindíssimo... nesse trabalho nabuhiro parece brincar de representar fragmentos da visão frenética e psicodélica de um corvo. por mais abstrato e arbitrário que essa forma de fazer cinema possa parecer, existem muitos afetos acontecendo durante os quatro minutos de filmagem, não é difícil encontrar aqui confusão, mistério, sonolência, dissociação ou medo
Memory of Red
3.5 2me lembra das vezes que eu brincava de desenhar folhas secas desse jeito, riscando um papel com giz de cera e vendo as "cicatrizes" e as singularidades da folha aparecendo por cima... amo todos os esforços colocados nesses projetos de abstracionismos artesanais!! muito pertinentes para quando as figuras cansam ou são insuficientes por si só. a composição de traços e formatos vermelhos é mágica e hipnótica! mágica porque os tonzinhos de vermelho somem e reaparecem de um jeito musical e lisérgico; e hipnótica porque é acompanhada por esse som-transe que faz tudo ficar meio cerimonial e psicótico-narcótico. é como observar fogos de artifício no céu noturno e captar não muito mais do que algumas ligeiras centelhas dissolvidas feito memórias. a libélula e as suas metamorfoses acerejadas não demoram até se transformarem em esquecimentos, um desmanche abstrato logo atrás de outro, uma memória do vermelho
Spectator
3.9 5o curta é todinho cercado de um clima de tensão, de atração sexual, de voyeurismo, desejo e repulsa. parece incorporar um simbolismo poético e até mesmo lúgubre sobre os amores, as paixões e todas as complexidades que envolvem as relações humanas e as aflições entre feminino e masculino. são recortes desse momento sombroso e iluminado de um fervor desejoso e inspiração, mas também de dominação e subjugação, já que o seu binóculo parece sugerir alguma investigação e domínio relacional do tipo sujeito-objeto. é uma bonita expressão polissêmica sobre a sublimidade e a feiura das relações amorosas! é um trabalho um tantão ambíguo, já que seu tema poderia ser a intimidade e a proximidade, assim como o distanciamento e o estranhamento
O Sonho de um Homem Ridículo
4.5 140uma animação pictórica, onírica e surreal como simbolismo das dilacerações da alma! que belíssima conjunção de artes temos nesse curta sombrio, fatal e poético do petrov! é talvez uma das obras que melhor explorou a densa atmosfera de terror e morbidez que orbita em dostoiésvki; o clima soturno e desesperançoso causado pelos horrores da guerra e o seu terrível processo de desumanização são projetados através de pinceladas grossas e brutas; a guerra é um vazio! o futuro é um nada! porém, nessa terra "recheada" de esvaziamentos, alguns fatos puros e intocados ainda podem nos entregar uma quieta e brevíssima nostalgia do éden perdido... é um recorte quimérico de fé, um sonho como resolução da realidade, mas que de todo modo acaba em chamas, pó e ruínas
Process Red
3.3 3achei tão sensual esse frenesi violeta-púrpura que atua como perspectiva estética de um cinema gestual-abstrato; essa impermanência das imagens moldam uma fila de novidades sobre a banalidade dos atos... segurar um cigarro entre os dedos, ou descascar um ovo, se contemplados dentro da sugestão delirante dos atos, pode até nos convencer dos novos significados e das semânticas possivelmente inventadas pela película magenta do diretor, já que a tremenda alternância imagética-psicótica-colorida funda um tipo de abstracionismo nas figuras; a obra pode até sugerir, através da trivialidade dos gestos, uma coleção de neologismos das mãos!
O Chapéu
4.1 12 Assista Agorasurrealismo sublime & pesadíssimo! é um traço despojado e sem muitas cerimônias, mas que vai guiando o espectador numa coleção interminável de metamorfoses imagéticas e lisérgicas das dolorosas reminiscências da dançarina; o chapéu vai alterando sua forma e encaminhando esse montante medonho de lembranças-perturbações enquanto a moça dança nua em um bar; um curta pesado e terrível sobre todos os tipos de sofrimentos psicossexuais da infância: a imagem permanente do agressor que acossa e persegue durante a existência toda; a tinta preta que a cournoyer utiliza materializa essa tremenda inquietação febril da memória indelével do assédio que surge repentinamente como uma punhalada
A Lecture on Man
4.2 1achei do caralho essa animação empregada nesse trabalho esquecido e de caráter fragmentário; nada como uma boa leitura certeira e aguda sobre o ser humano! deve até mesmo existir alguma dúvida de terminologia: esses singelos e verdadeiros comentários apontam para a condição humana ou para a natureza humana? pra mim ainda existe alguma indefinição nisso tudo; por vezes nossas taras e fetiches ideológico-metafísicos parecem condenações existenciais intrinsecamente ligadas aos terrores indecifráveis da nossa consciência — será que nossa inclinação para inventar ficções é a mesma inclinação que faz os órgãos continuarem funcionando? ("todo homem tem pulmão, coração, cérebro e uma bandeira (...) alguns não tem cérebro... mas um homem sem bandeira? impossível!") — outras vezes penso que toda a desgraça da existência não passa de um vício culturalmente transmissível
Terra Sem Pão
4.0 47assistir essa "grande" obra "curta" do grande buñuel foi uma experiência extensamente inefável! como é difícil arranjar termos pra caraterizar essa narratividade cinematográfica que, ora parece irônica, ora parece terrivelmente denunciativa; se trata de um pseudo-documentário-denúncia (mocumentário), uma confusão lírica um tantinho surreal entre uma realidade crua e sórdida e uma ficção inventada e satírica; filmar uma cabra caindo de maneira profundamente ""acidental"" para servir de retrato imagético dos hábitos alimentares do povo da região?? enfim, a denúncia da miséria, a feiura, a falta de higiene, a precariedade e o esquecimento são elementos que certamente se fazem logo evidentes, mas parece também interessar a luis buñuel uma certa alfinetada na forma como nós, espectadores amenos, passivamente internalizamos o desfile de fatos de uma narrativa
7/64: Leda and the Swan
3.2 2acabo de conhecer e experimentar, ainda que de forma fatalmente tardia, o extremo-violento-escatológico-corpulento-poético movimento vienense do cinema actionista; achei um barato total esse modo de expressão performática e profundamente rachada, volumosa e visualmente agressiva; nudez, fluídos corporais, fezes, entranhas e sujeira como ferramentas de choque diante dum contexto político-social em ruínas de guerra, enrijecido e terrivelmente sisudo; nesse tipo de performance selvagem e sublime, o corpo torna-se palco de excessos, flagelações, brutalidades e de libertações sexuais!
3/60: Trees in Autumn
2.6 2kurt kren tornou completamente pública e cristalina a tamanha facilidade que é inventar retratos abstratos a partir das copas de árvores e dos galhos nus outonais, estes combinados com um fundo branco de um céu nebuloso; é um experimentalismo um tanto absurdo! é, afinal, um naturalismo antinatural, a obra de kren parece ser um processo de aproximação e afastamento; são árvores, mas também são simples traços; são galhos, mas também puramente uma experiência ótica; são copas, mas também meras geometrias; os cortes rápidos terminam o serviço de criar esse vislumbre fantástico e incapturável
Atman
3.9 14experimental, psicodélico, demonológico, teatral e exuberantemente cinético-cinematográfico! sem dúvidas, a experiência visual é única, que bela visão mágica que há em seguir a câmera durante suas órbitas ilusórias e alucinógenas em volta do demônio-astro! matsumoto inventou uma porção de ilusionismos fotográficos e fez disso cinema e movimento diabólico! não há nada além de um monte de frames "mortos" arranjados num tipo de processo de stop motion imensamente mais encantador; deve existir alguma interpretação mito-poética ou religiosa para a reiterada centralidade da figura de hannya e de nossa trajetória circular, perpétua e inevitável ao redor dessa máscara-simbolo das tensões da consciência e dos conflitos existenciais
Aerial
3.9 2estou apaixonado por essa diretora-poeta! uma belíssima coleção de estéticas e fragmentos presentes em cada um dos elementos da natureza, dos climas e estações do ano; é um curta sobre o quão cambiante são as atmosferas, os ares e tudo o mais que estiver colado nas cenas da cotidianidade mais imediata; além do imenso prazer que são os vislumbres cinematográficos analógicos e a alternância de matizes, essa obra tem até uma propriedade sedativa e uma vibe caseira super aconchegante! é praticamente um estudo poético-climatológico que abrange uns quarterões ou uns metros quadrados, mas digamos que já foi muitíssimo mais que o suficiente para tornar a experiência um contentamento só
Canção Sobre Uma Flor
4.1 2um jardim-composição, jardim-poesia como última e florida manifestação do campesino, do contemplativo, do organicamente deleitoso... ventos e pétalas dançantes como singelas resistências contra a crescente rudez citadina, à aspereza das máquinas e das guerras sanguinárias, à inconveniência do concreto que transforma tudo em uniformidade e simetria crua e impessoal, dos tratores brutos e da grosseria ativa das metrópoles murchas; na sublime sonata floral, os tratores não são apenas ruídos estrangeiros, mas anti-musicalidade em si! adoro como as flores ganham um tecido bonito através dessas lentes dos anos cinquenta e sessenta, simplesmente belo e uma ode ao conservacionismo!
The Wonder Ring
3.5 3um registro urbano e novaiorquino em forma de um poema visual imensamente mais ameno e contemplativo, composição relativamente rara dentro da filmografia alucinógena, arranhada, fraturada e cineticamente futurista do brakhage; claro que o diretor se aproveitaria desta vista profana das janelas dos trens para transformá-las em quadros sagrados e vivos por onde a perspectiva cambiante, as luzes, as ilusões do vidro e os reflexões pincelam novos "mundologias" de concreto silencioso; e qual cinema que não é um olho inédito fabricado de mais e mais afetos, de recordações e despedidas? que bela obra rendeu essa parceria experimental!
" [...] Third Avenue El de Nova York (desde então demolida) como se fosse através dos olhos de uma criança em um carrossel. ' - Cinema 16."