Se "Evil Dead" (1981) e "The Gardener" (1973) tivessem tido um filho, "The Guardian" certamente seria o resultado. Árvores demoníacas, serras elétricas, rostos lambuzados de sangue e uma empregada atraente e competente demais para ser verdade compõe seu universo à luz dos filmes citados.
É o primeiro longa de terror com T maiúsculo dirigido por William Friedkin desde sua obra-prima "The Exorcist" de 1973 (ainda que o diretor sempre flerte com o gênero em praticamente todos os seus trabalhos). Se compararmos esta obra com "O Exorcista", podemos facilmente infamá-la, visto que é um filme infinitamente menos denso e de nuances psicológicas muito mais prosaicas, no entanto, apesar do roteiro formulaico, a obra conta com a direção sempre impressionante de Friedkin, com seu jogo de câmera astuto e envolvente, capaz de transformar cenas potencialmente banais em bons exercícios de tensão e horror.
Desde seus minutos iniciais até o clímax "Grand-Guignol", o filme deixa sempre claro o que está em jogo - a segurança do bebê, a angústia dos pais e as intenções maléficas da babá mística assassina. Não há curvas nem surpresas e o roteiro não é particularmente criativo, no entanto, Friedkin dá vida ao filme graças ao seu talento estético, ainda que os momentos mais marcantes aludam mais a Sam Reimi do que ao próprio diretor. Cenas envolvendo um ataque de lobos a um carro e outra que intercala dois momentos tensos envolvendo os pais do bebê, um ocorrendo na floresta e outro na casa, são bem construídos e meticulosamente editados.
O longa esbarra no "camp" de tempo em tempo, inserindo vários elementos de thrillers eróticos populares na época e parece temer tornar a antagonista grotesca demais; talvez com medo de destituí-la do apelo sexual. Este aspectos acabam comprometendo o aspecto aterrorizante do filme, mas não impedem que este seja uma experiência divertida e um filme de gênero digno de ser redescoberto.
Em "Esquadrão Suicida", a personagem Alerquina era o ponto brilhante em um filme tedioso e excessivo, graças a sua irreverência debochada vivificada pela atuação carismática de Margot Robbie.
Em seu longa solo, é decepcionante constatar que o charme da personagem se perdeu. "Aves de Rapina" opta por um tom de deboche que em vez de seduzir e entreter como fazia a personagem em "Esquadrão Suicida", afunda o filme em uma interminável e enfadonha auto-referência. A personagem é consciente demais de si, assim como seu filme. A constante quebra da quarta parede e as narrações da protagonista explicando a trama se mostram um recurso aborrecido e desnecessário, assim como a fragmentação da ordem cronológica do filme. Uma narrativa simples e linear, mas com cenas mais cuidadosamente construídas, certamente tornaria o filme mais envolvente.
Arlequina é uma personagem irreverente e infantilóide com tons sombrios de abuso e loucura, mas "Aves de Rapina" parece não saber como explorá-la de maneira criativa ou dimensional, resumindo sua conduta a constantes verborragias pueris e intermináveis risadinhas insossas; além disso, o longa falha em construir qualquer tipo de tensão, inserindo cenas sem qualquer propósito senão o apelo cosmético - a cena que parodia "Diamonds Are a Girl's Best Friend" vem à mente.
O grande problema de "Aves de Rapina" está no roteiro mambembe. O projeto não decide se quer ser um filme violento de humor negro (como sugerem as cenas de luta sádicas e bem coreografadas) ou um cartoon frívolo para crianças de 5 anos. Os diálogos são extremamente inanes e caricatos (ao ponto que senti pena dos atores tentando se virar com material tão raso) e a forma como o filme converge a narrativa dos muitos personagens é artificial e apressada (assim como a tentativa do filme de politizar as motivações das protagonistas por um viés feminista).
Margot Robbie, apesar de ter brilhado em filmes como "Era Uma Vez em Hollywood" e mesmo "Esquadrão Suicida", aqui não tem muito o que fazer servida de diálogos e cenas banais, resumindo-se a caras e bocas que vão se tornando repetitivas e cansativas no decorrer da projeção. Ewan McGregor, geralmente um ator competente, aparece sem jeito com seu personagem-vilão de uma nota só, que apenas funcionaria nas mãos de um ator realmente disposto a encarnar o espírito afeminado e insano de um Burguess Meredith em seus papéis canastrões, o que McGregor timidamente não atinge. O resto do elenco tem pouco tempo de mostrar a que veio, já que à sombra de Halerquina, se contentam com algumas explicações rápidas sobre suas motivações e não caminham para nenhuma direção muito interessante.
Falta, no final das contas, motivação e nuance à própria Harley Quinn - se em pequenas doses ela é divertida, ao protagonizar um longa fica claro que a personagem carece de lastro e caminhos para crescer. Quem sabe o filme funcionaria melhor se tivesse mergulhado de cabeça no humor negro e mostrasse mulheres impiedosamente cruéis e insanas como as protagonistas do filme cult "Bad" (1977) ou tivesse modulado Harley Quinn a partir de mais atributos dramáticos, isto é, como alguém que de fato sofresse as consequências de suas decisões imprudentes; acaba que a protagonista fica no meio do caminho - tola demais para ser levada a sério e não irreverente o suficiente para se tornar cativante pelo absurdo.
Depois de "Chamada de Emergência" e "O Sequestro", assumo que não me importaria se Halle Berry, de dois em dois anos, estrelasse um filme de ação no qual sua personagem precisa salvar uma criança, matar alguns bandidos e soltar frases de efeito do tipo "Eu disse para nunca mexer com meu filho!".
O filme é um exercício de gênero, isto é, ele não arvora ser nada além de um thriller envolvente e, dentro do que propõe, é praticamente impecável. Dois elementos do longa são admiráveis e o fazem se destacar entre centenas de outros filmes similares - um roteiro enxuto e dinâmico e uma atuação visceral e cativante de Halle Berry que absolutamente convence como uma mãe desesperada e obstinada em busca do filho sequestrado.
Passando por uma série de cenários diferentes, mas jamais perdendo o ritmo pulsante, o filme sabe como manter a atenção do espectador, seja a partir de "set pieces" tensos e bem bolados e da noção de que um filme desse tipo não necessita de muito melodrama ou de explicações excessivas sobre quem são os personagens ou porquê fazem o que fazem. No início do filme, uma exposição rápida contendo vídeos caseiros do filho da protagonista estabelece de maneira criativa e ligeira a ligação afetiva entre os dois e serve de mola propulsora para que depositemos nossa fé na determinação heroica exibida pela personagem em seguida. Os vilões surgem de supetão como seres grotescos, ameaçadores e críveis. O longa discorre, em sua maior parte, de maneira fluída, aflitiva e amarrada.
Filmes como "O Sequestro" não são mais tão comuns na conjuntura atual - a pretensão tomou conta do cinema de entretenimento que parece cada vez mais depender de franquias e filmes pseudo-intelectuais que metralham mensagens morais perfunctórias no espectador; portanto, é um grande alívio me deparar, de vez em quando, com um filme divertido e bem executado como este. P.S. - Halle Berry, te amo!
Não sou fã assíduo de Star Wars, mas gosto de assistir a mais um capitulo da saga sempre que este é lançado já que, esteticamente, os filmes são sempre ricos e criativos, ainda que a estória sempre me pareça simultaneamente simplista e complicada demais. Neste último episódio, a sensação é de que está sendo exibida na tela uma "coletânea melhores momentos" da saga, o que não é necessariamente ruim, mas também não compõe uma experiência cinematográfica primorosa.
Entre os pontos positivos do longa estão - como de costume - os excelentes sets, os criativos designs de criaturas e habitantes intergaláticos e, é claro, a majestosa e icônica trilha sonora de John Williams, que sempre que ressona traz viço ao drama, ainda que este seja, olhando mais objetivamente, um tanto perfunctório e repetitivo.
Contando com atores competentes e personagens já impregnados na memória do público, o filme consegue ser cativante em vários momentos, em especial quando foca no companheirismo e afeto entre seus personagens. Quando o assunto é o roteiro, o filme peca por um excesso de reviravoltas e uma mania um pouco irritante de resolver todo conflito com um diálogo interno meloso (representado às vezes por cenas em que um personagem conversa imaginariamente com outro morto, mas presente em espírito) ou cenas que implicam uma morte ou uma perda que imediatamente se reverte como que por mágica.
Ver Carrie Fisher novamente traz certo saudosismo, mas infelizmente aqui sua presença soa um tanto artificial, já que os diálogos e cenas contendo a personagem da atriz revelam claramente que foram manipuladas a partir de cenas descartadas dos outros filmes, conferindo a outrora vigorosa Princesa Leia um ar desconectado.
Ainda que seja um bom entretenimento (os efeitos especiais estão melhores que nunca e os personagens ainda possuem inegável apelo), "Star Wars: A Ascensão Skywalker" mostra que a força da saga se encontra em desgaste, seus temas se repetem em demasiado e as frases de efeito parecem já ter ecoado por milhões de galáxias de tantas vezes já ouvidas.
“Judy” contempla o período tardio da vida da icônica Judy Garland enquanto realizava seus últimos shows em uma turnê londrina no final da década de 60. É um filme melancólico e moroso, cuja única nota alegre seja talvez a constatação do grande talento e impacto da atriz e cantora na cultura popular.
O filme é ancorado por uma atuação magistral de Reneé Zellweger, que consegue conferir à personagem uma autenticidade emocional e ao mesmo tempo manejar os trejeitos e semblantes de Judy Garland sem deixar que estes, somados às próteses e maquiagens, a tornem caricata em vez de reconhecível e carismática. Os momentos musicais são encantadores (tanto no nível da produção quanto da emoção) e, apesar de possuir uma voz menos densa e melíflua que a de Judy Garland, Reneé Zellweger a coloca em serviço do drama da narrativa de maneira precisa e enlevante.
Ao optar por uma narrativa focada mais em momentos imbuídos de afeto do que em sequências de fatos, o longa consegue escapar do território pedante de tantas biografias televisivas que parecem querer mais relatar informações melodramaticamente do que entender e sensibilizar-se com uma personagem. “Judy” sabe que seu lastro é a performance de Zellweger coadunada ao legado de Judy Garland (este marcado pela sua tragédia pessoal) e coloca, portanto, suas emoções, ansiedades e desejos em primeiro plano, o que torna o filme sempre magnético e pulsante.
Muitas cenas funcionam tanto dramaticamente quanto simbolicamente. Em certo momento, Judy - numa brincadeira - se tranca em um armário com suas filhas e as abraça emocionada, como se houvesse conquistado, por um instante, a intimidade e o afeto que tanto ansiou por toda vida e nunca obteve. Em outra cena notável, Judy - após um show exaustivo - acaba inesperadamente no apartamento de um casal homossexual de fãs que lealmente a aguardavam na saída; eles a convidam para jantar e a homenageiam com seu amor incondicional, tratando-a ao mesmo tempo com comovente reverência e solidária identificação. É um acolhimento real e intimista que alude ao acolhimento simbólico entre Judy e seus público gay.
O melodrama em “Judy” às vezes se torna exacerbado (toda cena parece ter que apresentar obrigatoriamente algum elemento dramático) ; às vezes teria sido interessante mostrar a icônica cantora e atriz em momentos mais corriqueiros e frugais, o que até traria mais peso às sofridas cenas em que Judy sucumbe aos remédios e à solidão. Não obstante, o longa se conclui de maneira emocionante, afirmando e celebrando, com elegância, o talento atemporal e o aspecto enternecedor da tragédia de Judy Garland e, não menos, o triunfo de Reneé Zellweger ao revivificá-la.
“Bombshell” narra o desenrolar das denúncias de assédio sexual contra o magnata da FOX Roger Ailes e foca em três personagens principais – todas vítimas de assédio – que passam a se envolver na eclosão do “escândalo”.
O elemento mais impressionante no filme é inegavelmente a atuação de Charlize Theron como Megyn Kelly. Introjetando sua voz grave e ríspida, seu rosto tenso e emproado e sua personalidade concomitantemente afrontosa, vaidosa e insegura, a atriz impecavelmente desaparece e convence que de fato é a jornalista desde o momento em que sua voz surge narrando as cenas iniciais.
“Bombshell” aposta em um ritmo rápido; o roteiro verborrágico - mas dinâmico - vai direto ao assunto, zooms vão e voltam do rosto dos atores e a edição é altamente frenética (até em demasiado em certos instantes dramáticos, os prejudicando ao conferi-los um ar vápido e diminuindo seu impacto). A forma como o filme relaciona seus personagens de maneira inesperada, desenvolve as implicações das denúncias nos egos e nos esquemas de interesse, explicita os jogos de poder e escancara a podridão narcísica do ambiente tele-jornalístico é eficiente e bem construída.
Se há um aspecto que talvez diminua a força do longa é que ele procura, no final das contas, atribuir a cada personagem e a cada “setor” que apresenta um caráter puramente benigno ou maligno. Se Roger Ailes é retratado como o monstro que provavelmente é e isto funciona muito bem dentro do contexto do filme (a atuação de John Lithgow é excelente, aliás), as “vítimas” parecem não adquirir muita complexidade além daquela conferida pela atuação das atrizes e em nenhum momento parecem se implicar nas suas próprias escolhas e posturas. O personagem de Margot Robbie (a única puramente fictícia entre as protagonistas), em especial, é decepcionante, pois surge como um “pot-pourri” de personalidades estereotipadas; hora estabelecida como ingênua cômica, outras como interesseira sem escrúpulos e, de repente, como questionadora e sensível, a personagem serve ao roteiro o que ele demanda, mas jamais se configura como uma pessoa crível de carne e osso e dona da própria história.
Se o conflito interno da protagonista Megyn Kelly (ponto interessante e pouco explorado) é concluído de maneira simplista e ligeira, o filme apresenta o ambiente machista e tóxico do jornalismo elitista de maneira apropriadamente bruta, evidenciando o desconforto que o poder nas mãos de um crápula gera na vida daqueles que não querem se prejudicar financeira e profissionalmente, mas que também possuem responsabilidades éticas (ou pelo menos deveriam). Por outro lado, o filme peca ao se concluir de maneira demasiado didática ao empregar um monólogo que parece querer explicar o filme mais uma vez, como se o que foi mostrado dramaticamente até então fosse insuficiente.
“Bombshell” consegue ao mesmo tempo entreter e expor aquilo que propõe sob uma ótica simplista, mas eficiente. É, no entanto, um filme que compreensivelmente se encontra em um contexto delicado, visto que retrata pessoas públicas atualíssimas e em relevância na mídia; a sensação que tive é que os personagens “benévolos” são minimamente criticados, como se um grande cuidado para evitar ambiguidades, ofensas e possíveis polêmicas que fizessem desserviço a sua moral fosse prioridade para o diretor e a produção de maneira geral, o que é uma pena, pois os personagens de Nicole Kidman e, em especial, o de Charlize Theron (em sua posição oscilante e periclitante entre o caráter e a vaidade), imploravam por uma leitura mais profunda e inquietante.
“Green Book” é um filme ávido em agradar o espectador e que o faz com humor, personagens interessantes e carismáticos e uma narrativa batida (opostos que, no final das contas, se atraem e aprendem um com o outro), mas engenhosamente orquestrada e atraente.
Acompanhamos a estória de um italiano grosseiro e oportunista e um jovem músico negro, sensível e austero que, durante o começo da década de 60, iniciam um inesperado relacionamento profissional durante o qual suas personalidades vastamente diferentes colidem e, aos poucos, passam a se complementar graças ao afeto que ali se engendra.
“Green Book” é um filme que, se em momentos esbarra no sentimentalismo, o perdoamos de pronto, já que seus personagens e, principalmente seus atores, exibem um charme inegável. Virgo Mortensen, em excelente atuação, encarna um tipo canastrão e amoral, mas também afetivo e espontâneo, o imbuindo de trejeitos e de um carisma imprescindível para que a estória se torne crível em vez de formulaica. Mahershala Ali, vencedor do Oscar pelo papel, também brilha em uma atuação contida, de semblante rigoroso, que se revela progressivamente mais complexa no decorrer da projeção.
O grande acerto de “Green Book” é evitar uma rota maçante e didática ao abordar o racismo, já que recusa estereotipar seus personagens ou transformá-los em meros instrumentos de um posicionamento político, moldando sua relação de maneira orgânica e nuançada. Ambos se revelam, paulatinamente, sujeitos complexos, pertencentes a um certo tempo e atravessados por uma certa ideologia, mas também capazes de ultrapassá-la, portando suas peculiaridades, defeitos e qualidades e, no fim das contas, ilustrando a força do caráter e da amizade no enfrentamento das loucuras e injustiças do mundo.
“Ameaça Profunda” é um filme que quase satisfaz como entretenimento, mas que, no final das contas, acaba apresentando tantos pontos fortes quanto pontos fracos. Incorporando elementos de filmes similares (como “Leviathan” de 1989 e o recente “Meg”), o longa poucas vezes empolga como deveria ou mesmo se destaca no grande antro de filmes de criaturas assassinas.
À maneira de um vídeo game, o filme não enrola. Uma introdução consistindo em uma montagem de notícias e fotos a respeito da fossa marítima onde a ação do filme tomará lugar, confere uma atmosfera tensa já nos primeiros minutos e é uma questão de instantes para que os personagens principais se encontrem em perigo extremo.
O longa acerta no ritmo pulsante que estabelece na primeira parte da projeção (pecando mais tarde, quando insiste em focar no melodrama perfunctório e compromete a tensão elaborada até então). Os personagens são minimamente desenvolvidos, mas são – de maneira geral - bem atuados; Kristen Stewart e Jessica Henwick se destacam, conferindo a seus personagens vulnerabilidade e determinação - mais pelo semblante do que pelo pouco que o roteiro enxuto as oferece. T.J. Miller, por sua vez, surge como um alívio cômico irritante, irrompendo a tensão sempre que abre a boca, já que sua atitude irreverente e casual destoa do tom periclitante almejado pelo longa.
A falta de “background” dos personagens é quase uma benção em filmes desse tipo, isto, é claro, quando ele consegue nos engajar a partir de outros recursos. A direção de William Eubank é instável, providenciando algumas boas cenas tensas (estas pertencendo majoritariamente ao primeiro terço do filme) e outras ligeiramente confusas (de fotografia turva e mise-en-scène precário) e que nunca atingem muita adrenalina ou magnitude.
As criaturas do filme infelizmente tomam relativamente pouco tempo de projeção e, quando se revelam, são em geral interessantes, em particular o último antagonista de cunho “lovecraftiano”. Aliás, o design de produção em geral é bastante criativo e atraente, pena que os cortes frenéticos, a escuridão excessiva e uma conclusão rápida ao clímax nos prive de aproveitá-los ao máximo.
Talvez a grande falha de “Ameaça Profunda” seja não ir tão profundamente quanto deveria adentro de nenhum gênero cinematográfico. Não é encontrada aqui a destreza técnica e narrativa de Steven Spielberg ao engendrar um crescendo magnético em cum clássico do terror como “Tubarão”, o suspense nauseante e austero de "Alien" ou mesmo os excessos delirantes de pérolas "camp" como “Anaconda” e “O Ataque dos Vermes Malditos”.
A insossa e mais recente adaptação de “Adoráveis Mulheres” não traz nada de novo ou excepcional para justificar sua existência, tornando-se tolerável apenas graças às boas atuações do elenco.
Explorando o universo feminino de um grupo de irmãs que amadurecem juntas durante a Guerra Civil nos EUA, Greta Gerwig traz um feminismo demasiado didático à trama, que é explicado em diversas ocasiões pelas personagens a partir de frases clichês de efeito do tipo “Uma mulher deveria poder fazer o que quiser!”, mas que não é incorporado de maneira fluída ao roteiro, tornando-o perfunctório e amofinado.
As escolhas narrativas e estéticas da diretora não favorecem a estória - a cronologia é desnecessariamente desarranjada e a trilha sonora melosa peca por querer mostrar ao espectador exatamente o que ele deve sentir. É um filme que empalidece, por exemplo, quando comparado a uma obra de tema similar, mas muito mais densa e complexa como “Retrato de uma Jovem” de Jane Campion, a qual pode ser examinada sob a luz do feminismo, mas jamais cai no lugar comum e se beneficia da ambiguidade e poesia que o escritor Henry James (cuja obra serviu de base ao roteiro) confere a seus personagens e suas dinâmicas.
O vasto elenco incorpora atrizes estabelecidas e novos talentos. Destacam-se Saoirse Ronan, que mais uma vez prova ser uma atriz carismática e natural e Laura Dern, que brilha conferindo a uma personagem que facilmente poderia cair no melodrama vitimista, uma couraça de determinação e um semblante sensível, mas sofrido.
O grande problema de “Adoráveis Mulheres” é que o filme não almeja ser mais que “adorável”, criando uma América do século XIX asséptica, idealizada e artificial. O diálogo entre as irmãs me remeteu à falação desvairada de séries como “Gilmore Girls”, as tentativas de humor são óbvias e simplórias e a forma como os personagens não vão muito além de uma ou duas características (uma das irmãs é invejosa, mas no fundo é boa, a outra gosta de piano e não cria problemas, a outra é vaidosa e quer se casar...) torna o filme rapidamente redundante e monótono.
“Adoráveis Mulheres” parece iludir a si mesmo quanto a noção de que está retratando mulheres complexas, dispares e atemporais, como que alheio à própria exiguidade, acomodando-se em se resumir a uma série de conflitos juvenis, pueris e desinteressantes, transformando até mesmo o título original, “Pequenas Mulheres”, em uma irônica constatação.
Perdidos na Noite” se encontra no pináculo da contra-cultura sessentista e é, paradoxalmente, um filme de excessos e nuances, de profunda sensibilidade e de ostensivo exagero.
Acompanhamos as desventuras de Joe Buck (interpretado por John Voight), um jovem do interior que se auto-intitula um “cowboy” e, cansado de sua rotina mambembe, decide ir a Nova Iorque para se tornar um garoto de programa de sucesso, acreditando que a vida lá será fácil e promissora. Ao chegar à cidade, as coisas se desenrolam como uma espécie de “Alice no País das Maravilhas” para maiores - o protagonista se depara com um mundo quase surreal, onde figuras bisonhas cruzam seu caminho e o levam a direções inesperadas e desorientadoras.
A Nova Iorque aqui retratada chocou audiências em 1969. Longe da cidade romântica e refinada de “Bonequinha de Luxo” de 1961, por exemplo, aqui o que prevalece é o entretenimento mentecapto (programas de TV exibem cachorros com roupa de gente e maquiagem), a sexualidade agressiva e egoísta, o fanatismo religioso, a repressão da homossexualidade e a decadência física e moral – salve-se quem puder!
Joe vai rumo à cidade enlevado pela frase que escutava da avó em sua infância: "Você é o 'cowboy' mais bonito de todos!". De supetão, ele é enganado, ridicularizado e rejeitado e, sem saber seu lugar no novo mundo acelerado e caótico em que se encontra e com seu ideal de eu ameaçado, ele parece se agarrar afoito aos símbolos que conhece e que minimamente o situam e o impedem de desparecer meio ao rebanho urbano - suas roupas de "cowboy" e seu radinho de pilha, seu únicos companheiros e referências.
O ponto nevrálgico do filme reside na relação que o cowboy desenvolve com o pilantra Rizzo, interpretado por Dustin Hoffman - um sujeito manco que constantemente passa a perna nos outros (!). A inesperada amizade nos toca, pois se a principio ambos personagens pensam apenas no que podem usufruir de seu encontro, eles paulatinamente começam a enxergar um no outro o próprio desamparo e encontram, a partir daí, algum conforto.
Inicialmente, Rizzo nos é apresentado como nada além de um canalha esperto, mais tarde, no entanto, começamos a entender que ele não é menos ingênuo que o próprio Joe e que seu sonho de ir a Florida e de se tornar rico e poderoso é de uma inocência devastadora. Aliás, ambos os personagens traçam um paralelo com a Macabéa de Clarice Lispector - assim como ela, Joe e Rizzo são duas “inocências pisadas” (como diz Clarice) pelo Outro, dois sujeitos com vidas marginais tão pouco conscientes de si que são quase como crianças perdidas em Manhattan.
É interessante que, apesar de nada pudicos (um é prostituto e o outro um pilantra), os personagens se tornam, contrastados pelo mundo selvagem que perambulam, dois “bobos”; engolidos pelo discurso capitalista, eles creem sem ressalvas nos anúncios publicitários que vendem incessantemente o grande prazer, o mundo sem faltas e sem desencontros, ainda que, em sua jornada, se deparem amiúde com o desengano e com a frustração.
John Schlesinger dirige o longa com uma impressionante atenção aos detalhes. Nenhum canto ou rosto é deixado inexplorado. A cidade e os personagens são feios (até grotescos), mas fascinantes e cheios de personalidade. O elenco é impecável - Jonh Voight e Dustin Hoffman encontram o tom exato para encarnar os anti-heróis e são inesquecíveis. Os atores coadjuvantes são igualmente fantásticos, destaque para a hilária Sylvia Miles (indicada ao Oscar por uma cena de 6 minutos) como a prostituta histriônica da alta sociedade, os “Warhol Superstars” em diversas pequenas aparições e Brenda Vaccaro em uma charmosa atuação como uma cliente de Joe que se manifesta surpreendentemente afetiva, ainda que irônica e desapegada.
“Perdidos na Noite” ainda encontra um recurso interessante para abordar o passado e o inconsciente de Joe, inserindo em determinados pontos do filme "flashbacks" atordoantes em forma de sonhos e delírios, revelando cenas do passado do personagem (como a relação próxima e quase incestuosa com a avó, sua passional namorada de adolescência e até um estupro coletivo), mas jamais deixando claro até onde as cenas são fatos e até onde são oriundos da imaginação do protagonista e seus sentimentos recalcados de culpa e desejo. É interessante também como o filme brinca com as oscilações de significado da linguagem: em determinado momento destes "flashbacks" a frase incessantemente proferida pela antiga namorada de Joe ("Você é o único!") assume, de repente, um valor diferente, passando de confissão apaixonada para acusação odiosa.
Vencendor do Oscar de melhor filme e inicialmente classificado como pornográfico (apesar de não conter nada muito explícito, ousadamente abordou temas como homossexualidade e prostituição masculina), “Perdidos na Noite” é uma obra-prima da nova Hollywood, uma fascinante cápsula do tempo e um poderoso drama sobre dois personagens que, em maior ou menor grau, conversam com o alienado e o rejeitado em todos nós
Em “A Despedida”, uma família chinesa se depara com a difícil notícia de que a avó (a grande figura matriarcal) sofre de um câncer terminal. A família decide não contar a ela o prognóstico e todos os membros (incluindo os que vivem no exterior) vão visitá-la na China com a desculpa de que a reunião inesperada é devido a um casamento entre dois membros da família.
O que torna “A Despedida” interessante é que a mola-mestre do longa não está na moralidade da mentira sustentada pela família ou no mero recurso narrativo “a mentira irá ou não ser revelada até o final da projeção?”, mas na angustia e na tensão que a situação impõe à família e como ela afeta cada um de seus membros de maneira singular, resvalando-se para além da saúde da avó e despertando outras questões intimas do universo familiar.
O filme imerge o espectador no cotidiano da família chinesa e nos eventos corriqueiros que precedem o falso casamento. A partir de diálogos simples e convincentes, os personagens se revelam pessoas complexas, sofridas, mas também alegres e afetivas, conferindo ao universo do longa uma credibilidade admirável, pois se recusa a fixar-se em um tom moroso ou unidimensional, pautando-se na complexidade da própria vida, que em situações graves, abarca (às vezes abruptamente e simultaneamente) humor e dor.
As atuações de todo o elenco são muito naturais e convincentes. Zhao Shuzhen, como a avó, é engraçada e cativante em sua inocente impavidez e Akwafina brilha em um performance carismática e perfeitamente contida, transmitindo habilmente através do semblante consternado a tensão vivida pela personagem, que questiona a mentira elaborada pela família, mas também não está certa de que trazer à tona a verdade para a avó seja o melhor caminho.
A direção de Lulu Wang (que baseou o filme na própria relação com a avó) consegue ser discreta quando necessário - as conversas íntimas entre a família, sejam elas sobre política, identidade ou sobre seus afetos, rancores e entraves, são observadas pela diretora sem julgamento, de maneira quase documental. Em outros instantes, Wang cria cenas intensas utilizando-se de uma trilha sonora simultaneamente pungente e etérea (mas não sentimental), que parece sintonizar-se com o mundo interno dos personagens em momentos críticos, ilustrando a angustia inefável frente à morte iminente.
“A Despedida” recorta um universo particular, mas atinge um efeito universal, debruçando-se sobre os afetos que circulam o núcleo familiar de maneira sensível, profunda e surpreendentemente leve e simples.
“O Farol” é um filme bem sucedido esteticamente. A fotografia em preto e branco é detalhada e de fortes contrastes, os enquadramentos são meticulosos e frequentemente se assemelham a belas pinturas soturnas. A dimensão de tela em formato 4:3 realça a dimensão claustrofóbica do longa, como também o fazem os cenários rugosos e limitados à fastidiosa ilha de pedras e ao interior encardido do farol. Sons metálicos lancinantes, os uivos graves do farol e distorções de áudio compõe primorosamente a atmosfera lúgubre e ameaçadora.
Apesar de tantos elementos que funcionam, “O Farol” parece se perder, no entanto, em sua narrativa e intenção. Situando-se em algum lugar entre os trabalhos de terror psicológico de Roman Polanski e o surrealismo de Alejandro Jodorowsky, o diretor Robert Eggers se recusa a mergulhar de cabeça em qualquer um dos territórios. O longa parece, em certos momentos, estar construindo sua narrativa em torno da relação potencialmente perigosa entre dois personagens perturbados, mas em vez de gradualmente aumentar a tensão psicológica entre eles, o filme insere momentos abstratos e surrealistas cedo demais na trama e de maneira desassisada, o que rompe a tensão proposta e acaba diminuindo o potencial dramático do filme.
Em filmes como "O Bebê de Rosemary" e "O Inquilino", por exemplo, Roman Polanski paulatinamente agravava a tensão e os perigos rondando os personagens principais, driblando o espetáculo gratuito e fusionando engenhosamente psicológico e real, ordinário e surreal. Robert Eggers, infelizmente, não constrói o ritmo mais adequado a sua produção, oscilando entre cenas eficazes e impressionantes e outras que parecem simplesmente apostar em seu poder estético, mas que falham em conversar com a narrativa e em conferir mais intensidade ao desenvolvimento dos protagonistas.
Willem Dafoe, como de costume, brilha em uma performance idiossincrática, perturbadora e hilária, contrastando-se com a natureza mais contida do personagem de Robert Pattinson.
Os elementos do mundo de “O Farol” são fascinantes (entre eles sereias, tritões, gaivotas sinistras e marinheiros à beira da insanidade), mas careciam de um olhar mais focado e profundo (a simbologia do filme, apesar de agressiva, soa um tanto superficial) e de um roteiro tão coerente e magnético quanto sua estética.
"Coringa" é um sopro de ar fresco no saturado mercado de filmes de quadrinhos previsíveis e repetitivos. É um filme-evento que mescla a estética "art-house" com o cinema estilizado de ação americano e oferece uma estudo de personagem carregado de afetos que nos atordoa e nos envolve do começo ao fim.
Contando com uma atuação impressionante e visceral de Joaquin Phoenix, o longa erige um personagem psicótico que nos assusta em via dupla, pois se torna, ao longo da projeção, concomitantemente digno de empatia como também avassaladoramente violento, alienado e desestabilizado.
Estabelecendo Gotham City como uma versão mais escancarada do mundo atual (com foco especial na mídia sensacionalista e perversa e na politicagem desumana), o filme adquire uma pungência que posiciona o personagem Coringa como um inocente massacrado por um mundo injusto e atua, portanto, como uma catarse para o espectador, que vê na loucura e nas passagens ao ato do personagem título uma resposta coerente e paroxística à loucura da sociedade. Só não é louco quem é louco.
O longa peca em determinados instantes por não confiar na inteligência do espectador e se explicar demais (em determinada cena o filme se utiliza de um flashback para nos certificar de que certo acontecimento foi imaginado e não real, apesar de já estar claro pela cena que o antecede). Qualquer outro personagem além de O Coringa não tem muita oportunidade de se densificar ou surgir como algo além de mero instrumento do roteiro, no entanto, isto não chega a ser um problema visto que o foco do longa é no deterioramento mental do personagem central e este acaba por eclipsar outras subjetividades.
Muita polêmica surgiu no que se diz respeito às intenções políticas e existenciais do filme, no entanto, confesso que não percebi em "Coringa" essa pretensão, o vi mais como entretenimento catártico e estudo de um desencadeamento psicótico do que como reflexão densa ou mensagem perniciosa concernindo estes dois primeiros tópicos.
Em uma era cinematográfica em que a ironia e o cinismo se apoderaram das produções hollywoodianas (em especial do cinema de terror), é refrescante se deparar com um filme envolvendo crocodilos assassinos que se leva completamente a sério e cumpre de maneira eficaz sua proposta - de criar tensão e entreter por uma hora e meia.
Ancorado por uma atuação extremamente convincente de Kaya Scodelario, "Predadores Assassinos" é um filme que não enrola e estabelece desde os minutos iniciais uma atmosfera ameaçadora. O diretor se mostra hábil em sua mise-en-scène clara e cuidadosa, criando cenas divertidas, tensas e extremamente violentas.
Os efeitos especiais são bons (com exceção da primeira aparição de um dos jacarés, que por algum motivo aparenta mais "fake" do que os restantes) e o filme persistentemente cria novas situações absurdas e criativas de perigo para os personagens. O longa não é isento de clichês (em especial em seus diálogos) e de momentos completamente inverossímeis (os personagens possuem uma resistência quase hercúlea), mas é um entretenimento superior no vasto antro de filmes do gênero "animais assassinos".
O novo filme da saga "Brinquedo Assassino" atualiza o conceito dos filmes anteriores e contempla a paranoia contemporânea concernindo até onde a internet e os acessórios tecnológicos deixam de ser entretenimento e facilitadores e passam de fato a controlar nossas vidas de maneiras sinistras.
O longa é previsível e abobalhado e em nenhum momento o "brinquedo assassino" é crível em suas atitudes e reações, no entanto, fica claro desde os momentos iniciais (até pela forma como o boneco maligno surge) que o filme não se leva a sério e que seu único propósito é entreter e nisto ele é suficientemente hábil.
Graças a personagens simpáticos e um roteiro ágil, o filme consegue criar alguns momentos divertidos que aludem à estética dos filmes "trash" dos anos 80 e 90, contando com alguns bons efeitos especiais práticos e cenas elaboradas e grotescas de assassinato.
Uma jornada fascinante sobre uma família pobre e esperta, que paulatinamente se insere como empregados na casa de uma família da alta sociedade sem que estes desconfiem que eles são da mesma família ou mesmo possuem qualificações profissionais adequadas.
Joon Ho Bong formulou um filme-montanha-russa que, no decorrer de suas duas horas de projeção, passa por mudanças tonais que vão do hilário humor negro ao terror visceral e que se conclui de maneira profundamente tocante.
Através de situações absurdas e criativas o longa explora a tensão entre classes e aposta em metáforas poderosas para ilustrá-la como, por exemplo, o fato dos personagens de classe baixa ocuparem de uma forma ou outra ambientes debaixo do solo, como vermes.
Revelam-se, em um crescendo, a angústia e o sofrimento dos desfavorecidos economicamente frente às sutis humilhações cotidianas e àquilo que lhes é “proibido” - o desfruto de uma vida melhor, o prazer e o reconhecimento.
É um filme provocador e político que se recusa a pregar uma mensagem incauta ou apresentar personagens esquemáticos, mas em vez disso, tira do porão o mal estar da sociedade e o escancara à luz do dia, de maneira tragicômica e estarrecedora.
Uma sátira frenética da cultura Mod londrina dos anos 60. Apesar de duas atrizes carismáticas como protagonistas e uma cornucópia kitsch fascinante, o filme exagera no humor estulto que mais falha do que acerta e que, depois de algum tempo, se torna enervante.
Contemplativo e moroso, o filme aborda sua trama sucinta de maneira filosófica e explora primorosamente o cenário pastoril japonês. Os atores são convincentes, se provando capazes de transmitir emoção sem sucumbirem ao melodrama; a personagem idosa, em especial, é carismática e memorável.
Algumas das reflexões feitas durante o filme são bonitas, outras achei demasiado inocentes. Personagens esbarram em pontos tocantes, mas estes não são aprofundados, ficam apenas como paisagem.
Gostei mais do filme quando ele foca nas sutilezas do cotidiano dos personagens, nas suas interações singelas um com o outro e com a natureza - alguns personagens parecem, inclusive, não serem atores, mas moradores reais da vila. Em alguns momentos, em particular no terceiro ato, situações dramáticas calculadas se tornam o foco da narrativa do longa e este se torna mais genérico e menos cativante.
Hilário Blaxploitation que mistura vingança e zumbis e conta com personagens caricatos e divertidos (em especial a bruxa Mama Maitresse e o espírito das trevas Barão Zamedi). A expressiva protagonista, a atriz Marki Bey, involuntariamente provoca risadas pela afetação desvairada (principalmente quando confronta Celeste, sua rival ainda mais canastrona). É um filme de uma nota só e em alguns momentos até amador, mas diverte pela bizarria descarada.
Geraldine Chaplin impressiona com uma atuação sinistra neste "thriller" excêntrico, encarnando uma mulher misteriosa e anômala que começa a aterrorizar um casal em uma cidadezinha do interior.
É um filme lento e de pequenas ações e que, no final, frustra com seu desfecho apressado e anti-climático. Senti falta de um terceiro ato capaz de dar vazão a tensão criada até então. O que segurou meu interesse e deixou uma impressão é de fato a performance quietamente pujante e incômoda de Chaplin - seu olhar fixo e ausente, a estranha mania da personagem de ensaiar aquilo que vai falar, suas explosões rápidas de violência e a impressão constante de que algo perigoso se esconde sob o verniz de sua inexpressividade tensa.
É de certa forma um predecessor pretensiosamente artístico e mais letárgico de "Atração Fatal". O filme até instaura de maneira eficaz uma atmosfera de morbidez condizente com a ruína subjetiva da protagonista, mas a direção e o roteiro não se mostram, no final da contas, tão inspirados como a performance de Chaplin.
"Anatomie de l'enfer" é um filme interessante e ousado que aborda - de maneira subversiva - a relação sexual entre duas pessoas: uma mulher e um homem que se conhecem inusitadamente em uma boate gay. Se no começo do longa a protagonista aparece frágil e suscetível ao abuso, chegando ao ponto de se mutilar no banheiro da boate e em seguida pagar o homem desconhecido para assisti-la nua, mais tarde, ao contrário de nossas expectativas, é o personagem masculino que é abusado.
Inicialmente, o homem parece estar no controle da situação, se preparando para um encontro sexual no qual ele supostamente subjugaria a mulher. Para sua surpresa, ela começa a articular a própria vulnerabilidade como arma para constranger e fascinar, levando o parceiro a um encontro perigoso e inédito com sua própria sexualidade, algo que o angustia e desmorona suas convicções (até em relação à própria preferência sexual).
À maneira do filme "Teorema" de Pasolini, Breillat brinca de maneira sombria e ousada com os caminhos tortuosos da sexualidade e com o inefável do sexo, que concomitantemente fascina e angustia homens e mulheres.
Uma experiência estética alucinante e estarrecedora. Gaspar Noé nos transporta, corpo e alma, para dentro do universo do filme. A música pulsante, a câmera sinuosa, os impressionantes e longos planos-sequência são alguns dos eficazes recursos que o diretor emprega para atordoar e envolver o espectador.
O filme é dividido em dois atos. No primeiro, os dançarinos ensaiam e os personagens são apresentados através de diálogos banais; as pessoas parecem reais e isso acentua a atmosfera de veracidade. No segundo ato, após os personagens descobrirem que alguém os drogou, o filme descarrilha em uma experiência bem descrita pelo próprio diretor como um "trem fantasma". O filme "Posessão", estrelando Isabelle Adjani em uma icônica cena envolvendo um surto no metrô, é homenageado em diversas sequências. A violência pungente e em tempo real, marca registrada do diretor (influenciado pelo filme austríaco "Angst"), se faz presente em alguns momentos bastante aflitivos. Aliás, é interessante observar que no prólogo do longa, podemos observar alguns VHS em uma prateleira - todos filmes que moldaram o estilo do diretor e entre eles se encontram estes mencionados.
Devo confessar que senti que o filme termina cedo demais, bem quando parece que as coisas chegarão em um ponto insuportável e kafkiano. Não obstante, "Climax" é uma experiência única, memorável e sem compromisso moral - não sei se saí com horror ou fascínio às drogas.
Sabiamente evitando um rumo moralista e óbvio, "The Wife" é o retrato da vida de um casal que paulatinamente revela suas fissuras. A relação entre os cônjuges se torna interessante, pois apesar do segredo que a assombra, fica evidente a atração sintomática cultivada entre os dois (ele se esconde atrás dela, mas ela se esconde atrás dele). Cúmplices de um amor que bem lhes serviu por muitos anos, algo vacila com o anúncio da premiação do marido; como a própria protagonista diz em certo momento, não há vítimas, mas questões mal-ditas ou emudecidas que irrompem e obrigam o casal a reavaliar quem são e como se relacionam.
A ferida escancarada fragiliza ambos os protagonistas e tal fragilidade é ampliada por se tratar de duas pessoas idosas, se deparando com a própria mortalidade. As excelentes performances de Glenn Close e Jonathan Pryce tornam os personagens indivíduos palpáveis, angustiados e tridimensionais.
As cenas em flashback não são tão eficazes quanto as que se passam no presente do filme - tanto os atores quanto o roteiro parecem mais rudimentares e elas se mostram, no final das contas, desnecessárias; é muito mais interessante e autêntico, por exemplo, quando os personagens mais velhos falam sobre o ocorrido no passado e o que aquilo significou para eles.
Fico perplexo com a mídia e críticos igualando a performance de Lady Gaga em "A Star is Born" com a de Glenn Close neste filme. A última exibe uma expressividade e uma densidade muito superior e certamente merece todos os prêmios de melhor atriz que vem recebendo.
"Communion" é fascinante em muitos aspectos. A trama - envolvendo assassinatos em uma comunidade religiosa dos subúrbios - é imprevisível e envolvente; revelações são feitas em momentos inesperados e, apesar dos muitos personagens, o filme jamais perde o foco ou a força, culminando em uma série de momentos divertidos, surpreendentes e grotescos.
A mise-en-scène meticulosa, as atuações afetadas e as maquiagens exageradas remetem a filmes de Fellini como "Amarcord" e "Julieta dos Espíritos", ao passo que os elementos de horror me lembraram os "giallos" e em particular o filme americano de terror "Don't Look Now" (principalmente por conta do casaquinho de chuva amarelo trajado pelo personagem antagonista).
Os enquadramentos distorcidos, as cores saturadas e o uso frequente de plongées e contra plongeés conferem ao filme uma estética doentia, o que é enfatizado pela trupe de personagens bisonhos que vão de um viscoso vizinho morbidamente obeso à sinistra garotinha Alice, cuja voz é estranhamente mais madura que sua aparência. A maior parte do elenco, aliás, exibe uma postura grotesca que alude ao cinema de John Waters, como o faz também a constante histeria.
"Comunnion" é um filme memorável, carregado de personalidade e que consegue criar tensão e divertir em doses cavalares - um clássico do terror que deveria ser mais lembrado e reverenciado.
A Árvore da Maldição
2.9 158Se "Evil Dead" (1981) e "The Gardener" (1973) tivessem tido um filho, "The Guardian" certamente seria o resultado. Árvores demoníacas, serras elétricas, rostos lambuzados de sangue e uma empregada atraente e competente demais para ser verdade compõe seu universo à luz dos filmes citados.
É o primeiro longa de terror com T maiúsculo dirigido por William Friedkin desde sua obra-prima "The Exorcist" de 1973 (ainda que o diretor sempre flerte com o gênero em praticamente todos os seus trabalhos). Se compararmos esta obra com "O Exorcista", podemos facilmente infamá-la, visto que é um filme infinitamente menos denso e de nuances psicológicas muito mais prosaicas, no entanto, apesar do roteiro formulaico, a obra conta com a direção sempre impressionante de Friedkin, com seu jogo de câmera astuto e envolvente, capaz de transformar cenas potencialmente banais em bons exercícios de tensão e horror.
Desde seus minutos iniciais até o clímax "Grand-Guignol", o filme deixa sempre claro o que está em jogo - a segurança do bebê, a angústia dos pais e as intenções maléficas da babá mística assassina. Não há curvas nem surpresas e o roteiro não é particularmente criativo, no entanto, Friedkin dá vida ao filme graças ao seu talento estético, ainda que os momentos mais marcantes aludam mais a Sam Reimi do que ao próprio diretor. Cenas envolvendo um ataque de lobos a um carro e outra que intercala dois momentos tensos envolvendo os pais do bebê, um ocorrendo na floresta e outro na casa, são bem construídos e meticulosamente editados.
O longa esbarra no "camp" de tempo em tempo, inserindo vários elementos de thrillers eróticos populares na época e parece temer tornar a antagonista grotesca demais; talvez com medo de destituí-la do apelo sexual. Este aspectos acabam comprometendo o aspecto aterrorizante do filme, mas não impedem que este seja uma experiência divertida e um filme de gênero digno de ser redescoberto.
Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa
3.4 1,4KEm "Esquadrão Suicida", a personagem Alerquina era o ponto brilhante em um filme tedioso e excessivo, graças a sua irreverência debochada vivificada pela atuação carismática de Margot Robbie.
Em seu longa solo, é decepcionante constatar que o charme da personagem se perdeu. "Aves de Rapina" opta por um tom de deboche que em vez de seduzir e entreter como fazia a personagem em "Esquadrão Suicida", afunda o filme em uma interminável e enfadonha auto-referência. A personagem é consciente demais de si, assim como seu filme. A constante quebra da quarta parede e as narrações da protagonista explicando a trama se mostram um recurso aborrecido e desnecessário, assim como a fragmentação da ordem cronológica do filme. Uma narrativa simples e linear, mas com cenas mais cuidadosamente construídas, certamente tornaria o filme mais envolvente.
Arlequina é uma personagem irreverente e infantilóide com tons sombrios de abuso e loucura, mas "Aves de Rapina" parece não saber como explorá-la de maneira criativa ou dimensional, resumindo sua conduta a constantes verborragias pueris e intermináveis risadinhas insossas; além disso, o longa falha em construir qualquer tipo de tensão, inserindo cenas sem qualquer propósito senão o apelo cosmético - a cena que parodia "Diamonds Are a Girl's Best Friend" vem à mente.
O grande problema de "Aves de Rapina" está no roteiro mambembe. O projeto não decide se quer ser um filme violento de humor negro (como sugerem as cenas de luta sádicas e bem coreografadas) ou um cartoon frívolo para crianças de 5 anos. Os diálogos são extremamente inanes e caricatos (ao ponto que senti pena dos atores tentando se virar com material tão raso) e a forma como o filme converge a narrativa dos muitos personagens é artificial e apressada (assim como a tentativa do filme de politizar as motivações das protagonistas por um viés feminista).
Margot Robbie, apesar de ter brilhado em filmes como "Era Uma Vez em Hollywood" e mesmo "Esquadrão Suicida", aqui não tem muito o que fazer servida de diálogos e cenas banais, resumindo-se a caras e bocas que vão se tornando repetitivas e cansativas no decorrer da projeção. Ewan McGregor, geralmente um ator competente, aparece sem jeito com seu personagem-vilão de uma nota só, que apenas funcionaria nas mãos de um ator realmente disposto a encarnar o espírito afeminado e insano de um Burguess Meredith em seus papéis canastrões, o que McGregor timidamente não atinge. O resto do elenco tem pouco tempo de mostrar a que veio, já que à sombra de Halerquina, se contentam com algumas explicações rápidas sobre suas motivações e não caminham para nenhuma direção muito interessante.
Falta, no final das contas, motivação e nuance à própria Harley Quinn - se em pequenas doses ela é divertida, ao protagonizar um longa fica claro que a personagem carece de lastro e caminhos para crescer. Quem sabe o filme funcionaria melhor se tivesse mergulhado de cabeça no humor negro e mostrasse mulheres impiedosamente cruéis e insanas como as protagonistas do filme cult "Bad" (1977) ou tivesse modulado Harley Quinn a partir de mais atributos dramáticos, isto é, como alguém que de fato sofresse as consequências de suas decisões imprudentes; acaba que a protagonista fica no meio do caminho - tola demais para ser levada a sério e não irreverente o suficiente para se tornar cativante pelo absurdo.
O Sequestro
3.2 295 Assista AgoraDepois de "Chamada de Emergência" e "O Sequestro", assumo que não me importaria se Halle Berry, de dois em dois anos, estrelasse um filme de ação no qual sua personagem precisa salvar uma criança, matar alguns bandidos e soltar frases de efeito do tipo "Eu disse para nunca mexer com meu filho!".
O filme é um exercício de gênero, isto é, ele não arvora ser nada além de um thriller envolvente e, dentro do que propõe, é praticamente impecável. Dois elementos do longa são admiráveis e o fazem se destacar entre centenas de outros filmes similares - um roteiro enxuto e dinâmico e uma atuação visceral e cativante de Halle Berry que absolutamente convence como uma mãe desesperada e obstinada em busca do filho sequestrado.
Passando por uma série de cenários diferentes, mas jamais perdendo o ritmo pulsante, o filme sabe como manter a atenção do espectador, seja a partir de "set pieces" tensos e bem bolados e da noção de que um filme desse tipo não necessita de muito melodrama ou de explicações excessivas sobre quem são os personagens ou porquê fazem o que fazem. No início do filme, uma exposição rápida contendo vídeos caseiros do filho da protagonista estabelece de maneira criativa e ligeira a ligação afetiva entre os dois e serve de mola propulsora para que depositemos nossa fé na determinação heroica exibida pela personagem em seguida. Os vilões surgem de supetão como seres grotescos, ameaçadores e críveis. O longa discorre, em sua maior parte, de maneira fluída, aflitiva e amarrada.
Filmes como "O Sequestro" não são mais tão comuns na conjuntura atual - a pretensão tomou conta do cinema de entretenimento que parece cada vez mais depender de franquias e filmes pseudo-intelectuais que metralham mensagens morais perfunctórias no espectador; portanto, é um grande alívio me deparar, de vez em quando, com um filme divertido e bem executado como este. P.S. - Halle Berry, te amo!
Star Wars, Episódio IX: A Ascensão Skywalker
3.2 1,3K Assista AgoraNão sou fã assíduo de Star Wars, mas gosto de assistir a mais um capitulo da saga sempre que este é lançado já que, esteticamente, os filmes são sempre ricos e criativos, ainda que a estória sempre me pareça simultaneamente simplista e complicada demais. Neste último episódio, a sensação é de que está sendo exibida na tela uma "coletânea melhores momentos" da saga, o que não é necessariamente ruim, mas também não compõe uma experiência cinematográfica primorosa.
Entre os pontos positivos do longa estão - como de costume - os excelentes sets, os criativos designs de criaturas e habitantes intergaláticos e, é claro, a majestosa e icônica trilha sonora de John Williams, que sempre que ressona traz viço ao drama, ainda que este seja, olhando mais objetivamente, um tanto perfunctório e repetitivo.
Contando com atores competentes e personagens já impregnados na memória do público, o filme consegue ser cativante em vários momentos, em especial quando foca no companheirismo e afeto entre seus personagens. Quando o assunto é o roteiro, o filme peca por um excesso de reviravoltas e uma mania um pouco irritante de resolver todo conflito com um diálogo interno meloso (representado às vezes por cenas em que um personagem conversa imaginariamente com outro morto, mas presente em espírito) ou cenas que implicam uma morte ou uma perda que imediatamente se reverte como que por mágica.
Ver Carrie Fisher novamente traz certo saudosismo, mas infelizmente aqui sua presença soa um tanto artificial, já que os diálogos e cenas contendo a personagem da atriz revelam claramente que foram manipuladas a partir de cenas descartadas dos outros filmes, conferindo a outrora vigorosa Princesa Leia um ar desconectado.
Ainda que seja um bom entretenimento (os efeitos especiais estão melhores que nunca e os personagens ainda possuem inegável apelo), "Star Wars: A Ascensão Skywalker" mostra que a força da saga se encontra em desgaste, seus temas se repetem em demasiado e as frases de efeito parecem já ter ecoado por milhões de galáxias de tantas vezes já ouvidas.
Judy: Muito Além do Arco-Íris
3.4 356“Judy” contempla o período tardio da vida da icônica Judy Garland enquanto realizava seus últimos shows em uma turnê londrina no final da década de 60. É um filme melancólico e moroso, cuja única nota alegre seja talvez a constatação do grande talento e impacto da atriz e cantora na cultura popular.
O filme é ancorado por uma atuação magistral de Reneé Zellweger, que consegue conferir à personagem uma autenticidade emocional e ao mesmo tempo manejar os trejeitos e semblantes de Judy Garland sem deixar que estes, somados às próteses e maquiagens, a tornem caricata em vez de reconhecível e carismática. Os momentos musicais são encantadores (tanto no nível da produção quanto da emoção) e, apesar de possuir uma voz menos densa e melíflua que a de Judy Garland, Reneé Zellweger a coloca em serviço do drama da narrativa de maneira precisa e enlevante.
Ao optar por uma narrativa focada mais em momentos imbuídos de afeto do que em sequências de fatos, o longa consegue escapar do território pedante de tantas biografias televisivas que parecem querer mais relatar informações melodramaticamente do que entender e sensibilizar-se com uma personagem. “Judy” sabe que seu lastro é a performance de Zellweger coadunada ao legado de Judy Garland (este marcado pela sua tragédia pessoal) e coloca, portanto, suas emoções, ansiedades e desejos em primeiro plano, o que torna o filme sempre magnético e pulsante.
Muitas cenas funcionam tanto dramaticamente quanto simbolicamente. Em certo momento, Judy - numa brincadeira - se tranca em um armário com suas filhas e as abraça emocionada, como se houvesse conquistado, por um instante, a intimidade e o afeto que tanto ansiou por toda vida e nunca obteve. Em outra cena notável, Judy - após um show exaustivo - acaba inesperadamente no apartamento de um casal homossexual de fãs que lealmente a aguardavam na saída; eles a convidam para jantar e a homenageiam com seu amor incondicional, tratando-a ao mesmo tempo com comovente reverência e solidária identificação. É um acolhimento real e intimista que alude ao acolhimento simbólico entre Judy e seus público gay.
O melodrama em “Judy” às vezes se torna exacerbado (toda cena parece ter que apresentar obrigatoriamente algum elemento dramático) ; às vezes teria sido interessante mostrar a icônica cantora e atriz em momentos mais corriqueiros e frugais, o que até traria mais peso às sofridas cenas em que Judy sucumbe aos remédios e à solidão. Não obstante, o longa se conclui de maneira emocionante, afirmando e celebrando, com elegância, o talento atemporal e o aspecto enternecedor da tragédia de Judy Garland e, não menos, o triunfo de Reneé Zellweger ao revivificá-la.
O Escândalo
3.6 459 Assista Agora“Bombshell” narra o desenrolar das denúncias de assédio sexual contra o magnata da FOX Roger Ailes e foca em três personagens principais – todas vítimas de assédio – que passam a se envolver na eclosão do “escândalo”.
O elemento mais impressionante no filme é inegavelmente a atuação de Charlize Theron como Megyn Kelly. Introjetando sua voz grave e ríspida, seu rosto tenso e emproado e sua personalidade concomitantemente afrontosa, vaidosa e insegura, a atriz impecavelmente desaparece e convence que de fato é a jornalista desde o momento em que sua voz surge narrando as cenas iniciais.
“Bombshell” aposta em um ritmo rápido; o roteiro verborrágico - mas dinâmico - vai direto ao assunto, zooms vão e voltam do rosto dos atores e a edição é altamente frenética (até em demasiado em certos instantes dramáticos, os prejudicando ao conferi-los um ar vápido e diminuindo seu impacto). A forma como o filme relaciona seus personagens de maneira inesperada, desenvolve as implicações das denúncias nos egos e nos esquemas de interesse, explicita os jogos de poder e escancara a podridão narcísica do ambiente tele-jornalístico é eficiente e bem construída.
Se há um aspecto que talvez diminua a força do longa é que ele procura, no final das contas, atribuir a cada personagem e a cada “setor” que apresenta um caráter puramente benigno ou maligno. Se Roger Ailes é retratado como o monstro que provavelmente é e isto funciona muito bem dentro do contexto do filme (a atuação de John Lithgow é excelente, aliás), as “vítimas” parecem não adquirir muita complexidade além daquela conferida pela atuação das atrizes e em nenhum momento parecem se implicar nas suas próprias escolhas e posturas. O personagem de Margot Robbie (a única puramente fictícia entre as protagonistas), em especial, é decepcionante, pois surge como um “pot-pourri” de personalidades estereotipadas; hora estabelecida como ingênua cômica, outras como interesseira sem escrúpulos e, de repente, como questionadora e sensível, a personagem serve ao roteiro o que ele demanda, mas jamais se configura como uma pessoa crível de carne e osso e dona da própria história.
Se o conflito interno da protagonista Megyn Kelly (ponto interessante e pouco explorado) é concluído de maneira simplista e ligeira, o filme apresenta o ambiente machista e tóxico do jornalismo elitista de maneira apropriadamente bruta, evidenciando o desconforto que o poder nas mãos de um crápula gera na vida daqueles que não querem se prejudicar financeira e profissionalmente, mas que também possuem responsabilidades éticas (ou pelo menos deveriam). Por outro lado, o filme peca ao se concluir de maneira demasiado didática ao empregar um monólogo que parece querer explicar o filme mais uma vez, como se o que foi mostrado dramaticamente até então fosse insuficiente.
“Bombshell” consegue ao mesmo tempo entreter e expor aquilo que propõe sob uma ótica simplista, mas eficiente. É, no entanto, um filme que compreensivelmente se encontra em um contexto delicado, visto que retrata pessoas públicas atualíssimas e em relevância na mídia; a sensação que tive é que os personagens “benévolos” são minimamente criticados, como se um grande cuidado para evitar ambiguidades, ofensas e possíveis polêmicas que fizessem desserviço a sua moral fosse prioridade para o diretor e a produção de maneira geral, o que é uma pena, pois os personagens de Nicole Kidman e, em especial, o de Charlize Theron (em sua posição oscilante e periclitante entre o caráter e a vaidade), imploravam por uma leitura mais profunda e inquietante.
Green Book: O Guia
4.1 1,5K Assista Agora“Green Book” é um filme ávido em agradar o espectador e que o faz com humor, personagens interessantes e carismáticos e uma narrativa batida (opostos que, no final das contas, se atraem e aprendem um com o outro), mas engenhosamente orquestrada e atraente.
Acompanhamos a estória de um italiano grosseiro e oportunista e um jovem músico negro, sensível e austero que, durante o começo da década de 60, iniciam um inesperado relacionamento profissional durante o qual suas personalidades vastamente diferentes colidem e, aos poucos, passam a se complementar graças ao afeto que ali se engendra.
“Green Book” é um filme que, se em momentos esbarra no sentimentalismo, o perdoamos de pronto, já que seus personagens e, principalmente seus atores, exibem um charme inegável. Virgo Mortensen, em excelente atuação, encarna um tipo canastrão e amoral, mas também afetivo e espontâneo, o imbuindo de trejeitos e de um carisma imprescindível para que a estória se torne crível em vez de formulaica. Mahershala Ali, vencedor do Oscar pelo papel, também brilha em uma atuação contida, de semblante rigoroso, que se revela progressivamente mais complexa no decorrer da projeção.
O grande acerto de “Green Book” é evitar uma rota maçante e didática ao abordar o racismo, já que recusa estereotipar seus personagens ou transformá-los em meros instrumentos de um posicionamento político, moldando sua relação de maneira orgânica e nuançada. Ambos se revelam, paulatinamente, sujeitos complexos, pertencentes a um certo tempo e atravessados por uma certa ideologia, mas também capazes de ultrapassá-la, portando suas peculiaridades, defeitos e qualidades e, no fim das contas, ilustrando a força do caráter e da amizade no enfrentamento das loucuras e injustiças do mundo.
Ameaça Profunda
3.0 629 Assista Agora“Ameaça Profunda” é um filme que quase satisfaz como entretenimento, mas que, no final das contas, acaba apresentando tantos pontos fortes quanto pontos fracos. Incorporando elementos de filmes similares (como “Leviathan” de 1989 e o recente “Meg”), o longa poucas vezes empolga como deveria ou mesmo se destaca no grande antro de filmes de criaturas assassinas.
À maneira de um vídeo game, o filme não enrola. Uma introdução consistindo em uma montagem de notícias e fotos a respeito da fossa marítima onde a ação do filme tomará lugar, confere uma atmosfera tensa já nos primeiros minutos e é uma questão de instantes para que os personagens principais se encontrem em perigo extremo.
O longa acerta no ritmo pulsante que estabelece na primeira parte da projeção (pecando mais tarde, quando insiste em focar no melodrama perfunctório e compromete a tensão elaborada até então). Os personagens são minimamente desenvolvidos, mas são – de maneira geral - bem atuados; Kristen Stewart e Jessica Henwick se destacam, conferindo a seus personagens vulnerabilidade e determinação - mais pelo semblante do que pelo pouco que o roteiro enxuto as oferece. T.J. Miller, por sua vez, surge como um alívio cômico irritante, irrompendo a tensão sempre que abre a boca, já que sua atitude irreverente e casual destoa do tom periclitante almejado pelo longa.
A falta de “background” dos personagens é quase uma benção em filmes desse tipo, isto, é claro, quando ele consegue nos engajar a partir de outros recursos. A direção de William Eubank é instável, providenciando algumas boas cenas tensas (estas pertencendo majoritariamente ao primeiro terço do filme) e outras ligeiramente confusas (de fotografia turva e mise-en-scène precário) e que nunca atingem muita adrenalina ou magnitude.
As criaturas do filme infelizmente tomam relativamente pouco tempo de projeção e, quando se revelam, são em geral interessantes, em particular o último antagonista de cunho “lovecraftiano”. Aliás, o design de produção em geral é bastante criativo e atraente, pena que os cortes frenéticos, a escuridão excessiva e uma conclusão rápida ao clímax nos prive de aproveitá-los ao máximo.
Talvez a grande falha de “Ameaça Profunda” seja não ir tão profundamente quanto deveria adentro de nenhum gênero cinematográfico. Não é encontrada aqui a destreza técnica e narrativa de Steven Spielberg ao engendrar um crescendo magnético em cum clássico do terror como “Tubarão”, o suspense nauseante e austero de "Alien" ou mesmo os excessos delirantes de pérolas "camp" como “Anaconda” e “O Ataque dos Vermes Malditos”.
Adoráveis Mulheres
4.0 975 Assista AgoraA insossa e mais recente adaptação de “Adoráveis Mulheres” não traz nada de novo ou excepcional para justificar sua existência, tornando-se tolerável apenas graças às boas atuações do elenco.
Explorando o universo feminino de um grupo de irmãs que amadurecem juntas durante a Guerra Civil nos EUA, Greta Gerwig traz um feminismo demasiado didático à trama, que é explicado em diversas ocasiões pelas personagens a partir de frases clichês de efeito do tipo “Uma mulher deveria poder fazer o que quiser!”, mas que não é incorporado de maneira fluída ao roteiro, tornando-o perfunctório e amofinado.
As escolhas narrativas e estéticas da diretora não favorecem a estória - a cronologia é desnecessariamente desarranjada e a trilha sonora melosa peca por querer mostrar ao espectador exatamente o que ele deve sentir. É um filme que empalidece, por exemplo, quando comparado a uma obra de tema similar, mas muito mais densa e complexa como “Retrato de uma Jovem” de Jane Campion, a qual pode ser examinada sob a luz do feminismo, mas jamais cai no lugar comum e se beneficia da ambiguidade e poesia que o escritor Henry James (cuja obra serviu de base ao roteiro) confere a seus personagens e suas dinâmicas.
O vasto elenco incorpora atrizes estabelecidas e novos talentos. Destacam-se Saoirse Ronan, que mais uma vez prova ser uma atriz carismática e natural e Laura Dern, que brilha conferindo a uma personagem que facilmente poderia cair no melodrama vitimista, uma couraça de determinação e um semblante sensível, mas sofrido.
O grande problema de “Adoráveis Mulheres” é que o filme não almeja ser mais que “adorável”, criando uma América do século XIX asséptica, idealizada e artificial. O diálogo entre as irmãs me remeteu à falação desvairada de séries como “Gilmore Girls”, as tentativas de humor são óbvias e simplórias e a forma como os personagens não vão muito além de uma ou duas características (uma das irmãs é invejosa, mas no fundo é boa, a outra gosta de piano e não cria problemas, a outra é vaidosa e quer se casar...) torna o filme rapidamente redundante e monótono.
“Adoráveis Mulheres” parece iludir a si mesmo quanto a noção de que está retratando mulheres complexas, dispares e atemporais, como que alheio à própria exiguidade, acomodando-se em se resumir a uma série de conflitos juvenis, pueris e desinteressantes, transformando até mesmo o título original, “Pequenas Mulheres”, em uma irônica constatação.
Perdidos na Noite
4.2 322 Assista AgoraPerdidos na Noite” se encontra no pináculo da contra-cultura sessentista e é, paradoxalmente, um filme de excessos e nuances, de profunda sensibilidade e de ostensivo exagero.
Acompanhamos as desventuras de Joe Buck (interpretado por John Voight), um jovem do interior que se auto-intitula um “cowboy” e, cansado de sua rotina mambembe, decide ir a Nova Iorque para se tornar um garoto de programa de sucesso, acreditando que a vida lá será fácil e promissora. Ao chegar à cidade, as coisas se desenrolam como uma espécie de “Alice no País das Maravilhas” para maiores - o protagonista se depara com um mundo quase surreal, onde figuras bisonhas cruzam seu caminho e o levam a direções inesperadas e desorientadoras.
A Nova Iorque aqui retratada chocou audiências em 1969. Longe da cidade romântica e refinada de “Bonequinha de Luxo” de 1961, por exemplo, aqui o que prevalece é o entretenimento mentecapto (programas de TV exibem cachorros com roupa de gente e maquiagem), a sexualidade agressiva e egoísta, o fanatismo religioso, a repressão da homossexualidade e a decadência física e moral – salve-se quem puder!
Joe vai rumo à cidade enlevado pela frase que escutava da avó em sua infância: "Você é o 'cowboy' mais bonito de todos!". De supetão, ele é enganado, ridicularizado e rejeitado e, sem saber seu lugar no novo mundo acelerado e caótico em que se encontra e com seu ideal de eu ameaçado, ele parece se agarrar afoito aos símbolos que conhece e que minimamente o situam e o impedem de desparecer meio ao rebanho urbano - suas roupas de "cowboy" e seu radinho de pilha, seu únicos companheiros e referências.
O ponto nevrálgico do filme reside na relação que o cowboy desenvolve com o pilantra Rizzo, interpretado por Dustin Hoffman - um sujeito manco que constantemente passa a perna nos outros (!). A inesperada amizade nos toca, pois se a principio ambos personagens pensam apenas no que podem usufruir de seu encontro, eles paulatinamente começam a enxergar um no outro o próprio desamparo e encontram, a partir daí, algum conforto.
Inicialmente, Rizzo nos é apresentado como nada além de um canalha esperto, mais tarde, no entanto, começamos a entender que ele não é menos ingênuo que o próprio Joe e que seu sonho de ir a Florida e de se tornar rico e poderoso é de uma inocência devastadora. Aliás, ambos os personagens traçam um paralelo com a Macabéa de Clarice Lispector - assim como ela, Joe e Rizzo são duas “inocências pisadas” (como diz Clarice) pelo Outro, dois sujeitos com vidas marginais tão pouco conscientes de si que são quase como crianças perdidas em Manhattan.
É interessante que, apesar de nada pudicos (um é prostituto e o outro um pilantra), os personagens se tornam, contrastados pelo mundo selvagem que perambulam, dois “bobos”; engolidos pelo discurso capitalista, eles creem sem ressalvas nos anúncios publicitários que vendem incessantemente o grande prazer, o mundo sem faltas e sem desencontros, ainda que, em sua jornada, se deparem amiúde com o desengano e com a frustração.
John Schlesinger dirige o longa com uma impressionante atenção aos detalhes. Nenhum canto ou rosto é deixado inexplorado. A cidade e os personagens são feios (até grotescos), mas fascinantes e cheios de personalidade. O elenco é impecável - Jonh Voight e Dustin Hoffman encontram o tom exato para encarnar os anti-heróis e são inesquecíveis. Os atores coadjuvantes são igualmente fantásticos, destaque para a hilária Sylvia Miles (indicada ao Oscar por uma cena de 6 minutos) como a prostituta histriônica da alta sociedade, os “Warhol Superstars” em diversas pequenas aparições e Brenda Vaccaro em uma charmosa atuação como uma cliente de Joe que se manifesta surpreendentemente afetiva, ainda que irônica e desapegada.
“Perdidos na Noite” ainda encontra um recurso interessante para abordar o passado e o inconsciente de Joe, inserindo em determinados pontos do filme "flashbacks" atordoantes em forma de sonhos e delírios, revelando cenas do passado do personagem (como a relação próxima e quase incestuosa com a avó, sua passional namorada de adolescência e até um estupro coletivo), mas jamais deixando claro até onde as cenas são fatos e até onde são oriundos da imaginação do protagonista e seus sentimentos recalcados de culpa e desejo. É interessante também como o filme brinca com as oscilações de significado da linguagem: em determinado momento destes "flashbacks" a frase incessantemente proferida pela antiga namorada de Joe ("Você é o único!") assume, de repente, um valor diferente, passando de confissão apaixonada para acusação odiosa.
Vencendor do Oscar de melhor filme e inicialmente classificado como pornográfico (apesar de não conter nada muito explícito, ousadamente abordou temas como homossexualidade e prostituição masculina), “Perdidos na Noite” é uma obra-prima da nova Hollywood, uma fascinante cápsula do tempo e um poderoso drama sobre dois personagens que, em maior ou menor grau, conversam com o alienado e o rejeitado em todos nós
A Despedida
4.0 298Em “A Despedida”, uma família chinesa se depara com a difícil notícia de que a avó (a grande figura matriarcal) sofre de um câncer terminal. A família decide não contar a ela o prognóstico e todos os membros (incluindo os que vivem no exterior) vão visitá-la na China com a desculpa de que a reunião inesperada é devido a um casamento entre dois membros da família.
O que torna “A Despedida” interessante é que a mola-mestre do longa não está na moralidade da mentira sustentada pela família ou no mero recurso narrativo “a mentira irá ou não ser revelada até o final da projeção?”, mas na angustia e na tensão que a situação impõe à família e como ela afeta cada um de seus membros de maneira singular, resvalando-se para além da saúde da avó e despertando outras questões intimas do universo familiar.
O filme imerge o espectador no cotidiano da família chinesa e nos eventos corriqueiros que precedem o falso casamento. A partir de diálogos simples e convincentes, os personagens se revelam pessoas complexas, sofridas, mas também alegres e afetivas, conferindo ao universo do longa uma credibilidade admirável, pois se recusa a fixar-se em um tom moroso ou unidimensional, pautando-se na complexidade da própria vida, que em situações graves, abarca (às vezes abruptamente e simultaneamente) humor e dor.
As atuações de todo o elenco são muito naturais e convincentes. Zhao Shuzhen, como a avó, é engraçada e cativante em sua inocente impavidez e Akwafina brilha em um performance carismática e perfeitamente contida, transmitindo habilmente através do semblante consternado a tensão vivida pela personagem, que questiona a mentira elaborada pela família, mas também não está certa de que trazer à tona a verdade para a avó seja o melhor caminho.
A direção de Lulu Wang (que baseou o filme na própria relação com a avó) consegue ser discreta quando necessário - as conversas íntimas entre a família, sejam elas sobre política, identidade ou sobre seus afetos, rancores e entraves, são observadas pela diretora sem julgamento, de maneira quase documental. Em outros instantes, Wang cria cenas intensas utilizando-se de uma trilha sonora simultaneamente pungente e etérea (mas não sentimental), que parece sintonizar-se com o mundo interno dos personagens em momentos críticos, ilustrando a angustia inefável frente à morte iminente.
“A Despedida” recorta um universo particular, mas atinge um efeito universal, debruçando-se sobre os afetos que circulam o núcleo familiar de maneira sensível, profunda e surpreendentemente leve e simples.
O Farol
3.8 1,6K Assista Agora“O Farol” é um filme bem sucedido esteticamente. A fotografia em preto e branco é detalhada e de fortes contrastes, os enquadramentos são meticulosos e frequentemente se assemelham a belas pinturas soturnas. A dimensão de tela em formato 4:3 realça a dimensão claustrofóbica do longa, como também o fazem os cenários rugosos e limitados à fastidiosa ilha de pedras e ao interior encardido do farol. Sons metálicos lancinantes, os uivos graves do farol e distorções de áudio compõe primorosamente a atmosfera lúgubre e ameaçadora.
Apesar de tantos elementos que funcionam, “O Farol” parece se perder, no entanto, em sua narrativa e intenção. Situando-se em algum lugar entre os trabalhos de terror psicológico de Roman Polanski e o surrealismo de Alejandro Jodorowsky, o diretor Robert Eggers se recusa a mergulhar de cabeça em qualquer um dos territórios. O longa parece, em certos momentos, estar construindo sua narrativa em torno da relação potencialmente perigosa entre dois personagens perturbados, mas em vez de gradualmente aumentar a tensão psicológica entre eles, o filme insere momentos abstratos e surrealistas cedo demais na trama e de maneira desassisada, o que rompe a tensão proposta e acaba diminuindo o potencial dramático do filme.
Em filmes como "O Bebê de Rosemary" e "O Inquilino", por exemplo, Roman Polanski paulatinamente agravava a tensão e os perigos rondando os personagens principais, driblando o espetáculo gratuito e fusionando engenhosamente psicológico e real, ordinário e surreal. Robert Eggers, infelizmente, não constrói o ritmo mais adequado a sua produção, oscilando entre cenas eficazes e impressionantes e outras que parecem simplesmente apostar em seu poder estético, mas que falham em conversar com a narrativa e em conferir mais intensidade ao desenvolvimento dos protagonistas.
Willem Dafoe, como de costume, brilha em uma performance idiossincrática, perturbadora e hilária, contrastando-se com a natureza mais contida do personagem de Robert Pattinson.
Os elementos do mundo de “O Farol” são fascinantes (entre eles sereias, tritões, gaivotas sinistras e marinheiros à beira da insanidade), mas careciam de um olhar mais focado e profundo (a simbologia do filme, apesar de agressiva, soa um tanto superficial) e de um roteiro tão coerente e magnético quanto sua estética.
Coringa
4.4 4,1K Assista Agora"Coringa" é um sopro de ar fresco no saturado mercado de filmes de quadrinhos previsíveis e repetitivos. É um filme-evento que mescla a estética "art-house" com o cinema estilizado de ação americano e oferece uma estudo de personagem carregado de afetos que nos atordoa e nos envolve do começo ao fim.
Contando com uma atuação impressionante e visceral de Joaquin Phoenix, o longa erige um personagem psicótico que nos assusta em via dupla, pois se torna, ao longo da projeção, concomitantemente digno de empatia como também avassaladoramente violento, alienado e desestabilizado.
Estabelecendo Gotham City como uma versão mais escancarada do mundo atual (com foco especial na mídia sensacionalista e perversa e na politicagem desumana), o filme adquire uma pungência que posiciona o personagem Coringa como um inocente massacrado por um mundo injusto e atua, portanto, como uma catarse para o espectador, que vê na loucura e nas passagens ao ato do personagem título uma resposta coerente e paroxística à loucura da sociedade. Só não é louco quem é louco.
O longa peca em determinados instantes por não confiar na inteligência do espectador e se explicar demais (em determinada cena o filme se utiliza de um flashback para nos certificar de que certo acontecimento foi imaginado e não real, apesar de já estar claro pela cena que o antecede). Qualquer outro personagem além de O Coringa não tem muita oportunidade de se densificar ou surgir como algo além de mero instrumento do roteiro, no entanto, isto não chega a ser um problema visto que o foco do longa é no deterioramento mental do personagem central e este acaba por eclipsar outras subjetividades.
Muita polêmica surgiu no que se diz respeito às intenções políticas e existenciais do filme, no entanto, confesso que não percebi em "Coringa" essa pretensão, o vi mais como entretenimento catártico e estudo de um desencadeamento psicótico do que como reflexão densa ou mensagem perniciosa concernindo estes dois primeiros tópicos.
Predadores Assassinos
3.2 770 Assista AgoraEm uma era cinematográfica em que a ironia e o cinismo se apoderaram das produções hollywoodianas (em especial do cinema de terror), é refrescante se deparar com um filme envolvendo crocodilos assassinos que se leva completamente a sério e cumpre de maneira eficaz sua proposta - de criar tensão e entreter por uma hora e meia.
Ancorado por uma atuação extremamente convincente de Kaya Scodelario, "Predadores Assassinos" é um filme que não enrola e estabelece desde os minutos iniciais uma atmosfera ameaçadora. O diretor se mostra hábil em sua mise-en-scène clara e cuidadosa, criando cenas divertidas, tensas e extremamente violentas.
Os efeitos especiais são bons (com exceção da primeira aparição de um dos jacarés, que por algum motivo aparenta mais "fake" do que os restantes) e o filme persistentemente cria novas situações absurdas e criativas de perigo para os personagens. O longa não é isento de clichês (em especial em seus diálogos) e de momentos completamente inverossímeis (os personagens possuem uma resistência quase hercúlea), mas é um entretenimento superior no vasto antro de filmes do gênero "animais assassinos".
Brinquedo Assassino
2.7 612 Assista AgoraO novo filme da saga "Brinquedo Assassino" atualiza o conceito dos filmes anteriores e contempla a paranoia contemporânea concernindo até onde a internet e os acessórios tecnológicos deixam de ser entretenimento e facilitadores e passam de fato a controlar nossas vidas de maneiras sinistras.
O longa é previsível e abobalhado e em nenhum momento o "brinquedo assassino" é crível em suas atitudes e reações, no entanto, fica claro desde os momentos iniciais (até pela forma como o boneco maligno surge) que o filme não se leva a sério e que seu único propósito é entreter e nisto ele é suficientemente hábil.
Graças a personagens simpáticos e um roteiro ágil, o filme consegue criar alguns momentos divertidos que aludem à estética dos filmes "trash" dos anos 80 e 90, contando com alguns bons efeitos especiais práticos e cenas elaboradas e grotescas de assassinato.
Parasita
4.5 3,6K Assista AgoraUma jornada fascinante sobre uma família pobre e esperta, que paulatinamente se insere como empregados na casa de uma família da alta sociedade sem que estes desconfiem que eles são da mesma família ou mesmo possuem qualificações profissionais adequadas.
Joon Ho Bong formulou um filme-montanha-russa que, no decorrer de suas duas horas de projeção, passa por mudanças tonais que vão do hilário humor negro ao terror visceral e que se conclui de maneira profundamente tocante.
Através de situações absurdas e criativas o longa explora a tensão entre classes e aposta em metáforas poderosas para ilustrá-la como, por exemplo, o fato dos personagens de classe baixa ocuparem de uma forma ou outra ambientes debaixo do solo, como vermes.
Revelam-se, em um crescendo, a angústia e o sofrimento dos desfavorecidos economicamente frente às sutis humilhações cotidianas e àquilo que lhes é “proibido” - o desfruto de uma vida melhor, o prazer e o reconhecimento.
É um filme provocador e político que se recusa a pregar uma mensagem incauta ou apresentar personagens esquemáticos, mas em vez disso, tira do porão o mal estar da sociedade e o escancara à luz do dia, de maneira tragicômica e estarrecedora.
As Psicodélicas
3.1 1Uma sátira frenética da cultura Mod londrina dos anos 60. Apesar de duas atrizes carismáticas como protagonistas e uma cornucópia kitsch fascinante, o filme exagera no humor estulto que mais falha do que acerta e que, depois de algum tempo, se torna enervante.
Carta da Montanha
4.2 4Contemplativo e moroso, o filme aborda sua trama sucinta de maneira filosófica e explora primorosamente o cenário pastoril japonês. Os atores são convincentes, se provando capazes de transmitir emoção sem sucumbirem ao melodrama; a personagem idosa, em especial, é carismática e memorável.
Algumas das reflexões feitas durante o filme são bonitas, outras achei demasiado inocentes. Personagens esbarram em pontos tocantes, mas estes não são aprofundados, ficam apenas como paisagem.
Gostei mais do filme quando ele foca nas sutilezas do cotidiano dos personagens, nas suas interações singelas um com o outro e com a natureza - alguns personagens parecem, inclusive, não serem atores, mas moradores reais da vila. Em alguns momentos, em particular no terceiro ato, situações dramáticas calculadas se tornam o foco da narrativa do longa e este se torna mais genérico e menos cativante.
A Vingança dos Mortos
3.3 20Hilário Blaxploitation que mistura vingança e zumbis e conta com personagens caricatos e divertidos (em especial a bruxa Mama Maitresse e o espírito das trevas Barão Zamedi). A expressiva protagonista, a atriz Marki Bey, involuntariamente provoca risadas pela afetação desvairada (principalmente quando confronta Celeste, sua rival ainda mais canastrona). É um filme de uma nota só e em alguns momentos até amador, mas diverte pela bizarria descarada.
Lembre Meu Nome
3.3 3 Assista AgoraGeraldine Chaplin impressiona com uma atuação sinistra neste "thriller" excêntrico, encarnando uma mulher misteriosa e anômala que começa a aterrorizar um casal em uma cidadezinha do interior.
É um filme lento e de pequenas ações e que, no final, frustra com seu desfecho apressado e anti-climático. Senti falta de um terceiro ato capaz de dar vazão a tensão criada até então. O que segurou meu interesse e deixou uma impressão é de fato a performance quietamente pujante e incômoda de Chaplin - seu olhar fixo e ausente, a estranha mania da personagem de ensaiar aquilo que vai falar, suas explosões rápidas de violência e a impressão constante de que algo perigoso se esconde sob o verniz de sua inexpressividade tensa.
É de certa forma um predecessor pretensiosamente artístico e mais letárgico de "Atração Fatal". O filme até instaura de maneira eficaz uma atmosfera de morbidez condizente com a ruína subjetiva da protagonista, mas a direção e o roteiro não se mostram, no final da contas, tão inspirados como a performance de Chaplin.
Anatomia do Inferno
2.8 67"Anatomie de l'enfer" é um filme interessante e ousado que aborda - de maneira subversiva - a relação sexual entre duas pessoas: uma mulher e um homem que se conhecem inusitadamente em uma boate gay. Se no começo do longa a protagonista aparece frágil e suscetível ao abuso, chegando ao ponto de se mutilar no banheiro da boate e em seguida pagar o homem desconhecido para assisti-la nua, mais tarde, ao contrário de nossas expectativas, é o personagem masculino que é abusado.
Inicialmente, o homem parece estar no controle da situação, se preparando para um encontro sexual no qual ele supostamente subjugaria a mulher. Para sua surpresa, ela começa a articular a própria vulnerabilidade como arma para constranger e fascinar, levando o parceiro a um encontro perigoso e inédito com sua própria sexualidade, algo que o angustia e desmorona suas convicções (até em relação à própria preferência sexual).
À maneira do filme "Teorema" de Pasolini, Breillat brinca de maneira sombria e ousada com os caminhos tortuosos da sexualidade e com o inefável do sexo, que concomitantemente fascina e angustia homens e mulheres.
Clímax
3.6 1,1K Assista AgoraUma experiência estética alucinante e estarrecedora. Gaspar Noé nos transporta, corpo e alma, para dentro do universo do filme. A música pulsante, a câmera sinuosa, os impressionantes e longos planos-sequência são alguns dos eficazes recursos que o diretor emprega para atordoar e envolver o espectador.
O filme é dividido em dois atos. No primeiro, os dançarinos ensaiam e os personagens são apresentados através de diálogos banais; as pessoas parecem reais e isso acentua a atmosfera de veracidade. No segundo ato, após os personagens descobrirem que alguém os drogou, o filme descarrilha em uma experiência bem descrita pelo próprio diretor como um "trem fantasma". O filme "Posessão", estrelando Isabelle Adjani em uma icônica cena envolvendo um surto no metrô, é homenageado em diversas sequências. A violência pungente e em tempo real, marca registrada do diretor (influenciado pelo filme austríaco "Angst"), se faz presente em alguns momentos bastante aflitivos. Aliás, é interessante observar que no prólogo do longa, podemos observar alguns VHS em uma prateleira - todos filmes que moldaram o estilo do diretor e entre eles se encontram estes mencionados.
Devo confessar que senti que o filme termina cedo demais, bem quando parece que as coisas chegarão em um ponto insuportável e kafkiano. Não obstante, "Climax" é uma experiência única, memorável e sem compromisso moral - não sei se saí com horror ou fascínio às drogas.
A Esposa
3.8 557 Assista AgoraSabiamente evitando um rumo moralista e óbvio, "The Wife" é o retrato da vida de um casal que paulatinamente revela suas fissuras. A relação entre os cônjuges se torna interessante, pois apesar do segredo que a assombra, fica evidente a atração sintomática cultivada entre os dois (ele se esconde atrás dela, mas ela se esconde atrás dele). Cúmplices de um amor que bem lhes serviu por muitos anos, algo vacila com o anúncio da premiação do marido; como a própria protagonista diz em certo momento, não há vítimas, mas questões mal-ditas ou emudecidas que irrompem e obrigam o casal a reavaliar quem são e como se relacionam.
A ferida escancarada fragiliza ambos os protagonistas e tal fragilidade é ampliada por se tratar de duas pessoas idosas, se deparando com a própria mortalidade. As excelentes performances de Glenn Close e Jonathan Pryce tornam os personagens indivíduos palpáveis, angustiados e tridimensionais.
As cenas em flashback não são tão eficazes quanto as que se passam no presente do filme - tanto os atores quanto o roteiro parecem mais rudimentares e elas se mostram, no final das contas, desnecessárias; é muito mais interessante e autêntico, por exemplo, quando os personagens mais velhos falam sobre o ocorrido no passado e o que aquilo significou para eles.
Fico perplexo com a mídia e críticos igualando a performance de Lady Gaga em "A Star is Born" com a de Glenn Close neste filme. A última exibe uma expressividade e uma densidade muito superior e certamente merece todos os prêmios de melhor atriz que vem recebendo.
Comunhão
3.5 141 Assista Agora"Communion" é fascinante em muitos aspectos. A trama - envolvendo assassinatos em uma comunidade religiosa dos subúrbios - é imprevisível e envolvente; revelações são feitas em momentos inesperados e, apesar dos muitos personagens, o filme jamais perde o foco ou a força, culminando em uma série de momentos divertidos, surpreendentes e grotescos.
A mise-en-scène meticulosa, as atuações afetadas e as maquiagens exageradas remetem a filmes de Fellini como "Amarcord" e "Julieta dos Espíritos", ao passo que os elementos de horror me lembraram os "giallos" e em particular o filme americano de terror "Don't Look Now" (principalmente por conta do casaquinho de chuva amarelo trajado pelo personagem antagonista).
Os enquadramentos distorcidos, as cores saturadas e o uso frequente de plongées e contra plongeés conferem ao filme uma estética doentia, o que é enfatizado pela trupe de personagens bisonhos que vão de um viscoso vizinho morbidamente obeso à sinistra garotinha Alice, cuja voz é estranhamente mais madura que sua aparência. A maior parte do elenco, aliás, exibe uma postura grotesca que alude ao cinema de John Waters, como o faz também a constante histeria.
"Comunnion" é um filme memorável, carregado de personalidade e que consegue criar tensão e divertir em doses cavalares - um clássico do terror que deveria ser mais lembrado e reverenciado.