“Havia um sentimento em todo país. Um sentimento de desgraça, de indignidade, de fome. Tínhamos uma democracia, sim, mas estava arruinada por elementos internos. Sobretudo, havia medo: medo do presente, medo do futuro, medo de nossos vizinhos e medo de nós mesmos. Somente quando entenderem isto poderão entender o que Hitler significava para nós. Porque ele nos disse: ‘Levantem suas cabeças! Sintam orgulho por serem alemães! Há demônios entre nós: comunistas, liberais, judeus, ciganos! Quando esses demônios forem destruídos, sua miséria terá acabado'. Era a velha história do bode expiatório. E aqueles de nós que sabiam bem mais? Que sabiam que era tudo mentira, pior que a mentira? Por que ficamos em silêncio? Por que participamos? Porque amávamos nosso país! Que diferença faz se alguns extremistas perdem seus direitos? Que diferença faz se algumas minorias perdem seus direitos? É só uma coisa passageira. É só uma etapa que estamos atravessando. Cedo ou tarde será superado. [...] E a história mostra como tivemos êxito, meritíssimo. Triunfamos além dos nossos sonhos. Os mesmos elementos de ódio e poder de Hitler que hipnotizaram a Alemanha, hipnotizaram o mundo. [...] Então, um dia olhamos ao redor e vimos que estávamos diante de um perigo maior ainda. O que veio como algo passageiro se tornou um modo de vida."
O roteiro de um filme é uma divindade. Quando se tem uma boa história, você tem arte. A arte é profana, sublime. Inspira, oprime e transforma. Stanley Kramer é um dos poucos que me fez sentir extasiado e destruído. Acabo de conhecer mais um diretor que levarei para a vida. A memória, os livros, a arte fazem parte da maior preservação do manifesto intelectual. Não há necessidade de doutrinar o homem quando é de direito O PENSAR. E é isso que é a arte. Ela faz o homem elevar as ideias! É glorioso! Até quando critica, está expondo seu ponto de vista, sua perspectiva. Dentro de cada palavra do homem há um histórico, e através das insinuações podemos decifrá-lo, entender sua origem, seus ensinamentos e até mesmo deduzir quais foram os limites e quais foram as barreiras quebradas.
Stanley Kramer é o único diretor da minha lista que tem nota máxima em dois filmes. Quando a gente acha que já viveu as possibilidades predestinadas neste mundo, surge uma variável beleza dessas!
"- Acorde, Copérnico. A lei está do lado do legislador e tudo dependerá de suas convicções. - Por que me ajuda, então? - Porque sei que o amanhecer não passa de uma ilusão de ótica. Meu professor me ensinou isto". ... - Li seu artigo ontem. Uma coluna muito tendenciosa por sinal. - É o dever de um jornal confortar os doentes e adoecer os confortados. ... - Sabia que no topo do mundo a luz do sol dura seis meses? - Não vivemos no topo do mundo. E quando o sol se põe, escurece. Por que deveria você mudar a maneira das coisas? - Não vim trocar a maneira deste povo. Vim defender o direito de pensar de outro modo. "Excelência, dentro em pouco vão se enfrentar homens contra homens, crença contra crença, num desenrolar de revoltas. Darwin estava errado. O homem ainda é um macaco. " "Aquele que mal diz à sua casa, o vento será a sua herança." "Aquele que convida o diabo para jantar deve ter uma colher bem longa." "Isto pode piorar. Esta gente tem fome de religião." (Trechos do filme "O Vento Será Tua Herança". 1960) Stanley Kramer foi descrito por Steven Spielberg como "um de nossos maiores cineastas, não apenas pela arte e paixão que colocou nas telas, mas também pelo impacto que teve na consciência do Mundo".
Filmes que rompem nossas bolhas e revelam cores que não enxergamos são fascinantes! Mesmo que as cores sejam cinzas, são necessárias para entendermos perspectivas sobre as diversas verdades. Eu achava que assistir à tortura em filmes era o máximo do permissível, mas há sutilezas no audiovisual que destroçam de forma muito mais visceral nossa alma.
Eu estava precisando respirar e este diretor me ensinou a fazer isto debaixo d'água.
PS: Quando me recompor tentarei escrever algo sobre "Julgamento em Nuremberg". No momento estou resignificando o poder do cinema em meus pensamentos.
Um filme recente que ainda é latente e lembra muito "Seu Nome Gravado em Mim" é "Moonlight". As dificuldades de se aceitar um ser normal porque a cultura/religião o impõe como pecador, a sociedade falocentrista, e a própria dificuldade de lidar com a paixão são devaneios de uma estrutura histórica. A vida poderia ser mais simples se as pessoas não criassem problemas que não existem. Quando achamos que estamos evoluindo para a prosperidade, a capacidade de não ter compaixão e empatia se mostra cada vez mais firme enquanto o homem caminha pra vulnerabilidade do próprio fim.
- Sinto que ele se importa comigo. - Se importar não significa amar. Não faça os outros irem para o inferno. - Prefiro ir para o inferno agora. Todos os gays não merecem ir para o inferno? Talvez mais pessoas me entendam lá. Facilite a minha vida e me ajude.
Certa vez frequentei uma reunião de jovens cristãos numa igrejinha na praça do Rosário. Um homem bem magro e com o rosto marcado pelo tempo, apesar de afirmar ter a idade dos que o rodeavam na ocasião, contava sua terrível experiência com as drogas. No final, abriu um largo sorriso escancarando a vitória de estar limpo e sóbrio. Pouco tempo depois soube que ele morreu.
Episódios especiais têm, na maioria das vezes, a finalidade de conectar as temporadas, de fazer um resumo discreto para aproximar novos espectadores, de satisfazer o público impaciente com a demora da estreia de um novo ano da sua série, e também para aproveitar o eixo de ligação e realizar um episódio que seja "fora da casinha" utilizando através do texto, da imagem ou do som algo que foge da estrutura, do esqueleto do projeto. Seja pela pandemia ou uma decisão simplesmente artística, o episódio se concentra numa reunião entre uma adicta e seu padrinho da Narcóticos Anônimos. Uma conversa profunda sobre perder e vencer, sobre Deus e injustiças divinas, sobre esforço e revolução, relacionamentos e claro, as drogas.
Como somos cruéis e imperdoáveis com nosso corpo e nossa alma. Como o mundo se tornou um vazio de artifícios sem fim. E como desejamos que tudo acabe logo sem aproveitar a beleza da vida. O que nos tornamos, afinal? Dói, machuca mesmo pra nós que estamos distantes de uma realidade e enxergamos o adicto como responsável e culpado por suas escolhas, e muitas vezes não damos importância pra dor do outro porque afinal, não foi uma escolha dele entrar nessa?
Foi um soco no estômago!
Nessas horas a gente enxerga com sofrimento o outro e nos faz parecer próximo algo que não queremos aceitar: que recuperar-se das drogas não é o compromisso de um indivíduo. É responsabilidade de toda uma sociedade. Só há uma palavra que vigora no nível do amor e esta palavra é ESPERANÇA.
O bipolar é vilão da sua própria história. Ele vive um embate de se olhar no espelho e descobrir quem vai vencer o dia. Às vezes a manhã pode estar chuvosa, mas tudo parece brilhante e perfeito. Parece entorpecido por tamanha felicidade e leveza de ver a vida. Quando menos se espera uma rasteira o carrega para o submundo. Recostado à cama, embaixo do edredom, imagina quanto tempo leva o tempo para entender que está pronto pra reerguer de novo. E entre o céu e o inferno existe o surto. Gastos exorbitantes na fase de euforia, brigas e constrangimentos na fase depressiva. Quando não se mutila, procura o álcool, as drogas, o sexo, alguma sensação de sobrevida, de sentir o que dentro dele aparenta não existir mais. É um grito constante de sufoco e conflitos. Há uma sensibilidade e uma dureza no olhar submerso por passagens de humores e quase até de personalidades que envolvem um único indivíduo. O mundo que ora é mágico, ora se torna um terror. E então surge a cumplicidade. O de fora raramente consegue entender uma cabeça repleta de criatividade e sensibilidade, porque do nada tudo torna um furacão. Euphoria, série exibida em 2019 pela HBO, é um grato exemplo e honesto, por assim dizer, da realidade de um personagem que existe e habita entre nós. Há tempos o tempo muda, aliás o que será eterno se é mutável? Antes os problemas psicológicos eram frescura, coisa até de gente rica, de quem tem tempo pra pensar. Hoje, transtornos de ansiedade, depressão, déficit de atenção, seres que parecem extremamente vivos e de repente mortos. Profissionais inconsequentes performam quase a loucura ao diagnosticar facilmente um paciente e submeter um filho, um amigo aos vícios da indústria farmacêutica. Nada se cura, só muda a dor. O que antes doía na alma agora ofende o corpo. E apodrece.
A sequência final da primeira temporada é algo impactante! Quem é bipolar vive exatamente a euforia, dos picos de felicidade a um mortal em uma piscina profunda e vazia. Toda sujeira do passado vem à tona, e revive as dores como se fosse o agora, num looping infinito. Passa, mas parece que dura para sempre.
A arte às vezes parece só entreter, mas há avisos de gatilhos por aí: o que não ofende, ensina. Por vezes aprendemos muito mais até na dor. Desenvolvida por Sam Levinson, tendo no elenco Zendaya - vencedora Do Emmys deste ano pela sua performance na série, Euphoria narra a turbulenta vida de uma jovem com bipolaridade após sair de uma clínica de reabilitação por overdose. O que parece ser uma série para adolescente, revela-se um programa para maiores de dezoito anos. Porque ter problemas mentais é fácil quando a sociedade revela ser doentia. E isto a série sabe mostrar como ninguém.
Com a sensível mensagem de que o diferente também é normal, We Are Who We Are encerra com sonhos por finais felizes aos que apenas desejam estar em paz em meio ao caos.
Obviamente todo mundo que preze pela cultura ou conheça um pouco da história do rock já ouviu falar no Pink Floyd. Tardiamente fui entender o que havia por trás da banda e não nos embalos. E palavras, pra um analfabeto auditivo, são apenas zumbidos. Roger Waters é ensurdecedor. Não de uma maneira ruim. É que nos sufoca essa inexistência do homem diante do grito do vocalista. Quem não entende o que Roger procura, não entende nada.
"Precisamos do amor que existe nesta sala espalhar suavemente por todo o mundo, se quisermos ter a chance de descobrir como ter empatia com nossos companheiros seres humanos o suficiente para agir coletivamente, e para impedir que os porcos destruam este planeta frágil e bonito em que vivemos. " - Roger Waters
É muito bom quando acontece um ato de convergência nas coisas. Eu minimamente teria interesse em pesquisar sobre Roger Walters, ou viveria satisfatoriamente com as poucas músicas que adentraram nos meus ouvidos na época do vinil, escutadas por mim e por meu pai. O trailer de Duna - 2021 me levou de volta até Pink Floyd, e agora parece que minha vida não será mais a mesma depois dos dois. Ou dos três: o livro, o filme, a música. A arte!
Revendo este filme dez anos depois, precisei voltar aqui e reavaliar minha nota. Um filme que disseca a natureza do homem, desnuda a crueldade e a capacidade dele se mostrar medíocre, ou até abaixo disso, escancarando desde o início desta obra. O homem não é só capaz de destruir a vida do outro mas tornar o próprio irracional um animal perigoso. Mas no fim fica a pergunta: o que estamos fazendo com nós mesmos? Que desejo é este que nos corrompe com tanta facilidade e nos torna algo que ainda não há descrito no dicionário? Amores Brutos é muito sobre o amor, sim, mas um amor que não deveria fazer parte de nós. Nos enganamos e substituímos palavras pra significar algo bom quando causamos mal ao outro. E no fim o que sobra é o vazio. Visceral e obrigatório. A arte nos revela o que a plasticidade dos tempos atuais tem tirado de nós: nossos sentimentos mais puros e honestos. Estamos feitos cães em rinha, brigando sem sequer saber o motivo. Depois de uma geração frágil, é chegada a hora de estampar feridas e se fazer sentir. Só assim voltaremos a viver e não apenas existir.
A sequência final da segunda temporada de Succession é de uma tensão fora do comum! Algo que poucos artistas conseguem fazer! Satisfatoriamente perturbador!
"Josué, Faz muito tempo que não mando uma carta pra alguém. Agora eu tô mandando essa carta pra você. Você tem razão, seu pai ainda vai aparecer, e com certeza ele é tudo aquilo que você diz que ele é. Eu lembro do meu pai me levando na locomotiva que ele dirigia, ele deixou eu, uma menininha, dar o apito do trem a viagem inteira! Quando você estiver cruzando as estradas no seu caminhão enorme, espero que você lembre que fui eu a primeira pessoa a te fazer botar a mão no volante! Também vai ser melhor pra você ficar aí com seus irmãos, você merece muito, muito mais do que eu tenho pra te dar. No dia que você quiser lembrar de mim, dá uma olhada no retratinho que a gente tirou junto. Eu digo isso porque tenho medo que um dia você também me esqueça. Tenho saudade do meu pai. Tenho saudade de tudo. Dora."
Noé: O Retrato Miserável e Grotesco da Carne Humana.
Essa que escondemos quem somos pra que ninguém nos aponte. - Por que diachos eu veria filmes tão cruéis quando queremos experimentar o belo, o engraçado, o aconchegante? O diretor tem como premissa o desconforto. Em suas obras, ele relata de forma crua a natureza dos seres humanos. Revela que podemos ser felizes, mas ao mesmo tempo miseráveis. Sempre quando lança seus filmes, as pessoas saem das salas de exibição desacreditadas. A perturbação é a força motriz dos filmes e o abismo é o último lugar onde o ser humano pode chegar.
O Tempo destrói tudo — é assim que começa. Muitos relatam que assistir a IRREVERSÍVEL é perder a fé na humanidade. A capacidade do homem em se revelar um animal e colocar em risco a perspectiva de vida dos outros. Como somos capazes de nos jogar no fundo do poço? O poder do audiovisual vai muito além de combinações de imagens e som. A arte por si só é um enigma que coloca-nos além do nosso estado psicológico. Abordar assuntos polêmicos nos ajudam a elaborar nosso próprio juízo sobre o mundo que vivemos.
“O futuro já está escrito. E a prova são os sonhos premonitórios” Achei que nunca mais teria coragem de escrever sobre esta obra, apesar dela estar em todo lugar. Na minha lista de filmes de drama, terror, nos melhores filmes, nos piores também. Devo ter contado aos quatro cantos a primeira vez que a assisti. Há dez anos eu não tinha muita noção sobre lidar com algo que iria enrijecer o peito e me provocar medo. Era hora de me tornar adulto. Estava sentado às duas da manhã, com fones de ouvido num ambiente escuro, terminando esta obra-prima. Encho-me ao dizer que foi uma das experiências audiovisuais mais conturbadoras em toda minha existência. Não sei se era hora e nem lugar. Mas aqui estamos às duas da manhã, fone no ouvido, ambiente escuro mais uma vez.
E então adentramos ao submundo de Rectum, com a primeira de várias sequências que ficarão na memória para todo o sempre. Bons diretores contam boas histórias, não necessariamente histórias boas de serem vistas e ouvidas. Agora recordo-me de ter evitado reprisar este misto de emoções por DEZ ANOS! A tortura não é desfalecer junto à jovem, mas conhecer o que precede quando a história continua, compartilhando uma notícia perversa que a vítima desconhece. Há algo sobre nós humanos que não permitimos, ou não deveríamos permitir. É um repúdio que habita no nosso caráter, na nossa índole. Mas os males correm nas veias do homo sapiens. Enquanto a Alex narra um sonho sobre ocorrências que viria a seguir, Marcus fica preocupado em ser gentil com o amigo dos dois, uma vez que ele sente no dever de ser bondoso após ter roubado a namorada do outro para si. O fato dela entregar o discurso de que as mulheres decidem sobre elas, diante do que vai acontecer minutos depois, é doloroso demais. Eles conversam sobre prazeres, o sexo, e mal sabem o que o futuro reserva. Este é o grande trunfo ao narrar sobre premonições, sobre o tempo e principalmente sobre não sabermos exatamente nada sobre nós. Inadmissível que a vida seja cruel, que tenhamos que sofrer. O cinema então deixa a função de divertir para apresentar elementos de cunho social, dando relevância aquilo que realmente precisamos dedicar nossa atenção neste momento: como lidamos com as nossas vidas e a dos outros. Quem é o vilão senão nós mesmos? Dificilmente entramos na sala de cinema pra errar. Sempre buscamos o melhor para que a recompensa seja válida, ainda mais com os ingressos caríssimos. Com Gaspar Noé minha experiência sempre foi oposta. De estômago vazio, geralmente sozinho, me coloco a corromper minha realidade para entregar ao sadismo e poesia reptiliana. Este é o filme que elimina a decência e nos faz passar mal. Assim foi quando assisti “Irreversível” pela primeira vez, o filme que tomou meus sonhos por longas noites e me atirou pra outro nível de questionamento. Não era sobre os grandes dilemas da vida que me permeava. Era o sonoro, o visual, gritante e impactante realidade dos nossos dias que estão ocorrendo a nossa volta, enquanto dentro do ônibus ouvimos um pop sofrível, esperando chegar vivo e são em casa. Às vezes a arte seja mais que colocar sorrisos no rosto do palhaço, e sim desmascara-lo. Sempre fui do tipo que prefere intrometer na vida por trás do picadeiro que das piadas no palco. Me preparo físico e psicologicamente. Pode até parecer grotesco, as pessoas esquecem que a vida real dói, até demais, e escancarar isto na tela pode chocar os incrédulos, machucar os ingênuos e atordoar os sensíveis. Mas a vida não vem com manual como os caríssimos brinquedos estampados nas prateleiras. Não saber brincar pode nos custar a vida. E a arte gosta de nos lembrar que nem de gozo vive o homem. Noé produz o tipo de filme que por agora fico apenas a me recompor das náuseas e seguir adiante. O desconforto é enorme, e ele nunca me desaponta!
Uma das histórias que mais me emociona da Bíblia, "O Príncipe do Egito" narra a promessa de um povo escravizado que clama por sua liberdade, enquanto um homem do povo, mas criado pela dinastia, se revela responsável por mudar o rumo dos oprimidos, dando esperança à humanidade.
São muitos temas, personagens, o terreno precisava estar bem preparado. No entanto a busca incansável por resultados acaba frustrando diversas vezes o espectador que precisa algo pra conectar e sentir satisfeito. Quando ouvi rumores sobre a dificuldade que os produtores estavam passando em desenvolver a trama, fiquei imaginando o que J.J. Abrams, Jonathan Nolan e Lisa Joy preparavam à sete chaves para a estréia da série que se tornaria o carro chefe da emissora. Abrimos a porta do parque sem saber como a experiência iria nos enriquecer como seres humanos. E agora estamos vivendo como anfitriões, de um conhecimento limitado e impreciso, perdurando à espera de encontrar o centro do nosso próprio labirinto. É preciso muitos pontos para seguirmos retas e curvas, e o que temos encontrado são apenas buracos.
A HBO tem a marca de desenvolver em suas séries episódios icônicos que fogem da narrativa habitual e elevam o patamar dos seus produtos. O episódio oito de Watchmen é uma epifania!
De um lado, temos Dr. Manhattan, um Deus onisciente, onipresente que tenta convencer a garota do bar que ela é e será o grande amor da sua vida. Angela, sem saber do futuro, o questiona dando início a um dos diálogos mais originais e inteligentes da TV! Contada através de flashbacks entendemos o propósito dos personagens assim como parte da resolução da trama, de forma magistral, talvez nunca vista antes no audiovisual, ou ao menos utilizada perfeitamente sob o contexto da série. É verdadeiramente uma obra-prima! E se tornou uma das histórias de amor mais belas que já vi! Sobre o eterno e o finito. O racional e a emoção. Sobre ser intrínseco e mutável. Sobre falhas e perfeição!
Depois do polêmico especial de Natal do Porta dos Fundos, a Netflix nos apresenta com o belíssimo filme Dois Papas, dirigido por Fernando Meirelles. É de um primor, uma fonte de boas intenções. A esta altura do campeonato não seria necessário reforçar, mas democracia é não impor o que deve ou não ser produzido, e sim ter discernimento para escolher o que assiste. Um filme que emociona, e restaura a fé até mesmo em quem não acredita mais na humanidade, transmitindo uma mensagem final além da esperança. É chegada a hora de estourar a bolha e reconhecermos com humildade nossas falhas e nossos propósitos, para que possamos continuar olhando pra trás com perdão, e seguindo adiante com amor. Terminar o ano assistindo Dois Papas é um alívio enorme! Um sinal de recomeço, de que dias melhores sempre virão. "Se tiver que haver lágrimas, que sejam lágrimas de alegria".
Raramente a gente encontra algo tão singular e vislumbrante a ponto de se arrepiar todo. Começou como série sobre jovens, terminou como obra de arte! Não é TV, é HBO.
Dificilmente entramos na sala de cinema pra errar. Sempre buscamos o melhor para que a recompensa seja válida, ainda mais com os ingressos caríssimos. Com Gaspar Noé minha experiência sempre foi oposta. De estômago vazio, geralmente sozinho, me coloco a corromper minha realidade para entregar ao sadismo e poesia reptiliana. Este é o filme que elimina a decência e nos faz passar mal. Lembro quando assisti pela primeira vez "Irreversível", o filme que tomou meus sonhos por longas noites e me atirou pra outro nível de questionamento. Não era sobre os grandes dilemas da vida que me permeava. Era o sonoro, o visual, gritante e impactante realidade dos nossos dias que estão ocorrendo a nossa volta, o tempo todo, enquanto dentro do ônibus ouvimos um pop sofrível, esperando chegar vivo e são em casa. Às vezes a arte seja mais que colocar sorrisos no rosto do palhaço, e sim desmascara-lo. Sempre fui do tipo que prefere intrometer na vida por trás do picadeiro que das piadas no palco. Clímax, o mais recente filme de um dos meus diretores favoritos, nos coloca diante de uma obra de Marquês de Sade. É lindo ao ponto de embrulhar o estômago. Não é de hoje que tenho esta relação com Gaspar Noé. Me preparo físico e psicologicamente. Pode até parecer grotesco, as pessoas esquecem que a vida real dói, até demais, e escancarar isto na tela pode chocar os incrédulos, machucar os ingênuos e atordoar os sensíveis. Mas a vida não vem com manual como os caríssimos brinquedos estampados nas prateleiras. Não saber brincar pode nos custar a vida. E a arte gosta de nos lembrar que nem de gozo vive o homem. É o tipo de filme que por agora fico apenas a me recompor das náuseas e seguir em diante. O desconforto é enorme, e Noé nunca me desaponta!
Às nove da manhã, tive que me sentar à mesa e pedir uma cerveja. Passei a folga a me afogar diante do maior espetáculo roteirizado pela corrupção instaurada no Brasil do planeta Terra. Eu tinha apenas uns doze anos quando isso tudo aconteceu. Lembro da felicidade estampada no rosto marcado de gente que vivia do pouco, pessoas que representavam bem a cara do nosso país. Quatro anos mais tarde eu faria um documentário pra escola acompanhando uma senhora catadora de lixo do meu município, vivendo de perto uma realidade diferente dos meus dias habituais. Era em meados dos anos dois mil, enquanto voltava da escola, que o sorriso do trabalhador estampava o jornal da vida. Era uma alegria que não cabia mais. Uma vitória dada aos pobres, para os pobres.
Ali brincando de amassar barro, pescar lambaris à margem do açude e fazer guerra com mamonas, eu aprendi muito sobre política. Nunca esquecerei quando minha mãe me ensinou, ainda muito pequeno, a partilhar o algodão doce que havia ganhado logo após sair da igreja com uma criança que estava descalça, a minha frente. Nunca esquecerei dos dias que visitava meu avô no seu pequeno recanto de trabalho, consertando algumas parafernálias, enquanto o outro avô vendia leite na cidade. Quando me custava a ganhar moedinhas para comprar doces na vendinha do Zé Aloísio, ou sodinha na pastelaria do Joãozinho, ou comer aquele bom e velho pão com salame. Eram nestes pequenos detalhes que eu aprendia a moeda de troca, o convívio social e a recompensa. Como fui covarde ao pedir a conta do boteco sem me lembrar do mais importante. Como fui covarde por ser omisso politicamente por tanto tempo.
Chega a ser adstringente nossas escolhas políticas durante os últimos anos e assistindo ao documentário DEMOCRACIA EM VERTIGEM parece que tudo aconteceu há muito tempo. A cerveja descia quente enquanto recordava do momento que eu estava lá, diante da TV e ouvindo panelas se fundirem com estalos repetitivos. Eu estava feliz naquele dia, assim quando vetaram o pedido da Dilma pro Lula ser o novo ministro da economia. Eu estava feliz quando aquele homem pomposo e de sobrancelhas franzidas trazia um novo significado de justiça para o nosso país. Realmente o Juiz do Paraná me lembrava muito certo herói, super-herói!
"Numa festa no Palácio dos Bandeirantes, um político pergunta pro empresário: Você por aqui? E o empresário responde: eu tô sempre aqui, vocês políticos que mudam."
Na última eleição, segui em silêncio a justificar meu voto quando fui parado pelo porteiro do prédio.
- E aí vai votar em quem? - e arreganhou aqueles dentes faceiros de quem parecia saber a minha resposta. - O voto ainda é secreto, não é verdade? - É - pensou - verdade. - e me deu um tapa saudoso nas costas - vencemos, amigo! Vencemos.
E agora estamos aqui, brincando de fazer justiça, rasgando a constituição. Em que tempo me perdi, ao me permitir iludir mesmo ouvindo desde criança que político bom é político preso? E agora até a lei está acima da lei.
Às vezes me pego olhando para a cara de conhecidos e estranhos na rua, pensando sutilmente se eles estariam enlouquecendo comigo ou somente eu tomei deste veneno. Vejo uma bandeira do Brasil e sinto o ranço instaurando em mim. Já perdi incontáveis amigos. Já pensei em me desfazer de outros cem que não suporto nem ouvir mais o nome. Me perdoe meu Brasil brasileiro, mas o que fizeram de ti? E o que "eles" fizeram de mim? Com o meu verde e amarelo, preciosa pátria de formas únicas! Esta bandeira não é exclusiva só pra quem veste cores de um partido, ela também é minha!
Voltando pra casa me pergunto o que aquela senhora, que passou a vida catando lixo pra sobreviver ao descaso do povo, estaria fazendo neste momento. E se o que ela limpou neste mundo seria o suficiente pra barrar a sujeira que estamos vivendo agora.
As palavras dela ecoam a minha cabeça. Era sobre a justiça da sobrevivência, justiça para os dias iguais aos meus, aos dela. "Seja honesto, menino" ela dizia enquanto uma lágrima escorria ao falar da condição da sua família, sobre o suor que descia com fome dessa justiça.
Não existe justiça, existe o que os homens determinam justiça.
Eu soube que ele era grande demais assim que ouvi sua música pela primeira vez. Não no sentido de escutar, mas de entender o que aquela canção dizia pra mim, sobre mim. Pouco tempo depois ele faleceu. Mal sabia de todas as suas polêmicas, ele era um ídolo, um gênio do pop.
"Eu quero falar a verdade. Tão alto quanto a mentira que eu sempre contei."
Após quatro horas do documentário é difícil não se sentir culpado e irritado com a própria negligência diante dos fatos. Isso parece acontecer conosco o tempo todo, não é verdade? Mentir pra nós mesmos porque não aceitamos que somos fãs de seres falhos. As lágrimas caem. São as fases do luto que não deixamos passar. Negação, raiva, barganha, depressão.
E no fim nos resta uma tristeza profunda. Por todas as vidas que passaram por este fenômeno sem saberem como voltar a viver em paz. De saber que o grande ídolo, nem tão grande ele era. Até mesmo o brilho, com o tempo, fica esquecido pra trás.
Dentro do nosso coração fica difícil escolher a verdade. Mas a aceitação chega, cedo ou tarde, para todos nós.
Há exatamente um ano estava sentado em frente à TV contemplando tudo o que questionara sobre a vida até então. Um dilúvio havia me carregado para as profundezas, e não foi Noé que me salvou. Eu senti um profundo vazio e de repente parecia tudo tão claro e perfeito. Seja lá o que os poucos assistiram a essa maravilha tiveram, pra mim foi quase uma redenção. Pude enxergar um outro Felipe, e algumas coisas deixaram de ser fundamentais. Talvez os autores desta obra nunca tomem conhecimento da transformação humana que eles causaram ao realizar uma série tão esnobada. Mas eu jamais esquecerei. Jamais esquecerei que ela ajudou a me encontrar. Ela me fez acreditar em Deus mesmo que a narrativa quisesse por vezes te fazer a desacreditar. Ela não só respondeu as minhas dúvidas existenciais, como me fez lembrar, através da sutileza, quem eu sou. E com um monólogo devastador de uma mãe desesperada que perdeu os filhos e por sete anos dedicou a vida a entender o motivo do desaparecimento deles, eu deixo aqui minha saudade. Se arte afeta, transborda, transforma, eu aqui nem sei. Se a Bíblia foi escrita pelo homem por ordem divina, ele mandou um adendo através deste espetáculo pra lembrar que somos Ele, estamos Nele, e Ele pertence naqueles que não só buscam, mas querem acreditar:
“Eu estava no estacionamento, nua, curvada como um bebê. Era o mesmo estacionamento de antes mas não havia trailers, nem pessoas, nem nada. Estava frio então comecei a andar. Passei por casas vazias, prédios abandonados. Então achei uma loja. Eu entrei e haviam roupas penduradas em araras., então eu me vesti e voltei a caminhar. Andei até me convencer de que eu era o único ser vivo lá. Ai anoiteceu, vi luzes e fui até elas. Era uma casa. Havia um homem e uma mulher lá. Foram gentis e me disseram…o homem disse que sete anos antes ele estava em um supermercado e todos desapareceram menos ele. E a mulher me disse que perdeu o marido, as três filhas e os oito netos. Foi quando eu entendi. Aqui…nós perdemos alguns. Mas lá…eles perderam todos nós.” Nora Durst
The Leftovers não será lembrada pela grandiosidade, mas por ser a série mais sincera que eu já vivi.
Julgamento em Nuremberg
4.4 140 Assista Agora“Havia um sentimento em todo país. Um sentimento de desgraça, de indignidade, de fome. Tínhamos uma democracia, sim, mas estava arruinada por elementos internos. Sobretudo, havia medo: medo do presente, medo do futuro, medo de nossos vizinhos e medo de nós mesmos. Somente quando entenderem isto poderão entender o que Hitler significava para nós. Porque ele nos disse: ‘Levantem suas cabeças! Sintam orgulho por serem alemães! Há demônios entre nós: comunistas, liberais, judeus, ciganos! Quando esses demônios forem destruídos, sua miséria terá acabado'. Era a velha história do bode expiatório. E aqueles de nós que sabiam bem mais? Que sabiam que era tudo mentira, pior que a mentira? Por que ficamos em silêncio? Por que participamos? Porque amávamos nosso país! Que diferença faz se alguns extremistas perdem seus direitos? Que diferença faz se algumas minorias perdem seus direitos? É só uma coisa passageira. É só uma etapa que estamos atravessando. Cedo ou tarde será superado. [...] E a história mostra como tivemos êxito, meritíssimo. Triunfamos além dos nossos sonhos. Os mesmos elementos de ódio e poder de Hitler que hipnotizaram a Alemanha, hipnotizaram o mundo. [...] Então, um dia olhamos ao redor e vimos que estávamos diante de um perigo maior ainda. O que veio como algo passageiro se tornou um modo de vida."
O Vento Será Tua Herança
4.4 104 Assista AgoraO roteiro de um filme é uma divindade. Quando se tem uma boa história, você tem arte. A arte é profana, sublime. Inspira, oprime e transforma. Stanley Kramer é um dos poucos que me fez sentir extasiado e destruído. Acabo de conhecer mais um diretor que levarei para a vida.
A memória, os livros, a arte fazem parte da maior preservação do manifesto intelectual. Não há necessidade de doutrinar o homem quando é de direito O PENSAR. E é isso que é a arte. Ela faz o homem elevar as ideias! É glorioso!
Até quando critica, está expondo seu ponto de vista, sua perspectiva. Dentro de cada palavra do homem há um histórico, e através das insinuações podemos decifrá-lo, entender sua origem, seus ensinamentos e até mesmo deduzir quais foram os limites e quais foram as barreiras quebradas.
Stanley Kramer é o único diretor da minha lista que tem nota máxima em dois filmes.
Quando a gente acha que já viveu as possibilidades predestinadas neste mundo, surge uma variável beleza dessas!
"- Acorde, Copérnico. A lei está do lado do legislador e tudo dependerá de suas convicções.
- Por que me ajuda, então?
- Porque sei que o amanhecer não passa de uma ilusão de ótica. Meu professor me ensinou isto".
...
- Li seu artigo ontem. Uma coluna muito tendenciosa por sinal.
- É o dever de um jornal confortar os doentes e adoecer os confortados.
...
- Sabia que no topo do mundo a luz do sol dura seis meses?
- Não vivemos no topo do mundo. E quando o sol se põe, escurece. Por que deveria você mudar a maneira das coisas?
- Não vim trocar a maneira deste povo. Vim defender o direito de pensar de outro modo.
"Excelência, dentro em pouco vão se enfrentar homens contra homens, crença contra crença, num desenrolar de revoltas. Darwin estava errado. O homem ainda é um macaco. "
"Aquele que mal diz à sua casa, o vento será a sua herança."
"Aquele que convida o diabo para jantar deve ter uma colher bem longa."
"Isto pode piorar. Esta gente tem fome de religião."
(Trechos do filme "O Vento Será Tua Herança". 1960)
Stanley Kramer foi descrito por Steven Spielberg como "um de nossos maiores cineastas, não apenas pela arte e paixão que colocou nas telas, mas também pelo impacto que teve na consciência do Mundo".
Filmes que rompem nossas bolhas e revelam cores que não enxergamos são fascinantes! Mesmo que as cores sejam cinzas, são necessárias para entendermos perspectivas sobre as diversas verdades. Eu achava que assistir à tortura em filmes era o máximo do permissível, mas há sutilezas no audiovisual que destroçam de forma muito mais visceral nossa alma.
Eu estava precisando respirar e este diretor me ensinou a fazer isto debaixo d'água.
PS: Quando me recompor tentarei escrever algo sobre "Julgamento em Nuremberg". No momento estou resignificando o poder do cinema em meus pensamentos.
Seu Nome Gravado em Mim
4.0 181Um filme recente que ainda é latente e lembra muito "Seu Nome Gravado em Mim" é "Moonlight". As dificuldades de se aceitar um ser normal porque a cultura/religião o impõe como pecador, a sociedade falocentrista, e a própria dificuldade de lidar com a paixão são devaneios de uma estrutura histórica. A vida poderia ser mais simples se as pessoas não criassem problemas que não existem. Quando achamos que estamos evoluindo para a prosperidade, a capacidade de não ter compaixão e empatia se mostra cada vez mais firme enquanto o homem caminha pra vulnerabilidade do próprio fim.
- Sinto que ele se importa comigo.
- Se importar não significa amar. Não faça os outros irem para o inferno.
- Prefiro ir para o inferno agora. Todos os gays não merecem ir para o inferno? Talvez mais pessoas me entendam lá. Facilite a minha vida e me ajude.
Poético, lindo e sincero!
Druk: Mais Uma Rodada
3.9 798 Assista AgoraA necessidade de levar um tapa na cara é o significado de estarmos a um passo de nos tornar irracionais.
Euphoria: Trouble Don't Last Always
4.3 154Certa vez frequentei uma reunião de jovens cristãos numa igrejinha na praça do Rosário. Um homem bem magro e com o rosto marcado pelo tempo, apesar de afirmar ter a idade dos que o rodeavam na ocasião, contava sua terrível experiência com as drogas. No final, abriu um largo sorriso escancarando a vitória de estar limpo e sóbrio. Pouco tempo depois soube que ele morreu.
Episódios especiais têm, na maioria das vezes, a finalidade de conectar as temporadas, de fazer um resumo discreto para aproximar novos espectadores, de satisfazer o público impaciente com a demora da estreia de um novo ano da sua série, e também para aproveitar o eixo de ligação e realizar um episódio que seja "fora da casinha" utilizando através do texto, da imagem ou do som algo que foge da estrutura, do esqueleto do projeto. Seja pela pandemia ou uma decisão simplesmente artística, o episódio se concentra numa reunião entre uma adicta e seu padrinho da Narcóticos Anônimos. Uma conversa profunda sobre perder e vencer, sobre Deus e injustiças divinas, sobre esforço e revolução, relacionamentos e claro, as drogas.
Como somos cruéis e imperdoáveis com nosso corpo e nossa alma. Como o mundo se tornou um vazio de artifícios sem fim. E como desejamos que tudo acabe logo sem aproveitar a beleza da vida. O que nos tornamos, afinal?
Dói, machuca mesmo pra nós que estamos distantes de uma realidade e enxergamos o adicto como responsável e culpado por suas escolhas, e muitas vezes não damos importância pra dor do outro porque afinal, não foi uma escolha dele entrar nessa?
Foi um soco no estômago!
Nessas horas a gente enxerga com sofrimento o outro e nos faz parecer próximo algo que não queremos aceitar: que recuperar-se das drogas não é o compromisso de um indivíduo. É responsabilidade de toda uma sociedade.
Só há uma palavra que vigora no nível do amor e esta palavra é ESPERANÇA.
"As dificuldades não duram para sempre."
Euphoria (1ª Temporada)
4.3 893O bipolar é vilão da sua própria história. Ele vive um embate de se olhar no espelho e descobrir quem vai vencer o dia. Às vezes a manhã pode estar chuvosa, mas tudo parece brilhante e perfeito. Parece entorpecido por tamanha felicidade e leveza de ver a vida. Quando menos se espera uma rasteira o carrega para o submundo. Recostado à cama, embaixo do edredom, imagina quanto tempo leva o tempo para entender que está pronto pra reerguer de novo. E entre o céu e o inferno existe o surto. Gastos exorbitantes na fase de euforia, brigas e constrangimentos na fase depressiva. Quando não se mutila, procura o álcool, as drogas, o sexo, alguma sensação de sobrevida, de sentir o que dentro dele aparenta não existir mais. É um grito constante de sufoco e conflitos. Há uma sensibilidade e uma dureza no olhar submerso por passagens de humores e quase até de personalidades que envolvem um único indivíduo. O mundo que ora é mágico, ora se torna um terror. E então surge a cumplicidade. O de fora raramente consegue entender uma cabeça repleta de criatividade e sensibilidade, porque do nada tudo torna um furacão.
Euphoria, série exibida em 2019 pela HBO, é um grato exemplo e honesto, por assim dizer, da realidade de um personagem que existe e habita entre nós. Há tempos o tempo muda, aliás o que será eterno se é mutável? Antes os problemas psicológicos eram frescura, coisa até de gente rica, de quem tem tempo pra pensar. Hoje, transtornos de ansiedade, depressão, déficit de atenção, seres que parecem extremamente vivos e de repente mortos. Profissionais inconsequentes performam quase a loucura ao diagnosticar facilmente um paciente e submeter um filho, um amigo aos vícios da indústria farmacêutica. Nada se cura, só muda a dor. O que antes doía na alma agora ofende o corpo. E apodrece.
A sequência final da primeira temporada é algo impactante! Quem é bipolar vive exatamente a euforia, dos picos de felicidade a um mortal em uma piscina profunda e vazia. Toda sujeira do passado vem à tona, e revive as dores como se fosse o agora, num looping infinito. Passa, mas parece que dura para sempre.
A arte às vezes parece só entreter, mas há avisos de gatilhos por aí: o que não ofende, ensina. Por vezes aprendemos muito mais até na dor. Desenvolvida por Sam Levinson, tendo no elenco Zendaya - vencedora Do Emmys deste ano pela sua performance na série, Euphoria narra a turbulenta vida de uma jovem com bipolaridade após sair de uma clínica de reabilitação por overdose. O que parece ser uma série para adolescente, revela-se um programa para maiores de dezoito anos. Porque ter problemas mentais é fácil quando a sociedade revela ser doentia. E isto a série sabe mostrar como ninguém.
We Are Who We Are (1ª Temporada)
3.8 132Com a sensível mensagem de que o diferente também é normal, We Are Who We Are encerra com sonhos por finais felizes aos que apenas desejam estar em paz em meio ao caos.
"It is what it is."
Right Here, Right Now.
Roger Waters: Us + Them
4.6 15 Assista AgoraObviamente todo mundo que preze pela cultura ou conheça um pouco da história do rock já ouviu falar no Pink Floyd. Tardiamente fui entender o que havia por trás da banda e não nos embalos. E palavras, pra um analfabeto auditivo, são apenas zumbidos. Roger Waters é ensurdecedor. Não de uma maneira ruim. É que nos sufoca essa inexistência do homem diante do grito do vocalista. Quem não entende o que Roger procura, não entende nada.
"Precisamos do amor que existe nesta sala espalhar suavemente por todo o mundo, se quisermos ter a chance de descobrir como ter empatia com nossos companheiros seres humanos o suficiente para agir coletivamente, e para impedir que os porcos destruam este planeta frágil e bonito em que vivemos. " - Roger Waters
É muito bom quando acontece um ato de convergência nas coisas. Eu minimamente teria interesse em pesquisar sobre Roger Walters, ou viveria satisfatoriamente com as poucas músicas que adentraram nos meus ouvidos na época do vinil, escutadas por mim e por meu pai. O trailer de Duna - 2021 me levou de volta até Pink Floyd, e agora parece que minha vida não será mais a mesma depois dos dois. Ou dos três: o livro, o filme, a música. A arte!
Amores Brutos
4.2 818 Assista AgoraRevendo este filme dez anos depois, precisei voltar aqui e reavaliar minha nota. Um filme que disseca a natureza do homem, desnuda a crueldade e a capacidade dele se mostrar medíocre, ou até abaixo disso, escancarando desde o início desta obra. O homem não é só capaz de destruir a vida do outro mas tornar o próprio irracional um animal perigoso. Mas no fim fica a pergunta: o que estamos fazendo com nós mesmos? Que desejo é este que nos corrompe com tanta facilidade e nos torna algo que ainda não há descrito no dicionário? Amores Brutos é muito sobre o amor, sim, mas um amor que não deveria fazer parte de nós. Nos enganamos e substituímos palavras pra significar algo bom quando causamos mal ao outro. E no fim o que sobra é o vazio. Visceral e obrigatório. A arte nos revela o que a plasticidade dos tempos atuais tem tirado de nós: nossos sentimentos mais puros e honestos. Estamos feitos cães em rinha, brigando sem sequer saber o motivo. Depois de uma geração frágil, é chegada a hora de estampar feridas e se fazer sentir. Só assim voltaremos a viver e não apenas existir.
Succession (2ª Temporada)
4.5 228 Assista AgoraA sequência final da segunda temporada de Succession é de uma tensão fora do comum! Algo que poucos artistas conseguem fazer! Satisfatoriamente perturbador!
Central do Brasil
4.1 1,8K Assista Agora"Josué,
Faz muito tempo que não mando uma carta pra alguém. Agora eu tô mandando essa carta pra você.
Você tem razão, seu pai ainda vai aparecer, e com certeza ele é tudo aquilo que você diz que ele é. Eu lembro do meu pai me levando na locomotiva que ele dirigia, ele deixou eu, uma menininha, dar o apito do trem a viagem inteira! Quando você estiver cruzando as estradas no seu caminhão enorme, espero que você lembre que fui eu a primeira pessoa a te fazer botar a mão no volante! Também vai ser melhor pra você ficar aí com seus irmãos, você merece muito, muito mais do que eu tenho pra te dar. No dia que você quiser lembrar de mim, dá uma olhada no retratinho que a gente tirou junto. Eu digo isso porque tenho medo que um dia você também me esqueça.
Tenho saudade do meu pai.
Tenho saudade de tudo.
Dora."
Irreversível
4.0 1,8K Assista AgoraNoé: O Retrato Miserável e Grotesco da Carne Humana.
Essa que escondemos quem somos pra que ninguém nos aponte.
- Por que diachos eu veria filmes tão cruéis quando queremos experimentar o belo, o engraçado, o aconchegante?
O diretor tem como premissa o desconforto. Em suas obras, ele relata de forma crua a natureza dos seres humanos. Revela que podemos ser felizes, mas ao mesmo tempo miseráveis. Sempre quando lança seus filmes, as pessoas saem das salas de exibição desacreditadas. A perturbação é a força motriz dos filmes e o abismo é o último lugar onde o ser humano pode chegar.
O Tempo destrói tudo — é assim que começa. Muitos relatam que assistir a IRREVERSÍVEL é perder a fé na humanidade.
A capacidade do homem em se revelar um animal e colocar em risco a perspectiva de vida dos outros. Como somos capazes de nos jogar no fundo do poço?
O poder do audiovisual vai muito além de combinações de imagens e som. A arte por si só é um enigma que coloca-nos além do nosso estado psicológico.
Abordar assuntos polêmicos nos ajudam a elaborar nosso próprio juízo sobre o mundo que vivemos.
“O futuro já está escrito. E a prova são os sonhos premonitórios”
Achei que nunca mais teria coragem de escrever sobre esta obra, apesar dela estar em todo lugar. Na minha lista de filmes de drama, terror, nos melhores filmes, nos piores também. Devo ter contado aos quatro cantos a primeira vez que a assisti. Há dez anos eu não tinha muita noção sobre lidar com algo que iria enrijecer o peito e me provocar medo. Era hora de me tornar adulto. Estava sentado às duas da manhã, com fones de ouvido num ambiente escuro, terminando esta obra-prima. Encho-me ao dizer que foi uma das experiências audiovisuais mais conturbadoras em toda minha existência. Não sei se era hora e nem lugar. Mas aqui estamos às duas da manhã, fone no ouvido, ambiente escuro mais uma vez.
E então adentramos ao submundo de Rectum, com a primeira de várias sequências que ficarão na memória para todo o sempre. Bons diretores contam boas histórias, não necessariamente histórias boas de serem vistas e ouvidas.
Agora recordo-me de ter evitado reprisar este misto de emoções por DEZ ANOS! A tortura não é desfalecer junto à jovem, mas conhecer o que precede quando a história continua, compartilhando uma notícia perversa que a vítima desconhece. Há algo sobre nós humanos que não permitimos, ou não deveríamos permitir. É um repúdio que habita no nosso caráter, na nossa índole. Mas os males correm nas veias do homo sapiens.
Enquanto a Alex narra um sonho sobre ocorrências que viria a seguir, Marcus fica preocupado em ser gentil com o amigo dos dois, uma vez que ele sente no dever de ser bondoso após ter roubado a namorada do outro para si. O fato dela entregar o discurso de que as mulheres decidem sobre elas, diante do que vai acontecer minutos depois, é doloroso demais. Eles conversam sobre prazeres, o sexo, e mal sabem o que o futuro reserva. Este é o grande trunfo ao narrar sobre premonições, sobre o tempo e principalmente sobre não sabermos exatamente nada sobre nós. Inadmissível que a vida seja cruel, que tenhamos que sofrer.
O cinema então deixa a função de divertir para apresentar elementos de cunho social, dando relevância aquilo que realmente precisamos dedicar nossa atenção neste momento: como lidamos com as nossas vidas e a dos outros. Quem é o vilão senão nós mesmos?
Dificilmente entramos na sala de cinema pra errar. Sempre buscamos o melhor para que a recompensa seja válida, ainda mais com os ingressos caríssimos. Com Gaspar Noé minha experiência sempre foi oposta. De estômago vazio, geralmente sozinho, me coloco a corromper minha realidade para entregar ao sadismo e poesia reptiliana. Este é o filme que elimina a decência e nos faz passar mal. Assim foi quando assisti “Irreversível” pela primeira vez, o filme que tomou meus sonhos por longas noites e me atirou pra outro nível de questionamento. Não era sobre os grandes dilemas da vida que me permeava. Era o sonoro, o visual, gritante e impactante realidade dos nossos dias que estão ocorrendo a nossa volta, enquanto dentro do ônibus ouvimos um pop sofrível, esperando chegar vivo e são em casa.
Às vezes a arte seja mais que colocar sorrisos no rosto do palhaço, e sim desmascara-lo. Sempre fui do tipo que prefere intrometer na vida por trás do picadeiro que das piadas no palco. Me preparo físico e psicologicamente. Pode até parecer grotesco, as pessoas esquecem que a vida real dói, até demais, e escancarar isto na tela pode chocar os incrédulos, machucar os ingênuos e atordoar os sensíveis. Mas a vida não vem com manual como os caríssimos brinquedos estampados nas prateleiras. Não saber brincar pode nos custar a vida. E a arte gosta de nos lembrar que nem de gozo vive o homem.
Noé produz o tipo de filme que por agora fico apenas a me recompor das náuseas e seguir adiante. O desconforto é enorme, e ele nunca me desaponta!
A Tartaruga Vermelha
4.1 392 Assista AgoraComo dói descobrir que a beleza está nas coisas mais simples da vida.
Contos do Loop (1ª Temporada)
4.3 218 Assista AgoraSó se é possível admirar a vida quando ela é vivenciada!
UM PRIMOR!
O Príncipe do Egito
3.6 434 Assista AgoraUma das histórias que mais me emociona da Bíblia, "O Príncipe do Egito" narra a promessa de um povo escravizado que clama por sua liberdade, enquanto um homem do povo, mas criado pela dinastia, se revela responsável por mudar o rumo dos oprimidos, dando esperança à humanidade.
The Midnight Gospel (1ª Temporada)
4.5 455 Assista AgoraO episódio final é uma apoteose. Chorei lágrimas que estavam trancadas dentro de mim há muito tempo. Cara, sem palavras agora!
Westworld (3ª Temporada)
3.6 322São muitos temas, personagens, o terreno precisava estar bem preparado. No entanto a busca incansável por resultados acaba frustrando diversas vezes o espectador que precisa algo pra conectar e sentir satisfeito.
Quando ouvi rumores sobre a dificuldade que os produtores estavam passando em desenvolver a trama, fiquei imaginando o que J.J. Abrams, Jonathan Nolan e Lisa Joy preparavam à sete chaves para a estréia da série que se tornaria o carro chefe da emissora. Abrimos a porta do parque sem saber como a experiência iria nos enriquecer como seres humanos. E agora estamos vivendo como anfitriões, de um conhecimento limitado e impreciso, perdurando à espera de encontrar o centro do nosso próprio labirinto. É preciso muitos pontos para seguirmos retas e curvas, e o que temos encontrado são apenas buracos.
Watchmen
4.4 562 Assista AgoraA HBO tem a marca de desenvolver em suas séries episódios icônicos que fogem da narrativa habitual e elevam o patamar dos seus produtos. O episódio oito de Watchmen é uma epifania!
De um lado, temos Dr. Manhattan, um Deus onisciente, onipresente que tenta convencer a garota do bar que ela é e será o grande amor da sua vida. Angela, sem saber do futuro, o questiona dando início a um dos diálogos mais originais e inteligentes da TV!
Contada através de flashbacks entendemos o propósito dos personagens assim como parte da resolução da trama, de forma magistral, talvez nunca vista antes no audiovisual, ou ao menos utilizada perfeitamente sob o contexto da série. É verdadeiramente uma obra-prima!
E se tornou uma das histórias de amor mais belas que já vi!
Sobre o eterno e o finito. O racional e a emoção. Sobre ser intrínseco e mutável. Sobre falhas e perfeição!
Dois Papas
4.1 962 Assista AgoraDepois do polêmico especial de Natal do Porta dos Fundos, a Netflix nos apresenta com o belíssimo filme Dois Papas, dirigido por Fernando Meirelles. É de um primor, uma fonte de boas intenções. A esta altura do campeonato não seria necessário reforçar, mas democracia é não impor o que deve ou não ser produzido, e sim ter discernimento para escolher o que assiste. Um filme que emociona, e restaura a fé até mesmo em quem não acredita mais na humanidade, transmitindo uma mensagem final além da esperança. É chegada a hora de estourar a bolha e reconhecermos com humildade nossas falhas e nossos propósitos, para que possamos continuar olhando pra trás com perdão, e seguindo adiante com amor. Terminar o ano assistindo Dois Papas é um alívio enorme! Um sinal de recomeço, de que dias melhores sempre virão. "Se tiver que haver lágrimas, que sejam lágrimas de alegria".
Euphoria (1ª Temporada)
4.3 893Raramente a gente encontra algo tão singular e vislumbrante a ponto de se arrepiar todo. Começou como série sobre jovens, terminou como obra de arte! Não é TV, é HBO.
Clímax
3.6 1,1K Assista AgoraDificilmente entramos na sala de cinema pra errar. Sempre buscamos o melhor para que a recompensa seja válida, ainda mais com os ingressos caríssimos. Com Gaspar Noé minha experiência sempre foi oposta. De estômago vazio, geralmente sozinho, me coloco a corromper minha realidade para entregar ao sadismo e poesia reptiliana. Este é o filme que elimina a decência e nos faz passar mal. Lembro quando assisti pela primeira vez "Irreversível", o filme que tomou meus sonhos por longas noites e me atirou pra outro nível de questionamento. Não era sobre os grandes dilemas da vida que me permeava. Era o sonoro, o visual, gritante e impactante realidade dos nossos dias que estão ocorrendo a nossa volta, o tempo todo, enquanto dentro do ônibus ouvimos um pop sofrível, esperando chegar vivo e são em casa.
Às vezes a arte seja mais que colocar sorrisos no rosto do palhaço, e sim desmascara-lo. Sempre fui do tipo que prefere intrometer na vida por trás do picadeiro que das piadas no palco. Clímax, o mais recente filme de um dos meus diretores favoritos, nos coloca diante de uma obra de Marquês de Sade. É lindo ao ponto de embrulhar o estômago. Não é de hoje que tenho esta relação com Gaspar Noé. Me preparo físico e psicologicamente. Pode até parecer grotesco, as pessoas esquecem que a vida real dói, até demais, e escancarar isto na tela pode chocar os incrédulos, machucar os ingênuos e atordoar os sensíveis. Mas a vida não vem com manual como os caríssimos brinquedos estampados nas prateleiras. Não saber brincar pode nos custar a vida. E a arte gosta de nos lembrar que nem de gozo vive o homem. É o tipo de filme que por agora fico apenas a me recompor das náuseas e seguir em diante. O desconforto é enorme, e Noé nunca me desaponta!
Democracia em Vertigem
4.1 1,3KÀs nove da manhã, tive que me sentar à mesa e pedir uma cerveja. Passei a folga a me afogar diante do maior espetáculo roteirizado pela corrupção instaurada no Brasil do planeta Terra. Eu tinha apenas uns doze anos quando isso tudo aconteceu. Lembro da felicidade estampada no rosto marcado de gente que vivia do pouco, pessoas que representavam bem a cara do nosso país. Quatro anos mais tarde eu faria um documentário pra escola acompanhando uma senhora catadora de lixo do meu município, vivendo de perto uma realidade diferente dos meus dias habituais. Era em meados dos anos dois mil, enquanto voltava da escola, que o sorriso do trabalhador estampava o jornal da vida. Era uma alegria que não cabia mais. Uma vitória dada aos pobres, para os pobres.
Ali brincando de amassar barro, pescar lambaris à margem do açude e fazer guerra com mamonas, eu aprendi muito sobre política. Nunca esquecerei quando minha mãe me ensinou, ainda muito pequeno, a partilhar o algodão doce que havia ganhado logo após sair da igreja com uma criança que estava descalça, a minha frente. Nunca esquecerei dos dias que visitava meu avô no seu pequeno recanto de trabalho, consertando algumas parafernálias, enquanto o outro avô vendia leite na cidade. Quando me custava a ganhar moedinhas para comprar doces na vendinha do Zé Aloísio, ou sodinha na pastelaria do Joãozinho, ou comer aquele bom e velho pão com salame. Eram nestes pequenos detalhes que eu aprendia a moeda de troca, o convívio social e a recompensa. Como fui covarde ao pedir a conta do boteco sem me lembrar do mais importante. Como fui covarde por ser omisso politicamente por tanto tempo.
Chega a ser adstringente nossas escolhas políticas durante os últimos anos e assistindo ao documentário DEMOCRACIA EM VERTIGEM parece que tudo aconteceu há muito tempo. A cerveja descia quente enquanto recordava do momento que eu estava lá, diante da TV e ouvindo panelas se fundirem com estalos repetitivos. Eu estava feliz naquele dia, assim quando vetaram o pedido da Dilma pro Lula ser o novo ministro da economia. Eu estava feliz quando aquele homem pomposo e de sobrancelhas franzidas trazia um novo significado de justiça para o nosso país. Realmente o Juiz do Paraná me lembrava muito certo herói, super-herói!
"Numa festa no Palácio dos Bandeirantes, um político pergunta pro empresário: Você por aqui?
E o empresário responde: eu tô sempre aqui, vocês políticos que mudam."
Na última eleição, segui em silêncio a justificar meu voto quando fui parado pelo porteiro do prédio.
- E aí vai votar em quem? - e arreganhou aqueles dentes faceiros de quem parecia saber a minha resposta.
- O voto ainda é secreto, não é verdade?
- É - pensou - verdade. - e me deu um tapa saudoso nas costas - vencemos, amigo! Vencemos.
E agora estamos aqui, brincando de fazer justiça, rasgando a constituição. Em que tempo me perdi, ao me permitir iludir mesmo ouvindo desde criança que político bom é político preso? E agora até a lei está acima da lei.
Às vezes me pego olhando para a cara de conhecidos e estranhos na rua, pensando sutilmente se eles estariam enlouquecendo comigo ou somente eu tomei deste veneno. Vejo uma bandeira do Brasil e sinto o ranço instaurando em mim. Já perdi incontáveis amigos. Já pensei em me desfazer de outros cem que não suporto nem ouvir mais o nome. Me perdoe meu Brasil brasileiro, mas o que fizeram de ti? E o que "eles" fizeram de mim? Com o meu verde e amarelo, preciosa pátria de formas únicas! Esta bandeira não é exclusiva só pra quem veste cores de um partido, ela também é minha!
Voltando pra casa me pergunto o que aquela senhora, que passou a vida catando lixo pra sobreviver ao descaso do povo, estaria fazendo neste momento. E se o que ela limpou neste mundo seria o suficiente pra barrar a sujeira que estamos vivendo agora.
As palavras dela ecoam a minha cabeça. Era sobre a justiça da sobrevivência, justiça para os dias iguais aos meus, aos dela. "Seja honesto, menino" ela dizia enquanto uma lágrima escorria ao falar da condição da sua família, sobre o suor que descia com fome dessa justiça.
Não existe justiça, existe o que os homens determinam justiça.
Seja honesto, menino!
Deixando Neverland
3.4 245Eu soube que ele era grande demais assim que ouvi sua música pela primeira vez. Não no sentido de escutar, mas de entender o que aquela canção dizia pra mim, sobre mim. Pouco tempo depois ele faleceu. Mal sabia de todas as suas polêmicas, ele era um ídolo, um gênio do pop.
"Eu quero falar a verdade. Tão alto quanto a mentira que eu sempre contei."
Após quatro horas do documentário é difícil não se sentir culpado e irritado com a própria negligência diante dos fatos. Isso parece acontecer conosco o tempo todo, não é verdade? Mentir pra nós mesmos porque não aceitamos que somos fãs de seres falhos. As lágrimas caem. São as fases do luto que não deixamos passar. Negação, raiva, barganha, depressão.
E no fim nos resta uma tristeza profunda. Por todas as vidas que passaram por este fenômeno sem saberem como voltar a viver em paz. De saber que o grande ídolo, nem tão grande ele era.
Até mesmo o brilho, com o tempo, fica esquecido pra trás.
Dentro do nosso coração fica difícil escolher a verdade.
Mas a aceitação chega, cedo ou tarde, para todos nós.
The Leftovers (3ª Temporada)
4.5 427 Assista AgoraHá exatamente um ano estava sentado em frente à TV contemplando tudo o que questionara sobre a vida até então. Um dilúvio havia me carregado para as profundezas, e não foi Noé que me salvou. Eu senti um profundo vazio e de repente parecia tudo tão claro e perfeito. Seja lá o que os poucos assistiram a essa maravilha tiveram, pra mim foi quase uma redenção. Pude enxergar um outro Felipe, e algumas coisas deixaram de ser fundamentais. Talvez os autores desta obra nunca tomem conhecimento da transformação humana que eles causaram ao realizar uma série tão esnobada. Mas eu jamais esquecerei. Jamais esquecerei que ela ajudou a me encontrar. Ela me fez acreditar em Deus mesmo que a narrativa quisesse por vezes te fazer a desacreditar. Ela não só respondeu as minhas dúvidas existenciais, como me fez lembrar, através da sutileza, quem eu sou. E com um monólogo devastador de uma mãe desesperada que perdeu os filhos e por sete anos dedicou a vida a entender o motivo do desaparecimento deles, eu deixo aqui minha saudade. Se arte afeta, transborda, transforma, eu aqui nem sei. Se a Bíblia foi escrita pelo homem por ordem divina, ele mandou um adendo através deste espetáculo pra lembrar que somos Ele, estamos Nele, e Ele pertence naqueles que não só buscam, mas querem acreditar:
“Eu estava no estacionamento, nua, curvada como um bebê. Era o mesmo estacionamento de antes mas não havia trailers, nem pessoas, nem nada. Estava frio então comecei a andar. Passei por casas vazias, prédios abandonados. Então achei uma loja. Eu entrei e haviam roupas penduradas em araras., então eu me vesti e voltei a caminhar. Andei até me convencer de que eu era o único ser vivo lá. Ai anoiteceu, vi luzes e fui até elas. Era uma casa. Havia um homem e uma mulher lá. Foram gentis e me disseram…o homem disse que sete anos antes ele estava em um supermercado e todos desapareceram menos ele. E a mulher me disse que perdeu o marido, as três filhas e os oito netos. Foi quando eu entendi. Aqui…nós perdemos alguns. Mas lá…eles perderam todos nós.” Nora Durst
The Leftovers não será lembrada pela grandiosidade, mas por ser a série mais sincera que eu já vivi.