No ano passado, durante uma de minhas aulas da faculdade, uma colega de disciplina (estando ela no primeiro semestre e eu, no oitavo) disse que O Nome da Rosa é um filme "nada a ver". Eu fiquei indignado, mesmo que eu não concorde com o fácil argumento do "você viu errado".
Hoje revi o filme e, de fato, o argumento dito acima se reforça. Compreendo que seja um filme difícil de lidar pelo ritmo vagaroso para uma geração acostumada a montagens frenéticas, cheias de luzes piscando e efeitos "mentirosos". Qual seria a graça de ver um filme sobre monges num mosteiro?
O primor de O Nome da Rosa está nesse contraste em relação à época de sua produção: uma história atemporal num contexto temporal. A profundidade da experiência é a mesma de quando se vê A Guerra do Fogo, do mesmo diretor. A abordagem discute as relações humanas e o conhecimento de forma inteligente e, propriamente, visual.
É um filme escuro, que contrasta as pequenas chamas de informação com a escuridão da censura dos monges ao acesso ao conhecimento, por ser conteúdo potencialmente "perigoso". Em tempos sombrios, a memória de outras trevas fica ainda mais dolorosa e próxima da realidade.
Este filme lembra o quanto o conhecimento é importante, e também o quanto a compaixão e o amor são mais poderosos que a autoridade do homem em nome de Deus. Um filme essencial.
Este é mais um filme que entra para a safra de cinebiografias medianas sobre grandes artistas. É um filme cuja única necessidade é perpetuar o legado dos maiores.
Mas de forma alguma é um filme dispensável: a narrativa trabalha muito bem a relação de Stanley e Oliver em seus últimos anos de carreira, após um período de fracassos pela Fox, que não faziam jus à dupla. Para estudiosos de cinema e amantes da comédia clássica, é um prato cheio com direito a algumas das piadas clássicas da dupla.
John C. Reilly está irreconhecível (no melhor sentido) como Oliver e Steve Coogan sabe trabalhar a dualidade entre o Stanley real e o "Magro".
Descobri este clássico graças a Martin Scorsese em seu documentário Uma Viagem Pessoal pelo Cinema Americano. O que este filme tem de astucioso não cabe no gibi, pois demonstra a vasta habilidade de seu realizador após anos dirigindo no star system de Hollywood, com grande destaque em musicais.
Aqui, no entanto, não é um filme musical e tampouco alegre e cheio de luz e cores. É um legítimo noir, cujo "criminoso" é um antigo produtor de cinema cuja reputação é desprezível (e isso é deixado claro logo nos primeiros minutos). A estrutura narrativa começa próxima do fim e é contada através de flashbacks com informações pontualmente bem distribuídas. É um suspense sobre a reputação de um homem.
A fotografia em preto-e-branco é não apenas estilística, mas também diegética de maneira sublime. Os atores estão ótimos, com destaque para Kirk Douglas em uma interpretação sedutora, ao fazer um personagem inescrupuloso, porém simpático e convincente. Um manipulador egocêntrico que foi capaz de ganhar projetos e até profissionais gabaritados.
Eu adoro encontrar filmes que contam a história de Hollywood com ficção. Não é perfeito como Crepúsculo dos Deuses, mas vale muito a pena conferi-lo.
Ainda estou impressionado que este filme seja de 1930, sendo então um dos primeiros exemplares dos talkies num design de som ímpar para sua época. Inclusive reconheço vestígios do cinema mudo, considerando que Lewis Milestone já dirigiu comédias antes, sendo O Caçula de Harold Lloyd uma delas.
O filme começa com alto astral, quase como uma propaganda de guerra do qual convoca-se o espectador a se alistar (muito antes da Segunda Guerra eclodir). Você vê rostos sorridentes, olhares brilhantes e um otimismo quase cego pelo futuro que os aguarda. É daí que vem o pulo do gato: o filme contradiz tudo quando você menos espera.
Não há protagonistas, a história é desenvolvida a partir de um grupo de jovens que, inflamados por seu professor, alistam-se na guerra e descobrem a realidade da pior forma. Soldados psicologicamente perturbados, feridas abertas por estilhaços, a guerra tem mais horrores que os combates na Terra de Ninguém. O pessimismo é forte e não há redenção.
A narrativa muito bem elaborada passa por todos os estágios pelo qual passam os soldados, desde a propaganda para o alistamento até a falsa impressão que os civis possuem a respeito da guerra. Um belíssimo trabalho de roteiro, além de fazer excelente uso do silêncio em momentos-chave.
Todo o filme é um tapa na cara, mas o final…
A dolorosa experiência de Sem Novidades no Front é necessária para lembrar do que é muito dito a respeito: Na guerra, só há perdedores.
Há um dilema recorrente na publicidade a respeito de vender seu produto: como implantar uma ideia. A dificuldade em fazê-lo varia partindo de fatores como orçamento, tempo de exibição e mídia. Como fazer quando se assume a campanha opositora num plebiscito forjado?
A trama deste filme foi o que mais me atraiu, porque tive as mesmas dúvidas que os publicitários da época da campanha para o plebiscito de 1988 no Chile. A estética do filme é crua, quase documental, com um tratamento de imagem que lembra as câmeras da época. É um filme tecnicamente bem feito, mas o roteiro deixa a desejar, apresentando um recorte de diálogos bastante expositivos, porém temporalmente difusos. É muito didático e, em alguns momentos, parece contar para quem já conhece superficialmente a história real. A direção também peca ao não dar peso dramático à cenas, ao confiar demais na fotografia e nos atores. Muitos momentos que deveriam ser de impacto ficam blasé.
O plebiscito em si é uma oportunidade de ouro, mas um risco considerando que há repressão política para desmoralizar a campanha. Além da injusta limitação a 15 minutos (enquanto a campanha do "Sim" tem 15 min e o restante da programação televisiva à disposição), como convencer o povo a votar contra a ditadura do Gal. Pinochet? Ainda há muito medo no povo oprimido.
A proposta de "alegria" da campanha real parece absurda, mas minha experiência em publicidade percebe que a ideia faz sentido. Afinal, o público já conhece na pele as atrocidades que os primeiros responsáveis da campanha do "Não" querem tanto divulgar. Enquanto para alguns é a chance de denunciar o governo para o mundo de forma agressiva, o protagonista percebe a psicologia reversa da campanha e elabora outra para cativar o público. É a forma que ele encontrou para unir ao invés de dividir.
Este filme vale mais por seu contexto histórico do que pela sua técnica e sua reconstituição de época, mas é importantíssimo para ver e compreender o peso da propaganda em tempos sombrios.
Muito antes de Aladdin e numa época áurea que não volta mais, Raoul Walsh e Douglas Fairbanks nos presentearam com este clássico do cinema mudo.
Baseado no conto do livro As Mil e Uma Noites, este filme entrega um espetáculo digno do auge do cinema de pantomima, com acrobacias circenses e cenários monumentais. Fairbanks está em plena forma física, ao ponto de dar inveja.
Não há ainda o gênio da lâmpada, mas há magia e efeitos visuais exuberantes que nada deixam a desejar. Apenas a canastrice própria dos atores da época ficou datada, mas a experiência de ver esta obra (ao som da trilha musical de Carl Davis) ainda vale muito para qualquer amante da sétima arte.
Quanto mais redutíveis somos, mais insensíveis ficamos. Este filme de Frank Borzage me foi um tapa na cara.
O Anjo das Ruas é um drama profundo que o cinema mudo nos reserva, ao contar apenas com imagem e música a história de uma jovem napolitana que foge da polícia por roubar para salvar sua mãe doente e, tendo a vida reformada fugindo com um circo, decide voltar a Nápoles e recomeçar vivendo com um pintor andarilho.
A câmera de Borzage é sensível e atenta, ao acompanhar Janet Gaynor entregando uma mulher apaixonada e leal a quem lhe cuidou quando mais precisava. Infelizmente, Angela sofre mais do que deveria por seu passado e por julgamentos alheios. Sua verdadeira alma somente foi percebida por Gino, o pintor com quem ela se apaixona.
A arte da pintura, da imagem enevoada de Nápoles, da trilha musical com O Sole Mio "assobiado" pelos personagens, tornam a experiência catártica.
Uma das coisas que mais me dá prazer em ser um desbravador da história do cinema é encontrar pérolas que quase se perdem com o tempo e apresentam um impacto maior ao executar melhor as convenções cinematográficas que muitos filmes recentes não souberam fazer.
Neste filme do sueco Victor Sjöström (cujo crédito adapta para Seastrom), há uma sublime experiência visual que compensa o roteiro datado. O vento é a força que move a narrativa junto com a poderosa interpretação de Lillian Gish, em um dos papéis mais desafiadores de sua carreira. Um vento não apenas gráfico, mas também simbólico.
O horror no olhar de Letty é poderoso e convincente, ao ver-se encurralada pela ventania constante, pelo tratamento hostil da esposa de seu primo e pelas constantes investidas do inconveniente Wirt Roddy. A cena final é uma possível consequência da época do filme, mas a composição de planos e efeitos visuais de Sjöström é um espetáculo que mantém a atenção do espectador até o fim.
Vento e Areia é uma legítima obra-prima da era muda.
A peça é de 1958. O filme é de 1980. A história, no entanto, permanece atual.
O Brasil estava em pleno processo de abertura política. A classe trabalhadora sofria (e ainda sofre) na mão dos maus patrões e era o auge das greves do ABC paulista. Mas o que mudou de lá para cá?
Aparentemente pouca coisa, ainda mais com a situação política brasileira atual. O que este filme faz, porém, é lembrar ao público onde estamos e o que fazem quando não percebemos. Isso reflete muito das discussões sociais do extinto Teatro Arena, desmontado durante o regime militar e onde a peça teatral de Gianfrancesco Guarnieri estreou.
Em toda família da classe média há um personagem dessa história: o pai alcoólatra, o filho egoísta e iludido, a mãe dedicada, todos reflexos do Brasil real que a mídia tenta nos esconder.
Ao escrever Eles Não Usam Black-Tie, Guarnieri (aqui atuando magistralmente como Otávio) desenvolve uma narrativa tão verossímil e próxima de nossa realidade que chega a nos surpreender pela plausibilidade. Os diálogos são fortes e significativos. Não há floreios ou exageros: tudo ali é verdadeiro em essência.
Fernanda Montenegro é uma monstra sagrada que, se alguém a abomina, boa pessoa não é. Sua presença em cena é magnética e sua química com Guarnieri torna tudo mais intenso.
O cinema brasileiro é cheio de filmes marcantes que não devem ser esquecidos jamais. Este mesmo é um exemplar essencial.
O que este documentário tem de didático, tem de arrastado, mas é um excelente documento histórico. Infelizmente não dá para florear algo que necessita ser denunciado de maneira crua.
Não há nada mais reducionista e arbitrário que considerar a arte como espelho de um mundo belo sob a perspectiva ariana, sem deformidades ou incongruências. É tentar justificar racismo e xenofobia com tradicionalismos artísticos. Por esta razão, Arquitetura da Destruição revela os elos que ligam a ideia de uma arte "heroica e imperativa" com a tentativa de "limpar" o povo alemão. A imposição ideológica do Reich difere muito pouco do que a extrema-direita faz conosco atualmente, no que concerne em propagar o ideal de uma nostalgia perfeita. A diferença é que está muito mais difícil para eles sustentar uma narrativa tão esdrúxula (Ainda bem!).
Mas não se engane: eles tentam empurrar guela abaixo um ideal estético extremamente inconsequente (para não dizer perigoso) e da maneira mais catastrófica possível. Doentes eram tratados como uma epidemia e diferentes eram tratados como doença. O argumento de Paul Schultze-Naumburg utilizando-se de fotografias médicas para discutir a respeito da chamada "arte degenerada" é de um mau-gosto tão grosseiro que chega a ser indefensável.
Arte deve ser livre para provocar, seduzir e fazer refletir seu consumidor. Ao restringir a arte a pinturas, esculturas e estruturas bonitas, Hitler restringia os artistas a denunciar, a instigar e a criar. É como se pusesse uma coleira no artista, enclausurando-o e censurando-o (ou tentando apagar suas obras através da deturpação).
Tudo isso pela visão de um sujeitinho orgulhoso e limitado intelectualmente que não soube aprender com as recusas que sofreu e decidiu agir como um filhinho-de-papai mimado que, não satisfeito em decorar o próprio quarto, resolveu que iria decorar a casa toda.
Bacurau consegue a proeza que pouquíssimos filmes conseguem: apresentar sempre uma informação inédita a cada revisita, que nos faz perceber a profundidade elementar na narrativa do filme. É um deleite para quem se identifica e quem reconhece o que acontece em Bacurau, seja no povoado ou entre os gringos.
Voltei há pouco numa sessão comentada com os diretores. A cada informação dada, uma nova percepção do que é fazer cinema, com suas felicidades, suas dificuldades e seu prestígio. Cinema se faz com [muita] dedicação.
Este filme, se caducar, vai durar muito. Acredito que não vai caducar jamais.
É lindo quando o folclore se manifesta em suas danças e manifestações artísticas, como é o caso do Maracatu aqui neste filme. Infelizmente percebi que o Maracatu era mais contextual que narrativo.
O filme apresenta um recorte de esquetes dramáticas e às vezes cômicas numa narrativa que se inicia e não dá em lugar algum. O roteiro não possui uma estrutura narrativa muito coerente exceto pelo Maracatu, o principal elo de ligação da trama.
Me diverti em algumas cenas, em outras eu, como montador, facilmente cortaria ou mudaria de posição. O elenco está muito bem, mas Valmir do Côco como Katita se destaca muito. Creio que seu personagem seja ele próprio reconstituído.
Há uma cena em especial que eu achei mais engraçada pela referência do que pela composição da cena. A referência está aqui: https://www.youtube.com/watch?v=wb1YGWxjWP4
No mais, é um filme que achei apenas legal. Divertido, mas não muito recomendável.
Com um roteiro afiadíssimo, Lubitsch faz ótimo proveito das circunstâncias e absurdos do contexto presente à época. Seu virtuoso jeito de construir a narrativa não apenas prepara a próxima piada, como também as posteriores. Carole é a elegância personificada, enquanto Benny é a astúcia em pessoa. Seus personagens guiam a narrativa com muita destreza enquanto Lubitsch insere pontuais deboches diretos ao alvo principal.
Não á toa que Billy Wilder possuía em sua sala um quadro escrito "How Would Lubitsch do it?" (Como Lubitsch faria?). Até mesmo neste filme reconheço potencial inspiração para obras como Crepúsculo dos Deuses e Quanto Mais Quente Melhor.
A guerra nunca foi algo bom para a humanidade e acho extremamente perigoso quando se romanceia as atrocidades ocorridas. Tive esse receio ao saber deste documentário de Peter Jackson sobre a Primeira Guerra Mundial, a "Última Guerra Romântica". O que mais me atraiu foi sua proposta técnica.
Muito se discute sobre as batalhas e mal se fala das condições, das consequências e das sequelas provocadas nos soldados. Graças à tecnologia, já foi possível colorizar e sonorizar os registros filmados para uma série documental narrada por Kenneth Branagh. Agora com mais recursos, Peter Jackson nos traz imagens com a colorização mais refinada, sonorização, animação 3D e entrevistas gravadas dos sobreviventes contando a sua própria história, o tempero que faltava para tornar este documentário essencial.
A princípio, o documentário mostra cenas puras, sem cor e sem som, além de propaganda da época. Para os desavisados, parece um documentário de guerra convencional, até ocorrer o choque.
E é justamente de choques do qual este filme é feito. Não apenas o choque do tratamento digital, mas também o choque do descaso, o choque da morte, o choque antes, durante e depois da tragédia acontecer. Tudo embalado em efeitos milimetricamente mixados para trazer o impacto. Ninguém disse que a guerra era algo bonito. Gratificante? Talvez. Cruel? Com certeza. Bonito? Jamais.
Peter Jackson fez aqui um apurado registro histórico, apesar de focar apenas no lado britânico. A ideia nunca foi defender lado algum, mas mostrar que defender seu lado é uma tarefa ingrata, suja e muito perigosa.
Jamais entenderemos a mente de um artista senão por sua obra. Van Gogh, no entanto é complexo e misterioso ao ponto de sempre haver algo novo a se descobrir dele, seja por sua obra ou pelos relatos de quem o conhecia ou apenas ouviu falar do artista.
No Portal da Eternidade segue por um caminho mal explorado pelos cineastas precedentes: a perspectiva do próprio artista diante de sua obra e sua época. Este retrato plenamente intimista de Vincent elabora mais perguntas do que respostas ao espectador. Por que o tratavam daquela forma? Por que era considerado louco? Por que ele cortou a própria orelha? Lamento em lembrar que as respostas para estas questões morreram junto com o artista.
Confesso que ainda estou digerindo este filme. Sinto como se o próprio Van Gogh conversasse comigo a respeito do meu eu artista. Era uma conversa profunda, sensível e franca sobre a dificuldade de firmar sua assinatura na história e com arte. Vale lembrar que, mesmo ciente de estar "na época errada", sua visão pessimista somente cessou com sua morte. Assim como a mente do próprio Van Gogh, o filme é inteiramente triste e denso, com pouquíssimos planos abertos e muitos planos psicológicos. Haviam cenas em que metade do quadro ficava embaçado, evidenciando o ponto de vista semi-distorcido de Vincent. A fotografia dedica-se a realçar tanto a beleza da natureza que Van Gogh tanto admirava quanto a interpretação desafiadora de Willem Dafoe, que muito exprime com o olhar melancólico de seu Vincent.
O roteiro é o único fator que deixa a desejar neste filme, confiando ao espectador que conheça ao menos um pouco da vida e da obra do artista. Aparenta ser muito mais um filme para os amantes da arte do que para o grande público.
Eu nunca ouvi falar de Fritz Honka, mas li sobre o filme ser uma obra grotesca e repulsiva. No entanto, não saber que a história se baseia na realidade deu um tempero a mais. A violência deste filme, no entanto, é muito mais que corpos mutilados.
O principal personagem da história, depois de Honka, é sua atmosfera setentista. Densa e melancólica, apresenta uma Alemanha suja, solitária e perdida de uma geração que sofreu com o pós-guerra. As consequências afetam a educação, o comportamento e até mesmo o modus operandi de Fritz Honka.
Não espere vísceras e membros expostos. O gore aqui não é visual, é moral.
O que diferencia o cinema de arte com o cinema de gênero? A meu ver, essa dissociação não existe quando as duas conversam em harmonia. Bong Joon-Ho sabe disso muito bem e comprova com mais essa obra-prima.
Aqui ele conta uma história aparentemente banal: uma família, desempregada e passando necessidades, aproveita a oportunidade de "parasitar" outra família, essa mais abastada e confortável. Mas por trás de toda essa disparidade, há uma história digna de Dostoiévski - onde a crítica política é poderosa e que desgraça pouca é bobagem.
A câmera de Joon-Ho é precisa e certeira, utilizando-se novamente da fotografia e da montagem para compor raccords e planos com camadas. O quadro centralizado e aberto provoca a claustrofobia de uma residência acolhedora, porém cerceada. Uma família mal sai de casa enquanto a outra precisa praticamente abandonar a dela para poder se sustentar. Nisso incorre numa sequência de contratempos que trabalha desigualdade de renda, crítica social e política. Além do mais, cada detalhe visual impacta no roteiro muito bem trabalhado pelo diretor junto com Han Jin Won.
Seu ritmo variado permite que a fluidez da narrativa transite nos mais variados gêneros: drama, terror, comédia, suspense. Não creio que tenha durado um pouco demais - como havia dito um espanhol sentado a meu lado na sessão - até porque Joon-Ho utiliza o tempo para desenvolver personagens e relações, como por exemplo em Okja.
Todos os atores estão ótimos e percebo a família principal como uma unidade, com o qual você simpatiza e teme pela vida de cada um deles. É mais um trabalho da parceria entre Song Kang-Ho e Bong Joon-Ho - juntos fizeram Memórias de um Assassino, O Hospedeiro e O Expresso do Amanhã.
Definitivamente, ganhou uma merecida Palma de Ouro e tem potencial de ganhar Oscar com folga. Um dos melhores filmes do ano e um dos melhores da filmografia de Joon-Ho.
Ao longo de minhas jornadas pela história do cinema, conheci vários filmes de importância variada. Alguns essenciais, outros dignos e outros somente para dizer que vi. Mas raramente encontrei pérolas como esta obra do tcheco Karel Zeman. E posso resumi-la a um poderoso adjetivo: FANTÁSTICO!
Com um primoroso (e até invejável) trabalho de direção de arte, esta adaptação dos contos do Barão de Munchausen apresentam a força da imaginação de um visionário. Não apenas a imaginação, mas o carisma e a nobreza de um barão que fascina gerações. Karel Zeman desenvolve uma fantasia cômica em uma profusão de cores e animações stop-motion. Apesar da curta duração (aprox. 1h20min), é um verdadeiro deleite visual capaz de tornar os sonhos mais bonitos.
Há tempos que eu não via um filme assim desde que vi Planeta Fantástico, cheio de humor, aventuras e paixões em um estilo surreal e genial. Um filme lúdico para pessoas lúcidas.
Concordo quando Terry Jones diz que As Férias do Sr. Hulot prova que a comédia pode ser tão bela quanto divertida. De fato, é uma comédia para poucos.
A narrativa é um recorte de acontecimentos entre personagens unidimensionais que contracenam com o protagonista de Jacques Tati. No entanto, é um filme de férias e se porta como tal: pessoas despreocupadas em um lugar belo e contemplativo. A fotografia apresenta belíssimos cartões-postais da França enquanto intercala sequências de comédia visual bastante pontuais.
Tati novamente brinca com seu corpo esguio e postura levemente curvada com a geografia do local, trazendo a mesma desenvoltura de seu filme anterior, Carrossel da Esperança. Assim nasceu o icônico Monsieur Hulot.
Meu primeiro contato com este filme foi pelo DVD "O Cinema da Nova Hollywood", da Versátil Home Video. Nessa caixa com 6 filmes, eu não tinha visto nenhum deles e o único com o qual eu tive referencial foi este, por ter visto O Salário do Medo de Clouzot. Que grata surpresa foi descobrir esta pérola.
William Friedkin já era um diretor respeitado e aclamado por Operação França e O Exorcista, mas aqui ele se destaca fortemente com uma abordagem profundamente sensorial. A estética grosseira desse filme de brucutu traz uma experiência ainda mais memorável da narrativa ao abdicar de diálogos e aprofundar processos, como a reparação dos caminhões quase sucateados ou a preparação do explosivo que vai remover o enorme tronco de mogno que bloqueia a passagem. A ideia é incomodar, provocar o espectador. A sequência da ponte de corda sempre me provoca calafrios, seja pela forte chuva da cena ou pelo suspense de ver os caminhões atravessarem.
Pessoalmente, prefiro rever este filme ao do Clouzot. Por puro preciosismo meu, a sensação de ser sensorialmente provocado me seduz. Tal sedução me convenceu a escrever um artigo sobre os filmes para um trabalho acadêmico, o meu TCC. Este filme merece ser melhor referenciado, para compensar o fracasso de bilheteria que foi porque deu azar de ser lançado em pleno auge de Guerra nas Estrelas.
Eu nunca soube definir o que é "cinema de arte". Conceitua-se geralmente como um cinema estranho, fortemente imagético e que pouquíssimos são capazes de apreciar. Agora porém encontrei um exemplo concreto, ao qual defino "cinema de arte" como cinema das artes. Se alguém me perguntar "o que é um filme de arte", recomendarei Retrato de uma Jovem em Chamas.
O filme nos apresenta arte clássica como uma carta de amor. Um amor florescido de uma paixão socialmente impossível, mas nada improvável, segundo o que alguns ignorantes julgariam.
A relação entre as mulheres neste filme reflete a condição da época retratada, plenamente reproduzida na composição do filme. Começa reprimido, sutil e comedido, permitindo que o espectador ou a espectadora sinta e perceba a tensão sexual evidente nos olhares, nos gestos e nas expressões. Pouco a pouco ficamos mais íntimos e envolvidos com a trama de modo que nos sentimos cúmplices e confidentes destas mulheres.
Marianne (Noélie Merlant) é uma artista séria e dedicada que esconde as emoções para não fugir do trabalho ao qual foi contratada. A história se conta na visão dela, sob a mesma perspectiva de captação dos detalhes. São os detalhes que fazem a diferença na narrativa. Mas quem realmente se destaca é a "jovem em chamas", Heloïse (Adèle Haenel), com seus misteriosos olhos verdes que sustentam uma ira interna, uma frustração que pode botar o trabalho de Marianne a perder.
Retrato de uma Jovem em Chamas é um filme muito íntimo e sensível, cheio de nuances que somente uma ótima direção seria capaz de fazer. Céline Sciamma aqui foi cirúrgica, acertando no ritmo e na composição. É um filme que apenas uma mulher seria capaz de fazer com tamanha destreza.
Muito se questiona sobre a escolha estética de usar preto-e-branco na fotografia de um filme. Para alguns, parece desnecessário. Este filme, no entanto, não funcionaria se utilizasse cor alguma, seja uma paleta de cores surreais ou um filtro de tom sépia. E digo mais: tudo isso remete à fascinante estética expressionista.
O Farol é cheio de contrastes fortes: muito longe ou muito perto, muito ou pouco iluminado, muito aberto ou muito fechado… Tudo desvia o olhar do espectador (no bom sentido) enquanto a narrativa desenvolve o único elemento sem contraste: uma tênue linha entre a sanidade e a loucura, provocada pelo confinamento, pelo trabalho exaustivo e pelas péssimas condições ao qual a residência do farol se encontra. Você nunca sabe se aquilo visto é real ou alucinação.
O uso do preto-e-branco vez ou outra utiliza tons de cinza em momentos pueris ou banais. O ambiente claustrofóbico intensificado pela proporção de tela (1.19:1) e o mínimo de contato humano colaboram para o incômodo, atiçando as personagens (e o público) numa crescente curiosidade para a grande questão: O que há de mais naquele farol?
Eu já esperava uma ótima atuação de Willem Dafoe, mas Robert Pattinson me surpreendeu. Ambos mergulham naquele universo podre, cheio de excrementos, álcool e tempestades. Pode-se dizer um universo masculino, cujo falo é o farol e suas atitudes beiram à decadência. Dafoe interpreta um sujeito experiente e cativante em sua decrepitude. O de Pattinson, apesar de belo, é gradativamente lapidado em constantes tarefas.
Para uma primeira impressão, este filme me deixou com a cabeça fervilhando e ainda estou pondo as ideias no lugar. Mas minha compreensão inicial é suficientemente positiva para perceber algo que o próprio filme apresenta e conclui. Alegorias não faltam e referências tampouco. Compreendo uma releitura mitológica, mas também uma releitura artística, a partir do uso de elementos presentes em outras obras, como O Iluminado de Stanley Kubrick ou Hipnose de Sascha Schneider.
A meu ver, o filme discute alegoricamente o equilíbrio de luz e escuridão do ser humano. A luz do dito farol chama atenção por ser a principal fonte em um local de iluminação parca. Mas o farol em si seria algo como a Arca D’Aliança ou o Fogo do Olimpo: o guardião do pleno conhecimento. Contudo, a sede e fome de saber torna Winslow cego quanto suas próprias trevas. Assim se desenvolve sua crescente ânsia em descobrir o que há naquele farol que tanto lhe chama atenção. E ao saber demais, como Prometeu, é punido por seus atos eternamente.
Estou satisfeito em saber que o filme apresenta muito mais do que sou capaz de condensar e interpretar. Sou humano e, como tal, permito-me a experiência de revê-lo e absorver um pouco mais da fonte. Este não é um filme de rápida apreciação (e não deve ser).
“Não poderás ver a minha face, porque o ser humano não pode ver-me e permanecer vivo!”. Êxodo, capítulo 33, versículo 20.
O Nome da Rosa
3.9 775 Assista AgoraNo ano passado, durante uma de minhas aulas da faculdade, uma colega de disciplina (estando ela no primeiro semestre e eu, no oitavo) disse que O Nome da Rosa é um filme "nada a ver". Eu fiquei indignado, mesmo que eu não concorde com o fácil argumento do "você viu errado".
Hoje revi o filme e, de fato, o argumento dito acima se reforça. Compreendo que seja um filme difícil de lidar pelo ritmo vagaroso para uma geração acostumada a montagens frenéticas, cheias de luzes piscando e efeitos "mentirosos". Qual seria a graça de ver um filme sobre monges num mosteiro?
O primor de O Nome da Rosa está nesse contraste em relação à época de sua produção: uma história atemporal num contexto temporal. A profundidade da experiência é a mesma de quando se vê A Guerra do Fogo, do mesmo diretor. A abordagem discute as relações humanas e o conhecimento de forma inteligente e, propriamente, visual.
É um filme escuro, que contrasta as pequenas chamas de informação com a escuridão da censura dos monges ao acesso ao conhecimento, por ser conteúdo potencialmente "perigoso". Em tempos sombrios, a memória de outras trevas fica ainda mais dolorosa e próxima da realidade.
Este filme lembra o quanto o conhecimento é importante, e também o quanto a compaixão e o amor são mais poderosos que a autoridade do homem em nome de Deus. Um filme essencial.
Parasita
4.5 3,6K Assista AgoraCADÊ O BLU-RAY DESSA MARAVILHA NO BRASIL?
É TETRA, PORRA!
Stan & Ollie: O Gordo e o Magro
3.7 79 Assista AgoraEste é mais um filme que entra para a safra de cinebiografias medianas sobre grandes artistas. É um filme cuja única necessidade é perpetuar o legado dos maiores.
Mas de forma alguma é um filme dispensável: a narrativa trabalha muito bem a relação de Stanley e Oliver em seus últimos anos de carreira, após um período de fracassos pela Fox, que não faziam jus à dupla. Para estudiosos de cinema e amantes da comédia clássica, é um prato cheio com direito a algumas das piadas clássicas da dupla.
John C. Reilly está irreconhecível (no melhor sentido) como Oliver e Steve Coogan sabe trabalhar a dualidade entre o Stanley real e o "Magro".
Veja se lhe apetecer.
O Bebê de Rosemary
3.9 1,9K Assista AgoraSAAAAAAAAAAAAAAI CAPETAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA
Assim Estava Escrito
4.2 56 Assista AgoraEm memória de Kirk Douglas (1916-2020)
Descobri este clássico graças a Martin Scorsese em seu documentário Uma Viagem Pessoal pelo Cinema Americano. O que este filme tem de astucioso não cabe no gibi, pois demonstra a vasta habilidade de seu realizador após anos dirigindo no star system de Hollywood, com grande destaque em musicais.
Aqui, no entanto, não é um filme musical e tampouco alegre e cheio de luz e cores. É um legítimo noir, cujo "criminoso" é um antigo produtor de cinema cuja reputação é desprezível (e isso é deixado claro logo nos primeiros minutos). A estrutura narrativa começa próxima do fim e é contada através de flashbacks com informações pontualmente bem distribuídas. É um suspense sobre a reputação de um homem.
A fotografia em preto-e-branco é não apenas estilística, mas também diegética de maneira sublime. Os atores estão ótimos, com destaque para Kirk Douglas em uma interpretação sedutora, ao fazer um personagem inescrupuloso, porém simpático e convincente. Um manipulador egocêntrico que foi capaz de ganhar projetos e até profissionais gabaritados.
Eu adoro encontrar filmes que contam a história de Hollywood com ficção. Não é perfeito como Crepúsculo dos Deuses, mas vale muito a pena conferi-lo.
Sem Novidade no Front
4.3 140 Assista AgoraAinda estou impressionado que este filme seja de 1930, sendo então um dos primeiros exemplares dos talkies num design de som ímpar para sua época. Inclusive reconheço vestígios do cinema mudo, considerando que Lewis Milestone já dirigiu comédias antes, sendo O Caçula de Harold Lloyd uma delas.
O filme começa com alto astral, quase como uma propaganda de guerra do qual convoca-se o espectador a se alistar (muito antes da Segunda Guerra eclodir). Você vê rostos sorridentes, olhares brilhantes e um otimismo quase cego pelo futuro que os aguarda. É daí que vem o pulo do gato: o filme contradiz tudo quando você menos espera.
Não há protagonistas, a história é desenvolvida a partir de um grupo de jovens que, inflamados por seu professor, alistam-se na guerra e descobrem a realidade da pior forma. Soldados psicologicamente perturbados, feridas abertas por estilhaços, a guerra tem mais horrores que os combates na Terra de Ninguém. O pessimismo é forte e não há redenção.
A narrativa muito bem elaborada passa por todos os estágios pelo qual passam os soldados, desde a propaganda para o alistamento até a falsa impressão que os civis possuem a respeito da guerra. Um belíssimo trabalho de roteiro, além de fazer excelente uso do silêncio em momentos-chave.
Todo o filme é um tapa na cara, mas o final…
A dolorosa experiência de Sem Novidades no Front é necessária para lembrar do que é muito dito a respeito: Na guerra, só há perdedores.
Não
4.2 472 Assista AgoraHá um dilema recorrente na publicidade a respeito de vender seu produto: como implantar uma ideia. A dificuldade em fazê-lo varia partindo de fatores como orçamento, tempo de exibição e mídia. Como fazer quando se assume a campanha opositora num plebiscito forjado?
A trama deste filme foi o que mais me atraiu, porque tive as mesmas dúvidas que os publicitários da época da campanha para o plebiscito de 1988 no Chile. A estética do filme é crua, quase documental, com um tratamento de imagem que lembra as câmeras da época. É um filme tecnicamente bem feito, mas o roteiro deixa a desejar, apresentando um recorte de diálogos bastante expositivos, porém temporalmente difusos. É muito didático e, em alguns momentos, parece contar para quem já conhece superficialmente a história real. A direção também peca ao não dar peso dramático à cenas, ao confiar demais na fotografia e nos atores. Muitos momentos que deveriam ser de impacto ficam blasé.
O plebiscito em si é uma oportunidade de ouro, mas um risco considerando que há repressão política para desmoralizar a campanha. Além da injusta limitação a 15 minutos (enquanto a campanha do "Sim" tem 15 min e o restante da programação televisiva à disposição), como convencer o povo a votar contra a ditadura do Gal. Pinochet? Ainda há muito medo no povo oprimido.
A proposta de "alegria" da campanha real parece absurda, mas minha experiência em publicidade percebe que a ideia faz sentido. Afinal, o público já conhece na pele as atrocidades que os primeiros responsáveis da campanha do "Não" querem tanto divulgar. Enquanto para alguns é a chance de denunciar o governo para o mundo de forma agressiva, o protagonista percebe a psicologia reversa da campanha e elabora outra para cativar o público. É a forma que ele encontrou para unir ao invés de dividir.
Este filme vale mais por seu contexto histórico do que pela sua técnica e sua reconstituição de época, mas é importantíssimo para ver e compreender o peso da propaganda em tempos sombrios.
O Ladrão de Bagdá
3.9 37 Assista AgoraMuito antes de Aladdin e numa época áurea que não volta mais, Raoul Walsh e Douglas Fairbanks nos presentearam com este clássico do cinema mudo.
Baseado no conto do livro As Mil e Uma Noites, este filme entrega um espetáculo digno do auge do cinema de pantomima, com acrobacias circenses e cenários monumentais. Fairbanks está em plena forma física, ao ponto de dar inveja.
Não há ainda o gênio da lâmpada, mas há magia e efeitos visuais exuberantes que nada deixam a desejar. Apenas a canastrice própria dos atores da época ficou datada, mas a experiência de ver esta obra (ao som da trilha musical de Carl Davis) ainda vale muito para qualquer amante da sétima arte.
O Anjo das Ruas
4.0 25Quanto mais redutíveis somos, mais insensíveis ficamos. Este filme de Frank Borzage me foi um tapa na cara.
O Anjo das Ruas é um drama profundo que o cinema mudo nos reserva, ao contar apenas com imagem e música a história de uma jovem napolitana que foge da polícia por roubar para salvar sua mãe doente e, tendo a vida reformada fugindo com um circo, decide voltar a Nápoles e recomeçar vivendo com um pintor andarilho.
A câmera de Borzage é sensível e atenta, ao acompanhar Janet Gaynor entregando uma mulher apaixonada e leal a quem lhe cuidou quando mais precisava. Infelizmente, Angela sofre mais do que deveria por seu passado e por julgamentos alheios. Sua verdadeira alma somente foi percebida por Gino, o pintor com quem ela se apaixona.
A arte da pintura, da imagem enevoada de Nápoles, da trilha musical com O Sole Mio "assobiado" pelos personagens, tornam a experiência catártica.
Vento e Areia
4.4 34Uma das coisas que mais me dá prazer em ser um desbravador da história do cinema é encontrar pérolas que quase se perdem com o tempo e apresentam um impacto maior ao executar melhor as convenções cinematográficas que muitos filmes recentes não souberam fazer.
Neste filme do sueco Victor Sjöström (cujo crédito adapta para Seastrom), há uma sublime experiência visual que compensa o roteiro datado. O vento é a força que move a narrativa junto com a poderosa interpretação de Lillian Gish, em um dos papéis mais desafiadores de sua carreira. Um vento não apenas gráfico, mas também simbólico.
O horror no olhar de Letty é poderoso e convincente, ao ver-se encurralada pela ventania constante, pelo tratamento hostil da esposa de seu primo e pelas constantes investidas do inconveniente Wirt Roddy. A cena final é uma possível consequência da época do filme, mas a composição de planos e efeitos visuais de Sjöström é um espetáculo que mantém a atenção do espectador até o fim.
Vento e Areia é uma legítima obra-prima da era muda.
Eles Não Usam Black-Tie
4.3 286A peça é de 1958. O filme é de 1980. A história, no entanto, permanece atual.
O Brasil estava em pleno processo de abertura política. A classe trabalhadora sofria (e ainda sofre) na mão dos maus patrões e era o auge das greves do ABC paulista. Mas o que mudou de lá para cá?
Aparentemente pouca coisa, ainda mais com a situação política brasileira atual. O que este filme faz, porém, é lembrar ao público onde estamos e o que fazem quando não percebemos. Isso reflete muito das discussões sociais do extinto Teatro Arena, desmontado durante o regime militar e onde a peça teatral de Gianfrancesco Guarnieri estreou.
Em toda família da classe média há um personagem dessa história: o pai alcoólatra, o filho egoísta e iludido, a mãe dedicada, todos reflexos do Brasil real que a mídia tenta nos esconder.
Ao escrever Eles Não Usam Black-Tie, Guarnieri (aqui atuando magistralmente como Otávio) desenvolve uma narrativa tão verossímil e próxima de nossa realidade que chega a nos surpreender pela plausibilidade. Os diálogos são fortes e significativos. Não há floreios ou exageros: tudo ali é verdadeiro em essência.
Fernanda Montenegro é uma monstra sagrada que, se alguém a abomina, boa pessoa não é. Sua presença em cena é magnética e sua química com Guarnieri torna tudo mais intenso.
O cinema brasileiro é cheio de filmes marcantes que não devem ser esquecidos jamais. Este mesmo é um exemplar essencial.
Arquitetura da Destruição
4.2 136 Assista AgoraO que este documentário tem de didático, tem de arrastado, mas é um excelente documento histórico. Infelizmente não dá para florear algo que necessita ser denunciado de maneira crua.
Não há nada mais reducionista e arbitrário que considerar a arte como espelho de um mundo belo sob a perspectiva ariana, sem deformidades ou incongruências. É tentar justificar racismo e xenofobia com tradicionalismos artísticos. Por esta razão, Arquitetura da Destruição revela os elos que ligam a ideia de uma arte "heroica e imperativa" com a tentativa de "limpar" o povo alemão. A imposição ideológica do Reich difere muito pouco do que a extrema-direita faz conosco atualmente, no que concerne em propagar o ideal de uma nostalgia perfeita. A diferença é que está muito mais difícil para eles sustentar uma narrativa tão esdrúxula (Ainda bem!).
Mas não se engane: eles tentam empurrar guela abaixo um ideal estético extremamente inconsequente (para não dizer perigoso) e da maneira mais catastrófica possível. Doentes eram tratados como uma epidemia e diferentes eram tratados como doença. O argumento de Paul Schultze-Naumburg utilizando-se de fotografias médicas para discutir a respeito da chamada "arte degenerada" é de um mau-gosto tão grosseiro que chega a ser indefensável.
Arte deve ser livre para provocar, seduzir e fazer refletir seu consumidor. Ao restringir a arte a pinturas, esculturas e estruturas bonitas, Hitler restringia os artistas a denunciar, a instigar e a criar. É como se pusesse uma coleira no artista, enclausurando-o e censurando-o (ou tentando apagar suas obras através da deturpação).
Tudo isso pela visão de um sujeitinho orgulhoso e limitado intelectualmente que não soube aprender com as recusas que sofreu e decidiu agir como um filhinho-de-papai mimado que, não satisfeito em decorar o próprio quarto, resolveu que iria decorar a casa toda.
Este documento não deve ser jamais apagado.
Bacurau
4.3 2,8K Assista AgoraBacurau consegue a proeza que pouquíssimos filmes conseguem: apresentar sempre uma informação inédita a cada revisita, que nos faz perceber a profundidade elementar na narrativa do filme. É um deleite para quem se identifica e quem reconhece o que acontece em Bacurau, seja no povoado ou entre os gringos.
Voltei há pouco numa sessão comentada com os diretores. A cada informação dada, uma nova percepção do que é fazer cinema, com suas felicidades, suas dificuldades e seu prestígio. Cinema se faz com [muita] dedicação.
Este filme, se caducar, vai durar muito. Acredito que não vai caducar jamais.
Azougue Nazaré
3.9 34É lindo quando o folclore se manifesta em suas danças e manifestações artísticas, como é o caso do Maracatu aqui neste filme. Infelizmente percebi que o Maracatu era mais contextual que narrativo.
O filme apresenta um recorte de esquetes dramáticas e às vezes cômicas numa narrativa que se inicia e não dá em lugar algum. O roteiro não possui uma estrutura narrativa muito coerente exceto pelo Maracatu, o principal elo de ligação da trama.
Me diverti em algumas cenas, em outras eu, como montador, facilmente cortaria ou mudaria de posição. O elenco está muito bem, mas Valmir do Côco como Katita se destaca muito. Creio que seu personagem seja ele próprio reconstituído.
Há uma cena em especial que eu achei mais engraçada pela referência do que pela composição da cena. A referência está aqui: https://www.youtube.com/watch?v=wb1YGWxjWP4
No mais, é um filme que achei apenas legal. Divertido, mas não muito recomendável.
Ser ou Não Ser
4.4 68Com um roteiro afiadíssimo, Lubitsch faz ótimo proveito das circunstâncias e absurdos do contexto presente à época. Seu virtuoso jeito de construir a narrativa não apenas prepara a próxima piada, como também as posteriores. Carole é a elegância personificada, enquanto Benny é a astúcia em pessoa. Seus personagens guiam a narrativa com muita destreza enquanto Lubitsch insere pontuais deboches diretos ao alvo principal.
Não á toa que Billy Wilder possuía em sua sala um quadro escrito "How Would Lubitsch do it?" (Como Lubitsch faria?). Até mesmo neste filme reconheço potencial inspiração para obras como Crepúsculo dos Deuses e Quanto Mais Quente Melhor.
Eles Não Envelhecerão
4.3 49A guerra nunca foi algo bom para a humanidade e acho extremamente perigoso quando se romanceia as atrocidades ocorridas. Tive esse receio ao saber deste documentário de Peter Jackson sobre a Primeira Guerra Mundial, a "Última Guerra Romântica". O que mais me atraiu foi sua proposta técnica.
Muito se discute sobre as batalhas e mal se fala das condições, das consequências e das sequelas provocadas nos soldados. Graças à tecnologia, já foi possível colorizar e sonorizar os registros filmados para uma série documental narrada por Kenneth Branagh. Agora com mais recursos, Peter Jackson nos traz imagens com a colorização mais refinada, sonorização, animação 3D e entrevistas gravadas dos sobreviventes contando a sua própria história, o tempero que faltava para tornar este documentário essencial.
A princípio, o documentário mostra cenas puras, sem cor e sem som, além de propaganda da época. Para os desavisados, parece um documentário de guerra convencional, até ocorrer o choque.
E é justamente de choques do qual este filme é feito. Não apenas o choque do tratamento digital, mas também o choque do descaso, o choque da morte, o choque antes, durante e depois da tragédia acontecer. Tudo embalado em efeitos milimetricamente mixados para trazer o impacto. Ninguém disse que a guerra era algo bonito. Gratificante? Talvez. Cruel? Com certeza. Bonito? Jamais.
Peter Jackson fez aqui um apurado registro histórico, apesar de focar apenas no lado britânico. A ideia nunca foi defender lado algum, mas mostrar que defender seu lado é uma tarefa ingrata, suja e muito perigosa.
No Portal da Eternidade
3.8 348 Assista AgoraJamais entenderemos a mente de um artista senão por sua obra. Van Gogh, no entanto é complexo e misterioso ao ponto de sempre haver algo novo a se descobrir dele, seja por sua obra ou pelos relatos de quem o conhecia ou apenas ouviu falar do artista.
No Portal da Eternidade segue por um caminho mal explorado pelos cineastas precedentes: a perspectiva do próprio artista diante de sua obra e sua época. Este retrato plenamente intimista de Vincent elabora mais perguntas do que respostas ao espectador. Por que o tratavam daquela forma? Por que era considerado louco? Por que ele cortou a própria orelha? Lamento em lembrar que as respostas para estas questões morreram junto com o artista.
Confesso que ainda estou digerindo este filme. Sinto como se o próprio Van Gogh conversasse comigo a respeito do meu eu artista. Era uma conversa profunda, sensível e franca sobre a dificuldade de firmar sua assinatura na história e com arte. Vale lembrar que, mesmo ciente de estar "na época errada", sua visão pessimista somente cessou com sua morte. Assim como a mente do próprio Van Gogh, o filme é inteiramente triste e denso, com pouquíssimos planos abertos e muitos planos psicológicos. Haviam cenas em que metade do quadro ficava embaçado, evidenciando o ponto de vista semi-distorcido de Vincent. A fotografia dedica-se a realçar tanto a beleza da natureza que Van Gogh tanto admirava quanto a interpretação desafiadora de Willem Dafoe, que muito exprime com o olhar melancólico de seu Vincent.
O roteiro é o único fator que deixa a desejar neste filme, confiando ao espectador que conheça ao menos um pouco da vida e da obra do artista. Aparenta ser muito mais um filme para os amantes da arte do que para o grande público.
O Bar Luva Dourada
3.6 340Eu nunca ouvi falar de Fritz Honka, mas li sobre o filme ser uma obra grotesca e repulsiva. No entanto, não saber que a história se baseia na realidade deu um tempero a mais. A violência deste filme, no entanto, é muito mais que corpos mutilados.
O principal personagem da história, depois de Honka, é sua atmosfera setentista. Densa e melancólica, apresenta uma Alemanha suja, solitária e perdida de uma geração que sofreu com o pós-guerra. As consequências afetam a educação, o comportamento e até mesmo o modus operandi de Fritz Honka.
Não espere vísceras e membros expostos. O gore aqui não é visual, é moral.
Parasita
4.5 3,6K Assista AgoraO que diferencia o cinema de arte com o cinema de gênero? A meu ver, essa dissociação não existe quando as duas conversam em harmonia. Bong Joon-Ho sabe disso muito bem e comprova com mais essa obra-prima.
Aqui ele conta uma história aparentemente banal: uma família, desempregada e passando necessidades, aproveita a oportunidade de "parasitar" outra família, essa mais abastada e confortável. Mas por trás de toda essa disparidade, há uma história digna de Dostoiévski - onde a crítica política é poderosa e que desgraça pouca é bobagem.
A câmera de Joon-Ho é precisa e certeira, utilizando-se novamente da fotografia e da montagem para compor raccords e planos com camadas. O quadro centralizado e aberto provoca a claustrofobia de uma residência acolhedora, porém cerceada. Uma família mal sai de casa enquanto a outra precisa praticamente abandonar a dela para poder se sustentar. Nisso incorre numa sequência de contratempos que trabalha desigualdade de renda, crítica social e política. Além do mais, cada detalhe visual impacta no roteiro muito bem trabalhado pelo diretor junto com Han Jin Won.
Seu ritmo variado permite que a fluidez da narrativa transite nos mais variados gêneros: drama, terror, comédia, suspense. Não creio que tenha durado um pouco demais - como havia dito um espanhol sentado a meu lado na sessão - até porque Joon-Ho utiliza o tempo para desenvolver personagens e relações, como por exemplo em Okja.
Todos os atores estão ótimos e percebo a família principal como uma unidade, com o qual você simpatiza e teme pela vida de cada um deles. É mais um trabalho da parceria entre Song Kang-Ho e Bong Joon-Ho - juntos fizeram Memórias de um Assassino, O Hospedeiro e O Expresso do Amanhã.
Definitivamente, ganhou uma merecida Palma de Ouro e tem potencial de ganhar Oscar com folga. Um dos melhores filmes do ano e um dos melhores da filmografia de Joon-Ho.
O Barão Fanfarrão
4.0 4Ao longo de minhas jornadas pela história do cinema, conheci vários filmes de importância variada. Alguns essenciais, outros dignos e outros somente para dizer que vi. Mas raramente encontrei pérolas como esta obra do tcheco Karel Zeman. E posso resumi-la a um poderoso adjetivo: FANTÁSTICO!
Com um primoroso (e até invejável) trabalho de direção de arte, esta adaptação dos contos do Barão de Munchausen apresentam a força da imaginação de um visionário. Não apenas a imaginação, mas o carisma e a nobreza de um barão que fascina gerações. Karel Zeman desenvolve uma fantasia cômica em uma profusão de cores e animações stop-motion. Apesar da curta duração (aprox. 1h20min), é um verdadeiro deleite visual capaz de tornar os sonhos mais bonitos.
Há tempos que eu não via um filme assim desde que vi Planeta Fantástico, cheio de humor, aventuras e paixões em um estilo surreal e genial. Um filme lúdico para pessoas lúcidas.
As Férias do Sr. Hulot
3.8 44Concordo quando Terry Jones diz que As Férias do Sr. Hulot prova que a comédia pode ser tão bela quanto divertida. De fato, é uma comédia para poucos.
A narrativa é um recorte de acontecimentos entre personagens unidimensionais que contracenam com o protagonista de Jacques Tati. No entanto, é um filme de férias e se porta como tal: pessoas despreocupadas em um lugar belo e contemplativo. A fotografia apresenta belíssimos cartões-postais da França enquanto intercala sequências de comédia visual bastante pontuais.
Tati novamente brinca com seu corpo esguio e postura levemente curvada com a geografia do local, trazendo a mesma desenvoltura de seu filme anterior, Carrossel da Esperança. Assim nasceu o icônico Monsieur Hulot.
O Comboio do Medo
4.1 135Meu primeiro contato com este filme foi pelo DVD "O Cinema da Nova Hollywood", da Versátil Home Video. Nessa caixa com 6 filmes, eu não tinha visto nenhum deles e o único com o qual eu tive referencial foi este, por ter visto O Salário do Medo de Clouzot. Que grata surpresa foi descobrir esta pérola.
William Friedkin já era um diretor respeitado e aclamado por Operação França e O Exorcista, mas aqui ele se destaca fortemente com uma abordagem profundamente sensorial. A estética grosseira desse filme de brucutu traz uma experiência ainda mais memorável da narrativa ao abdicar de diálogos e aprofundar processos, como a reparação dos caminhões quase sucateados ou a preparação do explosivo que vai remover o enorme tronco de mogno que bloqueia a passagem. A ideia é incomodar, provocar o espectador. A sequência da ponte de corda sempre me provoca calafrios, seja pela forte chuva da cena ou pelo suspense de ver os caminhões atravessarem.
Pessoalmente, prefiro rever este filme ao do Clouzot. Por puro preciosismo meu, a sensação de ser sensorialmente provocado me seduz. Tal sedução me convenceu a escrever um artigo sobre os filmes para um trabalho acadêmico, o meu TCC. Este filme merece ser melhor referenciado, para compensar o fracasso de bilheteria que foi porque deu azar de ser lançado em pleno auge de Guerra nas Estrelas.
Retrato de uma Jovem em Chamas
4.4 899 Assista AgoraEu nunca soube definir o que é "cinema de arte". Conceitua-se geralmente como um cinema estranho, fortemente imagético e que pouquíssimos são capazes de apreciar. Agora porém encontrei um exemplo concreto, ao qual defino "cinema de arte" como cinema das artes. Se alguém me perguntar "o que é um filme de arte", recomendarei Retrato de uma Jovem em Chamas.
O filme nos apresenta arte clássica como uma carta de amor. Um amor florescido de uma paixão socialmente impossível, mas nada improvável, segundo o que alguns ignorantes julgariam.
A relação entre as mulheres neste filme reflete a condição da época retratada, plenamente reproduzida na composição do filme. Começa reprimido, sutil e comedido, permitindo que o espectador ou a espectadora sinta e perceba a tensão sexual evidente nos olhares, nos gestos e nas expressões. Pouco a pouco ficamos mais íntimos e envolvidos com a trama de modo que nos sentimos cúmplices e confidentes destas mulheres.
Marianne (Noélie Merlant) é uma artista séria e dedicada que esconde as emoções para não fugir do trabalho ao qual foi contratada. A história se conta na visão dela, sob a mesma perspectiva de captação dos detalhes. São os detalhes que fazem a diferença na narrativa. Mas quem realmente se destaca é a "jovem em chamas", Heloïse (Adèle Haenel), com seus misteriosos olhos verdes que sustentam uma ira interna, uma frustração que pode botar o trabalho de Marianne a perder.
Retrato de uma Jovem em Chamas é um filme muito íntimo e sensível, cheio de nuances que somente uma ótima direção seria capaz de fazer. Céline Sciamma aqui foi cirúrgica, acertando no ritmo e na composição. É um filme que apenas uma mulher seria capaz de fazer com tamanha destreza.
O Farol
3.8 1,6K Assista AgoraMuito se questiona sobre a escolha estética de usar preto-e-branco na fotografia de um filme. Para alguns, parece desnecessário. Este filme, no entanto, não funcionaria se utilizasse cor alguma, seja uma paleta de cores surreais ou um filtro de tom sépia. E digo mais: tudo isso remete à fascinante estética expressionista.
O Farol é cheio de contrastes fortes: muito longe ou muito perto, muito ou pouco iluminado, muito aberto ou muito fechado… Tudo desvia o olhar do espectador (no bom sentido) enquanto a narrativa desenvolve o único elemento sem contraste: uma tênue linha entre a sanidade e a loucura, provocada pelo confinamento, pelo trabalho exaustivo e pelas péssimas condições ao qual a residência do farol se encontra. Você nunca sabe se aquilo visto é real ou alucinação.
O uso do preto-e-branco vez ou outra utiliza tons de cinza em momentos pueris ou banais. O ambiente claustrofóbico intensificado pela proporção de tela (1.19:1) e o mínimo de contato humano colaboram para o incômodo, atiçando as personagens (e o público) numa crescente curiosidade para a grande questão: O que há de mais naquele farol?
Eu já esperava uma ótima atuação de Willem Dafoe, mas Robert Pattinson me surpreendeu. Ambos mergulham naquele universo podre, cheio de excrementos, álcool e tempestades. Pode-se dizer um universo masculino, cujo falo é o farol e suas atitudes beiram à decadência. Dafoe interpreta um sujeito experiente e cativante em sua decrepitude. O de Pattinson, apesar de belo, é gradativamente lapidado em constantes tarefas.
Para uma primeira impressão, este filme me deixou com a cabeça fervilhando e ainda estou pondo as ideias no lugar. Mas minha compreensão inicial é suficientemente positiva para perceber algo que o próprio filme apresenta e conclui. Alegorias não faltam e referências tampouco. Compreendo uma releitura mitológica, mas também uma releitura artística, a partir do uso de elementos presentes em outras obras, como O Iluminado de Stanley Kubrick ou Hipnose de Sascha Schneider.
A meu ver, o filme discute alegoricamente o equilíbrio de luz e escuridão do ser humano. A luz do dito farol chama atenção por ser a principal fonte em um local de iluminação parca. Mas o farol em si seria algo como a Arca D’Aliança ou o Fogo do Olimpo: o guardião do pleno conhecimento. Contudo, a sede e fome de saber torna Winslow cego quanto suas próprias trevas. Assim se desenvolve sua crescente ânsia em descobrir o que há naquele farol que tanto lhe chama atenção. E ao saber demais, como Prometeu, é punido por seus atos eternamente.
Estou satisfeito em saber que o filme apresenta muito mais do que sou capaz de condensar e interpretar. Sou humano e, como tal, permito-me a experiência de revê-lo e absorver um pouco mais da fonte. Este não é um filme de rápida apreciação (e não deve ser).
“Não poderás ver a minha face, porque o ser humano não pode ver-me e permanecer vivo!”. Êxodo, capítulo 33, versículo 20.