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"Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida..."
(Vinicius de Moraes)

Últimas opiniões enviadas

  • Grande Otelo

    O filme tinha tudo para ter nota máxima, mas Juan Antonio Bayona adora apelar a recursos melodramáticos indesculpáveis. Colocar Numa como narrador dessa história

    Comentário contando partes do filme. Mostrar.

    e, o que é pior, encerrar o filme com ele dizendo "vá e conte a nossa história",

    foi vergonho, antiético, apelativo. É, sim, um grande filme, mas poderia ser ainda maior. Uma pena!

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  • Grande Otelo

    Brasil, cerca de 1570. É este o contexto histórico-social anunciado no início do filme. "Desmundo" começa com uma breve ação em plano e contraplano na qual o olhar de uma jovem nos apresenta a superfície de uma caravela. O universo diegético é construído a partir da perspectiva desta jovem, chamada Oribela. Pela fresta da porta que dá para o porão do navio, Oribela vê homens içando velas, deitados, comendo e conversando. Ao final da cena, a jovem abaixa a cabeça e se fecha dentro do porão.

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    A vaca amarrada e com cabresto, primeira imagem após os créditos iniciais, ilustra sua condição social

    . Logo constatamos que ela era uma dentre as órfãs que o reino de Portugal e dos Algarves havia enviado para seus colonos na América.
    Enquanto Oribela aporta em terras brasileiras com suas conterrâneas portuguesas, ouvimos a leitura da carta enviada a Portugal pelo membro da Companhia de Jesus que solicitou o envio daquelas órfãs. A justificativa apresentada pelo jesuíta – “para afastar os homens do pecado em que agora vivem” – sublinha duas informações importantes acerca do Brasil colonial: 1) a associação entre Monarquia portuguesa e Igreja Católica na ocupação da nova terra; 2) a exploração sexual de indígenas (e, posteriormente, pretas) escravizadas na base da formação de uma sociedade miscigenada. Esta última informação será reforçada na sequência em que as órfãs são apresentadas a seus futuros maridos, quando um colono pobre afirma “eu bem prefiro as selvagens”.
    Estamos no auge da Contrarreforma, presente no filme, assim como no período histórico retratado, por meio das ações e do poder dos missionários jesuítas. Não é demais destacar a missão conferida por Dom João III ao primeiro governador geral do Brasil, Tomé de Sousa, e aos jesuítas chefiados por Manuel da Nóbrega: “(…) a principal coisa que me moveu a mandar povoar as ditas terras do Brasil foi para que a gente delas se convertesse a nossa santa fé católica” de modo que os gentios “possam ser doutrinados e ensinados nas coisas de nossa santa fé” (Dom João III apud Saviani, 2013, p. 25).
    Segundo Dermeval Saviani, colonização, catequese e educação foram os três elementos de um movimento dialético do chamado período heróico da educação jesuítica, “uma pedagogia formulada e praticada sob medida para as condições encontradas pelos jesuítas nas ocidentais terras descobertas pelos portugueses” (idem, p. 74). Este período foi marcado pelo plano de instrução de Manuel da Nóbrega, quem buscou levar em consideração as condições específicas da colônia apostando no recurso à língua tupi e no largo uso pedagógico do canto e do teatro no processo educativo. Uma cena-síntese desse movimento aparece na sequência do matrimônio coletivo em "Desmundo", que encerra com o canto orfeônico dos pequenos gentios.
    O marido de Oribela, Francisco de Albuquerque, é um senhor de engenho malquisto em sua aldeia por defender valores burgueses. Como a expansão ultramarina portuguesa se deu por meio do monopólio da Coroa sobre o financiamento e a exploração de novas terras, a nobreza parasitária reforçou a ordem feudal pelo uso da Inquisição como instrumento político para reprimir uma burguesia mercantil em franca ascensão. Neste contexto de Inquisição e Contrarreforma, um católico burguês como Francisco de Albuquerque era identificado socialmente com criptojudeus como Ximeno Dias,
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    o comerciante por quem Oribela se apaixona.


    Uma sequência emblemática em torno deste tema é a da negociação entre Francisco e o padre jesuíta que deseja levar as crianças indígenas de seu engenho para serem catequizadas. O padre jesuíta apresenta o plano de instrução realista de Manuel da Nóbrega: deseja levar os gentios pequenos para que lhe ajudem na plantação e na pesca, garantindo assim as condições materiais básicas para o colégio jesuíta, e também para que, no futuro, estas crianças atuem como artífices da inculturação de suas famílias. Francisco, por outro lado, enxerga cada uma daquelas crianças como propriedade, força de trabalho a ser explorada para garantir redução de custos e aumentar seus lucros. É o conflito entre a ética ascética da Contrarreforma e a racionalidade capitalista.
    A escolha do português arcaico por parte dos roteiristas que adaptaram o romance de Ana Miranda também nos oferece algumas reflexões pertinentes acerca do Brasil colonial, como o uso que então se fazia do adjetivo “negro da terra”. A palavra “negro” deriva diretamente do latim "niger". O Dicionário Latino-Português, de Ernesto Faria, registra os seguintes significados para este adjetivo: sentido próprio: 1) negro, preto, escuro, sombrio, tenebroso; sentido figurado: 2) sombrio, espesso, tempestuoso; sentido moral: 3) infeliz, de mau agouro; 4) sombrio, negro (com ideia de morte); 5) Enlutado, fúnebre, triste, melancólico; 6) mau, perverso, pérfido, de alma negra. É interessante observar como essa palavra, que em sua variante anglófona “nigger” se tornou um insulto racista, foi abolida na referência aos indígenas, mas não aos afrodescendentes brasileiros.
    Assim, o filme "Desmundo" apresenta-nos a formação social do Brasil. Uma sociedade colonial-feudal integrada no processo de acumulação capitalista. Os três momentos que, de acordo com Saviani, estão integrados no processo de colonização, aparecem organicamente dentro da estrutura narrativa do filme, isto é, compõem o seu pano de fundo: 1) a posse e exploração da terra subjugando os seus habitantes; 2) a educação enquanto aculturação, isto é, a inculcação nos colonizados das práticas, técnicas, símbolos e valores próprios dos colonizadores; 3) a catequese entendida como a difusão e conversão dos colonizados à religião dos colonizadores (Saviani, op. cit., p. 29). Entretanto, em razão de apresentar esta realidade na perspectiva de uma mulher branca oferecida como mercadoria para um colono, o filme acrescenta alguns temas poucos refletidos em torno da colonização.
    A história de Oribela apresenta elementos suficientes para uma aprofundada discussão sobre a cultura do estupro e o casamento enquanto contrato social. No processo de acumulação capitalista, o sacramento do matrimônio veio a se tornar um dispositivo ideológico indispensável ao direito das sucessões. Trata-se de um dispositivo ideológico que cria mulheres de primeira e segunda categoria: as mulheres para casar e as mulheres promíscuas, isto é, as que não estão perfeitamente alinhadas com os valores de subserviência e as doutrinas de vestimentas adotados pela Igreja Católica. No período da colonização, esta divisão se dava, como vimos no filme, entre as mulheres brancas e as “selvagens”. Como sempre, as categorias de pureza servem para separar o humano daquilo que é inumano, o valorável daquilo que é desprezível, que pode ser tratado como coisa.
    O filme mostra como, muito antes das teorias racistas do século XIX, a escravização do “outro” não-ocidental já havia criado subespécies de indivíduos. Mas, mais do que isso, assim como a socióloga Maria Sylvia de Carvalho Franco lançou um novo olhar sobre o Brasil colonial ao estudar a cultura do “favor” entre os homens brancos livres na ordem escravocrata, o filme de Alain Fresnot lançou luz sobre o papel da mulher branca no processo de acumulação capitalista. Partícipe, sim, do lugar de poder na ordem escravocrata, a mulher branca, no entanto, não passou incólume ao processo de reificação inerente ao capitalismo.

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  • Grande Otelo

    Minha reação ao saber que a Netflix lançaria uma minissérie sobre a vida de Fito Páez foi perguntar: "por quê?". Fito é, sem dúvida, um dos artistas argentinos mais conhecidos de sua geração. No entanto, o cantor rosarino jamais esteve à altura dos grandes ícones do rock argentino, como Charly García, Luis Spinetta, Luca Prodan ou mesmo Gustavo Cerati.
    Após assistir à série, compreendi a escolha do biografado. O início da carreira de Fito Páez oferece um excelente arco narrativo: introdução (a criança órfã responde ao veto do pai, quem mantinha trancado o piano de sua finada esposa; pouco a pouco, o instrumento e a música se convertem numa obsessão); elevação da ação (o jovem instrumentista sai de casa para apostar na carreira musical; primeiro, compondo trovas ao lado de Juan Carlos Baglietto, depois, à sombra da incipiente carreira solo do já consagrado Charly García); clímax (quando começa a dar os primeiros e incertos passos de uma carreira solo, a morte de seu pai e o assassinato de sua avó e sua tia desestabilizam Fito Páez); declínio da ação (vem uma fase marcada por whisky, bromazepan e o fracasso retumbante do disco "Ciudad de pobres corazones"); desfecho (o caso policial envolvendo o assassinato das mulheres que o criaram é resolvido, ele encontra um novo amor - a musa de Almodóvar, Cecilia Roth - e grava o álbum mais vendido na história do rock argentino). Era, enfim, um roteiro pronto.
    A série parece ter sido produzida por e para os fãs de Fito Páez, o que lhe trouxe vitalidade, mas também algumas fraquezas. De fato, "El amor después del amor" sofre de muitos dos problemas comuns às cinebiografias, especialmente o do anedotário. Em muitas sequências, pude visualizar o que já conhecia através de alguma entrevista do cantor, como se o roteiro tivesse sido escrito a partir de uma coleção de boas histórias. Algumas anedotas aparecem sem qualquer conexão com o enredo, como a do dia em que o professor de Fito descobriu que ele não sabia ler partituras. A tentação de mostrar o que ou quem inspirou determinadas canções produz sequências constrangedoras, nas quais os acordes e letras surgem como num passe de mágica.
    Tudo isto posto, contudo, comparada às recentes bombas produzidas em Hollywood, como "Bohemian Rhapsody", a cinebiografia de Fito apresenta um saldo bastante positivo, reafirmando o domínio dos argentinos sobre a linguagem naturalista do cinema industrial (ainda mais hegemônica a partir destas produções internacionais das plataformas de streaming). Neste quesito, aliás, vale a pena destacar a qualidade do elenco. Micaela Riera e Andy Chango parecem a reencarnação de Fabiana Cantilo e Charly García, e até personagens menores, como as de Daryna Butryk (Cecilia Roth) e Joaquín Baglietto (Juan Carlos Baglietto), estão impressionantes. Julián Kartun não faz feio, mas erra a mão ao tentar imitar a voz e caricaturar o hippieismo de Spinetta. Iván Hochman, ironicamente, foi a escolha que menos me agradou, apresentando um jovem Fito Páez dado a arroubos de autoafirmação grosseiros e antipáticos. Não há nada ali que recorde o Fito Páez que conhecemos através dos palcos e demais apresentações ao público. Talvez este seja um Fito Páez mais fidedigno, mas, caso seja essa a explicação, era melhor não tê-lo conhecido.
    De qualquer modo, recomendo muitíssimo a série, especialmente para os apaixonados pelo rock argentino e para os que ainda desejam conhecê-lo.

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