Em uma edição deste mês da revista Veja, a coluna SobeDesce tentou amenizar as denúncias de assédio sexual contra o escritor Stan Lee. “Aos 95 anos, o criador do Homem-Aranha foi acusado de assédio por suas cuidadoras por pedir-lhes sexo oral e andar nu dentro de casa — prova de que para algumas feministas não existe a atenuante da idade”, declarou a publicação de 12 de janeiro. A afirmação, absurda em sua tentativa de minimizar a gravidade das acusações, ecoa junto a tantas outras que tentam desmerecer a luta feminina por igualdade e respeito.
Tentativas de silenciamento deste tipo caem como uma bomba em um momento crucial como o que estamos vivendo. Em Hollywood, profissionais da indústria cinematográfica estão sistematicamente pondo em cheque a má conduta de atores, cineastas e produtores, ao mesmo tempo em que reivindicam salários mais justos para as mulheres, impulsionando um movimento que toma conta de novas esferas a cada dia. Neste contexto, A Guerra dos Sexos, dirigido pelo casal Jonathan Dayton e Valerie Faris, descreve com precisão cirúrgica a constante dificuldade que enfrentamos para tentar avançar com os direitos das mulheres.
A trama reconstitui livremente um célebre episódio da história esportiva norte-americana, que ficou conhecido como “a Batalha dos Sexos”. Em meados de 1972, o tenista aposentado Bobby Riggs (Steve Carrel), de 55 anos, decidiu desafiar as campeãs do esporte para provar que os homens são melhores e que as mulheres não pertencem às quadras. Pegando carona na polêmica levantada pela esportista em ascensão e ativista Billie Jean King (Emma Stone), que comprou uma briga com a associação dos tenistas por pleitear equiparação salarial entre os atletas de ambos os sexos, o egocêntrico ex-campeão usou a disputa para atrair os holofotes (e lucrar com as apostas).
O longa-metragem roteirizado por Simon Beaufoy (Quem Quer Ser um Milionário?) narra com leveza os fatos que precederam o evento histórico. Dayton e Faris, nomes por trás do maravilhoso Pequena Miss Sunshine, repetem a façanha de abordar temas difíceis com toques de humor – e, como na comédia dramática de 2006, muitas das risadas provocadas por A Guerra dos Sexos são resultado de puro constrangimento. Steve Carrel, em mais um desempenho extraordinário, consegue criar um vínculo emocional entre o repugnante Bobby Riggs e o público. O personagem caminha durante a trama como uma piada ambulante, um ser humano retrógrado que chega a despertar pena, mas que é mestre em lucrar com sua imagem de porco chauvinista.
No comando do longa, Emma Stone entrega uma de suas mais brilhantes atuações. Billie Jean se divide entre a descoberta de sua sexualidade e a necessidade de esconder o affair com a cabeleireira Marilyn (Andrea Riseborough) para não implodir sua carreira, ao mesmo tempo em que luta por salários e premiações justas para as atletas femininas: “Se nós vendemos o mesmo número de ingressos, merecemos ganhar o mesmo prêmio”, insiste. É nos embates entre a tenista e o presidente da associação (Bill Pullman) que brotam as críticas mais cortantes de A Guerra dos Sexos: mais de quatro décadas nos separam dos acontecimentos retratados no filme, mas cada argumento e cada negativa às reivindicações femininas continua soando extremamente atual.
Distribuída em múltiplas camadas, a comédia dramática explora diversos assuntos, do vício em jogos de azar à aceitação da comunidade LGBT. Após uma breve passagem nos cinemas brasileiros em outubro de 2017, o filme está disponível para locação no TeleCine On. A Guerra dos Sexos teve duas indicações ao Globo de Ouro 2018, uma para Stone em Melhor Atriz de Filme – Comédia ou Musical e outra para Carell como Melhor Ator de Filme – Comédia ou Musical. Os atores também disputaram nas mesmas categorias o Critics’ Choice Awards e no SAG Awards.
“Fan service” é um dos temas mais polêmicos quando se trata de produções cinematográficas inspiradas em HQs. Ao mesmo tempo em que os aficionados por quadrinhos tendem a esperar filmes essencialmente fiéis às suas fontes, uma boa parte do público que lota as salas de cinema sequer acompanha esse universo. Cabe aos diretores a difícil tarefa de balancear as demandas dos fãs fervorosos com a necessidade de adaptar a história para outra linguagem.
O desequilíbrio entre esses fatores pode prejudicar a sétima arte: talvez o maior exemplo seja o polêmico “Batman vs Superman: A Origem da Justiça”, de Zack Snyder, um dos principais pilares da expansão cinematográfica da DC em parceria com a Warner. Longo e confuso, o tão esperado confronto entre o semideus de Metrópolis e o vigilante de Gotham City consagrou-se como um tributo às HQs, mas falhou enquanto obra cinematográfica, deixando grande parte do público perdido. O resultado repercutiu internamente e impulsionou mudanças drásticas nos planos do estúdio, afetando inclusive “Esquadrão Suicida”, que foi completamente reeditado às vésperas de sua estreia. Com “BvS” e “Esquadrão Suicida” rejeitados pela crítica e dividindo as opiniões do público, a Warner teve um momento positivo com “Mulher-Maravilha”, dirigido por Patty Jenkins.
Com um tom bem menos sombrio, “Liga da Justiça”, que estreou no dia 15 de novembro, parece bem interligado aos fatos de “BvS”, mas também deixa várias pontas soltas. Entretanto, ao contrário do seu antecessor, nem mesmo os mais íntimos dos quadrinhos se sentiram “em casa”: quando Zack Snyder precisou deixar a direção, por motivos pessoais, e a responsabilidade de finalizar o longa foi passada para Joss Whedon (“Vingadores: Era de Ultron”), mais uma produção da DC precisou ser remodelada às pressas, e o resultado foi um filme sem paternidade definida.
Com tantos personagens para serem apresentados ao público — o que consome tempo em cena — e precisando atender às exigências da Warner de que o filme não ultrapassasse as duas horas de projeção, a primeira metade de “Liga da Justiça” conta com diálogos rasos e frases de efeito descabidas. Ao mesmo tempo, o acerto na escolha do elenco se torna evidente: mesmo quando o roteiro não ajuda, as boas interpretações são suficientes para envolver o espectador com os protagonistas, além de render momentos cômicos impagáveis — com destaque para Ezra Miller como Barry Allen, o Flash.
“Liga da Justiça” marca uma mudança na visão dos executivos do estúdio: o tom mais leve e o “desapego” em relação às HQs mostram que a produtora tem consciência sobre o tipo de público que enche as salas de cinema e sobre o que esse público espera (tanto que o longa tem 83% de aceitação no Rotten Tomatoes). Entretanto, as bilheterias internacionais do filme durante a semana de estreia foram bem abaixo do esperado, com previsões até de prejuízo para a distribuidora.
A maior lição que a Warner parece não ter aprendido ainda é a de que um bom planejamento é indispensável — ainda mais quando se fala em orçamentos de centenas de milhões de dólares. A produtora tem sido reativa em suas escolhas, tomando decisões precipitadas e exigindo alterações grandiosas em produções quase prontas, e os resultados têm sido filmes que prometem muito e decepcionam — enquanto “Mulher-Maravilha”, que sofreu menos interferência e estreou sob poucas expectativas, teve uma longa e próspera trajetória nas salas de projeção.
O filme de Snyder e Whedon tinha tudo para ser um épico. Acabou, porém, como um mero entretenimento: um longa engraçadinho mas sem personalidade, com boas cenas de ação, um vilão descartável, efeitos especiais ora interessantes, ora meio toscos, personagens adoráveis, mas pouco desenvolvidos, e uma sensação de “foi divertido, mas ainda não foi o que eu esperava”.
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"O espaço entre nós", do diretor Peter Chelsom, é um romance adolescente a la John Green. Mas não se engane: o autor de "A culpa é das estrelas" e "Quem é você, Alasca?" não tem nenhuma ligação com a nova aquisição da Netflix, a não ser, talvez, algum tipo de inspiração em sua obra. A produção, bem "Sessão da Tarde", é cheia de altos e baixos: enquanto os diálogos são cheios dos clichês bonitinhos típicos dos romances juvenis, algumas tomadas são deslumbrantes; ao mesmo tempo em que a caracterização tecnológica é incongruente, misturando laptops transparentes com carros, roupas e até celulares atuais, a química entre o casal principal convence e conquista. Na trama, uma astronauta inadvertidamente grávida integra a tripulação de uma missão para povoar Marte. O chefe do empreendimento, o engenheiro Nathaniel (Gary Oldman), decide que a criança deverá nascer no espaço e ser mantida em segredo para não comprometer o projeto. Com a morte da mãe durante o parto, Gardner (Asa Butterfield) cresce dentro da estação espacial como o primeiro marciano da história da humanidade. Aos 16 anos, o jovem, cheio de questionamentos, convence a todos que chegou a hora de voltar para a Terra; pela primeira vez em nosso planeta, Gardner foge para encontrar Tulsa (Britt Robertson), uma órfã incompreendida com quem fizera amizade através de um chat online. Apaixonados, os dois enfrentam a Nasa para viver uma série de aventuras em busca de suas conexões com o passado. Em meio à safra recente de filmes voltados para o público de "young adults", "O espaço entre nós" está acima da média e é um bom entretenimento, capaz de relaxar a mente e aquecer o coração.
Poucos filmes-catástrofe têm a mesma densidade da produção norueguesa "A Onda" (2015). O longa tem como ponto de partida o fiorde de Geiranger, um dos pontos turísticos mais fantásticos da região, mesmo que sob a ameaça constante - e real - de um desastre. Mesmo com uma narrativa simples e uma premissa um tanto clichê, "A Onda" se destaca ao entregar um resultado verdadeiramente claustrofóbico e perturbador. Na trama, conhecemos o geólogo Kristian (Kristoffer Joner) e sua família, que estão prestes a se mudar para outra cidade quando um desequilíbrio já esperado - mas que chega sem nenhum aviso - culmina em uma tsunami que varre a cidade. Além das boas atuações, a película se vale de uma fotografia incrível e efeitos visuais impressionantes, capazes de afligir o telespectador com um cenário realmente impactante. O filme está disponível no catálogo da Netflix, que, aliás, vem nos trazendo diversas oportunidades de fugir do monopólio hollywoodiano para explorar pérolas da produção cinematográfica de outros países.
Fazer cinema implica em dialogar com a bagagem de vida de cada um. A maneira como cada espectador enxerga um filme é única, e a mesma obra pode ganhar significados diferentes, a depender do momento. O brasileiro “Açúcar”, de Renata Pinheiro e Sergio Oliveira, exibido na última segunda (6) dentro da programação do X Janela Internacional de Cinema do Recife, é um filme feito para apertar diferentes calos: incômodo e atual, o longa não tem medo de pôr o dedo nas feridas culturais e sociais do Brasil. Num misto de drama e terror psicológico, a história acompanha o retorno de Bethânia (Maeve Jinkings) às terras onde cresceu, no decadente Engenho Wanderley. Herdeira de um legado construído às custas do suor e sangue de escravos, Bethânia almeja reacender os dias de glórias do casarão. No entanto, além de sofrer com as dificuldades causadas pelo natural declínio da cana-de-açúcar no Nordeste e por uma gestão incompetente, a protagonista encara como uma afronta sua nova vizinhança: um Centro Cultural pertencente a trabalhadores negros que, no passado, serviram a seus familiares, e que hoje administram, de forma independente e bem-sucedida, terras dentro do antigo engenho. A situação da Casa Grande, endividada e quase em ruínas, não enfraquece o orgulho nem o racismo escancarado da pretensa "senhora de engenho", e o clima pesa quando Alessandra (Dandara de Morais) assume a limpeza do "palacete": mais do que os diálogos, as trocas de olhares entre as atrizes desnudam o conflito entre a ilusão das glórias passadas e a realidade social que Bethânia se recusa a aceitar. Em um dos momentos mais inquietantes do filme, Bethânia verbaliza o que seus gestos e silêncios falharam em transmitir: "Você deveria me agradecer, sua ingrata! Minha família ajudou sua avó, sua família. Se não fosse por mim, você nem estaria mais aqui". Como um espelho, “Açúcar” expõe uma dura realidade: a Casa Grande ruiu, os negros saíram da senzala, mas os patrões insistem em tentar mantê-los no quarto dos fundos. Em um filme carregado de simbolismos e elementos fantásticos, Renata e Sergio contrapõem elementos do candomblé e do catolicismo para tempestuar o embate e provocar o público – e se a fuga da realidade distorce a imagem do espelho, a inóspita conjuntura de uma sociedade que insiste em oprimir e massacrar ainda causa mais medo do que a figura disforme e inominável que permeia a trama.
De todos os super-heróis que já tiveram seu lugar garantido no universo cinematográfico da Marvel, Thor sempre foi o mais infantil. Desde sua primeira aparição nos cinemas, o Deus do Trovão interpretado por Chris Hemsworth já se anunciava como um personagem imaturo e abobalhado. Embora um tanto destoante dos demais integrantes do time dos Vingadores, o Thor juvenil, impetuoso e mimado, que precisou ser exilado para entender seu papel no mundo, de alguma forma convence. Todavia, enquanto o filho de Odin aprende suas lições e amadurece, os filmes da franquia não perceberam a hora de evoluir. Se “O Mundo Sombrio” manteve o tom do primeiro longa, “Ragnarok” perdeu a mão nos alívios cômicos característicos da série e descambou na comédia besteirol. Dirigido por Taika Waititi, o filme que precede “Os Vingadores: Guerra Infinita” parece perdido entre tentativas frustradas de reproduzir o estilo cômico que funcionou tão bem em “Guardiões da Galáxia”. A adição de Korg no elenco é um exemplo disso: o grandalhão de pedra, conhecido nos quadrinhos como um alienígena assustador, vira um pacificador com voz de criança nas mãos de Waititi. Na tentativa de apresentar um Hulk “mais inteligente”, o cineasta dá a Mark Ruffalo um papel bobo e inverossímil. Nem mesmo Cate Blanchett, que dá vida à primeira vilã do universo Marvel nos cinemas, encontra o tom: sua aparição como Hela, a Deusa da Morte, é forçada e superficial. Apenas Tom Hiddleston, sempre impecável como Loki, consegue imprimir nuances a seu personagem, sendo capaz de arrancar risadas genuínas em meio a tantas piadas ruins. Incrivelmente, “Thor: Ragnarok” não parece um filme preguiçoso. Pelo contrário: além do visual deslumbrante, as pontas são muito bem amarradas, do argumento à sua solução. Contudo, o excesso de tentativas de fazer graça, inserções desnecessárias e diálogos dispensáveis acabam transformando-o em uma aventura descartável – o que é uma pena, ainda mais considerando a trajetória positiva dos filmes de super-heróis em 2017.
Expor a vida íntima de uma pessoa é uma tarefa complicada, sobretudo quando o retratado é uma figura pública complexa e contraditória como foi Elis Regina. Em 1985, Regina Echeverria pôs o dedo na ferida e lançou "Furacão Elis", fiel à essência de uma das maiores cantoras que o Brasil já conheceu — a contragosto de sua família e amigos. É compreensível: lançada apenas três anos depois de sua morte, a biografia é dolorosa e não suaviza a personalidade da eterna Pimentinha. No palco, Elis era arrebatadora; fora dele, sua personalidade era histriônica. O temperamento agressivo e bipolar, no entanto, é posto em panos quentes no filme "Elis", do diretor estreante Hugo Prata. O longa-metragem é frio ao abordar os momentos mais polêmicos da vida de uma das intérpretes mais intensas da história da música brasileira.
Ao tentar pontuar os traços mais importantes da carreira de Elis, Hugo, que também assina o roteiro ao lado de Vera Egito e Luiz Bolognesi, apagou a força e complexidade de uma cantora que era pura emoção. A impressão é de que, ao longo de toda sua vida, Elis foi o furacão contido das primeiras cenas, quando o bailarino e coreógrafo Lennie Dale tenta trabalhar sua expressão corporal. Da adolescência à sua morte prematura, Hugo parece mais focado nos fatos do que na dimensão da personalidade de Elis. Essa escolha, contudo, é atropelada por outra preferência do diretor: Andréia Horta dá vida à interprete durante todo o filme, em uma decisão que, sem uma montagem adequada, acaba dificultando a percepção da passagem do tempo. Por exemplo, num instante ela é um sucesso ao lado de Jair Rodrigues no programa O Fino da Bossa, aplaudida de pé, enquanto no momento seguinte o empresário insinua que eles podem ser demitidos por conta da baixa audiência. Inábil ao amadurecer os conflitos, o roteiro não sugere sua consagração ou a real importância da intérprete para a cultura nacional. Uma manchete de jornal, lida em voz alta, indica que a Música Popular Brasileira está surgindo com a voz da cantora; esse é, talvez, o único momento em que nos aproximamos de alcançar sua dimensão. Ao mesmo tempo em que essa faceta da artista é ignorada, não faltam cenas extensas e desnecessárias de sexo e brigas com Ronaldo Bôscoli, seu primeiro marido.
Entre outros pecados, a película trata o envolvimento de Elis com as drogas de forma fria e atropelada. A própria cena de sua morte falha em deixar claro que a intérprete morreu por uso excessivo de cocaína e álcool — dando a impressão de que o assunto ainda é um tabu entre seus filhos, ou de que o filme passou por alguma espécie de censura. Contudo, se por um lado o filme perde em sua essência, Andréia Horta espanta pela atuação visceral e pela semelhança com a cantora. A atriz, que estudou durante três meses a personagem, se entrega com afinco aos seus trejeitos expansivos. A direção de fotografia de Adrian Teijido e o figurino assinado por Maria Barbalho também se destacam, dando algum fôlego a uma produção superficial.
Apesar da fama e do prestígio, a carreira do cineasta Tim Burton nunca foi marcada pela regularidade. Conhecido por seu estilo dark oitentista, Burton é a mente excêntrica por trás de clássicos como Edward — Mãos de Tesoura e Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas, ambos argumentados e dirigidos por ele, e de animações geniais como A Noiva Cadáver e O Estranho Mundo de Jack. No entanto, nas ocasiões em que o norte-americano esteve à frente de adaptações cinematográficas ou remakes, o resultado foi incerto como uma loteria, produzindo pérolas como A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça, divisores de opiniões do naipe de Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet, e fracassos retumbantes como A Fantástica Fábrica de Chocolate ou Alice no País das Maravilhas.
O Lar das Crianças Peculiares se encaixa na última categoria: a estética gótica e os personagens bizarros descritos por Ransom Riggs no livro O Orfanato da Srta. Peregrine para Crianças Peculiares pareciam o material perfeito para o diretor, tanto que o filme era um dos mais esperados de 2016. Contudo, Burton parece ter perdido a habilidade de trabalhar com uma obra concebida por outro autor. A adaptação, cujo roteiro é assinado por Jane Goldman (Kingsman e Kick Ass), falha até em absorver os traços excêntricos do criador de Frankenweenie: em suas mãos, O Lar das Crianças Peculiares não passa de um filme infantil com toques de X-Men.
Na trama, após a estranha morte de seu avô (Terence Stamp), o jovem Jake (Asa Butterfield) parte para uma cidadezinha remota no País de Gales, onde pretende desvendar a verdade por trás das histórias que ouviu do avô durante toda a sua infância. Aos cuidados de um pai alheio e incrédulo, Jake tenta encontrar a Srta. Peregrine (Eva Green), responsável por um orfanato onde, supostamente, viveriam crianças dotadas de poderes especiais, mas descobre que o local não passa de uma mansão em ruínas, atingida por um míssil durante a Segunda Guerra Mundial. O adolescente, porém, acaba encontrando uma fenda temporal capaz de levá-lo ao mundo extraordinário habitado pelo avô décadas antes.
Ao tentar construir os personagens e delinear o relacionamento entre Jake e Emma (Ella Purnell), o longa sucumbe a um ritmo enfadonho, que só sai do marasmo aos 45 do segundo tempo. Ponto alto do elenco, a Srta. Peregrine vivida por Eva Green (Penny Dreadful) é mal aproveitada: durante quase todo o tempo da película, a personagem aparece apenas como elemento introdutório àquele mundo e seus mistérios. Seu caráter secundário é repetido pelo personagem de Samuel L. Jackson, que interpreta um vilão infantilizado que parece ter caído de paraquedas na história.
Burton, em entrevista, afirmou ter sido ele próprio uma criança peculiar. Conhecido por sempre imprimir algo de si em suas criações, sua “esquisitice” acabou se tornando uma das fontes da genialidade do cineasta. Contudo, ao se render à superficialidade e se distanciar de sua obscuridade habitual, o diretor acaba errando a mão, esquecendo os ingredientes que poderiam fazer de O Lar das Crianças Peculiares um filme memorável, e não apenas um entretenimento descartável. Mais críticas: instagram.com/iclaquete.
Jay Roach, diretor de Trumbo: Lista Negra, é dono de um currículo admirável para quem gosta de comédias, mas talvez não muito atraente para quem não é fã do gênero. Responsável por grandes sucessos de bilheteria, entre os trabalhos do estadunidense estão as franquias Entrando Numa Fria e Austin Powers. A cinebiografia do roteirista Dalton Trumbo, que estreia nesta quinta-feira (28) nos cinemas, é um ponto destoante na carreira de Roach: desta vez, o cineasta mergulha em um drama sério e elegante em defesa da liberdade de pensamento.
Baseado em fatos reais, narrados no livro homônimo de Bruce Cook, Trumbo remonta ao período de "caça às bruxas" em Hollywood - parte fundamental do movimento de perseguição política liderado pelo senador Joseph McCarthy na década de 1950. Um dos roteiristas mais bem pagos dos anos 1940, Trumbo (Bryan Cranston) era também membro do Partido Comunista e se recusou a delatar outros esquerdistas da indústria cinematográfica. Condenado por desobediência civil, o escritor foi inserido no que hoje conhecemos como a Lista Negra ou Os Dez de Hollywood. Fadado a não conseguir trabalho, graças a um sistema intolerante e hipócrita, Trumbo viu-se afundado em dívidas e passou a escrever sob pseudônimos. Por baixo dos panos, escreveu cerca de trinta roteiros - inclusive de obras premiadas como A Princesa e o Plebeu (1953), Arenas Sangrentas (1958), Spartacus (1960) e Exodus (1961).
Ao longo de uma incansável luta contra a castração ideológica, o espectador acompanha os bastidores de clássicos da Sétima Arte; mergulha em um período de opressão, no qual uma comissão formada para investigar a suposta infiltração de comunistas na indústria do cinema criminalizou o ato de pensar; além de conhecer a crescente obsessão do roteirista pelo trabalho, que acaba por minar sua família.
Bryan Cranston, astro maior da eletrizante série Breaking Bad, entrega uma das melhores atuações de sua carreira. Fazendo jus à indicação ao Oscar de Melhor Ator, Cranston pode, inclusive, dificultar a tão sonhada estatueta de Leonardo DiCaprio, concorrente por O Regresso. Na outra ponta do elenco, Ellen Mirren (A Rainha) enaltece a produção como Hedda Hopper, uma renomada colunista de Hollywood. A dama britânica interpreta com maestria a principal antagonista da trama, deixando aflorar a mentalidade enfurecida do período de perseguição macarthista.
Voltando a um Brasil em tempos de intolerância partidária, onde uma polarização radical ganha espaço com a liberdade de expressão das redes sociais, ao mesmo tempo em que tenta amordaçar o pensamento alheio, Trumbo é um lembrete de que ideais devem ser respeitados: discutidos, contestados, mas não impostos. Mais críticas: instagram.com/iclaquete
Em Banquete do Amor, de Robert Benton, o personagem Harry (Morgan Freeman) aconselha o protagonista Bradley (Greg Kinnear): “Nossas ilusões, nossas expectativas sobre as pessoas podem nos cegar”. Do lado de cá da tela, convivemos diariamente com notícias de homens incapazes de aceitar a separação e mulheres que se tornam vítimas da insegurança masculina. Na Nova Iorque de 1950, a personagem-título de Carol (Cate Blanchett) é uma mulher que, depois de anos vivendo um relacionamento de aparências, enfrenta um processo de divórcio com Harge (Kyle Chandler). No meio do casal está a filha, Rindy, usada como ferramenta de chantagem pelo marido que não admite a perda da esposa. A inconformidade do ex-companheiro transborda em forma de opressão: embora nunca levante a mão para Carol, Harge move um processo jurídico para tomar sua filha, alegando má conduta e imoralidade.
O motivo de tais acusações é apresentado logo nas primeiras cenas do filme: uma troca de olhares entre a rica e confiante Carol Aird e a vendedora Therese Belivet (Rooney Mara) deixa evidente que o amor não pede permissão, não bate à porta e não cede a pressões ou despotismo. Dirigido por Todd Haynes, a trama acompanha a luta de Carol pela guarda da criança e o impetuoso envolvimento entre as duas. Em cena, cada gesto e troca de olhares entre as protagonistas é extasiante. Antes de qualquer toque, o relacionamento é pacientemente construído em cima do companheirismo. Carol é uma mulher forte e à frente do seu tempo, que dificilmente vacila diante dos obstáculos e absurdos da justiça norte-americana. Cheia de sonhos não realizados, com um emprego entediante em uma loja de brinquedos e um namoro morno com um rapaz, Therese é um barco à deriva, até ancorar no porto intangível que é a presença de Carol. Dali por diante a moça se entrega de corpo e alma: desde o primeiro encontro, o espectador percebe que a personagem de Rooney Mara está disposta a se jogar do precipício sem medo das consequências. Juntas, elas fogem de seus problemas e dos olhares homofóbicos da sociedade em uma viagem pelos Estados Unidos.
Ambas indicadas ao Globo de Ouro deste ano na categoria Melhor Atriz, no telão Cate e Rooney se completam. O olhar terno de Therese enaltece a beleza de Carol. A química entre as duas transpassa a tela, provocando palpitações. A fotografia de Edward Lachman remonta à atmosfera chique de Nova Iorque durante a Era de Ouro, com uma ambientação retrô, cheia de cores quentes e cenários vistos através das janelas molhadas da Grande Maçã.
Haynes, que também dirigiu Longe do Paraíso (2002), mantém a linha sofisticada e elegante na trama baseada no livro The Price of Salt, da escritora Patricia Highsmith. Lançada em 1952 sob o pseudônimo de Claire Morgan, a obra é famosa por ter sido o primeiro romance a abordar uma relação amorosa entre mulheres com um final feliz. Mais críticas: instagram.com/iclaquete
Depois de um 2016 ingrato para a DC Comics, com os resultados no mínimo controversos de "Batman x Superman: A Origem da Justiça" e "Esquadrão Suicida", a Warner finalmente conseguiu acertar no tom com o filme solo da Mulher Maravilha. O longa de Patty Jenkins é um deleite, no melhor estilo girlpower, mas capaz de agradar igualmente o público masculino. Jenkins tem habilidade comprovada para construir personagens femininas: é dela o drama "Monster: Desejo Assassino", que rendeu a Charlize Theron o Oscar de Melhor Atriz em 2004. Com uma delicadeza ímpar, a diretora americana conduz uma produção bem amarrada, visualmente deslumbrante, forte, ágil e significativa. Mas não é só dela o mérito: a atriz israelense Gal Gadot, que dá vida a Diana desde "Batman vs. Superman", é um espetáculo em cena. Gadot é ao mesmo tempo ingênua sem parecer piegas e sólida como uma rocha. Sua beleza estonteante apenas realça as qualidades de uma personagem íntegra, decidida e questionadora. Aqui, a princesa das amazonas não é mais uma heroína criada durante a Segunda Guerra Mundial para vender a imagem dos Estados Unidos como salvadores do mundo; pelo contrário, a história contada (agora ambientada em meio à Primeira Grande Guerra) deixa claro que o mal mora dentro de todos nós. "Mulher Maravilha" não é "apenas" um filme sobre poder feminino: é um filme capaz de renovar nossa fé na humanidade. Mais críticas: instagram.com/iclaquete
Poucos filmes infantis chegam a uma trilogia mantendo o alto de nível e excelência nas piadas. "Meu Malvado Favorito 3", que está nos cinemas desde a quinta (29), é um desses exemplos felizes. Parte do mérito se deve não apenas ao roteiro de Cinco Paul e Ken Daurio, mas também à hilária dublagem brasileira, brilhantemente executada por Maria Clara Gueiros (Lucy), Leandro Hassum (Gru e Dru) e Evandro Mesquita (Balthazar Brat). Com uma trama que se desenrola em três camadas, a história começa a partir da perseguição de Gru e Lucy, ambos agentes da AVL (Liga Antivilões), em busca de um dos maiores bandidos do mundo. No desenrolar, conhecemos o irmão gêmeo de Gru, uma cópia afetada do nosso ex-vilão favorito; por fim, os Minions se rebelam contra seu chefe e seguem uma jornada em busca de um novo líder para praticar vilanias. Cheio de referências aos anos 80, o longa é um ótimo entretenimento para todas as idades. Em tempo: Margot, Edith e Agnes continuam fofíssimas em sua missão de transformar Gru, e agora Lucy, em ótimos pais. Mais críticas: instagram.com/iclaquete
Lula Carvalho é um dos mais importantes diretores de fotografia do cinema brasileiro contemporâneo. O carioca, vencedor do Kikito de Ouro de Melhor Fotografia no Festival de Gramado em 2008, com o filme "A Festa da Menina Morta", também é reconhecido internacionalmente. Seus trabalhos incluem "Robocop" (2014) e oito dos dez episódios da 1ª temporada da série televisiva "Narcos" (2015). No Brasil, ele assinou a direção de fotografia dos dois "Tropa de Elite" (2007 e 2010) e de "O Lobo Atrás da Porta" (2014). Não fosse a atuação visceral de Vladimir Brichta em "Bingo - O Rei das Manhãs", em exibição nos cinemas desde 24 de agosto, a fotografia de Lula é que seria a grande protagonista do filme. Bom para o expectador, que tem vários motivos para prestigiar a história inspirada na vida do ator e apresentador Arlindo Barreto, que encarnou o palhaço Bozo na fase de maior sucesso do programa no SBT, nos anos 1980. Em "Bingo", enquanto o protagonista cresce sob a máscara branca e o nariz vermelho, a profusão de cores envolve o espectador na comicidade da trama. À medida em que o apresentador sucumbe às armadilhas de uma fama da qual, devido a uma cláusula contratual, não pode usufruir, os tons sombrios invadem a cena. No auge do declínio, quando o artista afunda em uma espiral de sexo, drogas e autodestruição, o peso da fotografia chama ainda mais a atenção, sobretudo na cena final. Devido a uma questão de direitos autorais do famoso palhaço, importado para o Brasil por Silvio Santos, os nomes que figuram no longa foram quase todos mudados - o próprio Arlindo virou Augusto, e a Rede Globo virou Mundial. Apenas o nome da cantora Gretchen, com quem Barreto teve um affair, foi mantido. Brichta encontrou em Augusto a chance de finalmente mostrar ao grande público a que veio: embora formado em artes cênicas e com uma sólida carreira no teatro, seus papéis na TV raramente exploram seu potencial como ator. Além do intérprete do protagonista e do diretor de fotografia, os méritos do filme também cabem ao roteirista Luiz Bolognesi (Bicho de 7 Cabeças) e à direção de Daniel Rezende. Estreante por trás das câmeras, Rezende é um montador experiente, que traz no currículo filmes como "Diários de Motocicleta" (2004) e "Cidade de Deus (2002), pelo qual foi indicado ao Oscar. "Bingo - O Rei das Manhãs" é uma ode aos anos 80, mas é, principalmente, uma excelente comédia dramática, que não suaviza em nada a história do ídolo retratado. Leia mais críticas em: instagram.com/iclaquete.
Christopher Nolan é um dos cineasta atuais que melhor exploram o recurso da trama não-linear. São dele a direção e o roteiro dos cultuados "Amnésia", de 2000, "A Origem", de 2010, e "Interestelar", de 2014. Nos cinemas desde a última quinta (27), o drama histórico "Dunkirk" não nega a quem pertence a mente por trás das câmeras. Ambientado durante a Segunda Guerra Mundial, o roteiro, também assinado por Nolan, reconstrói a evacuação de Dunquerque, uma operação deflagrada para resgatar uma enorme força aliada encurralada pelos alemãs no litoral da França - cerca de 400 mil homens dos exércitos britânico e francês. Tríptico como as próprias forças armadas, o enredo se desdobra em três frentes: um grupo de soldados que, a todo custo, busca formas de fugir da praia de Dunquerque; um grupo de resgate voluntário formado pela tripulação de um barco civil; e dois caças da Força Aérea Real britânica. Exibidas na tela concomitantemente, a primeira trama se passa ao longo de uma semana, a segunda, durante um dia, e a terceira dura apenas uma hora. Ainda que esse "modus operandi" seja bem comum no currículo de Nolan, "Dunkirk" é para ele uma nova experiência: trata-se de seu primeiro longa baseado em fatos históricos. Ao mesmo tempo em que expõe, com precisão cirúrgica, os dilemas morais de militares em diferentes graus de desespero, "Dunkirk" é uma película que mergulha o expectador em todas as sensações possíveis. Enquanto, durante a maior parte do filme, os diálogos são mínimos, quem rouba a cena são a fotografia de Hoyte Van Hoytema - que contrasta os cenários desoladores da praia sitiada, a claustrofobia dos navios atingidos e a imensidão do céu diante dos pilotos da RAF - e a trilha sonora angustiante e onipresente de Hans Zimmer. Leia mais críticas em: instagram.com/iclaquete.
Desde o aclamado "A culpa é das estrelas", baseado no best seller de John Green, a indústria cinematográfica vem investindo pesado no filão dos romances juvenis estreladas por adolescentes na iminência da morte. De lá pra cá, filmes como "O espaço entre nós" e "Se eu ficar" triunfaram neste cenário. O mais recente, "Tudo e todas as coisas", estrelado por Amandla Stenberg (a Rue de "Jogos vorazes"), é mais um buscando seu lugar no coração do público teen. Dirigido pela estreante Stella Meghie e baseado no livro homônimo de Nicola Yoon, o longa encontra um bom argumento como ponto de partida: a jovem Maddie convive com uma doença rara que, desde a mais tenra infância, a impediu de frequentar um colégio, chegar perto de outras pessoas ou ter qualquer traço de vida social. Enjaulada em uma prisão domiciliar, onde frequenta aulas e grupos de apoio virtuais, Maddie se relaciona apenas com sua mãe, sua enfermeira e a filha da funcionária. Em sua rígida rotina, todas as sensações se resumem àquelas experimentadas através das páginas dos livros. Toda a segurança acerca de sua saúde é violada quando Olly (Nick Robinson, de "Jurassic World") se muda para a casa ao lado e inquieta os sentimentos da menina. A maior falha de "Tudo e todas as coisas" é ser tão superficial quanto a experiência de vida de Maddie. A impressão que fica é de que a trama está mais interessada em construir frases de efeito do que em criar uma química entre o casal principal. Os conflitos são rasos ou inexistentes, os diálogos são uma coleção de clichês. Até mesmo Olly, que se descreve como um garoto sombrio pelos seus gostos e trajes, é um príncipe encantado digno da Disney, sem nenhum defeito além dos cabelos precisando urgentemente de uma tesoura. Apesar de seguir a cartilha do gênero e investir em tons pastel e loucuras por amor, o longa não passa de um filme bobinho que não evoca nada além de, talvez, um suspiro ou outro. O que é uma pena, já que, apesar da "modinha", outras histórias foram capazes de encontrar um caminho interessante para sair do lugar comum. Leia mais críticas em: instagram.com/iclaquete.
Transformar filmes de sucesso em franquias é o caminho natural trilhado pelas grandes produtoras de cinema, sobretudo quando o gênero em questão é o terror: em uma categoria com tantas produções medianas, quando um longa é aclamado por público e crítica, os estúdios fazem questão de esmiuçar as histórias para explorar ao máximo seu potencial lucrativo. Neste quesito, o diretor e produtor James Wan é uma mina de ouro: são dele duas das maiores franquias de horror de todos os tempos, a já exaustiva "Jogos Mortais" e a mais recente "Invocação do Mal". Com o sucesso da trama que acompanha os investigadores paranormais Ed e Lorraine Warren, a Warner viu seus cofres tilitarem e se apressou em expandir esse universo, lançando o spin off "Annabelle" em 2014. Embora o longa tenha sido reprovado por uma parcela significativa do público, a máquina de fazer dinheiro logo se equilibrou com "Invocação do Mal 2", garantindo o aval de Wan para "Annabelle 2: A criação do mal". Pelas mãos de David F. Sandberg ("Quando as luzes se apagam"), a prequela descortina a origem da boneca possuída, enquanto apresenta um grupo de meninas órfãs que encontram abrigo na casa de um artesão e sua esposa. Sob a tutela de uma jovem freira, as crianças passam a ser assombradas pela filha falecida do casal. Lançando mão de uma fotografia fantástica com movimentos de câmera angustiantes, o cineasta entrega um filme tenso e repleto de bons sustos, capaz de dissipar a memória de seu infeliz antecedente. Leia mais críticas em instagram.com/iclaquete.
Charlize Theron é uma das melhores atrizes de sua safra, isso é incontestável. Desde que surgiu sob os holofotes da indústria cinematográfica, há 20 anos, a sul-africana sempre entregou interpretações arrebatadoras e deixou claro que nunca se limitou a um rosto bonito. É impossível esquecer papéis como a linda e exuberante Mary Ann em "Advogado do Diabo" (1997), ou a trágica serial killer Aileen Wuornos no drama "Monster - Desejo Assassino" (2003) - representações plurais de uma das mulheres mais lindas de Hollywood, ovacionada como bela e fera. Seu mais recente trabalho, "Atômica", em exibição nos cinemas desde 31 de agosto, é mais um estonteante desempenho dessa dama fatal. Na pele da espiã Lorraine Broughton, Theron funde a mulher sexy de "Advogado do Diabo" com a frieza de "Monster" e a impetuosidade da Imperatriz Furiosa em "Mad Max: A Estrada da Fúria" (2015). Contudo, "Atômica" não se resume a Charlize: muito bem coreografado com cenas de ação de tirar o fôlego, o filme tem uma fotografia deslumbrante, com cenas recheadas de neon e planos fechados. Além disso, o longa se sustenta sobre uma das melhores trilhas sonoras do ano: logo no começo do filme, "Blue Monday", do New Order, embala uma sequência de ação contagiante. Dali por diante, seguem-se clássicos como "Under Pressure", do Queen, "Behind the Wheel", do Depeche Mode, e "London Calling", do The Clash. Pra quem se interessou, é bom ficar atento: "Atômica" é dinâmico, e um simples minuto de desatenção pode pôr em jogo a linearidade da história. É bom, portanto, manter os olhos bem abertos, para entender quem é quem na trama, como joga e a favor de quem joga. Leia mais críticas em instagram.com/iclaquete.
Desde "Mama" (2013), o argentino Andrés Muschietti provou ser um exímio diretor de crianças. À época, contudo, faltava ao cineasta uma dose de zelo enquanto contador de histórias. Nos cinemas desde o dia 7 de setembro com o remake "It: A Coisa", adaptação cinematográfica da obra de Stephen King, Muschiett comprova que fez a lição de casa. Sustentado por um elenco impressionante, "It" é uma obra-prima do terror. O macabro palhaço Pennywise, que já povoou os pesadelos de mais de uma geração devido à brilhante interpretação de Tim Curry em um filme sem tanto brilho, ressurge ainda mais apavorante na pele do ator sueco Bill Skarsgård. Bill (que esteva em cartaz recentemente com "Atômica") é mais um da prole de Stellan Skarsgård ("Mamma Mia!") a conquistar Hollywood, seguindo os passos de Gustaf ("Vikings") e Alexander Skarsgård ("A Lenda de Tarzan"). A interpretação do sueco é insana e amedrontadora. Andres, por sua vez, faz boas escolhas: instala o pânico a partir de ataques brutais ou de insinuações odiosas, que podem vir das mãos do palhaço, do bad boy Henry Bowers (Nicholas Hamilton) ou do pai da jovem Beverly (Sophia Lillis). A "coisa" personificada por Pennywise dispensa psicologismos: não há explicações sobre de onde vem ou por que age assim. Na trama, passada em 1988 na fictícia Derry, várias crianças começam a desaparecer sem deixar rastros - entre elas Georgie, o irmão mais novo de Bill (Jaeden Lieberher). Inconformado, o garoto arrasta seus amigos em uma busca pelo caçula. Não por acaso, quem já assistiu a "Stranger Things" teve com "It" uma sensação de "déja vu": algumas das principais inspirações da produção original da Netflix são os clássicos de Stephen King, como "Conta Comigo" e o próprio "A Coisa". Soma-se a isso o fato de Finn Wolfhard, o Mike da série, ser um dos integrantes do autodenominado Clube dos Perdedores. Alternando um timing impecável para os diálogos cômicos com sequências de terror intensas, "It: A Coisa" se distancia da minissérie televisiva que se tornou cult nos anos 1990, mas entrega com maestria um dos vilões mais pavorosos da história do cinema, uma presença nefasta que provoca constante mal-estar. Leia mais críticas em: instagram.com/iclaquete.
A música tem papel fundamental no cinema desde os primórdios da Sétima Arte: nos filmes mudos, a trilha sonora executada ao vivo já era responsável por transportar o público para dentro da película e construir o clima de cada cena. O gênero "musical", amado por uns e odiado por outros, representa a síntese indissolúvel entre cinema e música. Desde 2016, porém, o recurso de costurar a narrativa utilizando canções parece ter invadido com força outros estilos. A tendência começou com os vídeos de divulgação: no primeiro semestre do ano passado, a Warner quebrou a internet com o trailer de "Esquadrão Suícida", uma montagem frenética de imagens de ação ao som de "Bohemian Rhapsody" do Queen; meses mais tarde, a Fox escolheu "Hurt", um dos maiores hinos de Johnny Cash, para embalar o dramático trailer de "Logan". Ainda no ano passado, o primeiro trailer de "Guardiões da Galáxia vol. 2" ganhou fôlego ao som de "Hooked on a Feeling", do Blue Swede - e o próprio filme, lançado em abril deste ano, se valeu da playlist de Peter Quill para embalar seus melhores momentos de forma magistral. Em seu novo longa, o diretor britânico Edgar Wright ("Heróis de ressaca") oferece aos espectadores 113 minutos de cenas de ação muitíssimo bem coreografadas, nas quais a música é um personagem tão importante quanto seu protagonista, o engenhoso motorista Baby (Ansel Elgort). "Em ritmo de fuga" lembra uma versão menos cínica e mais romântica dos filmes do também inglês Guy Ritchie ("Sherlock Holmes"). O resultado da mistura pode não ser inesquecível, mas a produção intensa e divertida certamente vale o ingresso. Leia mais críticas em instagram.com/iclaquete.
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Eu Também
3.9 13Alguém sabe me dizer um canal em que eu possa assistir esse filme?
A Guerra dos Sexos
3.7 316 Assista AgoraEm uma edição deste mês da revista Veja, a coluna SobeDesce tentou amenizar as denúncias de assédio sexual contra o escritor Stan Lee. “Aos 95 anos, o criador do Homem-Aranha foi acusado de assédio por suas cuidadoras por pedir-lhes sexo oral e andar nu dentro de casa — prova de que para algumas feministas não existe a atenuante da idade”, declarou a publicação de 12 de janeiro. A afirmação, absurda em sua tentativa de minimizar a gravidade das acusações, ecoa junto a tantas outras que tentam desmerecer a luta feminina por igualdade e respeito.
Tentativas de silenciamento deste tipo caem como uma bomba em um momento crucial como o que estamos vivendo. Em Hollywood, profissionais da indústria cinematográfica estão sistematicamente pondo em cheque a má conduta de atores, cineastas e produtores, ao mesmo tempo em que reivindicam salários mais justos para as mulheres, impulsionando um movimento que toma conta de novas esferas a cada dia. Neste contexto, A Guerra dos Sexos, dirigido pelo casal Jonathan Dayton e Valerie Faris, descreve com precisão cirúrgica a constante dificuldade que enfrentamos para tentar avançar com os direitos das mulheres.
A trama reconstitui livremente um célebre episódio da história esportiva norte-americana, que ficou conhecido como “a Batalha dos Sexos”. Em meados de 1972, o tenista aposentado Bobby Riggs (Steve Carrel), de 55 anos, decidiu desafiar as campeãs do esporte para provar que os homens são melhores e que as mulheres não pertencem às quadras. Pegando carona na polêmica levantada pela esportista em ascensão e ativista Billie Jean King (Emma Stone), que comprou uma briga com a associação dos tenistas por pleitear equiparação salarial entre os atletas de ambos os sexos, o egocêntrico ex-campeão usou a disputa para atrair os holofotes (e lucrar com as apostas).
O longa-metragem roteirizado por Simon Beaufoy (Quem Quer Ser um Milionário?) narra com leveza os fatos que precederam o evento histórico. Dayton e Faris, nomes por trás do maravilhoso Pequena Miss Sunshine, repetem a façanha de abordar temas difíceis com toques de humor – e, como na comédia dramática de 2006, muitas das risadas provocadas por A Guerra dos Sexos são resultado de puro constrangimento. Steve Carrel, em mais um desempenho extraordinário, consegue criar um vínculo emocional entre o repugnante Bobby Riggs e o público. O personagem caminha durante a trama como uma piada ambulante, um ser humano retrógrado que chega a despertar pena, mas que é mestre em lucrar com sua imagem de porco chauvinista.
No comando do longa, Emma Stone entrega uma de suas mais brilhantes atuações. Billie Jean se divide entre a descoberta de sua sexualidade e a necessidade de esconder o affair com a cabeleireira Marilyn (Andrea Riseborough) para não implodir sua carreira, ao mesmo tempo em que luta por salários e premiações justas para as atletas femininas: “Se nós vendemos o mesmo número de ingressos, merecemos ganhar o mesmo prêmio”, insiste. É nos embates entre a tenista e o presidente da associação (Bill Pullman) que brotam as críticas mais cortantes de A Guerra dos Sexos: mais de quatro décadas nos separam dos acontecimentos retratados no filme, mas cada argumento e cada negativa às reivindicações femininas continua soando extremamente atual.
Distribuída em múltiplas camadas, a comédia dramática explora diversos assuntos, do vício em jogos de azar à aceitação da comunidade LGBT. Após uma breve passagem nos cinemas brasileiros em outubro de 2017, o filme está disponível para locação no TeleCine On. A Guerra dos Sexos teve duas indicações ao Globo de Ouro 2018, uma para Stone em Melhor Atriz de Filme – Comédia ou Musical e outra para Carell como Melhor Ator de Filme – Comédia ou Musical. Os atores também disputaram nas mesmas categorias o Critics’ Choice Awards e no SAG Awards.
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Liga da Justiça
3.3 2,5K Assista Agora“Fan service” é um dos temas mais polêmicos quando se trata de produções cinematográficas inspiradas em HQs. Ao mesmo tempo em que os aficionados por quadrinhos tendem a esperar filmes essencialmente fiéis às suas fontes, uma boa parte do público que lota as salas de cinema sequer acompanha esse universo. Cabe aos diretores a difícil tarefa de balancear as demandas dos fãs fervorosos com a necessidade de adaptar a história para outra linguagem.
O desequilíbrio entre esses fatores pode prejudicar a sétima arte: talvez o maior exemplo seja o polêmico “Batman vs Superman: A Origem da Justiça”, de Zack Snyder, um dos principais pilares da expansão cinematográfica da DC em parceria com a Warner. Longo e confuso, o tão esperado confronto entre o semideus de Metrópolis e o vigilante de Gotham City consagrou-se como um tributo às HQs, mas falhou enquanto obra cinematográfica, deixando grande parte do público perdido. O resultado repercutiu internamente e impulsionou mudanças drásticas nos planos do estúdio, afetando inclusive “Esquadrão Suicida”, que foi completamente reeditado às vésperas de sua estreia. Com “BvS” e “Esquadrão Suicida” rejeitados pela crítica e dividindo as opiniões do público, a Warner teve um momento positivo com “Mulher-Maravilha”, dirigido por Patty Jenkins.
Com um tom bem menos sombrio, “Liga da Justiça”, que estreou no dia 15 de novembro, parece bem interligado aos fatos de “BvS”, mas também deixa várias pontas soltas. Entretanto, ao contrário do seu antecessor, nem mesmo os mais íntimos dos quadrinhos se sentiram “em casa”: quando Zack Snyder precisou deixar a direção, por motivos pessoais, e a responsabilidade de finalizar o longa foi passada para Joss Whedon (“Vingadores: Era de Ultron”), mais uma produção da DC precisou ser remodelada às pressas, e o resultado foi um filme sem paternidade definida.
Com tantos personagens para serem apresentados ao público — o que consome tempo em cena — e precisando atender às exigências da Warner de que o filme não ultrapassasse as duas horas de projeção, a primeira metade de “Liga da Justiça” conta com diálogos rasos e frases de efeito descabidas. Ao mesmo tempo, o acerto na escolha do elenco se torna evidente: mesmo quando o roteiro não ajuda, as boas interpretações são suficientes para envolver o espectador com os protagonistas, além de render momentos cômicos impagáveis — com destaque para Ezra Miller como Barry Allen, o Flash.
“Liga da Justiça” marca uma mudança na visão dos executivos do estúdio: o tom mais leve e o “desapego” em relação às HQs mostram que a produtora tem consciência sobre o tipo de público que enche as salas de cinema e sobre o que esse público espera (tanto que o longa tem 83% de aceitação no Rotten Tomatoes). Entretanto, as bilheterias internacionais do filme durante a semana de estreia foram bem abaixo do esperado, com previsões até de prejuízo para a distribuidora.
A maior lição que a Warner parece não ter aprendido ainda é a de que um bom planejamento é indispensável — ainda mais quando se fala em orçamentos de centenas de milhões de dólares. A produtora tem sido reativa em suas escolhas, tomando decisões precipitadas e exigindo alterações grandiosas em produções quase prontas, e os resultados têm sido filmes que prometem muito e decepcionam — enquanto “Mulher-Maravilha”, que sofreu menos interferência e estreou sob poucas expectativas, teve uma longa e próspera trajetória nas salas de projeção.
O filme de Snyder e Whedon tinha tudo para ser um épico. Acabou, porém, como um mero entretenimento: um longa engraçadinho mas sem personalidade, com boas cenas de ação, um vilão descartável, efeitos especiais ora interessantes, ora meio toscos, personagens adoráveis, mas pouco desenvolvidos, e uma sensação de “foi divertido, mas ainda não foi o que eu esperava”.
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O Espaço Entre Nós
3.3 455 Assista Agora"O espaço entre nós", do diretor Peter Chelsom, é um romance adolescente a la John Green. Mas não se engane: o autor de "A culpa é das estrelas" e "Quem é você, Alasca?" não tem nenhuma ligação com a nova aquisição da Netflix, a não ser, talvez, algum tipo de inspiração em sua obra. A produção, bem "Sessão da Tarde", é cheia de altos e baixos: enquanto os diálogos são cheios dos clichês bonitinhos típicos dos romances juvenis, algumas tomadas são deslumbrantes; ao mesmo tempo em que a caracterização tecnológica é incongruente, misturando laptops transparentes com carros, roupas e até celulares atuais, a química entre o casal principal convence e conquista. Na trama, uma astronauta inadvertidamente grávida integra a tripulação de uma missão para povoar Marte. O chefe do empreendimento, o engenheiro Nathaniel (Gary Oldman), decide que a criança deverá nascer no espaço e ser mantida em segredo para não comprometer o projeto. Com a morte da mãe durante o parto, Gardner (Asa Butterfield) cresce dentro da estação espacial como o primeiro marciano da história da humanidade. Aos 16 anos, o jovem, cheio de questionamentos, convence a todos que chegou a hora de voltar para a Terra; pela primeira vez em nosso planeta, Gardner foge para encontrar Tulsa (Britt Robertson), uma órfã incompreendida com quem fizera amizade através de um chat online. Apaixonados, os dois enfrentam a Nasa para viver uma série de aventuras em busca de suas conexões com o passado. Em meio à safra recente de filmes voltados para o público de "young adults", "O espaço entre nós" está acima da média e é um bom entretenimento, capaz de relaxar a mente e aquecer o coração.
A Onda
3.2 306 Assista AgoraPoucos filmes-catástrofe têm a mesma densidade da produção norueguesa "A Onda" (2015). O longa tem como ponto de partida o fiorde de Geiranger, um dos pontos turísticos mais fantásticos da região, mesmo que sob a ameaça constante - e real - de um desastre. Mesmo com uma narrativa simples e uma premissa um tanto clichê, "A Onda" se destaca ao entregar um resultado verdadeiramente claustrofóbico e perturbador. Na trama, conhecemos o geólogo Kristian (Kristoffer Joner) e sua família, que estão prestes a se mudar para outra cidade quando um desequilíbrio já esperado - mas que chega sem nenhum aviso - culmina em uma tsunami que varre a cidade. Além das boas atuações, a película se vale de uma fotografia incrível e efeitos visuais impressionantes, capazes de afligir o telespectador com um cenário realmente impactante. O filme está disponível no catálogo da Netflix, que, aliás, vem nos trazendo diversas oportunidades de fugir do monopólio hollywoodiano para explorar pérolas da produção cinematográfica de outros países.
Açúcar
3.2 25 Assista AgoraFazer cinema implica em dialogar com a bagagem de vida de cada um. A maneira como cada espectador enxerga um filme é única, e a mesma obra pode ganhar significados diferentes, a depender do momento. O brasileiro “Açúcar”, de Renata Pinheiro e Sergio Oliveira, exibido na última segunda (6) dentro da programação do X Janela Internacional de Cinema do Recife, é um filme feito para apertar diferentes calos: incômodo e atual, o longa não tem medo de pôr o dedo nas feridas culturais e sociais do Brasil. Num misto de drama e terror psicológico, a história acompanha o retorno de Bethânia (Maeve Jinkings) às terras onde cresceu, no decadente Engenho Wanderley. Herdeira de um legado construído às custas do suor e sangue de escravos, Bethânia almeja reacender os dias de glórias do casarão. No entanto, além de sofrer com as dificuldades causadas pelo natural declínio da cana-de-açúcar no Nordeste e por uma gestão incompetente, a protagonista encara como uma afronta sua nova vizinhança: um Centro Cultural pertencente a trabalhadores negros que, no passado, serviram a seus familiares, e que hoje administram, de forma independente e bem-sucedida, terras dentro do antigo engenho. A situação da Casa Grande, endividada e quase em ruínas, não enfraquece o orgulho nem o racismo escancarado da pretensa "senhora de engenho", e o clima pesa quando Alessandra (Dandara de Morais) assume a limpeza do "palacete": mais do que os diálogos, as trocas de olhares entre as atrizes desnudam o conflito entre a ilusão das glórias passadas e a realidade social que Bethânia se recusa a aceitar. Em um dos momentos mais inquietantes do filme, Bethânia verbaliza o que seus gestos e silêncios falharam em transmitir: "Você deveria me agradecer, sua ingrata! Minha família ajudou sua avó, sua família. Se não fosse por mim, você nem estaria mais aqui". Como um espelho, “Açúcar” expõe uma dura realidade: a Casa Grande ruiu, os negros saíram da senzala, mas os patrões insistem em tentar mantê-los no quarto dos fundos. Em um filme carregado de simbolismos e elementos fantásticos, Renata e Sergio contrapõem elementos do candomblé e do catolicismo para tempestuar o embate e provocar o público – e se a fuga da realidade distorce a imagem do espelho, a inóspita conjuntura de uma sociedade que insiste em oprimir e massacrar ainda causa mais medo do que a figura disforme e inominável que permeia a trama.
Thor: Ragnarok
3.7 1,9K Assista AgoraDe todos os super-heróis que já tiveram seu lugar garantido no universo cinematográfico da Marvel, Thor sempre foi o mais infantil. Desde sua primeira aparição nos cinemas, o Deus do Trovão interpretado por Chris Hemsworth já se anunciava como um personagem imaturo e abobalhado. Embora um tanto destoante dos demais integrantes do time dos Vingadores, o Thor juvenil, impetuoso e mimado, que precisou ser exilado para entender seu papel no mundo, de alguma forma convence. Todavia, enquanto o filho de Odin aprende suas lições e amadurece, os filmes da franquia não perceberam a hora de evoluir. Se “O Mundo Sombrio” manteve o tom do primeiro longa, “Ragnarok” perdeu a mão nos alívios cômicos característicos da série e descambou na comédia besteirol. Dirigido por Taika Waititi, o filme que precede “Os Vingadores: Guerra Infinita” parece perdido entre tentativas frustradas de reproduzir o estilo cômico que funcionou tão bem em “Guardiões da Galáxia”. A adição de Korg no elenco é um exemplo disso: o grandalhão de pedra, conhecido nos quadrinhos como um alienígena assustador, vira um pacificador com voz de criança nas mãos de Waititi. Na tentativa de apresentar um Hulk “mais inteligente”, o cineasta dá a Mark Ruffalo um papel bobo e inverossímil. Nem mesmo Cate Blanchett, que dá vida à primeira vilã do universo Marvel nos cinemas, encontra o tom: sua aparição como Hela, a Deusa da Morte, é forçada e superficial. Apenas Tom Hiddleston, sempre impecável como Loki, consegue imprimir nuances a seu personagem, sendo capaz de arrancar risadas genuínas em meio a tantas piadas ruins. Incrivelmente, “Thor: Ragnarok” não parece um filme preguiçoso. Pelo contrário: além do visual deslumbrante, as pontas são muito bem amarradas, do argumento à sua solução. Contudo, o excesso de tentativas de fazer graça, inserções desnecessárias e diálogos dispensáveis acabam transformando-o em uma aventura descartável – o que é uma pena, ainda mais considerando a trajetória positiva dos filmes de super-heróis em 2017.
Elis
3.5 522 Assista AgoraExpor a vida íntima de uma pessoa é uma tarefa complicada, sobretudo quando o retratado é uma figura pública complexa e contraditória como foi Elis Regina. Em 1985, Regina Echeverria pôs o dedo na ferida e lançou "Furacão Elis", fiel à essência de uma das maiores cantoras que o Brasil já conheceu — a contragosto de sua família e amigos. É compreensível: lançada apenas três anos depois de sua morte, a biografia é dolorosa e não suaviza a personalidade da eterna Pimentinha. No palco, Elis era arrebatadora; fora dele, sua personalidade era histriônica. O temperamento agressivo e bipolar, no entanto, é posto em panos quentes no filme "Elis", do diretor estreante Hugo Prata. O longa-metragem é frio ao abordar os momentos mais polêmicos da vida de uma das intérpretes mais intensas da história da música brasileira.
Ao tentar pontuar os traços mais importantes da carreira de Elis, Hugo, que também assina o roteiro ao lado de Vera Egito e Luiz Bolognesi, apagou a força e complexidade de uma cantora que era pura emoção. A impressão é de que, ao longo de toda sua vida, Elis foi o furacão contido das primeiras cenas, quando o bailarino e coreógrafo Lennie Dale tenta trabalhar sua expressão corporal. Da adolescência à sua morte prematura, Hugo parece mais focado nos fatos do que na dimensão da personalidade de Elis. Essa escolha, contudo, é atropelada por outra preferência do diretor: Andréia Horta dá vida à interprete durante todo o filme, em uma decisão que, sem uma montagem adequada, acaba dificultando a percepção da passagem do tempo. Por exemplo, num instante ela é um sucesso ao lado de Jair Rodrigues no programa O Fino da Bossa, aplaudida de pé, enquanto no momento seguinte o empresário insinua que eles podem ser demitidos por conta da baixa audiência. Inábil ao amadurecer os conflitos, o roteiro não sugere sua consagração ou a real importância da intérprete para a cultura nacional. Uma manchete de jornal, lida em voz alta, indica que a Música Popular Brasileira está surgindo com a voz da cantora; esse é, talvez, o único momento em que nos aproximamos de alcançar sua dimensão. Ao mesmo tempo em que essa faceta da artista é ignorada, não faltam cenas extensas e desnecessárias de sexo e brigas com Ronaldo Bôscoli, seu primeiro marido.
Entre outros pecados, a película trata o envolvimento de Elis com as drogas de forma fria e atropelada. A própria cena de sua morte falha em deixar claro que a intérprete morreu por uso excessivo de cocaína e álcool — dando a impressão de que o assunto ainda é um tabu entre seus filhos, ou de que o filme passou por alguma espécie de censura.
Contudo, se por um lado o filme perde em sua essência, Andréia Horta espanta pela atuação visceral e pela semelhança com a cantora. A atriz, que estudou durante três meses a personagem, se entrega com afinco aos seus trejeitos expansivos. A direção de fotografia de Adrian Teijido e o figurino assinado por Maria Barbalho também se destacam, dando algum fôlego a uma produção superficial.
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O Lar das Crianças Peculiares
3.3 1,5K Assista AgoraApesar da fama e do prestígio, a carreira do cineasta Tim Burton nunca foi marcada pela regularidade. Conhecido por seu estilo dark oitentista, Burton é a mente excêntrica por trás de clássicos como Edward — Mãos de Tesoura e Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas, ambos argumentados e dirigidos por ele, e de animações geniais como A Noiva Cadáver e O Estranho Mundo de Jack. No entanto, nas ocasiões em que o norte-americano esteve à frente de adaptações cinematográficas ou remakes, o resultado foi incerto como uma loteria, produzindo pérolas como A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça, divisores de opiniões do naipe de Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet, e fracassos retumbantes como A Fantástica Fábrica de Chocolate ou Alice no País das Maravilhas.
O Lar das Crianças Peculiares se encaixa na última categoria: a estética gótica e os personagens bizarros descritos por Ransom Riggs no livro O Orfanato da Srta. Peregrine para Crianças Peculiares pareciam o material perfeito para o diretor, tanto que o filme era um dos mais esperados de 2016. Contudo, Burton parece ter perdido a habilidade de trabalhar com uma obra concebida por outro autor. A adaptação, cujo roteiro é assinado por Jane Goldman (Kingsman e Kick Ass), falha até em absorver os traços excêntricos do criador de Frankenweenie: em suas mãos, O Lar das Crianças Peculiares não passa de um filme infantil com toques de X-Men.
Na trama, após a estranha morte de seu avô (Terence Stamp), o jovem Jake (Asa Butterfield) parte para uma cidadezinha remota no País de Gales, onde pretende desvendar a verdade por trás das histórias que ouviu do avô durante toda a sua infância. Aos cuidados de um pai alheio e incrédulo, Jake tenta encontrar a Srta. Peregrine (Eva Green), responsável por um orfanato onde, supostamente, viveriam crianças dotadas de poderes especiais, mas descobre que o local não passa de uma mansão em ruínas, atingida por um míssil durante a Segunda Guerra Mundial. O adolescente, porém, acaba encontrando uma fenda temporal capaz de levá-lo ao mundo extraordinário habitado pelo avô décadas antes.
Ao tentar construir os personagens e delinear o relacionamento entre Jake e Emma (Ella Purnell), o longa sucumbe a um ritmo enfadonho, que só sai do marasmo aos 45 do segundo tempo. Ponto alto do elenco, a Srta. Peregrine vivida por Eva Green (Penny Dreadful) é mal aproveitada: durante quase todo o tempo da película, a personagem aparece apenas como elemento introdutório àquele mundo e seus mistérios. Seu caráter secundário é repetido pelo personagem de Samuel L. Jackson, que interpreta um vilão infantilizado que parece ter caído de paraquedas na história.
Burton, em entrevista, afirmou ter sido ele próprio uma criança peculiar. Conhecido por sempre imprimir algo de si em suas criações, sua “esquisitice” acabou se tornando uma das fontes da genialidade do cineasta. Contudo, ao se render à superficialidade e se distanciar de sua obscuridade habitual, o diretor acaba errando a mão, esquecendo os ingredientes que poderiam fazer de O Lar das Crianças Peculiares um filme memorável, e não apenas um entretenimento descartável. Mais críticas: instagram.com/iclaquete.
Trumbo: Lista Negra
3.9 374 Assista AgoraJay Roach, diretor de Trumbo: Lista Negra, é dono de um currículo admirável para quem gosta de comédias, mas talvez não muito atraente para quem não é fã do gênero. Responsável por grandes sucessos de bilheteria, entre os trabalhos do estadunidense estão as franquias Entrando Numa Fria e Austin Powers. A cinebiografia do roteirista Dalton Trumbo, que estreia nesta quinta-feira (28) nos cinemas, é um ponto destoante na carreira de Roach: desta vez, o cineasta mergulha em um drama sério e elegante em defesa da liberdade de pensamento.
Baseado em fatos reais, narrados no livro homônimo de Bruce Cook, Trumbo remonta ao período de "caça às bruxas" em Hollywood - parte fundamental do movimento de perseguição política liderado pelo senador Joseph McCarthy na década de 1950. Um dos roteiristas mais bem pagos dos anos 1940, Trumbo (Bryan Cranston) era também membro do Partido Comunista e se recusou a delatar outros esquerdistas da indústria cinematográfica. Condenado por desobediência civil, o escritor foi inserido no que hoje conhecemos como a Lista Negra ou Os Dez de Hollywood. Fadado a não conseguir trabalho, graças a um sistema intolerante e hipócrita, Trumbo viu-se afundado em dívidas e passou a escrever sob pseudônimos. Por baixo dos panos, escreveu cerca de trinta roteiros - inclusive de obras premiadas como A Princesa e o Plebeu (1953), Arenas Sangrentas (1958), Spartacus (1960) e Exodus (1961).
Ao longo de uma incansável luta contra a castração ideológica, o espectador acompanha os bastidores de clássicos da Sétima Arte; mergulha em um período de opressão, no qual uma comissão formada para investigar a suposta infiltração de comunistas na indústria do cinema criminalizou o ato de pensar; além de conhecer a crescente obsessão do roteirista pelo trabalho, que acaba por minar sua família.
Bryan Cranston, astro maior da eletrizante série Breaking Bad, entrega uma das melhores atuações de sua carreira. Fazendo jus à indicação ao Oscar de Melhor Ator, Cranston pode, inclusive, dificultar a tão sonhada estatueta de Leonardo DiCaprio, concorrente por O Regresso. Na outra ponta do elenco, Ellen Mirren (A Rainha) enaltece a produção como Hedda Hopper, uma renomada colunista de Hollywood. A dama britânica interpreta com maestria a principal antagonista da trama, deixando aflorar a mentalidade enfurecida do período de perseguição macarthista.
Voltando a um Brasil em tempos de intolerância partidária, onde uma polarização radical ganha espaço com a liberdade de expressão das redes sociais, ao mesmo tempo em que tenta amordaçar o pensamento alheio, Trumbo é um lembrete de que ideais devem ser respeitados: discutidos, contestados, mas não impostos. Mais críticas: instagram.com/iclaquete
Carol
3.9 1,5K Assista AgoraEm Banquete do Amor, de Robert Benton, o personagem Harry (Morgan Freeman) aconselha o protagonista Bradley (Greg Kinnear): “Nossas ilusões, nossas expectativas sobre as pessoas podem nos cegar”. Do lado de cá da tela, convivemos diariamente com notícias de homens incapazes de aceitar a separação e mulheres que se tornam vítimas da insegurança masculina. Na Nova Iorque de 1950, a personagem-título de Carol (Cate Blanchett) é uma mulher que, depois de anos vivendo um relacionamento de aparências, enfrenta um processo de divórcio com Harge (Kyle Chandler). No meio do casal está a filha, Rindy, usada como ferramenta de chantagem pelo marido que não admite a perda da esposa. A inconformidade do ex-companheiro transborda em forma de opressão: embora nunca levante a mão para Carol, Harge move um processo jurídico para tomar sua filha, alegando má conduta e imoralidade.
O motivo de tais acusações é apresentado logo nas primeiras cenas do filme: uma troca de olhares entre a rica e confiante Carol Aird e a vendedora Therese Belivet (Rooney Mara) deixa evidente que o amor não pede permissão, não bate à porta e não cede a pressões ou despotismo. Dirigido por Todd Haynes, a trama acompanha a luta de Carol pela guarda da criança e o impetuoso envolvimento entre as duas. Em cena, cada gesto e troca de olhares entre as protagonistas é extasiante. Antes de qualquer toque, o relacionamento é pacientemente construído em cima do companheirismo. Carol é uma mulher forte e à frente do seu tempo, que dificilmente vacila diante dos obstáculos e absurdos da justiça norte-americana. Cheia de sonhos não realizados, com um emprego entediante em uma loja de brinquedos e um namoro morno com um rapaz, Therese é um barco à deriva, até ancorar no porto intangível que é a presença de Carol. Dali por diante a moça se entrega de corpo e alma: desde o primeiro encontro, o espectador percebe que a personagem de Rooney Mara está disposta a se jogar do precipício sem medo das consequências. Juntas, elas fogem de seus problemas e dos olhares homofóbicos da sociedade em uma viagem pelos Estados Unidos.
Ambas indicadas ao Globo de Ouro deste ano na categoria Melhor Atriz, no telão Cate e Rooney se completam. O olhar terno de Therese enaltece a beleza de Carol. A química entre as duas transpassa a tela, provocando palpitações. A fotografia de Edward Lachman remonta à atmosfera chique de Nova Iorque durante a Era de Ouro, com uma ambientação retrô, cheia de cores quentes e cenários vistos através das janelas molhadas da Grande Maçã.
Haynes, que também dirigiu Longe do Paraíso (2002), mantém a linha sofisticada e elegante na trama baseada no livro The Price of Salt, da escritora Patricia Highsmith. Lançada em 1952 sob o pseudônimo de Claire Morgan, a obra é famosa por ter sido o primeiro romance a abordar uma relação amorosa entre mulheres com um final feliz. Mais críticas: instagram.com/iclaquete
Mulher-Maravilha
4.1 2,9K Assista AgoraDepois de um 2016 ingrato para a DC Comics, com os resultados no mínimo controversos de "Batman x Superman: A Origem da Justiça" e "Esquadrão Suicida", a Warner finalmente conseguiu acertar no tom com o filme solo da Mulher Maravilha. O longa de Patty Jenkins é um deleite, no melhor estilo girlpower, mas capaz de agradar igualmente o público masculino. Jenkins tem habilidade comprovada para construir personagens femininas: é dela o drama "Monster: Desejo Assassino", que rendeu a Charlize Theron o Oscar de Melhor Atriz em 2004. Com uma delicadeza ímpar, a diretora americana conduz uma produção bem amarrada, visualmente deslumbrante, forte, ágil e significativa. Mas não é só dela o mérito: a atriz israelense Gal Gadot, que dá vida a Diana desde "Batman vs. Superman", é um espetáculo em cena. Gadot é ao mesmo tempo ingênua sem parecer piegas e sólida como uma rocha. Sua beleza estonteante apenas realça as qualidades de uma personagem íntegra, decidida e questionadora. Aqui, a princesa das amazonas não é mais uma heroína criada durante a Segunda Guerra Mundial para vender a imagem dos Estados Unidos como salvadores do mundo; pelo contrário, a história contada (agora ambientada em meio à Primeira Grande Guerra) deixa claro que o mal mora dentro de todos nós. "Mulher Maravilha" não é "apenas" um filme sobre poder feminino: é um filme capaz de renovar nossa fé na humanidade. Mais críticas: instagram.com/iclaquete
Meu Malvado Favorito 3
3.4 404 Assista AgoraPoucos filmes infantis chegam a uma trilogia mantendo o alto de nível e excelência nas piadas. "Meu Malvado Favorito 3", que está nos cinemas desde a quinta (29), é um desses exemplos felizes. Parte do mérito se deve não apenas ao roteiro de Cinco Paul e Ken Daurio, mas também à hilária dublagem brasileira, brilhantemente executada por Maria Clara Gueiros (Lucy), Leandro Hassum (Gru e Dru) e Evandro Mesquita (Balthazar Brat). Com uma trama que se desenrola em três camadas, a história começa a partir da perseguição de Gru e Lucy, ambos agentes da AVL (Liga Antivilões), em busca de um dos maiores bandidos do mundo. No desenrolar, conhecemos o irmão gêmeo de Gru, uma cópia afetada do nosso ex-vilão favorito; por fim, os Minions se rebelam contra seu chefe e seguem uma jornada em busca de um novo líder para praticar vilanias. Cheio de referências aos anos 80, o longa é um ótimo entretenimento para todas as idades. Em tempo: Margot, Edith e Agnes continuam fofíssimas em sua missão de transformar Gru, e agora Lucy, em ótimos pais. Mais críticas: instagram.com/iclaquete
Bingo - O Rei das Manhãs
4.1 1,1K Assista AgoraLula Carvalho é um dos mais importantes diretores de fotografia do cinema brasileiro contemporâneo. O carioca, vencedor do Kikito de Ouro de Melhor Fotografia no Festival de Gramado em 2008, com o filme "A Festa da Menina Morta", também é reconhecido internacionalmente. Seus trabalhos incluem "Robocop" (2014) e oito dos dez episódios da 1ª temporada da série televisiva "Narcos" (2015). No Brasil, ele assinou a direção de fotografia dos dois "Tropa de Elite" (2007 e 2010) e de "O Lobo Atrás da Porta" (2014). Não fosse a atuação visceral de Vladimir Brichta em "Bingo - O Rei das Manhãs", em exibição nos cinemas desde 24 de agosto, a fotografia de Lula é que seria a grande protagonista do filme. Bom para o expectador, que tem vários motivos para prestigiar a história inspirada na vida do ator e apresentador Arlindo Barreto, que encarnou o palhaço Bozo na fase de maior sucesso do programa no SBT, nos anos 1980. Em "Bingo", enquanto o protagonista cresce sob a máscara branca e o nariz vermelho, a profusão de cores envolve o espectador na comicidade da trama. À medida em que o apresentador sucumbe às armadilhas de uma fama da qual, devido a uma cláusula contratual, não pode usufruir, os tons sombrios invadem a cena. No auge do declínio, quando o artista afunda em uma espiral de sexo, drogas e autodestruição, o peso da fotografia chama ainda mais a atenção, sobretudo na cena final. Devido a uma questão de direitos autorais do famoso palhaço, importado para o Brasil por Silvio Santos, os nomes que figuram no longa foram quase todos mudados - o próprio Arlindo virou Augusto, e a Rede Globo virou Mundial. Apenas o nome da cantora Gretchen, com quem Barreto teve um affair, foi mantido. Brichta encontrou em Augusto a chance de finalmente mostrar ao grande público a que veio: embora formado em artes cênicas e com uma sólida carreira no teatro, seus papéis na TV raramente exploram seu potencial como ator. Além do intérprete do protagonista e do diretor de fotografia, os méritos do filme também cabem ao roteirista Luiz Bolognesi (Bicho de 7 Cabeças) e à direção de Daniel Rezende. Estreante por trás das câmeras, Rezende é um montador experiente, que traz no currículo filmes como "Diários de Motocicleta" (2004) e "Cidade de Deus (2002), pelo qual foi indicado ao Oscar. "Bingo - O Rei das Manhãs" é uma ode aos anos 80, mas é, principalmente, uma excelente comédia dramática, que não suaviza em nada a história do ídolo retratado. Leia mais críticas em: instagram.com/iclaquete.
Dunkirk
3.8 2,0K Assista AgoraChristopher Nolan é um dos cineasta atuais que melhor exploram o recurso da trama não-linear. São dele a direção e o roteiro dos cultuados "Amnésia", de 2000, "A Origem", de 2010, e "Interestelar", de 2014. Nos cinemas desde a última quinta (27), o drama histórico "Dunkirk" não nega a quem pertence a mente por trás das câmeras. Ambientado durante a Segunda Guerra Mundial, o roteiro, também assinado por Nolan, reconstrói a evacuação de Dunquerque, uma operação deflagrada para resgatar uma enorme força aliada encurralada pelos alemãs no litoral da França - cerca de 400 mil homens dos exércitos britânico e francês. Tríptico como as próprias forças armadas, o enredo se desdobra em três frentes: um grupo de soldados que, a todo custo, busca formas de fugir da praia de Dunquerque; um grupo de resgate voluntário formado pela tripulação de um barco civil; e dois caças da Força Aérea Real britânica. Exibidas na tela concomitantemente, a primeira trama se passa ao longo de uma semana, a segunda, durante um dia, e a terceira dura apenas uma hora. Ainda que esse "modus operandi" seja bem comum no currículo de Nolan, "Dunkirk" é para ele uma nova experiência: trata-se de seu primeiro longa baseado em fatos históricos. Ao mesmo tempo em que expõe, com precisão cirúrgica, os dilemas morais de militares em diferentes graus de desespero, "Dunkirk" é uma película que mergulha o expectador em todas as sensações possíveis. Enquanto, durante a maior parte do filme, os diálogos são mínimos, quem rouba a cena são a fotografia de Hoyte Van Hoytema - que contrasta os cenários desoladores da praia sitiada, a claustrofobia dos navios atingidos e a imensidão do céu diante dos pilotos da RAF - e a trilha sonora angustiante e onipresente de Hans Zimmer. Leia mais críticas em: instagram.com/iclaquete.
Tudo e Todas as Coisas
3.3 403 Assista AgoraDesde o aclamado "A culpa é das estrelas", baseado no best seller de John Green, a indústria cinematográfica vem investindo pesado no filão dos romances juvenis estreladas por adolescentes na iminência da morte. De lá pra cá, filmes como "O espaço entre nós" e "Se eu ficar" triunfaram neste cenário. O mais recente, "Tudo e todas as coisas", estrelado por Amandla Stenberg (a Rue de "Jogos vorazes"), é mais um buscando seu lugar no coração do público teen. Dirigido pela estreante Stella Meghie e baseado no livro homônimo de Nicola Yoon, o longa encontra um bom argumento como ponto de partida: a jovem Maddie convive com uma doença rara que, desde a mais tenra infância, a impediu de frequentar um colégio, chegar perto de outras pessoas ou ter qualquer traço de vida social. Enjaulada em uma prisão domiciliar, onde frequenta aulas e grupos de apoio virtuais, Maddie se relaciona apenas com sua mãe, sua enfermeira e a filha da funcionária. Em sua rígida rotina, todas as sensações se resumem àquelas experimentadas através das páginas dos livros. Toda a segurança acerca de sua saúde é violada quando Olly (Nick Robinson, de "Jurassic World") se muda para a casa ao lado e inquieta os sentimentos da menina.
A maior falha de "Tudo e todas as coisas" é ser tão superficial quanto a experiência de vida de Maddie. A impressão que fica é de que a trama está mais interessada em construir frases de efeito do que em criar uma química entre o casal principal. Os conflitos são rasos ou inexistentes, os diálogos são uma coleção de clichês. Até mesmo Olly, que se descreve como um garoto sombrio pelos seus gostos e trajes, é um príncipe encantado digno da Disney, sem nenhum defeito além dos cabelos precisando urgentemente de uma tesoura. Apesar de seguir a cartilha do gênero e investir em tons pastel e loucuras por amor, o longa não passa de um filme bobinho que não evoca nada além de, talvez, um suspiro ou outro. O que é uma pena, já que, apesar da "modinha", outras histórias foram capazes de encontrar um caminho interessante para sair do lugar comum. Leia mais críticas em: instagram.com/iclaquete.
Annabelle 2: A Criação do Mal
3.3 1,1K Assista AgoraTransformar filmes de sucesso em franquias é o caminho natural trilhado pelas grandes produtoras de cinema, sobretudo quando o gênero em questão é o terror: em uma categoria com tantas produções medianas, quando um longa é aclamado por público e crítica, os estúdios fazem questão de esmiuçar as histórias para explorar ao máximo seu potencial lucrativo. Neste quesito, o diretor e produtor James Wan é uma mina de ouro: são dele duas das maiores franquias de horror de todos os tempos, a já exaustiva "Jogos Mortais" e a mais recente "Invocação do Mal". Com o sucesso da trama que acompanha os investigadores paranormais Ed e Lorraine Warren, a Warner viu seus cofres tilitarem e se apressou em expandir esse universo, lançando o spin off "Annabelle" em 2014. Embora o longa tenha sido reprovado por uma parcela significativa do público, a máquina de fazer dinheiro logo se equilibrou com "Invocação do Mal 2", garantindo o aval de Wan para "Annabelle 2: A criação do mal". Pelas mãos de David F. Sandberg ("Quando as luzes se apagam"), a prequela descortina a origem da boneca possuída, enquanto apresenta um grupo de meninas órfãs que encontram abrigo na casa de um artesão e sua esposa. Sob a tutela de uma jovem freira, as crianças passam a ser assombradas pela filha falecida do casal. Lançando mão de uma fotografia fantástica com movimentos de câmera angustiantes, o cineasta entrega um filme tenso e repleto de bons sustos, capaz de dissipar a memória de seu infeliz antecedente. Leia mais críticas em instagram.com/iclaquete.
Atômica
3.6 1,1K Assista AgoraCharlize Theron é uma das melhores atrizes de sua safra, isso é incontestável. Desde que surgiu sob os holofotes da indústria cinematográfica, há 20 anos, a sul-africana sempre entregou interpretações arrebatadoras e deixou claro que nunca se limitou a um rosto bonito. É impossível esquecer papéis como a linda e exuberante Mary Ann em "Advogado do Diabo" (1997), ou a trágica serial killer Aileen Wuornos no drama "Monster - Desejo Assassino" (2003) - representações plurais de uma das mulheres mais lindas de Hollywood, ovacionada como bela e fera. Seu mais recente trabalho, "Atômica", em exibição nos cinemas desde 31 de agosto, é mais um estonteante desempenho dessa dama fatal. Na pele da espiã Lorraine Broughton, Theron funde a mulher sexy de "Advogado do Diabo" com a frieza de "Monster" e a impetuosidade da Imperatriz Furiosa em "Mad Max: A Estrada da Fúria" (2015). Contudo, "Atômica" não se resume a Charlize: muito bem coreografado com cenas de ação de tirar o fôlego, o filme tem uma fotografia deslumbrante, com cenas recheadas de neon e planos fechados. Além disso, o longa se sustenta sobre uma das melhores trilhas sonoras do ano: logo no começo do filme, "Blue Monday", do New Order, embala uma sequência de ação contagiante. Dali por diante, seguem-se clássicos como "Under Pressure", do Queen, "Behind the Wheel", do Depeche Mode, e "London Calling", do The Clash. Pra quem se interessou, é bom ficar atento: "Atômica" é dinâmico, e um simples minuto de desatenção pode pôr em jogo a linearidade da história. É bom, portanto, manter os olhos bem abertos, para entender quem é quem na trama, como joga e a favor de quem joga. Leia mais críticas em instagram.com/iclaquete.
It: A Coisa
3.9 3,0K Assista AgoraDesde "Mama" (2013), o argentino Andrés Muschietti provou ser um exímio diretor de crianças. À época, contudo, faltava ao cineasta uma dose de zelo enquanto contador de histórias. Nos cinemas desde o dia 7 de setembro com o remake "It: A Coisa", adaptação cinematográfica da obra de Stephen King, Muschiett comprova que fez a lição de casa. Sustentado por um elenco impressionante, "It" é uma obra-prima do terror. O macabro palhaço Pennywise, que já povoou os pesadelos de mais de uma geração devido à brilhante interpretação de Tim Curry em um filme sem tanto brilho, ressurge ainda mais apavorante na pele do ator sueco Bill Skarsgård. Bill (que esteva em cartaz recentemente com "Atômica") é mais um da prole de Stellan Skarsgård ("Mamma Mia!") a conquistar Hollywood, seguindo os passos de Gustaf ("Vikings") e Alexander Skarsgård ("A Lenda de Tarzan"). A interpretação do sueco é insana e amedrontadora. Andres, por sua vez, faz boas escolhas: instala o pânico a partir de ataques brutais ou de insinuações odiosas, que podem vir das mãos do palhaço, do bad boy Henry Bowers (Nicholas Hamilton) ou do pai da jovem Beverly (Sophia Lillis). A "coisa" personificada por Pennywise dispensa psicologismos: não há explicações sobre de onde vem ou por que age assim. Na trama, passada em 1988 na fictícia Derry, várias crianças começam a desaparecer sem deixar rastros - entre elas Georgie, o irmão mais novo de Bill (Jaeden Lieberher). Inconformado, o garoto arrasta seus amigos em uma busca pelo caçula. Não por acaso, quem já assistiu a "Stranger Things" teve com "It" uma sensação de "déja vu": algumas das principais inspirações da produção original da Netflix são os clássicos de Stephen King, como "Conta Comigo" e o próprio "A Coisa". Soma-se a isso o fato de Finn Wolfhard, o Mike da série, ser um dos integrantes do autodenominado Clube dos Perdedores. Alternando um timing impecável para os diálogos cômicos com sequências de terror intensas, "It: A Coisa" se distancia da minissérie televisiva que se tornou cult nos anos 1990, mas entrega com maestria um dos vilões mais pavorosos da história do cinema, uma presença nefasta que provoca constante mal-estar. Leia mais críticas em: instagram.com/iclaquete.
Em Ritmo de Fuga
4.0 1,9K Assista AgoraA música tem papel fundamental no cinema desde os primórdios da Sétima Arte: nos filmes mudos, a trilha sonora executada ao vivo já era responsável por transportar o público para dentro da película e construir o clima de cada cena. O gênero "musical", amado por uns e odiado por outros, representa a síntese indissolúvel entre cinema e música. Desde 2016, porém, o recurso de costurar a narrativa utilizando canções parece ter invadido com força outros estilos. A tendência começou com os vídeos de divulgação: no primeiro semestre do ano passado, a Warner quebrou a internet com o trailer de "Esquadrão Suícida", uma montagem frenética de imagens de ação ao som de "Bohemian Rhapsody" do Queen; meses mais tarde, a Fox escolheu "Hurt", um dos maiores hinos de Johnny Cash, para embalar o dramático trailer de "Logan". Ainda no ano passado, o primeiro trailer de "Guardiões da Galáxia vol. 2" ganhou fôlego ao som de "Hooked on a Feeling", do Blue Swede - e o próprio filme, lançado em abril deste ano, se valeu da playlist de Peter Quill para embalar seus melhores momentos de forma magistral. Em seu novo longa, o diretor britânico Edgar Wright ("Heróis de ressaca") oferece aos espectadores 113 minutos de cenas de ação muitíssimo bem coreografadas, nas quais a música é um personagem tão importante quanto seu protagonista, o engenhoso motorista Baby (Ansel Elgort). "Em ritmo de fuga" lembra uma versão menos cínica e mais romântica dos filmes do também inglês Guy Ritchie ("Sherlock Holmes"). O resultado da mistura pode não ser inesquecível, mas a produção intensa e divertida certamente vale o ingresso. Leia mais críticas em instagram.com/iclaquete.