O sexto episódio é digno de Emmy, e uma das minhas maiores curiosidades é saber como Beyoncé reagiu ao assistir a série. A criatividade de Donald Glover é uma das coisas mais legais de acompanhar hoje em dia.
Baita documentário. A pesquisa documental da produção é admirável, encontrando cartas, fotografias e laudos originais pouquíssimos trabalhados até pelos historiadores. O recurso de cruzar as versões, no caso de Anselmo e dos repressores com as dos perseguidos, esclarece como os apologistas de ontem e de hoje da ditadura são, longe de serem ingênuos, gente da pior qualidade.
Pura arte. Das hipocrisias de alguns brancos antirracistas aos usos indevidos da mesma luta por alguns sujeitos da própria comunidade negra, do kitsch na cultura contemporânea europeia ao esforço de composição de Paper Boy e do seu
Não tem o que se comentar sobre o conteúdo ou a condução do documentário: o Marcelo Canellas consegue levar ao espectador toda a angústia e incômodo do que foi a tragédia da Kiss e do que foi, e ainda é, a tragédia do julgamento.
O que me chamou a atenção foi o tom do documentário: nos últimos anos, vimos grandes acontecimentos trágicos serem alvos de produções, como os famosos "true-crimes", por exemplo, cujo foco sempre me pareceu explorar o exotismo daquilo ali. No fim, viraram séries ou filmes que pareciam narrar algo não muito distante daquilo que consumimos como ficção e, por isso, poderiam se permitir passar ao largo da sensibilidade que tal "acontecimento" causou em certos sujeitos ou na memória coletiva ou social.
"Boate Kiss" não, e isso pra mim é a chave do Marcelo: os episódios são tratados com a seriedade e o compromisso que merecem. O primeiro e o segundo episódio, pra quem viu, são duas pedradas nesse sentido. Eventos trágicos não foram entretenimento quando ocorreram, e tratá-los como tal em uma produção a posteriori nunca me pareceu o melhor caminho.
Bela série. Antes de ser sobre o John Adams, é sobre a invenção, a revolução, a formação e a estabilização dos Estados Unidos da segunda metade do XVIII e no comecinho do XIX. Muito antes de ser a potência que viria a ser na metade do século XIX, quando o país abraçaria como política de Estado as teses "imperialistas" do A. Hamilton - ele mesmo presente aqui! -, "John Adams" trabalha como o início dos Estados Unidos da América foi tão turbulento, tumultuado e envolto em intrigas políticas e cotidianas quanto qualquer outro país das Américas ou além-mar.
morte de Abigail antes da do John (na vida real ele que parte primeiro)
, que no fim se provam muito pequenas quando observadas sobre o todo, nada atrapalha muito no serviço "histórico" que "John Adams" propõe: muita coisa retratada em cena tem respaldo nas pesquisas históricas e nas fontes da época, como a intransigência de Hamilton, as libertinagens de Benjamin Franklin na França, a máscara de filósofo do Thomas Jefferson, os sentimentos constantes de desprestígio do John Adams, etc. A desconstrução de Jefferson, até hoje vendido como o federalista mais "revolucionário" mas que antes fora uma esperta raposa política, o que confirma até mesmo as apreensões de Adams quanto às imagens que seriam construídas sobre si e seu colega no futuro, as inabilidades de Washington pelas influências de Hamilton no segundo mandato, as tensões diplomáticas com a França pós-Revolução de 1789, o temor da dissolução do recente país pelas tensões partidárias... tudo é muito bem construído a partir do roteiro.
Pra mim, são maravilhosos os episódios sobre as visitas de J. Adams às grandes Cortes europeias: se por um lado em Versalhes há um Luís XVI que preza por festas e em fazer deste espaço um local completamente à distância dos problemas do mundo real, em que senhoras e senhores da nobreza têm casos e onde se usam coroas de flores à mesa enquanto se canta e recita poesia, em Londres o que há é uma sociedade real britânica que busca manter, antes de tudo, a rigidez da etiqueta social, do contato com a nobreza, a "frieza" das relações diplomáticas de um antigo colonizado que quer retomar o contato comercial com sua antiga metrópole. O contraponto às realezas não deixa de ser maravilhoso quando Adams parte em serviço aos Países Baixos, onde negocia crédito com os holandeses e é
elogiado por sua "modéstia" por homens que, antes de qualquer coisa, ligam apenas para uma coisa: as condições de comércio e de pagamento das dívidas.
Acho apenas que algumas questões poderiam ter sido melhor trabalhadas, como a presença da escravidão, tópico constante dos escritos e debates entre Adams e Jefferson, e a não aparição de James Madison e Thomas Paine, dois dos Pais Fundadores mais polêmicos. À parte esses pequenos detalhes, muito específicos e que só um historiador poderia cobrar, "John Adams" vale muito como entretenimento e como aula de história.
Um salto de qualidade que é quase incomparável em relação à primeira temporada: da técnica ao roteiro, tudo parece melhor produzido, mais ajeitado e decidido, sem a criação de inúmeras pontas pra uma história que parece carecer de criatividade desde o início, como é o início da primeira. Infelizmente, é finalizada de forma muito acelerada, e recai no cliffhanger mal-feito e em ganchos pra intervalo pobres ao longo de vários episódios.
Talvez o imundo mais famoso da história do futebol; mas, nem por isso, menos humano que qualquer outra pessoa. Símbolo do vencer a qualquer custo, do anti-jogo, do espírito de porco ao invés do espírito esportivo. Ou, como diz o Fernando Signorini, preparador de futebol e preparador particular de Diego Maradona, um cagão.
Gostei bastante das imagens remasterizadas dos anos 1960/70, em especial dos anos de Carlos Bilardo como jogador/estudante de medicina/treinador do Estudiantes.
Como documentário, em termos de roteiro, acho que faltou um detalhe essencial: apontar, ao fim, como Bilardo hoje sofre da síndrome de Hakim-Adams, uma doença neurodegenerativa, o que explica sua não participação no filme. Como fã de futebol, acho que merecia ser mais explorado a questão com Menotti, que dividiu o pensamento sobre as formas do futebol não só na Argentina, mas mesmo em termos globais à época. Fora isso, nada a reclamar e, possivelmente, nenhuma novidade na carreira e nos mitos e causos do Narigón.
Confuso demais. A proposta é muito boa, quando se propõe a imaginar o "tabu normatizado e instituído": explora de forma consciente diálogos sobre atitudes e comportamentos, moral, ética e tradição social, ao mesmo tempo pondo-os sobre a sociedade contemporânea do século XXI e em todos os seus problemas político-partidários, midiáticos, de comunicação, etc. O problema, somente, é todo o resto da narrativa: o desenrolar da história é super-rápido e muito atrapalhado, entupido de furos (principalmente no que se refere ao "protagonista"), e, pra mim, o fôlego construído inicialmente se esvai ligeiro demais, o que pressuponho ter sido pressão de estúdio ou produtora em cima dos roteiristas.
A história é muito previsível porque já no primeiro episódio conseguimos matar -RÁ!- o mistério, mas, e mesmo por isso, é divertido acompanhar "Undoing": é um longo desmonte das mentes dos dois personagens principais envolvidos.
Nicole Kidman está em atuação espetacular, como de usual, e a sensação que passa é que tudo isso aqui parece, pela proximidade de alguns pontos do roteiro e pela própria estética (os interiores dos grandes apartamentos luxuosos de NY, o luxo e o mistério dos mais abastados), um herdeiro bastardo do "Eyes Wide Shut" do Stanley Kubrick, lá de 1999.
O último episódio, infelizmente, afunda do modo mais previsível possível, e o desfecho em si deixa a impressão de "poxa, só isso?" após toda a construção dos seis episódios.
Essa é a temporada mais curiosa pra mim: o roteiro de sua primeira metade é, claramente, preguiçoso. The Office parecia abraçar mais e mais a comédia "comum" de sitcoms, mas de algum modo soube, na segunda metade, retornar o humor "sem-vergonha" daquelas duas primeiras - ao menos pra mim, óbvio. Percebi que é, disparada, umas das mais depreciadas pelos fãs, mas essa segunda metade me fez curtir pelo retorno desse humor. Por isso, até a achei melhor que algumas das anteriores, que me pareceram muito presas em narrativas que não me atraíram tanto.
O Robert California, do James Spader, é um dos maiores desperdícios de personagem que já lembro de ter visto numa série; o potencial dele exposto no fim da temporada anterior, com aquela entrevista com Gabe, Jim e Toby, podia ter sido o nascimento de uma luz forte pro resto da série inteira, mas foi (muito) subaproveitado. Nellie, por outro lado, surge como um foguete naqueles episódios na Flórida, lembrando até em partes o Michael das duas primeiras temporadas, mas no decorrer parece virar um fantoche que ninguém sabe ao certo como tratar.
No mais, ao menos fica evidente como os show-runners já se encaminhavam pra finalizar tudo na 9º.
Talvez seja a melhor produção sobre a escravidão nos Estados Unidos que vi. Os episódios "curtos", como The Great Spirit, funcionam como uma aula de história, e entregam o pano de fundo necessário para se compreender o período, suas mentalidades, contradições, violências.
É uma minissérie crua, como a temática exige. Uma viagem difícil, mas necessária -pra eles lá do Norte e, por que não, também pra gente aqui do Sul.
Fascinante a história, real, do Charles Sobrhaj. Um elemento alienígena, por ser de uma etnia distinta, na Europa, e algo que se torna uma das motivações para o início de uma vida de crimes no Sudeste Asiático. A reconstituição continua primorosa, uma marca da BBC. Penteados, roupas, trejeitos, fidelidade ao visual das pessoas reais, criminosas, cúmplices, vítimas, que cruzaram o caminho de Sobrhaj e construíram esse mito do "Serpente". Detalhe inútil, mas que me chamou a atenção:
por que a mão britânica em carros na França e na Tailândia?
Um aspecto negativo para mim, e que cansou em certos momentos: os cortes temporais constantes, numa passagem de futuro/passado que, algumas vezes, confundiu. Nada que prejudique, claro, a construção da minissérie.
"Existem muitas memórias por lá", comenta Dominick Birdsey ao seu padrasto, Ray, em certo momento de "I know this much is true". O "lá" da conversa se refere à casa onde Ray e Dominick partilharam parte de suas vidas com Thomas, gêmeo de Dominick e com sérios problemas mentais, e Connie, a mãe biológica dos irmãos. Períodos de convivências difíceis: relações turbulentas, um machismo incalculável, a falta de amor no seio familiar. O último episódio - e, no fim, a série inteira - poderia ser facilmente deduzida de uma oração emitida pelo Dominick
no velório de seu irmão: "a vida miserável de Thomas Birdsey";
ou, sendo mais justo, poderíamos modificar o sujeito da frase para o plural. O fechamento dessa série maravilhosa é, também, maravilhosa, e só confirma o poder dela como um todo.
recuperar o irmão do hospital psiquiátrico, acompanhamos Dominick com Thomas indo ao espaço que os locais chamam de "Cascata".
Ali, ouvimos de Thomas como alguém disse, para ele, que "este rio é como a vida. Ele flui do passado para o futuro". Este último episódio também apresenta uma cena digna de ser lembrada à posteriori em qualquer manual, lista e porcarias do tipo que busquem eleger grandes momentos de séries e/ou produções televisivas. No
velório, enquanto um sentido Dominick está em forte luto pela morte de Ray - falecido na "Cascata" citada, afogado entre as pedras, um dia após sua saída do hospital -, o sacristão responsável pelas palavras inicia seu falatório afirmando como a "missão" de Ray fora amar e cuidar das crianças de Connie. Uma tarefa mesmo "divina.
E a construção, a partir daqui, é um espetáculo. Enquanto as palavras fluem, temos uma mudança visual na cena. Saímos do espaço
do cemitério, e somos transportados a mais um dos tantos flashbacks que acompanhamos em IKTMIT: agora, e com o áudio ainda reverberando as palavras do padre, na tela acompanhamos saímos do velório e somos transposto a um dos tantos momentos da violência física de Ray nas pequenas crianças - em Thomas, especialmente - e na própria mãe destas.
Uma sacada técnica que ilumina, ao cabo, a sensação de lembranças, no presente, de um momento passado anos (décadas, no caso) antes.
O final da cena/sequência não é menos leve: na casa da família, Dominick
rememora, quase como uma assombração palpável, sua mãe machucada numa das camas do andar de cima.
Olha as fotos do avô, e vem à sua lembrança as palavras que Domenico Tempesta ouvira tantas vezes na casa construída do zero quando de sua imigração: "maldição". Os próximos minutos são, simplesmente, de um show de atuação e do "drama" no sentido próprio da palavra.
"I know this much is true" é certamente uma das surpresas da HBO de uns tempos pra cá. Com os investimentos recentes em minissérie da produtora, certamente torna-se uma das marcas bem-sucedidas desta empreitada. É um show de caracterização, de localização da história, de adaptação do roteiro. É o auge do Mark Ruffalo, aqui no melhor papel de sua carreira. É uma lição sobre o amor fraterno, identidades, família, vida e momentos; relacionamentos, mortes, adeus e reconstruções. É uma obra-prima.
Juro que cheguei a formular um escrito bem rápido sobre a "Máfia dos Tigres" que buscasse dar conta das situações e cenários quase irreais, pra quem não assistiu, e que também ajudasse a formular uma discussão sobre toda a irracionalidade dessa "indústria animal" e desse lado podre da "America", com quem viu.
Mas aí um sujeito que certamente escreve melhor que todo mundo dessa rede social, o Bret Easton Ellis (autor, dentre outros, do Psicopata Americano e do Abaixo de Zero, ambos adaptados pro cinema), mandou o seguinte no Twitter: "Assistir 'A Máfia dos Tigres' é como embarcar numa cocaína ruim por seis horas: você sabe que é ruim mas não se tem nada melhor pra fazer e aí fica meio 'high' por um tempo mas então começa a se deprimir e a se debater enquanto vai trincando e se dá conta: por quê diabos eu encarei isso?".
Não diria decepcionante, até porque como "série" essa temporada de Westworld foi muito boa. Mas a questão aqui é justamente essa: ela teve de ser a sucessora de duas temporadas espetaculares. E entro não nas questões de expectativas e realidades, mas de literalmente a escolha de uma alternativa: a de seguir uma fórmula que já vinha sendo feita e rendido ótimas críticas e recepções mornas do público, ou aquela de dar um verdadeiro cavalo de pau nas formas de se contar sua história e ser mais palatável ao "mercado" e, consequentemente, tornar a série digna de uma audiência esperada para uma produção HBO.
O passo para fora do mundo do parque, conforme os finais da segunda, certamente chamou muito a atenção de todos os fãs; afinal, como (re)construir a série basicamente do zero? Sairíamos do habitat natural de duas temporadas bem-sucedidas de WW (em que pese a decepção da HBO com a recepção e consumo da série, nem de longe comparada ao que GoT foi, conformes planos iniciais) para o mundo "humano" que, apesar dos robozinhos aqui e acolá, em funções tão díspares como vidência e construção civil, não é afetado pelos raciocínios de um roteiro scriptado pensado para uma atração como no parque Delos.
A sacada de fazer os hosts aportarem nesse mundo de tonalidades cyberpunk foi, na realidade, um movimento excelente: me agradou muito a construção de cenários, de um mundo verdadeiramente high-tech/low-fife. WW surpreendia ao abraçar, de forma tão correta, um dos melhores ramos do sci-fi. O trailer inicial, nesse sentido, foi maravilhoso: fechadinho, expunha todo esse admirável mundo novo aos fãs, com poucas reminiscências dos velhos moradores da Delos por ali e a introdução de uma série de novas situações. Entretanto, e aqui está o início do pecado de toda a produção desta temporada, além desse "novo" mundo, algumas mudanças estruturais também foram propostas e levadas à cabo. Para os produtores, a terceira temporada deveria ser mais "direta", não sendo tão "subjetiva", como a segunda fora, ou "arrastada" como (em partes) a primeira havia sido. E é aqui, na minha opinião, que a maionese desandou.
Pra não me estender muito, e sem entrar nos méritos e debates do roteiro: esta terceira temporada foi muito, mas MUITO corrida, apressada mesmo. WW, que se construiu pautada num desenvolvimento mais moroso mas também muito mais "rico" em termos de profundidade de história, cenários e contextos, transformou-se quase num "shooter", numa série de ação genérica de ficção científica. Em detrimento da "construção" que era característica até então na série, vimos esta terceira temporada ser preenchida por longas cenas de tiroteios super-corridos, além daquelas claramente feitas para ocupar tempo e espaço - vide
. As tentativas de criar um "gancho" pra história em certos episódios também não surtiram efeito, já que pouco tempo após sua aparição tínhamos uma explicação fornecida pelas situações dos próprios personagens ou, como em alguns casos, saídos diretamente de suas bocas, conforme
O resgate de antigos sujeitos também nem comoveram e nem acrescentaram tanto ao "novo mundo". Um indício logo no início da temporada, portanto, que as coisas seriam um pouquinho diferentes do que costumava ser até então.
Esta pressa, partida da escolha deliberada dos produtores de fazer esta temporada com mais "ação" e recortes "chamativos", acabaria interferindo no desenvolvimento da maioria dos personagens também. Temos um William, por exemplo,
em boa parte da temporada, ao mesmo tempo em que as situações do personagem Caleb, essencial para esta recorte e para a sequência da série, parecem ser quase sempre
insuficientes pela importância que este acaba ganhando no decorrer da história.
No mais, acho que para quem curtiu as duas primeiras temporadas, estas mudanças se fazem bem visíveis logo nos três primeiros episódios desta terceira. A mudança na condução do que WW vinha sendo passou não por uma mudança sutil, mas para uma virada muito brusca. Em que pese tudo que comentei, gostei desta 3º: apesar de muito abaixo do que a série vinha sendo, conseguiram manter a peteca em quadra.
Agora é aguardar para ver como, na quarta temporada, ela será reposta ao jogo. E para quem tem curiosidade em ir além das temporadas: ao longo destas três, várias referências (nem tão sutis) foram feitas ao filme original de 1973; nesta última temporada, tivemos por exemplo
a cena de um host (Dolores) se recompondo fisicamente a partir do rosto no último episódio,
em clara "citação" de uma das cenas mais famosas do original. Não diria que vai ser cânon, mas assistir a sequência do Westworld de 1973, o "Futureworld", acredito que ajude a ter uma ideia do que virá por aí.
No mais, só nos resta sobreviver a esta pandemia - que acredito que nem o Rehoboam poderia prever - para observarmos como tudo isso se dará. Ou esta, no fim,
"Uma vida nova teve início para mim. Eu vira meu pai se descontrolar, e minha infância jamais voltaria a ser como antes. Aquela mãe que sempre estava em casa agora passava o dia trabalhando na Hahne's; o irmão sempre disponível ia trabalhar para Lindbergh depois da escola; e o pai que havia desafiado uma lanchonete cheia de antissemitas em Washington agora chorava alto e de boca aberta - como um bebê abandonado e também como um homem torturado - por se sentir impotente diante daqueles eventos imprevistos. E, como a eleição de Lindbergh me ensinara muito bem, o desenrolar de um imprevisto era tudo. Visto de trás para frente, o imprevisto implacável era o que estudávamos na escola sob o nome de 'História', uma matéria inofensiva em que todo o inesperado no momento em que ocorrera surge estampado nas páginas como inevitável. É o terror imprevisível que a ciência da história encobre, transformando desastre em epopeia".
Esta passagem, maravilhosa, é retirada do "Complô contra a América", o romance contra-factual do Philip Roth lançado em 2004 e que inspira esta série homônima da HBO. Como fã da obra, e também das produções anteriores do idealizador desta série, o David Simon - que criou "The Wire", uma das grandes produções desta mesma casa e uma das melhores séries de todos os tempos -, confesso que pessoalmente esperei muito do "Plot". Para minha infelicidade (e não que eu tenha ido com muita fome ao produto final), percebi que a série não corresponde nem aos fãs do livro e, muito menos, aos viajantes de primeira viagem neste universo Rothiano que parte de um "e se" imaginado ali em um ponto crucial na história dos Estados Unidos.
Afinal, e se as eleições estadunidenses de 1940, que coincidiram com o estouro da Segunda Guerra Mundial, fossem vencidas não pelo Franklin Delano Roosevelt, como na "nossa realidade", mas por um sujeito simpático à Alemanha nazista? Essa é a premissa do "Plot": se no romance acompanhamos a infância do próprio autor, Philip, da construção de um martírio a todas as minorias em território estadunidense com a eleição do popularíssimo - e condecorado na vida real pelos nazistas - Charles Lindbergh, na série temos uma perspectiva repartida; e é aqui o início dos problemas.
Adaptar um romance para uma minissérie é, verdade, tarefa das mais difíceis. Além da mudança de meios, já que falamos de transpor uma narrativa originalmente literária à tevê, o "contar-a-história" também não será o mesmo. Se no romance acompanhamos o desgraçamento dos EUA pela ótica de uma criança, na série percebemos o entrelaçar das situações a partir de diferentes pontos-de-vista. Quero chegar no fato que, em que pese a fidelidade para a maior parte de todas as situações adaptadas, tudo em "Plot" acontece muito rápido e sem muito tempo para pensar: personagens se erguem em cima de outros personagens, não fica bem explícito ao espectador quem são aqueles envoltos em todas as situações, a correria é escolhida em detrimento do "flow" narrativo.
E aqui chego naquilo que considero como o grande erro desta adaptação do Plot: àqueles que não leram o romance, leia-se a maioria, é complicadíssima a tarefa de se situar no desenrolar dos acontecimentos. Não há o cimento que conecte a tomada "A" com a tomada "B", e muito do pano de fundo - que enriquece a escrita do Roth - não transparece no seriado. Infelizmente, esta é a tônica de todos os episódios: mesmo ao sujeito mais atento, nada de muita conexão parece surgir dali. É, por isto, uma falha que compromete toda a produção: afinal, não se pode cobrar a leitura prévia de algo do espectador para aquilo que este mesmo espectador está ali assistindo. Por isso mesmo, muitas das situações mais tensas e angustiantes do livro, como
esta notícia da eleição do Lindbergh, as tensões com a lei marcial nas ruas, mesmo a diversão bem infantil de duas crianças andando sozinhas de ônibus por Nova York
, acabam se perdendo. Com uma exceção, em minha opinião: em que pese ter sido uma cena muito rápida,
a angústia de Bess com Seldon, ao telefone, quando este literalmente sente a morte de sua mãe
é das poucas que fizeram jus e que conseguiram levar, à tevê, um pouco dessa sensação que passamos quando lemos esta exata situação no romance.
Em que pese este (grave) erro, o "Plot" também compartilha de todos os bônus de algo da marca HBO: a caracterização de época é espetacular, e ouso dizer que muito daquilo que imaginei ao ler a obra do Roth se assemelhou em muito à forma como foi visualmente transposta. Torço para que, futuramente, alguém com mais paciência - mas também com tanto poder de investimento quanto a HBO - tenha coragem de retomar e pensar um "remake".
E, para aqueles que assistiram e amaram: leiam o livro. Para os que acharam a série uma merda, e dormiram em boa parte dos episódios, só tenho a dizer que: também procurem ler o livro. É simplesmente espetacular e explica muito, mas muito mesmo, da fragilidade institucional e política de certos Estados americanos, ao Norte ou ao Sul, que existem por aí.
Foi uma metamorfose surpreendente, em termos de roteiro: como não sabia que "Outsider" originalmente carrega a marca do Stephen King, me pegou incauto ver uma série com todas as características de uma produção detetivesca, que por vezes lembrou muito no início a primeira temporada do True Detective, se desenrolar numa miríade de fantasias e superstições à primeira vista irracionais que, em que pese parecerem implausíveis, também se fazem presentes no "real".
O desenvolvimento de história/roteiro é muito interessante, se adotarmos a perspectiva do espectador incauto e ignorante sobre a origem da obra - como eu fui: vemos germinar, aos pouquinhos, o pólen de uma fantasia do terror em uma produção que, até aos três primeiros episódios, ainda mantinha os pés no campo do verossímil e do racional. A adição da Holly Gibney, uma detetive sensitiva, é especial e coroa esse rito de passagem (de gênero da história?) de Outsider, e True Detective vai abraçando, em câmera lenta, Twin Peaks.
Entretanto, não sei se por mal planejamento dos produtores ou pela famosa situação do cotidiano a que estamos tantas vezes presos e exprimidos no deboche do "sem tempo irmão", Outsider descamba num dos ápices mais apressados que me recordo numa produção desse porte: o último episódio, que deveria ser uma "celebração" da série e de sua marca, o grande ato pra fechar um ótimo trabalho que até então vinha sendo feito antes das cortinas serem derrubadas em definitivo no palco, me pareceu preguiçosíssimo. E aqui nem entro no campo do roteiro: falo de efeitos técnicos ruins, escolhas de câmera mal feitas, cenas apressadas; tudo aquilo (de ruim) que nunca antes fora feito na série é apresentado em sua conclusão.
Uma péssima conclusão técnica para uma série que se mostrava promissora.
Que decepção: como é triste de ver uma empreitada desta (que honra o chamado legado da HBO de produção, com cenários grandiosos, figurinos fiéis ao que era da nobreza europeia-ocidental à época) dar literalmente um tiro n'água.
Cada episódio parece, literalmente, repetir o outro. A "História" ("real", em que pese todo o problema desse conceito) da Catarina certamente oferece, ainda, bons "causos" para roteiros e demais tentativas de adaptação para filmes, séries e demais mídias. Dito isto, é inacreditável como "Catarina" é literalmente insosso, sem ter um "clinch", clímax ou gancho que seja pra segurar o espectador; parece, antes de tudo, um projeto que de início foi pensado para ser algo de maior fôlego mas que, no meio do caminho, esqueceram que se tratava de um tiro curto de menos de cinco episódios.
Erro bobo, óbvio; como duvido que existam showrunners (e respectivos staffs) tão estúpidos a esse ponto que trabalhem com a marca HBO e com o montante (exorbitante) de dinheiro destinado às suas atividades, só posso presumir - infelizmente mesmo, porque pessoalmente esperava muito mais - como "Catherine" será rapidamente esquecido por não conter absolutamente nada de inovador (em seu contar de história, mesmo aspectos de direção) ou memorável.
... o (ainda) assustador é: e quantos senhores Demjanjuk não existem por aí? Sujeitos que, acobertados pelo Estado (seja aquele de sua origem, seja aquele adotado como seu "Novo Mundo"), tiveram participação criminosa num conflito e usufruem de um confortável anonimato? Pensando mais no pé-no-chão e na nossa realidade: quantos sujeitos colaboraram com as longas ditaduras que assolaram todo Ocidente (Alemanha e Itália lá atrás, Brasil, Chile e Argentina mais recentemente na nossa América) ao longo de todo o XX e hoje estão livres e aproveitando sua vida confortavelmente - e por vezes nem escondidos - nas nossas cidades, bairros e ruas? Quantas memórias - e histórias - acabaremos perdendo ainda, destes tempos nada distantes de exceção e violência terrorista das instituições que deveriam proteger seus cidadãos? E, o principal: quanta justiça ainda há de não ser feita?
Todo o cenário da espionagem e do terrorismo - quase co-irmãos em sua fase de maturidade ali nos 1970 e 80 - trabalhado de maneira excepcional. Dos medos e das utopias de jovens revolucionários "pequeno-burgueses" da América Latina na Europa ao trabalho sujo, meticuloso e por vezes irresponsável, que não exita em transformar sua crença em antigos inimigos que agora alçam o posto de estandarte na linha de frente contra os "imperialistas" estadunidenses e suas longas raias na Europa, Oriente Médio e África.
"Carlos" tem, disparado, a melhor "reconstituição" da década de 1970 e 1980 que já vi; é absurdo o quão os atores e atrizes tem seus trejeitos, cabelos, sotaques e maneirismos quase que naturais destas duas décadas. Tento me lembrar de alguma produção semelhante, mas agora realmente não me vêm à mente alguma que seja tão fiel quanto aqui. Como já dito um pouco mais abaixo, o Edgar Ramírez está um monstro atuando como o Chacal: além da passagem dos anos, dos quilinhos a mais e dos cavanhaques retirados aos cortes de cabelo adotado,
vemos um Carlos temeroso de suas atitudes no início, totalmente em contraposição ao experiente e consolidado "agente" de décadas depois
, e Ramírez acompanha - com sua atuação magistral em certas cenas - tais transformações que marcaram a vida de seu personagem. Lembremos, à título de exemplo, do Carlos lidando com os franceses para, logo em seguida, agir como agiu na Europa Central.
Por sinal, a fase inicial na Europa é magistral. De sua primeira atividade, quase malfadada
- afinal nosso Illich, em sua primeira missão, está claramente nervoso a ponto de passar por cima da possibilidade de vasculhar a casa do milionário "sionista", além de parar seu carro literalmente em frente ao local de operação, o que o faz quase ser pego -
, até à cena espetacular do apartamento tive uma experiência de suspense que não tinha há muito tempo ao assistir algo.
É ultra-recomendado, verdadeira obra-prima. E uma baita surpresa, pois o vi quase ao acaso. Feliz que, para mim, tal destino tenha sido de bons-ventos. ;)
"Continuo dizendo: um homem ajuizado deve acreditar em Nietzsche, fazendo só aquilo que lhe dá prazer. Entendeu? Nietzsche".
É o que fala Willy, um vigarista qualquer, num bar frequentado em grande maioria por proletários - comunistas, "vagabundos", anarquistas, mesmo nazistas - e que por vezes é palco de debates acalorados sobre matrimônios, complôs, teorias da conspiração, pequenos golpes, planejamentos de roubos e de como o marxismo pode ser útil ou não àquela realidade berlinense nos meados de 1920. É, porque não, uma pequena representação do caos urbano e caótico, conservador e liberal, nazista e socialista, daquela sociedade; dos ricos que chegam a comprar macacos para suas amantes e que sentem mesmo um prazer no ciúme, enquanto idosos de menos condição financeira buscam sua sobrevivência, sub-humanamente, lutando naquele palco que deveria ser o sonho de mercado de todo liberal: o espaço sem regras, que foge dos olhos do Estado e que ninguém tem garantia de nada, apenas de e em si, que são as vendinhas das estações do metrô.
É, por fim, quase o yin-yang que foi a Berlim nos anos Weimar: palco das experimentações sexuais, tanto aos ricos quanto aos pobres; da convivência daqueles mais acanhados, que vem do interior alemão e agora dirigem-se à cidade, com os cosmopolitas que entendem que apenas o céu é o limite para suas ações e desejos; de comportamentos liberais por parte de sua sociedade, mesmo humanísticos, mas que já sente crescendo, quase sub-repticiamente - por vezes, em casos mais raros, de modo mais explícito -, ao redor de si a monstruosidade de um ainda irrelevante nazismo que, à surpresa geral, se apoderaria do controle de todo o país menos de dez anos depois.
Yin-Yang que parece dar a tônica da amizade que, por sua intensidade e extremidade, aparentemente atravessa todas as temporalidades e querelas de seus integrantes e que insiste perdurar mesmo nas mais adversas situações escrotas e inimagináveis envolvendo os dois fatores ali envolvidos - e cuja equação sofre um tremendo abalo com a chegada de um elemento interiorano, quase caipira, que vai romper toda a exatidão que parece cercar as relações entre esses elementos. É Reinhold e Franz, Franz e Reinhold. O canalha e o naive, o sem-braço e o gago, o malandrão que (quase) sempre escapa e aquele que cumpriu sua pena. Fassbinder acertou a mão aqui; essa relação, sua narrativa, seu conteúdo, extrapola qualquer cenário espacial imaginável. Mas a escolha de pôr esses dois sujeitos, nesse fundo todo especial da Berlim loucaça da década de 1920, adiciona um charme que poucas séries podem se dar - ou mesmo intentem - ao luxo.
Enxame
3.8 95 Assista AgoraO sexto episódio é digno de Emmy, e uma das minhas maiores curiosidades é saber como Beyoncé reagiu ao assistir a série.
A criatividade de Donald Glover é uma das coisas mais legais de acompanhar hoje em dia.
Em Busca de Anselmo
4.1 6Baita documentário. A pesquisa documental da produção é admirável, encontrando cartas, fotografias e laudos originais pouquíssimos trabalhados até pelos historiadores. O recurso de cruzar as versões, no caso de Anselmo e dos repressores com as dos perseguidos, esclarece como os apologistas de ontem e de hoje da ditadura são, longe de serem ingênuos, gente da pior qualidade.
Atlanta (3ª Temporada)
4.4 83Pura arte. Das hipocrisias de alguns brancos antirracistas aos usos indevidos da mesma luta por alguns sujeitos da própria comunidade negra, do kitsch na cultura contemporânea europeia ao esforço de composição de Paper Boy e do seu
fã [?] húngaro
Vanessa
Tudo nessa temporada foi arte. E do mais alto estilo.
Boate Kiss - A Tragédia de Santa Maria
4.2 81Não tem o que se comentar sobre o conteúdo ou a condução do documentário: o Marcelo Canellas consegue levar ao espectador toda a angústia e incômodo do que foi a tragédia da Kiss e do que foi, e ainda é, a tragédia do julgamento.
O que me chamou a atenção foi o tom do documentário: nos últimos anos, vimos grandes acontecimentos trágicos serem alvos de produções, como os famosos "true-crimes", por exemplo, cujo foco sempre me pareceu explorar o exotismo daquilo ali. No fim, viraram séries ou filmes que pareciam narrar algo não muito distante daquilo que consumimos como ficção e, por isso, poderiam se permitir passar ao largo da sensibilidade que tal "acontecimento" causou em certos sujeitos ou na memória coletiva ou social.
"Boate Kiss" não, e isso pra mim é a chave do Marcelo: os episódios são tratados com a seriedade e o compromisso que merecem. O primeiro e o segundo episódio, pra quem viu, são duas pedradas nesse sentido. Eventos trágicos não foram entretenimento quando ocorreram, e tratá-los como tal em uma produção a posteriori nunca me pareceu o melhor caminho.
John Adams
4.4 18 Assista AgoraBela série.
Antes de ser sobre o John Adams, é sobre a invenção, a revolução, a formação e a estabilização dos Estados Unidos da segunda metade do XVIII e no comecinho do XIX. Muito antes de ser a potência que viria a ser na metade do século XIX, quando o país abraçaria como política de Estado as teses "imperialistas" do A. Hamilton - ele mesmo presente aqui! -, "John Adams" trabalha como o início dos Estados Unidos da América foi tão turbulento, tumultuado e envolto em intrigas políticas e cotidianas quanto qualquer outro país das Américas ou além-mar.
Salvo algumas liberdades criativas, como a
morte de Abigail antes da do John (na vida real ele que parte primeiro)
A desconstrução de Jefferson, até hoje vendido como o federalista mais "revolucionário" mas que antes fora uma esperta raposa política, o que confirma até mesmo as apreensões de Adams quanto às imagens que seriam construídas sobre si e seu colega no futuro, as inabilidades de Washington pelas influências de Hamilton no segundo mandato, as tensões diplomáticas com a França pós-Revolução de 1789, o temor da dissolução do recente país pelas tensões partidárias... tudo é muito bem construído a partir do roteiro.
Pra mim, são maravilhosos os episódios sobre as visitas de J. Adams às grandes Cortes europeias: se por um lado em Versalhes há um Luís XVI que preza por festas e em fazer deste espaço um local completamente à distância dos problemas do mundo real, em que senhoras e senhores da nobreza têm casos e onde se usam coroas de flores à mesa enquanto se canta e recita poesia, em Londres o que há é uma sociedade real britânica que busca manter, antes de tudo, a rigidez da etiqueta social, do contato com a nobreza, a "frieza" das relações diplomáticas de um antigo colonizado que quer retomar o contato comercial com sua antiga metrópole.
O contraponto às realezas não deixa de ser maravilhoso quando Adams parte em serviço aos Países Baixos, onde negocia crédito com os holandeses e é
elogiado por sua "modéstia" por homens que, antes de qualquer coisa, ligam apenas para uma coisa: as condições de comércio e de pagamento das dívidas.
Acho apenas que algumas questões poderiam ter sido melhor trabalhadas, como a presença da escravidão, tópico constante dos escritos e debates entre Adams e Jefferson, e a não aparição de James Madison e Thomas Paine, dois dos Pais Fundadores mais polêmicos. À parte esses pequenos detalhes, muito específicos e que só um historiador poderia cobrar, "John Adams" vale muito como entretenimento e como aula de história.
Missa da Meia-Noite
3.9 730A interpretação dos
anjos como vampiros,
O Exorcista (2ª Temporada)
3.9 124 Assista AgoraUm salto de qualidade que é quase incomparável em relação à primeira temporada: da técnica ao roteiro, tudo parece melhor produzido, mais ajeitado e decidido, sem a criação de inúmeras pontas pra uma história que parece carecer de criatividade desde o início, como é o início da primeira.
Infelizmente, é finalizada de forma muito acelerada, e recai no cliffhanger mal-feito e em ganchos pra intervalo pobres ao longo de vários episódios.
Diários de Andy Warhol
4.0 19Lindo e inspirador. Resta mais algo ou coisa melhor pra dizer?
Bilardo: O Doutor do Futebol
3.8 2Talvez o imundo mais famoso da história do futebol; mas, nem por isso, menos humano que qualquer outra pessoa. Símbolo do vencer a qualquer custo, do anti-jogo, do espírito de porco ao invés do espírito esportivo. Ou, como diz o Fernando Signorini, preparador de futebol e preparador particular de Diego Maradona, um cagão.
Gostei bastante das imagens remasterizadas dos anos 1960/70, em especial dos anos de Carlos Bilardo como jogador/estudante de medicina/treinador do Estudiantes.
Como documentário, em termos de roteiro, acho que faltou um detalhe essencial: apontar, ao fim, como Bilardo hoje sofre da síndrome de Hakim-Adams, uma doença neurodegenerativa, o que explica sua não participação no filme. Como fã de futebol, acho que merecia ser mais explorado a questão com Menotti, que dividiu o pensamento sobre as formas do futebol não só na Argentina, mas mesmo em termos globais à época.
Fora isso, nada a reclamar e, possivelmente, nenhuma novidade na carreira e nos mitos e causos do Narigón.
Babylon (1ª Temporada)
3.4 9 Assista AgoraConfuso demais. A proposta é muito boa, quando se propõe a imaginar o "tabu normatizado e instituído": explora de forma consciente diálogos sobre atitudes e comportamentos, moral, ética e tradição social, ao mesmo tempo pondo-os sobre a sociedade contemporânea do século XXI e em todos os seus problemas político-partidários, midiáticos, de comunicação, etc.
O problema, somente, é todo o resto da narrativa: o desenrolar da história é super-rápido e muito atrapalhado, entupido de furos (principalmente no que se refere ao "protagonista"), e, pra mim, o fôlego construído inicialmente se esvai ligeiro demais, o que pressuponho ter sido pressão de estúdio ou produtora em cima dos roteiristas.
Sinceramente, não o recomendaria.
The Undoing
3.7 253 Assista AgoraA história é muito previsível porque já no primeiro episódio conseguimos matar -RÁ!- o mistério, mas, e mesmo por isso, é divertido acompanhar "Undoing": é um longo desmonte das mentes dos dois personagens principais envolvidos.
Nicole Kidman está em atuação espetacular, como de usual, e a sensação que passa é que tudo isso aqui parece, pela proximidade de alguns pontos do roteiro e pela própria estética (os interiores dos grandes apartamentos luxuosos de NY, o luxo e o mistério dos mais abastados), um herdeiro bastardo do "Eyes Wide Shut" do Stanley Kubrick, lá de 1999.
O último episódio, infelizmente, afunda do modo mais previsível possível, e o desfecho em si deixa a impressão de "poxa, só isso?" após toda a construção dos seis episódios.
Sobre a abertura: mais alguém acha que
a criança que aparece é a irmã do Joanthan?
The Office (8ª Temporada)
4.0 300Essa é a temporada mais curiosa pra mim: o roteiro de sua primeira metade é, claramente, preguiçoso. The Office parecia abraçar mais e mais a comédia "comum" de sitcoms, mas de algum modo soube, na segunda metade, retornar o humor "sem-vergonha" daquelas duas primeiras - ao menos pra mim, óbvio.
Percebi que é, disparada, umas das mais depreciadas pelos fãs, mas essa segunda metade me fez curtir pelo retorno desse humor. Por isso, até a achei melhor que algumas das anteriores, que me pareceram muito presas em narrativas que não me atraíram tanto.
O Robert California, do James Spader, é um dos maiores desperdícios de personagem que já lembro de ter visto numa série; o potencial dele exposto no fim da temporada anterior, com aquela entrevista com Gabe, Jim e Toby, podia ter sido o nascimento de uma luz forte pro resto da série inteira, mas foi (muito) subaproveitado. Nellie, por outro lado, surge como um foguete naqueles episódios na Flórida, lembrando até em partes o Michael das duas primeiras temporadas, mas no decorrer parece virar um fantoche que ninguém sabe ao certo como tratar.
No mais, ao menos fica evidente como os show-runners já se encaminhavam pra finalizar tudo na 9º.
The Underground Railroad: Os Caminhos Para a Liberdade (1ª Temporada)
4.4 58 Assista AgoraTalvez seja a melhor produção sobre a escravidão nos Estados Unidos que vi. Os episódios "curtos", como The Great Spirit, funcionam como uma aula de história, e entregam o pano de fundo necessário para se compreender o período, suas mentalidades, contradições, violências.
É uma minissérie crua, como a temática exige. Uma viagem difícil, mas necessária -pra eles lá do Norte e, por que não, também pra gente aqui do Sul.
O Paraíso e a Serpente
4.0 123Fascinante a história, real, do Charles Sobrhaj. Um elemento alienígena, por ser de uma etnia distinta, na Europa, e algo que se torna uma das motivações para o início de uma vida de crimes no Sudeste Asiático.
A reconstituição continua primorosa, uma marca da BBC. Penteados, roupas, trejeitos, fidelidade ao visual das pessoas reais, criminosas, cúmplices, vítimas, que cruzaram o caminho de Sobrhaj e construíram esse mito do "Serpente". Detalhe inútil, mas que me chamou a atenção:
por que a mão britânica em carros na França e na Tailândia?
Um aspecto negativo para mim, e que cansou em certos momentos: os cortes temporais constantes, numa passagem de futuro/passado que, algumas vezes, confundiu. Nada que prejudique, claro, a construção da minissérie.
I Know This Much Is True
4.3 105 Assista Agora"Existem muitas memórias por lá", comenta Dominick Birdsey ao seu padrasto, Ray, em certo momento de "I know this much is true". O "lá" da conversa se refere à casa onde Ray e Dominick partilharam parte de suas vidas com Thomas, gêmeo de Dominick e com sérios problemas mentais, e Connie, a mãe biológica dos irmãos. Períodos de convivências difíceis: relações turbulentas, um machismo incalculável, a falta de amor no seio familiar.
O último episódio - e, no fim, a série inteira - poderia ser facilmente deduzida de uma oração emitida pelo Dominick
no velório de seu irmão: "a vida miserável de Thomas Birdsey";
Após
recuperar o irmão do hospital psiquiátrico, acompanhamos Dominick com Thomas indo ao espaço que os locais chamam de "Cascata".
Este último episódio também apresenta uma cena digna de ser lembrada à posteriori em qualquer manual, lista e porcarias do tipo que busquem eleger grandes momentos de séries e/ou produções televisivas. No
velório, enquanto um sentido Dominick está em forte luto pela morte de Ray - falecido na "Cascata" citada, afogado entre as pedras, um dia após sua saída do hospital -, o sacristão responsável pelas palavras inicia seu falatório afirmando como a "missão" de Ray fora amar e cuidar das crianças de Connie. Uma tarefa mesmo "divina.
E a construção, a partir daqui, é um espetáculo.
Enquanto as palavras fluem, temos uma mudança visual na cena. Saímos do espaço
do cemitério, e somos transportados a mais um dos tantos flashbacks que acompanhamos em IKTMIT: agora, e com o áudio ainda reverberando as palavras do padre, na tela acompanhamos saímos do velório e somos transposto a um dos tantos momentos da violência física de Ray nas pequenas crianças - em Thomas, especialmente - e na própria mãe destas.
Uma sacada técnica que ilumina, ao cabo, a sensação de lembranças, no presente, de um momento passado anos (décadas, no caso) antes.
O final da cena/sequência não é menos leve: na casa da família, Dominick
rememora, quase como uma assombração palpável, sua mãe machucada numa das camas do andar de cima.
"I know this much is true" é certamente uma das surpresas da HBO de uns tempos pra cá. Com os investimentos recentes em minissérie da produtora, certamente torna-se uma das marcas bem-sucedidas desta empreitada.
É um show de caracterização, de localização da história, de adaptação do roteiro.
É o auge do Mark Ruffalo, aqui no melhor papel de sua carreira.
É uma lição sobre o amor fraterno, identidades, família, vida e momentos; relacionamentos, mortes, adeus e reconstruções.
É uma obra-prima.
A Máfia dos Tigres (1ª Temporada)
4.0 219Juro que cheguei a formular um escrito bem rápido sobre a "Máfia dos Tigres" que buscasse dar conta das situações e cenários quase irreais, pra quem não assistiu, e que também ajudasse a formular uma discussão sobre toda a irracionalidade dessa "indústria animal" e desse lado podre da "America", com quem viu.
Mas aí um sujeito que certamente escreve melhor que todo mundo dessa rede social, o Bret Easton Ellis (autor, dentre outros, do Psicopata Americano e do Abaixo de Zero, ambos adaptados pro cinema), mandou o seguinte no Twitter:
"Assistir 'A Máfia dos Tigres' é como embarcar numa cocaína ruim por seis horas: você sabe que é ruim mas não se tem nada melhor pra fazer e aí fica meio 'high' por um tempo mas então começa a se deprimir e a se debater enquanto vai trincando e se dá conta: por quê diabos eu encarei isso?".
Acho que não se tem muito mais a adicionar.
Westworld (3ª Temporada)
3.6 322Não diria decepcionante, até porque como "série" essa temporada de Westworld foi muito boa. Mas a questão aqui é justamente essa: ela teve de ser a sucessora de duas temporadas espetaculares.
E entro não nas questões de expectativas e realidades, mas de literalmente a escolha de uma alternativa: a de seguir uma fórmula que já vinha sendo feita e rendido ótimas críticas e recepções mornas do público, ou aquela de dar um verdadeiro cavalo de pau nas formas de se contar sua história e ser mais palatável ao "mercado" e, consequentemente, tornar a série digna de uma audiência esperada para uma produção HBO.
O passo para fora do mundo do parque, conforme os finais da segunda, certamente chamou muito a atenção de todos os fãs; afinal, como (re)construir a série basicamente do zero? Sairíamos do habitat natural de duas temporadas bem-sucedidas de WW (em que pese a decepção da HBO com a recepção e consumo da série, nem de longe comparada ao que GoT foi, conformes planos iniciais) para o mundo "humano" que, apesar dos robozinhos aqui e acolá, em funções tão díspares como vidência e construção civil, não é afetado pelos raciocínios de um roteiro scriptado pensado para uma atração como no parque Delos.
A sacada de fazer os hosts aportarem nesse mundo de tonalidades cyberpunk foi, na realidade, um movimento excelente: me agradou muito a construção de cenários, de um mundo verdadeiramente high-tech/low-fife. WW surpreendia ao abraçar, de forma tão correta, um dos melhores ramos do sci-fi. O trailer inicial, nesse sentido, foi maravilhoso: fechadinho, expunha todo esse admirável mundo novo aos fãs, com poucas reminiscências dos velhos moradores da Delos por ali e a introdução de uma série de novas situações.
Entretanto, e aqui está o início do pecado de toda a produção desta temporada, além desse "novo" mundo, algumas mudanças estruturais também foram propostas e levadas à cabo. Para os produtores, a terceira temporada deveria ser mais "direta", não sendo tão "subjetiva", como a segunda fora, ou "arrastada" como (em partes) a primeira havia sido.
E é aqui, na minha opinião, que a maionese desandou.
Pra não me estender muito, e sem entrar nos méritos e debates do roteiro: esta terceira temporada foi muito, mas MUITO corrida, apressada mesmo. WW, que se construiu pautada num desenvolvimento mais moroso mas também muito mais "rico" em termos de profundidade de história, cenários e contextos, transformou-se quase num "shooter", numa série de ação genérica de ficção científica.
Em detrimento da "construção" que era característica até então na série, vimos esta terceira temporada ser preenchida por longas cenas de tiroteios super-corridos, além daquelas claramente feitas para ocupar tempo e espaço - vide
boa parte do "mundo" nazista
a apresentação de Bernard nessa temporada.
Um indício logo no início da temporada, portanto, que as coisas seriam um pouquinho diferentes do que costumava ser até então.
Esta pressa, partida da escolha deliberada dos produtores de fazer esta temporada com mais "ação" e recortes "chamativos", acabaria interferindo no desenvolvimento da maioria dos personagens também. Temos um William, por exemplo,
quase como um peão no tabuleiro do xadrez
insuficientes pela importância que este acaba ganhando no decorrer da história.
No mais, acho que para quem curtiu as duas primeiras temporadas, estas mudanças se fazem bem visíveis logo nos três primeiros episódios desta terceira. A mudança na condução do que WW vinha sendo passou não por uma mudança sutil, mas para uma virada muito brusca.
Em que pese tudo que comentei, gostei desta 3º: apesar de muito abaixo do que a série vinha sendo, conseguiram manter a peteca em quadra.
Agora é aguardar para ver como, na quarta temporada, ela será reposta ao jogo.
E para quem tem curiosidade em ir além das temporadas: ao longo destas três, várias referências (nem tão sutis) foram feitas ao filme original de 1973; nesta última temporada, tivemos por exemplo
a cena de um host (Dolores) se recompondo fisicamente a partir do rosto no último episódio,
Não diria que vai ser cânon, mas assistir a sequência do Westworld de 1973, o "Futureworld", acredito que ajude a ter uma ideia do que virá por aí.
No mais, só nos resta sobreviver a esta pandemia - que acredito que nem o Rehoboam poderia prever - para observarmos como tudo isso se dará.
Ou esta, no fim,
também seria apenas mais uma divergência planejada para manter o controle?
The Plot Against America
4.1 22"Uma vida nova teve início para mim. Eu vira meu pai se descontrolar, e minha infância jamais voltaria a ser como antes. Aquela mãe que sempre estava em casa agora passava o dia trabalhando na Hahne's; o irmão sempre disponível ia trabalhar para Lindbergh depois da escola; e o pai que havia desafiado uma lanchonete cheia de antissemitas em Washington agora chorava alto e de boca aberta - como um bebê abandonado e também como um homem torturado - por se sentir impotente diante daqueles eventos imprevistos.
E, como a eleição de Lindbergh me ensinara muito bem, o desenrolar de um imprevisto era tudo. Visto de trás para frente, o imprevisto implacável era o que estudávamos na escola sob o nome de 'História', uma matéria inofensiva em que todo o inesperado no momento em que ocorrera surge estampado nas páginas como inevitável. É o terror imprevisível que a ciência da história encobre, transformando desastre em epopeia".
Esta passagem, maravilhosa, é retirada do "Complô contra a América", o romance contra-factual do Philip Roth lançado em 2004 e que inspira esta série homônima da HBO.
Como fã da obra, e também das produções anteriores do idealizador desta série, o David Simon - que criou "The Wire", uma das grandes produções desta mesma casa e uma das melhores séries de todos os tempos -, confesso que pessoalmente esperei muito do "Plot". Para minha infelicidade (e não que eu tenha ido com muita fome ao produto final), percebi que a série não corresponde nem aos fãs do livro e, muito menos, aos viajantes de primeira viagem neste universo Rothiano que parte de um "e se" imaginado ali em um ponto crucial na história dos Estados Unidos.
Afinal, e se as eleições estadunidenses de 1940, que coincidiram com o estouro da Segunda Guerra Mundial, fossem vencidas não pelo Franklin Delano Roosevelt, como na "nossa realidade", mas por um sujeito simpático à Alemanha nazista? Essa é a premissa do "Plot": se no romance acompanhamos a infância do próprio autor, Philip, da construção de um martírio a todas as minorias em território estadunidense com a eleição do popularíssimo - e condecorado na vida real pelos nazistas - Charles Lindbergh, na série temos uma perspectiva repartida; e é aqui o início dos problemas.
Adaptar um romance para uma minissérie é, verdade, tarefa das mais difíceis. Além da mudança de meios, já que falamos de transpor uma narrativa originalmente literária à tevê, o "contar-a-história" também não será o mesmo.
Se no romance acompanhamos o desgraçamento dos EUA pela ótica de uma criança, na série percebemos o entrelaçar das situações a partir de diferentes pontos-de-vista. Quero chegar no fato que, em que pese a fidelidade para a maior parte de todas as situações adaptadas, tudo em "Plot" acontece muito rápido e sem muito tempo para pensar: personagens se erguem em cima de outros personagens, não fica bem explícito ao espectador quem são aqueles envoltos em todas as situações, a correria é escolhida em detrimento do "flow" narrativo.
E aqui chego naquilo que considero como o grande erro desta adaptação do Plot: àqueles que não leram o romance, leia-se a maioria, é complicadíssima a tarefa de se situar no desenrolar dos acontecimentos. Não há o cimento que conecte a tomada "A" com a tomada "B", e muito do pano de fundo - que enriquece a escrita do Roth - não transparece no seriado. Infelizmente, esta é a tônica de todos os episódios: mesmo ao sujeito mais atento, nada de muita conexão parece surgir dali.
É, por isto, uma falha que compromete toda a produção: afinal, não se pode cobrar a leitura prévia de algo do espectador para aquilo que este mesmo espectador está ali assistindo. Por isso mesmo, muitas das situações mais tensas e angustiantes do livro, como
esta notícia da eleição do Lindbergh, as tensões com a lei marcial nas ruas, mesmo a diversão bem infantil de duas crianças andando sozinhas de ônibus por Nova York
Com uma exceção, em minha opinião: em que pese ter sido uma cena muito rápida,
a angústia de Bess com Seldon, ao telefone, quando este literalmente sente a morte de sua mãe
Em que pese este (grave) erro, o "Plot" também compartilha de todos os bônus de algo da marca HBO: a caracterização de época é espetacular, e ouso dizer que muito daquilo que imaginei ao ler a obra do Roth se assemelhou em muito à forma como foi visualmente transposta.
Torço para que, futuramente, alguém com mais paciência - mas também com tanto poder de investimento quanto a HBO - tenha coragem de retomar e pensar um "remake".
E, para aqueles que assistiram e amaram: leiam o livro. Para os que acharam a série uma merda, e dormiram em boa parte dos episódios, só tenho a dizer que: também procurem ler o livro. É simplesmente espetacular e explica muito, mas muito mesmo, da fragilidade institucional e política de certos Estados americanos, ao Norte ou ao Sul, que existem por aí.
The Outsider
3.7 221 Assista AgoraFoi uma metamorfose surpreendente, em termos de roteiro: como não sabia que "Outsider" originalmente carrega a marca do Stephen King, me pegou incauto ver uma série com todas as características de uma produção detetivesca, que por vezes lembrou muito no início a primeira temporada do True Detective, se desenrolar numa miríade de fantasias e superstições à primeira vista irracionais que, em que pese parecerem implausíveis, também se fazem presentes no "real".
O desenvolvimento de história/roteiro é muito interessante, se adotarmos a perspectiva do espectador incauto e ignorante sobre a origem da obra - como eu fui: vemos germinar, aos pouquinhos, o pólen de uma fantasia do terror em uma produção que, até aos três primeiros episódios, ainda mantinha os pés no campo do verossímil e do racional.
A adição da Holly Gibney, uma detetive sensitiva, é especial e coroa esse rito de passagem (de gênero da história?) de Outsider, e True Detective vai abraçando, em câmera lenta, Twin Peaks.
Entretanto, não sei se por mal planejamento dos produtores ou pela famosa situação do cotidiano a que estamos tantas vezes presos e exprimidos no deboche do "sem tempo irmão", Outsider descamba num dos ápices mais apressados que me recordo numa produção desse porte: o último episódio, que deveria ser uma "celebração" da série e de sua marca, o grande ato pra fechar um ótimo trabalho que até então vinha sendo feito antes das cortinas serem derrubadas em definitivo no palco, me pareceu preguiçosíssimo.
E aqui nem entro no campo do roteiro: falo de efeitos técnicos ruins, escolhas de câmera mal feitas, cenas apressadas; tudo aquilo (de ruim) que nunca antes fora feito na série é apresentado em sua conclusão.
Uma péssima conclusão técnica para uma série que se mostrava promissora.
Catarina, A Grande
3.2 17 Assista AgoraQue decepção: como é triste de ver uma empreitada desta (que honra o chamado legado da HBO de produção, com cenários grandiosos, figurinos fiéis ao que era da nobreza europeia-ocidental à época) dar literalmente um tiro n'água.
Cada episódio parece, literalmente, repetir o outro. A "História" ("real", em que pese todo o problema desse conceito) da Catarina certamente oferece, ainda, bons "causos" para roteiros e demais tentativas de adaptação para filmes, séries e demais mídias.
Dito isto, é inacreditável como "Catarina" é literalmente insosso, sem ter um "clinch", clímax ou gancho que seja pra segurar o espectador; parece, antes de tudo, um projeto que de início foi pensado para ser algo de maior fôlego mas que, no meio do caminho, esqueceram que se tratava de um tiro curto de menos de cinco episódios.
Erro bobo, óbvio; como duvido que existam showrunners (e respectivos staffs) tão estúpidos a esse ponto que trabalhem com a marca HBO e com o montante (exorbitante) de dinheiro destinado às suas atividades, só posso presumir - infelizmente mesmo, porque pessoalmente esperava muito mais - como "Catherine" será rapidamente esquecido por não conter absolutamente nada de inovador (em seu contar de história, mesmo aspectos de direção) ou memorável.
O Monstro ao Lado (1ª Temporada)
4.0 34 Assista Agora... o (ainda) assustador é: e quantos senhores Demjanjuk não existem por aí? Sujeitos que, acobertados pelo Estado (seja aquele de sua origem, seja aquele adotado como seu "Novo Mundo"), tiveram participação criminosa num conflito e usufruem de um confortável anonimato?
Pensando mais no pé-no-chão e na nossa realidade: quantos sujeitos colaboraram com as longas ditaduras que assolaram todo Ocidente (Alemanha e Itália lá atrás, Brasil, Chile e Argentina mais recentemente na nossa América) ao longo de todo o XX e hoje estão livres e aproveitando sua vida confortavelmente - e por vezes nem escondidos - nas nossas cidades, bairros e ruas?
Quantas memórias - e histórias - acabaremos perdendo ainda, destes tempos nada distantes de exceção e violência terrorista das instituições que deveriam proteger seus cidadãos? E, o principal: quanta justiça ainda há de não ser feita?
Carlos, o Chacal
4.2 50 Assista AgoraSério, que produção do caralho.
Todo o cenário da espionagem e do terrorismo - quase co-irmãos em sua fase de maturidade ali nos 1970 e 80 - trabalhado de maneira excepcional.
Dos medos e das utopias de jovens revolucionários "pequeno-burgueses" da América Latina na Europa ao trabalho sujo, meticuloso e por vezes irresponsável, que não exita em transformar sua crença em antigos inimigos que agora alçam o posto de estandarte na linha de frente contra os "imperialistas" estadunidenses e suas longas raias na Europa, Oriente Médio e África.
"Carlos" tem, disparado, a melhor "reconstituição" da década de 1970 e 1980 que já vi; é absurdo o quão os atores e atrizes tem seus trejeitos, cabelos, sotaques e maneirismos quase que naturais destas duas décadas. Tento me lembrar de alguma produção semelhante, mas agora realmente não me vêm à mente alguma que seja tão fiel quanto aqui.
Como já dito um pouco mais abaixo, o Edgar Ramírez está um monstro atuando como o Chacal: além da passagem dos anos, dos quilinhos a mais e dos cavanhaques retirados aos cortes de cabelo adotado,
vemos um Carlos temeroso de suas atitudes no início, totalmente em contraposição ao experiente e consolidado "agente" de décadas depois
Por sinal, a fase inicial na Europa é magistral. De sua primeira atividade, quase malfadada
- afinal nosso Illich, em sua primeira missão, está claramente nervoso a ponto de passar por cima da possibilidade de vasculhar a casa do milionário "sionista", além de parar seu carro literalmente em frente ao local de operação, o que o faz quase ser pego -
É ultra-recomendado, verdadeira obra-prima. E uma baita surpresa, pois o vi quase ao acaso. Feliz que, para mim, tal destino tenha sido de bons-ventos. ;)
True Detective (3ª Temporada)
4.0 284Infelizmente, temporada tão perdida quanto Hayes em suas memórias - apesar dos (poucos) bons momentos. Uma pena.
Berlin Alexanderplatz
4.5 29"Continuo dizendo: um homem ajuizado deve acreditar em Nietzsche, fazendo só aquilo que lhe dá prazer. Entendeu? Nietzsche".
É o que fala Willy, um vigarista qualquer, num bar frequentado em grande maioria por proletários - comunistas, "vagabundos", anarquistas, mesmo nazistas - e que por vezes é palco de debates acalorados sobre matrimônios, complôs, teorias da conspiração, pequenos golpes, planejamentos de roubos e de como o marxismo pode ser útil ou não àquela realidade berlinense nos meados de 1920.
É, porque não, uma pequena representação do caos urbano e caótico, conservador e liberal, nazista e socialista, daquela sociedade; dos ricos que chegam a comprar macacos para suas amantes e que sentem mesmo um prazer no ciúme, enquanto idosos de menos condição financeira buscam sua sobrevivência, sub-humanamente, lutando naquele palco que deveria ser o sonho de mercado de todo liberal: o espaço sem regras, que foge dos olhos do Estado e que ninguém tem garantia de nada, apenas de e em si, que são as vendinhas das estações do metrô.
É, por fim, quase o yin-yang que foi a Berlim nos anos Weimar: palco das experimentações sexuais, tanto aos ricos quanto aos pobres; da convivência daqueles mais acanhados, que vem do interior alemão e agora dirigem-se à cidade, com os cosmopolitas que entendem que apenas o céu é o limite para suas ações e desejos; de comportamentos liberais por parte de sua sociedade, mesmo humanísticos, mas que já sente crescendo, quase sub-repticiamente - por vezes, em casos mais raros, de modo mais explícito -, ao redor de si a monstruosidade de um ainda irrelevante nazismo que, à surpresa geral, se apoderaria do controle de todo o país menos de dez anos depois.
Yin-Yang que parece dar a tônica da amizade que, por sua intensidade e extremidade, aparentemente atravessa todas as temporalidades e querelas de seus integrantes e que insiste perdurar mesmo nas mais adversas situações escrotas e inimagináveis envolvendo os dois fatores ali envolvidos - e cuja equação sofre um tremendo abalo com a chegada de um elemento interiorano, quase caipira, que vai romper toda a exatidão que parece cercar as relações entre esses elementos. É Reinhold e Franz, Franz e Reinhold. O canalha e o naive, o sem-braço e o gago, o malandrão que (quase) sempre escapa e aquele que cumpriu sua pena. Fassbinder acertou a mão aqui; essa relação, sua narrativa, seu conteúdo, extrapola qualquer cenário espacial imaginável. Mas a escolha de pôr esses dois sujeitos, nesse fundo todo especial da Berlim loucaça da década de 1920, adiciona um charme que poucas séries podem se dar - ou mesmo intentem - ao luxo.