O ousado cineasta Alejandro Jodorowsky tentou realizar uma adaptação do livro de Frank Herbert, Duna, nos anos 1970, mas não obteve financiamento e o projeto naufragou. Mais tarde, os direitos do livro foram parar nas mãos da família De Laurentiis, que escolheu David Lynch para dirigir o épico interestelar.
"E quando eu soube que David Lynch iria dirigi-lo… fiquei em pânico, porque eu admiro David Lynch. “Ele pode fazê-lo! Ele é o único, no momento, que pode, e ele vai fazê-lo!” Eu sofri porque era o meu sonho. Outra pessoa iria realizá-lo, talvez melhor do que eu. E então, quando o filme estreou aqui, eu disse que não ia ver, porque iria morrer. E meus filhos disseram: “Não, somos guerreiros. Você precisa assistir”. E me levaram como uma pessoa doente ao cinema. Pensei que ia chorar. Então comecei a assistir. E pouco a pouco, pouco a pouco, pouco a pouco… fui ficando feliz, porque o filme era péssimo! É um fracasso! Bem, é uma reação humana, não? Não é nobre, mas eu tive esta reação. Eu disse: “Não é possível. Não [foi] David Lynch [que fez], que é um grande artista”. Foi o produtor quem fez aquilo."
O depoimento de Jodorowsky está no documentário Duna de Jodorowsky, de Frank Pavich, de 2013.
O personagem criou um mundo para si mesmo dentro dela. Ele tem total controle do ambiente e, ao mesmo tempo, se isolou. É como se fosse uma prisão. É quase como um caixão, porque ele se desconecta da cidade, não a ouve, mal pode vê-la e força todos a virem até ele, seja para sexo, discussões, negócios. Gosto desse uso incomum do carro. Mas isso estava no romance de Don DeLillo, é invenção dele. Durante as filmagens, os caras do som ficaram nervosos: “Tem certeza de que não quer nenhum barulho da rua, da cidade?” E eu disse que não porque a ideia é justamente lidar com o isolamento da realidade. Então você pode ouvir tudo o que acontece dentro da limusine, mas nada de fora. E quando o protagonista sai do carro não sabe como se comportar, não sabe nem conversar com sua mulher. Ele diz a ela: “É assim que as pessoas conversam, não é?” E a resposta é: “E eu sei?” Porque ela é igual."
David Cronenberg, cineasta, em entrevista à revista Bravo! (Editora Abril, setembro de 2012; pg. 90).
"O cinema está muito mais próximo da literatura e da poesia do que do teatro. Concordo com você que muitas vezes o cinema é apenas a ilustração de uma história. Esse é o maior perigo que você enfrenta ao fazer um filme a partir de um romance. Esse foi o meu problema quando fiz O Conformista, que é baseado na história de Moravia. De qualquer forma, é um problema do dia a dia no cinema, porque muitos cineastas usam seus roteiros como se tivessem partido de um romance; eles simplesmente fazem um filme ilustrado a partir do roteiro. Por outro lado, eu também começo com um script muito preciso - mas apenas para destruí-lo. Para mim, a inspiração existe apenas no momento da filmagem real. Não antes. Para mim, o cinema é uma arte de gestos. Quando me encontro em um set, com atores e luzes, a “solução” que encontro para uma determinada sequência, uma determinada situação, não vem de uma ideia pré-concebida, mas da relação musical que existe entre os atores, as luzes, a câmera, o espaço ao redor deles - e eu movo a câmera como se estivesse gesticulando com ela. Sinto que o cinema é sempre um cinema de gestos - muito direto, mesmo se tiver cinquenta pessoas no elenco.
(...)
Eu realizei A Estratégia da Aranha imediatamente antes de O Conformista, mas, embora houvesse apenas alguns meses entre eles, minha situação psicológica era diferente. E é por isso que esses dois filmes são tão diferentes. Fiz A Estratégia da Aranha em um estado de felicidade melancólica e grande serenidade e O Conformista em um estado trágico de grande agitação psicológica.
(...)
O que me deu uma aparência meio diabólica é que eu sei que O Conformista é meu filme mais difícil e isso me diverte muito. Parece ser o meu filme mais fácil, mas na verdade é o mais difícil porque é o mais simples. Entra-se em um primeiro nível de “leitura” que faltava em Antes da Revolução: aquele filme tinha muitos outros níveis, mas não existia um primeiro nível de leitura assim que você o viu. Em O Conformista, existe esse primeiro nível, então todos entram nele e não colocam mais problemas para si mesmos. Em vez disso, o filme está cheio de outros níveis. Esse é o truque dos grandes diretores de Hollywood: na Europa, nós precisamos de trinta anos para que alguns jovens críticos franceses nos fizessem perceber que o cinema americano era algo mais do que se pensava até aquele momento."
Bernardo Bertolucci, cineasta, em entrevista a Amos Vogel na revista Film Comment (1971).
"A história surgiu do fato de que, originalmente, eu queria fazer uma história sobre um crime muito, muito desagradável. Eu era casado naquela época e minha esposa, Thea Von Harbou, era a roteirista. Conversamos sobre o crime mais hediondo e decidimos que seria escrever cartas anônimas. Até que um dia eu tive uma ideia e cheguei em casa e disse “o que seria se eu fizesse um filme sobre um assassino de crianças?”. E então mudamos. Ao mesmo tempo, em Düsseldorf, uma série de assassinatos de jovens e velhos estava acontecendo, mas, pelo que me lembro, o roteiro estava pronto e terminado antes que capturassem aquele assassino.
Eu tinha Peter Lorre em mente quando estava escrevendo o roteiro. Ele era um ator promissor e havia representado duas ou três coisas no teatro em Berlim, mas nunca antes na tela. Eu não dei a ele um teste, eu estava absolutamente convencido de que ele era a pessoa certa para o papel. Era muito difícil saber como dirigi-lo. Acho que um bom diretor não é aquele que coloca sua personalidade em cima da personalidade do ator. Acho que um bom diretor é aquele que tira o melhor de seu ator. Então, conversamos sobre isso com muito, muito cuidado com ele e então o fizemos. De qualquer forma, foi meu primeiro filme sonoro, então estávamos experimentando muito."
Fritz Lang, cineasta, em entrevista a Alexander Walker, da BBC (reproduzida no site Cinephilia & Beyond).
"Grande parte de Taxi Driver surgiu da minha convicção de que os filmes são realmente uma espécie de estado-de-sonho, ou como tomar droga. E o choque de sair do cinema para a plena luz do dia pode ser aterrador. Vejo filmes a toda a hora e é-me sempre muito difícil acordar. Cada filme era isso para mim - esse sentido de estar quase acordado. Há uma cena em Taxi Driver em que Travis Bickle está a falar ao telefone com Betsy e a câmera se afasta dele ao longo de todo esse hall de entrada onde não há ninguém. Foi esta a primeira cena que eu imaginei para este filme e foi precisamente a última que filmei. Gosto dela porque sinto que foi um complemento para a solidão ali retratada, mas parece-me que se consegue sentir que alguém está atrás da câmera nessa cena.
O filme é todo muito baseado nas sensações que tenho como resultado de ter crescido em Nova York e viver na cidade. Há um plano em que a câmera está montada no tejadilho de um táxi e passa por baixo de um anúncio de Fascination que fica mesmo debaixo do meu escritório. É essa ideia de estar fascinado, desse anjo vingador flutuando através das ruas da cidade, que representa todas as cidades para mim.
(...)
Tal como nos meus outros filmes, em Taxi Driver também houve alguma improvisação. A cena entre De Niro e Cybill Shepherd, no café, é um bom exemplo. Eu não queria o diálogo tal como aparecia no roteiro, por isso improvisamos durante cerca de 12 minutos. Depois o escrevemos e o filmamos. No fim, ficou em três minutos. Muitas das melhores cena, como aquela em que De Niro diz “suck on this” e invectiva Keitel, estavam designadas para serem filmadas em um só take. Embora cada cena do filme tenha sido antecipadamente desenhada, com as dificuldades que encontramos, incluindo perder quatro dias de filmagens por causa da chuva, muito do material teve de ser filmado como documentário.
Procuramos em O Homem Errado, de Hitchcock, os movimentos de câmera quando Henry Fonda vai ao escritório da seguradora, e se notam as mudanças de ponto de vista das pessoas atrás do balcão. Era esse tipo de paranoia que eu queria empregar. E o modo como Francesco Rosi usou preto e branco em O Bandido Giuliano, era o modo que eu queria fazer que Taxi Driver parecesse, mas em cores."
Martin Scorsese, cineasta, em Scorsese por Scorsese, com organização de David Thompson e Ian Christie (Edições 70, Lisboa; pgs 80 e 86).
"Soberba é um filme em que Orson Welles realmente existe como artista. Eu achava fundamental uma experiência de pura direção para Orson Welles. Foi bom, assim. Caracterizarem-se seus defeitos e suas qualidades. Os defeitos, os principais, são um certo gosto de brilhar e uma certa falta de contenção. Mas essa falta de contenção é também uma de suas melhores qualidades. De repente, graças ao desatino, ele atinge coisas que positivamente ninguém atingiu em Cinema. A cena da morte de Isabel Amberson (Dolores Costello) está acima de qualquer elogio. A direção, em toda sequência da festa, apesar de dois ou três exageros e “fitas” sem necessidade, é segura, usando de uma movimentação excelente, que, essa, é segredo de Orson Welles. Uma invenção.
Não tenho dúvida em dizer que Orson Welles é hoje o primeiro homem do cinema americano, com todos os seus abusos de câmera e angulação. Uma imagem como a do velho major Amberson (Richard Bennett), ante aquela lareira invisível - um close-up enorme de rosto como um sol amarelo -, pensando na morte, é de uma força monumental. Talvez haja um certo mau gosto misturado, mas que importância tem! O rosto refletido de George Amberson (Tim Holt) na vidraça, ao sair o inimigo odiado, Eugene (Joseph Cotten), da casa onde sua mãe morria, é um instante poderoso de cinema na sucessão. Soberba tem muitos defeitos. Mas suas virtudes são tais que os tornam desimportantes. Orson Welles está longe da perfeição; mas às vezes chega a tocar com o dedo o coração do mundo."
Vinicius de Moraes, poeta e cronista, no jornal A Manhã (“O coração do mundo”, republicado em "O Cinema de Meus Olhos"; organização de Carlos Augusto Calil; Companhia das Letras; págs. 176 e 177).
"Quase vinte séculos depois, em 1961, Cleópatra voltou a Roma, só que reencarnada em Elizabeth Taylor. O filme, Cleópatra, fora uma ideia do grego Spyros Skouras, presidente da 20th Century-Fox, em 1958, para remendar as combalidas finanças do estúdio e, originalmente, era um projeto até modesto. Custaria 2 milhões de dólares, nada de assustar, e teria a inglesa Joan Collins como Cleópatra, Peter Finch como César e Stephen Boyd como Marco Antônio. Mas Rouben Mamoulian, o diretor contratado por Skouras, não se contentou com uma estrelete como Joan Collins. Queria uma estrelona - Elizabeth Taylor. Skouras topou e, quando telefonou a Elizabeth para convidá-la, ela estava no banho e o telefonema foi atendido pelo marido dela, o cantor Eddie Fisher. Fisher deu-lhe o recado e ela gritou lá de dentro: “Diga a esse grego de merda que só faço por 1 milhão de dólares!” - quantia então impensável como cachê. Dois minutos depois, Eddie, de pernas bambas, voltou ao banheiro com a notícia: “Ele topou!”.
Um milhão de dólares por um filme em 1958-9 só teriam paralelo hoje se alguém fosse louco para pagar 1 bilhão de dólares a uma atriz. Skouras foi esse louco - nenhum ator jamais ganhara nem metade disso como salário. Mas esse foi só o primeiro de uma saraivada de descalabros e acidentes que demonizaram a filmagem de Cleópatra e, ao invés de salvar a Fox, a quebraram em 1963."
Ruy Castro, jornalista e escritor, no jornal O Estado de S. Paulo (“O primeiro e único “superespetáculo intimista” do cinema”, 19 de maio de 2001; o artigo foi republicado no livro Trêfego e Peralta; Companhia das Letras, pg. 204). Primeira escolha para dirigir o filme, Mamoulian depois foi substituído por Joseph L. Mankiewicz. No mesmo artigo, Castro recorda uma frase do cineasta Billy Wilder: “A maior tragédia grega que conheço chama-se Spyros Skouras”.
"Filme em preto e branco, acredito que tenha a fotografia mais difícil. Você não apenas tira a cor. O grande desafio do preto e branco é obter profundidade em preto e branco. Se você iluminar o preto e branco suavemente, achatará a imagem. Se você quer fazer alguém saindo das sombras, deve criar a sombra de onde a pessoa sairá.
(...)
Stanley [Kubrick] é o maior manipulador de luzes de todos os tempos. Ele mexia com todas as lâmpadas e sabia exatamente o efeito que a lâmpada daria. E ele trabalhava com dois cinegrafistas, eles trabalhariam juntos, mas ele ditava o estilo da luz. A maior parte era uma luz prática. Ele era principalmente um homem de iluminação prática [usando a luz que está na própria cena].
(...)
Stanley foi meio corajoso em deixar [Dr. Fantástico] meio preto, meio escuro. Você pode ocultar os sets melhor com o preto e branco. A Sala de Guerra, a magia dessa cena é a escuridão. Eles [os personagens] não têm luz.
(...)
A preferência de lentes de Stanley é inteligente de certa forma porque ele entende como será a imagem em um cinema. E ele entendia como se estivesse sentado na melhor fila do cinema, o que queria ver na tela. E, geralmente, com tantas informações em cena, ele trabalhava com lentes grande angular, mais do que muitos diretores. E é por isso que a Sala de Guerra parece ótima, porque é filmada em uma lente grande angular que a faz parecer enorme."
Joe Dunton, diretor de fotografia, no documentário Kubrick e a Busca pela Perfeição: Joe Dunton e Kelvin Pike (nos extras da edição em blu-ray de Dr. Fantástico; Versátil Home Vídeo). Dunton foi consultor técnico de câmera em De Olhos Bem Fechados, último filme de Stanley Kubrick.
"É o uso do cinema puro, para transmitir emoções à plateia. O filme foi realizado com recursos visuais projetados de todas as formas possíveis, tendo em vista o público. É por isso que o assassinato no banheiro é tão violento - porque, à medida que o filme avança, há menos violência. Mas aquela cena permanece de modo tão intenso na mente do público que não é necessário muito mais. Creio que, em Psicose, não há identificação com as personagens. Não havia tempo de desenvolvê-las e não havia necessidade disso. O público atravessa os paroxismos do filme sem consciência de Vera Miles ou de John Gavin. Eles são apenas personagens que conduzem o público através da parte final do filme - eu não estava interessado nelas. E, sabe, ninguém jamais menciona o fato de eles participarem do filme. É triste para eles.
Você pode imaginar como as pessoas da administração do estúdio montariam o elenco desse filme? Eles diriam: “Bem, ela é morta logo no primeiro rolo, de modo que vamos colocar qualquer pessoa nesse papel e atribuir a Janet Leigh a segunda parte do filme, em que há o interesse amoroso”. É claro que se trata de uma maneira idiota de pensar. O ponto do filme é matar a estrela - é isso o que o torna tão inesperado. Essa foi a razão fundamental para mostrar o crime ao público logo de início. [Nos cinemas, não se permitia a entrada na plateia após o filme ter começado.] Se as pessoas entrassem com o filme a meio caminho, perguntariam: “Quando é que Janet Leigh vai aparecer?”. No suspense não se podem admitir pensamentos nebulosos."
Alfred Hitchcock, diretor de Psicose, em entrevista a Peter Bogdanovich (Afinal, Quem Faz os Filmes?; Companhia das Letras; pg. 618).
Sérgio Ricardo já estava na órbita do cinema novo quando fez a música de Deus e o Diabo na Terra do Sol. Havia dirigido e lançado, em 1962 o extraordinário curta-metragem Menino da Calça Branca, com direção de fotografia de seu irmão, Dib Lutfi, e montagem de Nelson Pereira dos Santos, que teria se oferecido para montar o filme após ver suas imagens brutas. O trabalho não custaria nada a Ricardo.
Na mesma época, Nelson também montava Barravento, primeiro longa de Glauber Rocha (que, dizem algumas fontes, teria ficado com certo ciúme ao saber que Nelson montaria também o curta de Ricardo). Mais tarde, Glauber convida o então famoso cantor da bossa nova para fazer a música de Deus e o Diabo.
"A trilha foi composta de uma maneira sui generis. Eu, por exemplo, compus toda a trilha sem ver o filme, apenas com um papel à minha frente, que era o cordel escrito pelo Glauber [Rocha], que me entregou o poema todo e disse: “Olha, vai musicar isso aqui, com as seguintes anotações”. Ele fez todas as anotações de climas que o filme estava pedindo. Eu não tinha visto o filme, não sabia direito. Então, fui ao meu gravador com aquele papel, e fiz uma gravaçãozinha de experiência. E musiquei em uma hora, mais ou menos, todo aquele cordel, supondo fazer uma espécie de uma experiência para que depois ele ouvisse e dissesse se era ou não aquilo. Quando o Glauber ouviu aquela gravação, ele disse: “Olha, porreta! Não mexa mais em nada. É essa aí, essa é a trilha que eu preciso”. E eu digo: “Poxa, mas não tem nenhuma observação, algo que a gente possa mudar [...]”. “Não, não precisa mudar nada.” Ele não queria que mexesse em nada. “Tá bom, então tá pronta, agora vamos gravar de verdade.”
E a gravação é que foi o problema. Quando entramos no estúdio para gravar a música, era somente voz e violão. Ele me transformou. Eu era um cantor de bossa nova, tinha uma voz toda trabalhada para uma coisa mais urbana. E ele transformou minha voz, me fez berrar feito um cantador de feira. E foi difícil para mim vencer aquele obstáculo, mas eu consegui interpretar como ele queria. Ficou assim de uma maneira bonita e tal, mas absolutamente diferente do que eu imaginava que pudesse ser. Mas era o que ele queria. Glauber era tinhoso. Quer dizer, o que ele queria era o que ficava. Então acabou que ficou aquele negócio assim meio aleatório. Mas era o que ele queria.
Mais tarde, quando vi projetado o filme, a trilha com as imagens, eu vi o quanto ele tinha sido fiel à sua própria ideia e o quanto tinha chegado ao que ele queria. Ficou absolutamente irretocável. Foi uma grande surpresa quando vi o filme com a trilha colocada."
O depoimento de Sérgio Ricardo está nos extras da edição brasileira em DVD de Deus e o Diabo na Terra do Sol (disco 2; Versátil Home Video).
"Não há fade in, como você sabe. Abrimos com um corte direto. Naquela cena, os atores usaram efetivamente a câmera. Eles seguraram a câmera; ela estava amarrada neles. Para a primeira tomada, o cafetão tem a câmera atada a seu peito. Eu disse a [Constance] Towers: “Bata na câmera”. E ela bateu na câmera, na lente. Daí eu inverti. Coloquei a câmera nela, enquanto ela batia à beça nele. Achei que funcionava. Ela teve dificuldades de se maquiar no fim da cena, porque teve que usar a lente como espelho. Quando os créditos vêm, ela está olhando para a lente."
Samuel Fuller, cineasta, em entrevista a Eric Sherman e Martin Rubin, em Los Angeles, em novembro de 1968 (originalmente publicado em The Director’s Event: Interviews with Five American Film-Makers; Nova York: Atheneum Books, 1970; e republicado em Samuel Fuller: Interviews (Conversations with Filmmakers), organizado por Gerald Peary; Jackson: University Press of Mississippi, 2012; republicado em português no catálogo da mostra Samuel Fuller - Se Você Morrer, Eu Te Mato!, do Centro Cultural Banco do Brasil, em 2013; pg. 148; tradução de Guilherme Semionato).
"(...) os negros entendem perfeitamente por que Mookie [personagem vivido pelo próprio Spike Lee em Faça a Coisa Certa] jogou a lata de lixo através da janela. Nenhum negro jamais me perguntou: “O Mookie fez a coisa certa?”. Nunca. Apenas os brancos. Os brancos são assim: “Oh, eu gostava muito do Mookie até aquele momento. Ele é um bom personagem. Por que ele teve de jogar a lata de lixo pra fora da janela?”. Os negros não têm nenhuma dúvida em sua cabeça do porquê daquilo.
Pergunta: Sim, mas porque você faz uma coisa e se o que você faz é a coisa certa são coisas muito diferentes. Eu sei porque ele fez aquilo, mas…
Mas apenas os brancos querem saber por que ele fez aquilo. Palestrei em 25 universidades no ano passado, e isso foi tudo o que me perguntaram: “O Mookie fez a coisa certa?”.
Pergunta: o que você disse a eles?
Mookie está fazendo aquilo em resposta ao assassinato pela polícia do Radio Raheem, com o infame Michael Stewart se engasgando, em frente de seu rosto - também sabendo que não foi a primeira vez que algo assim aconteceu, nem a última. O que as pessoas precisam entender é que qualquer baderna que já aconteceu aqui nos Estados Unidos, envolvendo negros, aconteceu por causa de um pequeno incidente como esse: tiras matando alguém, tiras batendo numa mulher negra grávida. São incidentes assim que espalham o tumulto em todo o país. E tudo o que estávamos fazendo era usar a História. Mookie não pode açoitar a polícia, porque a polícia já tinha ido embora. Tão logo Radio Raheem estivesse morto, eles jogaram seu traseiro nos fundos do carro e deram o fora de lá para entrar na sua própria história."
Spike Lee, cineasta, em entrevista a David Breskin, na revista Rolling Stone (10 de julho de 1991; reproduzida no livro As Melhores Entrevistas da Revista Rolling Stone; editora Larousse; pg. 272).
Ao entrevistar David Fincher para a Film Comment de setembro/outubro de 1999, Gavin Smith perguntou o que o cineasta propunha com Clube da Luta.
"Não sei se é budismo, mas há a ideia de que, no caminho da iluminação, você precisa matar seus pais, seu deus e seu professor. Assim, a história começa no momento em que o personagem de Edward Norton tem 29 anos. Ele tentou fazer tudo o que foi ensinado a fazer, tentou se encaixar no mundo, tornando-se o que não é. Foi-lhe dito: “Se você fizer isso, obter educação, conseguir um bom emprego, ser responsável, apresentar-se de uma certa maneira, com seus móveis, seu carro e suas roupas, você encontrará a felicidade”. E ele não tem. E assim o filme o apresenta no momento em que ele mata seus pais e percebe que eles estão errados. Mas ele ainda está preso, preso neste mundo que criou para si mesmo. E então ele conhece Tyler Durden, e eles “voam diante de Deus” [expressão que significa confrontamento] - eles fazem todas essas coisas que não deveriam, todas as coisas que você faz nos seus vinte anos, quando não está mais sendo vigiado por seus pais e que acabam sendo, em retrospectiva, muito perigosas. E finalmente, ele tem que matar seu professor, Tyler Durden. Então, o filme é realmente sobre esse processo de amadurecimento.
(...) A Primeira Noite de um Homem é um bom paralelo. Era o momento em que você tem esse mundo de possibilidades, todas essas expectativas e você não sabe quem deveria ser. E você escolhe esse caminho, a senhora Robinson, e acaba sendo sombrio, mas faz parte de sua iniciação, seu julgamento pelo fogo. E então, escolhendo o caminho errado, você encontra o caminho certo, mas criou essa bagunça. Clube da Luta é o inverso dos anos 90: um cara que não tem um mundo de possibilidades à sua frente, ele não tem possibilidades, ele literalmente não consegue imaginar uma maneira de mudar sua vida."
A entrevista foi reproduzida no site Cinephilia & Beyond (“‘Fight Club’: David Fincher’s Stylish Exploration of Modern-Day Man’s Estrangement and Disillusionment”).
"O Poderoso Chefão estava previsto para ser lançado no Natal de 1971. Mas devido aos vários problemas de [o produtor Robert] Evans com o corte bruto de Coppola, o estúdio adiou a première até 14 de março de 1972 e o lançamento nacional até 19 de março de 1972.
(...)
No dia 29 de março de 1972, quando a Paramount já se dera conta do evento que o filme se tornara, eles publicaram um anúncio de dez páginas na Variety listando bilheterias ao redor do país onde - e era em toda a parte - o filme obtivera recordes para os primeiros três dias, para os primeiros cinco dias e recordes estaduais. Desde o início, a Paramount anunciou O Poderoso Chefão mais como um evento do que como um filme, uma marca do estilo de marketing e de distribuição peculiares de [Frank] Yablans. É no mínimo irônico que um filme de autor tão legendário também tenha sido o primeiro grande filme em uma nova era do marketing em Hollywood, o primeiro em um antigo estúdio comandado por um novo tipo de executivo, um tipo que entendia bem menos sobre filmes do que sobre dinheiro.
Duas semanas depois, a Paramount publicou um anúncio de duas páginas apresentando trechos de 39 resenhas. Mas, mesmo nesta propaganda mais tradicional, os recordes de bilheteria do filme vinham em destaque. Em grandes letras de forma impressas acima e abaixo das resenhas, era possível ler: “De cidade a cidade, estado a estado, costa a costa, O Poderoso Chefão é agora um fenômeno”.
Seria difícil superestimar o impacto - na Paramount, na indústria como um todo - do estrondoso sucesso de bilheteria de O Poderoso Chefão. Como exatamente era possível reproduzir aquele sucesso era uma questão grande e difícil, mas a quantidade de dinheiro que um estúdio poderia arrecadar a partir de uma só propriedade parecia alterada para sempre. Ao longo dos primeiros seis meses de 1972, O Poderoso Chefão arrecadou mais de 30 milhões de dólares, aproximadamente o dobro que o blockbuster da Paramount Love Story arrecadara no mesmo período no ano anterior e quatro vezes as receitas obtidas pelo filme mais visto (entre janeiro e junho) em 1970, Aeroporto.
O sucesso do filme também teve impactos imediatos em Wall Street. A menos de um mês da première de O Poderoso Chefão, uma ação da Gulf and Western valia 44,75 dólares, uma alta histórica. Durante a semana de 3 a 10 de abril, a venda de ações da Gulf and Western foi suspensa duas vezes, e foi invocado um requisito de margem de 100 por cento, duas regras relativamente raras no mercado de ações, designadas a estabilizar uma ação volátil. Ao final do ano, a Divisão de Lazer da Paramount Pictures da Gulf and Western apresentou lucros operacionais anteriores aos impostos no valor de 31,2 milhões de dólares, uma alta de 55% em relação ao ano anterior.
No começo de dezembro de 1972, após a temporada de lançamento de maior sucesso de um filme na história, Yablans anunciou que a Paramount planejava parar de distribuir O Poderoso Chefão a partir de 31 de dezembro. O plano na época era relançar o filme no dia 28 de março de 1973, o dia seguinte à premiação do Oscar. Era uma aposta arriscada. Evans e Yablans se lembraram da última vez em que tentaram estratégia parecida, com Love Story indo muito mal no relançamento, após faturar apenas um prêmio menor, de Melhor Trilha Sonora, em 1971.
Na noite do Oscar, O Poderoso Chefão foi bem melhor do que seu antecessor, vencendo as categorias de Melhor Filme, Melhor Ator (Brando) e Melhor Roteiro. O Poderoso Chefão foi relançado para uma segunda temporada bem-sucedida e então, em um negócio espantosamente lucrativo, a NBC-TV pagou o maior valor da história por uma única exibição do filme na televisão aberta. Apesar de suas temporadas nas bilheterias e de sua venda para a televisão terem quebrado recordes da indústria, a melhor notícia para a Paramount foi que, graças a Robert Evans, o estúdio detinha mais de 84% do filme, e, portanto, não precisava dividir a riqueza com mais ninguém."
Jon Lewis, professor e escritor, em texto publicado no catálogo da mostra Francis Ford Coppola, o Cronista da América, do Centro Cultural Banco do Brasil e do Sesc (“Se a História nos ensinou alguma coisa…”, pgs. 89-91).
"Cada momento no filme foi exatamente como no roteiro. Exceto... que eu precisava de mais tempo para construir a sequência [em que a personagem de Peter Finch chega ao canal de televisão, entra no ar e faz seu famoso discurso, enquanto é assistido por sua diretora e por todo o país] até a altura que aquilo teve. Eu falei para o Peter: “Peter, quando você chegar ao final do que está escrito… ‘Eu estou doido como o inferno e não vou mais suportar isso’, e agora, porque você está tão nervoso, você usa aquilo como seu argumento, e você vai andar pelo set, vai direto para a câmera, porque é assim que você vai encará-los e, se você puder, entre na lente. (...) Use toda sua força até onde você aguentar”. E foi isso que ele fez."
Sidney Lumet, cineasta, em entrevista em vídeo ao New York Times (reproduzida no portal do Bol).
"Quando eu soube que David Lean faria um filme de Doutor Jivago, eu imediatamente comprei o livro [de Boris Pasternak] e comecei a lê-lo para ver se havia um papel para mim. Nunca imaginei que me pediriam para fazer o papel principal, porque pensei que as pessoas me conheciam como um árabe em um camelo [referindo-se a seu papel em Lawrence da Arábia] e que não poderiam me imaginar como um poeta russo. Encontrei um papel adequado para mim e liguei para meu agente. Pedi que fosse ver David Lean e perguntasse a ele se podia fazer esse papel. Era o papel de Tom Courtenay, Pasha. Ele me ligou de volta e disse: “David não está de acordo com você no papel de Pasha, mas te interessaria o papel principal?”."
Omar Sharif, ator, no making of de Doutor Jivago, nos extras da edição nacional do DVD (The Making Of - A Russian Epic; Warner Bros. Entertainment). Sharif ficou com o papel de Yuri Jivago.
"Acho que [o riso] se origina em sua infância. Desde os quatro anos de idade, ele foi, sem dúvida, a criança mais célebre da história. Era festejado em todas as cortes. Ele era tão delicioso que qualquer coisa que ele fizesse fazia rir os adultos. O menino fala as coisas seriamente, mas é tão encantador que todo mundo ri ruidosamente. Ele não entende as reações deles e, então, é levado a forçar seu riso. Inversamente, um adulto diz alguma coisa engraçada que todo mundo ri e o menino, que não entende, ri também para fazer parte do grupo. Mozart viveu essas situações tantas vezes em sua infância que aquele cacarejo tornou-se uma parte dele. Salvo que, aos 25 anos, isso não o faz mais parecer engraçado, mas estranho! Em relação a Salieri, é claro, aquele riso adquire uma significação suplementar: é Deus que zomba dele através desse cacarejar obsceno."
Milos Forman, cineasta, realizador de Amadeus, em entrevista a Michel Ciment em Hollywood - Entrevistas (Editora Brasiliense; pgs. 288 e 289).
"Os técnicos decidiram rodar primeiro o grande incêndio de Atlanta. Ray Klune, o diretor de produção, sabia que não se podia manter aquele imenso fogo vivo por mais de 40 minutos, que eram necessárias todas as câmeras de Technicolor existentes em Hollywood (sete) e isso iria ocorrer num sábado, 10 de dezembro de 1938. Prevendo possíveis problemas, o Departamento de Bombeiros de Los Angeles levou dez esquadrões; dentro do estúdio, outros 50 bombeiros e 200 auxiliares. Klune contratou Lee Zavitz, o maior especialista em efeitos especiais. E Zavitz encontrou uma solução para manejar o fogo na sua fantasia: uma rede dupla de tubos que lançariam querosene e água, respectivamente. E o que queimariam, no estúdio de Culver City? Velhos cenários. Assim se livrariam daquelas imensas armações de madeira e papelão e as chamas seriam prodigiosas: arderam cenários de Um Garoto de Qualidade, O Rei dos Reis, O Último dos Moicanos e a porta gigante de King Kong.
(...)
[o diretor George] Cukor [contratado por David. O Selznick e depois demitido] assistiu à filmagem, mas as câmeras foram dirigidas pelo responsável pela fotografia, Ray Rennahan, e o responsável técnico por toda a produção, William Cameron Menzies. Duzentos convidados foram testemunhas do acontecimento e metade da população, assustada, chamou os bombeiros, pensando que o incêndio era autêntico."
Gregorio Belinchón, jornalista do El País, em E o Vento Levou - Coleção Folha Clássicos do Cinema vol. 1 (pgs. 25 e 26).
"A certa altura do filme, Bonnie e Clyde capturam o delegado texano Frank Hamer, que os persegue. Mais do que qualquer outra sequência de Uma Rajada de Balas, esta apresenta Bonnie como uma mulher liberada, livre para desafiar até mesmo a autoridade masculina representada por Hamer. Sua afetação com o charuto, bem como a sua insolência ao beijar Hamer na boca, expressam simbolicamente essa liberação. (O verdadeiro Hamer, a pedido do governo estadual, retomou seu cargo de delegado em 1934 e caçou Bonnie e Clyde, mas jamais foi humilhado pessoalmente por eles.)
A imprensa publicava com frequência que Bonnie Parker fumava charutos, mas o único indício disto era a fotografia encontrada durante a invasão aos aposentos do bando dos Barrows mostrando Bonnie, brincalhona, com o pé no para-choque de um automóvel, um revólver na mão e o charuto de Buck Barrow na boca. Daí em diante, ela passou a ser identificada como uma moça que gostava de charutos, o que a irritava e também à sua família."
Nancy F. Cott, professora de História, em artigo publicado em Passado Imperfeito - A História no Cinema (organização de Mark. C. Carnes; editora Record; pg. 220).
"Para mim, Rashomon é o filme mais interessante de Kurosawa. Esse e Trono Manchado de Sangue foram os que se destacaram. Trono Manchado de Sangue era mais acessível, porque a maioria do público não japonês conhecia a história de Macbeth. Este [Rashomon] era mais criativo, porque acho que nunca havíamos visto algo assim. O principal é que quando vemos um filme, vemos os personagens na tela; não é como ler, quando imaginamos. Vemos coisas bem específicas: uma árvore, uma espada. Então, tomamos isso como verdade. Mas, neste filme, tomamos isso como verdade e depois descobrimos que não é, necessariamente, a verdade. E vemos as várias versões do episódio, as quais as pessoas recontam. E nunca ficamos sabendo qual é a verdadeira, o que nos leva à conclusão óbvia de que tudo é verdade e de que nada é verdade. Então, transforma-se em um poema e rompe essa ideia visual que temos de que se vimos algo, então, deve ser verdade.
(...)
Nas cenas do julgamento, ou do depoimento, que se repetem, vemos as duas figuras atrás da pessoa que está depondo. Mas nunca vemos quem a interroga. Então, essa pessoa fala com o público como se o público fosse o interrogador. Como se eu, o público, perguntasse: “O que houve?”."
Robert Altman, cineasta, em depoimento que consta nos extras do DVD nacional de Rashomon (Versátil Home Vídeo).
"Fassbinder era ele próprio um marginal. Seu pai morreu quando ele era jovem, sua mãe usava o cinema como baby-sitter, ele foi gay quando isso não era aceitável, era baixo e pouco atraente. Não é necessário esforço para ver que O Medo Devora a Alma é a história de seu próprio caso de amor com o alto e bonito El Hedi ben Salem. E não é difícil ver a autocrítica na forma como Emmi [personagem de Brigitte Mira, companheira de Salem no filme] reflete inconscientemente os preconceitos de sua sociedade contra estrangeiros.
(...)
Alguns meses após a morte de Fassbinder (em 1982, aos 37 anos, devido a drogas e álcool), eu estava no júri do Festival de Cinema de Montreal com Daniel Schmid, um diretor suíço-alemão que conhecia Fassbinder muito bem. Ele me contou o final da história de El Hedi ben Salem, que chegou à Alemanha vindo das montanhas do norte da África e mergulhou na órbita de Fassbinder.
“A Alemanha era um mundo estranho para ele”, disse-me Schmid. “Ele começou a beber, foi ficando tenso e então foi para um lugar em Berlim e esfaqueou três pessoas. Então, voltou para Rainer e disse: ‘Agora você não precisa mais ter medo de mim’. Ele se enforcou na cadeia”."
"As pessoas falam muito sobre este ser um filme sobre a redenção - pessoalmente, eu não pego a parte da redenção. Eu tenho a parte do fundo do poço, mas… (risos) (...) Nós éramos alcoólatras e viciados em drogas, alguns de nós [envolvidos com Vício Frenético]. É apenas a ponta da merda que estamos fazendo. Quero dizer, onde está a redenção? O fato de que um policial drogado acha que vê Jesus? Isso não é redenção.
(...)
Eu acho que o filme está fora do meu controle de alguma forma, então o que eu sei? Ouça, eu assisto esse filme agora e sei que fiz parte da criação dele. Eu ainda sinto que é algo completamente separado de mim. Mas eu não estou brincando, eu ouço toda essa coisa de redenção sobre esse filme, de tantas pessoas, que meio que me pergunto se de alguma forma eu estava fazendo um filme sobre isso e nem sabia disso. Não estou dizendo que não é sobre isso - se alguém sente isso ao assistir o filme, quem sou eu para dizer que está errado? Eu simplesmente não entrei pensando assim. Merda, agora eu tenho que assistir de novo."
Abel Ferrara, cineasta, em entrevista à revista Rolling Stone (maio de 2019).
"Eu estava meio doidão e olhei para… uma foto de Anjos Selvagens, eu e Bruce Dern numa moto. E de repente eu pensei: é isso aí, esse é o western moderno, dois caras atravessando o país de moto… e talvez eles tenham feito uma supertransação e estejam cheios de grana. E eles atravessam o país e vão se aposentar na Flórida… Mas aí dois caçadores de pato num caminhão acabam com eles só porque não gostam do visual deles."
Peter Fonda, ator, roteirista e produtor, em Como a Geração Sexo-Drogas-e-Rock’n’Roll Salvou Hollywood, de Peter Biskind (Editora Intrínseca; pg 44).
Tess é acima de tudo uma grande história de amor. O que acontece com Tess na história é basicamente o esqueleto do melodrama vitoriano: ela é seduzida quando jovem, carrega uma criança que morre, é abandonada pelo homem com quem mais tarde se casa e finalmente é mandada para a forca pelo assassinato de seu sedutor. Mas a carne que [Thomas] Hardy põe naqueles ossos é espantosa. Ele liga a menina ao ritmo da natureza, dentro de uma sociedade vitoriana em desacordo com tudo de espontâneo e natural.
(...)
O contraste [entre Tess e sua mãe] está todo lá. A mãe pertence ao passado. Tess pertence ao presente, à era moderna, a você e a mim. Ela é a primeira heroína verdadeiramente moderna.
(...)
Tess, você deve se lembrar, era uma mulher pura. Era o subtítulo de Hardy para o livro. Ela quebrou os códigos morais vitorianos, mas ela respondeu à lei natural, à natureza, a sua natureza. É o livro todo. O filme é uma acusação da hipocrisia e da injustiça daquela sociedade rígida - e por extensão de qualquer sociedade rígida e repressiva.
Roman Polanski, cineasta, em entrevista a Harlan Kennedy (outubro de 1979).
Duna
2.9 412 Assista AgoraO ousado cineasta Alejandro Jodorowsky tentou realizar uma adaptação do livro de Frank Herbert, Duna, nos anos 1970, mas não obteve financiamento e o projeto naufragou. Mais tarde, os direitos do livro foram parar nas mãos da família De Laurentiis, que escolheu David Lynch para dirigir o épico interestelar.
"E quando eu soube que David Lynch iria dirigi-lo… fiquei em pânico, porque eu admiro David Lynch. “Ele pode fazê-lo! Ele é o único, no momento, que pode, e ele vai fazê-lo!” Eu sofri porque era o meu sonho. Outra pessoa iria realizá-lo, talvez melhor do que eu. E então, quando o filme estreou aqui, eu disse que não ia ver, porque iria morrer. E meus filhos disseram: “Não, somos guerreiros. Você precisa assistir”. E me levaram como uma pessoa doente ao cinema. Pensei que ia chorar. Então comecei a assistir. E pouco a pouco, pouco a pouco, pouco a pouco… fui ficando feliz, porque o filme era péssimo! É um fracasso! Bem, é uma reação humana, não? Não é nobre, mas eu tive esta reação. Eu disse: “Não é possível. Não [foi] David Lynch [que fez], que é um grande artista”. Foi o produtor quem fez aquilo."
O depoimento de Jodorowsky está no documentário Duna de Jodorowsky, de Frank Pavich, de 2013.
Cosmópolis
2.7 1,0K Assista Agora"O que a limusine representa?
O personagem criou um mundo para si mesmo dentro dela. Ele tem total controle do ambiente e, ao mesmo tempo, se isolou. É como se fosse uma prisão. É quase como um caixão, porque ele se desconecta da cidade, não a ouve, mal pode vê-la e força todos a virem até ele, seja para sexo, discussões, negócios. Gosto desse uso incomum do carro. Mas isso estava no romance de Don DeLillo, é invenção dele. Durante as filmagens, os caras do som ficaram nervosos: “Tem certeza de que não quer nenhum barulho da rua, da cidade?” E eu disse que não porque a ideia é justamente lidar com o isolamento da realidade. Então você pode ouvir tudo o que acontece dentro da limusine, mas nada de fora. E quando o protagonista sai do carro não sabe como se comportar, não sabe nem conversar com sua mulher. Ele diz a ela: “É assim que as pessoas conversam, não é?” E a resposta é: “E eu sei?” Porque ela é igual."
David Cronenberg, cineasta, em entrevista à revista Bravo! (Editora Abril, setembro de 2012; pg. 90).
O Conformista
4.1 83 Assista Agora"O cinema está muito mais próximo da literatura e da poesia do que do teatro. Concordo com você que muitas vezes o cinema é apenas a ilustração de uma história. Esse é o maior perigo que você enfrenta ao fazer um filme a partir de um romance. Esse foi o meu problema quando fiz O Conformista, que é baseado na história de Moravia. De qualquer forma, é um problema do dia a dia no cinema, porque muitos cineastas usam seus roteiros como se tivessem partido de um romance; eles simplesmente fazem um filme ilustrado a partir do roteiro. Por outro lado, eu também começo com um script muito preciso - mas apenas para destruí-lo. Para mim, a inspiração existe apenas no momento da filmagem real. Não antes. Para mim, o cinema é uma arte de gestos. Quando me encontro em um set, com atores e luzes, a “solução” que encontro para uma determinada sequência, uma determinada situação, não vem de uma ideia pré-concebida, mas da relação musical que existe entre os atores, as luzes, a câmera, o espaço ao redor deles - e eu movo a câmera como se estivesse gesticulando com ela. Sinto que o cinema é sempre um cinema de gestos - muito direto, mesmo se tiver cinquenta pessoas no elenco.
(...)
Eu realizei A Estratégia da Aranha imediatamente antes de O Conformista, mas, embora houvesse apenas alguns meses entre eles, minha situação psicológica era diferente. E é por isso que esses dois filmes são tão diferentes. Fiz A Estratégia da Aranha em um estado de felicidade melancólica e grande serenidade e O Conformista em um estado trágico de grande agitação psicológica.
(...)
O que me deu uma aparência meio diabólica é que eu sei que O Conformista é meu filme mais difícil e isso me diverte muito. Parece ser o meu filme mais fácil, mas na verdade é o mais difícil porque é o mais simples. Entra-se em um primeiro nível de “leitura” que faltava em Antes da Revolução: aquele filme tinha muitos outros níveis, mas não existia um primeiro nível de leitura assim que você o viu. Em O Conformista, existe esse primeiro nível, então todos entram nele e não colocam mais problemas para si mesmos. Em vez disso, o filme está cheio de outros níveis. Esse é o truque dos grandes diretores de Hollywood: na Europa, nós precisamos de trinta anos para que alguns jovens críticos franceses nos fizessem perceber que o cinema americano era algo mais do que se pensava até aquele momento."
Bernardo Bertolucci, cineasta, em entrevista a Amos Vogel na revista Film Comment (1971).
M, o Vampiro de Dusseldorf
4.3 278 Assista Agora"A história surgiu do fato de que, originalmente, eu queria fazer uma história sobre um crime muito, muito desagradável. Eu era casado naquela época e minha esposa, Thea Von Harbou, era a roteirista. Conversamos sobre o crime mais hediondo e decidimos que seria escrever cartas anônimas. Até que um dia eu tive uma ideia e cheguei em casa e disse “o que seria se eu fizesse um filme sobre um assassino de crianças?”. E então mudamos. Ao mesmo tempo, em Düsseldorf, uma série de assassinatos de jovens e velhos estava acontecendo, mas, pelo que me lembro, o roteiro estava pronto e terminado antes que capturassem aquele assassino.
Eu tinha Peter Lorre em mente quando estava escrevendo o roteiro. Ele era um ator promissor e havia representado duas ou três coisas no teatro em Berlim, mas nunca antes na tela. Eu não dei a ele um teste, eu estava absolutamente convencido de que ele era a pessoa certa para o papel. Era muito difícil saber como dirigi-lo. Acho que um bom diretor não é aquele que coloca sua personalidade em cima da personalidade do ator. Acho que um bom diretor é aquele que tira o melhor de seu ator. Então, conversamos sobre isso com muito, muito cuidado com ele e então o fizemos. De qualquer forma, foi meu primeiro filme sonoro, então estávamos experimentando muito."
Fritz Lang, cineasta, em entrevista a Alexander Walker, da BBC (reproduzida no site Cinephilia & Beyond).
Taxi Driver
4.2 2,5K Assista Agora"Grande parte de Taxi Driver surgiu da minha convicção de que os filmes são realmente uma espécie de estado-de-sonho, ou como tomar droga. E o choque de sair do cinema para a plena luz do dia pode ser aterrador. Vejo filmes a toda a hora e é-me sempre muito difícil acordar. Cada filme era isso para mim - esse sentido de estar quase acordado. Há uma cena em Taxi Driver em que Travis Bickle está a falar ao telefone com Betsy e a câmera se afasta dele ao longo de todo esse hall de entrada onde não há ninguém. Foi esta a primeira cena que eu imaginei para este filme e foi precisamente a última que filmei. Gosto dela porque sinto que foi um complemento para a solidão ali retratada, mas parece-me que se consegue sentir que alguém está atrás da câmera nessa cena.
O filme é todo muito baseado nas sensações que tenho como resultado de ter crescido em Nova York e viver na cidade. Há um plano em que a câmera está montada no tejadilho de um táxi e passa por baixo de um anúncio de Fascination que fica mesmo debaixo do meu escritório. É essa ideia de estar fascinado, desse anjo vingador flutuando através das ruas da cidade, que representa todas as cidades para mim.
(...)
Tal como nos meus outros filmes, em Taxi Driver também houve alguma improvisação. A cena entre De Niro e Cybill Shepherd, no café, é um bom exemplo. Eu não queria o diálogo tal como aparecia no roteiro, por isso improvisamos durante cerca de 12 minutos. Depois o escrevemos e o filmamos. No fim, ficou em três minutos. Muitas das melhores cena, como aquela em que De Niro diz “suck on this” e invectiva Keitel, estavam designadas para serem filmadas em um só take. Embora cada cena do filme tenha sido antecipadamente desenhada, com as dificuldades que encontramos, incluindo perder quatro dias de filmagens por causa da chuva, muito do material teve de ser filmado como documentário.
Procuramos em O Homem Errado, de Hitchcock, os movimentos de câmera quando Henry Fonda vai ao escritório da seguradora, e se notam as mudanças de ponto de vista das pessoas atrás do balcão. Era esse tipo de paranoia que eu queria empregar. E o modo como Francesco Rosi usou preto e branco em O Bandido Giuliano, era o modo que eu queria fazer que Taxi Driver parecesse, mas em cores."
Martin Scorsese, cineasta, em Scorsese por Scorsese, com organização de David Thompson e Ian Christie (Edições 70, Lisboa; pgs 80 e 86).
Soberba
3.8 75 Assista Agora"Soberba é um filme em que Orson Welles realmente existe como artista. Eu achava fundamental uma experiência de pura direção para Orson Welles. Foi bom, assim. Caracterizarem-se seus defeitos e suas qualidades. Os defeitos, os principais, são um certo gosto de brilhar e uma certa falta de contenção. Mas essa falta de contenção é também uma de suas melhores qualidades. De repente, graças ao desatino, ele atinge coisas que positivamente ninguém atingiu em Cinema. A cena da morte de Isabel Amberson (Dolores Costello) está acima de qualquer elogio. A direção, em toda sequência da festa, apesar de dois ou três exageros e “fitas” sem necessidade, é segura, usando de uma movimentação excelente, que, essa, é segredo de Orson Welles. Uma invenção.
Não tenho dúvida em dizer que Orson Welles é hoje o primeiro homem do cinema americano, com todos os seus abusos de câmera e angulação. Uma imagem como a do velho major Amberson (Richard Bennett), ante aquela lareira invisível - um close-up enorme de rosto como um sol amarelo -, pensando na morte, é de uma força monumental. Talvez haja um certo mau gosto misturado, mas que importância tem! O rosto refletido de George Amberson (Tim Holt) na vidraça, ao sair o inimigo odiado, Eugene (Joseph Cotten), da casa onde sua mãe morria, é um instante poderoso de cinema na sucessão. Soberba tem muitos defeitos. Mas suas virtudes são tais que os tornam desimportantes. Orson Welles está longe da perfeição; mas às vezes chega a tocar com o dedo o coração do mundo."
Vinicius de Moraes, poeta e cronista, no jornal A Manhã (“O coração do mundo”, republicado em "O Cinema de Meus Olhos"; organização de Carlos Augusto Calil; Companhia das Letras; págs. 176 e 177).
Cleópatra
4.0 307 Assista Agora"Quase vinte séculos depois, em 1961, Cleópatra voltou a Roma, só que reencarnada em Elizabeth Taylor. O filme, Cleópatra, fora uma ideia do grego Spyros Skouras, presidente da 20th Century-Fox, em 1958, para remendar as combalidas finanças do estúdio e, originalmente, era um projeto até modesto. Custaria 2 milhões de dólares, nada de assustar, e teria a inglesa Joan Collins como Cleópatra, Peter Finch como César e Stephen Boyd como Marco Antônio. Mas Rouben Mamoulian, o diretor contratado por Skouras, não se contentou com uma estrelete como Joan Collins. Queria uma estrelona - Elizabeth Taylor. Skouras topou e, quando telefonou a Elizabeth para convidá-la, ela estava no banho e o telefonema foi atendido pelo marido dela, o cantor Eddie Fisher. Fisher deu-lhe o recado e ela gritou lá de dentro: “Diga a esse grego de merda que só faço por 1 milhão de dólares!” - quantia então impensável como cachê. Dois minutos depois, Eddie, de pernas bambas, voltou ao banheiro com a notícia: “Ele topou!”.
Um milhão de dólares por um filme em 1958-9 só teriam paralelo hoje se alguém fosse louco para pagar 1 bilhão de dólares a uma atriz. Skouras foi esse louco - nenhum ator jamais ganhara nem metade disso como salário. Mas esse foi só o primeiro de uma saraivada de descalabros e acidentes que demonizaram a filmagem de Cleópatra e, ao invés de salvar a Fox, a quebraram em 1963."
Ruy Castro, jornalista e escritor, no jornal O Estado de S. Paulo (“O primeiro e único “superespetáculo intimista” do cinema”, 19 de maio de 2001; o artigo foi republicado no livro Trêfego e Peralta; Companhia das Letras, pg. 204). Primeira escolha para dirigir o filme, Mamoulian depois foi substituído por Joseph L. Mankiewicz. No mesmo artigo, Castro recorda uma frase do cineasta Billy Wilder: “A maior tragédia grega que conheço chama-se Spyros Skouras”.
Dr. Fantástico
4.2 665 Assista Agora"Filme em preto e branco, acredito que tenha a fotografia mais difícil. Você não apenas tira a cor. O grande desafio do preto e branco é obter profundidade em preto e branco. Se você iluminar o preto e branco suavemente, achatará a imagem. Se você quer fazer alguém saindo das sombras, deve criar a sombra de onde a pessoa sairá.
(...)
Stanley [Kubrick] é o maior manipulador de luzes de todos os tempos. Ele mexia com todas as lâmpadas e sabia exatamente o efeito que a lâmpada daria. E ele trabalhava com dois cinegrafistas, eles trabalhariam juntos, mas ele ditava o estilo da luz. A maior parte era uma luz prática. Ele era principalmente um homem de iluminação prática [usando a luz que está na própria cena].
(...)
Stanley foi meio corajoso em deixar [Dr. Fantástico] meio preto, meio escuro. Você pode ocultar os sets melhor com o preto e branco. A Sala de Guerra, a magia dessa cena é a escuridão. Eles [os personagens] não têm luz.
(...)
A preferência de lentes de Stanley é inteligente de certa forma porque ele entende como será a imagem em um cinema. E ele entendia como se estivesse sentado na melhor fila do cinema, o que queria ver na tela. E, geralmente, com tantas informações em cena, ele trabalhava com lentes grande angular, mais do que muitos diretores. E é por isso que a Sala de Guerra parece ótima, porque é filmada em uma lente grande angular que a faz parecer enorme."
Joe Dunton, diretor de fotografia, no documentário Kubrick e a Busca pela Perfeição: Joe Dunton e Kelvin Pike (nos extras da edição em blu-ray de Dr. Fantástico; Versátil Home Vídeo). Dunton foi consultor técnico de câmera em De Olhos Bem Fechados, último filme de Stanley Kubrick.
Psicose
4.4 2,5K Assista Agora"É o uso do cinema puro, para transmitir emoções à plateia. O filme foi realizado com recursos visuais projetados de todas as formas possíveis, tendo em vista o público. É por isso que o assassinato no banheiro é tão violento - porque, à medida que o filme avança, há menos violência. Mas aquela cena permanece de modo tão intenso na mente do público que não é necessário muito mais. Creio que, em Psicose, não há identificação com as personagens. Não havia tempo de desenvolvê-las e não havia necessidade disso. O público atravessa os paroxismos do filme sem consciência de Vera Miles ou de John Gavin. Eles são apenas personagens que conduzem o público através da parte final do filme - eu não estava interessado nelas. E, sabe, ninguém jamais menciona o fato de eles participarem do filme. É triste para eles.
Você pode imaginar como as pessoas da administração do estúdio montariam o elenco desse filme? Eles diriam: “Bem, ela é morta logo no primeiro rolo, de modo que vamos colocar qualquer pessoa nesse papel e atribuir a Janet Leigh a segunda parte do filme, em que há o interesse amoroso”. É claro que se trata de uma maneira idiota de pensar. O ponto do filme é matar a estrela - é isso o que o torna tão inesperado. Essa foi a razão fundamental para mostrar o crime ao público logo de início. [Nos cinemas, não se permitia a entrada na plateia após o filme ter começado.] Se as pessoas entrassem com o filme a meio caminho, perguntariam: “Quando é que Janet Leigh vai aparecer?”. No suspense não se podem admitir pensamentos nebulosos."
Alfred Hitchcock, diretor de Psicose, em entrevista a Peter Bogdanovich (Afinal, Quem Faz os Filmes?; Companhia das Letras; pg. 618).
Deus e o Diabo na Terra do Sol
4.1 426 Assista AgoraSérgio Ricardo já estava na órbita do cinema novo quando fez a música de Deus e o Diabo na Terra do Sol. Havia dirigido e lançado, em 1962 o extraordinário curta-metragem Menino da Calça Branca, com direção de fotografia de seu irmão, Dib Lutfi, e montagem de Nelson Pereira dos Santos, que teria se oferecido para montar o filme após ver suas imagens brutas. O trabalho não custaria nada a Ricardo.
Na mesma época, Nelson também montava Barravento, primeiro longa de Glauber Rocha (que, dizem algumas fontes, teria ficado com certo ciúme ao saber que Nelson montaria também o curta de Ricardo). Mais tarde, Glauber convida o então famoso cantor da bossa nova para fazer a música de Deus e o Diabo.
"A trilha foi composta de uma maneira sui generis. Eu, por exemplo, compus toda a trilha sem ver o filme, apenas com um papel à minha frente, que era o cordel escrito pelo Glauber [Rocha], que me entregou o poema todo e disse: “Olha, vai musicar isso aqui, com as seguintes anotações”. Ele fez todas as anotações de climas que o filme estava pedindo. Eu não tinha visto o filme, não sabia direito. Então, fui ao meu gravador com aquele papel, e fiz uma gravaçãozinha de experiência. E musiquei em uma hora, mais ou menos, todo aquele cordel, supondo fazer uma espécie de uma experiência para que depois ele ouvisse e dissesse se era ou não aquilo. Quando o Glauber ouviu aquela gravação, ele disse: “Olha, porreta! Não mexa mais em nada. É essa aí, essa é a trilha que eu preciso”. E eu digo: “Poxa, mas não tem nenhuma observação, algo que a gente possa mudar [...]”. “Não, não precisa mudar nada.” Ele não queria que mexesse em nada. “Tá bom, então tá pronta, agora vamos gravar de verdade.”
E a gravação é que foi o problema. Quando entramos no estúdio para gravar a música, era somente voz e violão. Ele me transformou. Eu era um cantor de bossa nova, tinha uma voz toda trabalhada para uma coisa mais urbana. E ele transformou minha voz, me fez berrar feito um cantador de feira. E foi difícil para mim vencer aquele obstáculo, mas eu consegui interpretar como ele queria. Ficou assim de uma maneira bonita e tal, mas absolutamente diferente do que eu imaginava que pudesse ser. Mas era o que ele queria. Glauber era tinhoso. Quer dizer, o que ele queria era o que ficava. Então acabou que ficou aquele negócio assim meio aleatório. Mas era o que ele queria.
Mais tarde, quando vi projetado o filme, a trilha com as imagens, eu vi o quanto ele tinha sido fiel à sua própria ideia e o quanto tinha chegado ao que ele queria. Ficou absolutamente irretocável. Foi uma grande surpresa quando vi o filme com a trilha colocada."
O depoimento de Sérgio Ricardo está nos extras da edição brasileira em DVD de Deus e o Diabo na Terra do Sol (disco 2; Versátil Home Video).
O Beijo Amargo
4.2 54 Assista AgoraSobre a cena da abertura:
"Não há fade in, como você sabe. Abrimos com um corte direto. Naquela cena, os atores usaram efetivamente a câmera. Eles seguraram a câmera; ela estava amarrada neles. Para a primeira tomada, o cafetão tem a câmera atada a seu peito. Eu disse a [Constance] Towers: “Bata na câmera”. E ela bateu na câmera, na lente. Daí eu inverti. Coloquei a câmera nela, enquanto ela batia à beça nele. Achei que funcionava. Ela teve dificuldades de se maquiar no fim da cena, porque teve que usar a lente como espelho. Quando os créditos vêm, ela está olhando para a lente."
Samuel Fuller, cineasta, em entrevista a Eric Sherman e Martin Rubin, em Los Angeles, em novembro de 1968 (originalmente publicado em The Director’s Event: Interviews with Five American Film-Makers; Nova York: Atheneum Books, 1970; e republicado em Samuel Fuller: Interviews (Conversations with Filmmakers), organizado por Gerald Peary; Jackson: University Press of Mississippi, 2012; republicado em português no catálogo da mostra Samuel Fuller - Se Você Morrer, Eu Te Mato!, do Centro Cultural Banco do Brasil, em 2013; pg. 148; tradução de Guilherme Semionato).
Faça a Coisa Certa
4.2 397"(...) os negros entendem perfeitamente por que Mookie [personagem vivido pelo próprio Spike Lee em Faça a Coisa Certa] jogou a lata de lixo através da janela. Nenhum negro jamais me perguntou: “O Mookie fez a coisa certa?”. Nunca. Apenas os brancos. Os brancos são assim: “Oh, eu gostava muito do Mookie até aquele momento. Ele é um bom personagem. Por que ele teve de jogar a lata de lixo pra fora da janela?”. Os negros não têm nenhuma dúvida em sua cabeça do porquê daquilo.
Pergunta: Sim, mas porque você faz uma coisa e se o que você faz é a coisa certa são coisas muito diferentes. Eu sei porque ele fez aquilo, mas…
Mas apenas os brancos querem saber por que ele fez aquilo. Palestrei em 25 universidades no ano passado, e isso foi tudo o que me perguntaram: “O Mookie fez a coisa certa?”.
Pergunta: o que você disse a eles?
Mookie está fazendo aquilo em resposta ao assassinato pela polícia do Radio Raheem, com o infame Michael Stewart se engasgando, em frente de seu rosto - também sabendo que não foi a primeira vez que algo assim aconteceu, nem a última. O que as pessoas precisam entender é que qualquer baderna que já aconteceu aqui nos Estados Unidos, envolvendo negros, aconteceu por causa de um pequeno incidente como esse: tiras matando alguém, tiras batendo numa mulher negra grávida. São incidentes assim que espalham o tumulto em todo o país. E tudo o que estávamos fazendo era usar a História. Mookie não pode açoitar a polícia, porque a polícia já tinha ido embora. Tão logo Radio Raheem estivesse morto, eles jogaram seu traseiro nos fundos do carro e deram o fora de lá para entrar na sua própria história."
Spike Lee, cineasta, em entrevista a David Breskin, na revista Rolling Stone (10 de julho de 1991; reproduzida no livro As Melhores Entrevistas da Revista Rolling Stone; editora Larousse; pg. 272).
Clube da Luta
4.5 4,9K Assista AgoraAo entrevistar David Fincher para a Film Comment de setembro/outubro de 1999, Gavin Smith perguntou o que o cineasta propunha com Clube da Luta.
"Não sei se é budismo, mas há a ideia de que, no caminho da iluminação, você precisa matar seus pais, seu deus e seu professor. Assim, a história começa no momento em que o personagem de Edward Norton tem 29 anos. Ele tentou fazer tudo o que foi ensinado a fazer, tentou se encaixar no mundo, tornando-se o que não é. Foi-lhe dito: “Se você fizer isso, obter educação, conseguir um bom emprego, ser responsável, apresentar-se de uma certa maneira, com seus móveis, seu carro e suas roupas, você encontrará a felicidade”. E ele não tem. E assim o filme o apresenta no momento em que ele mata seus pais e percebe que eles estão errados. Mas ele ainda está preso, preso neste mundo que criou para si mesmo. E então ele conhece Tyler Durden, e eles “voam diante de Deus” [expressão que significa confrontamento] - eles fazem todas essas coisas que não deveriam, todas as coisas que você faz nos seus vinte anos, quando não está mais sendo vigiado por seus pais e que acabam sendo, em retrospectiva, muito perigosas. E finalmente, ele tem que matar seu professor, Tyler Durden. Então, o filme é realmente sobre esse processo de amadurecimento.
(...) A Primeira Noite de um Homem é um bom paralelo. Era o momento em que você tem esse mundo de possibilidades, todas essas expectativas e você não sabe quem deveria ser. E você escolhe esse caminho, a senhora Robinson, e acaba sendo sombrio, mas faz parte de sua iniciação, seu julgamento pelo fogo. E então, escolhendo o caminho errado, você encontra o caminho certo, mas criou essa bagunça. Clube da Luta é o inverso dos anos 90: um cara que não tem um mundo de possibilidades à sua frente, ele não tem possibilidades, ele literalmente não consegue imaginar uma maneira de mudar sua vida."
A entrevista foi reproduzida no site Cinephilia & Beyond (“‘Fight Club’: David Fincher’s Stylish Exploration of Modern-Day Man’s Estrangement and Disillusionment”).
O Poderoso Chefão
4.7 2,9K Assista Agora"O Poderoso Chefão estava previsto para ser lançado no Natal de 1971. Mas devido aos vários problemas de [o produtor Robert] Evans com o corte bruto de Coppola, o estúdio adiou a première até 14 de março de 1972 e o lançamento nacional até 19 de março de 1972.
(...)
No dia 29 de março de 1972, quando a Paramount já se dera conta do evento que o filme se tornara, eles publicaram um anúncio de dez páginas na Variety listando bilheterias ao redor do país onde - e era em toda a parte - o filme obtivera recordes para os primeiros três dias, para os primeiros cinco dias e recordes estaduais. Desde o início, a Paramount anunciou O Poderoso Chefão mais como um evento do que como um filme, uma marca do estilo de marketing e de distribuição peculiares de [Frank] Yablans. É no mínimo irônico que um filme de autor tão legendário também tenha sido o primeiro grande filme em uma nova era do marketing em Hollywood, o primeiro em um antigo estúdio comandado por um novo tipo de executivo, um tipo que entendia bem menos sobre filmes do que sobre dinheiro.
Duas semanas depois, a Paramount publicou um anúncio de duas páginas apresentando trechos de 39 resenhas. Mas, mesmo nesta propaganda mais tradicional, os recordes de bilheteria do filme vinham em destaque. Em grandes letras de forma impressas acima e abaixo das resenhas, era possível ler: “De cidade a cidade, estado a estado, costa a
costa, O Poderoso Chefão é agora um fenômeno”.
Seria difícil superestimar o impacto - na Paramount, na indústria como um todo - do estrondoso sucesso de bilheteria de O Poderoso Chefão. Como exatamente era possível reproduzir aquele sucesso era uma questão grande e difícil, mas a quantidade de dinheiro que um estúdio poderia arrecadar a partir de uma só propriedade parecia alterada para sempre. Ao longo dos primeiros seis meses de 1972, O Poderoso Chefão arrecadou mais de 30 milhões de dólares, aproximadamente o dobro que o blockbuster
da Paramount Love Story arrecadara no mesmo período no ano anterior e quatro vezes as receitas obtidas pelo filme mais visto (entre janeiro e junho) em 1970, Aeroporto.
O sucesso do filme também teve impactos imediatos em Wall Street. A menos de um mês da première de O Poderoso Chefão, uma ação da Gulf and Western valia 44,75 dólares, uma alta histórica. Durante a semana de 3 a 10 de abril, a venda de ações da Gulf and Western foi suspensa duas vezes, e foi invocado um requisito de margem de 100 por cento, duas regras relativamente raras no mercado de ações, designadas a estabilizar uma ação volátil. Ao final do ano, a Divisão de Lazer da Paramount Pictures da Gulf and Western apresentou lucros operacionais anteriores aos impostos no valor de 31,2 milhões de dólares, uma alta de 55% em relação ao ano anterior.
No começo de dezembro de 1972, após a temporada de lançamento de maior sucesso de um filme na história, Yablans anunciou que a Paramount planejava parar de distribuir O Poderoso Chefão a partir de 31 de dezembro. O plano na época era relançar o filme no dia 28 de março de 1973, o dia seguinte à premiação do Oscar. Era uma aposta arriscada. Evans e Yablans se lembraram da última vez em que tentaram estratégia parecida, com Love Story indo muito mal no relançamento, após faturar apenas um prêmio menor, de Melhor Trilha Sonora, em 1971.
Na noite do Oscar, O Poderoso Chefão foi bem melhor do que seu antecessor, vencendo as categorias de Melhor Filme, Melhor Ator (Brando) e Melhor Roteiro. O Poderoso Chefão foi relançado para uma segunda temporada bem-sucedida e então, em um negócio espantosamente lucrativo, a NBC-TV pagou o maior valor da história por uma única exibição do filme na televisão aberta. Apesar de suas temporadas nas bilheterias e de sua venda para a televisão terem quebrado recordes da indústria, a melhor notícia para a Paramount foi que, graças a Robert Evans, o estúdio detinha mais de 84% do filme, e, portanto, não precisava dividir a riqueza com mais ninguém."
Jon Lewis, professor e escritor, em texto publicado no catálogo da mostra Francis Ford Coppola, o Cronista da América, do Centro Cultural Banco do Brasil e do Sesc (“Se a História nos ensinou alguma coisa…”, pgs. 89-91).
Rede de Intrigas
4.2 359 Assista Agora"Cada momento no filme foi exatamente como no roteiro. Exceto... que eu precisava de mais tempo para construir a sequência [em que a personagem de Peter Finch chega ao canal de televisão, entra no ar e faz seu famoso discurso, enquanto é assistido por sua diretora e por todo o país] até a altura que aquilo teve. Eu falei para o Peter: “Peter, quando você chegar ao final do que está escrito… ‘Eu estou doido como o inferno e não vou mais suportar isso’, e agora, porque você está tão nervoso, você usa aquilo como seu argumento, e você vai andar pelo set, vai direto para a câmera, porque é assim que você vai encará-los e, se você puder, entre na lente. (...) Use toda sua força até onde você aguentar”. E foi isso que ele fez."
Sidney Lumet, cineasta, em entrevista em vídeo ao New York Times (reproduzida no portal do Bol).
Doutor Jivago
4.2 311 Assista Agora"Quando eu soube que David Lean faria um filme de Doutor Jivago, eu imediatamente comprei o livro [de Boris Pasternak] e comecei a lê-lo para ver se havia um papel para mim. Nunca imaginei que me pediriam para fazer o papel principal, porque pensei que as pessoas me conheciam como um árabe em um camelo [referindo-se a seu papel em Lawrence da Arábia] e que não poderiam me imaginar como um poeta russo. Encontrei um papel adequado para mim e liguei para meu agente. Pedi que fosse ver David Lean e perguntasse a ele se podia fazer esse papel. Era o papel de Tom Courtenay, Pasha. Ele me ligou de volta e disse: “David não está de acordo com você no papel de Pasha, mas te interessaria o papel principal?”."
Omar Sharif, ator, no making of de Doutor Jivago, nos extras da edição nacional do DVD (The Making Of - A Russian Epic; Warner Bros. Entertainment). Sharif ficou com o papel de Yuri Jivago.
Amadeus
4.4 1,1K"Acho que [o riso] se origina em sua infância. Desde os quatro anos de idade, ele foi, sem dúvida, a criança mais célebre da história. Era festejado em todas as cortes. Ele era tão delicioso que qualquer coisa que ele fizesse fazia rir os adultos. O menino fala as coisas seriamente, mas é tão encantador que todo mundo ri ruidosamente. Ele não entende as reações deles e, então, é levado a forçar seu riso. Inversamente, um adulto diz alguma coisa engraçada que todo mundo ri e o menino, que não entende, ri também para fazer parte do grupo. Mozart viveu essas situações tantas vezes em sua infância que aquele cacarejo tornou-se uma parte dele. Salvo que, aos 25 anos, isso não o faz mais parecer engraçado, mas estranho! Em relação a Salieri, é claro, aquele riso adquire uma significação suplementar: é Deus que zomba dele através desse cacarejar obsceno."
Milos Forman, cineasta, realizador de Amadeus, em entrevista a Michel Ciment em Hollywood - Entrevistas (Editora Brasiliense; pgs. 288 e 289).
...E o Vento Levou
4.3 1,4K Assista Agora"Os técnicos decidiram rodar primeiro o grande incêndio de Atlanta. Ray Klune, o diretor de produção, sabia que não se podia manter aquele imenso fogo vivo por mais de 40 minutos, que eram necessárias todas as câmeras de Technicolor existentes em Hollywood (sete) e isso iria ocorrer num sábado, 10 de dezembro de 1938. Prevendo possíveis problemas, o Departamento de Bombeiros de Los Angeles levou dez esquadrões; dentro do estúdio, outros 50 bombeiros e 200 auxiliares. Klune contratou Lee Zavitz, o maior especialista em efeitos especiais. E Zavitz encontrou uma solução para manejar o fogo na sua fantasia: uma rede dupla de tubos que lançariam querosene e água, respectivamente. E o que queimariam, no estúdio de Culver City? Velhos cenários. Assim se livrariam daquelas imensas armações de madeira e papelão e as chamas seriam prodigiosas: arderam cenários de Um Garoto de Qualidade, O Rei dos Reis, O Último dos Moicanos e a porta gigante de King Kong.
(...)
[o diretor George] Cukor [contratado por David. O Selznick e depois demitido] assistiu à filmagem, mas as câmeras foram dirigidas pelo responsável pela fotografia, Ray Rennahan, e o responsável técnico por toda a produção, William Cameron Menzies. Duzentos convidados foram testemunhas do acontecimento e metade da população, assustada, chamou os bombeiros, pensando que o incêndio era autêntico."
Gregorio Belinchón, jornalista do El País, em E o Vento Levou - Coleção Folha Clássicos do Cinema vol. 1 (pgs. 25 e 26).
Bonnie e Clyde - Uma Rajada de Balas
4.0 399 Assista Agora"A certa altura do filme, Bonnie e Clyde capturam o delegado texano Frank Hamer, que os persegue. Mais do que qualquer outra sequência de Uma Rajada de Balas, esta apresenta Bonnie como uma mulher liberada, livre para desafiar até mesmo a autoridade masculina representada por Hamer. Sua afetação com o charuto, bem como a sua insolência ao beijar Hamer na boca, expressam simbolicamente essa liberação. (O verdadeiro Hamer, a pedido do governo estadual, retomou seu cargo de delegado em 1934 e caçou Bonnie e Clyde, mas jamais foi humilhado pessoalmente por eles.)
A imprensa publicava com frequência que Bonnie Parker fumava charutos, mas o único indício disto era a fotografia encontrada durante a invasão aos aposentos do bando dos Barrows mostrando Bonnie, brincalhona, com o pé no para-choque de um automóvel, um revólver na mão e o charuto de Buck Barrow na boca. Daí em diante, ela passou a ser identificada como uma moça que gostava de charutos, o que a irritava e também à sua família."
Nancy F. Cott, professora de História, em artigo publicado em Passado Imperfeito - A História no Cinema (organização de Mark. C. Carnes; editora Record; pg. 220).
Rashomon
4.4 301 Assista Agora"Para mim, Rashomon é o filme mais interessante de Kurosawa. Esse e Trono Manchado de Sangue foram os que se destacaram. Trono Manchado de Sangue era mais acessível, porque a maioria do público não japonês conhecia a história de Macbeth. Este [Rashomon] era mais criativo, porque acho que nunca havíamos visto algo assim. O principal é que quando vemos um filme, vemos os personagens na tela; não é como ler, quando imaginamos. Vemos coisas bem específicas: uma árvore, uma espada. Então, tomamos isso como verdade. Mas, neste filme, tomamos isso como verdade e depois descobrimos que não é, necessariamente, a verdade. E vemos as várias versões do episódio, as quais as pessoas recontam. E nunca ficamos sabendo qual é a verdadeira, o que nos leva à conclusão óbvia de que tudo é verdade e de que nada é verdade. Então, transforma-se em um poema e rompe essa ideia visual que temos de que se vimos algo, então, deve ser verdade.
(...)
Nas cenas do julgamento, ou do depoimento, que se repetem, vemos as duas figuras atrás da pessoa que está depondo. Mas nunca vemos quem a interroga. Então, essa pessoa fala com o público como se o público fosse o interrogador. Como se eu, o público, perguntasse: “O que houve?”."
Robert Altman, cineasta, em depoimento que consta nos extras do DVD nacional de Rashomon (Versátil Home Vídeo).
O Medo Devora a Alma
4.3 105 Assista Agora"Fassbinder era ele próprio um marginal. Seu pai morreu quando ele era jovem, sua mãe usava o cinema como baby-sitter, ele foi gay quando isso não era aceitável, era baixo e pouco atraente. Não é necessário esforço para ver que O Medo Devora a Alma é a história de seu próprio caso de amor com o alto e bonito El Hedi ben Salem. E não é difícil ver a autocrítica na forma como Emmi [personagem de Brigitte Mira, companheira de Salem no filme] reflete inconscientemente os preconceitos de sua sociedade contra estrangeiros.
(...)
Alguns meses após a morte de Fassbinder (em 1982, aos 37 anos, devido a drogas e álcool), eu estava no júri do Festival de Cinema de Montreal com Daniel Schmid, um diretor suíço-alemão que conhecia Fassbinder muito bem. Ele me contou o final da história de El Hedi ben Salem, que chegou à Alemanha vindo das montanhas do norte da África e mergulhou na órbita de Fassbinder.
“A Alemanha era um mundo estranho para ele”, disse-me Schmid. “Ele começou a beber, foi ficando tenso e então foi para um lugar em Berlim e esfaqueou três pessoas. Então, voltou para Rainer e disse: ‘Agora você não precisa mais ter medo de mim’. Ele se enforcou na cadeia”."
Roger Ebert, crítico de cinema.
Vício Frenético
3.9 124"As pessoas falam muito sobre este ser um filme sobre a redenção - pessoalmente, eu não pego a parte da redenção. Eu tenho a parte do fundo do poço, mas… (risos) (...) Nós éramos alcoólatras e viciados em drogas, alguns de nós [envolvidos com Vício Frenético]. É apenas a ponta da merda que estamos fazendo. Quero dizer, onde está a redenção? O fato de que um policial drogado acha que vê Jesus? Isso não é redenção.
(...)
Eu acho que o filme está fora do meu controle de alguma forma, então o que eu sei? Ouça, eu assisto esse filme agora e sei que fiz parte da criação dele. Eu ainda sinto que é algo completamente separado de mim. Mas eu não estou brincando, eu ouço toda essa coisa de redenção sobre esse filme, de tantas pessoas, que meio que me pergunto se de alguma forma eu estava fazendo um filme sobre isso e nem sabia disso. Não estou dizendo que não é sobre isso - se alguém sente isso ao assistir o filme, quem sou eu para dizer que está errado? Eu simplesmente não entrei pensando assim. Merda, agora eu tenho que assistir de novo."
Abel Ferrara, cineasta, em entrevista à revista Rolling Stone (maio de 2019).
Sem Destino
4.0 580 Assista Agora"Eu estava meio doidão e olhei para… uma foto de Anjos Selvagens, eu e Bruce Dern numa moto. E de repente eu pensei: é isso aí, esse é o western moderno, dois caras atravessando o país de moto… e talvez eles tenham feito uma supertransação e estejam cheios de grana. E eles atravessam o país e vão se aposentar na Flórida… Mas aí dois caçadores de pato num caminhão acabam com eles só porque não gostam do visual deles."
Peter Fonda, ator, roteirista e produtor, em Como a Geração Sexo-Drogas-e-Rock’n’Roll Salvou Hollywood, de Peter Biskind (Editora Intrínseca; pg 44).
Tess: Uma Lição de Vida
3.7 125 Assista AgoraTess é acima de tudo uma grande história de amor. O que acontece com Tess na história é basicamente o esqueleto do melodrama vitoriano: ela é seduzida quando jovem, carrega uma criança que morre, é abandonada pelo homem com quem mais tarde se casa e finalmente é mandada para a forca pelo assassinato de seu sedutor. Mas a carne que [Thomas] Hardy põe naqueles ossos é espantosa. Ele liga a menina ao ritmo da natureza, dentro de uma sociedade vitoriana em desacordo com tudo de espontâneo e natural.
(...)
O contraste [entre Tess e sua mãe] está todo lá. A mãe pertence ao passado. Tess pertence ao presente, à era moderna, a você e a mim. Ela é a primeira heroína verdadeiramente moderna.
(...)
Tess, você deve se lembrar, era uma mulher pura. Era o subtítulo de Hardy para o livro. Ela quebrou os códigos morais vitorianos, mas ela respondeu à lei natural, à natureza, a sua natureza. É o livro todo. O filme é uma acusação da hipocrisia e da injustiça daquela sociedade rígida - e por extensão de qualquer sociedade rígida e repressiva.
Roman Polanski, cineasta, em entrevista a Harlan Kennedy (outubro de 1979).