"Assim como em O Império Sentidos, a história é sobre um homem e uma mulher que não hesitam em alinhar sua existência diária com seus impulsos sexuais mais profundos. Hoje em dia, nada me interessa tanto quanto abordar as várias formas que o amor pode assumir com pessoas que só podem ser salvas por esse amor.
(...)
O espaço em Sentidos foi delineado pelas diferentes salas de amor. Foi criado artificialmente, completamente projetado para voluptuosidade. Por outro lado, em Paixão tudo é sobre a natureza. Seki tem uma casa onde mora com o marido, e Toyoji um pequeno casebre que compartilha com seu irmão mais novo. Nenhum desses lugares é artificial. Os dois amantes vivem com medo porque se sentem constantemente ameaçados pela natureza. Estou tentando descrever a condição humana em seu estágio primordial. Nesse sentido, meu novo filme remonta às raízes de toda a vida, muito mais profundamente do que Sentidos fez. Os amantes parecem lançados no inferno por causa de seus impulsos sexuais, mas na minha opinião, o estrondo da terra, o murmúrio do vento, o farfalhar das árvores, o canto dos pássaros e insetos, enfim, toda a natureza, está guiando o casal para o inferno. E o próprio fantasma é parte da natureza. Nem o sexo nem o amor têm qualquer significado. A vida em si não tem significado. E se não tem significado, não é um inferno? Tudo o que posso fazer é expressar e projetar diante de você essa vida humana desprovida de qualquer significado, esse inferno que para mim é sempre lindo."
Nagisa Oshima, cineasta, em entrevista a Michael Henry, na revista Positif, reproduzida no site do selo The Criterion Colletion.
"Sem qualquer perspectiva de dispor de fetos abortados reais, no outono de 1967 Kubrick decidiu produzir o espectral Filho dos Estrelas da sequência final do filme na MGM, e recrutou Liz Moore, escultora jovem e talentosa. Moore, que ajudara Stuart Freeborn [chefe de maquiagem] com os trajes dos homens-macacos, tinha feito certo nome ainda como estudante, esculpindo bustos dos Beatles em argila. Naquele verão, ela produziu uma versão em argila de um feto humano com traços assustadoramente semelhantes a Keir Dullea. Conforme as exigências de Kubrick, ele deveria ter uma cabeça anormalmente grande, para representar a etapa evolutiva seguinte da humanidade.
(...)
Depois de moldada e reproduzida como um manequim oco, em resina cor de pele e com quase oitenta centímetros, Johnson [Brian Johnson, assistente de efeitos especiais] começou a trabalhar na escultura, inserindo os olhos de vidro através de uma tampa cranial removível. Conectando-os a pequenas hastes, ele os automatizou, prendendo-os a um suporte controlado por motor Selsyn - a onipresente ferramenta de controle de movimentos de 2001.
(...)
No início de novembro eles posicionaram o Filho das Estrelas no estúdio, cercado de veludo preto, e fizeram uma série de testes de câmera. Mas a imagem resultou excessivamente definida, precisando de um tratamento pesado de difusão. Então, empregaram outra arma secreta de efeitos visuais do filme. Ela foi “fornecida por Geoff Unsworth [diretor de fotografia], que a chamava de ‘gaze de antes da guerra’”, lembrou Trumbull [Douglas Trumbull, supervisor de efeitos especiais]. “Ele tinha um estoque limitado e secreto dessa gaze de antes da guerra, que parecia com as meias de seda de 1938 e criava um brilho muito bonito. Foi usada no Filho das Estrelas e em muitas outras tomadas do filme.”
(...)
A escultura de Moore foi refilmada, dessa vez atrás de quinze camadas de gaze, lembrou Trumbull, “com cerca de 40 mil watts de luz de fundo, algo como quatro holofotes, para iluminar suas bordas; e conseguimos um tremendo brilho trabalhando com superexposição (...)”"
Michael Benson, escritor, em 2001: Uma Odisseia no Espaço - Stanley Kubrick, Arthur C. Clarke e a Criação de uma Obra-prima (Editora Todavia; pgs. 390 e 391).
"A primeira novidade desta vida de Cristo era o contexto: a Judéia era um país miserável, colônia romana. Nada do luxo visto nos filmes de Cecil B. DeMille. Cristo era homem do povo, vestido pobremente. Os governantes hebreus a serviço do imperialismo romano. Cristo surgia subversivo, capaz de atirar o povo contra os vendilhões da pátria.
Há uma trama que mistura moralismo com medo político - Cristo é traído por um dos seus, crucificado e na hora da morte grita desesperado:
-Pai, por que me desamparastes?
O Cristo de Pasolini é forte, viril, sem complacência para com opressores e canalhas. Cristo é violentíssimo. Na pregação usa tom incisivo de agitador social."
Glauber Rocha, cineasta, em O Século do Cinema (Cosac Naify; pg. 278).
"O que fizemos com essa bola de praia gigante foi colocar um desentupidor de banheiro para segurá-la, pintá-la, e fotografar o topo da sua superfície (...) Alguém que ajudava na filmagem carregava uma dessas bolas de praia infladas e eu e [Dan] O’Bannon imediatamente nos olhamos e dissemos: “e se o alien que teoricamente está a bordo se parecesse com uma bola de praia com pernas?” Então pensamos que um dos personagens teria que tomar conta dele e essa é sua origem (...) Pintamos a bola com spray, colocamos garras de monstro debaixo dela e o Nick Castle ficava atrás mexendo suas garras para que ela tivesse uma espécie de vida."
John Carpenter, cineasta, sobre a criação do alienígena de "Dark Star" (em "Rápido, Barato e Sob Controle"; TZ Editora, pg. 79).
"De todas as perguntas frívolas que me fizeram sobre meus filmes, uma das mais frequentes, das mais obsessivas, diz respeito à pequena caixinha que um cliente asiático leva consigo ao bordel. Ele a abre e mostra às garotas o que contém (nós não vemos). As garotas recusam com gritos de horror, exceto Séverine, na verdade interessada. Não sei quantas vezes me perguntaram, sobretudo mulheres: “O que tinha nessa caixinha?”. Como não faço a mínima ideia, a única resposta possível é: “O que você quiser”."
Luis Buñuel, cineasta, sobre um objeto famoso de "A Bela da Tarde", em "Meu Último Suspiro" (Cosac Naify; pg. 337).
"Tive momentos de agonia tentando achar motivação para criar Em Busca do Ouro. Eu me perguntava: o que fazer? No filme Em Busca do Ouro você encontra ouro. E daí? O que acontece depois? Como são entediantes as histórias do Norte e do Alasca. Para transformar esta história em uma comédia, comecei a pensar em neve. Pensei em congelamento, no Vagabundo tirando as meias e elas ficando duras, suas calças duras, tudo isso. E depois, o que acontece? Aí encontrei uma situação única: a fome. Tive a ideia a partir da leitura a respeito de um grupo que se perdeu nas montanhas e morreu de fome, que cometeu canibalismo, comeu cadarços de sapatos e tudo mais. Então, pensei: “Sim, existe algo de engraçado nisso tudo”."
Charles Chaplin, cineasta e ator, em 1967 (a declaração está na edição de Em Busca do Ouro da Coleção Folha Charles Chaplin; pg. 22).
“Eu odeio os mecanismos artificiais da narração cinematográfica convencional. A vida tem um ritmo completamente diferente, às vezes rápido, às vezes extremamente lento. Em uma história sobre sentimentos, como A Aventura, senti a necessidade de ligar sentimentos ao tempo. Seu próprio tempo. Quanto mais vezes vejo A Aventura, mais estou convencido de que encontrei o ritmo certo, não acho que poderia ter tido outro ritmo além do que tem.
(...)
Enquanto eu estava filmando, passei por cinco meses extraordinários. Extraordinários porque eram violentos, exaustivos, obsessivos, muitas vezes dramáticos, angustiantes, mas acima de tudo satisfatórios. E eu acho que no filme você percebe isso. O mais difícil para mim foi me desligar de todas as coisas que poderiam dar errado - e muitas coisas deram errado. Nós filmamos sem um produtor, sem dinheiro e sem comida, muitas vezes arriscando nossos pescoços no mar, nas tempestades. Tudo isso mudou as relações entre nós, sejam pessoais ou profissionais. Nós assistimos a incríveis e belos fenômenos naturais. A minha maior dificuldade, digo de novo, era me isolar de tudo o que estava acontecendo, de modo que apenas o essencial fosse filtrado para o filme - de modo que tivesse sua própria atmosfera, separado do que estávamos passando na vida real. Eu costumava levantar todos os dias às três da manhã só para ficar sozinho, em paz e conseguir refletir sobre o que estávamos fazendo.”
Michelangelo Antonioni, diretor de A Aventura, em entrevista a François Maurin em setembro de 1960 (em reprodução no site Cinephilia & Beyond).
"A filmagem da cena que fiz com ela [Marilyn Monroe] sobre o respiradouro atraiu a atenção de todo mundo. Havia 20 mil pessoas, o trânsito estava um caos, houve uma crise conjugal [refere-se às brigas da atriz com seu então marido, Joe DiMaggio].
(...)
Joe DiMaggio estava em Nova York quando filmamos a cena do respiradouro na Lexington Avenue e provocamos aquele inimaginável ajuntamento de gente. Ele estava num bar algumas quadras acima, com um amigo, o investidor nova-iorquino George Solitaire. O colunista Walter Winchell os arrastou então para o local da filmagem, onde DiMaggio não somente ouviu os gritos sujos ou encorajadores da multidão, como também viu (teve de ver!) como Marilyn estava gostando daquela exibição pública. Admito que eu também ficaria um pouco preocupado se 20 mil pessoas estivessem observando uma única coisa: o vestido de minha mulher subindo acima de sua cabeça. Quis a ironia que eu tivesse de refilmar uma tomada da cena no estúdio - o respiradouro não trazia ar suficiente, nem mesmo quando instalamos um ventilador suplementar."
Billy Wilder, diretor de "O Pecado Mora ao Lado", que contém essa cena, considerada uma das mais icônicas do cinema americano. O relato está na bibliografia de Wilder, "Billy Wilder: E o Resto é Loucura", de Hellmuth Karasek (Editora DBA; pgs. 399 e 400).
[Howard] Hughes tinha uma história sobre dois irmãos. Um era policial, e o outro, gângster. A mesma história que já ouvimos centenas de vezes. Ele queria que eu a fizesse. Tive uma ideia e disse a Ben Hecht: “Você faria um filme?”. Ben reagiu: “O quê?”. E eu disse: “Um filme de gângsteres”. Ele respondeu: “Você não vai querer fazer isso”. E eu disse: “Ora, Ben, este caso é um pouco diferente. É a família Borgia na Chicago atual, e Tony Camonte é César Borgia”. E ele respondeu: “Começamos amanhã de manhã”. Gastamos onze dias para escrever a história e os diálogos. Aí mostramos para Hughes; ele deu um sorrisinho e disse: “Esta é uma história e tanto. Cadê o irmão?”. “Bem, Howard”, respondi, “você pode usar aquela história de novo.” E ele perguntou: “E quanto ao elenco?”. “Não sei, não temos acesso a ninguém. Todos os bons atores e atrizes estão sob contrato, e os estúdios não vão emprestá-los. Acho melhor ir até Nova York.” Ele respondeu: “Ok. Mantenha-me informado”.
Assim, fui a Nova York e encontrei Paul Muni no teatro judaico no centro da cidade, perto da rua 29. Vi Osgood Perkins numa peça, protagonizando uma história de amor. Vi George Raft numa luta de boxe. Ann Dvorak era corista na Metro-Goldwyn, ganhando 40 dólares por semana; livrei-a do seu contrato porque um vice-presidente da Metro-Goldwyn gostava de mim. Karen Morley saía com um sujeito que eu conhecia, e eu a achava atraente. Boris Karloff tinha acabado de fazer The Criminal Code. Ele disse: “Não me importa que seja pequeno - quero um papel no filme”. Ele julgou que seria bom para ele. Vince Barnett estivera trabalhando como garçom - insultava pessoas no Coconut Grove. Assim, reunimos alguns atores, dirigimo-nos a um estúdio pequeno e empoeirado e o abrimos. Éramos uma entidade em nós mesmos, e fizemos um filme. A coisa toda foi um desafio, e foi tudo muito divertido. O filme resultou muito bom e se tornou uma espécie de lenda."
Howard Hawks, diretor de Scarface: A Vergonha de uma Nação, em entrevista ao crítico e cineasta Peter Bogdanovich, em Afinal, Quem Faz os Filmes (Companhia das Letras; pgs. 327 e 328). Nos créditos de Scarface, Ben Hecht aparece como criador da história do filme, a partir da obra de Armitage Trail, que morreu antes de o filme ser lançado, em 1930, aos 28 anos. Hawks não foi creditado como roteirista.
"Numa noite de novembro de 1958, um jovem aristocrata romano festeja seu aniversário numa boate da moda, Rugantino. Muito frequentada pela juventude dourada, o lugar acolhe também as estrelas do cinema, os escritores, os intelectuais… Nessa noite, Anita Ekberg faz a temperatura subir ao se lançar descalça numa dança endiabrada. Querendo ir além da estrela, Aiché Nanà, uma jovem atriz sedenta de fama, leva o público à loucura, entregando-se a um striptease incendiário. O evento causa escândalo. Misturado ao público, Tazio Secchiaroli, um dos primeiros fotógrafos de celebridades, imortaliza a cena, que no dia seguinte vira manchete das revistas. A Itália, inquieta com a decadência de sua alta sociedade, fica indignada. Em plena redação do roteiro de A Doce Vida, Fellini inspira-se no acontecimento para criar a cena do striptease da atriz Nadia Gray."
Trecho do catálogo da exposição Tutto Fellini, sob curadoria de Sam Stourdzé, no Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro e no Sesc Pinheiros, em 2012 (tradução de Cecília Ciscato e Samuel Titan Jr.; pg. 56).
“Se você quer fazer uma divisão no mundo, de grupos opostos, não é entre esquerda e direita. Mas, de um lado, os que estão de acordo com este mundo, os que aceitam isso tudo, e, do outro, os que estão dispostos a abdicar de conforto, de telefones celulares, das viagens à lua, dos tupperwares. E a notícia triste que eu tenho para você é que ninguém está disposto a abdicar disso. Ninguém está deste lado.” José Smith Vargas
"No caso de A Professora de Piano, não sou de bancar a falsa modesta, sei que tenho a capacidade de interpretar algo bastante opaco e, ao mesmo tempo, muito frágil. Muito do sucesso obtido pelo filme se deve à opacidade, à hipótese de uma violência, de uma brutalidade, mesmo de uma monstruosidade. Se interpreto Medeia ou A Professora de Piano, não faço nunca economia de monstruosidade, da maldade que há nesses personagens, e sei onde colocar a fragilidade, onde está o ponto de ruptura no qual podemos nos reconhecer. Isso é o essencial.
(...)
É a história de alguém que de nenhuma maneira quer ser considerado como objeto sexual, que quer ser mestre de seu desejo, de seus sentimentos, de seu amor. Como atriz me senti bastante protegida por tudo isso. Não me sentia como um brinquedo, nem do diretor, do ator com quem contracenava ou mesmo do tema do filme. Foi um papel adulto para mim. Não era simplesmente um sofrimento mudo, era algo bastante ativo.
(...)
A personagem de A Professora de Piano é alguém que reflete, calcula, e que habita seu cálculo. É um filme sobre o controle e a perda de controle. Num certo momento, ela perde o controle de algo que quer evitar, mas não consegue."
Isabelle Huppert, atriz e protagonista de A Professora de Piano, em entrevista ao jornalista Fernando Eichenberg no livro Entre Aspas volume 1 (L± pgs. 322, 323 e 324).
"Eu gostava sobretudo da ideia de mostrar um amor fetichista. Um homem quer dormir com uma ladra porque ela é uma ladra, como outros têm vontade de dormir com uma chinesa ou com uma negra. Infelizmente esse amor fetichista não foi tão bem transposto para a tela como o de Jimmy Stewart por Kim Novak em Um Corpo que Cai. Para falar cruamente, seria preciso mostrar Sean Connery flagrando a ladra diante do cofre-forte e tendo vontade de pular em cima dela e violentá-la ali mesmo."
Alfred Hitchcock, cineasta, em entrevista a François Truffaut, no livro Hitchcock Truffaut (Companhia das Letras; pg. 303).
"Ele tinha me visto em Cabaret e pensava que eu fosse alemã, por causa do meu sotaque no filme de Bob Fosse. Ele ligou para Stanley Donen, que me conhecia muito bem, desde que eu era criança, pois era amigo de meus pais na Suíça. E ele me avisou que Kubrick ia me telefonar, pois queria que eu trabalhasse em seu próximo filme. Quando ele entrou em contato comigo, começou me falando, durante horas, de minha interpretação em Cabaret, com uma riqueza incrível de detalhes. Fiquei tão espantada que não consegui dizer uma palavra! No fim, me disse que estava preparando um filme sobre o século 18, e queria que eu interpretasse uma condessa inglesa, ele me enviaria o livro de Thackeray para que eu lhe dissesse o que pensava dele. Seis meses mais tarde, eu o conheci pessoalmente, quando fui viver em Londres para a preparação do filme. Fiquei lá dois ou três meses para aprender a dançar minueto, a usar um leque à maneira da época, a aperfeiçoar o sotaque de uma aristocrata inglesa, a cavalgar sentada de lado. Depois experimentei as roupas, a maquiagem, a peruca etc. Então ele me pediu para ir à Irlanda, onde se passava a primeira parte do filme, em que eu não aparecia. Fiquei três meses lá, sem filmar nada, e, quando lhe perguntei se podia voltar para casa no Natal, ele me disse para ficar ali, pois poderia precisar de mim no dia seguinte! Queria que seus atores estivessem sempre presentes, caso mudasse de ideia, pois não havia um roteiro totalmente escrito, e todos os dias ele fazia modificações."
Marisa Berenson, atriz, sobre sua entrada em Barry Lyndon, de Stanley Kubrick, em depoimento dado em junho de 1999 e reproduzido no livro Conversas com Kubrick, de Michel Ciment (Cosac Naify; pg. 286).
"Nunca me ocorreu que rodar um filme inteiro em uma única sala fosse um problema. Na verdade, eu achava que poderia tirar vantagem disto. Um dos mais importantes elementos dramáticos para mim era a sensação de aprisionamento que aqueles homens deviam sentir naquela sala. Imediatamente me ocorreu um “enredo de lentes”. À medida que o filme se desenrolava, eu queria que a sala fosse parecendo cada vez menor. Isto queria dizer que eu iria aos poucos passar a usar lentes mais longas com a continuação do filme. Começando com a faixa normal (28mm a 40mm), passamos para lentes de 50mm, 75mm e 100mm. Além disso, rodei o primeiro terço do filme acima do nível do olho e depois, abaixando a câmera, rodei o segundo terço ao nível do olho e o último terço abaixo do nível do olho. Desse modo, já para o fim, o teto começava a aparecer. Não apenas as paredes se fechavam; o teto também. A sensação de crescente claustrofobia ajudou muito a elevar a tensão da última parte do filme. Na tomada final, uma exterior que mostrava os jurados deixando o tribunal, usei uma lente grande-angular, mais larga do que qualquer lente que tivesse sido usada em todo o filme. Também levantei a câmera para a posição mais elevada acima do nível do olho. A intenção era literalmente nos dar todo o ar, deixar-nos finalmente respirar, depois de duas horas cada vez mais confinadas."
Sidney Lumet, em Fazendo Filmes (Editora Rocco; pg. 80).
Meu filme é um far-west sobre o Terceiro Mundo. Isto é, fusão e mixagem de vários gêneros pois para mim não existe separação de gênero. Então fiz um filme-soma; um far-west mas também musical, documentário, policial, comédia ou chanchada (não sei exatamente) e ficção-científica. (...) Fiz um filme voluntariamente panfletário, poético, sensacionalista, selvagem, mal comportado, cinematográfico, sanguinário, pretensioso e revolucionário. Os personagens desse filme mágico e cafajeste são sublimes e boçais. Acima de tudo, a estupidez e a boçalidade são dados políticos, revelando as leis secretas da alma e do corpo explorado, desesperado, servil e subdesenvolvido. Meus personagens são, todos eles, inutilmente boçais, aliás como 80% do cinema brasileiro; desde a estupidez trágica do Corisco à cretinice do Boca de Ouro, passando por Zé do Caixão e pelos atrasados pescadores de Barravento. Assim, O Bandido da Luz Vermelha é um personagem político na medida em que é um boçal ineficaz, um rebelde importante, um recalcado infeliz que não consegue canalizar suas energias vitais.
Rogério Sganzerla, cineasta, em um manifesto sobre O Bandido da Luz Vermelha, de outubro de 1968 (Cinema de Invenção, de Jairo Ferreira; editora Azougue; pgs. 51-53).
Janek limpa o túmulo de um desconhecido, no qual se lê: “eu era quem você é. Eu sou quem você vai ser. Lembre de mim para que alguém venha a lembrar de você”.
"Durante o jantar, não consegue retirar os olhos de Tadzio, tendo até mesmo afastado o vaso de flores que enfeita a sua mesa para poder apreciá-lo melhor. Envolvido pela atenção que lhe é demandada, lembra-se de suas conversas sobre o Belo com Alfred, que surgem como se fossem uma iluminação dos sentimentos que agora experimenta e que o fazem pensar sobre as suas próprias convicções. Poderia mesmo o Belo ter surgido assim do nada, do puro acaso de uma combinação genética maravilhosamente realizada, mas que não demandou, na verdade, nenhum trabalho do espírito em sua elaboração? Mas, se negar esta possibilidade com fundamento em suas concepções artísticas, como explicar aquilo que ele tem sob seus olhos, para seu profundo deleite e prazer, fruto proibido do pecado e irresistível convite à paixão? Como explicar este súbito arrebatamento dos sentidos que não é fruto de nenhum trabalho ou exercício do espírito?"
Paulo Menezes, professor, em À Meia-luz: Cinema e Sexualidade nos anos 70 (Editora 34; pgs. 103 e 104).
"(...) no começo da década de 70, quando eu estava em Nova York pela primeira vez e já tinha feito dois ou três filmes, um dia um amigo me perguntou se já tinha visto os filmes de certo diretor japonês. Seu nome era impronunciável e eu nunca tinha ouvido falar dele. Mas meu amigo insistiu e me disse: “você vai gostar dele”. Então eu fui a uma sessão vespertina de um filme chamado Era Uma Vez em Tóquio. Este é o filme da minha vida. Claro que não esperava muito, mas a partir da primeira cena, fui atingido como nunca antes numa sala de cinema. Sentei-me com os olhos abertos, a boca escancarada, e chorei durante a maior parte do filme - mas nem percebi. Não conseguia acreditar no que via. Ali estava a história mais simples que tinha visto na vida. A história de uma família: um pai, uma mãe, seus filhos crescidos e netos. Havia ali casamentos e funerais; eles trabalhavam, comiam, conversavam, caminhavam. Nada espetacular, nada que nem de longe lembrasse uma história. Mas era mais cativante que as melhores aventuras que tinha visto até então. Fiquei ali, sentado, até o fim da última sessão do dia. Vi aquele filme quatro vezes seguidas, e ao final, eu sabia bem o nome do cineasta e tinha certeza de que não me esqueceria dele pelo resto da minha vida: Yasujiro Ozu. Ele me mostrou o que eu nem sabia que poderia existir. Algo como um paraíso perdido no cinema, onde as coisas finalmente são nada mais que elas próprias. Onde não existe medo algum, apenas a vida como ela é."
Wim Wenders, cineasta, em depoimento ao ciclo Os Filmes da Minha Vida, da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, publicado no livro Os Filmes da Minha Vida 3 (Imprensa Oficial; pgs. 24 e 25).
"Pareceu-me muito importante que o filme respeitasse a regra das três unidades: de tempo, espaço e ação. Se, em O Espelho, eu estava interessado em introduzir cenas de documentários, sonho, realidade, esperança, conjeturas e recordações sucedendo-se umas às outras naquela confusão de situações que colocam o herói em confronto com as inelutáveis questões da existência, em Stalker eu queria que não houvesse nenhum lapso de tempo entre as tomadas. Meu desejo era que o tempo e seu fluir fossem revelados, que tivessem existência própria no interior de cada quadro; para que as articulações entre as tomadas fossem nada mais que a continuidade da ação, que não implicassem nenhum deslocamento temporal, e para que não funcionassem como um mecanismo para selecionar e organizar dramaticamente o material - eu queria que o filme todo desse a impressão de ter sido feito numa única tomada. Uma abordagem simples e ascética como essa parece-me rica em possibilidades. Para ter um mínimo de efeitos exteriores, eliminei tudo que pude do roteiro. Por uma questão de princípio eu quis evitar que o espectador fosse distraído ou surpreendido por mudanças inexploradas de cena, pela geografia da ação e por um enredo muito elaborado - eu queria que a totalidade da composição fosse simples e silenciosa."
“Os franceses não são muito de fazer política. De repente dá na telha e eles vão lá e tomam a Bastilha ou passam 50 anos em guerras de religião, ou fazem a Revolução Francesa, ou partem para conquistar a Europa. Mas em geral são um povo tão pacífico quanto qualquer outro. O certo é que os franceses em geral gostam de um regime tranquilo, um regime de autoridade, uma autoridade de preferência humana, mas, em todo caso, sentem uma certa necessidade de proteção. Eles são na realidade paternalistas.” G. Bidault, ex-presidente do Conselho Nacional da Resistência.
Mais tarde, já no período sonoro do cinema sueco, Ingmar Bergman e Sjöstrom tornaram-se amigos. O segundo foi ator do primeiro em "Morangos Silvestres". O segundo também deu dicas ao primeiro. “Trabalhe de forma mais simples. Fotografe os atores de frente, eles gostam, fica melhor assim. Não brigue tão ferozmente com todo mundo, eles só ficam zangados e fazem um trabalho pior. Não faça de tudo coisas essenciais, você sufoca o público.” A declaração está em "Lanterna Mágica", de Bergman.
O Império da Paixão
3.8 25 Assista Agora"Assim como em O Império Sentidos, a história é sobre um homem e uma mulher que não hesitam em alinhar sua existência diária com seus impulsos sexuais mais profundos. Hoje em dia, nada me interessa tanto quanto abordar as várias formas que o amor pode assumir com pessoas que só podem ser salvas por esse amor.
(...)
O espaço em Sentidos foi delineado pelas diferentes salas de amor. Foi criado artificialmente, completamente projetado para voluptuosidade. Por outro lado, em Paixão tudo é sobre a natureza. Seki tem uma casa onde mora com o marido, e Toyoji um pequeno casebre que compartilha com seu irmão mais novo. Nenhum desses lugares é artificial. Os dois amantes vivem com medo porque se sentem constantemente ameaçados pela natureza. Estou tentando descrever a condição humana em seu estágio primordial. Nesse sentido, meu novo filme remonta às raízes de toda a vida, muito mais profundamente do que Sentidos fez. Os amantes parecem lançados no inferno por causa de seus impulsos sexuais, mas na minha opinião, o estrondo da terra, o murmúrio do vento, o farfalhar das árvores, o canto dos pássaros e insetos, enfim, toda a natureza, está guiando o casal para o inferno. E o próprio fantasma é parte da natureza. Nem o sexo nem o amor têm qualquer significado. A vida em si não tem significado. E se não tem significado, não é um inferno? Tudo o que posso fazer é expressar e projetar diante de você essa vida humana desprovida de qualquer significado, esse inferno que para mim é sempre lindo."
Nagisa Oshima, cineasta, em entrevista a Michael Henry, na revista Positif, reproduzida no site do selo The Criterion Colletion.
2001: Uma Odisseia no Espaço
4.2 2,4K Assista Agora"Sem qualquer perspectiva de dispor de fetos abortados reais, no outono de 1967 Kubrick decidiu produzir o espectral Filho dos Estrelas da sequência final do filme na MGM, e recrutou Liz Moore, escultora jovem e talentosa. Moore, que ajudara Stuart Freeborn [chefe de maquiagem] com os trajes dos homens-macacos, tinha feito certo nome ainda como estudante, esculpindo bustos dos Beatles em argila. Naquele verão, ela produziu uma versão em argila de um feto humano com traços assustadoramente semelhantes a Keir Dullea. Conforme as exigências de Kubrick, ele deveria ter uma cabeça anormalmente grande, para representar a etapa evolutiva seguinte da humanidade.
(...)
Depois de moldada e reproduzida como um manequim oco, em resina cor de pele e com quase oitenta centímetros, Johnson [Brian Johnson, assistente de efeitos especiais] começou a trabalhar na escultura, inserindo os olhos de vidro através de uma tampa cranial removível. Conectando-os a pequenas hastes, ele os automatizou, prendendo-os a um suporte controlado por motor Selsyn - a onipresente ferramenta de controle de movimentos de 2001.
(...)
No início de novembro eles posicionaram o Filho das Estrelas no estúdio, cercado de veludo preto, e fizeram uma série de testes de câmera. Mas a imagem resultou excessivamente definida, precisando de um tratamento pesado de difusão. Então, empregaram outra arma secreta de efeitos visuais do filme. Ela foi “fornecida por Geoff Unsworth [diretor de fotografia], que a chamava de ‘gaze de antes da guerra’”, lembrou Trumbull [Douglas Trumbull, supervisor de efeitos especiais]. “Ele tinha um estoque limitado e secreto dessa gaze de antes da guerra, que parecia com as meias de seda de 1938 e criava um brilho muito bonito. Foi usada no Filho das Estrelas e em muitas outras tomadas do filme.”
(...)
A escultura de Moore foi refilmada, dessa vez atrás de quinze camadas de gaze, lembrou Trumbull, “com cerca de 40 mil watts de luz de fundo, algo como quatro holofotes, para iluminar suas bordas; e conseguimos um tremendo brilho trabalhando com superexposição (...)”"
Michael Benson, escritor, em 2001: Uma Odisseia no Espaço - Stanley Kubrick, Arthur C. Clarke e a Criação de uma Obra-prima (Editora Todavia; pgs. 390 e 391).
O Evangelho Segundo São Mateus
4.0 89"A primeira novidade desta vida de Cristo era o contexto: a Judéia era um país miserável, colônia romana. Nada do luxo visto nos filmes de Cecil B. DeMille. Cristo era homem do povo, vestido pobremente. Os governantes hebreus a serviço do imperialismo romano. Cristo surgia subversivo, capaz de atirar o povo contra os vendilhões da pátria.
Há uma trama que mistura moralismo com medo político - Cristo é traído por um dos seus, crucificado e na hora da morte grita desesperado:
-Pai, por que me desamparastes?
O Cristo de Pasolini é forte, viril, sem complacência para com opressores e canalhas. Cristo é violentíssimo. Na pregação usa tom incisivo de agitador social."
Glauber Rocha, cineasta, em O Século do Cinema (Cosac Naify; pg. 278).
Dark Star
3.3 64 Assista Agora"O que fizemos com essa bola de praia gigante foi colocar um desentupidor de banheiro para segurá-la, pintá-la, e fotografar o topo da sua superfície (...) Alguém que ajudava na filmagem carregava uma dessas bolas de praia infladas e eu e [Dan] O’Bannon imediatamente nos olhamos e dissemos: “e se o alien que teoricamente está a bordo se parecesse com uma bola de praia com pernas?” Então pensamos que um dos personagens teria que tomar conta dele e essa é sua origem (...) Pintamos a bola com spray, colocamos garras de monstro debaixo dela e o Nick Castle ficava atrás mexendo suas garras para que ela tivesse uma espécie de vida."
John Carpenter, cineasta, sobre a criação do alienígena de "Dark Star" (em "Rápido, Barato e Sob Controle"; TZ Editora, pg. 79).
A Bela da Tarde
4.1 341 Assista Agora"De todas as perguntas frívolas que me fizeram sobre meus filmes, uma das mais frequentes, das mais obsessivas, diz respeito à pequena caixinha que um cliente asiático leva consigo ao bordel. Ele a abre e mostra às garotas o que contém (nós não vemos). As garotas recusam com gritos de horror, exceto Séverine, na verdade interessada. Não sei quantas vezes me perguntaram, sobretudo mulheres: “O que tinha nessa caixinha?”. Como não faço a mínima ideia, a única resposta possível é: “O que você quiser”."
Luis Buñuel, cineasta, sobre um objeto famoso de "A Bela da Tarde", em "Meu Último Suspiro" (Cosac Naify; pg. 337).
Em Busca do Ouro
4.4 276 Assista Agora"Tive momentos de agonia tentando achar motivação para criar Em Busca do Ouro. Eu me perguntava: o que fazer? No filme Em Busca do Ouro você encontra ouro. E daí? O que acontece depois? Como são entediantes as histórias do Norte e do Alasca. Para transformar esta história em uma comédia, comecei a pensar em neve. Pensei em congelamento, no Vagabundo tirando as meias e elas ficando duras, suas calças duras, tudo isso. E depois, o que acontece? Aí encontrei uma situação única: a fome. Tive a ideia a partir da leitura a respeito de um grupo que se perdeu nas montanhas e morreu de fome, que cometeu canibalismo, comeu cadarços de sapatos e tudo mais. Então, pensei: “Sim, existe algo de engraçado nisso tudo”."
Charles Chaplin, cineasta e ator, em 1967 (a declaração está na edição de Em Busca do Ouro da Coleção Folha Charles Chaplin; pg. 22).
A Aventura
4.1 112 Assista Agora“Eu odeio os mecanismos artificiais da narração cinematográfica convencional. A vida tem um ritmo completamente diferente, às vezes rápido, às vezes extremamente lento. Em uma história sobre sentimentos, como A Aventura, senti a necessidade de ligar sentimentos ao tempo. Seu próprio tempo. Quanto mais vezes vejo A Aventura, mais estou convencido de que encontrei o ritmo certo, não acho que poderia ter tido outro ritmo além do que tem.
(...)
Enquanto eu estava filmando, passei por cinco meses extraordinários. Extraordinários porque eram violentos, exaustivos, obsessivos, muitas vezes dramáticos, angustiantes, mas acima de tudo satisfatórios. E eu acho que no filme você percebe isso. O mais difícil para mim foi me desligar de todas as coisas que poderiam dar errado - e muitas coisas deram errado. Nós filmamos sem um produtor, sem dinheiro e sem comida, muitas vezes arriscando nossos pescoços no mar, nas tempestades. Tudo isso mudou as relações entre nós, sejam pessoais ou profissionais. Nós assistimos a incríveis e belos fenômenos naturais. A minha maior dificuldade, digo de novo, era me isolar de tudo o que estava acontecendo, de modo que apenas o essencial fosse filtrado para o filme - de modo que tivesse sua própria atmosfera, separado do que estávamos passando na vida real. Eu costumava levantar todos os dias às três da manhã só para ficar sozinho, em paz e conseguir refletir sobre o que estávamos fazendo.”
Michelangelo Antonioni, diretor de A Aventura, em entrevista a François Maurin em setembro de 1960 (em reprodução no site Cinephilia & Beyond).
O Pecado Mora ao Lado
3.7 423 Assista Agora"A filmagem da cena que fiz com ela [Marilyn Monroe] sobre o respiradouro atraiu a atenção de todo mundo. Havia 20 mil pessoas, o trânsito estava um caos, houve uma crise conjugal [refere-se às brigas da atriz com seu então marido, Joe DiMaggio].
(...)
Joe DiMaggio estava em Nova York quando filmamos a cena do respiradouro na Lexington Avenue e provocamos aquele inimaginável ajuntamento de gente. Ele estava num bar algumas quadras acima, com um amigo, o investidor nova-iorquino George Solitaire. O colunista Walter Winchell os arrastou então para o local da filmagem, onde DiMaggio não somente ouviu os gritos sujos ou encorajadores da multidão, como também viu (teve de ver!) como Marilyn estava gostando daquela exibição pública. Admito que eu também ficaria um pouco preocupado se 20 mil pessoas estivessem observando uma única coisa: o vestido de minha mulher subindo acima de sua cabeça. Quis a ironia que eu tivesse de refilmar uma tomada da cena no estúdio - o respiradouro não trazia ar suficiente, nem mesmo quando instalamos um ventilador suplementar."
Billy Wilder, diretor de "O Pecado Mora ao Lado", que contém essa cena, considerada uma das mais icônicas do cinema americano. O relato está na bibliografia de Wilder, "Billy Wilder: E o Resto é Loucura", de Hellmuth Karasek (Editora DBA; pgs. 399 e 400).
Scarface, a Vergonha de uma Nação
4.0 117 Assista Agora"De onde surgiu a história de Scarface?
[Howard] Hughes tinha uma história sobre dois irmãos. Um era policial, e o outro, gângster. A mesma história que já ouvimos centenas de vezes. Ele queria que eu a fizesse. Tive uma ideia e disse a Ben Hecht: “Você faria um filme?”. Ben reagiu: “O quê?”. E eu disse: “Um filme de gângsteres”. Ele respondeu: “Você não vai querer fazer isso”. E eu disse: “Ora, Ben, este caso é um pouco diferente. É a família Borgia na Chicago atual, e Tony Camonte é César Borgia”. E ele respondeu: “Começamos amanhã de manhã”. Gastamos onze dias para escrever a história e os diálogos. Aí mostramos para Hughes; ele deu um sorrisinho e disse: “Esta é uma história e tanto. Cadê o irmão?”. “Bem, Howard”, respondi, “você pode usar aquela história de novo.” E ele perguntou: “E quanto ao elenco?”. “Não sei, não temos acesso a ninguém. Todos os bons atores e atrizes estão sob contrato, e os estúdios não vão emprestá-los. Acho melhor ir até Nova York.” Ele respondeu: “Ok. Mantenha-me informado”.
Assim, fui a Nova York e encontrei Paul Muni no teatro judaico no centro da cidade, perto da rua 29. Vi Osgood Perkins numa peça, protagonizando uma história de amor. Vi George Raft numa luta de boxe. Ann Dvorak era corista na Metro-Goldwyn, ganhando 40 dólares por semana; livrei-a do seu contrato porque um vice-presidente da Metro-Goldwyn gostava de mim. Karen Morley saía com um sujeito que eu conhecia, e eu a achava atraente. Boris Karloff tinha acabado de fazer The Criminal Code. Ele disse: “Não me importa que seja pequeno - quero um papel no filme”. Ele julgou que seria bom para ele. Vince Barnett estivera trabalhando como garçom - insultava pessoas no Coconut Grove. Assim, reunimos alguns atores, dirigimo-nos a um estúdio pequeno e empoeirado e o abrimos. Éramos uma entidade em nós mesmos, e fizemos um filme. A coisa toda foi um desafio, e foi tudo muito divertido. O filme resultou muito bom e se tornou uma espécie de lenda."
Howard Hawks, diretor de Scarface: A Vergonha de uma Nação, em entrevista ao crítico e cineasta Peter Bogdanovich, em Afinal, Quem Faz os Filmes (Companhia das Letras; pgs. 327 e 328). Nos créditos de Scarface, Ben Hecht aparece como criador da história do filme, a partir da obra de Armitage Trail, que morreu antes de o filme ser lançado, em 1930, aos 28 anos. Hawks não foi creditado como roteirista.
A Doce Vida
4.2 316 Assista Agora"Numa noite de novembro de 1958, um jovem aristocrata romano festeja seu aniversário numa boate da moda, Rugantino. Muito frequentada pela juventude dourada, o lugar acolhe também as estrelas do cinema, os escritores, os intelectuais… Nessa noite, Anita Ekberg faz a temperatura subir ao se lançar descalça numa dança endiabrada. Querendo ir além da estrela, Aiché Nanà, uma jovem atriz sedenta de fama, leva o público à loucura, entregando-se a um striptease incendiário. O evento causa escândalo. Misturado ao público, Tazio Secchiaroli, um dos primeiros fotógrafos de celebridades, imortaliza a cena, que no dia seguinte vira manchete das revistas. A Itália, inquieta com a decadência de sua alta sociedade, fica indignada. Em plena redação do roteiro de A Doce Vida, Fellini inspira-se no acontecimento para criar a cena do striptease da atriz Nadia Gray."
Trecho do catálogo da exposição Tutto Fellini, sob curadoria de Sam Stourdzé, no Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro e no Sesc Pinheiros, em 2012 (tradução de Cecília Ciscato e Samuel Titan Jr.; pg. 56).
A Fábrica de Nada
3.6 14 Assista Agora“Se você quer fazer uma divisão no mundo, de grupos opostos, não é entre esquerda e direita. Mas, de um lado, os que estão de acordo com este mundo, os que aceitam isso tudo, e, do outro, os que estão dispostos a abdicar de conforto, de telefones celulares, das viagens à lua, dos tupperwares. E a notícia triste que eu tenho para você é que ninguém está disposto a abdicar disso. Ninguém está deste lado.” José Smith Vargas
A Professora de Piano
4.0 685 Assista Agora"No caso de A Professora de Piano, não sou de bancar a falsa modesta, sei que tenho a capacidade de interpretar algo bastante opaco e, ao mesmo tempo, muito frágil. Muito do sucesso obtido pelo filme se deve à opacidade, à hipótese de uma violência, de uma brutalidade, mesmo de uma monstruosidade. Se interpreto Medeia ou A Professora de Piano, não faço nunca economia de monstruosidade, da maldade que há nesses personagens, e sei onde colocar a fragilidade, onde está o ponto de ruptura no qual podemos nos reconhecer. Isso é o essencial.
(...)
É a história de alguém que de nenhuma maneira quer ser considerado como objeto sexual, que quer ser mestre de seu desejo, de seus sentimentos, de seu amor. Como atriz me senti bastante protegida por tudo isso. Não me sentia como um brinquedo, nem do diretor, do ator com quem contracenava ou mesmo do tema do filme. Foi um papel adulto para mim. Não era simplesmente um sofrimento mudo, era algo bastante ativo.
(...)
A personagem de A Professora de Piano é alguém que reflete, calcula, e que habita seu cálculo. É um filme sobre o controle e a perda de controle. Num certo momento, ela perde o controle de algo que quer evitar, mas não consegue."
Isabelle Huppert, atriz e protagonista de A Professora de Piano, em entrevista ao jornalista Fernando Eichenberg no livro Entre Aspas volume 1 (L± pgs. 322, 323 e 324).
Marnie, Confissões de uma Ladra
3.7 187 Assista Agora"Eu gostava sobretudo da ideia de mostrar um amor fetichista. Um homem quer dormir com uma ladra porque ela é uma ladra, como outros têm vontade de dormir com uma chinesa ou com uma negra. Infelizmente esse amor fetichista não foi tão bem transposto para a tela como o de Jimmy Stewart por Kim Novak em Um Corpo que Cai. Para falar cruamente, seria preciso mostrar Sean Connery flagrando a ladra diante do cofre-forte e tendo vontade de pular em cima dela e violentá-la ali mesmo."
Alfred Hitchcock, cineasta, em entrevista a François Truffaut, no livro Hitchcock Truffaut (Companhia das Letras; pg. 303).
Barry Lyndon
4.2 400 Assista Agora"Ele tinha me visto em Cabaret e pensava que eu fosse alemã, por causa do meu sotaque no filme de Bob Fosse. Ele ligou para Stanley Donen, que me conhecia muito bem, desde que eu era criança, pois era amigo de meus pais na Suíça. E ele me avisou que Kubrick ia me telefonar, pois queria que eu trabalhasse em seu próximo filme. Quando ele entrou em contato comigo, começou me falando, durante horas, de minha interpretação em Cabaret, com uma riqueza incrível de detalhes. Fiquei tão espantada que não consegui dizer uma palavra! No fim, me disse que estava preparando um filme sobre o século 18, e queria que eu interpretasse uma condessa inglesa, ele me enviaria o livro de Thackeray para que eu lhe dissesse o que pensava dele. Seis meses mais tarde, eu o conheci pessoalmente, quando fui viver em Londres para a preparação do filme. Fiquei lá dois ou três meses para aprender a dançar minueto, a usar um leque à maneira da época, a aperfeiçoar o sotaque de uma aristocrata inglesa, a cavalgar sentada de lado. Depois experimentei as roupas, a maquiagem, a peruca etc. Então ele me pediu para ir à Irlanda, onde se passava a primeira parte do filme, em que eu não aparecia. Fiquei três meses lá, sem filmar nada, e, quando lhe perguntei se podia voltar para casa no Natal, ele me disse para ficar ali, pois poderia precisar de mim no dia seguinte! Queria que seus atores estivessem sempre presentes, caso mudasse de ideia, pois não havia um roteiro totalmente escrito, e todos os dias ele fazia modificações."
Marisa Berenson, atriz, sobre sua entrada em Barry Lyndon, de Stanley Kubrick, em depoimento dado em junho de 1999 e reproduzido no livro Conversas com Kubrick, de Michel Ciment (Cosac Naify; pg. 286).
Contos Imorais
2.9 43 Assista Agora“Agora você entenderá os mistérios da maré.”
12 Homens e Uma Sentença
4.6 1,2K Assista Agora"Nunca me ocorreu que rodar um filme inteiro em uma única sala fosse um problema. Na verdade, eu achava que poderia tirar vantagem disto. Um dos mais importantes elementos dramáticos para mim era a sensação de aprisionamento que aqueles homens deviam sentir naquela sala. Imediatamente me ocorreu um “enredo de lentes”. À medida que o filme se desenrolava, eu queria que a sala fosse parecendo cada vez menor. Isto queria dizer que eu iria aos poucos passar a usar lentes mais longas com a continuação do filme. Começando com a faixa normal (28mm a 40mm), passamos para lentes de 50mm, 75mm e 100mm. Além disso, rodei o primeiro terço do filme acima do nível do olho e depois, abaixando a câmera, rodei o segundo terço ao nível do olho e o último terço abaixo do nível do olho. Desse modo, já para o fim, o teto começava a aparecer. Não apenas as paredes se fechavam; o teto também. A sensação de crescente claustrofobia ajudou muito a elevar a tensão da última parte do filme. Na tomada final, uma exterior que mostrava os jurados deixando o tribunal, usei uma lente grande-angular, mais larga do que qualquer lente que tivesse sido usada em todo o filme. Também levantei a câmera para a posição mais elevada acima do nível do olho. A intenção era literalmente nos dar todo o ar, deixar-nos finalmente respirar, depois de duas horas cada vez mais confinadas."
Sidney Lumet, em Fazendo Filmes (Editora Rocco; pg. 80).
O Bandido da Luz Vermelha
3.9 264 Assista AgoraMeu filme é um far-west sobre o Terceiro Mundo. Isto é, fusão e mixagem de vários gêneros pois para mim não existe separação de gênero. Então fiz um filme-soma; um far-west mas também musical, documentário, policial, comédia ou chanchada (não sei exatamente) e ficção-científica. (...) Fiz um filme voluntariamente panfletário, poético, sensacionalista, selvagem, mal comportado, cinematográfico, sanguinário, pretensioso e revolucionário. Os personagens desse filme mágico e cafajeste são sublimes e boçais. Acima de tudo, a estupidez e a boçalidade são dados políticos, revelando as leis secretas da alma e do corpo explorado, desesperado, servil e subdesenvolvido. Meus personagens são, todos eles, inutilmente boçais, aliás como 80% do cinema brasileiro; desde a estupidez trágica do Corisco à cretinice do Boca de Ouro, passando por Zé do Caixão e pelos atrasados pescadores de Barravento. Assim, O Bandido da Luz Vermelha é um personagem político na medida em que é um boçal ineficaz, um rebelde importante, um recalcado infeliz que não consegue canalizar suas energias vitais.
Rogério Sganzerla, cineasta, em um manifesto sobre O Bandido da Luz Vermelha, de outubro de 1968 (Cinema de Invenção, de Jairo Ferreira; editora Azougue; pgs. 51-53).
A Estrutura De Cristal
3.8 6 Assista AgoraJanek limpa o túmulo de um desconhecido, no qual se lê: “eu era quem você é. Eu sou quem você vai ser. Lembre de mim para que alguém venha a lembrar de você”.
Morte em Veneza
4.0 210 Assista Agora"Durante o jantar, não consegue retirar os olhos de Tadzio, tendo até mesmo afastado o vaso de flores que enfeita a sua mesa para poder apreciá-lo melhor. Envolvido pela atenção que lhe é demandada, lembra-se de suas conversas sobre o Belo com Alfred, que surgem como se fossem uma iluminação dos sentimentos que agora experimenta e que o fazem pensar sobre as suas próprias convicções. Poderia mesmo o Belo ter surgido assim do nada, do puro acaso de uma combinação genética maravilhosamente realizada, mas que não demandou, na verdade, nenhum trabalho do espírito em sua elaboração? Mas, se negar esta possibilidade com fundamento em suas concepções artísticas, como explicar aquilo que ele tem sob seus olhos, para seu profundo deleite e prazer, fruto proibido do pecado e irresistível convite à paixão? Como explicar este súbito arrebatamento dos sentidos que não é fruto de nenhum trabalho ou exercício do espírito?"
Paulo Menezes, professor, em À Meia-luz: Cinema e Sexualidade nos anos 70 (Editora 34; pgs. 103 e 104).
Era uma Vez em Tóquio
4.4 187 Assista Agora"(...) no começo da década de 70, quando eu estava em Nova York pela primeira vez e já tinha feito dois ou três filmes, um dia um amigo me perguntou se já tinha visto os filmes de certo diretor japonês. Seu nome era impronunciável e eu nunca tinha ouvido falar dele. Mas meu amigo insistiu e me disse: “você vai gostar dele”. Então eu fui a uma sessão vespertina de um filme chamado Era Uma Vez em Tóquio. Este é o filme da minha vida. Claro que não esperava muito, mas a partir da primeira cena, fui atingido como nunca antes numa sala de cinema. Sentei-me com os olhos abertos, a boca escancarada, e chorei durante a maior parte do filme - mas nem percebi. Não conseguia acreditar no que via. Ali estava a história mais simples que tinha visto na vida. A história de uma família: um pai, uma mãe, seus filhos crescidos e netos. Havia ali casamentos e funerais; eles trabalhavam, comiam, conversavam, caminhavam. Nada espetacular, nada que nem de longe lembrasse uma história. Mas era mais cativante que as melhores aventuras que tinha visto até então. Fiquei ali, sentado, até o fim da última sessão do dia. Vi aquele filme quatro vezes seguidas, e ao final, eu sabia bem o nome do cineasta e tinha certeza de que não me esqueceria dele pelo resto da minha vida: Yasujiro Ozu. Ele me mostrou o que eu nem sabia que poderia existir. Algo como um paraíso perdido no cinema, onde as coisas finalmente são nada mais que elas próprias. Onde não existe medo algum, apenas a vida como ela é."
Wim Wenders, cineasta, em depoimento ao ciclo Os Filmes da Minha Vida, da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, publicado no livro Os Filmes da Minha Vida 3 (Imprensa Oficial; pgs. 24 e 25).
Stalker
4.3 503 Assista Agora"Pareceu-me muito importante que o filme respeitasse a regra das três unidades: de tempo, espaço e ação. Se, em O Espelho, eu estava interessado em introduzir cenas de documentários, sonho, realidade, esperança, conjeturas e recordações sucedendo-se umas às outras naquela confusão de situações que colocam o herói em confronto com as inelutáveis questões da existência, em Stalker eu queria que não houvesse nenhum lapso de tempo entre as tomadas. Meu desejo era que o tempo e seu fluir fossem revelados, que tivessem existência própria no interior de cada quadro; para que as articulações entre as tomadas fossem nada mais que a continuidade da ação, que não implicassem nenhum deslocamento temporal, e para que não funcionassem como um mecanismo para selecionar e organizar dramaticamente o material - eu queria que o filme todo desse a impressão de ter sido feito numa única tomada. Uma abordagem simples e ascética como essa parece-me rica em possibilidades. Para ter um mínimo de efeitos exteriores, eliminei tudo que pude do roteiro. Por uma questão de princípio eu quis evitar que o espectador fosse distraído ou surpreendido por mudanças inexploradas de cena, pela geografia da ação e por um enredo muito elaborado - eu queria que a totalidade da composição fosse simples e silenciosa."
Andrei Tarkovski
A Tristeza e a Piedade
3.8 15“Os franceses não são muito de fazer política. De repente dá na telha e eles vão lá e tomam a Bastilha ou passam 50 anos em guerras de religião, ou fazem a Revolução Francesa, ou partem para conquistar a Europa. Mas em geral são um povo tão pacífico quanto qualquer outro. O certo é que os franceses em geral gostam de um regime tranquilo, um regime de autoridade, uma autoridade de preferência humana, mas, em todo caso, sentem uma certa necessidade de proteção. Eles são na realidade paternalistas.” G. Bidault, ex-presidente do Conselho Nacional da Resistência.
O Fora-da-lei e Sua Mulher
4.0 7Mais tarde, já no período sonoro do cinema sueco, Ingmar Bergman e Sjöstrom tornaram-se amigos. O segundo foi ator do primeiro em "Morangos Silvestres". O segundo também deu dicas ao primeiro. “Trabalhe de forma mais simples. Fotografe os atores de frente, eles gostam, fica melhor assim. Não brigue tão ferozmente com todo mundo, eles só ficam zangados e fazem um trabalho pior. Não faça de tudo coisas essenciais, você sufoca o público.” A declaração está em "Lanterna Mágica", de Bergman.
Até o Último Homem
4.2 2,0K Assista AgoraAté Angelina Jolie faria melhor. Fraquinho.