A ideia do filme é, à primeira vista, interessante. Reunir uma discussão acerca da infidelidade através de diversas perspectivas, criando dessa forma, um panorama atemporal sobre o assunto. O problema é que o filme funciona muito mal. Todo o seu despojo em tratar o assunto enfraquece sua parte nobre de discussão (ou seja, a graça não é inerente à discussão), sobrando muito mais um filme de amigos se divertindo falando sobre uma sociedade elitista sexista adultera, do que uma obra que realmente quer entender e debater um tema que não envelhece, ou acrescentar algo novo para essa discussão. A preguiça cria um alicerce enfraquecido, e o que sobra, é uma construção capenga, pronta para desmoronar.
A França exporta o que tem de pior no cinema “videoclipado” de Hollywood e faz da saga de um grupo de amigos, uma verdadeira aberração musical, ainda que vez ou outra, tenta criar o clima pesado com introspecção e silencio. Parecem existir dois filmes, feito por dois diretores que acreditam em suas coisas totalmente distintas na forma de fazer cinema: um adepto a atingir de forma fácil a emoção do espectador, e outro, que segue a linha de um cinema mais naturalista, que explora e admira o som do ambiente e o tempo de silencio no intervalo entre os personagens. Apesar das quase duas horas e meia de filme, ele realmente não é cansativo, pois superficialidade não cansa, e quando não se tem o que absorver, basta ser um observador.
Somente ser entusiasta do rock, não é suficiente para tornar ROCK OF AGES o grande filme que mereceria ser. Ao criar um mosaico amplo demais, Shankman perde o controle e a uniformidade entre os pequenos contos que permeiam o filme. O pior de tudo isso é perceber como funciona bem o romance central, entre a jovem garota do interior que vai tentar a vida em Los Angeles, e o jovem aspirante a músico que trabalha no bar. Os dois personagens são rasos, mas em conjunto – e muito pela química entre os atores – criam uma história convincente, encantadora e verdadeiramente romântica. Todas as outras histórias – do astro vivido por Tom Cruise até o casal homossexual vivido Baldwin e Russel – funcionam muito mal e somente contribuem para encalhar a narrativa, truncar pelo desinteresse.
Anderson retoma a jornada de jovens incompreendidos, com doses cavalares de melancolia, e um paradoxo profundo entre amargura e doçura. Como habitual em seus filmes, o diretor cria uma penca de personagens – e reside na exploração de cada um, sua fragilidade. O único filme que conseguiu dimensionar de forma harmoniosa todos os personagens, foi o ótimo “Os Excêntricos Tenenbaums” (seu melhor filme), até por centralizar tudo em uma família disfuncional, o que fortalece na percepção da sinergia conceitual. Aqui temos um filme que classificaria como o mais acessível do diretor, aquele onde todas as peças são mais claras, e seu significado mais evidente – o que pode torná-lo, naturalmente, mais popular.
Quanto tempo faz que se fala sobre os rumos da humanidade? Sempre temos algo ou alguém para culpar pelo mundo corrompido pelo poder, destruído pela ignorância humana, devastado pela falta de altruísmo (pauta constante do cinema de Kelly Reichardt, por exemplo). A formação de vilões e heróis é concebida por aspectos inerentes a sua própria existência: quem faz o mal, o faz por sua formação cultural, pela interelação de acontecimentos de sua vida. Isso o faz enveredar por um caminho, “o bom” ou “o ruim” – e as experiências vividas que determinarão esse trajeto, de acordo com os sentimentos constituírem a pessoa. Já aprendemos que grandes poderes trazem grandes responsabilidades, mas acima disso, nossa responsabilidade é intrínseca a nossa formação. Nessa esfera que o escritor e diretor, Johnson, reflete seu propósito em LOOPER. Toda essa história de viagem no tempo, a paradoxal existência de uma pessoa ocupando dois espaços em um único tempo, é acessório, é a brincadeira lúdica, é uma roupagem para dar corpo a uma narrativa complexa onde sua proposição é maior que qualquer ferramenta (eis aqui o grande diferencial entre o cinema de Johnson e o cinema de Nolan, por exemplo), ou seja, a narrativa é um recurso, e sua ideia é realmente o que importa. Contra qualquer paradigma que cria um cinema estruturado de forma esquemática, burocrática, Johnson desenvolve um filme onde após seu termino o que vamos discutir não é a historinha, não é a ordem dos acontecimentos, não é se tal personagem é carismático, se as cenas de ação são legais, se os efeitos especiais são virtuosos, ou se o filme conseguiu construir humor e ação com inteligência. A grande discussão de LOOPER será na concepção de sua ideia, daquilo que transmite, da forma com que mexe com o espectador, persuadindo através de nossas emoções, para logo em seguida contrapor, nos mostrar como a racionalidade é a fonte da sabedoria. Para se ter uma ideia, não sabemos durante todo o filme para quem devemos torcer: o Joe do futuro, o Joe da “atualidade”, o garoto, a mulher. É tudo misterioso, quase um “noir” – alias, diria que É um “noir moderno” - que foge das armadilhas e vícios do gênero, tornando-se assim, imprevisível. E por não ter exatamente claro quem são os heróis e vilões, no terceiro ato vamos constantemente sendo surpreendidos não por reviravoltas, mas como o filme vai revelando como somos seres precipitados para criar ódio, alimentar sentimentos negativos, e até mesmo, comprar facilmente ideias onde assassinatos parecem à solução mais plausível – para logo em seguida, mostrar empiricamente, como estávamos equivocados no raciocínio, e temos dificuldade em assimilar altruísmo. Em um mundo onde se fala constantemente sobre a paz, LOOPER revela, de forma contundente, como estamos longe dela – mas deixa um recado importante para reflexão, além de um fio de esperança. Não é necessariamente um filme para se divertir, curtir com a galera, esperar adrenalina – é o cinema em seu mais puro estado de arte, levando para as telas a essência conceitual de George Orwell e Philip K. Dick, como nunca a própria adaptação da obra desses autores conseguiu.
Em um ano até agora tão apático, LOOPER está muito acima do que se tem produzido.
Quando não se cria a empatia pelo protagonista, o filme precisa ter uma trama muito convincente e envolvente para prender o espectador. No caso desse O SOLTEIRÃO, de Baumbach do ótimo A LULA E A BALEIA, seu pouco inspirador protagonista não é ajudado pela insípida rede de acontecimentos. A vida letárgica do personagem, não se torna interessante nem mesmo na criação de um paralelo com a vida da personagem de apoio vivida por Greta Gerwig , muito mais interessante que o protagonista, por sinal. Em meio à zona de conforto de estar na tipicidade do cinema indie norte-americano, difícil encontrar algo aproveitável.
Até a chegada do terceiro ato, é difícil entender – integralmente – sobre o que é PARANORMAN. Ele é um garoto deslocado, que vive isolado devido ao seu dom paranormal – o que acaba sendo motivo de chacota não somente na escola, como também em seu lar. Basicamente, isso que parece ser o filme durante um bom tempo: essa coisa simples e despretensiosa sobre uma pessoa marginalizada na comunidade em que vive. É divertido, é engraçado, e por alguns momentos, bastante assustador para crianças – algo típico dos realizadores, que já haviam surpreendido com o CORALINE, e sua atmosfera bizarra e soturna. Porém, no segundo ponto de virada, somos levados às verdadeiras e nobres intenções do filme, que nos envolve através da emoção de uma pessoa que não é má por natureza, mas que foi permeada de sentimentos ruins, pelas injustiças sociais que lhe atingiu. Um filme infantil que não é ótimo por ser esperto, moderno, ou inovador – mas sim, por carregar uma maturidade rara no gênero, que nos remete mais ao cinema de Miyazaki e Chomet, do que dos americanos Pixar e Dreamworks.
Impressionante como “360” é primoroso na criação de sua superfície, mas é falho e rasteiro quando precisa imergir naquelas histórias. Pior que isso, é parecer que o filme, definitivamente, sequer tem interesse em ir muito longe – se aprofundar, investigar com intensidade, o que se passa, essencialmente, com aquelas pessoas. O filme abre uma ideia de bifurcação, com dois caminhos para trilhar, e isso já nos dá indícios de que terá, por conceituação e definição, um filme muito mais sugestivo do que conclusivo – e isso não é um problema, e nem mesmo, a amarração das narrativas, a criação de elos. O problema reside na forma que ficamos unicamente presos naqueles momentos, negligenciando o que moveu aqueles personagens e, forçadamente, criando um processo de envolvimento tão vazio quanto à existência daquelas pessoas. Vejo muito mais problema no texto de Morgan do que na direção de Meirelles (abandona o calor intenso, para criar um paradoxo perfeito entre leveza/serenidade e peso), que tem como falha, se prender tempo demais em cada uma das histórias, ficando uma constante sensação de abandono – que faz parte da sugestão causada pela bifurcação, mas como fica difícil extrair algo do conjunto, a sensação nítida é de que “360” tem pequenas grandes coisas para dizer, mas quando pensamos uniformemente, não nos diz nada.
O tom desafiante de “Trabalho Interno” não é mero enfeite. Seu realizador, Charles Ferguson, é um criador de conflito brilhante, já que suas entrevistas partem de um fio condutor de informação, que chega até um improvável duelo argumentativo, e extremamente severo, com os participantes. Por conta disso, não é incomum vermos nas telas envolvidos que não aceitaram participar do filme, e também, alguns que passam a ser rudes e desistem, no ato, de participar e dar informações/opiniões. Ferguson não se acanha em causar constrangimento ou mesmo dizer, sem delicadeza alguma, que o entrevistado está mentindo – apresentado contraprovas documentadas ao que está sendo falado. Munido com muitas informações, além de livros e relatos, o cineasta é um destemido imperdoável: atira na tela todos os problemas do capitalismo, a omissão e cumplicidade das autoridades com as corporações, além de ser conclusivo ao apontar quem são os beneficiados. Seu tom apocalíptico no final justifica-se quando descobrimos que os membros da gangue que acabou com muitos empregos, frearam economias e elevou o nível de miséria, continuam levando suas vidas numa boa, aguardando uma próxima oportunidade para sabotar o mundo.
Esse documentário sobre o Harrison é co-irmão do “No Direction Home”, seja na incessante busca de Scorsese por cruzar a personalidade artística com o lado humanista mais profundo daquelas pessoas, como também no cruzamento da história de Bob Dylan com os Beatles. Scorsese tem um amplo material em mãos, e quase de forma capitulada (a forma mais fácil de ter controle narrativo), vai conduzindo o documentário com informações que nos levam de um George que vivia as sombras de Paul e John, até um artista notável e, de certa forma, discreto e totalmente irreverente. O único problema aqui são as quebras de ritmo que o filme sofre (principalmente na segunda parte, quando Harrison se envolve com os elementos transcendentais), algo que no de Dylan, é muito menos sentido.
Artesanalmente ortodoxo e inseguramente redundante, assim termina a idolatrada trilogia “épica” de Nolan: a sua cara e a sua maneira (bom para quem gosta, e continua ruim para quem não gosta), um blockbuster vazio cheio de grife e atmosfera, mas sem uma ideia consistente, sem uma percepção, oticamente estrábico – enrola-se com acessórios narrativos fúteis que criam uma falsa sensação de cinema substancial. Sua insegurança e redundância conflituosa entre imagem e texto (dessa vez, ao menos, evacuando de seu cinema os elementos - principalmente textuais - evasivos), voltam a incomodar, pois a narrativa fica travada para a cada final de cena, que culmina com algum personagem descrevendo ou explicando tudo o que vimos e justificando a existência e tais momentos (Bane, o vilão, é uma “bula fílmica”, além de “simpático”, por se preocupar em dar explicações em extensos diálogos para suas atitudes), virando o “cinemão prescritivo”, o grande truque de roteiros que sentem dificuldade em crer na capacidade de compreensão do espectador, e realiza metade filme e a outra metade explicação (daí o “porque” das quase três horas de filmes). Tornou-se recorrente no cinema quando surge um artesão incomum, defini-lo como “visionário”. Nolan entrou no hall que já pertenceu desde Kubrick, um legitimo e incontestável visionário, passando por Ridley Scott, e até a Zack Snyder. Ou banalizou o conceito de visionário, ou então passou a ser aplicada para qualquer profissional técnico com apuro estético para conceber visuais grandes, impactantes, e condutores de grandes produções – com o uso constante de filtros para criar climas e atmosferas artificiais. Nesse aspecto, podemos dizer até que Michael Bay é visionário. Prefiro me prender a ideia “clássica” de visionário, e imaginar que essa é uma adjetivação para quem compõe ideias fortes, diferentes ao pensamento comum, aquilo que seja à frente do seu tempo – extravagante, talvez até incompreensível a um primeiro olhar. E Nolan com essa conceituação, não é visionário (vide até a sua apreciação massificada) – mas sim, um artesão. E isso não chega a ser algo negativo – afinal, Howard Hawks, um dos maiores mestres do cinema, era um artesão de mão cheia. O problema do cinema de Nolan continua o mesmo de sempre, seu vazio, seu “lugar nenhum” – não tem o que dizer. Quem é Nolan em Batman, um autor idealizado ou um administrador burocrático? Afinal, no encerrar essa trilogia Batman, quais ideias podemos dizer que Nolan tem? Alguns alegam que fez um filme de super herói realista (sim, é filme de super herói, goste dessa definição ou não), mas é absolutamente escapista – tanto quanto um “Os vingadores” ou um “Jogos Vorazes”. Sua intenção não é levantar alguma reflexão, e por conta disso, tudo soa meramente como acessório – desde suas implicações óbvias com 11 de setembro (o chavão “não negociamos com terroristas”, icônica frase de Bush filho), a sua referência quase canhestra à crise mundial na bolsa de valores (colocar um vilão para dar voz impõe sua isenção, quando um funcionário diz “aqui não temos dinheiro”, e é prontamente respondido “então como roubam tanto?” – ou algo assim, somente esconde Nolan por trás de futilidades). Mas qual o problema de um filme escapista? Nenhuma. E esse não é o problema do filme, mas já o deixa fora de ser essa epopeia mitológica (épica?) conceitual que querem vender. O problema do filme está em sua forma como cinema. Como ele é tortuoso e torturante no aspecto mais primário do cinema: o tempo x espaço. Sua narrativa corre desenfreada na tela,- e o único momento que se preocupa em estabelecer um contato do publico com o tempo, é no início, para entendermos aonde paramos e para aonde fomos, e aonde iremos daqui para frente. Há um grande risco a cidade, uma contagem contra o tempo – mas ora em um lado parece transcorrer minutos, e em paralelo parece que o tempo correu dias (Wayne parece ficar dias em um buraco, enquanto paralelamente parecem ter transcorrido minutos em Gothan). Os personagens se deslocam livremente e com tranquilidade em velocidade impressionante, alternando ambientes que não sabemos se tem ou não passagens temporais (lembrando que Gothan, assume-se abertamente como Nova York). Difícil ficarmos situados em tempo (quando estamos), e espaço – estou aqui, qual a problemática para chegar até onde o outro está? A balbúrdia está montada, no cenário apocalíptico narrativamente e caótico em sua realização. Sem essas informações, o filme perde completamente a tensão – ainda que esta seja previsível (estamos diante de um blockbuster, não existe segredo – ah, é verdade, tem uma reviravolta, nada surpreendente para quem captura a influência noir no cinema de Nolan). Os personagens humanos, por sinal, não são a prioridade de Nolan (os abandona com frequência), já que ele se apropria de Gothan City como seu elemento centralizador, sublinhando sua evocação pelo cinema noir (seu debut no cinema, o “Amnésia”, já é um ensaio estrutural de cinema noir, ainda que precário), tomando a cidade como protagonista da narrativa – com importância destacada como Chinatown para o clássico noir de Polanki, e a Los Angeles dos anos cinquenta, do noir contemporâneo LA Confidential do mestre e gênio dos romances policiais James Ellroy. O problema de Nolan continua sendo sua costura, a forma com que sua colcha de retalhos - que promete complexidade – é frouxa e irregular, pois os personagens ficam esquecidos e jogados no tabuleiro, até que forças descomunais os retirem do limbo. Além de sua enorme falta de tato com o romance (já defeituosa e comprometedora no “A Origem”), peça chave do gênero. A trilha, a tão comentada trilha, continua ótima, já que Hans Zimmer é um brilhante compositor, com temas fortes que cedem uma vibração singular as cenas, pontuando a ação com autoridade – mas seu grande mérito, acima de tudo, é conseguir fazer com que plástico seja apreciado como se fosse ouro. Mas dessa vez, desacompanhado de Heath Ledger, que faz uma falta danada.
Nunca li nada de Poe, mas sei de sua fama – e como influenciou, muito, de forma multimídia, a cultura. Na literatura, certamente, é inspiração para diversos escritores – o que lhe qualifica historicamente. Agora imagino que este O CORVO não consiga nem de perto simular, ou evocar com substancialidade, a essência e a colcha de retalhos que histórias de mistérios e assassinatos (com serial-killers) precisam ter – cometendo o grave equivoco de virar uma minissérie fílmica, aonde aloca nas quase duas horas de duração, vários pequenos episódios curtos, sem conseguir ter fluência e elo narrativo em seu desenvolvimento. Parece uma ideia que funcionaria muito mais na televisão, do que em um filme – principalmente, por não ter absolutamente nada para dizer.
O discurso alarmista – e sensacionalista – desse filme é, de longe, um dos menores problemas, principalmente pelo tom cômico que aplica, o que lhe deixa sempre isento de críticas mais severas por sua desarticulação a premissa e seus rasos – e devaneios – aspectos morais a respeito do incentivo e responsabilidade do marketing (todas as suas ferramentas), para o incentivo ao consumismo e ao consumo irresponsável. Seu discurso é massificado, popularmente raso, inócuo. Difícil absorver algo mais dele além de algumas linhas de moralismo infantil (faço, me arrependo e me rendo),- mas nada supera quando assume seu amadorismo, ao forçar – prolongando por 10 minutos – seu foco em um romance. Boa ideia, que pode parar o lixo, tranquilamente.
Preocupante o rumo que a Pixar está tomando, desde que foi integrada aos estúdios da Disney. Quando nasceu – do criativo Lasseter e do guru da tecnologia e inovação Jobs – o grande mérito estava em como conseguia, trabalho após trabalho, escapar de fórmulas, e mais, realizar filmes funcionais para todas as idades, fazendo ruir o formulaico jeito Disney de se fazer cinema. Deu uma nova cara para a inocência, enxugou as musicas enfadonhas, e esquivou-se de personagens unilaterais, indefesos, insossos – além de cuidar, precisamente, de cada detalhe do roteiro, com inventividade e inovação. Aquela Pixar de trabalhar com o tempo que fosse necessário, não existe mais (a que cuidava dois anos para fazer um roteiro descente, e não essa de dois anos para fazer cabelo) – entrou no processo de linha de produção, de soltar filmes com pressa, na correria, na onda do mercado. E a queda de qualidade começa a ser sentida agora, no segundo tropeço consecutivo – depois do desastroso “Carros 2” - o estúdio fez um filme que parece saído do desesperador início do século XXI da Disney, época de “Atlantis” e “Planeta do Tesouro”, e retoma o conceito de princesinha, agora mais forte, mais feminista, menos delicada – um último suspirar de Pixar, em uma trama manjada, bobinha, que nem a Dreamworks, um sub-Pixar, teria coragem de lançar dessa forma.
A grande virtude de “Elles” está em Binoche. Beirando a faixa dos 50 anos, essa atriz francesa pode dizer que já fez de tudo – e que impressionantemente, pouco se repetiu nas telas, mesmo atuando comumente em filmes naturalistas (o que sempre lhe deixa de cara limpa), característica imperante do cinema francês. Aqui sua personagem é o centro de tudo e quem faz acontecer – criando uma jornada de autoconhecimento humanístico, incluindo-se aí, um desenvolvimento sexual, quase como uma (re) descoberta da libido. Não é um grande filme, estende-se além do necessário, e seu recheio é repleto de vazios e aleatórios, além da confusa mescla sonora natural e operística, que parece existir para dar tons didáticos nas fantasias da personagem (repleto de perturbações), conflitando com seu “mundo ideal”. Em época que se glorifica tanto Meryl Streep (com méritos), não podemos jamais esquecer que outra atriz, das melhores de todos os tempos, continua em atividade – e nos brindando com atuações pra lá de magníficas e memoráveis. Pode fazer filmes nem tão interessantes (como o caso aqui), mas sempre serão uma aula de cinema – simplesmente pela sua presença.
Tim Burton virou vítima de sua própria criação, do jeito constante de exteriorizar, de forma bizarra/esquisita, sua afinidade com o gótico – o que, com tom de comédia, suaviza o soturno, o macabro a que seus filmes pertencem. Isso facilitou o ímpeto de atacá-lo, e até mesmo, diminuir seu - raro e perspicaz – cinema. Seus filmes são muito mais do que suas criações visuais acentuadas, notáveis e impecáveis no aspecto de produção, mas reducionista na hora de avaliar sua arte. O interesse de Burton vai muito além desse visual padronizado, já que sua real e motivadora faísca reside com frequência em seus personagens e sua essência,- a forma com que são excluídos da sociedade, vivendo em paralelo, com tom de rejeição, sob desconfiança. Seus personagens, - desde um Edward, passando por uma noiva Cadáver – sofrem da sociedade onipresente de seus filmes, assim como seu cinema sofre no julgamento dos críticos, que checam seu visual e tacham como “mais um Burton gótico se repetindo”, não se preocupando em avaliar as particularidades e as essências peculiares de cada personagem. Se vissem por esse aspecto e olhassem com mais atenções e carinho as motivações, veriam um autor com recorrência em sua obra (o que o certifica e o sublinha na categoria), mas que conduz para discussões muito mais profundas, e com “Sombras da Noite”, faz seu filme romance/tragédia mais impressionante – ainda que, um tanto quanto distante de suas maiores inspirações.
Reviver com tamanha intensidade o cinema de ação do final dos anos oitenta e começo dos anos noventa, com as pitadas – essenciais e necessárias – de contemporaneidade, faz do diretor Ruben Fleischer, definitivamente, um expoente do cinema de comédia e ação norte-americano. Apoiando-se na comédia de erro (uma das mais clássicas, oriunda do cinema mudo), inserindo doses cavalares de comédia politicamente incorreta (a febre do século XXI), e fazendo um misto de homenagem e paródia aos “neoclássicos” da ação “Duro de Matar” e “Máquina Mortífera” (incontáveis referencias aos personagens admiráveis, além de brincadeiras com Glover), Fleischer supera seu aclamado trabalho anterior - o inusitado “Zumbilândia” - com tranquilidade, pois acerta no ritmo, na ação, no tom das piadas, além de contar com um pra lá de inspirado texto dos novatos Matthew Sullivan e Michael Diliberti.
Walter Salles é um ótimo observador e seu cinema é retrato disso. Proveniente de um berço de ouro – o que eventualmente o torna alvo de falácias – ele captura alma em histórias que estão distante da realidade que cresceu, seja do altruísmo nobre entre uma mulher e um garoto analfabeto, ou em um sertão de tradições arcaicas. Seu mérito mais marcante, porém, evapora nesta – dita, desafiadora adaptação literária, que é tecnicamente onipresente, mas essencialmente vazia. Alguns elementos de sua concepção são nítidos: a ausência de uma trama e o incessante “deixar a vida levar”, sem rumo, sem direcionamento, fazendo tudo caminhar com a maior naturalidade possível. É o “feijão com arroz” do rodie-movie, ou seja, pessoas sem destino – sem rotina, sem responsabilidades. É o viver intensamente, sem pudores, sem regras – despreocupado com o amanhã. Nada de convenções sociais, apesar dos personagens serem moldados por culturas diferentes – isso não importa, pois a atitude é a anticultura. O sentido da vida é a estrada, e a estrada que será responsável por, além de moldá-los, apresentar-lhes o rumo de seus destinos. Salles talvez tenha levado ao pé da letra o desapego temporal, um mundo onde o tempo não é contado – e com isso, fica difícil para nós, espectadores, acompanhar (exceto quando uso recursos literais, como local e tempo na tela) toda a naturalidade evolutiva dessas relações, a gradativa transformação, ou o sublinhar da estagnação. Porém, creio que o principal tropeço do filme está na forma retraída e tímida que Salles conduz a narrativa em relação ao tom de liberdade, a falta de cumplicidade com aquelas pessoas/personagens – a ausência de compartilhar a intensidade dos personagens, o que rouba-lhe a essência, fazendo com que aqueles personagens pareçam meramente jovens imbecis em busca de nada, de vazio, do oco. Existe algo mais que isso (ou deveria existir, imagino), e por não ir além desse limite – Salles desperdiça um elenco vibrante e intenso, onde ideias parecem ter ficado pelo caminho.
Sou fã dos irmãos Farrelly’s e pelo o que eles representam hoje para a comédia, não só norte-americana, como também a mundial – remetendo aos grandes comediantes da história, indo desde os Irmãos Marx, passando pelos geniais do Monty Phyton, e flertando com o cinema de Mel Brooks. Eles arriscam, ousam, introduzem elementos que, evidentemente podem não funcionar, mas não fogem das piadas – podem taxá-los de ridículos, mas oras, é uma comédia, e talvez essa seja a graça, essa é sua essência. Norteados muitas vezes por caminhos ditos apelativos (escatologia e sexualidade, além de piadas com deficientes), aqui eles revelam uma faceta de seu humor que não encontram essa forma mais “ofensiva”, mas do mesmo jeito encontra a conjuntura de seu espírito cômico, a essência que sempre carregam – fazendo um filme muito mais acessível para crianças. Uma espécie de aura que os acompanha e que de forma recorrente aparece em seus filmes – independente de quais formas estão utilizando. Não importa o recurso e a forma encontrada, a competência e integridade estão intactas. Mais do que qualquer animação, sua versão de “Os três patetas” é um prato cheio para adultos e crianças – o primeiro grupo pelo saudosismo e a fidelidade com que caracterizou o trio, e o segundo, pela forma costumeiramente simples e inocente de fazer humor.
Egoyan gosta de trabalhar com elementos surpreendentes em suas tramas, dando pitadas de mistério para dramas intensamente intimistas. O problema deste “O Preço da Traição” é que o cineasta perde o tom e avança demais o sinal, escorrendo drasticamente na banalidade para retratar a dupla face obsessiva, da esposa com o marido e da prostituta com a contratante. Reconhecido por trabalhar com sutilezas – vide a naturalidade que flui seu “O Doce Amanhã” – aqui a mão do diretor pesa, e as peças do xadrez e seus movimentos são tão pontuados, que o desinteresse pelos acontecimentos se torna constante (vai desde o mal entendido da relação do marido com alunos até a engessada introdução do filho problemático). Vale sublinhar ainda o desleixo que o roteiro foi feito, já que sendo fundamental para a colcha de retalhos que o filme propõe, ele tem deslizes infantis – como a Chloe ter informações precisas e verdadeiras, sendo posteriormente invalidada a forma que as conseguiu. Talvez pelos tortuosos caminhos que a produção passou, soltaram-no de qualquer jeito – sem revisitá-lo.
O melodrama não é uma espécie exclusiva do cinema por alguma nacionalidade. Todos os países gostam e fazem esse tão popular gênero, que conquista multidões – “viralizam”, ganham as massas. Enchem de lágrimas que se misturam com sorrisos, e você se engaja por aquilo – tem vontade de passar aquele bom sentimento para os outros, já que estes sempre aparecem carregados de lição de vida.
Quando ver alguém na lama, que se acha sem oportunidade, ou aquele que não dá oportunidade por prejulgamentos,- esses filmes visam deixam nossos sentimentos mais nobres, preenchem os sentimentos com maior humanidade, a vontade é aplaudir. A forma mais emblemática de conseguir promover esse sentimentos, é trabalhar a interelação entre pessoas que antagonizam – parecem impossíveis de serem associados, conectados, daqueles que parecem não pertencer ao mesmo mundo, com realidades muito distintas.
Aqui é possível partir para inúmeras opções – e o cinema já cansou de explorá-las. “Intocáveis” superlotou as salas de cinema na França, levando esse modelo de melodrama simples, ingênuo, massificado – para o topo das bilheterias mundiais, repetindo o sucesso de outro filme bastante semelhante (ainda que bem inferior) chamado “Um conto chinês”, que em seu ano de lançamento, tornou-se a maior bilheteria nos cinemas argentinos (usei-o como exemplo por ser mais recente, mas teríamos infinitos outros filmes nessa linha de duplas improváveis para usar como “case”).
Aqui fica definitivamente a prova de que um cinema, mesmo que feito sob cartilha, que baseia-se em uma formula, que fique preso a um cinema semiburocrático, consegue ser um belíssimo filme. Desde que feito com autenticidade, e acima de tudo, competência.
Andrew Garfield funcionou muito bem como o novo Peter Parker, igualando a atuação marcante de Tobey Maguire. A grande desvantagem é aqui não ter uma Dunst para dividir a tela e fazer um par romântico funcional (não à toa tornou-se icônica a cena do beijo do aranha com a Jane na chuva de ponta cabeça – química pura), que acaba tendo um presença fraca e muito inferiorizada da apática Emma Stone, como a primeira namoradinha do herói, Gwen (a própria forma que o casal de aproxima demonstra a fragilidade que será o romance no decorrer da trama). No geral, o filme de Marc Webb funciona melhor naquilo que esperava-se que ele fosse mais travado pela inexperiência do diretor, que são as cenas de ação, com sequencias espetaculares pelos ares (oriundo do cinema romântico indie dos Estados Unidos, imaginava-se que as principais virtudes do filme caberiam nessa etapa) – e conceitualmente, suas melhores partes são replicadas do primeiro filme de Raimi (por sinal, um filme bem melhor), e o que ele cria, inserindo como uma novidade perante a trilogia inicial, como por exemplo a busca pelo pai, sofre, provavelmente, por ser gancho para os demais filmes que certamente virão nos próximos anos, mas arruína a trama deste primeiro, fazendo com que sempre que foge desse caminho, pareça subterfúgio - para guardar conteúdo.
Álex de la Iglesia continua fazendo seus filmes acidamente engraçados e essencialmente melancólicos, que nos fazem rir da desgraça alheia, e depois nos apunhala com uma dor irremediável, que pode facilmente ser especulado como moralista, de discurso fácil, talvez por ser direto demais e claro naquilo que quer transparecer mais o público. Mostra uma sociedade nos diversos níveis do corporativismo corrompida pela gana e a ânsia por obter mais, mais e mais – sem medir consequências, e sem se preocupar de agir de forma sem escrúpulos, achando o comportamento moralmente reprovável natural. Antes de ficar com a cabeça preso a uma barra de ferro, Roberto é um velho que não vale nada – a partir que sua vida passa a ficar em risco, passa a valer mais, as empresas (em todas as esferas) passam a tentam lucrar, criam um circo, chegando ao ponto de friamente ele morto valer mais do que vivo. Uma “dramédia” que faz pensar, além de tirar boas risadas pelas tiradas inteligentes e muito bem introduzidas dentro daquele cenário duramente dramático.
Um filme autoral é concebido a partir da necessidade de abordar, discutir e acima de tudo, expressar ideias. Dependendo do que quer discutir, escolhe-se a forma que irá fazê-lo: uma comédia, um drama, um terror, ou como o caso aqui, um documentário. Portanto, separar o Herzog dos filmes narrativos do Herzog de brilhantes documentários, é um trabalho desnecessário, já que sempre por trás de suas obras, independente da forma selecionada, está alguém contundente, que possui um discurso sempre inflamado, autentico, e como sua carreira veio a provar, polêmico.
E um polêmico que expõe suas ideias sem se esconder de temas fortes – e a prova definitivo, veio com este impactante documentário que discursa livremente sobre a pena de morte, mas revela no fundo, um cenário preocupante e sem perspectiva de uma realidade ocultada das grandes massas. Não adianta olharmos o documentário sem nos adequarmos geograficamente dos acontecimentos, já que isso é determinante: estamos diante de uma comunidade, quase uma sociedade alternativa, que vive com outras informações, outros conhecimentos, nascem em berço sujo e sem perspectivas, na pobreza, nascendo diretamente condenado.
O tom ameno, que chega a beirar a serenidade dos primeiros minutos do documentário, logo deixa de existir, para que Herzog vá, gradativamente, preparando o terreno para mexer brutalmente com espectador, e fazer um ensaio crítico brilhante sobre a sociedade e seu comportamento pelo senso de justiça, que culmina diretamente para todas as frentes influentes, desde a política, que acarreta na desigualdade social, que é alimentada pela publicidade na frustração dos pobres, que por fim, acabam sempre com a culpa de todos os problemas do mundo. Ora, por que a culpa sempre é do pobre? A culpa é daquele que não teve oportunidades? Daquele que nasceu com um destino sanguinário traçado? A morte dos pobres, em nada aliviará a dor dos ricos.
Ao final, fica um enorme desejo em agradecer Herzog por prestar esse tipo de serviço ao mundo, e jamais parar de realizar documentários (e também seus filmes narrativos brilhantes) que acrescentam tanto para nossa vida.
Os Infiéis
2.6 116A ideia do filme é, à primeira vista, interessante. Reunir uma discussão acerca da infidelidade através de diversas perspectivas, criando dessa forma, um panorama atemporal sobre o assunto. O problema é que o filme funciona muito mal. Todo o seu despojo em tratar o assunto enfraquece sua parte nobre de discussão (ou seja, a graça não é inerente à discussão), sobrando muito mais um filme de amigos se divertindo falando sobre uma sociedade elitista sexista adultera, do que uma obra que realmente quer entender e debater um tema que não envelhece, ou acrescentar algo novo para essa discussão. A preguiça cria um alicerce enfraquecido, e o que sobra, é uma construção capenga, pronta para desmoronar.
Até a Eternidade
4.0 277A França exporta o que tem de pior no cinema “videoclipado” de Hollywood e faz da saga de um grupo de amigos, uma verdadeira aberração musical, ainda que vez ou outra, tenta criar o clima pesado com introspecção e silencio. Parecem existir dois filmes, feito por dois diretores que acreditam em suas coisas totalmente distintas na forma de fazer cinema: um adepto a atingir de forma fácil a emoção do espectador, e outro, que segue a linha de um cinema mais naturalista, que explora e admira o som do ambiente e o tempo de silencio no intervalo entre os personagens. Apesar das quase duas horas e meia de filme, ele realmente não é cansativo, pois superficialidade não cansa, e quando não se tem o que absorver, basta ser um observador.
Rock of Ages: O Filme
3.1 1,3K Assista AgoraSomente ser entusiasta do rock, não é suficiente para tornar ROCK OF AGES o grande filme que mereceria ser. Ao criar um mosaico amplo demais, Shankman perde o controle e a uniformidade entre os pequenos contos que permeiam o filme. O pior de tudo isso é perceber como funciona bem o romance central, entre a jovem garota do interior que vai tentar a vida em Los Angeles, e o jovem aspirante a músico que trabalha no bar. Os dois personagens são rasos, mas em conjunto – e muito pela química entre os atores – criam uma história convincente, encantadora e verdadeiramente romântica. Todas as outras histórias – do astro vivido por Tom Cruise até o casal homossexual vivido Baldwin e Russel – funcionam muito mal e somente contribuem para encalhar a narrativa, truncar pelo desinteresse.
Moonrise Kingdom
4.2 2,1K Assista AgoraAnderson retoma a jornada de jovens incompreendidos, com doses cavalares de melancolia, e um paradoxo profundo entre amargura e doçura. Como habitual em seus filmes, o diretor cria uma penca de personagens – e reside na exploração de cada um, sua fragilidade. O único filme que conseguiu dimensionar de forma harmoniosa todos os personagens, foi o ótimo “Os Excêntricos Tenenbaums” (seu melhor filme), até por centralizar tudo em uma família disfuncional, o que fortalece na percepção da sinergia conceitual. Aqui temos um filme que classificaria como o mais acessível do diretor, aquele onde todas as peças são mais claras, e seu significado mais evidente – o que pode torná-lo, naturalmente, mais popular.
Looper: Assassinos do Futuro
3.6 2,1KQuanto tempo faz que se fala sobre os rumos da humanidade? Sempre temos algo ou alguém para culpar pelo mundo corrompido pelo poder, destruído pela ignorância humana, devastado pela falta de altruísmo (pauta constante do cinema de Kelly Reichardt, por exemplo).
A formação de vilões e heróis é concebida por aspectos inerentes a sua própria existência: quem faz o mal, o faz por sua formação cultural, pela interelação de acontecimentos de sua vida. Isso o faz enveredar por um caminho, “o bom” ou “o ruim” – e as experiências vividas que determinarão esse trajeto, de acordo com os sentimentos constituírem a pessoa. Já aprendemos que grandes poderes trazem grandes responsabilidades, mas acima disso, nossa responsabilidade é intrínseca a nossa formação.
Nessa esfera que o escritor e diretor, Johnson, reflete seu propósito em LOOPER. Toda essa história de viagem no tempo, a paradoxal existência de uma pessoa ocupando dois espaços em um único tempo, é acessório, é a brincadeira lúdica, é uma roupagem para dar corpo a uma narrativa complexa onde sua proposição é maior que qualquer ferramenta (eis aqui o grande diferencial entre o cinema de Johnson e o cinema de Nolan, por exemplo), ou seja, a narrativa é um recurso, e sua ideia é realmente o que importa.
Contra qualquer paradigma que cria um cinema estruturado de forma esquemática, burocrática, Johnson desenvolve um filme onde após seu termino o que vamos discutir não é a historinha, não é a ordem dos acontecimentos, não é se tal personagem é carismático, se as cenas de ação são legais, se os efeitos especiais são virtuosos, ou se o filme conseguiu construir humor e ação com inteligência. A grande discussão de LOOPER será na concepção de sua ideia, daquilo que transmite, da forma com que mexe com o espectador, persuadindo através de nossas emoções, para logo em seguida contrapor, nos mostrar como a racionalidade é a fonte da sabedoria.
Para se ter uma ideia, não sabemos durante todo o filme para quem devemos torcer: o Joe do futuro, o Joe da “atualidade”, o garoto, a mulher. É tudo misterioso, quase um “noir” – alias, diria que É um “noir moderno” - que foge das armadilhas e vícios do gênero, tornando-se assim, imprevisível. E por não ter exatamente claro quem são os heróis e vilões, no terceiro ato vamos constantemente sendo surpreendidos não por reviravoltas, mas como o filme vai revelando como somos seres precipitados para criar ódio, alimentar sentimentos negativos, e até mesmo, comprar facilmente ideias onde assassinatos parecem à solução mais plausível – para logo em seguida, mostrar empiricamente, como estávamos equivocados no raciocínio, e temos dificuldade em assimilar altruísmo.
Em um mundo onde se fala constantemente sobre a paz, LOOPER revela, de forma contundente, como estamos longe dela – mas deixa um recado importante para reflexão, além de um fio de esperança. Não é necessariamente um filme para se divertir, curtir com a galera, esperar adrenalina – é o cinema em seu mais puro estado de arte, levando para as telas a essência conceitual de George Orwell e Philip K. Dick, como nunca a própria adaptação da obra desses autores conseguiu.
Em um ano até agora tão apático, LOOPER está muito acima do que se tem produzido.
O Solteirão
2.6 282 Assista AgoraQuando não se cria a empatia pelo protagonista, o filme precisa ter uma trama muito convincente e envolvente para prender o espectador. No caso desse O SOLTEIRÃO, de Baumbach do ótimo A LULA E A BALEIA, seu pouco inspirador protagonista não é ajudado pela insípida rede de acontecimentos. A vida letárgica do personagem, não se torna interessante nem mesmo na criação de um paralelo com a vida da personagem de apoio vivida por Greta Gerwig , muito mais interessante que o protagonista, por sinal. Em meio à zona de conforto de estar na tipicidade do cinema indie norte-americano, difícil encontrar algo aproveitável.
ParaNorman
3.6 845 Assista AgoraAté a chegada do terceiro ato, é difícil entender – integralmente – sobre o que é PARANORMAN. Ele é um garoto deslocado, que vive isolado devido ao seu dom paranormal – o que acaba sendo motivo de chacota não somente na escola, como também em seu lar. Basicamente, isso que parece ser o filme durante um bom tempo: essa coisa simples e despretensiosa sobre uma pessoa marginalizada na comunidade em que vive. É divertido, é engraçado, e por alguns momentos, bastante assustador para crianças – algo típico dos realizadores, que já haviam surpreendido com o CORALINE, e sua atmosfera bizarra e soturna. Porém, no segundo ponto de virada, somos levados às verdadeiras e nobres intenções do filme, que nos envolve através da emoção de uma pessoa que não é má por natureza, mas que foi permeada de sentimentos ruins, pelas injustiças sociais que lhe atingiu. Um filme infantil que não é ótimo por ser esperto, moderno, ou inovador – mas sim, por carregar uma maturidade rara no gênero, que nos remete mais ao cinema de Miyazaki e Chomet, do que dos americanos Pixar e Dreamworks.
360
3.4 928 Assista AgoraImpressionante como “360” é primoroso na criação de sua superfície, mas é falho e rasteiro quando precisa imergir naquelas histórias. Pior que isso, é parecer que o filme, definitivamente, sequer tem interesse em ir muito longe – se aprofundar, investigar com intensidade, o que se passa, essencialmente, com aquelas pessoas.
O filme abre uma ideia de bifurcação, com dois caminhos para trilhar, e isso já nos dá indícios de que terá, por conceituação e definição, um filme muito mais sugestivo do que conclusivo – e isso não é um problema, e nem mesmo, a amarração das narrativas, a criação de elos. O problema reside na forma que ficamos unicamente presos naqueles momentos, negligenciando o que moveu aqueles personagens e, forçadamente, criando um processo de envolvimento tão vazio quanto à existência daquelas pessoas.
Vejo muito mais problema no texto de Morgan do que na direção de Meirelles (abandona o calor intenso, para criar um paradoxo perfeito entre leveza/serenidade e peso), que tem como falha, se prender tempo demais em cada uma das histórias, ficando uma constante sensação de abandono – que faz parte da sugestão causada pela bifurcação, mas como fica difícil extrair algo do conjunto, a sensação nítida é de que “360” tem pequenas grandes coisas para dizer, mas quando pensamos uniformemente, não nos diz nada.
Trabalho Interno
4.1 205 Assista AgoraO tom desafiante de “Trabalho Interno” não é mero enfeite. Seu realizador, Charles Ferguson, é um criador de conflito brilhante, já que suas entrevistas partem de um fio condutor de informação, que chega até um improvável duelo argumentativo, e extremamente severo, com os participantes. Por conta disso, não é incomum vermos nas telas envolvidos que não aceitaram participar do filme, e também, alguns que passam a ser rudes e desistem, no ato, de participar e dar informações/opiniões. Ferguson não se acanha em causar constrangimento ou mesmo dizer, sem delicadeza alguma, que o entrevistado está mentindo – apresentado contraprovas documentadas ao que está sendo falado. Munido com muitas informações, além de livros e relatos, o cineasta é um destemido imperdoável: atira na tela todos os problemas do capitalismo, a omissão e cumplicidade das autoridades com as corporações, além de ser conclusivo ao apontar quem são os beneficiados. Seu tom apocalíptico no final justifica-se quando descobrimos que os membros da gangue que acabou com muitos empregos, frearam economias e elevou o nível de miséria, continuam levando suas vidas numa boa, aguardando uma próxima oportunidade para sabotar o mundo.
George Harrison: Living in the Material World
4.6 193 Assista AgoraEsse documentário sobre o Harrison é co-irmão do “No Direction Home”, seja na incessante busca de Scorsese por cruzar a personalidade artística com o lado humanista mais profundo daquelas pessoas, como também no cruzamento da história de Bob Dylan com os Beatles. Scorsese tem um amplo material em mãos, e quase de forma capitulada (a forma mais fácil de ter controle narrativo), vai conduzindo o documentário com informações que nos levam de um George que vivia as sombras de Paul e John, até um artista notável e, de certa forma, discreto e totalmente irreverente. O único problema aqui são as quebras de ritmo que o filme sofre (principalmente na segunda parte, quando Harrison se envolve com os elementos transcendentais), algo que no de Dylan, é muito menos sentido.
Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge
4.2 6,4K Assista AgoraArtesanalmente ortodoxo e inseguramente redundante, assim termina a idolatrada trilogia “épica” de Nolan: a sua cara e a sua maneira (bom para quem gosta, e continua ruim para quem não gosta), um blockbuster vazio cheio de grife e atmosfera, mas sem uma ideia consistente, sem uma percepção, oticamente estrábico – enrola-se com acessórios narrativos fúteis que criam uma falsa sensação de cinema substancial.
Sua insegurança e redundância conflituosa entre imagem e texto (dessa vez, ao menos, evacuando de seu cinema os elementos - principalmente textuais - evasivos), voltam a incomodar, pois a narrativa fica travada para a cada final de cena, que culmina com algum personagem descrevendo ou explicando tudo o que vimos e justificando a existência e tais momentos (Bane, o vilão, é uma “bula fílmica”, além de “simpático”, por se preocupar em dar explicações em extensos diálogos para suas atitudes), virando o “cinemão prescritivo”, o grande truque de roteiros que sentem dificuldade em crer na capacidade de compreensão do espectador, e realiza metade filme e a outra metade explicação (daí o “porque” das quase três horas de filmes).
Tornou-se recorrente no cinema quando surge um artesão incomum, defini-lo como “visionário”. Nolan entrou no hall que já pertenceu desde Kubrick, um legitimo e incontestável visionário, passando por Ridley Scott, e até a Zack Snyder. Ou banalizou o conceito de visionário, ou então passou a ser aplicada para qualquer profissional técnico com apuro estético para conceber visuais grandes, impactantes, e condutores de grandes produções – com o uso constante de filtros para criar climas e atmosferas artificiais. Nesse aspecto, podemos dizer até que Michael Bay é visionário.
Prefiro me prender a ideia “clássica” de visionário, e imaginar que essa é uma adjetivação para quem compõe ideias fortes, diferentes ao pensamento comum, aquilo que seja à frente do seu tempo – extravagante, talvez até incompreensível a um primeiro olhar. E Nolan com essa conceituação, não é visionário (vide até a sua apreciação massificada) – mas sim, um artesão. E isso não chega a ser algo negativo – afinal, Howard Hawks, um dos maiores mestres do cinema, era um artesão de mão cheia. O problema do cinema de Nolan continua o mesmo de sempre, seu vazio, seu “lugar nenhum” – não tem o que dizer. Quem é Nolan em Batman, um autor idealizado ou um administrador burocrático?
Afinal, no encerrar essa trilogia Batman, quais ideias podemos dizer que Nolan tem? Alguns alegam que fez um filme de super herói realista (sim, é filme de super herói, goste dessa definição ou não), mas é absolutamente escapista – tanto quanto um “Os vingadores” ou um “Jogos Vorazes”. Sua intenção não é levantar alguma reflexão, e por conta disso, tudo soa meramente como acessório – desde suas implicações óbvias com 11 de setembro (o chavão “não negociamos com terroristas”, icônica frase de Bush filho), a sua referência quase canhestra à crise mundial na bolsa de valores (colocar um vilão para dar voz impõe sua isenção, quando um funcionário diz “aqui não temos dinheiro”, e é prontamente respondido “então como roubam tanto?” – ou algo assim, somente esconde Nolan por trás de futilidades). Mas qual o problema de um filme escapista? Nenhuma. E esse não é o problema do filme, mas já o deixa fora de ser essa epopeia mitológica (épica?) conceitual que querem vender.
O problema do filme está em sua forma como cinema. Como ele é tortuoso e torturante no aspecto mais primário do cinema: o tempo x espaço. Sua narrativa corre desenfreada na tela,- e o único momento que se preocupa em estabelecer um contato do publico com o tempo, é no início, para entendermos aonde paramos e para aonde fomos, e aonde iremos daqui para frente. Há um grande risco a cidade, uma contagem contra o tempo – mas ora em um lado parece transcorrer minutos, e em paralelo parece que o tempo correu dias (Wayne parece ficar dias em um buraco, enquanto paralelamente parecem ter transcorrido minutos em Gothan). Os personagens se deslocam livremente e com tranquilidade em velocidade impressionante, alternando ambientes que não sabemos se tem ou não passagens temporais (lembrando que Gothan, assume-se abertamente como Nova York). Difícil ficarmos situados em tempo (quando estamos), e espaço – estou aqui, qual a problemática para chegar até onde o outro está? A balbúrdia está montada, no cenário apocalíptico narrativamente e caótico em sua realização. Sem essas informações, o filme perde completamente a tensão – ainda que esta seja previsível (estamos diante de um blockbuster, não existe segredo – ah, é verdade, tem uma reviravolta, nada surpreendente para quem captura a influência noir no cinema de Nolan).
Os personagens humanos, por sinal, não são a prioridade de Nolan (os abandona com frequência), já que ele se apropria de Gothan City como seu elemento centralizador, sublinhando sua evocação pelo cinema noir (seu debut no cinema, o “Amnésia”, já é um ensaio estrutural de cinema noir, ainda que precário), tomando a cidade como protagonista da narrativa – com importância destacada como Chinatown para o clássico noir de Polanki, e a Los Angeles dos anos cinquenta, do noir contemporâneo LA Confidential do mestre e gênio dos romances policiais James Ellroy. O problema de Nolan continua sendo sua costura, a forma com que sua colcha de retalhos - que promete complexidade – é frouxa e irregular, pois os personagens ficam esquecidos e jogados no tabuleiro, até que forças descomunais os retirem do limbo. Além de sua enorme falta de tato com o romance (já defeituosa e comprometedora no “A Origem”), peça chave do gênero.
A trilha, a tão comentada trilha, continua ótima, já que Hans Zimmer é um brilhante compositor, com temas fortes que cedem uma vibração singular as cenas, pontuando a ação com autoridade – mas seu grande mérito, acima de tudo, é conseguir fazer com que plástico seja apreciado como se fosse ouro. Mas dessa vez, desacompanhado de Heath Ledger, que faz uma falta danada.
O Corvo
3.5 996Nunca li nada de Poe, mas sei de sua fama – e como influenciou, muito, de forma multimídia, a cultura. Na literatura, certamente, é inspiração para diversos escritores – o que lhe qualifica historicamente. Agora imagino que este O CORVO não consiga nem de perto simular, ou evocar com substancialidade, a essência e a colcha de retalhos que histórias de mistérios e assassinatos (com serial-killers) precisam ter – cometendo o grave equivoco de virar uma minissérie fílmica, aonde aloca nas quase duas horas de duração, vários pequenos episódios curtos, sem conseguir ter fluência e elo narrativo em seu desenvolvimento. Parece uma ideia que funcionaria muito mais na televisão, do que em um filme – principalmente, por não ter absolutamente nada para dizer.
Amor Por Contrato
3.2 495O discurso alarmista – e sensacionalista – desse filme é, de longe, um dos menores problemas, principalmente pelo tom cômico que aplica, o que lhe deixa sempre isento de críticas mais severas por sua desarticulação a premissa e seus rasos – e devaneios – aspectos morais a respeito do incentivo e responsabilidade do marketing (todas as suas ferramentas), para o incentivo ao consumismo e ao consumo irresponsável. Seu discurso é massificado, popularmente raso, inócuo. Difícil absorver algo mais dele além de algumas linhas de moralismo infantil (faço, me arrependo e me rendo),- mas nada supera quando assume seu amadorismo, ao forçar – prolongando por 10 minutos – seu foco em um romance. Boa ideia, que pode parar o lixo, tranquilamente.
Valente
3.8 2,8K Assista AgoraPreocupante o rumo que a Pixar está tomando, desde que foi integrada aos estúdios da Disney. Quando nasceu – do criativo Lasseter e do guru da tecnologia e inovação Jobs – o grande mérito estava em como conseguia, trabalho após trabalho, escapar de fórmulas, e mais, realizar filmes funcionais para todas as idades, fazendo ruir o formulaico jeito Disney de se fazer cinema. Deu uma nova cara para a inocência, enxugou as musicas enfadonhas, e esquivou-se de personagens unilaterais, indefesos, insossos – além de cuidar, precisamente, de cada detalhe do roteiro, com inventividade e inovação. Aquela Pixar de trabalhar com o tempo que fosse necessário, não existe mais (a que cuidava dois anos para fazer um roteiro descente, e não essa de dois anos para fazer cabelo) – entrou no processo de linha de produção, de soltar filmes com pressa, na correria, na onda do mercado. E a queda de qualidade começa a ser sentida agora, no segundo tropeço consecutivo – depois do desastroso “Carros 2” - o estúdio fez um filme que parece saído do desesperador início do século XXI da Disney, época de “Atlantis” e “Planeta do Tesouro”, e retoma o conceito de princesinha, agora mais forte, mais feminista, menos delicada – um último suspirar de Pixar, em uma trama manjada, bobinha, que nem a Dreamworks, um sub-Pixar, teria coragem de lançar dessa forma.
Elas
3.2 162A grande virtude de “Elles” está em Binoche. Beirando a faixa dos 50 anos, essa atriz francesa pode dizer que já fez de tudo – e que impressionantemente, pouco se repetiu nas telas, mesmo atuando comumente em filmes naturalistas (o que sempre lhe deixa de cara limpa), característica imperante do cinema francês. Aqui sua personagem é o centro de tudo e quem faz acontecer – criando uma jornada de autoconhecimento humanístico, incluindo-se aí, um desenvolvimento sexual, quase como uma (re) descoberta da libido. Não é um grande filme, estende-se além do necessário, e seu recheio é repleto de vazios e aleatórios, além da confusa mescla sonora natural e operística, que parece existir para dar tons didáticos nas fantasias da personagem (repleto de perturbações), conflitando com seu “mundo ideal”. Em época que se glorifica tanto Meryl Streep (com méritos), não podemos jamais esquecer que outra atriz, das melhores de todos os tempos, continua em atividade – e nos brindando com atuações pra lá de magníficas e memoráveis. Pode fazer filmes nem tão interessantes (como o caso aqui), mas sempre serão uma aula de cinema – simplesmente pela sua presença.
Sombras da Noite
3.1 4,0K Assista AgoraTim Burton virou vítima de sua própria criação, do jeito constante de exteriorizar, de forma bizarra/esquisita, sua afinidade com o gótico – o que, com tom de comédia, suaviza o soturno, o macabro a que seus filmes pertencem. Isso facilitou o ímpeto de atacá-lo, e até mesmo, diminuir seu - raro e perspicaz – cinema. Seus filmes são muito mais do que suas criações visuais acentuadas, notáveis e impecáveis no aspecto de produção, mas reducionista na hora de avaliar sua arte. O interesse de Burton vai muito além desse visual padronizado, já que sua real e motivadora faísca reside com frequência em seus personagens e sua essência,- a forma com que são excluídos da sociedade, vivendo em paralelo, com tom de rejeição, sob desconfiança. Seus personagens, - desde um Edward, passando por uma noiva Cadáver – sofrem da sociedade onipresente de seus filmes, assim como seu cinema sofre no julgamento dos críticos, que checam seu visual e tacham como “mais um Burton gótico se repetindo”, não se preocupando em avaliar as particularidades e as essências peculiares de cada personagem. Se vissem por esse aspecto e olhassem com mais atenções e carinho as motivações, veriam um autor com recorrência em sua obra (o que o certifica e o sublinha na categoria), mas que conduz para discussões muito mais profundas, e com “Sombras da Noite”, faz seu filme romance/tragédia mais impressionante – ainda que, um tanto quanto distante de suas maiores inspirações.
30 Minutos ou Menos
3.0 539 Assista AgoraReviver com tamanha intensidade o cinema de ação do final dos anos oitenta e começo dos anos noventa, com as pitadas – essenciais e necessárias – de contemporaneidade, faz do diretor Ruben Fleischer, definitivamente, um expoente do cinema de comédia e ação norte-americano. Apoiando-se na comédia de erro (uma das mais clássicas, oriunda do cinema mudo), inserindo doses cavalares de comédia politicamente incorreta (a febre do século XXI), e fazendo um misto de homenagem e paródia aos “neoclássicos” da ação “Duro de Matar” e “Máquina Mortífera” (incontáveis referencias aos personagens admiráveis, além de brincadeiras com Glover), Fleischer supera seu aclamado trabalho anterior - o inusitado “Zumbilândia” - com tranquilidade, pois acerta no ritmo, na ação, no tom das piadas, além de contar com um pra lá de inspirado texto dos novatos Matthew Sullivan e Michael Diliberti.
Na Estrada
3.3 1,9KWalter Salles é um ótimo observador e seu cinema é retrato disso. Proveniente de um berço de ouro – o que eventualmente o torna alvo de falácias – ele captura alma em histórias que estão distante da realidade que cresceu, seja do altruísmo nobre entre uma mulher e um garoto analfabeto, ou em um sertão de tradições arcaicas. Seu mérito mais marcante, porém, evapora nesta – dita, desafiadora adaptação literária, que é tecnicamente onipresente, mas essencialmente vazia.
Alguns elementos de sua concepção são nítidos: a ausência de uma trama e o incessante “deixar a vida levar”, sem rumo, sem direcionamento, fazendo tudo caminhar com a maior naturalidade possível. É o “feijão com arroz” do rodie-movie, ou seja, pessoas sem destino – sem rotina, sem responsabilidades. É o viver intensamente, sem pudores, sem regras – despreocupado com o amanhã. Nada de convenções sociais, apesar dos personagens serem moldados por culturas diferentes – isso não importa, pois a atitude é a anticultura. O sentido da vida é a estrada, e a estrada que será responsável por, além de moldá-los, apresentar-lhes o rumo de seus destinos.
Salles talvez tenha levado ao pé da letra o desapego temporal, um mundo onde o tempo não é contado – e com isso, fica difícil para nós, espectadores, acompanhar (exceto quando uso recursos literais, como local e tempo na tela) toda a naturalidade evolutiva dessas relações, a gradativa transformação, ou o sublinhar da estagnação. Porém, creio que o principal tropeço do filme está na forma retraída e tímida que Salles conduz a narrativa em relação ao tom de liberdade, a falta de cumplicidade com aquelas pessoas/personagens – a ausência de compartilhar a intensidade dos personagens, o que rouba-lhe a essência, fazendo com que aqueles personagens pareçam meramente jovens imbecis em busca de nada, de vazio, do oco. Existe algo mais que isso (ou deveria existir, imagino), e por não ir além desse limite – Salles desperdiça um elenco vibrante e intenso, onde ideias parecem ter ficado pelo caminho.
Os Três Patetas
2.7 240Sou fã dos irmãos Farrelly’s e pelo o que eles representam hoje para a comédia, não só norte-americana, como também a mundial – remetendo aos grandes comediantes da história, indo desde os Irmãos Marx, passando pelos geniais do Monty Phyton, e flertando com o cinema de Mel Brooks. Eles arriscam, ousam, introduzem elementos que, evidentemente podem não funcionar, mas não fogem das piadas – podem taxá-los de ridículos, mas oras, é uma comédia, e talvez essa seja a graça, essa é sua essência.
Norteados muitas vezes por caminhos ditos apelativos (escatologia e sexualidade, além de piadas com deficientes), aqui eles revelam uma faceta de seu humor que não encontram essa forma mais “ofensiva”, mas do mesmo jeito encontra a conjuntura de seu espírito cômico, a essência que sempre carregam – fazendo um filme muito mais acessível para crianças. Uma espécie de aura que os acompanha e que de forma recorrente aparece em seus filmes – independente de quais formas estão utilizando. Não importa o recurso e a forma encontrada, a competência e integridade estão intactas.
Mais do que qualquer animação, sua versão de “Os três patetas” é um prato cheio para adultos e crianças – o primeiro grupo pelo saudosismo e a fidelidade com que caracterizou o trio, e o segundo, pela forma costumeiramente simples e inocente de fazer humor.
O Preço da Traição
3.3 1,1K Assista AgoraEgoyan gosta de trabalhar com elementos surpreendentes em suas tramas, dando pitadas de mistério para dramas intensamente intimistas. O problema deste “O Preço da Traição” é que o cineasta perde o tom e avança demais o sinal, escorrendo drasticamente na banalidade para retratar a dupla face obsessiva, da esposa com o marido e da prostituta com a contratante. Reconhecido por trabalhar com sutilezas – vide a naturalidade que flui seu “O Doce Amanhã” – aqui a mão do diretor pesa, e as peças do xadrez e seus movimentos são tão pontuados, que o desinteresse pelos acontecimentos se torna constante (vai desde o mal entendido da relação do marido com alunos até a engessada introdução do filho problemático). Vale sublinhar ainda o desleixo que o roteiro foi feito, já que sendo fundamental para a colcha de retalhos que o filme propõe, ele tem deslizes infantis – como a Chloe ter informações precisas e verdadeiras, sendo posteriormente invalidada a forma que as conseguiu. Talvez pelos tortuosos caminhos que a produção passou, soltaram-no de qualquer jeito – sem revisitá-lo.
Intocáveis
4.4 4,1K Assista AgoraO melodrama não é uma espécie exclusiva do cinema por alguma nacionalidade. Todos os países gostam e fazem esse tão popular gênero, que conquista multidões – “viralizam”, ganham as massas. Enchem de lágrimas que se misturam com sorrisos, e você se engaja por aquilo – tem vontade de passar aquele bom sentimento para os outros, já que estes sempre aparecem carregados de lição de vida.
Quando ver alguém na lama, que se acha sem oportunidade, ou aquele que não dá oportunidade por prejulgamentos,- esses filmes visam deixam nossos sentimentos mais nobres, preenchem os sentimentos com maior humanidade, a vontade é aplaudir. A forma mais emblemática de conseguir promover esse sentimentos, é trabalhar a interelação entre pessoas que antagonizam – parecem impossíveis de serem associados, conectados, daqueles que parecem não pertencer ao mesmo mundo, com realidades muito distintas.
Aqui é possível partir para inúmeras opções – e o cinema já cansou de explorá-las. “Intocáveis” superlotou as salas de cinema na França, levando esse modelo de melodrama simples, ingênuo, massificado – para o topo das bilheterias mundiais, repetindo o sucesso de outro filme bastante semelhante (ainda que bem inferior) chamado “Um conto chinês”, que em seu ano de lançamento, tornou-se a maior bilheteria nos cinemas argentinos (usei-o como exemplo por ser mais recente, mas teríamos infinitos outros filmes nessa linha de duplas improváveis para usar como “case”).
Aqui fica definitivamente a prova de que um cinema, mesmo que feito sob cartilha, que baseia-se em uma formula, que fique preso a um cinema semiburocrático, consegue ser um belíssimo filme. Desde que feito com autenticidade, e acima de tudo, competência.
O Espetacular Homem-Aranha
3.4 4,9K Assista AgoraAndrew Garfield funcionou muito bem como o novo Peter Parker, igualando a atuação marcante de Tobey Maguire. A grande desvantagem é aqui não ter uma Dunst para dividir a tela e fazer um par romântico funcional (não à toa tornou-se icônica a cena do beijo do aranha com a Jane na chuva de ponta cabeça – química pura), que acaba tendo um presença fraca e muito inferiorizada da apática Emma Stone, como a primeira namoradinha do herói, Gwen (a própria forma que o casal de aproxima demonstra a fragilidade que será o romance no decorrer da trama). No geral, o filme de Marc Webb funciona melhor naquilo que esperava-se que ele fosse mais travado pela inexperiência do diretor, que são as cenas de ação, com sequencias espetaculares pelos ares (oriundo do cinema romântico indie dos Estados Unidos, imaginava-se que as principais virtudes do filme caberiam nessa etapa) – e conceitualmente, suas melhores partes são replicadas do primeiro filme de Raimi (por sinal, um filme bem melhor), e o que ele cria, inserindo como uma novidade perante a trilogia inicial, como por exemplo a busca pelo pai, sofre, provavelmente, por ser gancho para os demais filmes que certamente virão nos próximos anos, mas arruína a trama deste primeiro, fazendo com que sempre que foge desse caminho, pareça subterfúgio - para guardar conteúdo.
A Centelha da Vida
3.5 12Álex de la Iglesia continua fazendo seus filmes acidamente engraçados e essencialmente melancólicos, que nos fazem rir da desgraça alheia, e depois nos apunhala com uma dor irremediável, que pode facilmente ser especulado como moralista, de discurso fácil, talvez por ser direto demais e claro naquilo que quer transparecer mais o público. Mostra uma sociedade nos diversos níveis do corporativismo corrompida pela gana e a ânsia por obter mais, mais e mais – sem medir consequências, e sem se preocupar de agir de forma sem escrúpulos, achando o comportamento moralmente reprovável natural. Antes de ficar com a cabeça preso a uma barra de ferro, Roberto é um velho que não vale nada – a partir que sua vida passa a ficar em risco, passa a valer mais, as empresas (em todas as esferas) passam a tentam lucrar, criam um circo, chegando ao ponto de friamente ele morto valer mais do que vivo. Uma “dramédia” que faz pensar, além de tirar boas risadas pelas tiradas inteligentes e muito bem introduzidas dentro daquele cenário duramente dramático.
Ao Abismo: Um Conto de Morte, um Conto de Vida
3.9 38Um filme autoral é concebido a partir da necessidade de abordar, discutir e acima de tudo, expressar ideias. Dependendo do que quer discutir, escolhe-se a forma que irá fazê-lo: uma comédia, um drama, um terror, ou como o caso aqui, um documentário. Portanto, separar o Herzog dos filmes narrativos do Herzog de brilhantes documentários, é um trabalho desnecessário, já que sempre por trás de suas obras, independente da forma selecionada, está alguém contundente, que possui um discurso sempre inflamado, autentico, e como sua carreira veio a provar, polêmico.
E um polêmico que expõe suas ideias sem se esconder de temas fortes – e a prova definitivo, veio com este impactante documentário que discursa livremente sobre a pena de morte, mas revela no fundo, um cenário preocupante e sem perspectiva de uma realidade ocultada das grandes massas. Não adianta olharmos o documentário sem nos adequarmos geograficamente dos acontecimentos, já que isso é determinante: estamos diante de uma comunidade, quase uma sociedade alternativa, que vive com outras informações, outros conhecimentos, nascem em berço sujo e sem perspectivas, na pobreza, nascendo diretamente condenado.
O tom ameno, que chega a beirar a serenidade dos primeiros minutos do documentário, logo deixa de existir, para que Herzog vá, gradativamente, preparando o terreno para mexer brutalmente com espectador, e fazer um ensaio crítico brilhante sobre a sociedade e seu comportamento pelo senso de justiça, que culmina diretamente para todas as frentes influentes, desde a política, que acarreta na desigualdade social, que é alimentada pela publicidade na frustração dos pobres, que por fim, acabam sempre com a culpa de todos os problemas do mundo. Ora, por que a culpa sempre é do pobre? A culpa é daquele que não teve oportunidades? Daquele que nasceu com um destino sanguinário traçado? A morte dos pobres, em nada aliviará a dor dos ricos.
Ao final, fica um enorme desejo em agradecer Herzog por prestar esse tipo de serviço ao mundo, e jamais parar de realizar documentários (e também seus filmes narrativos brilhantes) que acrescentam tanto para nossa vida.