Quando as palavras “Queen” e “Rock and Roll” são colocadas na mesma frase, todos que a leem – ainda que não sejam adeptos do estilo musical – sabem do que se trata. Uma das maiores bandas da história é conhecida principalmente pela figura de seu vocalista, que possuía um estilo performático único e uma vida particular extremamente conturbada. Apesar de seu enorme sucesso, demorou muito tempo para que um roteiro sobre o grupo fosse filmado pela indústria hollywoodiana. Bem, para o bem de alguns que amaram a ideia de uma cinebiografia e para o mal daqueles que odiaram, em 2018 há a estreia de “Bohemian Rhapsody”. A trama do longa comandada pelo famigerado cineasta Bryan Singer acompanha toda a trajetória do Queen, mas volta boa parte das atenções para a persona de Freddie Mercury (Rami Malek). As câmeras de Singer se dirigem ao garoto comum de família tradicional, que tinha quatro dentes a mais do que o normal. Mercury nunca quis retirar os dentes, já que, segundo ele, sua arcada dentária fazia com que tivesse um melhor alcance vocal, apesar de ter que conviver com um sorriso incomum. Ele se junta a Roger Taylor (Ben Hardy), John Deacon (Joseph Mazzello) e Brian May (Gwilym Lee) para formar a banda. Com eles, vem junto talvez o maior amor da vida do cantor: Mary Austin (Lucy Boynton). Austin foi o apoio moral e o ombro amigo durante toda a carreira de Mercury. É no período de formação que o filme possui um de seus deslizes ao mostrar tudo acontecendo muito rápido: os membros se encontram, compõem as musicas, fazem alguns shows e já são lançados ao estrelato, tirando um pouco da importância do processo. Como cinema, “Bohemian Rhapsody” é prosaico, não trazendo nenhum tipo de elemento que o destaque no meio de tantas cinebiografias já feitas, porém, ele possui algo que atrairá multidões: músicas icônicas. Durante os shows e ensaios, grandes hits tomam conta das caixas de som do cinema, empolgando a plateia, principalmente os fãs de carteirinha. É comovente saber os motivos por traz de composições como “We Will Rock You”, “Love of My Life”, entre outras, e entender a arte daqueles músicos como pura, sem que interesses comerciais atrapalhassem em suas convicções. Mesmo as várias mudanças de estilos musicais são enfiadas goela abaixo de produtores e agentes. Em tempos atuais, onde a opressão à cultura se intensifica, é inspirador ver em tela artistas trabalhando livremente, sem nenhum tipo de interferência econômica, estatal ou religiosa. Malek ajuda na imersão desse mundo com uma atuação sólida, trazendo à vida os atributos performáticos de Mercury e não exagerando nos momentos que sua homossexualidade vem à tona. Com a ajuda da maquiagem e de um figurino excepcional, o ator realmente se destaca e, se não acontecer alguns dos muitos erros de julgamento da academia, será indicado ao Oscar. A sua entrega ao papel chega ao ápice na representação do Live Aid ocorrido em 1985, quando, após atritos e a separação da banda, eles se juntam para uma causa nobre (o show foi para arrecadar dinheiro para combater a fome na África). Nessas sequências a alma do Queen está presente através da emoção de milhares de pessoas cantando junto no estádio de Wembley. Só não é tudo perfeito por causa do trabalho de edição e de figuração mal executados. Cortando entre o plano geral do público para figuras isoladas, é possível perceber a diferença de iluminação entre um e outro e a falta de empolgação de alguns extras. Quando o palco é mostrado de frente, também é evidente a quantidade pequena de pessoas que estão na primeira fileira, destoando de shows reais onde aquela posição é extremamente agitada. Ressalvas à parte, o filme é correto em sua proposta narrativa e magistral como um grande show cinematográfico do Queen. É certo que, ao final da sessão, alguém irá comprar uma camiseta da banda e baixar toda a sua discografia no Spotify. Com isso, Mercury e companhia continuarão com seus refrãos sobre amor, solidão e amizade; formando um mundo de admiradores que, de certa forma, farão parte para sempre da grande família real.
O amadurecimento de um jovem já é um processo difícil em condições normais, onde há uma família para lhe dar suporte. Agora, quando é preciso aprender sobre os obstáculos que o mundo impõe sem um pai e uma mãe, ou quando esses não são totalmente presentes, o caminho se torna ainda mais doloroso. O adolescente Charley Thompson (Charlie Plummer) sente na pele a falta da figura materna em sua vida e por ter um pai (Travis Fimmel) alcoólatra e mulherengo como exemplo. Charley é um entusiasta do atletismo (o filme começa com ele correndo pelas ruas) e possui habilidades no futebol americano, mas é extremamente prejudicado pelas constantes mudanças de cidade que faz junto com o pai, que não consegue manter-se em um trabalho fixo. Todas as aspirações esportivas seriam mais bem trabalhadas se o garoto estivesse matriculado em um colégio. Infelizmente, ele não está. Na Nova cidade, Charley conhece Del (Steve Buscemi) – que possui cavalos de corrida e faz dinheiro com competições semiamadoras – e começa a trabalhar como cuidador dos animais, principalmente de Lean on Pete, que já é velho e possui um problema em uma das patas. Quando Del ameaça vender o cavalo por já não mais conseguir ganhar corridas, Charley foge com o animal. Sem nenhum dinheiro, Charley rouba gasolina e comida, mas vê o motor da velha caminhonete parar de funcionar. Por isso, segue a viagem a pé, junto com o seu companheiro, sem monta-lo é claro, porque, afinal, os amigos precisam ser tratados com respeito. O objetivo é chegar até a residência de sua tia, que cuidou dele na infância. Como road movie “A Rota Selvagem” funciona satisfatoriamente, sendo apenas prejudicado pela obviedade do roteiro. Claro que o ineditismo em histórias como essa é praticamente impossível de se conseguir e, provavelmente, não era a intenção dos roteiristas criar algo totalmente original. A saída seria desenvolver situações que exigisse mais da capacidade dos atores e aumentar o clima de tensão durante as cenas na estrada. Explorar principalmente o ótimo Charlie Plummer, que se entrega ao papel durante toda a projeção mantendo o semblante melancólico – chegando até a esconder sua beleza – e uma postura curvada, sempre olhando para o chão (deve ter deixado seu talentoso avô orgulhoso), seria ideal para alcançar um resultado acima do habitual. É correta a direção de Andrew Haigh ao apostar nas câmeras intimistas para acentuar os sentimentos e abrindo os planos para mostrar a degradação das cidades durante a viagem e a solidão dos personagens nas cenas do deserto. Deserto esse bem fotografado em sua transição da aridez amarela para o negro frio coberto de estrelas por Magnus Nordenhof Jønck. O negro da noite que acoberta perigos diversos, mas, por outro lado, que inspira a liberdade para um garoto e um cavalo. Os dois que não possuem casa ou família e olham para um passado de dores. Eles não podem voltar porque não são vistos como seres que merecem uma segunda chance, então, o que resta é seguir rumo a um futuro incerto, porém cheio de possibilidades para recomeços. Essa crítica faz parte da cobertura da 42ª Mostra de Cinema de São Paulo
Já se tornou comum dizer que comediantes se dão muito bem em papéis dramáticos, chegando até a concorrer a prêmios por suas atuações. Basta citar Jim Carrey em “O Show de Truman” e “O mundo de Andy” e Steve Carrel em “Foxcatcher”. Bom, chegou a vez de Melissa McCarthy aspirar ao Oscar no novo “Poderia Me Perdoar?”, onde faz a escritora de biografias fracassada e cheia de dividas Lee Israel, que passa a falsificar cartas de personalidades do cinema e da literatura falecidas a fim de ganhar dinheiro. O esquema dá tão certo que ela larga a vida de escritora para se dedicar a criar cartas mais detalhadas e vender por valores cada vez maiores. A história se passa na década de 90, quando a avaliação de tais obras não era tão eficiente, facilitando a vida dos criminosos. Baseado em fatos, o filme mostra a personalidade corrosiva de Israel e sua incapacidade de fazer amigos ou manter os poucos que lhe restam. Ela vive em um apartamento nova-yorkino entulhado de lixo e livros com sua gata, o único ser que lhe suporta. McCarthy consegue segurar a sua veia de comédia e cria uma personagem legitimamente repugnante, o que não é uma tarefa fácil, devido aos tantos papéis engraçados que representou. Fácil também não é para o espectador – em especial aos que são fãs da atriz – em vê-la tão diferente em tela. Sempre haverá aquele que esperará que ela solte uma piada para amenizar um pouco todo o clima melancólica do longa. Claro que o figurino e a maquiagem ajudam a esconder um pouco a persona de McCarthy. O primeiro cobrindo-a de trapos sem cor, que a fazem parecer uma espécie de mendiga hipster e o segundo deixando-a extremamente pálida. Como complementando há os óculos grandes e peruca de cabelos quase brancos, curtos e mal cuidados. Logicamente que os ambientes acompanhariam o contexto por trás da construção da personagem com os locais mais escuros de Nova York e os bares mais afastados do glamour que a cidade representa. Uma pessoa sem valores só poderia transitar nesse submundo. A diretora Marielle Heller também leva ao apartamento com cômodos apertados da escritora todas as sobras presentes do lado de fora e praticamente a encurrala com closes sufocantes quando ela está deitada na sua cama cheia de moscas atraídas por fezes de gato e restos de comida. Cabe ao amigo de bebida Jack Hock (Richard E. Grant) ajuda-la na limpeza do local, porém, eticamente, o sujeito não é o mais indicado em limpar a sujeira dos outros, já que possui as suas próprias para empurrar para debaixo do tapete. Digamos que ele é uma versão dela um pouco mais charmosa, e o ator inglês ajuda nessa composição com sua notável presença de cena e suas linhas de diálogos certeiras. O fato é que nenhum dos dois se importa com quem estão prejudicando, o que vale é o dinheiro que entra, para depois sair em suas bebedeiras. Com isso, a amizade se fortalece. Aqui há um conto moral que a academia adora premiar e isso é um ponto a favor e também um ponto contra o filme. Se for agraciado com alguma estatueta, logo entrará no hall dos filmes bons, porém esquemáticos, que são lançados todos os anos por Hollywood. Esse esquematismo confunde o espectador, fazendo com que todas as produções se misturem em suas cabeças e se tornem iguais em suas essências, para logo serem esquecidos. Se não ganhar nenhuma, será apenas um filme comum que talvez seja lembrado pela primeira atuação “séria” de uma estrela da comédia. Sinceramente, não é possível saber o que é pior.
A definição popular de família é aquela em que há vários indivíduos do mesmo sangue vivem harmoniosamente em um ambiente perfeito. O pai provê o sustento, a mãe cuida dos filhos e da casa e as crianças seguem a rotina de lazer e estudos. Esse panorama, evidentemente, foi imposto à sociedade por sonhadores que julgam o que é certo e errado ou feio e bonito de acordo com suas concepções fabricadas pela mídia. Mídia essa onde o cinema se inclui e que tem em Hollywood o seu mais poderoso construtor de ilusões. Infelizmente, o mundo real pode ser bem mais cruel e sombrio com suas famílias dissolvidas; seus filhos, mães e avós abandonados e a constante violência doméstica. Por outro lado, existem também casos de completos desconhecidos que se encontram e, numa demonstração de fraternidade, se unem em comunidade, buscando fugir da solidão. Apenas artistas com uma visão de mundo mais ampla podem fugir do maniqueísmo comercial e representar pelo menos parte das verdadeiras histórias. Pois bem, dito isso, no vencedor da Palma de Ouro em Cannes deste ano, “Assunto de Família”, o celebrado Hirokazu Kore-eda aponta suas lentes para um grupo de pessoas que vive em um cubículo bagunçado na periferia de uma grande cidade do Japão. Só que esses indivíduos não possuem parentesco entre si, eles simplesmente passaram a morar juntos por motivos diversos: há a idosa que foi abandonada por seus parentes, o casal que não consegue ter filhos e dois adolescentes, sendo um garoto, ignorante sobre seus verdadeiros pais, e uma garota, deixada com a idosa em troca de pagamentos mensais. Se junta a eles, uma pequena garotinha que é achada vivendo sozinha nas ruas. Todos eles tiveram algo que os afastou de seus familiares reais e agora estão unidos como entes que se importam uns com os outros e não apenas fisicamente. Mesmo enfrentando a pobreza com subempregos e furtos em pequenos supermercados, essa inusitada família é feliz em seu microcosmo abastado de cumplicidade e união. Suas tristes vidas passadas são superadas e mesmo esquecidas, deixando as dores para trás. O exemplo mais evidente é o da garotinha que encontra nos braços de estranhos o amor que não tinha com seus jovens pais, que a espancavam com frequências. Porém, a ilegalidade do atos do grupo, já que a garotinha desaparece e é dada como sequestrada, bota em risco tudo o que construíram, fazendo com que as bases tradicionais da sociedade entrem em ação como vilãs implacáveis. Isso abre uma ótima discussão sobre como as pessoas estão cuidando de seus filhos. Será que uma casa bonita, escola e comida são suficientes para formar adultos felizes, ou é preciso algo mais? Esse algo pode estar escorregando pelos dedos daqueles que se preocupam cada vez mais com seus trabalhos e status sociais e menos com os outros a sua volta. Kore-eda não poderia retratar esses dramas de outra forma se não a naturalista. Sua câmera está na posição de espectadora e quase não se intromete nas cenas com maneirismos ou movimentos que lembrem que aquilo é um filme. Os planos são fechados, possibilitando intimidade e até gerando certo desconforto por serem tão próximos aos corpos suados nos momentos de verão escaldante, mas também acalentadores quando o inverno é rigoroso do lado de fora das velhas paredes. Como em um documentário, o diretor expõe as mazelas de um país que o mundo acha perfeito e mostra algumas formas de resolvê-las. Afinal, somos humanos antes de sermos asiáticos, ocidentais ou africanos e é por meio de nossa ligação fraterna que conseguimos sobreviver até hoje e um ambiente hostil a nossas frágeis existências.
Quem vive em São Paulo sabe como é amá-la e odiá-la ao mesmo tempo. Se por um lado ela é “pulsante” e chega a “respirar” como um ser vivo, por outro é caótica e desorganizada como um grande conglomerado de concreto carcomido. Essa dicotomia é importante na construção de “Obra”, pois representará a persona do individuo principal da trama e dos que o rodeiam. O certo é que, em sua enormidade e complexidade, a capital paulista esconde segredos em suas fundações que nem passam pela cabeça da maioria das pessoas que nela vivem. No filme, o cineasta Gregorio Graziosi conta uma história que vai buscar nas entranhas da cidade suas revelações e complicações para que elas façam parte como personagens principais do longa.
Revelações e principalmente complicações que começam na vida do Arquiteto João (Irandhir Santos de “Tatuagem” e “Aquarius”) quando restos mortais de várias pessoas são achados no terreno onde a obra do título está sendo executada. Essa construção, além de estar sob sua supervisão, ainda pertence ao seu avô. Depois da descoberta, a relação dele com a profissão, com a sua realidade e com a família começa desabar. Aliás, na primeira cena onde o vemos, o roteiro já entrega o há por vir sobrepondo o personagem a um vídeo de um prédio sendo demolido. A imagem projetada se mistura à sua figura, fazendo o paralelo entre ele e àquele prédio. Aliando-se a isso, a montagem, por vezes, usa um plano de João seguido de pedaços desconexos da cidade, intercalando-os. João também possui um erro estrutural representado por uma hérnia de disco que acomete todos os homens da família (por isso, quando sua coluna cede à doença no segundo ato, a sua desconstrução é completa). Seu pai a possui, assim como seu avô, que vive o que lhe resta da vida preso em uma cama. A doença serve como uma espécie de carma que os assola por causa de seu passado sombrio.
Afirmando seu desconforto, João entra no buraco onde os ossos foram achados e, depois de um ataque de desespero, se deita na terra como mais um daqueles corpos esquecidos no passado. O centro de São Paulo, com seus prédios decrépitos, é o cenário por onde João transita e usa como um enorme mausoléu particular. Os becos quase sem iluminação expressam a semivida dele e da cidade. A sua confusão psicológica é determinada por luz (representado pela igreja onde ele faz uma restauração) e sombra (o terreno do avô, onde a obra está em execução). Parte da luz também vem da figura da esposa grávida (Lola Peploe). A mulher, com sua inocência e carregando, além do filho, uma paixão por um passado rico e vivo (ela é arqueóloga, mas ao contrário dele, encontra vestígios de um povo que viveu harmonicamente) são os respiros de um homem no limite. Belamente fotografado em preto e branco por André Brandão, a falta de cores casa com uma São Paulo sempre encoberta por névoa e com o céu de nuvens carregadas, servindo ao tom lúgubre da personalidade de João e com sua situação de dor e pressão emocional. Brandão e Graziosi são certeiros ao enquadrar João sempre ereto (apesar das dores nas costas) de frente à selva de prédios, igualando-o com as construções, ou quando o encurrala em cubículos de concreto, fazendo-o caminhar de um lado para o outro batendo a cabeça nas paredes em uma situação que não há saída. Seguindo a mesma ideia, há momentos em que o enquadramento o coloca no canto do plano, com uma parede ou coluna limitando seu espaço.
De acordo com os outros elementos usados pelo roteiro, o figurino é configurado com a pretensão de vesti-lo basicamente com blazers e camisetas, mas sempre de forma alinhada e elegante em tons escuros (quando a sujeira da família vem à tona e quando ele precisa executar um ato reprovável), ou mais claros (quando busca se redimir). O Blazer branco só é maculado quando é atingido pela terra misturada com cabelos das vítimas, que é enviada para o seu escritório dentro de um envelope. Sofisticação e miséria são inerentes a ele. No terceiro ato, depois do nascimento do filho, João está na cama ao lado da esposa, vestindo o blazer preto. Sua imagem é levemente desfocada para deixar a incerteza de qual o papel desempenhará como pai. Será que manterá o legado da família? Complementarmente, há uma cena dentro do carro que evidencia o quão pressionado pelo passado ele está, já que seus apreensivos olhos são filmados como reflexo no retrovisor. Como dito acima, o futuro é deveras incerto, e, em outra cena, o vidro dianteiro totalmente embaçado prova isso. Há ainda a intromissão dos sons da metrópole misturados com a trilha sonora de tons graves, que inundam o apartamento em que mora, gerando desconforto e nervosismo ao espectador e colocando-o cada vez mais em um turbilhão de desespero.
Graziosi usa todas suas ferramentas para confeccionar sua narrativa com moldes de thriller e pitadas de drama psicológico, mas, executa de fato um ótimo conto moral carregado de toneladas de arrependimentos misturados com concreto, terra e ferro retorcido.
A imaginação é um excelente refugio para os momentos obscuros. É sabido que grandes obras de arte foram concebidas quando seus autores estavam passando por conflitos, sejam internos ou externos. Além disso, é a capacidade de fantasiar que livra as vidas de milhões de pessoas da monotonia do dia a dia regada de afazeres. Levadas para outros mundos, essas pessoas se satisfazem fora das suas realidades. O cinema é, atualmente, o grande gerador de ilusões. Das ilusões do realizador, que as colocou na tela, e da plateia, que entra por meio da sala escura. Das duas formas, é preciso um grande exercício de imaginação para que as imagens façam sentido em todas as retinas. No entanto, quando o cinema não estava a alcance de todos, eram nas histórias inventadas e contadas oralmente ou por meio da literatura, que se refugiavam todas as cabeças necessitadas. Christopher Robin é uma dessas cabeças, já que é mandando para um internato só para garotos, logo em seguida perde o pai e, na vida adulta, vai à guerra, deixando a esposa ainda grávida para trás. O Robin da infância cria vários personagens com os quais interage em uma floresta perto da casa onde passa as férias com os pais. Há o ursinho com déficit de atenção Pooh, o burro pessimista e com tendências suicidas Oió, o coelho Abel, Corujão, Leitão e o Tigre. Eles são bichos de pelúcia falantes que viram amigos do garoto. Pooh e o resto da turma não são tratados pelo roteiro como devaneios ou pura ilusão e sim como a materialização da imaginação de Robin, e simbolizam uma vida bem mais simples, sem as amarras da vida adulta e suas obrigações com o trabalho, dinheiro, etc. Fazer com que outros personagens (a filha e a mulher principalmente), também possam ver os bichos, obviamente leva a eles a magia, o que se sobrepõe a uma sociedade atarefada, que não possui a liberdade de não fazer nada com o seu próprio tempo. Não fazer nada é o que Pooh mais gosta de fazer, a propósito. Desde muito tempo, quando ainda andava pela floresta, Christopher Robin não sabe o que é não fazer nada. Sua esposa e filha (o diretor Marc Forster as filma em planos fechados para configurar as suas solidões) se sentem sozinhas sem a presença do marido e pai. Ele só vê o trabalho à sua frente, ainda mais depois que precisa reestruturar a receita da fábrica de malas em que trabalha para impedir uma demissão em massa. Mesmo o ambiente de trabalho do escritório da fabrica é soturno, com cores sem graça. O seu chefe é apenas um aproveitador preguiçoso que toma para si as ideias dos empregados (por isso é enquadrado com se estivesse apoiado no ombro de Robin em algumas cenas). Todos esses fatores levam a vida cativante e divertida do nosso herói ao esquecimento, e faz com que a sua floresta particular seja coberta por uma névoa que separa Pooh de seus outros amigos; desaparecidos sem deixar vestígios. Pooh então parte para Londres por meio de uma abertura em sua árvore para pedir ajuda a Robin. Após o primeiro encontro e sempre sem querer, Pooh desorganiza o ambiente controlado de Robin quebrando os objetos da casa, para assim fazê-lo voltar aos sentimentos do passado. Uma espécie de destruição que serve para reestruturar uma condição a muito escondida. O caminho de pegadas de mel deixado pelo urso em outro momento também leva ao que realmente importa: o quarto da filha, onde há relíquias desse mesmo passado esquecido. “Christopher Robin: Um Reencontro Inesquecível” é bem simples em sua proposta de seguir o conceito clássico dos contos de fadas: uma pessoa comum que possui um grande problema consegue resolve-lo por meio de algo fantástico. Porém, faz o fantástico permanecer no mundo que se diz real para que algo de divertido aconteça. Nada como uma produção leve da Disney para acortinar a nossa contemporânea realidade cada vez mais sombria.
A franquia Missão: Impossível prova de tempos em tempos que não é preciso indivíduos com poderes extraordinários para que se tenha super-heróis. Ou, pelo menos, não é necessário que usem fantasias, soltem raios pelas mãos e voem, já que Ethan Hunt (Tom Cruise) corre e salta de prédios como nenhum outro e sobrevive a situações que só um sobre-humano conseguiria. Tudo isso usando Jeans e jaqueta de couro. Se nos filmes anteriores Hunt era apenas um agente especial extremamente habilidoso, em Missão: Impossível - Efeito Fallout, ele passa a ser o salvador do mundo, aquele que sempre estará pronto para livrar nossa pele. Claro que colocá-lo para salvar o mundo foi o objetivo de todas as missões passadas, mas, em Fallout, a afirmação é feita algumas vezes. Como se os roteiristas gritassem à plateia: Aqui está o nosso Superman. Uma personagem até chega a dizer que se sente mais segura em um mundo onde sempre haverá Hunt para lutar e resolver uma nova crise. Em relação à trama, basta dizer que terroristas roubaram cargas de plutônio (sim, plutônio) e ameaçam detonar bombas atômicas em várias partes do mundo. Então Hunt, Benji (Simon Pegg), Luther (Ving Rhames), Ilsa (Rebecca Ferguson) e o recém-integrado a pedido da CIA August Walker (Henry Cavill) precisam impedi-los. O problema é que questões pessoais entram em jogo quando o terrorista Solomon Lane (Sean Harris), preso pelo grupo no filme anterior, entra na história, além, é claro, da presença da ex-esposa de Hunt, Julia (Michelle Monaghan). Lendo a descrição dá para perceber que o roteiro de Efeito Fallout não possui nada de inovador. Tirando algumas boas reviravoltas, o restante já foi visto antes, inclusive nos próprios filmes da série. No entanto, há certo encanto em ver aqueles personagens na tela, fazendo com que passemos por cima de qualquer obviedade que possa estragar a experiência. Esse encanto, em parte, vem por causa de Cruise e seu extremo envolvimento nas cenas de ação que colocam sua vida em risco. Dessa vez ele salta de um prédio para o outro (quebrando um tornozelo no processo), pilota helicópteros e motos e corre como nunca (correr muito também não é algo novo para ele). Além disso, o entrosamento do grupo e o humor nervoso de Pegg conseguem dar ao filme um tom sempre agradável. Todas as cenas de ação são em grande escala e se passam em cenários imponentes, porque, lembrem-se, não estamos falando de pessoas comuns e sim de super-heróis. Christopher McQuarrie entende isso e comanda sequencias que usam marcos com Paris e Londres como ferramentas para os malabarismos dos seus personagens. As famosas ruas estreitas da capital francesa são importantes em uma perseguição, assim com os tetos dos prédios da cidade inglesa. McQuarrie consegue aproximar o espectador a essas cenas usando alguns recursos do 3D, como em uma perseguição de moto que faz com que quase sentemos nas garupas. No entanto, o bom uso do 3D para por aí, deixando o resto apenas para nos dar dor de cabeça com seus planos sem profundidade. Mas não é apenas de ação que vive Efeito Fallout, também há Sci-fi (carros de controle remoto e as famosas mascaras moldadas em tempo real) e romance (a atração aparente de Hunt por Ilsa e a volta de Julia) nas linhas do roteiro, o que dá um pouco mais de substância para a história, não a deixando se esvaziar apenas com explosões e tiroteios. Com todos esses elementos, fica fácil gostar do filme e apreciar suas qualidades, ignorando os elementos que talvez não funcionem muito bem. Os méritos no final vão para uma produção que sabe atingir seu publico e para um grande astro que sempre tenta se reinventar, mesmo estando em Hollywood há tanto tempo. Fica a lição para alguns outros que tentam, mas que não conseguem ultrapassar o genérico.
O mestre italiano Sergio Leone é intimamente ligado aos westerns, principalmente pelos macarrônicos filmes da trilogia dos dólares e, evidentemente, por esse clássico chamado “Era uma vez no Oeste”. Ele que aparentemente faz parte de outra trilogia chamada de América e que é composta ainda por “Quando Explode a Vingança” e “Era uma vez na América”. Leone é um cineasta de poucos filmes, o que não o impediu de entrar para a história do cinema por causa de sua capacidade em criar cenas e personagens icônicos. A habilidade como narrador visual é notável e junto com outros diretores teve importância na construção do cinema norte americano atual. Junto a ele há nomes como Coppola, Spielberg, Scorsese e George Lucas. Há uma disputa acirrada entre “Era uma Vez no Oeste” e “Era uma vez na América” como o grande épico de Leone. Os dois possuem tantas qualidades que fica difícil escolher um ou outro. No oeste há o inicio de uma nação construída em um solo banhado de sangue. A América já formada é mais avançada, porém continua progredindo por meio da violência. Pistoleiros e índios, gangsteres e imigrantes são a matéria prima para criar tramas selvagens, que ficam gravadas nas retinas dos telespectadores. O interesse da câmera por esses seres marginais é carregado de poesia fílmica, mesmo que as mortes brutais estejam em primeiro plano. Este humilde texto é para analisar (ou tentar) especificamente Oeste, tentando esmiuçar os elementos que o formam como obra seminal. Obra essa que têm em seus primeiros frames três pistoleiros esperando em uma estação de trem a chegada de Harmonica (Charles Bronson), que, por sua vez, está à procura do assassino Frank (Henry Fonda). Frank tem a missão de tomar a terra da forasteira Jill (Claudia Cardinale), que chega de New Orleans para se casar. Também é importante na história o fora da lei Cheyenne (Jason Robards), que perambula com seu bando em meio à vastidão do deserto cortado pela construção da linha férrea. Dois desses personagens são marcados por Leone em closes que externam suas personalidades por meio dos olhos. Por isso os expressivos olhos azuis de Fonda são fundamentais para empregar a Frank a aparência de um animal selvagem a procura da caça. Selvagem também é Harmonica em um take na penumbra, com seus olhos destacados pelo brilho que parece de um felino. Eles dois são os agentes de ação do roteiro; com eles o filme começa e termina e é por suas ações que os conflitos são formados. São filhos daquela terra inóspita, onde nasceram e irão morrer. Já Jill é uma forasteira e, ao invés dos olhos, o que entrega isso é seu figurino. Em sua primeira aparição ela está coberta dos pés à cabeça e, conforme vai sendo inserida naquela realidade, perde quase todas as peças de roupa (na verdade elas são rasgadas de forma brutal ainda em seu corpo). Sua pele bronzeada e suada coloca quase que em igualdade com os outros e New Orleans fica definitivamente para trás. Para trás, mas não sem deixar marcas, já que o passado é constante em sua vida, algo que ela tenta enterrar e fugir. Para os outros a situação é a mesma: Harmonica quer vingança por acontecimentos do passado, Frank é assombrado por esse passado esquecido, já Cheyenne quer que sua reputação de implacável seja sempre lembrada. No entanto, por mais que as memórias importem, é no progresso que está apoiada a narrativa. A linha férrea citada acima é de extrema importância para configurar a América seguindo em seu processo de construção, deixando o velho oeste com seus mitos para os livros de história. Os momentos mais importantes do filme se passaram com os trabalhadores ao fundo, martelando o metal na terra do deserto. Chegando à estação, a Maria fumaça serve para trazer e apresentar personagens, e os malfeitores mortos são esquecidos no meio da poeira levantada pelos trens. Morte e vida, destruição e construção. Leone usa seu estilo cadenciado para que aquelas imagens fiquem registradas nas cabeças dos espectadores. Servindo como um compasso para as imagens, há a trilha de Ennio Morricone. A tensão e o suspense são muito bem representados pelas musicas que vão do sutil ao estridente, às vezes em uma mesma cena. É impossível não reconhecer o trabalho do maestro, inclusive para os espectadores menos apegados aos detalhes. Quando a reconstrução e o passo à frente são necessários, é na figura da solteira Jill que vemos a representante. Por outro lado, é constrangedor notar em algumas linhas do roteiro mensagens extremamente machistas, como quando Cheyenne diz a Jill que ela precisa servir alguns trabalhadores e fazer pouco caso se algum deles passar a mão em seu corpo. É como se ele dissesse: “veja, você está aqui para servir os homens que são importantes para o país, por isso, é aceitável que eles façam com você o que eles quiserem.” Evidentemente se trata de uma produção da década de 70, o que a faz ficar bem longe das demandas femininas dessa nossa década. Com certeza, os olhares femininos irão se ofender, porém, é um fator que se pode relevar para que a obra seja apreciada. “Era uma vez no Oeste” é imortal porque uniu um grande tema com a roupagem original de Sergio Leone. Seu elenco é afiado e os fatores técnicos são soberbos. Um grande clássico como esse faz escola e gera imitadores (ou aqueles que querem homenagear), por isso, a nova geração talvez não se impressione, pois terá a impressão de já ter visto vários de seus elementos em filmes recentes (como em quase todos os de Tarantino), o que tira um pouco do impacto na revisita, mas não afeta a grandeza dessa obra prima.
O que é o cinema se não a representação da vida? O que é a vida sem a inevitável morte? São perguntas que o cineasta mexicano Michel Franco tenta responder no delicado e, ao mesmo tempo, brutal “Chronic”, onde dirige e escreve. Ganhador de melhor roteiro no festival de Cannes em 2015, Franco entrega um filme “puro”, aquele que tem por principio mostrar a realidade sem as amarras narrativas ou estilísticas, quase se aproximando do documentário. Faz um recorte de vida de pessoas comuns de forma minimalista, mas inteiramente competente. Trata-se de uma proposta onde um fio de história serve para o filme todo, não necessitando de grandes arcos dramáticos ou de uma jornada pré-definida. De fato, é a realidade que bate à porta. Como nome mais conhecido do elenco, Tim Roth dá vida a o enfermeiro David, que fornece assistência em domicílio a pacientes em fase terminal. Seu trabalho dedicado vai além das tarefas atribuídas a ele, levando-o a se envolver emocionalmente com cada um dos enfermos. Por outro lado, David tem no passado algo que o atormenta e que o fez se afastar da filha estudante de medicina. A solidão do homem é tanta que, em algumas vezes, ele toma para si a história dos pacientes de quem cuida. Um exemplo é quando, em um papo de bar, ele diz que era casado, mas que a esposa havia morrido de AIDS. Isso logo após ter cuidado de uma aidética antes dela falecer. Diferentemente dos personagens explosivos da carreira de Roth, seu David beira a inércia em uma atuação que depende do olhar e dos pequenos gestos. Sua constante vontade de ajudar com sorriso no rosto contrasta com a melancolia de quando está sozinho em sua casa escura. O que ajuda Roth em seu desempenho é a maneira que Franco constrói os planos. Pouco movimentando a câmera e apostando em seguidos planos “mortos”, onde a situação se desenrola naturalmente, sem mudança focal ou cortes, o diretor força o espectador a olhar a degradação que traça o limite da breve existência do ser humano. David está sempre por perto; enquadrado entre batentes de portas e colunas, que o integram e o aprisionam naquelas casas. Os poucos travellings usados são para mostra-lo em suas corridas durante as folgas ou quando chega à casa de um paciente que morreu fora de seus cuidados, ou seja, em momentos de stress, onde nada está sobre seus cuidados. A figura do enfermeiro pode ser comparada a dos anjos mitológico que espreitam o leito de morte. Estão ali para levar a alma quando a vida chegar ao fim. Porém, não há nada de mitológico em “Chronic”, há sim a grande discussão existencial do sentido da vida em seres que já nascem com o cronometro contando o tempo para o fim. Às vezes o cronometro é adiantado por uma doença ou qualquer outra fatalidade. Por isso, para que amaram, se reproduziram, ou mesmo viveram? Pelos rumos tomados pelo roteiro é fácil decifrar a ideia de uma vida efêmera e sem significado. Deixando a irônica reflexão de que o que resta a ser feito é amar, se reproduzir e viver. Com enxutas e suficientes uma hora em meia de duração, é possível traçar todos os dilemas de David sem forçar uma resposta fácil ou precipitada. Decisões polêmicas são tomadas e gerariam enorme discussão se o filme fosse direcionado a um publico mais amplo, fora dos circuitos de festivais. Infelizmente algumas obras são apreciadas por poucos e discutidas em esferas menores. A intenção desse texto é trazer mais um suspiro a essa produção de três anos atrás e torcer para que alguém se interesse em conferi-lo.
Imagine um mundo onde os livros e, consequentemente, todos os tipos de arte são proibidos. Nesse mundo, os bombeiros não combatem incêndios, porque são os agentes causadores do fogo; uma força policial que procura rebeldes acumuladores de arte e faz fogueiras de livros em praça pública a mando de um governo ditatorial que controla a população por meio de uma ideia deturpada de felicidade. No ideal desses homens, para que servem os livros, filmes e musicas com suas propostas autorais, fazendo com que as pessoas fiquem confusas em suas entrelinhas ou em suas confusões filosóficas? O controle vem por meio da tecnologia onde o big brother vigia a todo o momento e transmite ao vivo a privacidade dos cidadãos em rede nacional. Ray Bradbury escreveu o ícone da ficção cientifica distópica “Fahrenheit 451” na década de cinquenta, mas a sua história se encaixa perfeitamente na sociedade moderna. A escravização tecnológica promovida pelas telas de celular e internet pode ser o inicio de uma realidade próxima ao do livro, só falta um governo como, por exemplo, o de Donald Trump nos EUA, para dar o golpe final. As ditaduras tomam forma quando a população está distraída com outros assuntos e não consegue perceber quando algo está errado. Retirar a arte e cultura é o estopim para formar cidadãos sem a capacidade de formar pensamentos críticos, sendo relegados a miseras formigas trabalhadoras. François Truffaut já tinha dado a sua visão em 1966 quando filmou a história com Oskar Werner e Julie Christie e conseguiu êxito com um filme que, assim como o livro, virou clássico. Em 2018, a sempre confiável HBO lança a versão modernizada de “Fahrenheit 451” trazendo o astro do momento Michael B. Jordan no papel do bombeiro com peso na consciência Guy Montag. Como cadete Montag espera a promoção de seu superior e amigo Beatty (Michael Shannon) para que fique em seu lugar como capitão. A péssima recepção crítica em Cannes, onde foi mostrado fora de competição, fez com que o longa caísse no limbo das preferencias cinéfilas, tendo um lançamento frio por parte do canal. Felizmente, os críticos de Cannes não estavam totalmente certos em suas análises. Claramente se trata de um filme que não transparece nenhum tipo de emoção em seu roteiro. Seus frios personagens são geram qualquer ligação com os espectadores. Frieza que parte principalmente de seu protagonista extremamente desinteressante. B. Jordan tem parte de culpa em relação a isso, já que cria um Montag sem inspiração, praticamente no automático. Já Shannon precisa urgentemente pedir a seu agente que lhe mande papéis diferentes do que ele fez em “A Forma da Agua”. Um ator de alto calibre como ele não pode ficar preso em estereótipos de vilões sem escrúpulos. Por fim, Sofia Boutella entrega o que pode nas linhas rasas de sua Clarisse McClellan. Todas as adaptações de livros consagrados ao cinema receberão por parte dos fãs e especialistas algum tipo de ressalva, o que não é diferente aqui. Talvez, a parte de ser exatamente uma adaptação não esteja sendo entendida por todos. Um roteirista não é obrigado a transcrever exatamente o que está na obra literária, e isso é impossível. O cinema possui suas particularidades e precisa se valer delas para destacar-se perante as outras artes. Dito isso, o roteiro de Ramin Bahrani não é totalmente um desastre em criar novos personagens e situações, assim como alterar o final, em prol de um fluxo narrativo mais de acordo com as propostas iniciais. Também cuidando da direção, Bahrani consegue de forma aceitável mostrar suas intenções em cenas bem construídas. Ajudado pela boa fotografia de Kramer Morgenthau, que ilumina um mundo de forma escassa, apostando nas penumbras e em cores que lembram destruição o tempo todo, o diretor usa do vermelho e amarelo do fogo refletido nos rostos para externar as suas facetas. Distorcendo os planos, principalmente quando caminhão dos bombeiros é mostrado em ação, Bahrani lembra que aquela sociedade está doente. Tecnicamente bem executado, mas com falta de inspiração, essa nova aposta fica na média se comparado com as produções mais comerciais feitas nos EUA atualmente. Nada fora do comum, porém, bem longe da imagem execrável feita após o festival de Cannes. Afinal, Bahrani não é Truffault, dificultando assim a tarefa de fazer um filme que se tornasse memorável.
Quando a Marvel começou sua jornada no cinema lá em 2008 com o primeiro “Homem de Ferro”, planos grandiosos já estavam sendo traçados, e a intenção era clara quando Tony Stark encontra Nick Fury na famosa e pioneira cena pós-créditos. Todo fã de quadrinhos ficou com aquele frio na barriga de expectativa. Finamente iria-se ver os grandes heróis juntos na tela grande. Depois dos famosos filmes de origem, a história culminou no primeiro “Vingadores”, seguindo com “Vingadores: A Era de Ultron”. Divido em fases, o estúdio, junto com suas mentes criativas, confeccionou uma teia de eventos complexa e inédita no cinema e tornou-se tendência copiada pela concorrência. O que está em movimento agora é a fase três, que terá “Homem Formiga e a Vespa” e “Vingadores 4” para o fechamento. Precedidos, logicamente, por esse arrasa quarteirões chamado “Vingadores: Guerra Infinita”. Esperado com ansiedade, o embate contra o poderoso Thanos finalmente é executado. O grupo separado em “Capitão América: Guerra Civil” se junta novamente para enfrentar um inimigo em comum; agora com a ajuda do Pantera Negra e toda a nação de Wakanda e dos Guardiões da Galáxia. Thanos é um destruidor de mundos que quer juntar todas as joias do infinito em sua manopla e aumentar seu poder, para assim, num estralar de dedos, matar metade dos seres vivos do universo. Bem trabalhado em computação gráfica, o vilão é tridimensional e segue conflitos pessoais como os que passam os heróis. A competente atuação de Josh Brolin confere um ar de superioridade ao mesmo tempo em que demonstra cansaço entre as marcas de seu rosto. Seus atos genocidas são, para ele, como atos de misericórdia, já que é aceitável matar trilhões de seres vivos para salvar outros trilhões da falta de recursos causada pela superpopulação. A invasão das tropas alienígenas é rápida, não dando tempo para que Tony Stark consiga reunir a equipe. Por isso, o longa é dividido em núcleos de combate em Nova York, Wakanda e espaço, junto a isso ainda há os minutos reservados para Thanos. No quesito direção, os irmãos Russo trabalham com vigor as cenas de ação descomunais. Suas câmeras viajam entre as lutas de inúmeros personagens sem fazer com que a noção espacial seja perdida. Sempre é claro o que está acontecendo na tela. Para ajudá-los há a montagem que dá conta de fazer com que tantas situações não confundam o espectador, tornando a trama fluida e divertida. Como de costume, as piadas estão presentes para balancear o tom sombrio que cenas de tortura e mortes podem causar. Talvez esse seja a produção mais sombria do universo Marvel, chegando a causar medo em alguns momentos. Parece uma iniciativa mais adulta, que não tem medo de mostrar os grandes ícones sangrando em momentos de guerra. Depois da invasão do exercito de Thanos em Wakanda, o filme se torna ainda mais visceral, mesmo que algumas cenas sejam suavizadas pela edição rápida. Sem sombra de duvidas o futuro de personagens que o público aprendeu a se importar durante os anos é incerto desde a introdução até o final. Será que eles terão forças para superar um inimigo mais forte e implacável? Essa é uma pergunta que o roteiro de “Vingadores: Guerra Infinita” responde em parte, já que ele trás mais perguntas do que respostas, deixando as revelações para o próximo filme. É interessante notar que cada um dos heróis principais possuem praticamente participações iguais em tela durante a projeção. Dessa vez o manto de protagonista não caiu nas costas do Homem de Ferro, distribuindo a importância e ampliando as possibilidades dramáticas. Isso é muito bom, pois abre o leque para possíveis despedidas, e prepara o terreno para uma eventual nova equipe na próxima fase. “Vingadores: Guerra Infinita” guarda algumas surpresas (o que é raro em filmes de super-heróis) conseguindo fazer com que alguns nerds pulem da cadeira, principalmente no final do terceiro ato. Enfim, tira aquele sabor ruim de mesmice que os seus antecessores deixaram e ilumina um futuro promissor para um segmento que já parece demostrar sinais de saturação.
Obs: Como todos já sabem, há uma cena extra no final dos créditos. Essa em especial precisa ser vista, devido a sua grande importância para o que vem a seguir, não só em relação aos Vingadores, mas também a outros membros do universo.
Em uma pequena cidade dos EUA uma família sobrevive a algo que aparentemente devastou quase toda a vida do planeta. O que resta agora são destroços do que já foi a nossa civilização. A câmera passeia no meio de casas e carros abandonados até chegar aos humanos que ainda lutam; amontoando-se em grupos de maltrapilhos. Sinopses como essa se tornaram comuns no cinema e na TV em produções que mostram invasões alienígenas, monstros, maquinas assassinas, vírus e zumbis. Quando um filme nesses moldes é anunciado, todos se perguntam: Será que haverá algo de novo? No caso de “Um Lugar Silencioso”, a resposta é sim. A tal família aqui é formada pelo pai (John Krasinski), a mãe (Emily Blunt), a filha surda (Millicent Simmonds) e os dois filhos interpretados por Noah Jupe e Cade Woodward. No inicio do longa vemos todos eles indo a um pequeno mercado atrás de suprimentos. O que chama a atenção nessa sequencia é o silencio. Não há diálogos (a não ser o por meio da linguagem de sinais), não há música, e todo o caminho entre a casa na fazendo onde eles moram até a pequena cidade é demarcado por uma trilha de areia, que serve para abafar os ruídos de seus passos. Todos estão descalços e tomam o maior cuidado ao manusear objetos que possam fazer qualquer tipo de som. Logo é revelado que os humanos foram subjugados por um predador cruel que, apesar de cego, possui superaudição. John Krasinski, que atua e também dirigi, consegue criar um ambiente sufocante ao tirar a capacidade de seus personagens de se comunicarem verbalmente e de tensão quando a simples queda de um objeto pode ser fatal. Nem mesmo os gritos podem ser ouvidos quando as mortes acontecem. Usando “Sinais” de M. Night Shyamalan como referencia, o diretor aterroriza nas cenas que a família está presa em casa enquanto as criaturas espreitam do lado de fora. O andar hora quadrupede, hora ereto, faz a madeira ranger e casa tremer com a movimentação rápida de caçadores no teto e pelas paredes. A menção a “Alien” feita acima também não é por acaso, já que Krasinski bebe na fonte do clássico de Ridley Scott para assustar a plateia quando as vitimas são pegas de surpresa por um ataque rápido, que vem de fora do quadro. Só sai uma nave perdida no espaço e entra uma fazenda isolada. Além do clima bem construído, o filme faz uso de um bom elenco. Dor, medo e desespero são entregues por meio de expressões, e a novata Simmonds, que perdeu a audição na vida real, é o foco da trama. Por causa de acontecimentos que não cabem ser explanados para evitar spoilers, ela se sente preterida por um pai que não consegue demonstrar seu amor. Blunt é encantadora como sempre na pele de uma mulher que quer a todo custo defender sua prole e Krasinski segue a linha do pai focado em seguir as regras de uma nova realidade. Ou seja, “Um Lugar Silencioso” é um drama familiar independente misturado com o gênero terror, passado em um ambiente apocalíptico. É evidente que as intenções íntimas do roteiro possuem origem no casamento entre os atores principais, tornando a interação entre os dois ainda mais orgânica na tela. Claro que nem tudo são louros, já que os clichês do gênero insistem em dar as caras. Então, não se surpreenda com os sustos fáceis proporcionados por falsas situações de perigo ou com algo que aparece na tela de surpresa. E, se o design de som é competente em construir um mundo onde pequenos elementos sonoros dão vida a um mundo de silêncio, ou quando “sentimos” a surdes da garota como quando nossos ouvidos são tampados pela agua, ele também é prosaico em aumentar o tom para que aquele susto produzido por algo que aparece na tela seja potencializado. Pontos relevantes, mas que não atrapalham a competência de um ótimo filme de terror.
Ser cinéfilo nos anos oitenta e noventa foi um grande prazer. Nessas décadas surgiram grandes clássicos do cinema Pop norte americano que se tornaram sucesso em todo o mundo e criaram uma legião de fãs. Um dos artistas que está no topo dos letreiros de muitos desses filmes é Steven Spielberg. Como diretor, produtor ou roteirista, Spielberg fez com que as pessoas se apaixonarem pela sétima arte e ajudou a formar muitos dos que estão na indústria de Hollywood hoje em dia. O segredo foi carregar seus filmes de emoção e magia em histórias humanas, mas usando a fantasia e a ficção cientifica como agregadores narrativos. As produções do cineasta são usadas como referência há muito tempo, o que não deixou margem para surpresas quando Ernest Cline lançou seu livro “Jogador Nº 1” em 2011, se apropriando de ícones como “De Volta para o Futuro”, “Gremlins”, etc. Mas, “Jogador Nº 1” não se contenta em Spielberg, também há “King Kong”, “Godzilla”, O Iluminado (toda uma importante sequência reverencia Kubrick e Stephen King), entre outros. O cinema não é o único a ser usado como matéria prima, conferindo aos games um papel ainda mais importante para a trama que se passa em 2044, onde Wade Watts, assim como o resto da humanidade, prefere o simulador OASIS ao mundo real. Quando o seu criador, o excêntrico James Halliday morre, os jogadores devem descobrir a chave de um quebra-cabeça diabólico para conquistar sua fortuna inestimável. Ninguém mais indicado para dirigir uma adaptação de um livro com essa proposta do que o próprio Spielberg e, sem sombra de duvidas, o homem sabe para onde apontar suas câmeras, mesmo que essas sejam na maior parte do tempo virtuais, emulando um mundo de RPG. Nas mãos de alguém com menos talento, todo o significado além da pirotecnia seria desperdiçado e temas como o isolamento, a amizade e a fuga da realidade perderiam a importância. Realidade distópica em cidades que mais parecem grandes favelas amontoadas em toneladas de lixo. OASIS é o que faz as pessoas fugirem dessa miséria e como os celulares, os aplicativos, as redes sociais e os próprios jogos eletrônicos do ano de 2017, proporciona a fuga em vidas imaginarias na pele de avatares escolhidos pelo jogador. Igualmente como hoje, há as corporações que visam lucrar com a escravização eletrônica dessas pessoas e exploram o que todas elas possuem: seus sonhos. Um grupo de jovens às margens lutando contra um vilão maior e poderoso. Com certeza se trata de uma fórmula batida, no entanto, a construção narrativa, como um jogo, pedia que esses personagens subissem de level assim que as fases fossem superadas e que reunissem habilidades para o final apoteótico, ao mesmo tempo em que prestaria homenagem a todas as obras que usaram dessa tal fórmula no passado. Como em “Gonnies”, a aventura dos amigos é perigosa ao mesmo tempo em que diverte a plateia. As batalhas são emocionantes por misturarem tantas figuras nerds conhecidas. Tudo é montado de forma frenética, nunca deixando que a sensação de clímax se esgote. Se a ação, aliada à trilha sonora com os hits “We're Not Gonna Take It” do Twisted Sister, “Stayin' Alive” do Bee Gees e “I Hate Myself For Loving You” de Joan Jett proporcionam frio na espinha, o mesmo pode ser dito da constatação feita pelo roteiro de que a prisão virtual na qual estamos pode ser permanente se caso não buscarmos laços humanos. A integração entre pessoas é primordial em um mundo conectado por telas que projetam o artificial. No terceiro ato isso fica evidente e o chefe final só poderá ser vencido quando o grupo formado por Parzival (Tye Sheridan), Art3mis (Olivia Cooke), Aech (Lena Waithe), Sho (Phillip Zhao) e Daito (Win Morizaki) saberem o momento de jogar e também de desconectar.
Quando se ouve falar que Hollywood pretende adaptar um jogo de vídeo games para as telas, os jogadores e os cinéfilos sentem um frio na espinha. Então, o que dizer quando é anunciado o reboot de uma adaptação de um jogo de vídeo game que tinha como protagonista uma das mais importantes atrizes da atualidade? Bem, é certo que “Lara Croft: Tomb Raider” e “Lara Croft - Tomb Raider: A Origem da Vida” com Angelina Jolie não foram unanimidades para os “entendidos” de games e cinema, mas agradaram o público em geral, se tornando sucessos de bilheteria. Substituir um ícone como Jolie em um recomeço de história era, no mínimo, um risco. Dito isso, temos “Tomb Raider: A Origem” que, como o próprio título entrega, conta o início da carreira de Lara Croft (Alicia Vikander) como arqueóloga aventureira. Lara, desde a adolescência, treina lutas, arco e flechas e esportes radicais, além de adquirir conhecimento em arqueologia e história. Seu bilionário pai Richard Croft (Dominic West) é o influenciador da garota, sendo ele mesmo um grande arqueólogo. A trama gira em torno do desaparecimento de Richard depois que ele parte em busca do tumulo de uma suposta bruxa que guarda uma maldição e está enterrada em uma remota ilha na Ásia. Depois de um ano sem dar notícias, ele é dado como morto, deixando o grande império sem um líder. O nascimento da heroína Lara Croft é quando ela aceita a morte do pai e decide tomar conta dos seus projetos arqueológicos escondidos em um porão, onde há muitas coisas, inclusive os dados históricos da tal bruxa. Claro que ela tentará desvendar o mistério que tomou a vida do único membro de sua família, apesar de não aceitar totalmente a sua morte. Como Indiana Jones mas com muito mais charme e habilidades ela enfrentará os perigos de uma selva desconhecida cercada pelo mar, onde há mercenários armados com equipamentos de guerra, que usam dezenas de escravos em trabalho de escavações. Em “Tomb Raider: A Origem” Lara Croft sofre muito mais do que nos filmes anteriores, se machucando e sangrando em diversos momento; transparecendo um ar de realidade nos seus gritos de horror quando cai com um paraquedas ou quando foge de uma caverna que desmorona. Para todas essas peripécias era de se pensar que uma atriz com experiência em filmes de ação fosse contratada. Não foi o que não aconteceu, já que a escolhida para o papel foi a ganhadora do Oscar e acostumada a produções dramáticas Alicia Vikander. Após passar por um extenso treinamento antes das filmagens, Vikander consegue honrar sua antecessora ao executar cenas de lutas, perseguições e tiroteios com destreza. Seu carisma e boa atuação são pontos a favor, levando o espectador a se preocupar com cada queda ou soco que a personagem leva. Com certeza, já se trata de uma grande estrela mundial e fará por um bom tempo o papel de Lara Croft, isso dependendo do sucesso ou fracasso financeiro desse primeiro capítulo, evidentemente. Se a intérprete faz um bom trabalho, o mesmo não pode ser dito da produção e direção, pelo menos na maior parte da projeção. O cineasta norueguês Roar Uthaug não consegue imprimir ritmo em algumas sequencias importantes, minimizando o impacto e diminuindo a emoção, principalmente quando elas se passam em cenários construídos em computador que parecem terem saído dos primeiros jogos da franquia. Furos no roteiro deixam inverossímeis algumas ações de personagens importantes, como a do vilão Mathias Vogel (O sempre competente Walton Goggins) que diz a todo tempo que não vê os filhos há anos por que está preso na ilha até terminar o trabalho para o qual foi designado, no entanto, insiste em executar uma ordem que pode desencadear consequências mortais a eles. Também é curioso como os personagens se encontram por acaso em uma ilha como mata fechada e de enorme extensão. São pontos que poderiam ser mais bem cuidados, porém não atrapalham a experiência de quem só procura uma boa aventura sem precisar colocar as mãos em um joystique.
Pode parecer redundante dizer que Luchino Visconti é considerado um dos maiores cineastas da história e, ao lado de Fellini, Rossellini e De Sica, um ícone do cinema Italiano. Mas, o reforço sobre sua genialidade é relevante para que a informação sobre a nova retrospectiva do artista, que está em cartaz na cidade de São Paulo, ganhe destaque (em cartaz até o momento em que esse texto foi escrito, pelo menos). Nela, é possível conferir todos seus sucessos em película, possibilitando a revisita dos grandes clássicos. “Rocco e Seus Irmãos” é talvez o mais aclamado de seus filmes, aparecendo em várias listas de melhores de todos os tempos. O elenco por si só já é um deslumbre. Estrelas da grandeza de Alain Delon, Annie Girardot, Claudia Cardinale e Renato Salvatori fazem parte da constelação. A história é sobre os interioranos irmãos Parondi: Rocco (Delon), Ciro (Max Cartier), Luca (Rocco Vidolazzi), Simone (Salvatori) e Vincenzo (Spiros Focás), filhos da viúva Rosaria (Katina Paxinou), que se mudam para Milão. Paupérrimos e em uma cidade estranha, eles precisam arrumar trabalho para sobreviver. Simone, aproveitando um talento natural, vira campeão de boxe, lutando sob a batuta de um importante empresário, enquanto o resto dos irmãos são contratados em subempregos. Simone então conhece a bela Nadia (Girardot) e se apaixona por ela. O relacionamento com Nadia é o fator de conflito na vida da família, já que a garota passa a se interessar por Rocco. Simone, por sua vez, vê a carreira ruir e suas dívidas aumentarem. Dívidas essas devido ao seu estilo de vida boêmio e irresponsável. Visconti confecciona sua obra com ares de épico, servindo de modelo para inúmeros cineastas posteriores (todos sabem que Coppola se inspirou para Poderoso Chefão). A família como a grande instituição, com a mãe no centro é tradicional para os Parondi e o processo de destruição de seu alicerce começa quando o campo é substituído pela metrópole. Todos os seus membros são assolados pela constante necessidade de sobrevivência ou mesmo para serem aceitos nessa nova sociedade; valores são substituídos pelo padrão capitalista. O trabalho braçal de um dos irmãos em uma montadora de automóveis é um exemplo; principalmente quando ele é tratado como um traidor; àquele que não acolheu e perdoou um ente querido; voltando suas atenções para a vida de operário. Com suas quase três horas de duração, “Rocco e Seus Irmãos” é uma aula de cinema clássico. A fotografia de Giuseppe Rotunno é elegante em um preto e branco belo de se ver, ainda mais na versão restaurada em 4K. O contraste entre luz e sombras é primoroso em uma Milão que estava descobrindo a iluminação nas vitrines e fachadas de suas famosas lojas de grife. Essa Milão, no entanto, só é mostrada de passagem, através das janelas dos ônibus que os personagens usam para ir até a periferia. É nos conjuntos habitacionais do gueto que a trama se desenrola. O filme é construído em seus diálogos, que se tornam verdadeiras recitações nas expansivas atuações do elenco. Como em um filme mudo, os atores usam o corpo para demonstrar os sentimentos e gesticulam como se estivessem no teatro. Visconti registra tudo com a câmera próxima às situações, movimentando-a discretamente. A edição em fades trás a impressão de sonho em uma história que pode ter sido real para inúmeras famílias que se perderam tentando alcançar a “civilidade”. Rocco é o único que quer voltar à antiga vida, mesmo sabendo que isso nunca será possível em um mundo que os engoliu para sempre. Um caminho sem volta, realçado pelo último plano que mostra Luca, o mais novo de todos, correndo em meio a um cenário dominado por prédios de fábricas.
Alexander Payne já mostrou que não é um cineasta com propostas narrativas habituais e, gostando ou não de seus filmes, é preciso reconhecer que ele possui uma marca própria, distanciando-o do filão hollywoodiano que enchem as salas de cinema. Payne desenvolve histórias que se encaixam perfeitamente no cenário independente e que geralmente caem nas graças das principais premiações, como o Oscar. Foi assim com “Sideways”, “Os Descendentes” e “Nebraska”. Diálogos bem construídos para personagens desajustados e em situações desconfortáveis dão o tom de suas obras. Todas essas características estão de volta em “Pequena Grande Vida”, mas, agora com maiores ambições e um orçamento robusto. O orçamento foi necessário para dar vida a um mundo de ficção cientifica onde alguns pesquisadores noruegueses com objetivos ambientais criam uma máquina que diminui a massa corporal humana, deixando-os do tamanho de ratos. Após a revelação da inovação o mundo se transforma ao receber inúmeras comunidades de pessoas pequenas. A convivência com aqueles que não querem ser encolhidos é mantida com o compartilhamento de serviços públicos, como viagens de avião. Depois do procedimento, a classe média se torna milionária, por causa do baixo do custo de vida de uma pessoa diminuta. Paul Safranek (Matt Damon) um terapeuta, vê aí a grande oportunidade de realizar o sonho de ter uma casa nova (no caso, uma mansão) junto com a esposa vivida por Kristen Wiig. O problema é que Paul Safranek é um dos personagens desajustados de Alexander Payne e o que era para ser uma vida confortável encontra alguns percalços. Longe de ser aquele tipo de ficção cientifica sisuda, que tem em suas veias um pessimismo pulsante, “Pequena Grande Vida” consegue discutir temas recorrentes e sérios sem perder a leveza de uma comédia de erros. Questões sociais e políticas fazem parte da jornada de Safranek, demonstrando o quão longe de ser uma pessoa realmente boa ele está (apesar de ter cuidado da mãe até a morte e de tratar pessoas com problemas ortopédicos em seu trabalho). Cutucando levemente o imperialismo norte americano, há nessa “avançada” nova comunidade o antigo e conhecido esquema capitalista e suas barbáries resultantes. Há aqui a entrada de Ngoc Lan Tran (Hong Chau) uma vietnamita que é encolhida pelo governo de seu país para que seus protestos contra a inundação de sua cidade e a construção de uma hidroelétrica sejam calados. Para fugir de seus perseguidores ela entra clandestinamente nos EUA dentro de uma caixa de televisão. Socorrida, ela fica em coma e acaba perdendo uma perna. Sua história é transmitida pela mídia, fazendo-a uma celebridade. Mesmo com a fama, seu destino é um gueto junto com outros imigrantes e um trabalho como faxineira dos abastados. Em uma das casas que limpa, acaba conhecendo Safranek. Pessoas esfarrapadas longe das grandes maravilhas da civilização. É interessante notar a clara menção ao famigerado muro que Donald Trump quer construir na fronteira com o México. Em um momento, um ônibus levando trabalhadores entra em um buraco igual a uma abertura de esgoto para ultrapassar a imensa estrutura que separa as duas realidades. Ngoc Lan Tran trafega entre essas duas realidades, carregando sobras de comida dos ricos para os pobres. Safranek começa a ajuda-la e descobre que seus problemas não são tão graves em comparação com os daquelas pessoas. Uma invenção para salvar o planeta nada mais é que duplicação de seus erros em escala menor, e isso mostra a falta de capacidade do ser humano em superar ultrapassados costumes. Como dito, Payne não permite que seu filme perca o humor ao tratar de temas tão sérios. Tiradas sarcásticas são o que o diretor e também roteirista faz de melhor. Boa parte delas desferidas pelo personagem de Christoph Waltz e seu já famoso sotaque fanfarão. Outro ponto a destacar é a eficiência dos efeitos visuais que, mesmo aparentando ser baratos, fazem seu papel ao trazer à memória o clássico da sessão da tarde “Querida, Encolhi as Crianças”. “Pequena Grande Vida” deixa aquele sorriso no rosto mas acende um alerta sobre nossa vida de gente grande aqui na terra.
O cinema colhe na vida real sua matéria prima para contar histórias fantásticas. Tão impressionantes que se o “baseado em fatos reais” não aparece no inicio da projeção, a inventividade dos roteiristas que imaginaram aquilo seria louvada. Uma dessas é a da esquiadora aposentada e organizadora de jogos clandestinos de Pôquer Molly Bloom, no filme vivida por Jessica Chastain. Molly e seus irmãos são treinados desde pequenos pelo rígido pai Larry Bloom (Kevin Costner) para serem vencedores. Ele não admite o fracasso da filha, que sofre um acidente e abandona as olimpíadas onde era uma das favoritas a conquistar medalhas. Após largar o esporte e sem saber o que fazer, a mulher entra no mundo dos apostadores de Pôquer, que contém celebridades de todas as áreas prontas para gastar milhões em uma única noite. Claro que tudo sai do controle e ela acaba envolvida com a máfia Russa e passa a ser investigada e processada pelo governo americano. “A Grande Jogada” conta toda a jornada por meio de flashbacks intercalados com o presente onde o julgamento está às vésperas de acontecer. Dirigido e roteirizado por Aaron Sorkin o longa não economiza nos rápidos e abundantes diálogos. Quem o conhece de “A Rede Social” sabe que a verborragia é sua marca registrada. Aqui, além dos diálogos, ainda há a narração em Off da personagem principal. Então, fica difícil acompanhar a legenda para quem não sabe inglês. Todo esse falatório incomoda nas duas horas e vinte de duração e, talvez, nas mãos de um cineasta mais sensível cinematograficamente, a gramatica das palavras poderia ser substituída pela gramatica das câmeras. Melhor do que falar é mostrar, na linguagem do cinema. O filme se torna uma espécie de teatro falado em suas inúmeras sequencias em cenários que não possuem nenhuma inspiração estética. Quando a ação vai para a rua é de uma forma engessada em planos estáticos e fotografia sem vida. Desenvolvimentos significativos no que diz respeito à direção são inexistentes, o que torna o banal preponderante. Já que é o texto que recebe a maior atenção, nada mais natural que escalar uma protagonista como Chastain. Sua poderosa presença e bela construção de personagem são de emocionar. Para esse papel não bastava uma atriz conhecida, mas sim um ícone mundial. Só assim para que a conexão com o público fosse feita em meio a uma escolha narrativa tão limitada. Isso também se aplica ao advogado sensível de Idris Elba. O roteiro não é primoroso e possui alguns atos falhos: a presença inesperada do pai em certo momento é quase um “Deus Ex machina” e o senso de moral e justiça de personagens importantes ficam inverossímeis mesmo sabendo que é tudo baseado em fatos. Os jogadores inveterados de Michael Cera, Chris O'Dowd e Bill Camp são importantes para que Chastain seja o brilho máximo em cena. Suas neuroses e superstições a levarão do céu ao inferno. A falta de visão de seus realizadores poda “A Grande Jogada”, tirando sua relevância. Temas como ambição, busca pelo sucesso e família são desperdiçados em um microcosmo que é preso pelas lentes pouco inventivas. Era preciso fazer cinema e deixar o livro que foi usado como base para o roteiro de lado, impossibilitando que a literatura interferisse de forma bruta nas imagens. O texto é fantástico, o que faltou foi usa-lo com parcimônia. Sobra uma personagem feminina forte que luta em um mundo dominado pelos homens para poder sobreviver. Sua luta é bem representada por uma interprete fantástica, que faz sua própria imagem ligar-se a da personagem, e isso não é pouco em um mundo que cada vez mais pede o empoderamento feminino.
Prestigiar os documentários não é de costume do grande público. As atenções são voltadas para os inúmeros blockbuster lançados durante o ano ou ao novo filme ganhador do Oscar. O que todas essas pessoas não sabem é que grandes documentários estão presentes na premiação da academia americana, sendo, por muitas vezes, mais atrativos que as ficções indicadas. Também, com alguma sorte, conseguem bons números nas bilheterias. Um desses é a produção da Netflix “Ícaro” que, evidentemente, não conta com números de bilheteria, mas foi devidamente indicado ao Oscar. “Ícaro” começa com seu realizador californiano Bryan Fogel tentando descobrir um mecanismo que coloque em prova os extremamente seguros exames antidopings. No mesmo estilo de “Super Size Me”, Fogel decide tomar anabolizantes para ter seu desempenho melhorado em uma competição de ciclismo semiamadora. Para isso, ele busca a ajuda de especialistas neste tipo de exame, até chegar a Grigory Rodchenkov, um químico russo que indica ao atleta todos os procedimentos para vencer a prova e se manter limpo em eventuais testes. Passados trinta minutos de projeção, os caminhos do filme são desviados quando nos é revelado (a nós e aos realizadores) que Rodchenkov é ex-diretor da agencia antidoping russa e um dos acusados de participar do massivo programa de Doping financiado pelo kremlin em varias olimpíadas. A partir daí, a narrativa nos leva aos esquemas escusos que fizeram da Rússia uma potencia olímpica durante décadas. Criando um sincero laço de amizade, o Russo e o Americano decidem se arriscar e levar as provas para o governo dos EUA e também para renomado jornal New York Times. Essa decisão gera momentos de tensão que são competentemente confeccionados pelo roteiro: a fuga de Rodchenkov de Moscou é uma delas, assim como as sequencias de tensão e paranoia às escuras com perseguidores imaginários ou não; de certo, dignas de filmes de espionagem que se passam durante a guerra fria (termos como KGB são usados frequentemente, mesmo todos sabendo que a agencia de inteligência russa já não usa mais esse nome). Se no inicio o documentário puro era desfeito com o seu próprio diretor como protagonista, falando diretamente com a câmera, feito um vlog, depois das descobertas bombásticas, Fogel coloca sua câmera no tripé e colhe o depoimento de Rodchenkov intercalando-o com imagens de arquivo e reconstituições em animação de fatos não filmados. Vladimir Putin é mostrado como o grande vilão que arquitetou todo o plano para que pudesse ganhar medalhas, e com elas a aprovação da população. Aprovação essa que facilitaria no futuro suas manobras politicas (como exemplo: os ataques contra a Ucrânia). Politica e esporte caminham em um perigoso paralelismo que acaba sendo prejudicial para todos que amam e dão a vida em uma olimpíada. Dados são explanados e os números assustam. Atletas renomados são indiciados e a tradição esportiva de um povo é manchada. Governantes fazem seu papel e negam veementemente que haja algum tipo de irregularidade e apontam os acusadores como traidores fora de suas faculdades mentais. Putin chega a dizer que nem reconhece seu ex-diretor da agencia antidoping, sendo que, em 2014, o país sediou uma olimpíada de inverno. São fatos com provas, mas desacreditados pelo poder. Duas horas de fatos dão vazão a importantes perguntas: Será apenas a Rússia ao injetar drogas em seus atletas em competições de alto nível? Não caberia uma investigação ainda mais profunda em todas as superpotências do esporte? Enquanto as respostas não são dadas, àqueles que ousam dizer a verdade precisam viver escondidos e protegidos dos agentes de sua própria pátria. Grigory Rodchenkov atualmente se encontra em proteção à testemunha em algum lugar dos EUA, longe de sua família. Ele vendeu sua alma ao diabo e agora paga o preço sem direito à redenção.
Criado pelo prolifero Stan Lee e seu companheiro Jack Kirby na década de 60, o Pantera Negra fez sua primeira aparição em uma edição do Quarteto Fantástico. Na época, muitos o associaram ao partido revolucionário Black Panther, mas isso logo foi desacreditado pelos seus criadores. Verdade ou não, o fato é que o personagem e seu universo possuem em seus cernes o ideal libertário e igualitário de um povo que sofre com perseguições de todo tipo desde que nós nos consideramos como sociedade civilizada. A representatividade da obra é importante em um mundo moderno cada vez mais apartado, e o novo filme da Marvel vem para cumprir o papel de panfleto, no melhor sentido do termo. Claro que o filme “Pantera Negra” é, antes de tudo, uma aventura cheia de ação; produzido para inserir Wakanda no universo Marvel. Como história de origem, apresenta todos os personagens importantes para a construção do herói africano. A premissa é aquela já conhecida em se tratando de início de franquias: o príncipe T'Challa (Chadwick Boseman) está pronto para assumir o lugar de seu pai, morto em um atentado terrorista mostrado em “Capitão América: Guerra Civil”. Ele será rei e adquirirá os poderes místicos, além da armadura do Pantera, mas, antes, precisará ganhar a confiança do povo e de seus íntimos, além de derrotar um inesperado inimigo. Basicamente é a mesma trama de todos os longas solos dos integrantes dos vingadores, entretanto, faz uso de uma roupagem ainda não vista em filmes de super heróis. Wakanda possui elementos tribais misturados com tecnologia. Nota-se a arquitetura recorrente dos países africanos inserida em um contexto futurista de naves, arranha céus e trem velozes. Tudo é construído com Vibranium, o mesmo material usado no escudo do Capitão América e que só pode ser encontrado no local fictício. É um país de primeiro mundo; uma potência bélica, que se mantém escondida de seus vizinhos pobres. Temos aí um sentimento de separação, onde a nação desenvolvida constrói um muro (aqui, um campo de força que a torna invisível) para que os indesejáveis não destruam seu estado de bem estar social. T'Challa, como novo líder, fica entre abrir as portas ou manter o status soberano. Seu grande interesse amoroso, Nakia (Lupita Nyong'o) e seu nêmeses Erik Killmonger (Michael B. Jordan) acham que precisam se revelar ao mundo. Ela com ajuda humanitária e ele por meio da dominação e exportação de suas inovadoras armas. B.Jordan constrói Killmonger com aspirações de poder e com sentimentos que o fazem buscar vingança contra aqueles que o ignoraram a vida toda, conseguindo se sair melhor que alguns dos vilões unidimensionais apresentados em filmes baseados em quadrinhos atualmente. Isso não o redime de entregar uma atuação banal, que se esvazia no ato final, infelizmente. Boseman se limita a carregar de sotaque o seu inglês e esquece-se de trazer profundidade nos momentos que está sem a máscara. O restante do elenco que conta, além de Nyong'o, com Danai Gurira, Forest Whitaker, Martin Freeman e Andy Serkis, são apenas corretos, sem nenhum destaque. Ryan Coogler (Creed: Nascido para Lutar) apesar de não conseguir que seus atores tenham desempenhos exemplares, imprime certo estilo em algumas bem filmadas cenas de lutas. A melhor delas, em uma casa noturna, é uma demonstração de domínio de mise en scène, principalmente em um ótimo plano sequência que acompanha dois núcleos de batalha com a câmera subindo e descendo em gruas. A coesão é evidente em embates bem coreografados. Entretanto, essas qualidades não são vistas nas derradeiras batalhas do filme (principalmente na luta entre herói e vilão) por serem apáticas e picotadas por uma edição que não favorece o fluxo da ação. Porém, são pequenos problemas que não apagam o valor simbólico de “Pantera Negra” e, gostando ou não do universo Marvel, é preciso reconhecer o excelente trabalho que o estúdio vem fazendo com seus personagens. São pop, mas possuem alma, e isso é muito importante. Em síntese, basta dizer que todos os espectadores que acompanham um pouco o obscuro cenário político norte americano da era Trump, ficarão felizes com o pacifismo e a vontade de integração impressos nas linhas do roteiro. Por mais que haja inúmeras cenas de tiroteios e lutas, a figura do Pantera vem carregada de diplomacia e senso de justiça. Os conflitos com os quais ele se envolve são os que fogem ao seu controle; aqueles mancomunados pelos vilões (um deles quer ser o líder supremo). Inevitavelmente é no gueto onde o filme começa e onde ele acaba, trazendo à luz os excluídos; os que não possuem acesso ao avanço social e tecnológico intrínseco a Wakanda. O colorido daquele lugar quase mágico será o grande incentivo para que uma nova sociedade tome forma. Novos heróis irão se erguer a partir das ruas e darão inicio à revolução. A única torcida é para que, no mundo real, haja aqueles que imitem a ficção.
Nada no mundo contemporâneo tem deixado tantas feridas e causado tanta dor como o terrorismo. Ele está em todos os lugares, carrega varias bandeiras e atinge inocentes aos milhares. Por anos a Europa vem sofrendo com a barbárie; o que faz seus cidadãos vítimas em potencial. Além dos já conhecidos grupos do oriente médio, há uma nova onda de criminosos que se escondem por trás de ideologias politicas de extrema direita, e a Alemanha, infelizmente, é uma das nações que mais produz esse tipo de individuo. A causa, evidentemente, é o seu passado à sombra de Adolf Hitler. “Em Pedaços” do cineasta alemão, de ascendência turca Fatih Akin vem tratar desse problema assustador que é o Neo Nazismo. A história é contata através de Katja Sekerci (Diane Kruger) que perde seu marido e filho em um atentado terrorista realizado por um casal de supremacistas brancos (essas informações não são spoilers, já que estão no trailer do longa). Nuri (Numan Acar), o marido, é um ex-presidiário turco, dono da pequena loja que é explodida. Depois do ocorrido e dos suspeitos presos, Katja irá ao tribunal para acompanhar e servir de testemunha no processo judicial, enquanto tenta lidar sozinha com uma vida insuportável sem seus entes queridos. O espectador é transportado para a nova realidade de Katja. Se antes a vida era feliz em uma casa coberta pelos raios de sol da manhã, agora ela é funesta; cortada por corredores escuros, onde a pouca luz só serve para que a mulher não tropece no acumulo de objetos jogados no chão. No passado os sorrisos e brincadeiras de fins de semana na praia são abundantes, agora, em substituição, há a neve e a chuva torrencial de um presente melancólico. Essa construção expressionista pode parecer genérica, mas é bem trabalhada por Akin em sequências discretas, quase fazendo com que a câmera seja esquecida em um relato documental. Realidade é o que procura o roteiro, sem cair no manjado esquema de filme de vingança Hollywoodiano, mesmo tendo uma estrela como Diane Kruger no elenco. Kruger é, sem dúvidas, um dos grandes atrativos do filme. A força de sua atuação mostra o motivo dela ter ganhado um prêmio no festival de Cannes em 2017. Ela também ganhou o Globo de Ouro e foi injustamente ignorada pelo Oscar. Quem ainda acha que a atriz alemã é apenas mais um rosto bonito ficará impressionado com o tom visceral da construção de sua personagem. A dor da mãe e esposa é explanada em cenas magistrais de descontrole e em diálogos com seus familiares. Mistura-se a essa dor a raiva, o que dá ainda mais profundidade e significado aos seus sentimentos. Não há momentos de baixas em seu desempenho, tudo é uma grande crescente até os últimos momentos de projeção. Os outros personagens são usados como escadas para que essa excelente atriz dê seu show e ela entrega o melhor de sua carreira até agora. A narrativa é construída como um thriller, mas não acelera o tempo a procura de respostas fáceis. Cadenciadamente a trama se desenrola e todas as peças são expostas. Nunca pesando a mão na direção, Akin consegue discutir as falhas processuais do sistema jurídico alemão e as raízes às vezes não tão evidentes das formas de preconceito racial em um país rachado de forma invisível (a família mora em um bairro exclusivo de imigrantes, em especial turcos). O cineasta não faz parte da raça ariana, como diria os fanáticos. Então, provavelmente, já deve ter passado por situações que o tarimbam para a discussão. Com um final poderoso, “Em Pedaços” deixa um vazio na alma e faz a pergunta que não quer calar: Será que o sofrimento um dia acabará?
É impossível escrever sobre “Todo o Dinheiro do Mundo” sem citar Kevin Spacey, por mais que os realizadores o tenham apagado do filme. A má conduta do ator fez com que algo inédito acontecesse na indústria cinematográfica: a exclusão de um astro em um filme já pronto. Ridley Scott gastou dez milhões de dólares acima do orçamento para refilmar todas as cenas de Spacey com Christopher Plummer em um prazo curto, às vésperas com o lançamento. Até já havia uma campanha para a indicação ao Oscar para Spacey, que também foi extinta. O Novo protagonista também ganhou uma indicação ao Oscar pelo seu excelente desempenho, mas será prejudicado por fazer parte de uma produção banal, daquelas esquecíveis com o passar dos anos. Alias, será pior, todos apenas se lembrarão do filme porque tinha em seu elenco um criminoso sexual. Entretanto, não se pode julgar o longa por causa de seus problemas de bastidores, é preciso coloca-los de lado e deixar a arte falar por si só.
Dito isso, o roteiro se apoia em fatos reais para contar a história do bilionário Jean Paul Getty (Plummer), que nos anos 70 possuía a maior fortuna do mundo. Getty era conhecido por não gostar de gastar seu dinheiro e isso foi afirmado quando seu neto John Paul Getty III (Charlie Plummer) é sequestrado e o homem se recusa a pagar o resgate pedido pelos sequestradores, mesmo com os suplícios da mãe do garoto, vivida por uma competente Michelle Williams. Ao invés de pagar, Getty Sênior encarrega o seu homem de confiança para cuidar do caso. O ex-espião Fletcher Chase (Mark Wahlberg) tem a missão de efetuar o resgate gastando pouco ou mesmo nada. Tudo se complica quando uma orelha do neto é enviada pelo correio. A necessidade de posse intrínseca ao mundo capitalista é bem representada na figura do decrépito bilionário. Só o dinheiro não basta, há a avidez por colecionar obras de arte valiosas que são acumuladas em uma enorme mansão. Roma é o cenário em que a história se passa e, em uma sequencia em que Getty mostra para o neto o coliseu, fica claro o caminho pretendido pelo roteiro. Tudo pertence ao imperador, até mesmo as pessoas.
Um dos problemas de “Todo o Dinheiro do Mundo” é que Ridley Scott parece aqueles diretores iniciantes que são contratados por um estúdio apenas para executar o trabalho de marcenaria. Seus planos são desprovidos de inspiração e mesmo a direção de atores é negligenciada, deixando que cada um execute os personagens da maneira que lhes convém (como na atuação extremamente forçada de Romain Duris como um dos sequestradores). A reconstituição dos anos 70 é bem trabalhada, no entanto, não é algo que Hollywood já não tenha mostrado anteriormente. Toda aquela tensão dos filmes de sequestro que poderia ser um ponto forte fica prejudicada por não nos importarmos com o sequestrado e seu sofrimento. De fato, o tema do filme são as atitudes desumanas do avô. O conhecimento prévio da história e seu desfecho (por se tratar de uma história baseada em fatos) também não ajudam na imersão. O ato final é tão anticlímax que é quase impossível não torcer pelos sequestradores, para ver se alguma emoção saí da tela. Desejos de emoção e tensão são apropriados quando tratamos de um cineasta que pariu obras como “Blade Runner”, “Alien” e o mais recente “Perdido em Marte”. É de se imaginar que “Todo o Dinheiro do Mundo” é um produto feito nas férias de alguns meses das superproduções que Scott costuma produzir, e devido ao fracasso recente de uma delas (no caso Alien: Covenant) ele tenha abaixado a cabeça e feito algo mais seguro, porém efêmero.
Vivemos. Mas, para qual propósito? Estamos neste planeta apenas de passagem, isso é fato. A ciência busca respostas; a arte discute a breve existência, enquanto vagamos em nossas vidas até que ela chegue ao fim. O fim sempre vem, e deixamos para trás tudo aquilo que nos era importante. Abandonamos nossos entes queridos, até que eles também desapareçam e se juntem a nós, para que voltemos a compor a matéria do que é feito o planeta. O planeta também se vai, daqui a bilhões de anos, e todos farão parte do que forma o universo. Desapareceremos para sempre, ou quem sabe renasceremos em outro universo, transformados, bem longe de onde era nossa pequena terra. Pode parecer triste, mas a vida é um ciclo que se repete até se esgotar, se transformar e, quem sabe, desaparecer. “A Ghost Story” é uma pequena pérola que divaga sobre esse processo existencial, sem a ambição de achar uma resposta, o que, de fato, seria impossível. O talentoso cineasta David Lowery consegue confeccionar sua história de forma concisa, indo direto ao ponto. O casal formado por C (Casey Affleck) e M (Rooney Mara) discutem sobre se mudar da velha casa onde moram. Ela quer e ele não. Tudo muda quando C morre em um acidente de carro e se torna um fantasma (aqueles cobertos por lençóis, com dois buracos nos lugares dos olhos) e passa a “assombrar” a casa. C não consegue sair da casa, mesmo quando M vai embora. Ele acompanha as inúmeras pessoas que vivem no local com o passar dos anos. Essa passagem de tempo é bem trabalhada pela edição, que usa cortes imperceptíveis e faz os anos transcorrerem sem mudar a posição de câmera ou mesmo movimenta-la. Apenas o cenário e as pessoas são modificados. A razão de aspecto usada é parecida com a das câmeras super 8, formando um quadrado com as bordas arredondadas, evidenciando assim a intenção de transformar o filme em um registro documental, aquele que se repete em todas as famílias norte americanas que usavam esse tipo de câmera para filmar suas passagens. “A Ghost Story” não é um filme de cores vivas, mesmo quando o sol bate nas lentes. A aura mística é reforçada por causa da leve nevoa que cobre a fotografia. Os figurinos com suas cores neutras auxiliam na impressão de que a imagem está prestes a desaparecer. O desempenho de Mara é comovente, seu sofrimento está explicito em suas expressões, (principalmente no longo plano em que come e ao mesmo tempo destrói uma torta, deixada para ela por uma amiga, logo após o velório) assim como a aceitação de que seu amor se foi. O amor que aquele triste fantasma também sente. Mesmo não possuindo um rosto, é muito fácil perceber a sua tristeza por meio de sua movimentação lenta e pelo lençol que vai ficando sujo com o desenrolar dos anos. Os olhos, mesmo sendo apenas dois buracos pretos, parecem se mover e faz com que imaginemos lúgubres sobrancelhas arqueadas. Não se sabe se foi o próprio Casey Affleck que ficou por de baixo do pano, o que seria fantástico, já que abdicaria ao narcisismo inerente à profissão. “A Ghost Story” possui elementos que o transformarão em cult no futuro, já que foi relegado pelas premiações e pelo público (foi lançado em julho de 2017 nos EUA), só sendo considerado pela crítica, que o idolatrou em sua maioria. Claro que, por se tratar de uma produção pequena, encontrou seu lugar no circuito de arte e em festivais. No entanto, não deixa de ser uma pena, pois todos merecem o prazer que é descobrir uma obra tão tocante e inspirada no meio de uma realidade de produção tão saturada por histórias iguais.
O mito hollywoodiano é carregado de astros e estrelas talentosos e belos, de cineastas visionários e de filmes que são obras primas eternas. Mas, e a outra Hollywood? Aquela das produções B e dos artistas sem talento. Essa fica escondida nas sombras dos grandes estúdios. O misterioso Tommy Wiseau surgiu dessa segunda Hollywood, já que a primeira nem sabia que ele existia. Sempre com o desejo de poder atuar e após conhecer seu futuro amigo e cúmplice Greg Sestero em um grupo de teatro, ele parte para Los Angeles para ganhar a fama. Desprezado em diversos testes por causa da sua notável falta de dicção e por não saber atuar, Wiseau decide ele mesmo escrever, produzir e dirigir um filme, além, é claro, de ser o galã principal. Daí surgiu "The Room", que gastou seis milhões de dólares de produção e faturou mil e oitocentos em sua passagem de duas semanas em um único cinema. Eleito pela crítica como o pior filme já feito, virou cult ao ser exibido em inúmeros festivais de cinema pelo mundo. Evidentemente o sucesso chamou a atenção e logo a história da produção do filme virou roteiro com a direção e atuação de James Franco. “Artista do Desastre” é uma obra que faz paródia e ao mesmo tempo homenageia o cinema. A câmera passeia no caótico set mostrando a paixão de Wiseau pela sétima arte, mesmo que claramente ele não saiba o que está fazendo. Franco faz um ótimo trabalho em recriar identicamente cenas de “The Room”, usando exatamente os mesmos enquadramentos e a mesma paleta de cores (se é que se pode dizer que aquele filme possuía tais elementos) além de mostrar as situações ridículas, o roteiro medonho e as atuações infantis. Se Franco é ótimo na direção, ele ultrapassa os limites na encarnação de Wiseau. Com certeza será um papel que o levará, no mínimo, a uma indicação ao Oscar (Quando escrevi esse texto, Franco já havia ganhado o Globo de Ouro). Todos os trejeitos do artista do desastre são emulados por Franco. A fala quase incompreensível, o modo robótico de andar e até um dos olhos que é mais fechado que o outro estão lá. O trabalho do ator é apoiado pelo fiel figurino e pela maquiagem. Dave Franco não precisou se esforçar muito para dar vida ao amigo inexpressivo Greg Sestero. Há um grande número de participações de personalidades, ao começar pela abertura que imita um documentário e colhe depoimentos de gente como J.J. Abrams, Kevin Smith e Lizzy Caplan. No elenco principal há Seth Rogen, Zac Efron, Bob Odenkirk e Josh Hutcherson. “Artista do Desastre” não pode ser chamado de cinebiografia, já que conta a história de um desconhecido que ninguém sabe de onde vem, qual a sua idade ou de onde tira todo o seu dinheiro, mas consegue emocionar e fazer rir sem desrespeitar o homem que é mostrado em tela, mesmo que esse pareça não se levar a sério. Toda a estrutura narrativa é apoiada nas cenas durante as filmagens do “pior filme já feito” o que não impede que conheçamos a faceta solitária de Wiseau, que é tratado com Frankenstein quando sempre quis ser o herói do mundo que construiu em sua cabeça. Por isso, quando chega ao set no primeiro dia de filmagem, ele convida todos para entrar em seu planeta, construído para que possa fugir daquele em que nasceu. A arte surge de diversas formas e em diversos lugares e, com certeza, ela é diferente nesse outro planeta, onde o filme ruim se torna a obra prima a passar nas telas da cidade dos sonhos.
Bohemian Rhapsody
4.1 2,2K Assista AgoraQuando as palavras “Queen” e “Rock and Roll” são colocadas na mesma frase, todos que a leem – ainda que não sejam adeptos do estilo musical – sabem do que se trata. Uma das maiores bandas da história é conhecida principalmente pela figura de seu vocalista, que possuía um estilo performático único e uma vida particular extremamente conturbada. Apesar de seu enorme sucesso, demorou muito tempo para que um roteiro sobre o grupo fosse filmado pela indústria hollywoodiana. Bem, para o bem de alguns que amaram a ideia de uma cinebiografia e para o mal daqueles que odiaram, em 2018 há a estreia de “Bohemian Rhapsody”.
A trama do longa comandada pelo famigerado cineasta Bryan Singer acompanha toda a trajetória do Queen, mas volta boa parte das atenções para a persona de Freddie Mercury (Rami Malek). As câmeras de Singer se dirigem ao garoto comum de família tradicional, que tinha quatro dentes a mais do que o normal. Mercury nunca quis retirar os dentes, já que, segundo ele, sua arcada dentária fazia com que tivesse um melhor alcance vocal, apesar de ter que conviver com um sorriso incomum. Ele se junta a Roger Taylor (Ben Hardy), John Deacon (Joseph Mazzello) e Brian May (Gwilym Lee) para formar a banda. Com eles, vem junto talvez o maior amor da vida do cantor: Mary Austin (Lucy Boynton). Austin foi o apoio moral e o ombro amigo durante toda a carreira de Mercury. É no período de formação que o filme possui um de seus deslizes ao mostrar tudo acontecendo muito rápido: os membros se encontram, compõem as musicas, fazem alguns shows e já são lançados ao estrelato, tirando um pouco da importância do processo.
Como cinema, “Bohemian Rhapsody” é prosaico, não trazendo nenhum tipo de elemento que o destaque no meio de tantas cinebiografias já feitas, porém, ele possui algo que atrairá multidões: músicas icônicas. Durante os shows e ensaios, grandes hits tomam conta das caixas de som do cinema, empolgando a plateia, principalmente os fãs de carteirinha. É comovente saber os motivos por traz de composições como “We Will Rock You”, “Love of My Life”, entre outras, e entender a arte daqueles músicos como pura, sem que interesses comerciais atrapalhassem em suas convicções. Mesmo as várias mudanças de estilos musicais são enfiadas goela abaixo de produtores e agentes. Em tempos atuais, onde a opressão à cultura se intensifica, é inspirador ver em tela artistas trabalhando livremente, sem nenhum tipo de interferência econômica, estatal ou religiosa.
Malek ajuda na imersão desse mundo com uma atuação sólida, trazendo à vida os atributos performáticos de Mercury e não exagerando nos momentos que sua homossexualidade vem à tona. Com a ajuda da maquiagem e de um figurino excepcional, o ator realmente se destaca e, se não acontecer alguns dos muitos erros de julgamento da academia, será indicado ao Oscar. A sua entrega ao papel chega ao ápice na representação do Live Aid ocorrido em 1985, quando, após atritos e a separação da banda, eles se juntam para uma causa nobre (o show foi para arrecadar dinheiro para combater a fome na África). Nessas sequências a alma do Queen está presente através da emoção de milhares de pessoas cantando junto no estádio de Wembley. Só não é tudo perfeito por causa do trabalho de edição e de figuração mal executados. Cortando entre o plano geral do público para figuras isoladas, é possível perceber a diferença de iluminação entre um e outro e a falta de empolgação de alguns extras. Quando o palco é mostrado de frente, também é evidente a quantidade pequena de pessoas que estão na primeira fileira, destoando de shows reais onde aquela posição é extremamente agitada.
Ressalvas à parte, o filme é correto em sua proposta narrativa e magistral como um grande show cinematográfico do Queen. É certo que, ao final da sessão, alguém irá comprar uma camiseta da banda e baixar toda a sua discografia no Spotify. Com isso, Mercury e companhia continuarão com seus refrãos sobre amor, solidão e amizade; formando um mundo de admiradores que, de certa forma, farão parte para sempre da grande família real.
A Rota Selvagem
3.7 73 Assista AgoraO amadurecimento de um jovem já é um processo difícil em condições normais, onde há uma família para lhe dar suporte. Agora, quando é preciso aprender sobre os obstáculos que o mundo impõe sem um pai e uma mãe, ou quando esses não são totalmente presentes, o caminho se torna ainda mais doloroso. O adolescente Charley Thompson (Charlie Plummer) sente na pele a falta da figura materna em sua vida e por ter um pai (Travis Fimmel) alcoólatra e mulherengo como exemplo. Charley é um entusiasta do atletismo (o filme começa com ele correndo pelas ruas) e possui habilidades no futebol americano, mas é extremamente prejudicado pelas constantes mudanças de cidade que faz junto com o pai, que não consegue manter-se em um trabalho fixo. Todas as aspirações esportivas seriam mais bem trabalhadas se o garoto estivesse matriculado em um colégio. Infelizmente, ele não está. Na Nova cidade, Charley conhece Del (Steve Buscemi) – que possui cavalos de corrida e faz dinheiro com competições semiamadoras – e começa a trabalhar como cuidador dos animais, principalmente de Lean on Pete, que já é velho e possui um problema em uma das patas. Quando Del ameaça vender o cavalo por já não mais conseguir ganhar corridas, Charley foge com o animal.
Sem nenhum dinheiro, Charley rouba gasolina e comida, mas vê o motor da velha caminhonete parar de funcionar. Por isso, segue a viagem a pé, junto com o seu companheiro, sem monta-lo é claro, porque, afinal, os amigos precisam ser tratados com respeito. O objetivo é chegar até a residência de sua tia, que cuidou dele na infância. Como road movie “A Rota Selvagem” funciona satisfatoriamente, sendo apenas prejudicado pela obviedade do roteiro. Claro que o ineditismo em histórias como essa é praticamente impossível de se conseguir e, provavelmente, não era a intenção dos roteiristas criar algo totalmente original. A saída seria desenvolver situações que exigisse mais da capacidade dos atores e aumentar o clima de tensão durante as cenas na estrada. Explorar principalmente o ótimo Charlie Plummer, que se entrega ao papel durante toda a projeção mantendo o semblante melancólico – chegando até a esconder sua beleza – e uma postura curvada, sempre olhando para o chão (deve ter deixado seu talentoso avô orgulhoso), seria ideal para alcançar um resultado acima do habitual.
É correta a direção de Andrew Haigh ao apostar nas câmeras intimistas para acentuar os sentimentos e abrindo os planos para mostrar a degradação das cidades durante a viagem e a solidão dos personagens nas cenas do deserto. Deserto esse bem fotografado em sua transição da aridez amarela para o negro frio coberto de estrelas por Magnus Nordenhof Jønck. O negro da noite que acoberta perigos diversos, mas, por outro lado, que inspira a liberdade para um garoto e um cavalo. Os dois que não possuem casa ou família e olham para um passado de dores. Eles não podem voltar porque não são vistos como seres que merecem uma segunda chance, então, o que resta é seguir rumo a um futuro incerto, porém cheio de possibilidades para recomeços.
Essa crítica faz parte da cobertura da 42ª Mostra de Cinema de São Paulo
Poderia Me Perdoar?
3.6 266Já se tornou comum dizer que comediantes se dão muito bem em papéis dramáticos, chegando até a concorrer a prêmios por suas atuações. Basta citar Jim Carrey em “O Show de Truman” e “O mundo de Andy” e Steve Carrel em “Foxcatcher”. Bom, chegou a vez de Melissa McCarthy aspirar ao Oscar no novo “Poderia Me Perdoar?”, onde faz a escritora de biografias fracassada e cheia de dividas Lee Israel, que passa a falsificar cartas de personalidades do cinema e da literatura falecidas a fim de ganhar dinheiro. O esquema dá tão certo que ela larga a vida de escritora para se dedicar a criar cartas mais detalhadas e vender por valores cada vez maiores. A história se passa na década de 90, quando a avaliação de tais obras não era tão eficiente, facilitando a vida dos criminosos.
Baseado em fatos, o filme mostra a personalidade corrosiva de Israel e sua incapacidade de fazer amigos ou manter os poucos que lhe restam. Ela vive em um apartamento nova-yorkino entulhado de lixo e livros com sua gata, o único ser que lhe suporta. McCarthy consegue segurar a sua veia de comédia e cria uma personagem legitimamente repugnante, o que não é uma tarefa fácil, devido aos tantos papéis engraçados que representou. Fácil também não é para o espectador – em especial aos que são fãs da atriz – em vê-la tão diferente em tela. Sempre haverá aquele que esperará que ela solte uma piada para amenizar um pouco todo o clima melancólica do longa. Claro que o figurino e a maquiagem ajudam a esconder um pouco a persona de McCarthy. O primeiro cobrindo-a de trapos sem cor, que a fazem parecer uma espécie de mendiga hipster e o segundo deixando-a extremamente pálida. Como complementando há os óculos grandes e peruca de cabelos quase brancos, curtos e mal cuidados.
Logicamente que os ambientes acompanhariam o contexto por trás da construção da personagem com os locais mais escuros de Nova York e os bares mais afastados do glamour que a cidade representa. Uma pessoa sem valores só poderia transitar nesse submundo. A diretora Marielle Heller também leva ao apartamento com cômodos apertados da escritora todas as sobras presentes do lado de fora e praticamente a encurrala com closes sufocantes quando ela está deitada na sua cama cheia de moscas atraídas por fezes de gato e restos de comida. Cabe ao amigo de bebida Jack Hock (Richard E. Grant) ajuda-la na limpeza do local, porém, eticamente, o sujeito não é o mais indicado em limpar a sujeira dos outros, já que possui as suas próprias para empurrar para debaixo do tapete. Digamos que ele é uma versão dela um pouco mais charmosa, e o ator inglês ajuda nessa composição com sua notável presença de cena e suas linhas de diálogos certeiras. O fato é que nenhum dos dois se importa com quem estão prejudicando, o que vale é o dinheiro que entra, para depois sair em suas bebedeiras. Com isso, a amizade se fortalece.
Aqui há um conto moral que a academia adora premiar e isso é um ponto a favor e também um ponto contra o filme. Se for agraciado com alguma estatueta, logo entrará no hall dos filmes bons, porém esquemáticos, que são lançados todos os anos por Hollywood. Esse esquematismo confunde o espectador, fazendo com que todas as produções se misturem em suas cabeças e se tornem iguais em suas essências, para logo serem esquecidos. Se não ganhar nenhuma, será apenas um filme comum que talvez seja lembrado pela primeira atuação “séria” de uma estrela da comédia. Sinceramente, não é possível saber o que é pior.
Assunto de Família
4.2 400 Assista AgoraA definição popular de família é aquela em que há vários indivíduos do mesmo sangue vivem harmoniosamente em um ambiente perfeito. O pai provê o sustento, a mãe cuida dos filhos e da casa e as crianças seguem a rotina de lazer e estudos. Esse panorama, evidentemente, foi imposto à sociedade por sonhadores que julgam o que é certo e errado ou feio e bonito de acordo com suas concepções fabricadas pela mídia. Mídia essa onde o cinema se inclui e que tem em Hollywood o seu mais poderoso construtor de ilusões. Infelizmente, o mundo real pode ser bem mais cruel e sombrio com suas famílias dissolvidas; seus filhos, mães e avós abandonados e a constante violência doméstica. Por outro lado, existem também casos de completos desconhecidos que se encontram e, numa demonstração de fraternidade, se unem em comunidade, buscando fugir da solidão. Apenas artistas com uma visão de mundo mais ampla podem fugir do maniqueísmo comercial e representar pelo menos parte das verdadeiras histórias.
Pois bem, dito isso, no vencedor da Palma de Ouro em Cannes deste ano, “Assunto de Família”, o celebrado Hirokazu Kore-eda aponta suas lentes para um grupo de pessoas que vive em um cubículo bagunçado na periferia de uma grande cidade do Japão. Só que esses indivíduos não possuem parentesco entre si, eles simplesmente passaram a morar juntos por motivos diversos: há a idosa que foi abandonada por seus parentes, o casal que não consegue ter filhos e dois adolescentes, sendo um garoto, ignorante sobre seus verdadeiros pais, e uma garota, deixada com a idosa em troca de pagamentos mensais. Se junta a eles, uma pequena garotinha que é achada vivendo sozinha nas ruas. Todos eles tiveram algo que os afastou de seus familiares reais e agora estão unidos como entes que se importam uns com os outros e não apenas fisicamente.
Mesmo enfrentando a pobreza com subempregos e furtos em pequenos supermercados, essa inusitada família é feliz em seu microcosmo abastado de cumplicidade e união. Suas tristes vidas passadas são superadas e mesmo esquecidas, deixando as dores para trás. O exemplo mais evidente é o da garotinha que encontra nos braços de estranhos o amor que não tinha com seus jovens pais, que a espancavam com frequências. Porém, a ilegalidade do atos do grupo, já que a garotinha desaparece e é dada como sequestrada, bota em risco tudo o que construíram, fazendo com que as bases tradicionais da sociedade entrem em ação como vilãs implacáveis. Isso abre uma ótima discussão sobre como as pessoas estão cuidando de seus filhos. Será que uma casa bonita, escola e comida são suficientes para formar adultos felizes, ou é preciso algo mais? Esse algo pode estar escorregando pelos dedos daqueles que se preocupam cada vez mais com seus trabalhos e status sociais e menos com os outros a sua volta.
Kore-eda não poderia retratar esses dramas de outra forma se não a naturalista. Sua câmera está na posição de espectadora e quase não se intromete nas cenas com maneirismos ou movimentos que lembrem que aquilo é um filme. Os planos são fechados, possibilitando intimidade e até gerando certo desconforto por serem tão próximos aos corpos suados nos momentos de verão escaldante, mas também acalentadores quando o inverno é rigoroso do lado de fora das velhas paredes. Como em um documentário, o diretor expõe as mazelas de um país que o mundo acha perfeito e mostra algumas formas de resolvê-las. Afinal, somos humanos antes de sermos asiáticos, ocidentais ou africanos e é por meio de nossa ligação fraterna que conseguimos sobreviver até hoje e um ambiente hostil a nossas frágeis existências.
Obra
3.0 48Quem vive em São Paulo sabe como é amá-la e odiá-la ao mesmo tempo. Se por um lado ela é “pulsante” e chega a “respirar” como um ser vivo, por outro é caótica e desorganizada como um grande conglomerado de concreto carcomido. Essa dicotomia é importante na construção de “Obra”, pois representará a persona do individuo principal da trama e dos que o rodeiam. O certo é que, em sua enormidade e complexidade, a capital paulista esconde segredos em suas fundações que nem passam pela cabeça da maioria das pessoas que nela vivem. No filme, o cineasta Gregorio Graziosi conta uma história que vai buscar nas entranhas da cidade suas revelações e complicações para que elas façam parte como personagens principais do longa.
Revelações e principalmente complicações que começam na vida do Arquiteto João (Irandhir Santos de “Tatuagem” e “Aquarius”) quando restos mortais de várias pessoas são achados no terreno onde a obra do título está sendo executada. Essa construção, além de estar sob sua supervisão, ainda pertence ao seu avô. Depois da descoberta, a relação dele com a profissão, com a sua realidade e com a família começa desabar. Aliás, na primeira cena onde o vemos, o roteiro já entrega o há por vir sobrepondo o personagem a um vídeo de um prédio sendo demolido. A imagem projetada se mistura à sua figura, fazendo o paralelo entre ele e àquele prédio. Aliando-se a isso, a montagem, por vezes, usa um plano de João seguido de pedaços desconexos da cidade, intercalando-os. João também possui um erro estrutural representado por uma hérnia de disco que acomete todos os homens da família (por isso, quando sua coluna cede à doença no segundo ato, a sua desconstrução é completa). Seu pai a possui, assim como seu avô, que vive o que lhe resta da vida preso em uma cama. A doença serve como uma espécie de carma que os assola por causa de seu passado sombrio.
Afirmando seu desconforto, João entra no buraco onde os ossos foram achados e, depois de um ataque de desespero, se deita na terra como mais um daqueles corpos esquecidos no passado. O centro de São Paulo, com seus prédios decrépitos, é o cenário por onde João transita e usa como um enorme mausoléu particular. Os becos quase sem iluminação expressam a semivida dele e da cidade. A sua confusão psicológica é determinada por luz (representado pela igreja onde ele faz uma restauração) e sombra (o terreno do avô, onde a obra está em execução). Parte da luz também vem da figura da esposa grávida (Lola Peploe). A mulher, com sua inocência e carregando, além do filho, uma paixão por um passado rico e vivo (ela é arqueóloga, mas ao contrário dele, encontra vestígios de um povo que viveu harmonicamente) são os respiros de um homem no limite.
Belamente fotografado em preto e branco por André Brandão, a falta de cores casa com uma São Paulo sempre encoberta por névoa e com o céu de nuvens carregadas, servindo ao tom lúgubre da personalidade de João e com sua situação de dor e pressão emocional. Brandão e Graziosi são certeiros ao enquadrar João sempre ereto (apesar das dores nas costas) de frente à selva de prédios, igualando-o com as construções, ou quando o encurrala em cubículos de concreto, fazendo-o caminhar de um lado para o outro batendo a cabeça nas paredes em uma situação que não há saída. Seguindo a mesma ideia, há momentos em que o enquadramento o coloca no canto do plano, com uma parede ou coluna limitando seu espaço.
De acordo com os outros elementos usados pelo roteiro, o figurino é configurado com a pretensão de vesti-lo basicamente com blazers e camisetas, mas sempre de forma alinhada e elegante em tons escuros (quando a sujeira da família vem à tona e quando ele precisa executar um ato reprovável), ou mais claros (quando busca se redimir). O Blazer branco só é maculado quando é atingido pela terra misturada com cabelos das vítimas, que é enviada para o seu escritório dentro de um envelope. Sofisticação e miséria são inerentes a ele. No terceiro ato, depois do nascimento do filho, João está na cama ao lado da esposa, vestindo o blazer preto. Sua imagem é levemente desfocada para deixar a incerteza de qual o papel desempenhará como pai. Será que manterá o legado da família? Complementarmente, há uma cena dentro do carro que evidencia o quão pressionado pelo passado ele está, já que seus apreensivos olhos são filmados como reflexo no retrovisor. Como dito acima, o futuro é deveras incerto, e, em outra cena, o vidro dianteiro totalmente embaçado prova isso. Há ainda a intromissão dos sons da metrópole misturados com a trilha sonora de tons graves, que inundam o apartamento em que mora, gerando desconforto e nervosismo ao espectador e colocando-o cada vez mais em um turbilhão de desespero.
Graziosi usa todas suas ferramentas para confeccionar sua narrativa com moldes de thriller e pitadas de drama psicológico, mas, executa de fato um ótimo conto moral carregado de toneladas de arrependimentos misturados com concreto, terra e ferro retorcido.
Christopher Robin: Um Reencontro Inesquecível
3.9 457 Assista AgoraA imaginação é um excelente refugio para os momentos obscuros. É sabido que grandes obras de arte foram concebidas quando seus autores estavam passando por conflitos, sejam internos ou externos. Além disso, é a capacidade de fantasiar que livra as vidas de milhões de pessoas da monotonia do dia a dia regada de afazeres. Levadas para outros mundos, essas pessoas se satisfazem fora das suas realidades. O cinema é, atualmente, o grande gerador de ilusões. Das ilusões do realizador, que as colocou na tela, e da plateia, que entra por meio da sala escura. Das duas formas, é preciso um grande exercício de imaginação para que as imagens façam sentido em todas as retinas. No entanto, quando o cinema não estava a alcance de todos, eram nas histórias inventadas e contadas oralmente ou por meio da literatura, que se refugiavam todas as cabeças necessitadas. Christopher Robin é uma dessas cabeças, já que é mandando para um internato só para garotos, logo em seguida perde o pai e, na vida adulta, vai à guerra, deixando a esposa ainda grávida para trás.
O Robin da infância cria vários personagens com os quais interage em uma floresta perto da casa onde passa as férias com os pais. Há o ursinho com déficit de atenção Pooh, o burro pessimista e com tendências suicidas Oió, o coelho Abel, Corujão, Leitão e o Tigre. Eles são bichos de pelúcia falantes que viram amigos do garoto. Pooh e o resto da turma não são tratados pelo roteiro como devaneios ou pura ilusão e sim como a materialização da imaginação de Robin, e simbolizam uma vida bem mais simples, sem as amarras da vida adulta e suas obrigações com o trabalho, dinheiro, etc. Fazer com que outros personagens (a filha e a mulher principalmente), também possam ver os bichos, obviamente leva a eles a magia, o que se sobrepõe a uma sociedade atarefada, que não possui a liberdade de não fazer nada com o seu próprio tempo. Não fazer nada é o que Pooh mais gosta de fazer, a propósito.
Desde muito tempo, quando ainda andava pela floresta, Christopher Robin não sabe o que é não fazer nada. Sua esposa e filha (o diretor Marc Forster as filma em planos fechados para configurar as suas solidões) se sentem sozinhas sem a presença do marido e pai. Ele só vê o trabalho à sua frente, ainda mais depois que precisa reestruturar a receita da fábrica de malas em que trabalha para impedir uma demissão em massa. Mesmo o ambiente de trabalho do escritório da fabrica é soturno, com cores sem graça. O seu chefe é apenas um aproveitador preguiçoso que toma para si as ideias dos empregados (por isso é enquadrado com se estivesse apoiado no ombro de Robin em algumas cenas). Todos esses fatores levam a vida cativante e divertida do nosso herói ao esquecimento, e faz com que a sua floresta particular seja coberta por uma névoa que separa Pooh de seus outros amigos; desaparecidos sem deixar vestígios. Pooh então parte para Londres por meio de uma abertura em sua árvore para pedir ajuda a Robin.
Após o primeiro encontro e sempre sem querer, Pooh desorganiza o ambiente controlado de Robin quebrando os objetos da casa, para assim fazê-lo voltar aos sentimentos do passado. Uma espécie de destruição que serve para reestruturar uma condição a muito escondida. O caminho de pegadas de mel deixado pelo urso em outro momento também leva ao que realmente importa: o quarto da filha, onde há relíquias desse mesmo passado esquecido. “Christopher Robin: Um Reencontro Inesquecível” é bem simples em sua proposta de seguir o conceito clássico dos contos de fadas: uma pessoa comum que possui um grande problema consegue resolve-lo por meio de algo fantástico. Porém, faz o fantástico permanecer no mundo que se diz real para que algo de divertido aconteça. Nada como uma produção leve da Disney para acortinar a nossa contemporânea realidade cada vez mais sombria.
Missão: Impossível - Efeito Fallout
3.9 788A franquia Missão: Impossível prova de tempos em tempos que não é preciso indivíduos com poderes extraordinários para que se tenha super-heróis. Ou, pelo menos, não é necessário que usem fantasias, soltem raios pelas mãos e voem, já que Ethan Hunt (Tom Cruise) corre e salta de prédios como nenhum outro e sobrevive a situações que só um sobre-humano conseguiria. Tudo isso usando Jeans e jaqueta de couro. Se nos filmes anteriores Hunt era apenas um agente especial extremamente habilidoso, em Missão: Impossível - Efeito Fallout, ele passa a ser o salvador do mundo, aquele que sempre estará pronto para livrar nossa pele. Claro que colocá-lo para salvar o mundo foi o objetivo de todas as missões passadas, mas, em Fallout, a afirmação é feita algumas vezes. Como se os roteiristas gritassem à plateia: Aqui está o nosso Superman. Uma personagem até chega a dizer que se sente mais segura em um mundo onde sempre haverá Hunt para lutar e resolver uma nova crise.
Em relação à trama, basta dizer que terroristas roubaram cargas de plutônio (sim, plutônio) e ameaçam detonar bombas atômicas em várias partes do mundo. Então Hunt, Benji (Simon Pegg), Luther (Ving Rhames), Ilsa (Rebecca Ferguson) e o recém-integrado a pedido da CIA August Walker (Henry Cavill) precisam impedi-los. O problema é que questões pessoais entram em jogo quando o terrorista Solomon Lane (Sean Harris), preso pelo grupo no filme anterior, entra na história, além, é claro, da presença da ex-esposa de Hunt, Julia (Michelle Monaghan). Lendo a descrição dá para perceber que o roteiro de Efeito Fallout não possui nada de inovador. Tirando algumas boas reviravoltas, o restante já foi visto antes, inclusive nos próprios filmes da série. No entanto, há certo encanto em ver aqueles personagens na tela, fazendo com que passemos por cima de qualquer obviedade que possa estragar a experiência. Esse encanto, em parte, vem por causa de Cruise e seu extremo envolvimento nas cenas de ação que colocam sua vida em risco. Dessa vez ele salta de um prédio para o outro (quebrando um tornozelo no processo), pilota helicópteros e motos e corre como nunca (correr muito também não é algo novo para ele). Além disso, o entrosamento do grupo e o humor nervoso de Pegg conseguem dar ao filme um tom sempre agradável.
Todas as cenas de ação são em grande escala e se passam em cenários imponentes, porque, lembrem-se, não estamos falando de pessoas comuns e sim de super-heróis. Christopher McQuarrie entende isso e comanda sequencias que usam marcos com Paris e Londres como ferramentas para os malabarismos dos seus personagens. As famosas ruas estreitas da capital francesa são importantes em uma perseguição, assim com os tetos dos prédios da cidade inglesa. McQuarrie consegue aproximar o espectador a essas cenas usando alguns recursos do 3D, como em uma perseguição de moto que faz com que quase sentemos nas garupas. No entanto, o bom uso do 3D para por aí, deixando o resto apenas para nos dar dor de cabeça com seus planos sem profundidade.
Mas não é apenas de ação que vive Efeito Fallout, também há Sci-fi (carros de controle remoto e as famosas mascaras moldadas em tempo real) e romance (a atração aparente de Hunt por Ilsa e a volta de Julia) nas linhas do roteiro, o que dá um pouco mais de substância para a história, não a deixando se esvaziar apenas com explosões e tiroteios. Com todos esses elementos, fica fácil gostar do filme e apreciar suas qualidades, ignorando os elementos que talvez não funcionem muito bem. Os méritos no final vão para uma produção que sabe atingir seu publico e para um grande astro que sempre tenta se reinventar, mesmo estando em Hollywood há tanto tempo. Fica a lição para alguns outros que tentam, mas que não conseguem ultrapassar o genérico.
Era uma Vez no Oeste
4.4 729 Assista AgoraO mestre italiano Sergio Leone é intimamente ligado aos westerns, principalmente pelos macarrônicos filmes da trilogia dos dólares e, evidentemente, por esse clássico chamado “Era uma vez no Oeste”. Ele que aparentemente faz parte de outra trilogia chamada de América e que é composta ainda por “Quando Explode a Vingança” e “Era uma vez na América”. Leone é um cineasta de poucos filmes, o que não o impediu de entrar para a história do cinema por causa de sua capacidade em criar cenas e personagens icônicos. A habilidade como narrador visual é notável e junto com outros diretores teve importância na construção do cinema norte americano atual. Junto a ele há nomes como Coppola, Spielberg, Scorsese e George Lucas.
Há uma disputa acirrada entre “Era uma Vez no Oeste” e “Era uma vez na América” como o grande épico de Leone. Os dois possuem tantas qualidades que fica difícil escolher um ou outro. No oeste há o inicio de uma nação construída em um solo banhado de sangue. A América já formada é mais avançada, porém continua progredindo por meio da violência. Pistoleiros e índios, gangsteres e imigrantes são a matéria prima para criar tramas selvagens, que ficam gravadas nas retinas dos telespectadores. O interesse da câmera por esses seres marginais é carregado de poesia fílmica, mesmo que as mortes brutais estejam em primeiro plano.
Este humilde texto é para analisar (ou tentar) especificamente Oeste, tentando esmiuçar os elementos que o formam como obra seminal. Obra essa que têm em seus primeiros frames três pistoleiros esperando em uma estação de trem a chegada de Harmonica (Charles Bronson), que, por sua vez, está à procura do assassino Frank (Henry Fonda). Frank tem a missão de tomar a terra da forasteira Jill (Claudia Cardinale), que chega de New Orleans para se casar. Também é importante na história o fora da lei Cheyenne (Jason Robards), que perambula com seu bando em meio à vastidão do deserto cortado pela construção da linha férrea. Dois desses personagens são marcados por Leone em closes que externam suas personalidades por meio dos olhos. Por isso os expressivos olhos azuis de Fonda são fundamentais para empregar a Frank a aparência de um animal selvagem a procura da caça. Selvagem também é Harmonica em um take na penumbra, com seus olhos destacados pelo brilho que parece de um felino. Eles dois são os agentes de ação do roteiro; com eles o filme começa e termina e é por suas ações que os conflitos são formados. São filhos daquela terra inóspita, onde nasceram e irão morrer. Já Jill é uma forasteira e, ao invés dos olhos, o que entrega isso é seu figurino. Em sua primeira aparição ela está coberta dos pés à cabeça e, conforme vai sendo inserida naquela realidade, perde quase todas as peças de roupa (na verdade elas são rasgadas de forma brutal ainda em seu corpo). Sua pele bronzeada e suada coloca quase que em igualdade com os outros e New Orleans fica definitivamente para trás. Para trás, mas não sem deixar marcas, já que o passado é constante em sua vida, algo que ela tenta enterrar e fugir. Para os outros a situação é a mesma: Harmonica quer vingança por acontecimentos do passado, Frank é assombrado por esse passado esquecido, já Cheyenne quer que sua reputação de implacável seja sempre lembrada.
No entanto, por mais que as memórias importem, é no progresso que está apoiada a narrativa. A linha férrea citada acima é de extrema importância para configurar a América seguindo em seu processo de construção, deixando o velho oeste com seus mitos para os livros de história. Os momentos mais importantes do filme se passaram com os trabalhadores ao fundo, martelando o metal na terra do deserto. Chegando à estação, a Maria fumaça serve para trazer e apresentar personagens, e os malfeitores mortos são esquecidos no meio da poeira levantada pelos trens. Morte e vida, destruição e construção. Leone usa seu estilo cadenciado para que aquelas imagens fiquem registradas nas cabeças dos espectadores. Servindo como um compasso para as imagens, há a trilha de Ennio Morricone. A tensão e o suspense são muito bem representados pelas musicas que vão do sutil ao estridente, às vezes em uma mesma cena. É impossível não reconhecer o trabalho do maestro, inclusive para os espectadores menos apegados aos detalhes.
Quando a reconstrução e o passo à frente são necessários, é na figura da solteira Jill que vemos a representante. Por outro lado, é constrangedor notar em algumas linhas do roteiro mensagens extremamente machistas, como quando Cheyenne diz a Jill que ela precisa servir alguns trabalhadores e fazer pouco caso se algum deles passar a mão em seu corpo. É como se ele dissesse: “veja, você está aqui para servir os homens que são importantes para o país, por isso, é aceitável que eles façam com você o que eles quiserem.” Evidentemente se trata de uma produção da década de 70, o que a faz ficar bem longe das demandas femininas dessa nossa década. Com certeza, os olhares femininos irão se ofender, porém, é um fator que se pode relevar para que a obra seja apreciada.
“Era uma vez no Oeste” é imortal porque uniu um grande tema com a roupagem original de Sergio Leone. Seu elenco é afiado e os fatores técnicos são soberbos. Um grande clássico como esse faz escola e gera imitadores (ou aqueles que querem homenagear), por isso, a nova geração talvez não se impressione, pois terá a impressão de já ter visto vários de seus elementos em filmes recentes (como em quase todos os de Tarantino), o que tira um pouco do impacto na revisita, mas não afeta a grandeza dessa obra prima.
Chronic
3.6 34O que é o cinema se não a representação da vida? O que é a vida sem a inevitável morte? São perguntas que o cineasta mexicano Michel Franco tenta responder no delicado e, ao mesmo tempo, brutal “Chronic”, onde dirige e escreve. Ganhador de melhor roteiro no festival de Cannes em 2015, Franco entrega um filme “puro”, aquele que tem por principio mostrar a realidade sem as amarras narrativas ou estilísticas, quase se aproximando do documentário. Faz um recorte de vida de pessoas comuns de forma minimalista, mas inteiramente competente. Trata-se de uma proposta onde um fio de história serve para o filme todo, não necessitando de grandes arcos dramáticos ou de uma jornada pré-definida. De fato, é a realidade que bate à porta.
Como nome mais conhecido do elenco, Tim Roth dá vida a o enfermeiro David, que fornece assistência em domicílio a pacientes em fase terminal. Seu trabalho dedicado vai além das tarefas atribuídas a ele, levando-o a se envolver emocionalmente com cada um dos enfermos. Por outro lado, David tem no passado algo que o atormenta e que o fez se afastar da filha estudante de medicina. A solidão do homem é tanta que, em algumas vezes, ele toma para si a história dos pacientes de quem cuida. Um exemplo é quando, em um papo de bar, ele diz que era casado, mas que a esposa havia morrido de AIDS. Isso logo após ter cuidado de uma aidética antes dela falecer. Diferentemente dos personagens explosivos da carreira de Roth, seu David beira a inércia em uma atuação que depende do olhar e dos pequenos gestos. Sua constante vontade de ajudar com sorriso no rosto contrasta com a melancolia de quando está sozinho em sua casa escura.
O que ajuda Roth em seu desempenho é a maneira que Franco constrói os planos. Pouco movimentando a câmera e apostando em seguidos planos “mortos”, onde a situação se desenrola naturalmente, sem mudança focal ou cortes, o diretor força o espectador a olhar a degradação que traça o limite da breve existência do ser humano. David está sempre por perto; enquadrado entre batentes de portas e colunas, que o integram e o aprisionam naquelas casas. Os poucos travellings usados são para mostra-lo em suas corridas durante as folgas ou quando chega à casa de um paciente que morreu fora de seus cuidados, ou seja, em momentos de stress, onde nada está sobre seus cuidados. A figura do enfermeiro pode ser comparada a dos anjos mitológico que espreitam o leito de morte. Estão ali para levar a alma quando a vida chegar ao fim. Porém, não há nada de mitológico em “Chronic”, há sim a grande discussão existencial do sentido da vida em seres que já nascem com o cronometro contando o tempo para o fim. Às vezes o cronometro é adiantado por uma doença ou qualquer outra fatalidade. Por isso, para que amaram, se reproduziram, ou mesmo viveram? Pelos rumos tomados pelo roteiro é fácil decifrar a ideia de uma vida efêmera e sem significado. Deixando a irônica reflexão de que o que resta a ser feito é amar, se reproduzir e viver.
Com enxutas e suficientes uma hora em meia de duração, é possível traçar todos os dilemas de David sem forçar uma resposta fácil ou precipitada. Decisões polêmicas são tomadas e gerariam enorme discussão se o filme fosse direcionado a um publico mais amplo, fora dos circuitos de festivais. Infelizmente algumas obras são apreciadas por poucos e discutidas em esferas menores. A intenção desse texto é trazer mais um suspiro a essa produção de três anos atrás e torcer para que alguém se interesse em conferi-lo.
Fahrenheit 451
2.6 173 Assista AgoraImagine um mundo onde os livros e, consequentemente, todos os tipos de arte são proibidos. Nesse mundo, os bombeiros não combatem incêndios, porque são os agentes causadores do fogo; uma força policial que procura rebeldes acumuladores de arte e faz fogueiras de livros em praça pública a mando de um governo ditatorial que controla a população por meio de uma ideia deturpada de felicidade. No ideal desses homens, para que servem os livros, filmes e musicas com suas propostas autorais, fazendo com que as pessoas fiquem confusas em suas entrelinhas ou em suas confusões filosóficas? O controle vem por meio da tecnologia onde o big brother vigia a todo o momento e transmite ao vivo a privacidade dos cidadãos em rede nacional.
Ray Bradbury escreveu o ícone da ficção cientifica distópica “Fahrenheit 451” na década de cinquenta, mas a sua história se encaixa perfeitamente na sociedade moderna. A escravização tecnológica promovida pelas telas de celular e internet pode ser o inicio de uma realidade próxima ao do livro, só falta um governo como, por exemplo, o de Donald Trump nos EUA, para dar o golpe final. As ditaduras tomam forma quando a população está distraída com outros assuntos e não consegue perceber quando algo está errado. Retirar a arte e cultura é o estopim para formar cidadãos sem a capacidade de formar pensamentos críticos, sendo relegados a miseras formigas trabalhadoras. François Truffaut já tinha dado a sua visão em 1966 quando filmou a história com Oskar Werner e Julie Christie e conseguiu êxito com um filme que, assim como o livro, virou clássico.
Em 2018, a sempre confiável HBO lança a versão modernizada de “Fahrenheit 451” trazendo o astro do momento Michael B. Jordan no papel do bombeiro com peso na consciência Guy Montag. Como cadete Montag espera a promoção de seu superior e amigo Beatty (Michael Shannon) para que fique em seu lugar como capitão. A péssima recepção crítica em Cannes, onde foi mostrado fora de competição, fez com que o longa caísse no limbo das preferencias cinéfilas, tendo um lançamento frio por parte do canal. Felizmente, os críticos de Cannes não estavam totalmente certos em suas análises. Claramente se trata de um filme que não transparece nenhum tipo de emoção em seu roteiro. Seus frios personagens são geram qualquer ligação com os espectadores. Frieza que parte principalmente de seu protagonista extremamente desinteressante. B. Jordan tem parte de culpa em relação a isso, já que cria um Montag sem inspiração, praticamente no automático. Já Shannon precisa urgentemente pedir a seu agente que lhe mande papéis diferentes do que ele fez em “A Forma da Agua”. Um ator de alto calibre como ele não pode ficar preso em estereótipos de vilões sem escrúpulos. Por fim, Sofia Boutella entrega o que pode nas linhas rasas de sua Clarisse McClellan.
Todas as adaptações de livros consagrados ao cinema receberão por parte dos fãs e especialistas algum tipo de ressalva, o que não é diferente aqui. Talvez, a parte de ser exatamente uma adaptação não esteja sendo entendida por todos. Um roteirista não é obrigado a transcrever exatamente o que está na obra literária, e isso é impossível. O cinema possui suas particularidades e precisa se valer delas para destacar-se perante as outras artes. Dito isso, o roteiro de Ramin Bahrani não é totalmente um desastre em criar novos personagens e situações, assim como alterar o final, em prol de um fluxo narrativo mais de acordo com as propostas iniciais. Também cuidando da direção, Bahrani consegue de forma aceitável mostrar suas intenções em cenas bem construídas. Ajudado pela boa fotografia de Kramer Morgenthau, que ilumina um mundo de forma escassa, apostando nas penumbras e em cores que lembram destruição o tempo todo, o diretor usa do vermelho e amarelo do fogo refletido nos rostos para externar as suas facetas. Distorcendo os planos, principalmente quando caminhão dos bombeiros é mostrado em ação, Bahrani lembra que aquela sociedade está doente.
Tecnicamente bem executado, mas com falta de inspiração, essa nova aposta fica na média se comparado com as produções mais comerciais feitas nos EUA atualmente. Nada fora do comum, porém, bem longe da imagem execrável feita após o festival de Cannes. Afinal, Bahrani não é Truffault, dificultando assim a tarefa de fazer um filme que se tornasse memorável.
Vingadores: Guerra Infinita
4.3 2,6K Assista AgoraQuando a Marvel começou sua jornada no cinema lá em 2008 com o primeiro “Homem de Ferro”, planos grandiosos já estavam sendo traçados, e a intenção era clara quando Tony Stark encontra Nick Fury na famosa e pioneira cena pós-créditos. Todo fã de quadrinhos ficou com aquele frio na barriga de expectativa. Finamente iria-se ver os grandes heróis juntos na tela grande. Depois dos famosos filmes de origem, a história culminou no primeiro “Vingadores”, seguindo com “Vingadores: A Era de Ultron”. Divido em fases, o estúdio, junto com suas mentes criativas, confeccionou uma teia de eventos complexa e inédita no cinema e tornou-se tendência copiada pela concorrência. O que está em movimento agora é a fase três, que terá “Homem Formiga e a Vespa” e “Vingadores 4” para o fechamento. Precedidos, logicamente, por esse arrasa quarteirões chamado “Vingadores: Guerra Infinita”.
Esperado com ansiedade, o embate contra o poderoso Thanos finalmente é executado. O grupo separado em “Capitão América: Guerra Civil” se junta novamente para enfrentar um inimigo em comum; agora com a ajuda do Pantera Negra e toda a nação de Wakanda e dos Guardiões da Galáxia. Thanos é um destruidor de mundos que quer juntar todas as joias do infinito em sua manopla e aumentar seu poder, para assim, num estralar de dedos, matar metade dos seres vivos do universo.
Bem trabalhado em computação gráfica, o vilão é tridimensional e segue conflitos pessoais como os que passam os heróis. A competente atuação de Josh Brolin confere um ar de superioridade ao mesmo tempo em que demonstra cansaço entre as marcas de seu rosto. Seus atos genocidas são, para ele, como atos de misericórdia, já que é aceitável matar trilhões de seres vivos para salvar outros trilhões da falta de recursos causada pela superpopulação.
A invasão das tropas alienígenas é rápida, não dando tempo para que Tony Stark consiga reunir a equipe. Por isso, o longa é dividido em núcleos de combate em Nova York, Wakanda e espaço, junto a isso ainda há os minutos reservados para Thanos. No quesito direção, os irmãos Russo trabalham com vigor as cenas de ação descomunais. Suas câmeras viajam entre as lutas de inúmeros personagens sem fazer com que a noção espacial seja perdida. Sempre é claro o que está acontecendo na tela. Para ajudá-los há a montagem que dá conta de fazer com que tantas situações não confundam o espectador, tornando a trama fluida e divertida. Como de costume, as piadas estão presentes para balancear o tom sombrio que cenas de tortura e mortes podem causar. Talvez esse seja a produção mais sombria do universo Marvel, chegando a causar medo em alguns momentos. Parece uma iniciativa mais adulta, que não tem medo de mostrar os grandes ícones sangrando em momentos de guerra. Depois da invasão do exercito de Thanos em Wakanda, o filme se torna ainda mais visceral, mesmo que algumas cenas sejam suavizadas pela edição rápida.
Sem sombra de duvidas o futuro de personagens que o público aprendeu a se importar durante os anos é incerto desde a introdução até o final. Será que eles terão forças para superar um inimigo mais forte e implacável? Essa é uma pergunta que o roteiro de “Vingadores: Guerra Infinita” responde em parte, já que ele trás mais perguntas do que respostas, deixando as revelações para o próximo filme. É interessante notar que cada um dos heróis principais possuem praticamente participações iguais em tela durante a projeção. Dessa vez o manto de protagonista não caiu nas costas do Homem de Ferro, distribuindo a importância e ampliando as possibilidades dramáticas. Isso é muito bom, pois abre o leque para possíveis despedidas, e prepara o terreno para uma eventual nova equipe na próxima fase.
“Vingadores: Guerra Infinita” guarda algumas surpresas (o que é raro em filmes de super-heróis) conseguindo fazer com que alguns nerds pulem da cadeira, principalmente no final do terceiro ato. Enfim, tira aquele sabor ruim de mesmice que os seus antecessores deixaram e ilumina um futuro promissor para um segmento que já parece demostrar sinais de saturação.
Obs: Como todos já sabem, há uma cena extra no final dos créditos. Essa em especial precisa ser vista, devido a sua grande importância para o que vem a seguir, não só em relação aos Vingadores, mas também a outros membros do universo.
Um Lugar Silencioso
4.0 3,0K Assista AgoraEm uma pequena cidade dos EUA uma família sobrevive a algo que aparentemente devastou quase toda a vida do planeta. O que resta agora são destroços do que já foi a nossa civilização. A câmera passeia no meio de casas e carros abandonados até chegar aos humanos que ainda lutam; amontoando-se em grupos de maltrapilhos. Sinopses como essa se tornaram comuns no cinema e na TV em produções que mostram invasões alienígenas, monstros, maquinas assassinas, vírus e zumbis. Quando um filme nesses moldes é anunciado, todos se perguntam: Será que haverá algo de novo? No caso de “Um Lugar Silencioso”, a resposta é sim.
A tal família aqui é formada pelo pai (John Krasinski), a mãe (Emily Blunt), a filha surda (Millicent Simmonds) e os dois filhos interpretados por Noah Jupe e Cade Woodward. No inicio do longa vemos todos eles indo a um pequeno mercado atrás de suprimentos. O que chama a atenção nessa sequencia é o silencio. Não há diálogos (a não ser o por meio da linguagem de sinais), não há música, e todo o caminho entre a casa na fazendo onde eles moram até a pequena cidade é demarcado por uma trilha de areia, que serve para abafar os ruídos de seus passos. Todos estão descalços e tomam o maior cuidado ao manusear objetos que possam fazer qualquer tipo de som. Logo é revelado que os humanos foram subjugados por um predador cruel que, apesar de cego, possui superaudição.
John Krasinski, que atua e também dirigi, consegue criar um ambiente sufocante ao tirar a capacidade de seus personagens de se comunicarem verbalmente e de tensão quando a simples queda de um objeto pode ser fatal. Nem mesmo os gritos podem ser ouvidos quando as mortes acontecem. Usando “Sinais” de M. Night Shyamalan como referencia, o diretor aterroriza nas cenas que a família está presa em casa enquanto as criaturas espreitam do lado de fora. O andar hora quadrupede, hora ereto, faz a madeira ranger e casa tremer com a movimentação rápida de caçadores no teto e pelas paredes. A menção a “Alien” feita acima também não é por acaso, já que Krasinski bebe na fonte do clássico de Ridley Scott para assustar a plateia quando as vitimas são pegas de surpresa por um ataque rápido, que vem de fora do quadro. Só sai uma nave perdida no espaço e entra uma fazenda isolada.
Além do clima bem construído, o filme faz uso de um bom elenco. Dor, medo e desespero são entregues por meio de expressões, e a novata Simmonds, que perdeu a audição na vida real, é o foco da trama. Por causa de acontecimentos que não cabem ser explanados para evitar spoilers, ela se sente preterida por um pai que não consegue demonstrar seu amor. Blunt é encantadora como sempre na pele de uma mulher que quer a todo custo defender sua prole e Krasinski segue a linha do pai focado em seguir as regras de uma nova realidade. Ou seja, “Um Lugar Silencioso” é um drama familiar independente misturado com o gênero terror, passado em um ambiente apocalíptico. É evidente que as intenções íntimas do roteiro possuem origem no casamento entre os atores principais, tornando a interação entre os dois ainda mais orgânica na tela.
Claro que nem tudo são louros, já que os clichês do gênero insistem em dar as caras. Então, não se surpreenda com os sustos fáceis proporcionados por falsas situações de perigo ou com algo que aparece na tela de surpresa. E, se o design de som é competente em construir um mundo onde pequenos elementos sonoros dão vida a um mundo de silêncio, ou quando “sentimos” a surdes da garota como quando nossos ouvidos são tampados pela agua, ele também é prosaico em aumentar o tom para que aquele susto produzido por algo que aparece na tela seja potencializado. Pontos relevantes, mas que não atrapalham a competência de um ótimo filme de terror.
Jogador Nº 1
3.9 1,4K Assista AgoraSer cinéfilo nos anos oitenta e noventa foi um grande prazer. Nessas décadas surgiram grandes clássicos do cinema Pop norte americano que se tornaram sucesso em todo o mundo e criaram uma legião de fãs. Um dos artistas que está no topo dos letreiros de muitos desses filmes é Steven Spielberg. Como diretor, produtor ou roteirista, Spielberg fez com que as pessoas se apaixonarem pela sétima arte e ajudou a formar muitos dos que estão na indústria de Hollywood hoje em dia. O segredo foi carregar seus filmes de emoção e magia em histórias humanas, mas usando a fantasia e a ficção cientifica como agregadores narrativos.
As produções do cineasta são usadas como referência há muito tempo, o que não deixou margem para surpresas quando Ernest Cline lançou seu livro “Jogador Nº 1” em 2011, se apropriando de ícones como “De Volta para o Futuro”, “Gremlins”, etc. Mas, “Jogador Nº 1” não se contenta em Spielberg, também há “King Kong”, “Godzilla”, O Iluminado (toda uma importante sequência reverencia Kubrick e Stephen King), entre outros. O cinema não é o único a ser usado como matéria prima, conferindo aos games um papel ainda mais importante para a trama que se passa em 2044, onde Wade Watts, assim como o resto da humanidade, prefere o simulador OASIS ao mundo real. Quando o seu criador, o excêntrico James Halliday morre, os jogadores devem descobrir a chave de um quebra-cabeça diabólico para conquistar sua fortuna inestimável.
Ninguém mais indicado para dirigir uma adaptação de um livro com essa proposta do que o próprio Spielberg e, sem sombra de duvidas, o homem sabe para onde apontar suas câmeras, mesmo que essas sejam na maior parte do tempo virtuais, emulando um mundo de RPG. Nas mãos de alguém com menos talento, todo o significado além da pirotecnia seria desperdiçado e temas como o isolamento, a amizade e a fuga da realidade perderiam a importância. Realidade distópica em cidades que mais parecem grandes favelas amontoadas em toneladas de lixo. OASIS é o que faz as pessoas fugirem dessa miséria e como os celulares, os aplicativos, as redes sociais e os próprios jogos eletrônicos do ano de 2017, proporciona a fuga em vidas imaginarias na pele de avatares escolhidos pelo jogador. Igualmente como hoje, há as corporações que visam lucrar com a escravização eletrônica dessas pessoas e exploram o que todas elas possuem: seus sonhos.
Um grupo de jovens às margens lutando contra um vilão maior e poderoso. Com certeza se trata de uma fórmula batida, no entanto, a construção narrativa, como um jogo, pedia que esses personagens subissem de level assim que as fases fossem superadas e que reunissem habilidades para o final apoteótico, ao mesmo tempo em que prestaria homenagem a todas as obras que usaram dessa tal fórmula no passado. Como em “Gonnies”, a aventura dos amigos é perigosa ao mesmo tempo em que diverte a plateia. As batalhas são emocionantes por misturarem tantas figuras nerds conhecidas. Tudo é montado de forma frenética, nunca deixando que a sensação de clímax se esgote.
Se a ação, aliada à trilha sonora com os hits “We're Not Gonna Take It” do Twisted Sister, “Stayin' Alive” do Bee Gees e “I Hate Myself For Loving You” de Joan Jett proporcionam frio na espinha, o mesmo pode ser dito da constatação feita pelo roteiro de que a prisão virtual na qual estamos pode ser permanente se caso não buscarmos laços humanos. A integração entre pessoas é primordial em um mundo conectado por telas que projetam o artificial. No terceiro ato isso fica evidente e o chefe final só poderá ser vencido quando o grupo formado por Parzival (Tye Sheridan), Art3mis (Olivia Cooke), Aech (Lena Waithe), Sho (Phillip Zhao) e Daito (Win Morizaki) saberem o momento de jogar e também de desconectar.
Tomb Raider: A Origem
3.2 942 Assista AgoraQuando se ouve falar que Hollywood pretende adaptar um jogo de vídeo games para as telas, os jogadores e os cinéfilos sentem um frio na espinha. Então, o que dizer quando é anunciado o reboot de uma adaptação de um jogo de vídeo game que tinha como protagonista uma das mais importantes atrizes da atualidade? Bem, é certo que “Lara Croft: Tomb Raider” e “Lara Croft - Tomb Raider: A Origem da Vida” com Angelina Jolie não foram unanimidades para os “entendidos” de games e cinema, mas agradaram o público em geral, se tornando sucessos de bilheteria. Substituir um ícone como Jolie em um recomeço de história era, no mínimo, um risco.
Dito isso, temos “Tomb Raider: A Origem” que, como o próprio título entrega, conta o início da carreira de Lara Croft (Alicia Vikander) como arqueóloga aventureira. Lara, desde a adolescência, treina lutas, arco e flechas e esportes radicais, além de adquirir conhecimento em arqueologia e história. Seu bilionário pai Richard Croft (Dominic West) é o influenciador da garota, sendo ele mesmo um grande arqueólogo. A trama gira em torno do desaparecimento de Richard depois que ele parte em busca do tumulo de uma suposta bruxa que guarda uma maldição e está enterrada em uma remota ilha na Ásia. Depois de um ano sem dar notícias, ele é dado como morto, deixando o grande império sem um líder.
O nascimento da heroína Lara Croft é quando ela aceita a morte do pai e decide tomar conta dos seus projetos arqueológicos escondidos em um porão, onde há muitas coisas, inclusive os dados históricos da tal bruxa. Claro que ela tentará desvendar o mistério que tomou a vida do único membro de sua família, apesar de não aceitar totalmente a sua morte. Como Indiana Jones mas com muito mais charme e habilidades ela enfrentará os perigos de uma selva desconhecida cercada pelo mar, onde há mercenários armados com equipamentos de guerra, que usam dezenas de escravos em trabalho de escavações. Em “Tomb Raider: A Origem” Lara Croft sofre muito mais do que nos filmes anteriores, se machucando e sangrando em diversos momento; transparecendo um ar de realidade nos seus gritos de horror quando cai com um paraquedas ou quando foge de uma caverna que desmorona.
Para todas essas peripécias era de se pensar que uma atriz com experiência em filmes de ação fosse contratada. Não foi o que não aconteceu, já que a escolhida para o papel foi a ganhadora do Oscar e acostumada a produções dramáticas Alicia Vikander. Após passar por um extenso treinamento antes das filmagens, Vikander consegue honrar sua antecessora ao executar cenas de lutas, perseguições e tiroteios com destreza. Seu carisma e boa atuação são pontos a favor, levando o espectador a se preocupar com cada queda ou soco que a personagem leva. Com certeza, já se trata de uma grande estrela mundial e fará por um bom tempo o papel de Lara Croft, isso dependendo do sucesso ou fracasso financeiro desse primeiro capítulo, evidentemente. Se a intérprete faz um bom trabalho, o mesmo não pode ser dito da produção e direção, pelo menos na maior parte da projeção. O cineasta norueguês Roar Uthaug não consegue imprimir ritmo em algumas sequencias importantes, minimizando o impacto e diminuindo a emoção, principalmente quando elas se passam em cenários construídos em computador que parecem terem saído dos primeiros jogos da franquia.
Furos no roteiro deixam inverossímeis algumas ações de personagens importantes, como a do vilão Mathias Vogel (O sempre competente Walton Goggins) que diz a todo tempo que não vê os filhos há anos por que está preso na ilha até terminar o trabalho para o qual foi designado, no entanto, insiste em executar uma ordem que pode desencadear consequências mortais a eles. Também é curioso como os personagens se encontram por acaso em uma ilha como mata fechada e de enorme extensão. São pontos que poderiam ser mais bem cuidados, porém não atrapalham a experiência de quem só procura uma boa aventura sem precisar colocar as mãos em um joystique.
Rocco e Seus Irmãos
4.4 125Pode parecer redundante dizer que Luchino Visconti é considerado um dos maiores cineastas da história e, ao lado de Fellini, Rossellini e De Sica, um ícone do cinema Italiano. Mas, o reforço sobre sua genialidade é relevante para que a informação sobre a nova retrospectiva do artista, que está em cartaz na cidade de São Paulo, ganhe destaque (em cartaz até o momento em que esse texto foi escrito, pelo menos). Nela, é possível conferir todos seus sucessos em película, possibilitando a revisita dos grandes clássicos. “Rocco e Seus Irmãos” é talvez o mais aclamado de seus filmes, aparecendo em várias listas de melhores de todos os tempos.
O elenco por si só já é um deslumbre. Estrelas da grandeza de Alain Delon, Annie Girardot, Claudia Cardinale e Renato Salvatori fazem parte da constelação. A história é sobre os interioranos irmãos Parondi: Rocco (Delon), Ciro (Max Cartier), Luca (Rocco Vidolazzi), Simone (Salvatori) e Vincenzo (Spiros Focás), filhos da viúva Rosaria (Katina Paxinou), que se mudam para Milão. Paupérrimos e em uma cidade estranha, eles precisam arrumar trabalho para sobreviver. Simone, aproveitando um talento natural, vira campeão de boxe, lutando sob a batuta de um importante empresário, enquanto o resto dos irmãos são contratados em subempregos. Simone então conhece a bela Nadia (Girardot) e se apaixona por ela. O relacionamento com Nadia é o fator de conflito na vida da família, já que a garota passa a se interessar por Rocco. Simone, por sua vez, vê a carreira ruir e suas dívidas aumentarem. Dívidas essas devido ao seu estilo de vida boêmio e irresponsável.
Visconti confecciona sua obra com ares de épico, servindo de modelo para inúmeros cineastas posteriores (todos sabem que Coppola se inspirou para Poderoso Chefão). A família como a grande instituição, com a mãe no centro é tradicional para os Parondi e o processo de destruição de seu alicerce começa quando o campo é substituído pela metrópole. Todos os seus membros são assolados pela constante necessidade de sobrevivência ou mesmo para serem aceitos nessa nova sociedade; valores são substituídos pelo padrão capitalista. O trabalho braçal de um dos irmãos em uma montadora de automóveis é um exemplo; principalmente quando ele é tratado como um traidor; àquele que não acolheu e perdoou um ente querido; voltando suas atenções para a vida de operário.
Com suas quase três horas de duração, “Rocco e Seus Irmãos” é uma aula de cinema clássico. A fotografia de Giuseppe Rotunno é elegante em um preto e branco belo de se ver, ainda mais na versão restaurada em 4K. O contraste entre luz e sombras é primoroso em uma Milão que estava descobrindo a iluminação nas vitrines e fachadas de suas famosas lojas de grife. Essa Milão, no entanto, só é mostrada de passagem, através das janelas dos ônibus que os personagens usam para ir até a periferia. É nos conjuntos habitacionais do gueto que a trama se desenrola.
O filme é construído em seus diálogos, que se tornam verdadeiras recitações nas expansivas atuações do elenco. Como em um filme mudo, os atores usam o corpo para demonstrar os sentimentos e gesticulam como se estivessem no teatro. Visconti registra tudo com a câmera próxima às situações, movimentando-a discretamente. A edição em fades trás a impressão de sonho em uma história que pode ter sido real para inúmeras famílias que se perderam tentando alcançar a “civilidade”. Rocco é o único que quer voltar à antiga vida, mesmo sabendo que isso nunca será possível em um mundo que os engoliu para sempre. Um caminho sem volta, realçado pelo último plano que mostra Luca, o mais novo de todos, correndo em meio a um cenário dominado por prédios de fábricas.
Eu, Tonya
4.1 1,4K Assista AgoraPara quem acha que Margot Robbie é apena um rosto bonito, ela entrega uma atuação magnifica e comovente.
Pequena Grande Vida
2.7 431 Assista AgoraAlexander Payne já mostrou que não é um cineasta com propostas narrativas habituais e, gostando ou não de seus filmes, é preciso reconhecer que ele possui uma marca própria, distanciando-o do filão hollywoodiano que enchem as salas de cinema. Payne desenvolve histórias que se encaixam perfeitamente no cenário independente e que geralmente caem nas graças das principais premiações, como o Oscar. Foi assim com “Sideways”, “Os Descendentes” e “Nebraska”. Diálogos bem construídos para personagens desajustados e em situações desconfortáveis dão o tom de suas obras. Todas essas características estão de volta em “Pequena Grande Vida”, mas, agora com maiores ambições e um orçamento robusto.
O orçamento foi necessário para dar vida a um mundo de ficção cientifica onde alguns pesquisadores noruegueses com objetivos ambientais criam uma máquina que diminui a massa corporal humana, deixando-os do tamanho de ratos. Após a revelação da inovação o mundo se transforma ao receber inúmeras comunidades de pessoas pequenas. A convivência com aqueles que não querem ser encolhidos é mantida com o compartilhamento de serviços públicos, como viagens de avião. Depois do procedimento, a classe média se torna milionária, por causa do baixo do custo de vida de uma pessoa diminuta. Paul Safranek (Matt Damon) um terapeuta, vê aí a grande oportunidade de realizar o sonho de ter uma casa nova (no caso, uma mansão) junto com a esposa vivida por Kristen Wiig. O problema é que Paul Safranek é um dos personagens desajustados de Alexander Payne e o que era para ser uma vida confortável encontra alguns percalços.
Longe de ser aquele tipo de ficção cientifica sisuda, que tem em suas veias um pessimismo pulsante, “Pequena Grande Vida” consegue discutir temas recorrentes e sérios sem perder a leveza de uma comédia de erros. Questões sociais e políticas fazem parte da jornada de Safranek, demonstrando o quão longe de ser uma pessoa realmente boa ele está (apesar de ter cuidado da mãe até a morte e de tratar pessoas com problemas ortopédicos em seu trabalho). Cutucando levemente o imperialismo norte americano, há nessa “avançada” nova comunidade o antigo e conhecido esquema capitalista e suas barbáries resultantes. Há aqui a entrada de Ngoc Lan Tran (Hong Chau) uma vietnamita que é encolhida pelo governo de seu país para que seus protestos contra a inundação de sua cidade e a construção de uma hidroelétrica sejam calados.
Para fugir de seus perseguidores ela entra clandestinamente nos EUA dentro de uma caixa de televisão. Socorrida, ela fica em coma e acaba perdendo uma perna. Sua história é transmitida pela mídia, fazendo-a uma celebridade. Mesmo com a fama, seu destino é um gueto junto com outros imigrantes e um trabalho como faxineira dos abastados. Em uma das casas que limpa, acaba conhecendo Safranek. Pessoas esfarrapadas longe das grandes maravilhas da civilização. É interessante notar a clara menção ao famigerado muro que Donald Trump quer construir na fronteira com o México. Em um momento, um ônibus levando trabalhadores entra em um buraco igual a uma abertura de esgoto para ultrapassar a imensa estrutura que separa as duas realidades. Ngoc Lan Tran trafega entre essas duas realidades, carregando sobras de comida dos ricos para os pobres. Safranek começa a ajuda-la e descobre que seus problemas não são tão graves em comparação com os daquelas pessoas. Uma invenção para salvar o planeta nada mais é que duplicação de seus erros em escala menor, e isso mostra a falta de capacidade do ser humano em superar ultrapassados costumes.
Como dito, Payne não permite que seu filme perca o humor ao tratar de temas tão sérios. Tiradas sarcásticas são o que o diretor e também roteirista faz de melhor. Boa parte delas desferidas pelo personagem de Christoph Waltz e seu já famoso sotaque fanfarão. Outro ponto a destacar é a eficiência dos efeitos visuais que, mesmo aparentando ser baratos, fazem seu papel ao trazer à memória o clássico da sessão da tarde “Querida, Encolhi as Crianças”. “Pequena Grande Vida” deixa aquele sorriso no rosto mas acende um alerta sobre nossa vida de gente grande aqui na terra.
A Grande Jogada
3.7 342 Assista AgoraO cinema colhe na vida real sua matéria prima para contar histórias fantásticas. Tão impressionantes que se o “baseado em fatos reais” não aparece no inicio da projeção, a inventividade dos roteiristas que imaginaram aquilo seria louvada. Uma dessas é a da esquiadora aposentada e organizadora de jogos clandestinos de Pôquer Molly Bloom, no filme vivida por Jessica Chastain. Molly e seus irmãos são treinados desde pequenos pelo rígido pai Larry Bloom (Kevin Costner) para serem vencedores. Ele não admite o fracasso da filha, que sofre um acidente e abandona as olimpíadas onde era uma das favoritas a conquistar medalhas. Após largar o esporte e sem saber o que fazer, a mulher entra no mundo dos apostadores de Pôquer, que contém celebridades de todas as áreas prontas para gastar milhões em uma única noite. Claro que tudo sai do controle e ela acaba envolvida com a máfia Russa e passa a ser investigada e processada pelo governo americano.
“A Grande Jogada” conta toda a jornada por meio de flashbacks intercalados com o presente onde o julgamento está às vésperas de acontecer. Dirigido e roteirizado por Aaron Sorkin o longa não economiza nos rápidos e abundantes diálogos. Quem o conhece de “A Rede Social” sabe que a verborragia é sua marca registrada. Aqui, além dos diálogos, ainda há a narração em Off da personagem principal. Então, fica difícil acompanhar a legenda para quem não sabe inglês. Todo esse falatório incomoda nas duas horas e vinte de duração e, talvez, nas mãos de um cineasta mais sensível cinematograficamente, a gramatica das palavras poderia ser substituída pela gramatica das câmeras. Melhor do que falar é mostrar, na linguagem do cinema. O filme se torna uma espécie de teatro falado em suas inúmeras sequencias em cenários que não possuem nenhuma inspiração estética. Quando a ação vai para a rua é de uma forma engessada em planos estáticos e fotografia sem vida. Desenvolvimentos significativos no que diz respeito à direção são inexistentes, o que torna o banal preponderante.
Já que é o texto que recebe a maior atenção, nada mais natural que escalar uma protagonista como Chastain. Sua poderosa presença e bela construção de personagem são de emocionar. Para esse papel não bastava uma atriz conhecida, mas sim um ícone mundial. Só assim para que a conexão com o público fosse feita em meio a uma escolha narrativa tão limitada. Isso também se aplica ao advogado sensível de Idris Elba. O roteiro não é primoroso e possui alguns atos falhos: a presença inesperada do pai em certo momento é quase um “Deus Ex machina” e o senso de moral e justiça de personagens importantes ficam inverossímeis mesmo sabendo que é tudo baseado em fatos. Os jogadores inveterados de Michael Cera, Chris O'Dowd e Bill Camp são importantes para que Chastain seja o brilho máximo em cena. Suas neuroses e superstições a levarão do céu ao inferno.
A falta de visão de seus realizadores poda “A Grande Jogada”, tirando sua relevância. Temas como ambição, busca pelo sucesso e família são desperdiçados em um microcosmo que é preso pelas lentes pouco inventivas. Era preciso fazer cinema e deixar o livro que foi usado como base para o roteiro de lado, impossibilitando que a literatura interferisse de forma bruta nas imagens. O texto é fantástico, o que faltou foi usa-lo com parcimônia. Sobra uma personagem feminina forte que luta em um mundo dominado pelos homens para poder sobreviver. Sua luta é bem representada por uma interprete fantástica, que faz sua própria imagem ligar-se a da personagem, e isso não é pouco em um mundo que cada vez mais pede o empoderamento feminino.
Ícaro
4.0 125 Assista AgoraPrestigiar os documentários não é de costume do grande público. As atenções são voltadas para os inúmeros blockbuster lançados durante o ano ou ao novo filme ganhador do Oscar. O que todas essas pessoas não sabem é que grandes documentários estão presentes na premiação da academia americana, sendo, por muitas vezes, mais atrativos que as ficções indicadas. Também, com alguma sorte, conseguem bons números nas bilheterias. Um desses é a produção da Netflix “Ícaro” que, evidentemente, não conta com números de bilheteria, mas foi devidamente indicado ao Oscar.
“Ícaro” começa com seu realizador californiano Bryan Fogel tentando descobrir um mecanismo que coloque em prova os extremamente seguros exames antidopings. No mesmo estilo de “Super Size Me”, Fogel decide tomar anabolizantes para ter seu desempenho melhorado em uma competição de ciclismo semiamadora. Para isso, ele busca a ajuda de especialistas neste tipo de exame, até chegar a Grigory Rodchenkov, um químico russo que indica ao atleta todos os procedimentos para vencer a prova e se manter limpo em eventuais testes. Passados trinta minutos de projeção, os caminhos do filme são desviados quando nos é revelado (a nós e aos realizadores) que Rodchenkov é ex-diretor da agencia antidoping russa e um dos acusados de participar do massivo programa de Doping financiado pelo kremlin em varias olimpíadas.
A partir daí, a narrativa nos leva aos esquemas escusos que fizeram da Rússia uma potencia olímpica durante décadas. Criando um sincero laço de amizade, o Russo e o Americano decidem se arriscar e levar as provas para o governo dos EUA e também para renomado jornal New York Times. Essa decisão gera momentos de tensão que são competentemente confeccionados pelo roteiro: a fuga de Rodchenkov de Moscou é uma delas, assim como as sequencias de tensão e paranoia às escuras com perseguidores imaginários ou não; de certo, dignas de filmes de espionagem que se passam durante a guerra fria (termos como KGB são usados frequentemente, mesmo todos sabendo que a agencia de inteligência russa já não usa mais esse nome).
Se no inicio o documentário puro era desfeito com o seu próprio diretor como protagonista, falando diretamente com a câmera, feito um vlog, depois das descobertas bombásticas, Fogel coloca sua câmera no tripé e colhe o depoimento de Rodchenkov intercalando-o com imagens de arquivo e reconstituições em animação de fatos não filmados. Vladimir Putin é mostrado como o grande vilão que arquitetou todo o plano para que pudesse ganhar medalhas, e com elas a aprovação da população. Aprovação essa que facilitaria no futuro suas manobras politicas (como exemplo: os ataques contra a Ucrânia). Politica e esporte caminham em um perigoso paralelismo que acaba sendo prejudicial para todos que amam e dão a vida em uma olimpíada. Dados são explanados e os números assustam. Atletas renomados são indiciados e a tradição esportiva de um povo é manchada. Governantes fazem seu papel e negam veementemente que haja algum tipo de irregularidade e apontam os acusadores como traidores fora de suas faculdades mentais. Putin chega a dizer que nem reconhece seu ex-diretor da agencia antidoping, sendo que, em 2014, o país sediou uma olimpíada de inverno. São fatos com provas, mas desacreditados pelo poder.
Duas horas de fatos dão vazão a importantes perguntas: Será apenas a Rússia ao injetar drogas em seus atletas em competições de alto nível? Não caberia uma investigação ainda mais profunda em todas as superpotências do esporte? Enquanto as respostas não são dadas, àqueles que ousam dizer a verdade precisam viver escondidos e protegidos dos agentes de sua própria pátria. Grigory Rodchenkov atualmente se encontra em proteção à testemunha em algum lugar dos EUA, longe de sua família. Ele vendeu sua alma ao diabo e agora paga o preço sem direito à redenção.
Pantera Negra
4.2 2,3K Assista AgoraCriado pelo prolifero Stan Lee e seu companheiro Jack Kirby na década de 60, o Pantera Negra fez sua primeira aparição em uma edição do Quarteto Fantástico. Na época, muitos o associaram ao partido revolucionário Black Panther, mas isso logo foi desacreditado pelos seus criadores. Verdade ou não, o fato é que o personagem e seu universo possuem em seus cernes o ideal libertário e igualitário de um povo que sofre com perseguições de todo tipo desde que nós nos consideramos como sociedade civilizada. A representatividade da obra é importante em um mundo moderno cada vez mais apartado, e o novo filme da Marvel vem para cumprir o papel de panfleto, no melhor sentido do termo.
Claro que o filme “Pantera Negra” é, antes de tudo, uma aventura cheia de ação; produzido para inserir Wakanda no universo Marvel. Como história de origem, apresenta todos os personagens importantes para a construção do herói africano. A premissa é aquela já conhecida em se tratando de início de franquias: o príncipe T'Challa (Chadwick Boseman) está pronto para assumir o lugar de seu pai, morto em um atentado terrorista mostrado em “Capitão América: Guerra Civil”. Ele será rei e adquirirá os poderes místicos, além da armadura do Pantera, mas, antes, precisará ganhar a confiança do povo e de seus íntimos, além de derrotar um inesperado inimigo. Basicamente é a mesma trama de todos os longas solos dos integrantes dos vingadores, entretanto, faz uso de uma roupagem ainda não vista em filmes de super heróis.
Wakanda possui elementos tribais misturados com tecnologia. Nota-se a arquitetura recorrente dos países africanos inserida em um contexto futurista de naves, arranha céus e trem velozes. Tudo é construído com Vibranium, o mesmo material usado no escudo do Capitão América e que só pode ser encontrado no local fictício. É um país de primeiro mundo; uma potência bélica, que se mantém escondida de seus vizinhos pobres. Temos aí um sentimento de separação, onde a nação desenvolvida constrói um muro (aqui, um campo de força que a torna invisível) para que os indesejáveis não destruam seu estado de bem estar social. T'Challa, como novo líder, fica entre abrir as portas ou manter o status soberano. Seu grande interesse amoroso, Nakia (Lupita Nyong'o) e seu nêmeses Erik Killmonger (Michael B. Jordan) acham que precisam se revelar ao mundo. Ela com ajuda humanitária e ele por meio da dominação e exportação de suas inovadoras armas.
B.Jordan constrói Killmonger com aspirações de poder e com sentimentos que o fazem buscar vingança contra aqueles que o ignoraram a vida toda, conseguindo se sair melhor que alguns dos vilões unidimensionais apresentados em filmes baseados em quadrinhos atualmente. Isso não o redime de entregar uma atuação banal, que se esvazia no ato final, infelizmente. Boseman se limita a carregar de sotaque o seu inglês e esquece-se de trazer profundidade nos momentos que está sem a máscara. O restante do elenco que conta, além de Nyong'o, com Danai Gurira, Forest Whitaker, Martin Freeman e Andy Serkis, são apenas corretos, sem nenhum destaque. Ryan Coogler (Creed: Nascido para Lutar) apesar de não conseguir que seus atores tenham desempenhos exemplares, imprime certo estilo em algumas bem filmadas cenas de lutas. A melhor delas, em uma casa noturna, é uma demonstração de domínio de mise en scène, principalmente em um ótimo plano sequência que acompanha dois núcleos de batalha com a câmera subindo e descendo em gruas. A coesão é evidente em embates bem coreografados. Entretanto, essas qualidades não são vistas nas derradeiras batalhas do filme (principalmente na luta entre herói e vilão) por serem apáticas e picotadas por uma edição que não favorece o fluxo da ação. Porém, são pequenos problemas que não apagam o valor simbólico de “Pantera Negra” e, gostando ou não do universo Marvel, é preciso reconhecer o excelente trabalho que o estúdio vem fazendo com seus personagens. São pop, mas possuem alma, e isso é muito importante.
Em síntese, basta dizer que todos os espectadores que acompanham um pouco o obscuro cenário político norte americano da era Trump, ficarão felizes com o pacifismo e a vontade de integração impressos nas linhas do roteiro. Por mais que haja inúmeras cenas de tiroteios e lutas, a figura do Pantera vem carregada de diplomacia e senso de justiça. Os conflitos com os quais ele se envolve são os que fogem ao seu controle; aqueles mancomunados pelos vilões (um deles quer ser o líder supremo). Inevitavelmente é no gueto onde o filme começa e onde ele acaba, trazendo à luz os excluídos; os que não possuem acesso ao avanço social e tecnológico intrínseco a Wakanda. O colorido daquele lugar quase mágico será o grande incentivo para que uma nova sociedade tome forma. Novos heróis irão se erguer a partir das ruas e darão inicio à revolução. A única torcida é para que, no mundo real, haja aqueles que imitem a ficção.
Em Pedaços
3.9 235 Assista AgoraNada no mundo contemporâneo tem deixado tantas feridas e causado tanta dor como o terrorismo. Ele está em todos os lugares, carrega varias bandeiras e atinge inocentes aos milhares. Por anos a Europa vem sofrendo com a barbárie; o que faz seus cidadãos vítimas em potencial. Além dos já conhecidos grupos do oriente médio, há uma nova onda de criminosos que se escondem por trás de ideologias politicas de extrema direita, e a Alemanha, infelizmente, é uma das nações que mais produz esse tipo de individuo. A causa, evidentemente, é o seu passado à sombra de Adolf Hitler.
“Em Pedaços” do cineasta alemão, de ascendência turca Fatih Akin vem tratar desse problema assustador que é o Neo Nazismo. A história é contata através de Katja Sekerci (Diane Kruger) que perde seu marido e filho em um atentado terrorista realizado por um casal de supremacistas brancos (essas informações não são spoilers, já que estão no trailer do longa). Nuri (Numan Acar), o marido, é um ex-presidiário turco, dono da pequena loja que é explodida. Depois do ocorrido e dos suspeitos presos, Katja irá ao tribunal para acompanhar e servir de testemunha no processo judicial, enquanto tenta lidar sozinha com uma vida insuportável sem seus entes queridos.
O espectador é transportado para a nova realidade de Katja. Se antes a vida era feliz em uma casa coberta pelos raios de sol da manhã, agora ela é funesta; cortada por corredores escuros, onde a pouca luz só serve para que a mulher não tropece no acumulo de objetos jogados no chão. No passado os sorrisos e brincadeiras de fins de semana na praia são abundantes, agora, em substituição, há a neve e a chuva torrencial de um presente melancólico. Essa construção expressionista pode parecer genérica, mas é bem trabalhada por Akin em sequências discretas, quase fazendo com que a câmera seja esquecida em um relato documental. Realidade é o que procura o roteiro, sem cair no manjado esquema de filme de vingança Hollywoodiano, mesmo tendo uma estrela como Diane Kruger no elenco.
Kruger é, sem dúvidas, um dos grandes atrativos do filme. A força de sua atuação mostra o motivo dela ter ganhado um prêmio no festival de Cannes em 2017. Ela também ganhou o Globo de Ouro e foi injustamente ignorada pelo Oscar. Quem ainda acha que a atriz alemã é apenas mais um rosto bonito ficará impressionado com o tom visceral da construção de sua personagem. A dor da mãe e esposa é explanada em cenas magistrais de descontrole e em diálogos com seus familiares. Mistura-se a essa dor a raiva, o que dá ainda mais profundidade e significado aos seus sentimentos. Não há momentos de baixas em seu desempenho, tudo é uma grande crescente até os últimos momentos de projeção. Os outros personagens são usados como escadas para que essa excelente atriz dê seu show e ela entrega o melhor de sua carreira até agora.
A narrativa é construída como um thriller, mas não acelera o tempo a procura de respostas fáceis. Cadenciadamente a trama se desenrola e todas as peças são expostas. Nunca pesando a mão na direção, Akin consegue discutir as falhas processuais do sistema jurídico alemão e as raízes às vezes não tão evidentes das formas de preconceito racial em um país rachado de forma invisível (a família mora em um bairro exclusivo de imigrantes, em especial turcos). O cineasta não faz parte da raça ariana, como diria os fanáticos. Então, provavelmente, já deve ter passado por situações que o tarimbam para a discussão. Com um final poderoso, “Em Pedaços” deixa um vazio na alma e faz a pergunta que não quer calar: Será que o sofrimento um dia acabará?
Todo o Dinheiro do Mundo
3.3 229 Assista AgoraÉ impossível escrever sobre “Todo o Dinheiro do Mundo” sem citar Kevin Spacey, por mais que os realizadores o tenham apagado do filme. A má conduta do ator fez com que algo inédito acontecesse na indústria cinematográfica: a exclusão de um astro em um filme já pronto. Ridley Scott gastou dez milhões de dólares acima do orçamento para refilmar todas as cenas de Spacey com Christopher Plummer em um prazo curto, às vésperas com o lançamento. Até já havia uma campanha para a indicação ao Oscar para Spacey, que também foi extinta. O Novo protagonista também ganhou uma indicação ao Oscar pelo seu excelente desempenho, mas será prejudicado por fazer parte de uma produção banal, daquelas esquecíveis com o passar dos anos. Alias, será pior, todos apenas se lembrarão do filme porque tinha em seu elenco um criminoso sexual. Entretanto, não se pode julgar o longa por causa de seus problemas de bastidores, é preciso coloca-los de lado e deixar a arte falar por si só.
Dito isso, o roteiro se apoia em fatos reais para contar a história do bilionário Jean Paul Getty (Plummer), que nos anos 70 possuía a maior fortuna do mundo. Getty era conhecido por não gostar de gastar seu dinheiro e isso foi afirmado quando seu neto John Paul Getty III (Charlie Plummer) é sequestrado e o homem se recusa a pagar o resgate pedido pelos sequestradores, mesmo com os suplícios da mãe do garoto, vivida por uma competente Michelle Williams. Ao invés de pagar, Getty Sênior encarrega o seu homem de confiança para cuidar do caso. O ex-espião Fletcher Chase (Mark Wahlberg) tem a missão de efetuar o resgate gastando pouco ou mesmo nada. Tudo se complica quando uma orelha do neto é enviada pelo correio. A necessidade de posse intrínseca ao mundo capitalista é bem representada na figura do decrépito bilionário. Só o dinheiro não basta, há a avidez por colecionar obras de arte valiosas que são acumuladas em uma enorme mansão. Roma é o cenário em que a história se passa e, em uma sequencia em que Getty mostra para o neto o coliseu, fica claro o caminho pretendido pelo roteiro. Tudo pertence ao imperador, até mesmo as pessoas.
Um dos problemas de “Todo o Dinheiro do Mundo” é que Ridley Scott parece aqueles diretores iniciantes que são contratados por um estúdio apenas para executar o trabalho de marcenaria. Seus planos são desprovidos de inspiração e mesmo a direção de atores é negligenciada, deixando que cada um execute os personagens da maneira que lhes convém (como na atuação extremamente forçada de Romain Duris como um dos sequestradores). A reconstituição dos anos 70 é bem trabalhada, no entanto, não é algo que Hollywood já não tenha mostrado anteriormente. Toda aquela tensão dos filmes de sequestro que poderia ser um ponto forte fica prejudicada por não nos importarmos com o sequestrado e seu sofrimento. De fato, o tema do filme são as atitudes desumanas do avô. O conhecimento prévio da história e seu desfecho (por se tratar de uma história baseada em fatos) também não ajudam na imersão. O ato final é tão anticlímax que é quase impossível não torcer pelos sequestradores, para ver se alguma emoção saí da tela. Desejos de emoção e tensão são apropriados quando tratamos de um cineasta que pariu obras como “Blade Runner”, “Alien” e o mais recente “Perdido em Marte”. É de se imaginar que “Todo o Dinheiro do Mundo” é um produto feito nas férias de alguns meses das superproduções que Scott costuma produzir, e devido ao fracasso recente de uma delas (no caso Alien: Covenant) ele tenha abaixado a cabeça e feito algo mais seguro, porém efêmero.
Sombras da Vida
3.8 1,3K Assista AgoraVivemos. Mas, para qual propósito? Estamos neste planeta apenas de passagem, isso é fato. A ciência busca respostas; a arte discute a breve existência, enquanto vagamos em nossas vidas até que ela chegue ao fim. O fim sempre vem, e deixamos para trás tudo aquilo que nos era importante. Abandonamos nossos entes queridos, até que eles também desapareçam e se juntem a nós, para que voltemos a compor a matéria do que é feito o planeta. O planeta também se vai, daqui a bilhões de anos, e todos farão parte do que forma o universo. Desapareceremos para sempre, ou quem sabe renasceremos em outro universo, transformados, bem longe de onde era nossa pequena terra.
Pode parecer triste, mas a vida é um ciclo que se repete até se esgotar, se transformar e, quem sabe, desaparecer. “A Ghost Story” é uma pequena pérola que divaga sobre esse processo existencial, sem a ambição de achar uma resposta, o que, de fato, seria impossível. O talentoso cineasta David Lowery consegue confeccionar sua história de forma concisa, indo direto ao ponto. O casal formado por C (Casey Affleck) e M (Rooney Mara) discutem sobre se mudar da velha casa onde moram. Ela quer e ele não. Tudo muda quando C morre em um acidente de carro e se torna um fantasma (aqueles cobertos por lençóis, com dois buracos nos lugares dos olhos) e passa a “assombrar” a casa.
C não consegue sair da casa, mesmo quando M vai embora. Ele acompanha as inúmeras pessoas que vivem no local com o passar dos anos. Essa passagem de tempo é bem trabalhada pela edição, que usa cortes imperceptíveis e faz os anos transcorrerem sem mudar a posição de câmera ou mesmo movimenta-la. Apenas o cenário e as pessoas são modificados. A razão de aspecto usada é parecida com a das câmeras super 8, formando um quadrado com as bordas arredondadas, evidenciando assim a intenção de transformar o filme em um registro documental, aquele que se repete em todas as famílias norte americanas que usavam esse tipo de câmera para filmar suas passagens. “A Ghost Story” não é um filme de cores vivas, mesmo quando o sol bate nas lentes. A aura mística é reforçada por causa da leve nevoa que cobre a fotografia. Os figurinos com suas cores neutras auxiliam na impressão de que a imagem está prestes a desaparecer.
O desempenho de Mara é comovente, seu sofrimento está explicito em suas expressões, (principalmente no longo plano em que come e ao mesmo tempo destrói uma torta, deixada para ela por uma amiga, logo após o velório) assim como a aceitação de que seu amor se foi. O amor que aquele triste fantasma também sente. Mesmo não possuindo um rosto, é muito fácil perceber a sua tristeza por meio de sua movimentação lenta e pelo lençol que vai ficando sujo com o desenrolar dos anos. Os olhos, mesmo sendo apenas dois buracos pretos, parecem se mover e faz com que imaginemos lúgubres sobrancelhas arqueadas. Não se sabe se foi o próprio Casey Affleck que ficou por de baixo do pano, o que seria fantástico, já que abdicaria ao narcisismo inerente à profissão.
“A Ghost Story” possui elementos que o transformarão em cult no futuro, já que foi relegado pelas premiações e pelo público (foi lançado em julho de 2017 nos EUA), só sendo considerado pela crítica, que o idolatrou em sua maioria. Claro que, por se tratar de uma produção pequena, encontrou seu lugar no circuito de arte e em festivais. No entanto, não deixa de ser uma pena, pois todos merecem o prazer que é descobrir uma obra tão tocante e inspirada no meio de uma realidade de produção tão saturada por histórias iguais.
Artista do Desastre
3.8 554 Assista AgoraO mito hollywoodiano é carregado de astros e estrelas talentosos e belos, de cineastas visionários e de filmes que são obras primas eternas. Mas, e a outra Hollywood? Aquela das produções B e dos artistas sem talento. Essa fica escondida nas sombras dos grandes estúdios. O misterioso Tommy Wiseau surgiu dessa segunda Hollywood, já que a primeira nem sabia que ele existia. Sempre com o desejo de poder atuar e após conhecer seu futuro amigo e cúmplice Greg Sestero em um grupo de teatro, ele parte para Los Angeles para ganhar a fama. Desprezado em diversos testes por causa da sua notável falta de dicção e por não saber atuar, Wiseau decide ele mesmo escrever, produzir e dirigir um filme, além, é claro, de ser o galã principal. Daí surgiu "The Room", que gastou seis milhões de dólares de produção e faturou mil e oitocentos em sua passagem de duas semanas em um único cinema. Eleito pela crítica como o pior filme já feito, virou cult ao ser exibido em inúmeros festivais de cinema pelo mundo.
Evidentemente o sucesso chamou a atenção e logo a história da produção do filme virou roteiro com a direção e atuação de James Franco. “Artista do Desastre” é uma obra que faz paródia e ao mesmo tempo homenageia o cinema. A câmera passeia no caótico set mostrando a paixão de Wiseau pela sétima arte, mesmo que claramente ele não saiba o que está fazendo. Franco faz um ótimo trabalho em recriar identicamente cenas de “The Room”, usando exatamente os mesmos enquadramentos e a mesma paleta de cores (se é que se pode dizer que aquele filme possuía tais elementos) além de mostrar as situações ridículas, o roteiro medonho e as atuações infantis.
Se Franco é ótimo na direção, ele ultrapassa os limites na encarnação de Wiseau. Com certeza será um papel que o levará, no mínimo, a uma indicação ao Oscar (Quando escrevi esse texto, Franco já havia ganhado o Globo de Ouro). Todos os trejeitos do artista do desastre são emulados por Franco. A fala quase incompreensível, o modo robótico de andar e até um dos olhos que é mais fechado que o outro estão lá. O trabalho do ator é apoiado pelo fiel figurino e pela maquiagem. Dave Franco não precisou se esforçar muito para dar vida ao amigo inexpressivo Greg Sestero. Há um grande número de participações de personalidades, ao começar pela abertura que imita um documentário e colhe depoimentos de gente como J.J. Abrams, Kevin Smith e Lizzy Caplan. No elenco principal há Seth Rogen, Zac Efron, Bob Odenkirk e Josh Hutcherson.
“Artista do Desastre” não pode ser chamado de cinebiografia, já que conta a história de um desconhecido que ninguém sabe de onde vem, qual a sua idade ou de onde tira todo o seu dinheiro, mas consegue emocionar e fazer rir sem desrespeitar o homem que é mostrado em tela, mesmo que esse pareça não se levar a sério. Toda a estrutura narrativa é apoiada nas cenas durante as filmagens do “pior filme já feito” o que não impede que conheçamos a faceta solitária de Wiseau, que é tratado com Frankenstein quando sempre quis ser o herói do mundo que construiu em sua cabeça. Por isso, quando chega ao set no primeiro dia de filmagem, ele convida todos para entrar em seu planeta, construído para que possa fugir daquele em que nasceu. A arte surge de diversas formas e em diversos lugares e, com certeza, ela é diferente nesse outro planeta, onde o filme ruim se torna a obra prima a passar nas telas da cidade dos sonhos.