[spolier] Depois de assistir ao filme “Azul é a Cor Mais Quente”, dirigido por Abdellatif Kechiche e brilhantemente interpretado por Adèle Exarchopoulos e Léa Seydoux posso dizer, sem medo de errar, que esta produção vai entrar na minha lista dos dez mais deste ano.
Raramente vi um filme retratar o amor de forma tão intensa e verdadeira. O amor e o desejo, diga-se. E não são só as questões do coração (e do desejo) que Abdellatif mostra nesta produção. É possível, pela narrativa, ter uma visão mais ampla do ser humano: Seus medos, angústias, desejos, perdas e ganhos. Um painel humano muito mais amplo do que simplesmente uma relação amorosa entre duas pessoas. Antes de continuar a ler o texto abaixo, aviso que sou campeão em spolier. Assim, se você ainda não viu o filme, melhor parar por aqui. Depois até gostaria de saber sua opinião sobre este belo filme.
Um recurso bastante utilizado na narrativa, é dar ao espectador pistas das situações em que Adèle vai enfrentar ao longo da narrativa. Em sala de aula, o texto que estão estudando trata justamente da questão do amor, atração e a possibilidade, ou não, do “amor à primeira vista”. Na cena seguinte assistimos exatamente este acontecimento quando Adèle cruza, pela primeira vez, com Emma. Até mesmo a tentativa que ela faz em se envolver com um colega de sala de aula sabemos que seu destino já está traçado com a mulher de cabelo azul. Adèle também já sabe disso.
Toda mudança de situações de vida dos personagens, é precedido de cenas que vão dar ao espectador a chance de entender o que virá e as escolhas que as amantes terão que enfrentar e o que lhes reservam o destino. O diálogo das personagens sobre a obra de Sartre e sua teoria filosófica do existencialismo precede outra mudança ou entendimento das emoções que estão passando no momento. Até mesmo a festa em que Emma realiza para apresentar seus amigos a amente, o recurso é utilizado com o filme que passa ao fundo. Ambas as cenas (o filme que os convidados assistem e o desenrolar do “nosso” filme) são pontuados das mesmas situações. Brilhante! Não pense que este recurso é enfadonho ou de menosprezo pela inteligência do espectador. Longe disso. Toda vez que isso acontecia, eu ficava mais curioso ainda em saber como os personagens iriam reagir em suas vidas e nas suas escolhas a partir destes preâmbulos textuais, visuais ou mesmo através de eróticos sonhos. Sim, Adèle sonha sua primeira noite de amor com a mulher de cabelo azul antes mesmo da primeira transa real.
Como já citei acima, o filme retrata outras situações humanas e não fica só nesta questão de desejos sexuais. Esta produção é mais impactante justamente por isso. Relação homem/mulher, divisão de classe social, compatibilidade (ou incompatibilidade de convivência, relações familiares, amor e claro, homossexualismo.
Um dos aspectos interessantes tratado no filme, foi mostrar a incompatibilidade de uma relação duradoura com pessoas com interesses tão antagônicos. Adèle quer ser uma professora primária e seus interesses se resumem a este mundo. Apesar de ser uma voraz leitora, não entende muito o que lê. No relacionamento de ambas, seria aquela responsável pelas lidas domésticas (ela que faz o jantar, cuida da casa enquanto Emma fica na cama lendo jornal). Por outro lado, Emma é artista plástica, possui um amplo círculo de amigos intelectuais e adora uma discussão intelectual sobre filosofia, arte e o mundo que a rodeia. Temos aqui, uma relação que tem tudo para não dar certo. Para mudar esta situação, Emma tenta, de todas as formas, incutir na amada o desejo que ela abra seus horizontes e a acompanhe neste universo e se torne uma companheira para todas as ocasiões. Na cena em que Emma, desesperadamente tenta encontrar uma forma de salvar a relação, pede que Adèle se torne uma escritora já que ela gosta de ler e escreve alguns poemas que esconde em seu diário.
Assim, começam a surgir rachaduras na relação, Incompatibilidades que o desejo sexual não consegue suprir. Até mesmo o segredo que faz perante seus colegas de escola da relação que possui torna a situação mais complicada ainda. Não tem como ela se aceitar se ela não aceita que os outros saibam da sua relação. Não tem como dar certo se ela, a todo momento, procura outra relação heterossexual para encontrar respostas para suas dúvidas e desejos. Esta ambiguidade de desejo, vai minando mais e mais esta relação. Azul é a cor mais quente, não é, como poderia se supor, um filme sobre homossexualismo. Não só isso, pelo menos. E quando trata do tema, o faz com sinceridade, respeito e sem os clichês e estereótipos comuns de produções que se dedicam ao tema. A história da relação amorosa das protagonistas, é a história de qualquer casal, sejam eles formados por homem e mulher ou pessoas do mesmo sexo. A questão tratada aqui é relação de pessoas que se amam. Desejos e conflitos existenciais comuns a todos os casais heterossexuais ou homossexuais.
As cenas de sexo são de deixar qualquer um com o coração acelerado! Cenas de uma plasticidade incrível e sem pudores. Belíssimos momentos e fortes emoções. A beleza das atrizes e seus corpos bem torneados ajudam, e muito, a deixar o espectador excitadíssimo e atento a cada gesto e gemidos em cena. Prepare-se!
Brilhante atuação de Adèle Exarchopoulos (Adèle) e Léa Seydoux (Emma) que conferiram veracidade aos seus personagens. Parabéns a jovens atrizes pela coragem das cenas calientes e de se entregarem de corpo e alma a esta história de amor. Salva de palmas para a produção que soube contar esta história de forma digna, sem concessões e sem os estereótipos e clichês. [/spolier]
Realmente não existem coincidências nesta vida! Depois de assistir ao belo “Azul é a Cor Mais Quente” resolvi assistir ao filme Glória, dirigido por Sebastián Lelio. O primeiro fala dos relacionamento amorosos da juventude e o segundo do amor na terceira idade. Ambos, possuem cenas de nudez e sexo sem ofender a dignidade do espectador ou pela gratuidade do nu como forma apelativa para criar polêmica na mídia e escandalizar moralistas de plantão. Os dois filmes são verossímeis em suas histórias e sinceros nos seus respectivos roteiros e diálogos.
A personagem que dá título ao filme, é uma mulher cinquentona que, divorciada há mais de dez anos, classe média alta, bom emprego, filhos crescidos e independentes e, para divertir-se, frequenta salões de bailes da terceira idade. Se define como uma mulher que “Ás vezes fica triste pela manhã, às vezes, à tarde”. Ou seja, é uma mulher que tenta sobreviver e encarar de frente todos os desafios.
Nestes bailes, flerta com um e outro, relaciona-se sexualmente quando lhe dá prazer e vai levando a vida cantando as músicas que escuta pelo rádio e bailando pelas noites chilenas. Aparentemente, é uma mulher resolvida que criou os filhos de forma a torna-los independentes para que eles não peguem no seu pé. Claro que ela ama os filhos e se preocupa com eles. Não os abandonou de todo e os acompanha e os orienta quando necessário.
Ao conhecer Rodolfo (Sérgio Hernández) também divorciado, Glória sente que pode surgir ali um relacionamento mais duradouro e se permite vivenciar novamente esta paixão e esta união. Lá pelas tantas, o amado declama um poema que lhe dá a certeza que encontrou novamente um companheiro apaixonado e que podem ser felizes juntos. Quem não acreditaria nisso, ao ouvir, do amado a declamação do seguinte poema:
“Eu gostaria de ser um ninho, se você fosse um passarinho”.
“Eu gostaria de ser um lenço se você” “fosse um pescoço e estivesse com frio”.
“Se você fosse música, eu seria uma orelha”.
“Se você fosse água, eu seria um copo”.
“Se você fosse a luz, eu seria um olho”.
“Se você fosse um pé, eu seria uma meia”.
“Se você fosse o mar, eu seria uma praia”.
“E se você ainda fosse o mar, eu seria um peixe,” “e nadaria em você”.
“E se você fosse o mar, eu seria sal”.
“E se eu fosse sal, você seria alface,” “um abacate ou, pelo menos, um ovo frito”.
“E se você fosse um ovo frito,” “eu seria um pedaço de pão”.
“E se eu fosse um pedaço de pão, você seria manteiga ou geleia”.
“Se você fosse geleia, eu seria o pêssego na geleia”.
“Se eu fosse um pêssego, você seria uma árvore”.
“E se você fosse uma árvore, eu seria sua seiva” “e correria em seus braços como sangue”.
“E se eu fosse sangue,” “viveria em seu coração”.
Emocionada Glória derrama-se em lágrimas e resolve assumir de vez o relacionamento. Sente, todavia, que Rodolfo esconde este relacionamento de sua família. Ela por sua vez, faz questão de apresentar o companheiro para os filhos. Ela mostra assim, que não é uma mulher de brincadeira e tem coragem de fazer seu próprio destino. Mesmo que tenha falhado no casamento anteriormente. Infelizmente não é o que acontece com Rodolfo. Divorciado há um ano, não conseguiu ainda se desvincular da família e sustenta a mulher e as filhas. Aliás, são extremamente dependentes dele. Ligam nas horas mais impróprias interferindo assim neste novo relacionamento.
Esta dependência da família do amado vai minando, pouco a pouco, a convivência do novo casal e, por não conseguir separar-se da antiga família, Rodolfo vai perdendo a nova companheira. Glória sabe que precisa dar um ultimato e, muito esperta sugere que eles passem dez dias isolados do mundo numa espécie de lua de mel. Claro que ele não consegue encarar esta realidade e foge, covardemente, de seu destino ao lado de Glória.
Um belo filme sobre relacionamentos maduros e a coragem de uma mulher que enfrenta seus desafios de cabeça em pé e não tem medo de encarar novos relacionamentos. Claro que não aceita parceiros covardes ou que não queiram assumir, verdadeiramente, esta nova realidade. Uma mulher de fibra das muitas que existem a nossa volta.
A muito não via um filme tão verdadeiro nesta questão da maturidade feminina e das suas conquistas. Glória é uma mulher com seus defeitos e qualidades, suas tristezas e alegrias e que está disposta a não ficar na janela a ver o tempo passar e ao cair, levanta a poeira e segue em frente. Bravo!
A interpretação de Paulina García na pele de Glória é emocionante. Convence em cena e, como a própria personagem, não tem pudores de aparecer em nu frontal em várias cenas. Por este trabalho, foi premiada no Festival de Berlin em 2013. Impressionante também a interpretação de Sérgio Hernández na figura do atormentado Rodolfo.
Só a título de observação: Muito legal ouvir “águas de março” de Tom Jobim, interpretado pelos atores no filme!
Como se vê, é complicado mesmo os relacionamentos humanos. Sejam eles jovens ou maduros. Viver com outra pessoa requer, muito mais que amor. Requer afinidades, companheirismo e atitude. Ambos os filmes tratam desta questão e prova que nós, seres humanos, somos realmente muito complexos.
Este jogo de palavras – Escafandro (limitado, preso) e Borboleta (ilimitado, livre) é um truque genial de levar o espectador do filme “O Escafandro e a Borboleta” a pensar que em algum momento haverá uma verdadeira transformação dos personagens (ou do personagem real Jean-Dominique Bauby como se verá depois...). Por isso mesmo, o título do filme é um verdadeiro achado e uma sacada genial. Você não fica com vontade de assistir a este filme só em ler o título e imaginar o que ele sugere? Pois é... Eu também fiquei curioso e confesso que superou, em muito, minhas expectativas. Caso você tenha lido a sinopse do filme e soube que a trama vai retratar o cotidiano de uma pessoa que tem uma vida vegetativa e que portanto haverá lágrimas, pieguice e todos aqueles clichês de superação e tudo mais, esqueça! Sim, talvez você chore em alguns momentos. Você verá igualmente força de vontade, superação, etc... etc... mas de uma forma sincera e muito longe dos clichês e do sentimentalismo barato. Devo dizer que não é um filme convencional do gênero “força de vontade” e menos ainda fácil de assistir e assimilar (não no início da projeção pelo menos). O Roteiro não facilita a vida do espectador e nem quer levá-lo às lágrimas e a sentir pena de Bauby sem antes mostrar, de forma mais explícita possível, como é a vida de um ser que vive de forma tão limitada. Poderia dizer uma vida vegetativa...
No decorrer do filme percebe-se que esta é uma falsa ilusão e o termo vida vegetativa não se aplica a Jean-Dominique Bauby que lá pelo meio do filme chega à seguinte conclusão e transmite este raciocínio em off para o espectador: “Tem duas coisas que eu não perdi: o movimento do olho esquerdo e a memória”. Sabemos todos que quem tem memória, possui imaginação e pode libertar-se de seu corpo físico e “viajar” (mesmo no leito de uma cama ou numa cadeira de rodas) para lugares distantes e inusitados. As possibilidades são muitas. Escafandro ou borboleta... A escolha é sua. Neste caso, a escolha foi de Bauby.
Genial a opção do diretor Julian Schnabel de colocar o espectador na pele de Bauby. Na primeira parte do filme (como a viver num escafandro – limitado) somos “convidados” a ter as mesmas limitações do personagem. Literalmente assistimos a tudo pelo olho esquerdo de Jean-Dominique com imagens fora de foco, distorcidas, opacas e em enquadramentos completamente fora do normal do que se espera do cinema que, como se sabe, é uma arte essencialmente visual. Assim, quem assiste ao filme tem a mesma perspectiva do olhar e de sofrimento do personagem. Mas o espectador tem uma vantagem em relação aos outros personagens visto que o “diálogo” em off nos permite saber exatamente o que ele está pensando e o que está querendo transmitir para as pessoas que o rodeiam e não conseguem saber o que ele quer. Assim, em boa parte do filme, a nossa perspectiva é a mesma do personagem. E as limitações idem. Só lá pela metade do filme é que a câmera se afasta e agora temos a visão do corpo de Bauby e, a primeira visão é um reflexo distorcido quando ele é levado pelos corredores do hospital. Quando ele se vê refletido nós também temos a mesma visão e percebemos então toda a dificuldade e vislumbramos um futuro que pode ser na limitação do escafandro. Aqui Bauby sente que precisa agir de uma forma a fazer a diferença e não se entregar ao seu trágico destino e a ter a liberdade da borboleta.
A ironia mais cruel de tudo isso é que esta é a história real do editor da revista Elle a maior revista de moda do mundo. Um sujeito que ditava moda, comportamento e valorizava muito a estética e o corpo. Após sofrer um derrame cerebral e passar vários dias em coma, Bauby consegue movimentar o olho e a pálpebra esquerda e é assim, através de um sistema de comunicação criada por sua fonoaudióloga, que ele dita suas memórias. Piscar uma vez para sim e duas vezes para não quando precisa fazer algumas escolhas e responder a perguntas simples e diretas. E um trabalho estafante de sua assistente em ter que soletrar o alfabeto até que ele pisque uma vez para a primeira letra de uma palavra e assim sucessivamente até formar frases e ideias. Um livro escrito, literalmente, entre piscadelas. Seria cômico não fosse trágico. O filme tem lá seus momentos engraçados já que o personagem não perdeu seu bom humor e compartilha com o espectador seu lado humorístico apesar da situação em que se encontra.
Um filme que nos faz refletir sobre a vida e as nossas escolhas. Um roteiro que abriu mão dos clichês e soube, de forma competente e sincera, contar um drama muito pessoal e por isso mesmo, universal. Muitas pessoas vivem em seus escafandros por comodismos a chorar pelo trágico destino. Outras preferem viver como as borboletas apesar de se encontrarem nas mesmas condições. Escafandro ou borboleta, qual seria sua escolha?
Em momentos cruciais da vida somos levados a ações e comportamentos diferentes das nossas ações cotidianas. Conceitos e “preconceitos” sobre pessoas, seus estilos e filosofias de vida são questões e visões que se confundem e podem, em determinado momento, modificar nossa própria concepção do que é certo e errado e levam-nos a modificar e aceitar as diferenças de cada um. Na guerra esta “percepção” do outro e a sua aceitação é mais contundente e visceral ainda. Vários filmes já trataram deste tema. Uma pessoa insignificante, egoísta e mesquinha transforma-se em herói ao enfrentar um inimigo muito superior em força e brutalidade. Por outro lado, heróis tornam-se covardes na mesma situação. A velha questão de que só em situações limites o ser humano mostra sua real personalidade e caráter. Na hora do perigo é que o ser humano mostra-se inteiro e descobre sua verdadeira força e descobre igualmente sua capacidade de fazer a diferença e mudar o seu próprio destino e o destino de outros. Ou não, claro! Esta é a grande questão retratada no filme Flores da Guerra (The Flowers of War), brilhantemente dirigido por Zhang Yimou.
A 2º Guerra sino-japonesa de 1937, também conhecida como “O Massacre de Nanquim (Nanjin) é o pano de fundo desta trama muito bem elaborada. Direção de arte perfeita, figurinos na medida certa e interpretações acima da média (em se tratando de atores novatos). A participação de Christian Bale serve mais como “isca” para atrair o público ocidental, mas não compromete o trabalho como um todo. O filme tem ótimas cenas de guerra com uma câmera nervosa e efeitos especiais de primeira qualidade. Muito sangue, escombros, mutilações e uma fotografia de primeiríssima qualidade tornam o filme “Flores da Guerra” em um grande espetáculo e leva o espectador a sentir na própria pele as sensações de extremo perigo dos personagens retratados na tela. Destaque especial para Huang Tianyuan como o garoto George que rouba as cenas em que aparece. John Haufmann (Christian Bale) é um agente funerário que chega a Nanquim para preparar o enterro do padre da paróquia justamente no momento em que a cidade está sob o domínio dos japoneses. Na igreja, John percebe que é o único adulto entre 13 meninas estudantes de um convento “protegidas” pelo garoto George, órfão que fora adotado pelo padre e que também residia no convento. Para fugir da brutalidade dos invasores e dos estupros praticados pelos soldados, 12 prostitutas de um bordel próximo procuram refúgio na igreja. Uma situação insólita: garotas do convento convivendo com prostitutas, um coveiro estrangeiro e um garoto órfão. Como administrar esta turma e como resolver conflitos e, acima de tudo, sobreviver a esta tragédia será uma árdua tarefa para o “padre” John. A princípio, Haufman quer tirar vantagem das prostitutas e dinheiro para dar o fora da cidade. Pensa na sua própria segurança e não vê como poderia salvar as 12 meninas e as 13 prostitutas. Como levá-las para fora do conflito sem cair em uma cilada e colocar em perigo todas elas? Na convivência entre dois grupos tão antagônicos as personalidades vão se fundindo e o perigo as torna todas iguais. Medo, angústia e sofrimento levam o grupo a perceber que só com a união de todas será possível a salvação. Com a invasão da igreja por um oficial japonês (que deseja que as meninas façam um concerto coral para os oficiais) a situação torna-se cada vez mais difícil já que é de conhecimento de todos que o tal “concerto” nada mais é que uma grande festa para os japoneses estuprarem as meninas do convento. Prontas ao suicídio por não aceitarem participar do tal concerto uma situação limite se estabelece entre as 13 meninas e as 12 prostitutas. Como evitar tal “concerto”? Uma situação realmente bastante difícil onde o heroísmo, o amor ao próximo e a valentia serão colocados à prova.
Um filme que vale a pena assistir e refletir sobre a nossa capacidade de enfrentar situações limites. Como reagiríamos em uma situação semelhante? Seríamos o herói ou o covarde numa guerra? Nada é o que parece e preconceitos vão à lona nesta história muito bem contada. Flores da Guerra é uma produção que se pode refletir sobre vários aspectos e em diversas perspectivas. Para quem curte um bom filme de guerra vai encontrar muitas explosões, tiros e sangue... Para quem procura uma boa história humana e seus conflitos terá uma boa lição de coragem, desprendimento e amor ao próximo. Palmas para Zhang Yimou que soube contar sua história de forma convincente, visceral e comovente.
Imagine uma vaca caindo do céu e destruindo o seu barco no exato momento em que você está prestes a pedir a mão da sua amada em casamento. Pois é... Coisas estranhas acontecem sem qualquer explicação lógica. Pois foi exatamente o que aconteceu com Jun (Ignacio Huang) na China. Mas esta é só a primeira cena de um filme encantador, trágico e, porque não dizer, muito engraçado chamado Um Conto Chinês, uma produção Argentina/Espanha com direção de Sebastián Borensztein. Não tem como não rir das situações hilárias que Jun vai passar quando for procurar seu tio no outro lado do mundo. Mas ele ainda não sabe nada disso... O espectador presente que esta história ainda vai render outras tantas confusões (não, não sou o redator que faz as chamadas da Sessão da Tarde da Rede Globo) quando na cena seguinte a esta tragédia, a cena começa de cabeça para baixo e vai, aos poucos, invertendo sua posição à posição normal da câmera e focaliza a entrada de uma pacata ferragem na Argentina. Roberto (Ricardo Darin) é um pacato, metódico, mal-humorado e solitário dono de uma ferragem que, nem em um milhão de anos, imaginaria que sua vida vai dar uma volta de 360 graus. Aliás, não foi à toa que uma vaca que caiu do céu na China teria conseqüências na sua vida em particular na distante Argentina. Para quem colecionava tragédias e histórias pitorescas de vários jornais, Roberto deveria prever que algum dia ele também seria personagem de algo insólito e inexplicável. Mas ele ainda também não sabe nada disso...
Quando Roberto encontra Jun os destinos destes dois personagens se entrelaçam irremediavelmente. Além da dificuldade de comunicação, Roberto não está disposto a dividir seu espaço com uma pessoa, muito menos com um chinês de quem não entende patavina. Sua vida é uma rotina de verificar se a quantidade de pregos na caixa está correta e a proclamar sua frase favorita “puta-que-pariu”. Também não está disposto a mudar de hábito de deitar-se e apagar a luz exatamente às 23:00h. Todavia, o comerciante é um sujeito de bom coração e não consegue deixar de acolher Jun em sua casa até que este possa localizar seu tio. Na Delegacia só consegue indispor-se com a lei. No bairro Chinês ninguém conhece o tal parente do jovem e na embaixada a burocracia é tanta que acaba sendo despejado do prédio sem a solução de seu problema. O desespero vai aumentando e a bondade agora tem prazo fixo para acabar: Sete dias. Marcado religiosamente na folinha afixada na porta da geladeira a cada novo dia!
Assim, nesta convivência problemática, muda, gestual e desesperadora, vão vivendo o solitário e carrancudo Roberto e o desesperado Jun. As situações que ambos se envolvem nesta busca (Jun procurando recomeçar a vida e Roberto tentando recuperar sua metódica solidão) são patéticas, engraçadas e, por vezes, comoventes. A trilha sonora se encarrega de criar ambientes propícios para levar o espectador a entrar no clima destas situações. Ricardo Darin mais uma vez prova ser um excelente ator e Ignacio Huang não compromete muito na pele de Jun. Claro que esta aproximação, a princípio insólita e sem propósito, tem um significado moral (no sentido de um propósito) e nos ajudam a refletir sobre o nosso destino e o nosso livre arbítrio de mudá-lo (ou não). Vale à pena conferir este Um Conto Chinês. Talvez você também encontre uma razão para acreditar que o universo – de alguma forma – conspira a seu favor ou que a sua vida tem um propósito muito além do seu próprio umbigo.
Todas as Cores do amor, dirigido por Elizabeth Gill é um filme de pura sensibilidade e não procura aqui levantar bandeiras contra ou a favor da homossexualidade. Mas retratar os relacionamentos humanos sob todas as perspectivas sem tolos preconceitos. Pessoas que procuram o amor e, acima de tudo, serem felizes. Porque amar e ser amado são os objetivos de todo ser humano. Na incansável busca da felicidade, todas as cores do amor devem ser possíveis.
Tom (Sean Campion) é um professor universitário de seus quarenta e poucos anos que sente uma necessidade de renovar constantemente seus relacionamentos. Ele tem certo complexo da sua idade e por este motivo procura relacionar-se com mulheres bem mais jovens. Principalmente com suas alunas. Como é professor de literatura e apaixonado por poesia adota a estratégia de aplicar uma “cantada” bastante original e infalível. Diz ao pé do ouvido de sua próxima vítima: “Peixinhos dourados são seres super felizes. Isto porque a memória deles dura apenas três segundos, fazendo com que cada experiência pareça inteiramente nova” Assim ele leva mais uma para a cama. E este idílio todo não dura mais que três ou quatro meses. É preciso renovar e ele está sempre pronto a aplicar seu charme na aluna mais nova da faculdade.
Um dia Clara (Fiona O’Shaughnessy) encontra Tom beijando Isolde (Fiona Gascott) e percebe que seu tempo acabou e que seus sentimentos foram por água abaixo. A partir deste momento é desencadeada uma reação nos relacionamentos de todos os personagens deste agradável e por certo comovente filme. Clara abandonada e ferida em seu amor próprio acaba tendo um caso com Angie (Flora Montgomery), uma jornalista lésbica muito passional e ciumenta. Como não deseja um caso duradouro Angie é descartada por Clara que por sua vez vai procurar consolo com Isolde que nestas alturas também já foi abandonada por Tom. Agora é Angie que procura a companhia de seu melhor amigo Red (Keith McErlean), um homossexual assumido que está mais afim de David (Peter Gaynor) um barman heterossexual que está disposto a fazer de tudo para terminar o namoro com sua garota para cair nos braços de Red.
E assim, numa ciranda, todos estes personagens se apaixonam, se relacionam e se abandonam mutuamente. Pra recomeçar tudo mais adiante num círculo de paixões e desejos. Encontros e desencontros na bela cidade de Dublin na Irlanda. Excelentes atuações de todo o elenco e como trilha sonora, a boa música brasileira. Bossa Nova, claro! O Brasil é referência musical no exterior por este ritmo contagiante e, neste filme em particular, é quase como um personagem à parte. A música de Tom Jobim recebeu belíssimos arranjos, por vezes cantado em um português carregado ou duetos em inglês. De qualquer forma, é um prazer ouvir “Desafinado”, “Lamento do Morro”, “Amor em Paz” e a belíssima “Águas de Março” que dá ritmo a este fantástico filme. Aliás, não é à toa que ouvimos “Águas de Março”, no final deste ciclo amoroso. Afinal, como diz a letra: “são as águas de março fechando o verão é promessa de vida no teu coração” Recomeçar sempre e estar sempre pronto para novos amores. Como diz o próprio slogan promocional do filme em DVD: “A única cura para dor de cotovelo é uma nova paixão”
O filme A Criança (L'Enfant) uma produção da Bélgica e França com produção, roteiro e direção de Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne é um verdadeiro soco no estômago. Imagine dois jovens com a responsabilidade de criar um filho sem a menor condição emocional e financeira para tanto. Bruno (Jérémie Rénier) tem apenas 20 anos e sua vida se resume a pequenos furtos e uma existência dentro da marginalidade liderando uma gang de adolescentes no crime. Sonia (Déborah François) é uma jovem de 18 anos tão irresponsável quanto o companheiro Bruno. Todavia, seu instinto materno requer outras atitudes perante a vida e ela sabe que precisa tomar outro rumo para conseguir criar o filho com um mínimo de afetividade e laços familiares. Ambos são frutos da indiferença e abandono familiar e, por conseqüência, transferem estas experiências de vida para o pequeno ser que agora precisam alimentar. Tarefa difícil já que Bruno e Sonia vivem no fio da navalha. Um paço em falso, e a família se desintegrará de forma irremediável. E este é o clima de tensão que fica durante toda a projeção do filme.
Bruno não quer criar vínculos com seu filho e não tem a menor paciência em fazer o papel de pai cuidadoso ou amoroso. Sua meta é praticar pequenos furtos e liderar sua gang de pivetes pelas ruas da cidade. O pouco que ganha no crime perde-se com a mesma facilidade e serve apenas para o sustento diário. Aliás, uma vida bastante carente de alimento (para o corpo) e afeto (para a alma). Seus vínculos familiares a muito deixaram de existir. Sua consciência paterna é nula e a indiferença ao filho é exasperante. Chega mesmo ao cúmulo de vender o próprio filho para ganhar alguns trocados e ir levando a vida. Este “tráfico” da criança é mais uma conseqüência de seus atos de desespero e falta de estímulos familiares. Como precisa reaver o bebê para não ser preso, sua rotina toma outro rumo e as causas e conseqüências de seus atos vão crescendo como uma bola de neve. É preciso devolver o dinheiro que lucrou com a venda aos traficantes. É preciso fazer um empréstimo com uma turma da pesada que não brinca em serviço já que parte da renda já foi gasta. Claro que depois precisa pagar o empréstimo aos agiotas! E agora? Como sair desta enrascada? Um plano frustrado de roubar uma grande quantia de dinheiro de uma mulher só o coloca em situação muito pior.
Sonia, apesar de ser uma jovem irresponsável (ter um filho com um sujeito deste), procura de todas as maneiras incutir no seu homem o sentido de dever, o sentido da responsabilidade e, acima de tudo, incutir em Bruno a necessidade de outra forma de vida e uma estabilidade (financeira e emocional) que dê condições ao filho de crescer junto ao abrigo acolhedor dos braços paternos. Mas esta é uma tarefa que não é fácil e, ao ver que seu filho foi vendido, entra em colapso nervoso e afasta-se de Bruno acusando-o para a polícia.
O filme é de uma crueza que deixa qualquer um com os nervos à flor da pele. Sem trilha sonora e uma fotografia quase que em preto e branco deixa o espectador sempre em tensão e, pelo desenrolar das situações, com a previsão de que boa coisa não vem pela frente. A câmera foca sempre os mínimos detalhes das expressões dos atores e o tempo corre na medida certa para que possamos assimilar toda a angústia e sofrimento dos personagens. Por serem atores desconhecidos a película se torna mais realista ainda e o trabalho de ambos é perfeito. O andar pelas ruas da cidade, o vai-e-vem no ônibus e nos corredores de prédios sempre vazios em que a desintegração material é evidente, torna tudo mais angustiante ainda. Os diálogos são curtos e os silêncios mais reveladores ainda. Os olhares de desespero e dúvidas tornam Bruno e Sonia vítimas de um sistema capitalista que a todos transforma em números e estatísticas. Haverá redenção para estes jovens? Será possível transformar o destino destas pessoas e dar-lhes um pouco de esperanças para um futuro melhor? Questionamentos que vão surgindo no correr dos ponteiros deste relógio que avançam inexoravelmente. Ao espectador cabe sofrer, refletir e desejar que a criança tenha lhes dado finalmente uma razão para lutar. Afinal, uma criança sempre é o símbolo de que é possível ter esperança.
Gosto muito da obra de Salvador Dali. Tenho, inclusive, no meu PC inúmeras reproduções de seus quadros baixados da Internet. Já publiquei aqui neste blog e no grupo que criei no Facebook intitulado “Galeria de Arte” algumas destas pinturas fantásticas. Quando li a sinopse do filme Poucas Cinzas do diretor Paul Morrison fiquei entusiasmado e com vontade de conferir esta produção de Carlo Dusi, Jonny Persey, Jaume Vilalta e roteiro de Philippa Goslett. Confesso que fiquei um pouco decepcionado. Nada (ou quase nada) do que esperava encontrar retratado sobre a vida de Salvador Dali foi mostrado. Só dois quadros seus foram reproduzidos e toda a sua obra e sua loucura ficaram de fora. O roteirista deu ênfase, sobretudo, no relacionamento homossexual de Dali e o escritor Federico García Lorca. A história tem início na Espanha de 1922 logo após a primeira guerra mundial e Salvador Dali, com 18 anos de idade, é admitido na universidade de Madrid disposto a se tornar um grande artista. O trio formado por Dali, Garcia Lorca e o cineasta Luis Buñel é amplamente retratado na tela. Na realidade ficou mais um filme para os apreciadores da temática gay do que uma biografia do grande mestre do surrealismo.
A contextualização história da Espanha na década de vinte, a influência do jazz, Freud e toda a mudança de valores a que a sociedade espanhola estava sofrendo na época é mostrada com competência. A direção de arte está impecável e a trilha sonora composta por Miguel Mera moldura com perfeição as cenas de Dali e Garcia Lorca. Aliás, uma das cenas mais belas do filme é o banho no lago em que os amantes finalmente se entregam as suas paixões proibidas. A luz da lua refletida na água e o “bailado” que ambos fazem é digna de uma grande cena de amor. A fotografia nesta cena é impecável e de muita sensibilidade.
A interpretação de Robert Pattinson na pele de Salvador Dali não compromete e achei até bastante corajoso deste jovem ator interpretar cenas de homossexualismo. Suas fãs é que não devem ter gostado muito. Se bem que este filme não é o estilo de cinema para as menininhas que suspiram de amor pelo vampiro-galã-apaixonado Edward Cullen da saga Crepúsculo.
Ao término do filme fiquei com a impressão de que assisti somente a história de um amor impossível. Aliás, Salvador Dali nunca reconheceu de público o relacionamento com Garcia Lorca. Este, por sua vez, nunca escondeu seu romance com o pintor. A todo o momento, esperava que o roteiro finalmente se ocupasse da personalidade controvérsia de Dali: Sua loucura (ou mais precisamente sua excentricidade), as razões que o levaram ao surrealismo e, mais do que nunca, os momentos em que se dedicava aos seus quadros. Esperava encontrar a representação de Dali no momento de sua criação ou a reprodução dos seus quadros mais famosos. Enfim, esperava ver retratado nesta obra cinematográfica muito mais sobre a vida deste grande mestre do que somente seu tumultuado e secreto caso homossexual.
No início do filme Repo Men, dirigido por Miguel Sapochnik com roteiro de Eric Garcia e Garrett Lerner o personagem vivido por Jude Law justifica seu “trabalho” com o seguinte raciocínio mercadológico: ”Se você não paga as parcelas do carro, o banco vem e pega o carro de volta... Se você não paga a hipoteca da casa, o banco vem e toma a casa de você”. Este é o meu trabalho... “Se você não paga as prestações dos seus órgãos, nós o pegamos de volta” Não foram exatamente com estas as palavras, mas a idéia básica foi essa. Depois de tentar justificar seu ofício de “Coletor” nestes termos Rins (José Law) e Jane Frievald (Forest Whitaker) partem para mais um dia de trabalho: Resgatar órgãos de pessoas inadimplentes com “A União”.
Acontece que esta cobrança não tem nada de amigável e, por mais surreal que possa parecer, o filme é ainda mais inverossímil na medida em que Remy e Jake matam as pessoas para retirar os órgãos implantados. Seria inacreditável que, mesmo num futuro distante, fosse ético e humanamente aceitável que uma empresa comercial venha a ter o poder “legal” de matar as pessoas para retirar implantes artificiais dos indivíduos e assim recuperar sua mercadoria e seu investimento. Afinal, que tecnologia médica é essa que, de um lado proporciona ao indivíduo um padrão de vida melhor com estes implantes, possibilitando um tempo de vida maior e em melhores condições da pessoa exercer suas atividades usufruindo de todos os recursos médicos e científicos disponíveis.
Na contramão deste avanço médico científico, atua como uma mera empresa financeira (sem valores éticos ou morais) tem por finalidade única o lucro certo e garantido. O não pagamento da aquisição dos órgãos artificiais (e vitais em muitos casos) a companhia simplesmente resgata sua mercadoria sem importar-se que o indivíduo morra de forma cruel e sanguinolenta e assim possa revender novamente o órgão para outro infeliz inadimplente. Até a forma como a “coleta” é feita é desproporcional a tal avanço tecnológico e médico e é exageradamente artificial e caricato. Para não dizer de extremo mau gosto. Medieval demais e humanamente inaceitável para os padrões futurísticos mostrado no filme. A não ser é claro, se os produtores tiveram a intenção de nos retratar um futuro meramente mercantilista e ganancioso onde os valores humanos (e, por conseguinte, éticos e morais) serão relegados a segundo plano. Ou o que é pior, um futuro onde o ser humano será apenas um produto de mercado.
Para não dizer que não existe um lado interessante nesta história toda, foi interessante ver que depois o tal sitema se vira contra o próprio Remy ao precisar de um transplante de coração e ficar sem a grana para pagar as mensalidades para “A União”. Agora ele está sendo caçado por Jake (seu parceiro de trabalho) para recuperar o órgão transplantado. Assim, começa a segunda parte desta história e Remy cai na real e sente na própria pele (literalmente) que o ofício de coletor e toda aquela engrenagem da corporação de doar/recuperar órgãos das pessoas não é uma prática aceitável e agora tem que correr contra o tempo para salvar a própria vida e das outras pessoas que se encontram na mira do coletor. Este aspecto moral foi a única parte interessante da história uma vez que sempre temos a visão errada das coisas quando não nos colocamos no mesmo lado da outra pessoa e não temos a perspectiva do outro. Sempre temos a tendência de olharmos para o próprio umbigo sem importar-nos com os problemas e angústias alheias. Assim, ao vivenciar a mesma situação dos inadimplentes com “A União” Remy conhece o lado humano dos endividados e as péssimas condições que vivem sempre a fugir e a se esconderem nos lugares mais insalubres e em ruínas. Uma verdadeira lição de moral e ética. Mas tal consciência só foi possível quando teve que viver como fugitivo. O filme é direcionado para aquele público que gosta de tiroteio, explosões, perseguições e muito sangue sem importar-se com questões morais, éticas ou mesmo filosóficas.
Chego a pensar até que o parágrafo acima não tenha sido levado em consideração pela grande maioria dos espectadores de Repo Men (não vai aqui nenhuma crítica a esta legião de pessoas é só uma observação pessoal e uma perspectiva cinematográfica bem particular). Geralmente o público de filmes de ação não está muito ligado nestas questões e costumam dizer que é só um filme e nada mais. Realmente neste aspecto o filme funciona e as cenas onde os coletores praticam seu ofício são impressionantes. As cenas de lutas e perseguições em cenários em ruínas e a trilha sonora ajudam a criar um clima a deixar o expectador sem fôlego e muito menos tempo para pensar.
A cena final quando os fugitivos encontram a porta rosa e entram no “coração” do sistema da corporação chega a dar uma dor na espinha. Assistir toda aquela automutilação foi chocante. Mas fique tranqüilo: Você pode desligar seu aparelho e dormir tranqüilo depois de assistir toda esta matança, sanguinolência e mutilação. Afinal, trata-se simplesmente de mais um filme de ação sem propósito algum que não o entretenimento
Woody Allen é, sem sombra de dúvida, um excelente roteirista, diretor e humorista. Seus filmes sempre surpreendem pela criatividade (ou seria genialidade?). Isso, genialidade! Acima de tudo pela grande capacidade de Allen em contar uma história de forma eficiente, emotiva e humana. Quem acompanha seus trabalhos cinematográficos (assim como eu) percebe que ele tem uma paixão pela mitologia grega, pelo suspense e é claro pela comédia existencialista onde o próprio Allen é o personagem hipocondríaco principal. Assim como em Poderosa Afrodite, a produção de O Sonho de Cassandra também possui elementos mitológicos e suas tragédias paralelas sobre ambição, riqueza, poder, pecado e morte. Um drama dentro de elementos cômicos. Bem ao estilo Woody Allen de filmar. Ao ver o cartaz do filme já se tem uma pista que alguma tragédia irá acontecer ao notarmos que uma listra amarela, ao estilo que a polícia utiliza para demarcar cenas criminosas, ultrapassa – de ponta a ponta – todo o cartaz. Sem contarmos é claro o título “premonitório” que nos remete ao personagem mitológico Cassandra (filha de Príamo, Rei de Tróia e Hécuba). Cassandra era tida como louca por fazer previsões trágicas e só transmitir notícias ruins ao povo. Como ninguém lhe dava crédito ou sequer acreditava nas suas trágicas previsões Tróia acabou destruída e o povo exterminado ou escravizado. Assim, o Cartaz do filme “O Sonho de Cassandra” nos avisa que uma tragédia está por vir. Mesmo com estas pistas somos levados, por um roteiro interessante, a conhecer os motivos que levaram os personagens a encontrarem seus destinos.
Ian (Ewan McGregor) é um cara que trabalha com o pai administrando um restaurante da família. Vive de aparências sonhando ser um homem de grandes posses dirigindo carrões caríssimos que pede emprestado da oficina mecânica onde trabalha seu irmão. Frequenta lugares badalados e desfila pelas redondezas com belas mulheres fingindo ser o que não é. Boa pinta, sempre bem vestido e uma lábia de encantar as moças do lugar. Quer entrar no ramo de hotéis na Califórnia, mas não tem um tostão furado nos bolsos. Seu irmão Terry (Colin Farrell) trabalha em uma oficina mecânica de carros de luxo. Também tem altos planos para o futuro, mas seu salário não cobre tais despesas. Assim, entre um jogo de pôquer, corrida de cachorros e outras tantas apostas, vai defendendo uns trocados a mais no fim do mês. Quando surge a oportunidade de comprar um pequeno barco os sonhos de grandeza tomam conta dos irmãos e os sonhos começam, aos poucos, tomarem ares de realidade. Mesmo que pequena tal aquisição meio que dá ânimo para que ambos possam aspirar a algo mais grandioso. Batizam o tal barco de O Sonho de Cassandra. Terry com sua compulsão pelo jogo acaba devendo mais do que pode pagar e a situação se complica (e muito) para esta família já tão endividada e de poucos recursos. A saída para tal enrascada é buscarem ajuda ao tio Howard (Tom Wilkinson) um milionário dono de clínicas de cirurgia plástica espalhada pelo mundo que está para chegar à cidade em uma visita familiar.
Ao pedirem um empréstimo ao milionário tio para pagarem suas dívidas e construírem seus castelos de sonhos Howard aceita ajudá-los desde que eles também possam fazer um “pequeno” favor em retribuição: Matar seu contador que está prestes a servir de testemunha em um caso que o levará a ruína. O que poderia ser a salvação da lavoura acaba por tornar-se um verdadeiro pesadelo. Como um pacto Mafioso para defenderem os interesses da família os irmãos resolvem aceitar o caso. O problema surge em como dar cabo de tal tarefa já que ambos, apesar dos pequenos golpes e trapaças, não são assassinos profissionais e morrem de medo das consequências e dos desdobramentos futuros por ato tão drástico e fatal. De qualquer forma seguem o plano de assassinar Martin Burns (Philip Davis) e assim conseguirem realizar seus planos financeiros e ajudar o tio milionário a não ser preso.
Evidente que tal assassinato requer certos cuidados e torná-lo uma realidade requer ainda mais preparo psicológico e logístico. Como executá-lo? E principalmente, como conviver com isso na consciência? Ian até que consegue digerir a idéia e executar o plano com mais naturalidade. Terry por outro lado aceita participar de tal plano, mas enfrenta grandes problemas de consciência e dilemas morais e éticos. Mas o plano segue firme e, após praticarem o crime, Terry resolve entregar-se à polícia para redimir-se de seu ato. Aquela velha questão de Crime e Castigo… Começa então outro desdobramento na narrativa. Como fazer com que Terry desista desta loucura de incriminar a família e a si próprio? Causas e conseqüências. Toda a escolha tem seus desdobramentos e a consciência começa a pesar na mente conturbada de Terry. Ian que agora está apaixonado pela a atriz Angela Stark (Hayley Atwell) não pretende ver seu sonho desfeito e ter que viver atrás das grades. O destino está traçado e nem mesmo as previsões da mitológica Cassandra os livrará dos caminhos que terão que percorrer. Neste ponto Allen mostra um filme mais dramático e as atuações meio canastronas de Colin Farrell não prejudicam muito a narrativa. Apesar da reviravolta (um tanto quanto previsíveis como citei acima) o fim é abrupto como a ficar algo no ar ou argumentos ainda a serem explorados devidamente. De qualquer forma este é um filme de Woody Allen e por isso mesmo um filme que merece ser visto e apreciado.
Tenho visto muito filme fora do circuito americano ultimamente e algumas destas produções vêem da França. Sempre gostei da cinematografia da cidade luz pela valorização que eles fazem dos bons diálogos, das cenas com uma velocidade em que é possível absorver (e apreciar) as expressões faciais e interpretações dos atores de um modo amplo e comovente. Alguns dizem que os franceses fazem filmes “cabeça” demais e com uma introspecção cansativa com cenas em que a câmera passeia por cenários e fotografa os atores de uma maneira em que não se conta o tempo. Diferente da cinematografia americana onde tudo é muito rápido e as cenas acumulam-se umas às outras sem que o espectador tenha tempo para assimilá-las ou absorvê-las. Todas filmadas da mesma forma e com a mesma estética dos vídeo-clipes da MTV. Aliás, esta é a linguagem americana em todas as suas produções. Com algumas exceções, claro. Sinceramente nunca me ocorreu este pensamento de que os franceses fazem só filmes “Cult” ou coisa que o valha, porque sempre gostei mais de um bom diálogo a um filme meramente de explosão e tiroteios. Valorizo, sobretudo, um trabalho de interpretação de atores e um trabalho autoral. Cada vez mais raro hoje em dia, diga-se de passagem.
Caso você também tenha a impressão que o cinema francês seja elitista e “cabeça” demais sugiro então que veja, sem demora, os filmes “A Cidade das Crianças” dirigido por Nicolas Bary, “Amor ou Consequência” dirigido por Yann Samuell e “O Fabuloso Destino de Amélie Poulian” com direção de Jean-Pierre Jeunet. Aposto que sua opinião vai mudar rapidinho e quem sabe você também se torne um amante da sétima arte produzida na terra de Edith Piaf. Todo este preâmbulo só para salientar a qualidade artística da produção O Fabuloso Destino de Amélie Poulian que vi esta semana e que ainda guardo na memória os olhos pretos de Amélie Poulain (Audrey Tatou) a me fitar ao som daquela trilha sonora comovente.
Jean-Pierre Jeunet se utiliza do universo fantástico para narrar à história de Amélie Poulain uma garota que passou a infância e a adolescência a observar a vida dos outros já que a sua própria existência lhe parecia sem significado. Seus pais neuróticos a mantinham longe de tudo e de todos por acreditarem que ela sofria de problemas cardíacos e assim a mantinham em total reclusão. Como sua mãe era professora, seu aprendizado foi feito em casa mesmo longe de outras crianças. Este voyeurismo involuntário e a morte prematura da mãe trouxeram para Amélie uma personalidade de quem acredita que a vida é só observar os outros e que nada mais lhe resta além desta solitária existência. Adulta muda-se do subúrbio para o bairro parisiense de Montmartre onde trabalha como garçonete. Sua vida continua a mesma de observadora da vida alheia até o dia em que, acidentalmente, descobre escondido no rodapé de seu banheiro, uma caixinha com pequenos objetos e fotografias do antigo morador da residência. Intrigada com a descoberta assalta-lhe o desejo de entregar estas “lembranças” de infância ao verdadeiro dono. Ao presenciar a alegria com que Dominique (Maurice Bénichou) recebe a caixa com suas recordações resolve que vai dar outro sentido para sua vida: ajudar as pessoas a sua volta. Assim, começa seu fabuloso destino de levar alegria e esperança para desconhecidos e assim trazer emoção para seu coração nada enfermo. Um coração que na realidade é carente de afeto e atenção. Esta jornada de boa samaritana vai levar Amélie a encontrar outros personagens com personalidades tão intrigantes quanto a sua própria: A atendente da tabacaria que se sente excluída; o vizinho conhecido como “o homem dos ossos de vidro” que vive recluso há vários anos no seu apartamento; o rapaz da quitanda que é humilhado pelo patrão; o escritor canastrão; o cliente do bar que atazana a vida de outra garçonete e tantos outros que cruzam seu caminho. Enfim, uma nova visão de mundo e de perspectivas se abre para Amélie. Suas ações no trabalho e nas andanças pela cidade são realizadas no sentido de trazer emoções fortes e um sentido para a vida destas pessoas.
Na busca de encontrar felicidades alheias, Amélie também vai encontrar o amor da sua vida nos olhos de Nino Quincampoix (Mathieu Kassovitz) um cara tão solitário quanto ela própria e que tem por hábito fazer coleções das mais inusitadas possíveis. Sua última mania é colecionar fotografias 3x4 jogadas no lixo que cola em um álbum. Assim como Amélie ele também procura encontrar sentido para a própria vida acumulando “lembranças” alheias. Almas gêmeas é a primeira impressão que o espectador percebe ao vê-los juntos, e não tem como não torcer para que fiquem juntos no fim.
Direção de arte primorosa, edição ágil, fotografia que realça a beleza de Audrey Tatou e a comovente trilha sonora composta por Yann Tiersen dão um charme todo especial a este filme que transfere ao espectador um sentimento de nostalgia e paz de espírito. Um romance de uma singeleza que comove e apaixona. Não tem como não ficar hipnotizado pelos olhos de Amélie e pelo seu crescimento como ser humano. O roteiro foi escrito quase com um conto de fadas com direito a voz melodiosa de um narrador em off que vai pontilhando cada descoberta da personagem até o fim da história. Deixe-se levar pelo sorriso de Amélie e também se apaixone por esta história.
Para entender um filme é preciso, às vezes, fixar-se em uma determinada cena. Até porque, para se produzir um filme, horas e horas de películas são gravadas para depois passarem pelo crivo do diretor e principalmente do editor. Assim, é salutar prestar a atenção em todas as tomadas mostradas na tela. Alguma importância elas possuem na história. O mesmo acontece com os diálogos ou monólogos. Até mesmo em narrativas em off. Digo isso porque é importante salientar uma cena em particular no filme Brideshead – Desejo e Poder para que se possa entender as motivações dos personagens e as armadilhas em que cada um foi vítima no decorrer da narrativa. Mas antes de citar a cena propriamente dita, gostaria de abrir um parêntese. Melhor ainda, um parágrafo para dar ênfase ao que quero explicar. Vamos a ele. Existe um truque muito utilizado por roteiristas e diretores de filmes de suspense (via de regra policiais), em mostrar uma cena em que o personagem principal da história – que a princípio se acredita ser uma pessoa de boa índole - que de repente comete um ato de extrema violência contra um inseto ou um animalzinho inocente. Geralmente é um atropelamento de algum esquilo que atravessa uma estrada ou um mosquito que voa é apanhado e trucidado por um simples gesto da mão assassina. Ou uma mosca pousada, inocentemente, na mesa que é morta com um tapa seco e certeiro. Enfim... Você já deve ter visto filmes em que tais cenas apareceram e que envolve o personagem principal. Claro que isto é mostrado para evidenciar que o tal “mocinho” da história não tem nada de mocinho visto que sempre está atento para cometer as atrocidades mais bárbaras a qualquer momento e sem motivo algum. Só espera o momento certo para atacar sua vítima indefesa. Estas cenas são para preparar o público para o que virá a seguir. Explicado vamos então à cena que gostaria de mencionar no filme Brideshead – Desejo e Poder que se aplica, sob outra perspectiva, ao mesmo propósito de evidenciar e preparar o público sobre a personalidade de um personagem principal nesta história de desejo e poder. Sigamos então com minhas impressões sobre este filme com novo parágrafo. Para entender este filme, como dizia acima, é preciso fixar-se na cena em que Charles Ryder viu, pela primeira vez, Sebastian Flyte. Charles acabara de chegar à universidade de Oxford para estudar história e estava na companhia de seu primo em seus aposentos quando, de repente, surge na porta entreaberta um estudante que lança vômitos quase aos seus pés. Seus olhares se cruzam e o jovem se afasta pouco constrangido. Tal rapaz é o Lorde Sebastian Flyte. Qual o significado desta cena tão escatológica já nos primeiros minutos do filme? Fiquei alerta e percebi, de momento, o velho truque de “aviso” contido naquele momento em particular e as suas consequências futuras. No dia seguinte recebe flores com pedidos de desculpas pelo ocorrido e o convite para jantar em sua companhia. No tal jantar conhece os “amigos” do jovem rapaz e o círculo social esnobe a que ele pertence. Apesar da diferença econômica e social Charles e Sebastian tornam-se grandes amigos e parecem gostar da companhia um do outro. Dias depois Flyte convida Ryder para ir a sua casa para lhe apresentar uma pessoa (uma senhora idosa que provavelmente fora sua babá) e o leva a residência de sua família, no caso o castelo Brideshead que dá título a filme. Aqui surge outra cena que nos mostra outro aviso importante: No alto de uma moldura majestosa está colocado um quadro de uma mulher segurando, com afeto, uma criança no colo. O quadro comove pela doçura do gesto da mãe protegendo e amparando o filho. Todavia, tal quadro é desprezado e odiado pelo jovem lorde. Ao circular pelos vastos salões e ambientes do castelo com suas belas esculturas, riquíssimos tapetes e jardins estonteantes surge o desejo de Charles Ryder de pertencer a este mundo de riqueza. A amizade dos dois se fortalece e o relacionamento de ambos materializa-se no desejo que cada um projeta no parceiro. Ryder quer pertencer a este círculo social e vislumbra uma existência em Brideshead lugar que considera o mais belo do mundo. Sebastian, por sua vez, encontra no ombro do amigo (ou seria amante?) um refúgio para seu desespero existencial. Eis então que surge a bela Julia Flyte (irmã de Sebastian) para atiçar o coração do jovem estudante de história. Está formado o triângulo amoroso improvável entre o homossexual carente e alcoólatra, o estudante vislumbrado pela riqueza e a jovem dominada pela mãe. Mas afinal qual a importância da tal cena em que Sebastian vomita aos pés de Charles você deve estar se perguntando. Como diria Sherlock Holms: “elementar meu caro Watson”. Durante todo o filme vamos ver o pequeno Lord em desespero pela sua existência mesquinha. Suas bebedeiras homéricas, sua rebeldia (através da sua homossexualidade) contra a tirania religiosa da mãe e a indiferença do pai. Utiliza-se da sua aproximação e relacionamento com o ateu Ryder para atingir a mãe e escandalizar a família. Vomita assim toda sua revolta contra este sistema opressor sabendo que o amigo vai aceitar e compreender tudo isso na medida em que ele também tem lá seus interesses. Aquela cena foi o sinal para mostrar-nos o quanto será humilhante para ambos esta convivência de interesses. Talvez Sebastian seja vítima da sua infância distante do afeto materno e Charles vai aceitar engolir todas as humilhações para entrar neste ambiente de poder e riqueza. Com a entrada em cena de Júlia o amor surge no coração de Charles (talvez por interesse igualmente) explodindo assim o relacionamento dos rapazes. Por seu ateísmo declarado Ryder é preterido por Lady Marchmain que entrega a mão da filha a outro homem e o expulsa de seu castelo no dia no noivado de Júlia. Após quatro anos longe de convivência de Brideshead recebe a visita de Lady Marchmain pedindo-lhe para que vá ao encontro de seu filho no Marrocos e o traga para casa. Encontra o amigo doente e com o propósito de não mais voltar para casa ou rever a mãe. Ao reencontrar Júlia anos mais tarde volta à velha paixão proibida e acabam um nos braços do outro. Voltam para o castelo com o propósito de unirem-se, mas a saúde do pai impossibilita esta união. Ao perceber que será difícil entrar no seio desta família (por seu ateísmo, por ter “comprado” Júlia do marido, ou mesmo por perceber que ela jamais deixaria sua crença e os ensinamentos deixados pela mãe) resolve afastar-se definitivamente. Uma narrativa, em off, ao início do filme serve igualmente para terminar este texto para que se possa entender todas as conseqüências decorrentes das escolhas que Charles Ryder fez para tentar tornar-se uma pessoa além das suas capacidades emocionais, sociais ou econômicas. Melhor seria tivesse vivido na sua “aldeia”. Mas como julgá-lo depois de tudo que ele passou e perdeu? Eis a imagem que ele tinha de si mesmo ao final: “Se você me perguntasse agora quem eu sou, a única resposta que poderia dar com alguma certeza seria meu nome: Charles Ryder. Quanto ao resto – meus amores, meus ódios, até meus mais profundos desejos –, não posso mais dizer se essas emoções são minhas mesmo, ou roubadas daqueles que eu uma vez tão desesperadamente desejei ser. Pensando bem, uma emoção permanece minha mesmo. Entre as emprestadas e as de segunda mão, tão puras quanto à fé contra a qual ainda luto: a culpa.” Emma Thompson, mais uma vez está impecável na pela da poderosa e dominadora Lady Marchmain assim como Ben Whishaw como o homossexual alcoólatra Sebastian Flyte. Matthew Goode como Charles Ryder igualmente faz uma interpretação contida e convincente. A direção artista está perfeita e a cenografia dispensa comentários pelo requinte mostrado em cena. Uma dica: Deixe correr os créditos finais e aprecie, com deleite, ao tema musical que segue.
Viver, entre outras coisas, é um ato de medir as consequências e, à medida que a idade avança, esta premissa vai se tornando uma realidade. Uma dura realidade. A criança não tem por hábito racionalizar suas escolhas e muito menos avaliar as conseqüências de seus atos. Razão pela qual a criança é mais sincera na medida em que não precisa usar de eufemismos tão próprios dos adultos e muito menos compreender as tais “mentiras sociais”. A criança é ação, atitude e sua vida é focada única e exclusivamente no presente. No decorrer da vida esta criança irá aprender (ou não), a dura realidade de saber fazer suas escolhas a aceitar (e sofrer) as consequências de seus atos. No início do filme Amor e Consequência, uma produção francesa dirigida por Yann Samuell, os jovens Julien e Sophie estão na fase da vida em que tais preocupações estão muito longe de suas ingênuas realidades. Por não terem uma boa base familiar e possuírem relacionamentos problemáticos, este aprendizado (de medir as consequências) irá trazer a ambos uma vida repleta de altos e baixos. Uma verdadeira montanha russa de sentimentos de amor e ódio.
Julien (Guillaume Canet) é uma criança solitária e sensível que vive mais em sonhos do que na própria realidade que o cerca. Na escola é desprezado por todos por ser uma criança retraída. Sophie (Marion Cottilard), por outro lado, é o oposto de Julien por ser atrevida e a ter uma atitude mais independente perante a vida e aos outros. Igualmente sofre preconceito na escola por ser polaca. Dois jovens de personalidades tão distintas tornam-se amigas e unem-se para enfrentarem a dura situação imposta pela violência escolar e por que não dizer, a indiferença familiar. Esta relação de Julien e Sophie, da infância à idade adulta, é mostrada no decorrer de toda a trama. O que os une é um jogo em que ambos desafiam-se mutuamente. Aquele que está de posse da “caixa mágica” precisa cumprir o desafio imposto pelo parceiro. A princípio uma brincadeira de criança de desafiar professores e de fazer uma travessura aqui e ali. Nada muito sério e até divertido. Com o passar dos anos esta ingênua brincadeira vai tomando contornos mais perigosos já que os desafios vão se tornando cada vez mais difíceis e arriscados.
Esta brincadeira de um desafiar constantemente o outro é, antes de tudo, uma forma que eles encontraram de desafiar a sociedade que os reprimia e os desprezava. Isto no início da brincadeira e de forma inconsciente, claro. Já como adultos a brincadeira tem outros contornos e serve basicamente para expressarem suas inconformidades com a falta que ambos possuem de não saberem definir o que um sente pelo outro. Esta dualidade de amor/ódio ou escolhas/consequências são a tônica de boa parte do filme. Mas não pense que o filme é “cabeça” demais. Com certeza você irá se emocionar.
A forma narrativa é interessante e diria até que bem lúdica bem ao estilo da linguagem jovem. Fantasia, teatro, animação e o mundo mágico dos sonhos fazem parte da narrativa e serve para dar um charme todo especial a esta produção. A interpretação das crianças dá um charme especial e os atores adultos não comprometem de forma alguma. Aliás, a química entre eles é muito boa. A trilha sonora ajuda, e muito, a contar a história deste amor inconseqüente com a canção “La Vie Em Rose” interpretada por Luis Armstrong, Donna Summer, Trio Esperança e Zazie em vários arranjos interessantes. Uma história de amor um pouco diferente do estilo comédia romântica que estamos acostumados a assistir na cinematografia americana. De qualquer forma uma história romântica onde é possível discutir a relação de forma adulta e fazer o espectador pensar nas causas e consequências de suas escolhas na vida. Afinal, quando adultos precisamos avaliar estas escolhas e levarmos em conta as consequências de nossos atos. Ou não...
Garry Marshall é um dos meus diretores preferidos em tratando-se de comédias românticas. Têm em sua filmografia sucessos como Noiva em Fuga, Simplesmente Amor, Frankie & Johnny, Uma Linda Mulher e Diário da Princesa I e II (para ficar só nos filmes que assisti). Ele sabe realizar um filme de forma sensível, humorada e de extremo bom gosto. É sempre um prazer assistir as suas produções cinematográficas porque sabe, como poucos, tratar qualquer assunto com leveza e elegância. Em Um presente Para Helen ele não fugiu a regra. Apesar da história ser na realidade um grande drama, na medida em que exige do personagem principal uma mudança de 360 graus em sua vida, Marshall contou esta trajetória sem perder o brilho no olhar de quem sorri.
Helen Harris (Kate Hudson) trabalha numa agência de modelos e leva uma vida extremamente atribulada no mundo da moda. Tem um grande salário e um belo apartamento e está sempre em constantes viagens e é claro sempre presente nas grandes baladas das boates noturnas. Assim, Helen não tem tempo para participar ativamente do convívio com a família ou manter um relacionamento duradouro. Livre e independente na grande cidade esta sempre pronta para o que der e vier. Mas apesar desta futilidade toda, ela é uma pessoa amável e adorada pela família. Principalmente por seus sobrinhos. Sempre é a figura principal nas festinhas familiares com sua “modernidade” e seu estilo despojado de vida. Sua irmã Jenny (Joan Cusack) é o oposto. Mãe zelosa e responsável acredita ter uma missão a cumprir neste mundo: criar os filhos e ser uma excelente dona-de-casa. Nota-se que tem um ciúme da “popularidade” da irmã junto aos sobrinhos e com a outra irmã e o cunhado.
Mas o destino de Helen irá mudar radicalmente e ela terá que aprender a ser responsável e ter outras prioridades em sua vida. Com a morte da irmã e de seu cunhado ela é encarregada da criação dos três sobrinhos, Sarah, Henry e a pequena Haudrey. De uma hora para outra o mundo desta deslocada e despachada mulher vira de cabeça para baixo. Precisa arrumar outro apartamento para abrigar as crianças e encontrar uma escola onde possam estudar. Enfim, todas as obrigações e preocupações de uma zelosa mãe. No início a tal convivência familiar vai se arrumando da melhor forma possível e Helen se vira como pode para dar apoio emocional às crianças órfãs. Mas o trabalho exige sua presença em tempo integral e as lidas domésticas não se encaixam com esta nova realidade.
Como não consegue conciliar o trabalho na agência e suas lidas como mãe adotiva é afastada do emprego, da convivência com seus colegas e das badalações do mundo das celebridades e da moda. Para piorar as coisas, Sarah está “ficando” com o pior elemento da escola, Henry não se adapta a novas atividades esportivas na escola e Haudrey chora por não conseguir dar nó nos cadarços do sapato. Sua sorte é que a vizinha sempre presta um socorro nas horas críticas em que precisa afastar-se. Até o Pastor Don Parker (John Corbertt), diretor da escola, resolve dar uma mãozinha e um apoio moral nas horas difíceis. Mulher bonita, inteligente e sensual, logo desperta o interesse no pastor luterano que começa a arrastar uma asinha (que não é de anjo) para cima de Helen. Como está carente de afeto e perdida nesta nova realidade, acaba caindo nas graças do prestativo pastor.
Entre um problema doméstico e outro, Helen tem ainda que enfrentar a crítica constante da irmã Jenny que a acusa de ser negligente e frouxa com a educação das crianças. Mas a coisa piora quando, na festa de formatura, Sara é levada para um Motel pelo delinqüente mais famoso da escola. Desesperada Sarah pede ajuda a irmã para resgatar a sobrinha das garras do fogoso jovem. Por não ter forças nem coragem de enfrentar tais situações leva os sobrinhos para morarem com Jenny, que se presta mais a estas atividades de protetora e mãe.
Livre da educação e da criação dos jovens retoma seu emprego na agência de modelos e para as badalações do mundo fashion. Mas esta história não termina aqui. Sarah sente a falta dos seus sobrinhos e terá que fazer uma escolha mais uma vez. Mas desta vez, precisa ser definitiva já que não é possível ficar brincando com os destinos alheios.
Kate Hudson mais uma vez brilha com seu charme e simpatia e Joan Cusack prova que realmente é uma grande atriz. Vale a pena conferir mais esta produção de Garry Marshall.
Após assistir ao filme Up In The Air, dirigido por Jason Reitman fiquei matutando com meus botões a razão do título em português desta produção: Amor Sem Escalas. O título brasileiro sugere uma comédia romântica ou mais um daqueles filmes “água com açúcar” e tudo mais. Claro que um filme estrelado pelo galã George Clooney (que faz a mulherada suspirar) deva ter influenciado o cara a pensar: “Vou colocar um nome bem bonitinho e romântico para fisgar a mulherada!” Nada mais falso e enganador. Não sou contra as comédias românticas e açucaradas, muito antes pelo contrário. Eu as adoro! Mas não é o caso de Amor Sem Escalas. Com roteiro de Jason Reitman e Sheldon Turner é a história do solitário Ryan Bingham (Clooney) que vive entre um aeroporto e outro como um “Conselheiro de Transição de Carreira”. Eufemismo de executivo contratado para fazer o trabalho sujo de dar o pontapé na bunda de funcionários das empresas americanas uma vez que os chefes não possuem coragem, ou estômago, para este serviço ingrato.
Na primeira cena já somos apresentados a Ryan e a sua especialidade e capacidade em organizar sua mala de viagem de maneira rápida, extremamente eficiente e milimetricamente organizada. Tudo feito com maestria de alguém acostumado a fazer e desfazer malas e acumular milhas e milhas em viagens. Aliás, seu grande objetivo de vida é acumular 10 milhões em milhas. Até seus truques em como evitar filas demoradas em aeroportos na hora do chek-in é motivo de grande orgulho. Suas artimanhas em estar sempre preparado para embarcar no próximo avião e estar satisfeito com tudo isso nos coloca frente a frente a um sujeito prático, sem problemas afetivos algum e sem laços familiares ou de amizades a lhe “pesarem” nas costas. Qualidades estas que costuma propagar em suas palestras motivacionais com grande orgulho.
No decorrer do filme percebemos que Ryan está feliz com sua profissão e plenamente realizado e de consciência tranqüila de ser o cara que chega às empresas e demite pessoas com um sorriso no rosto e palavras previamente ensaiadas e cartilhas impressas motivacionais para deixar o “demitido”’ consolado e motivado a seguir em frente (mesmo desempregado). Como não tem vínculos com ninguém e sua vida é completamente destituída de quaisquer laços humanos mais íntimos, consegue colocar a cabeça no travesseiro à noite e dormir feliz da vida com a sensação do dever cumprido. Para fazer o contraponto a esta filosofia de vida surge no seu caminho asséptico e incolor Nathalie.
Nathalie (Anna Kendrick) é uma mulher que também tem como profissão demitir pessoas e foi admitida na empresa de Ryan por ter desenvolvido um sistema para fazer este “servizinho” via internet para evitar o contato pessoal com a “vítima” da vez e reduzir os custos operacionais da corporação em viagens de seus executivos. Mas apesar de todo este distanciamento humano a que ela se propôs profissionalmente, é uma mulher que acredita no amor; nos relacionamentos afetivos estando inclusive, noiva e prestes a realizar seu sonho de casar com o homem da sua vida. Usa este sistema até como defesa para não ter que enfrentar face a face o constrangimento de dar a triste notícia e presenciar a dor alheia. Acompanha Ryan Bingham por algum tempo em suas viagens para aprender o ofício e aprimorar seu sistema. Nestas viagens ambos irão fazer um duelo verbal muito interessante sobre a conveniência – ou não – do casamento, família, relacionamentos e tudo mais.
Para dar equilíbrio a estas propostas antagônicas aparece então Alex (Vera Farmiga) uma mulher com o mesmo estilo de vida de viver em aeroportos e hotéis. Claro que o relacionamento de Alex e Ryan será entre um hotel e outro. Nada muito complexo. Sexo casual, bom papo sobre hotéis e restaurantes e uma companhia agradável para passar o tempo. Suas afinidades são comparar Cartões de Fidelidades de companhia aéreas, empresas de aluguéis de carros e restaurantes. Aliás, interessante notar aqui que na carteira de Ryan não existem fotografias de sua família (pai, mãe, irmãs ou outro ser humano qualquer). Só cartões de crédito e de empresas para acumular milhas e vantagens de serem “Vips” por onde passam. Seu apartamento também é muito prático e vazio. Mais parece um quarto de hotel tal a “funcionalidade” e ausência de calor humano e aconchego. O que pareceria uma convivência harmoniosa e conveniente para Ryan, Alex tem alguns laços familiares e não é tão distante assim dos relacionamentos humanos. Não sabemos muito sobre sua vida além da sua atividade profissional. Mas percebe-se que ela tem onde jogar “âncora” após suas viagens. O que não é o caso de Ryan. Temos assim um extremado anti-social Ryan que jura não o ser já que vive rodeado de pessoas em aeroportos e hotéis (sua concepção de convivência com outras pessoas); Alex uma pessoa que vive no meio-termo de hotel/lar e na outra ponta Nathalie uma pessoa que necessita de família e laços afetivos (apesar da sua profissão a tornar uma pessoa que desfaz vínculos).
Este triângulo “profissional” irá fazer com que o espectador pense sobre a busca da felicidade, os relacionamentos humanos, as escolhas na vida e as razões que temos em viver desta ou daquela maneira. Além é claro de fazer questionamentos sobre a possibilidade de se ser feliz sozinho sem laços afetivos algum. Ryan acredita que sim. Alex vive, aparentemente, da mesma forma, mas não acredita numa vida tão solitária. Nathalia, apesar da profissão, acredita piamente no amor.
O filme é interessante sobre todos os aspectos levantados acima e faz com que o espectador fique atento aos diálogos e discussões sobre estes temas tão relevantes que são os relacionamentos humanos. Ficou muito estranho, e até certo ponto muito contraditório, o momento em que Ryan convence o cunhado - que estava prestes a desistir do casamento - a subir ao altar. Bem ao estilo de “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. Como alguém tão convicto no celibato convence alguém a casar? Então ficamos com a pulga atrás da orelha. Mas não por muito tempo. Percebe-se igualmente que Ryan, apesar de toda sua ojeriza ao casamento, em certo momento está disposto a viver com Alex. A cena em que ele aparece à porta da casa de Alex para, com certeza pedi-la em casamento ou mesmo para pedir que ela venha a viver em sua companhia, é ilustrativa. Seu constrangimento e sua tristeza por não realizar este sonho são evidentes e porque não dizer dolorosos.
Para quem não viu os extras do DVD vai aqui uma mostra do quanto esta vivência solitária era mais uma questão de rotina profissional do que propriamente um preferência pessoal. Estava mesmo era muito a fim de ter uma companhia e estava, de certo modo, a procura de sua cara metade. Só não tinha encontrado ainda alguém que o tivesse fisgado. E quando encontrou Alex, suas teorias foram por água abaixo. Mas o diretor Jason Reitman preferiu deixá-lo sozinho no limbo da “felicidade possível”. O que de certa forma foi toda a tônica do filme. Mas nos tais extras do DVD como eu ia dizendo, aparece Ryan adquirindo (ou alugando) um aconchegante apartamento, comprando móveis e o decorando completamente para torná-lo um ambiente muito humano e acolhedor. Inclusive espalhando flores por todos os cantos. Ou seja, estava feliz e disposto a lançar também sua “âncora” em um porto seguro ao lado da mulher amada. Mas confesso, tristemente, que ficou muito clichê realmente e o diretor preferiu excluir esta vivência do personagem (ou mesmo esta ruptura do discurso de toda a trama). Ficamos assim na dúvida se as escolhas deste estilo de vida de Ryan eram suas convicções profundas ou só uma questão de rotina profissional. O Diretor escolheu pela felicidade possível. Ficou coerentemente triste. Ficou ao menos honesto com todo o desenrolar e o discurso da trama proposta pelo roteirista. Outra cena excluída talvez seja parte de um sonho de Ryan em que ele aparece vestido de astronauta chegando ao aeroporto, pegando um taxi e ao chegar ao seu edifício começar a subir e subir como um balão até ver a cidade do alto. Nada mais sozinho que um astronauta. Sua visão angustiada do cenário aos seus pés imaginando talvez as pessoas abaixo com suas felicidades de uma vivência a dois.
A Vida dos Outros, escrito e dirigido por Florian Henckel Von Donnersmarck é um filme alemão muito interessante porque coloco o espectador como um “Voyeur” involuntário (seria mesmo involuntário? Todo espectador é um voyeur por excelência. Mas enfim...) além de colocar o espectador na corda bamba em torcer para que o Agente da Stasi (Polícia Política da Alemanha Oriental) chamado Gerd Wiesler não encontre vestígios para incriminar Georg Dreyman e a atriz Christa-Maria Sieland. Neste jogo de gato e rato (ou mais precisamente de socialistas contra capitalistas) ficamos atentos ao desenrolar desta história e aguardando as conseqüências na vida de cada um dos personagens envolvidos nesta guerra política de poder e submissão.
Gerd Wiesler (Ulrich Mühe) é um sujeito extremamente competente na sua atividade de agente secreto e sua vida resume-se a cumprir ordens do partido sem questioná-las. Calmo. Calculista. De gestos contidos e fala mansa e monossilábica como a pensar cada frase antes de pronunciá-las. Provavelmente para evitar comprometer-se num governo que controla até o pensamento de seus funcionários num mundo policialesco. Obedece fielmente seus superiores e acredita que sua função é vital para o bem do país já que eliminar “inimigos” do estado é uma tarefa heróica que muito lhe orgulha. Tem uma vida social nula e vive num apartamento asséptico sem qualquer vestígio de relacionamentos humanos. As paredes do seu apartamento são de cores neutras e frias, assim como os móveis e utensílios ali representados. Tudo muito funcional. Parecendo mais um quarto de hotel a um lar. Suas roupas também destituídas de cor que mais parecem um uniforme profissional. Seus modos de atuar lembram um robô programado para apenas uma tarefa: Espionar. Mas não se engane. Ele é eficiente no que faz. Ou era até receber ordens de espionar o dramaturgo e escritor Georg Dreyman e sua amante a atriz Christa-Maria.
Com o desenrolar da trama, Wiesler vai tomando consciência que sua atividade profissional e todos os conceitos políticos que até então acreditava imutáveis e verdadeiros nada mais são que uma guerra de poder entre a elite dominante (Estado) e o povo comum alemão. Com a divisão da Alemanha em Oriental (Socialista) e Ocidental (Capitalista) e a guerra fria em pleno vigor, o governo da parte socialista coloca seus espiões a vigiar seus cidadãos para evitar a fuga para o lado capitalista ou mesmo controlar remessas de informações para o outro lado. Ao vigiar o casal Wiesler toma ciência da insignificância da sua própria existência e realiza suas possíveis fantasias na vida de Dreyman e Chista-Maria. O Casal leva uma vida mais desregrada de comprometimentos políticos e suas rotinas repletas de vigor, paixão e efervescência cultural muito distante da sua vida vazia e sem brilho. O que era para ser uma rotina de espionar e delatar,torna-se uma forma de viver a vida dos outros, literalmente.
Georg Dreyman (Sebastian Koch) é um dramaturgo e escritor teatral que não questiona o regime e vive à margem destas questões políticas e tudo mais. Tem uma vida bastante turbulenta culturalmente falando e não percebe (ou faz de conta que não percebe) o regime opressor que seu povo vive. Até o momento que começa a levantar bandeiras contrárias ao poder dominante. Tem um caso com a atriz Christa-Maria Sieland muito famosa e adorada pelo povo alemão. Quando toma conhecimento que provavelmente está sendo vigiado e que corre perigo de vida ou banimento começa a escrever artigos para a Alemanha Ocidental como forma de protesto e para tornar público os casos de “Suicídio” muito acima do normal ocorridos em seu país.
Christa-Maria Sieland (Martina Gedeck) é uma atriz que tem uma grande legião de fãs (inclusive dentro dos escalões do governo) e leva uma vida, de certa forma, muito melhor que a grande maioria da população. Ao se ver no centro deste imbróglio político acaba caindo nas garras do ministro que a explora sexualmente em troca de mantê-la em cartaz e deixá-la desfrutar de suas regalias e ao seu vício de medicamentos. Será uma peça importante neste triângulo e fará seu sacrifício em nome da pessoa que ama.
Florian Henckel Von Donnersmarck consegue transpor para a tela toda a angustiante vida do povo alemão sob o regime totalitário e policialesco através de seus cenários vazios, suas cores sóbrias e a interpretação contida e eficiente de Ulrich Mühe. A trilha sonora, que a princípio parece exagerada, acaba por ser um elemento importante para salientar momentos chaves. Interessante notar igualmente a mudança de comportamento de Wiesler na medida em que ele vai conhecendo o casal a que deve vigiar e deletar. Sua tomada de consciência da inutilidade de seu trabalho e de sua vida é algo que emociona pela forma brilhante como interpreta este personagem. A queda do muro de Berlim anos mais tarde só veio a evidenciar este fato. A inutilidade de toda aquela engrenagem que a todos aprisionava e banalizava não serviu para nada. Exceto aterrorizar o povo, enriquecer alguns e dar poderes supremos de vida e morte sobre pessoas inocentes a alguns sujeitos inescrupulosos.
Tarantino é o cara! Sabendo disso ele se dá ao luxo de, propositadamente, fazer de tudo para que seu filme À Prova de Morte seja visto pelo público como um filme descartável, de péssima qualidade de edição, com fotografia sem retoques e artificialismos e trilha sonora das mais variadas possíveis numa mistura sui generis. Deve ter dado um trabalho enorme para Tarantino e sua equipe fazer esta produção parecer um lixo cinematográfico! Não para seu público cativo que já conhecem suas manhas e excentricidades criativas muito menos para os críticos cinematográficos que adoram filmes “cabeças”. Confesso que balancei com este filme. Tudo bem que Tarantino é criativo e excêntrico nos seus diálogos “nada a ver” intermináveis tão característicos de sua obra (que me declaro de pronto admirador desta façanha) e por sua mania de querer homenagear os filmes da década de setenta e oitenta com suas trilhas sonoras e tudo mais. Mas não é fácil apreciar à primeira vista este À Prova de Morte. Talvez porque tenha visto este filme baixado da internet com qualidade ainda mais inferior daquilo que Tarantino se propôs a fazer e com as legendas andando rápidas demais ou fora de sincronia. Alguns diálogos foram impossíveis acompanhar e lá pelas tantas eu já não sabia mais quem estava falando o que para quem.
Assim, nem com toda a paciência e adoração pela obra de Tarantino foi possível apreciar esta obra e dar-lhe os devidos méritos e aplausos. Preciso ser sincero e dizer que mesmo com toda esta “criatividade” do Tarantino o filme me pareceu sem propósito. Aliás, o grande propósito do filme foi satisfazer ao próprio diretor sem importar-se com a audiência do grande público. Filmou para si mesmo e para provar aos mortais que ele pode fazer o que lhe dá na telha. Como não precisa provar mais nada a ninguém se dá ao luxo de filmar da maneira que quer e o resto que aceite (ou não). Acho até que só Tarantino (e os seus fãs mais ardorosos) curtiu todo este experimentalismo cinematográfico. Quando vi Planeta Terror também dirigido por Tarantino aplaudi de pé toda aquela encenação e curti muito aquela homenagem aos filmes de terror de quinta. Mas não consegui ficar igualmente entusiasmado por esta produção atual que também simula toda esta plasticidade da precariedade técnica e criativa. Aqueles cortes de edição, a imagem truncada e desfocada, a ação quase que estereotipada dos atores e a canastrice em dose cavalar de Kurt Russel tudo isto já foi visto no Planeta Terror. Já sabemos que Tarantino é um gênio. Agora a ficar a produzir só “homenagens” vai ficar cansativo... Quem assistiu Bastardos Inglórius, Kill Bill I e II, Jackie Brown, Cães de Aluguel, Pulp Fiction – Tempo de Violência, Amor à Queima Roupa e Tempos de Violência sabe que Tarantino é o cara! Espero que esta fase “experimental” passe logo. Já vi Planeta Terror e me dou por satisfeito. Que ele mire suas lentes para mostrar-nos sua genialidade e contar-nos uma boa história.
Só pra não dizer que não falei de flores... Gostei do final e da possibilidade que Tarantino nos coloca da vingança possível e que um dia o bandido irá encontrar alguém que o enfrente e o aniquile. Aquela perseguição de carros da segunda parte foi de tirar o fôlego e é claro aquele “papo de mulher” (que apesar de não ter sido possível apreciar pela baixa qualidade do arquivo baixado da internet) deu para sentir que Tarantino agora foca sua lente para o universo feminino. Não me atirem pedras fãs de Tarantino, porque eu também sou fã do cara! Vou comprar este DVD, rever o filme e provavelmente fazer os elogios que ele merece.
Geralmente não gosto muito de filmes com crianças. Normalmente atores mirins fazem diálogos com ponto de interrogação a cada final de frase e isso me irrita. Sem contar as caras e bocas exageradas que geralmente fazem. Claro que existem algumas exceções. Não são muitas, mas existem. Sendo assim, foi com certo receio que comecei a assistir ao DVD “A Cidade das Crianças” uma produção francesa dirigida por Nicolas Bary. Como o próprio nome do filme indica, a película estaria repleta de crianças atuando e eu estava com receio de assistir. Para minha surpresa este receio durou pouco porque os atores simplesmente foram de um desempenho acima da média e assim foi possível apreciar, de bom grado, este espetáculo cinematográfico com atuações convincentes dos pequenos. Claro que a direção de arte ajudou (e muito) a transformar a cidade de Timpelbach e seus personagens em um encantador e mágico conto de fadas. O figurino dos personagens exageradamente caricatos, principalmente das crianças, deu um toque surreal interessante e ajudou muito no sentido de fazer do filme uma obra inesquecível.
Timpelbach é uma vila com crianças rebeldes que afrontam pais e professores e ninguém consegue dominá-los ou educá-los corretamente apesar de todas as tentativas neste sentido. Traquinagens de toda ordem são cometidas pelas ruas e, mesmo a professora mais durona do lugar, não consegue controlá-los nas suas artes e travessuras. A autoridade policial também não consegue dominá-los. Os pais, por outro lado, não impõem respeito e também não conseguem se fazer compreender e a desordem se estabelece. Para por fim a este caos, os adultos resolvem abandonar a cidade deixando as crianças sozinhas no intuito de ensinar-lhes, de forma definitiva, o valor da boa educação e da convivência pacífica. A princípio a gurizada aproveita esta “liberdade” para aprontar poucas e boas e a fazer o que lhes dá na telha sem interferência de qualquer autoridade ou adulto por perto. Mas o que parecia o melhor dos mundos logo se transforma em problemas e as soluções nem sempre condizem com as conseqüências. Pequenas decisões como preparar o almoço do dia, tomar banho e outras atividades rotineiras tornam-se difíceis visto que não existem regras ou alguém para dizer (ou fazer) o que precisa ser feito.
Nesta balbúrdia toda Oscar, o líder de uma gangue juvenil, vai transformando a vida de todos na vila em um inferno sem lei. Marianne, seu oposto, vai tentando, na medida do possível, administrar o restante das crianças num ambiente mais ordeiro e pacífico. Assim, a personalidade, o caráter e a habilidade de cada criança precisam ser colocados em prática para solucionar os problemas e conflitos. Uma metáfora interessante para analisarmos o comportamento adulto e os ensinamentos que estes transmitem aos seus filhos. Não é à toa que a violência de Oscar é a imagem da própria violência que sofre do pai. Ou o comportamento das demais crianças em relação as suas vivências familiares. O exemplo dos adultos (e por tabela seus pais) é que determina o comportamento das crianças e, ao verem-se sozinhas, nada mais fazem que repetir os mesmos erros comportamentais.
Ao afastarem-se da vila, os adultos também recebem sua lição de moral e voltam para casa transformados e, de certa forma, também educados para que seus comportamentos perante os filhos sejam diferentes e mais afetivos. As crianças também aprenderam que é preciso viver em harmonia dentro de parâmetros de respeitabilidade, lei e ordem. Brincar é ótimo mas é preciso ter um tempo para o estudo e para algumas responsabilidades. O exemplo sempre é mais educativo que meras palavras. Se existe alguma moral que o filme deixou diria que foi esta, sem sombra de dúvida.
Aquela velha premissa de que “a vida é feita de escolhas” é o ponto de partida do filme A Caixa, dirigido por Richard Kelly tendo como atriz principal Cameron Diaz na pela da personagem Norma Lewis. O roteiro centrou-se basicamente na questão moral de descobrir até que ponto o ser humano é capaz de tirar vantagem à custa do sofrimento alheio (apertar o tal botão da caixa) ou deixar a vida como está (não apertar o botão) e tentar de outra forma conseguir superar suas dificuldades financeiras, sociais e familiares. Esta questão é milenar e até a propaganda brasileira já tirou sua lasquinha nesta premissa com a “lei de Gerson” de tirar vantagem de tudo e o resto que se dane. A questão colocada no filme é: Você seria capaz de matar um desconhecido para ganhar um milhão de dólares?
O suspense do filme é relativo visto que já sabemos o argumento principal e ficamos só no aguardo das possíveis consequências deste ato (toda escolha tem consequências, como tudo na vida). Cameron Dias até se sai bem como Norma Lewis tentando encontrar uma fórmula para dar uma melhor condição financeira para sua família e um futuro promissor para seu filho. A canastrice de James Marsden interpretado Arthur o marido de Norma incomoda um pouco pelas caras e bocas exageradas. Não entendi a razão da necessidade do filme ser tão longo e gostei, sobretudo, da trilha sonora que elevava muito mais o clima de suspense que faltava nas imagens ou nas interpretações. A produção caprichou na reconstituição de época, figurino e tudo mais, mas, deixou de lado a questão moral, ética e psicológica dos personagens que ficaram relegados a segundo plano. Afinal, esta questão de matar uma pessoa, mesmo que desconhecida, para levar vantagem ficou muito tênue. O final do filme deixou claro que mensagem “moral ou ética” poderia se esperar de alguém que faz aquele tipo de escolha (apertar o botão). Não conheço a versão original que deu origem ao roteiro cinematográfico, mas achei exagerada toda àquela explicação sobre raio, planeta Marte e alienígenas dando show de moral e ética na raça humana.
Para entender este filme e da necessidade que a produção encontrou para dar as explicações de Raio, Planeta Marte, Alienígenas e tudo mais só se e o assistirmos como uma metáfora da passagem bíblica sobre Sodoma e Gomorra onde anjos (representado por Arlington Steward interpretado por Frank Langella) chegam para encontrar uma família que tenha bons princípios “morais e éticos” que possam ser a justificativa para a não destruição de toda a raça humana. Claro que Arthur Lewis (James Marsden) como marido de Norma seria a representação de Ló que tenta salvar sua família (e por analogia a espécie humana) da destruição alienígena (Deus). Sua mulher não vira estátua de sal, mas as consequências de seus atos (nossos atos, como seres humanos) vão determinar nosso futuro.
Vale à pena assistir ao filme até para pensarmos um pouco sobre esta perspectiva de ética, moral, família e as escolhas que somos obrigados a fazer durante a vida. Mas não espere muito. É só mais um filme de entretenimento. Que pode, ou não, gerar algumas considerações e reflexões em quem estiver a fim de conjecturas desta natureza após a sessão de cinema.
Já escrevi aqui neste blog que sou fã de comédias-românticas bem açucaradas e tudo mais. Foi com este espírito que resolvi assistir (500) Dias Com Ela dirigido por Marc Webb. Ledo engano meu. O filme até tem um pouco de comédia, claro. Muito de romance e discussões a cerca de relacionamentos homem/mulher. Isso mesmo, nesta ordem: Homem discutindo a relação com a mulher amada! Bem, já deu pra perceber que o filme inverteu a ordem natural das coisas ou aquilo que estamos acostumados a assistir em filmes românticos ou comédias leves. E para ser sincero, saiu-se muito bem neste propósito. Pelo título do filme já foi possível perceber a inversão de perspectiva narrativa bem como a inversão de valores visto que o homem é que terá seus sentimentos e aprendizados colocados entre parênteses! Aliás, uma narrativa nada linear uma vez que os dias apresentados na tela transcorrem sem uma ordem cronológica. Mas não se preocupe: de fácil compreensão em uma edição muito criativa. Uma visão um tanto quanto heterodoxa (se é que se pode usar esta palavra para uma simples resenha cinematográfica) das motivações e sentimentos amplamente aceitos (e inúmeras vezes repetidos) nos roteiros dos filmes classificados como “água com açúcar” ou “garota procura garoto para romance de final feliz”. Só que neste caso e nesta produção em particular, sob o olhar masculino.
Interessante que o título também já nos dá uma dica de como será o final do filme e o abandono do personagem principal da história e a sua desilusão com a perda do seu grande amor. É eu sei, contei o final do filme... Mas a culpa não é minha e sim do título e acredito intenção real de seus roteiristas! Mas não é um filme triste. Longe disso! Afinal, a vida é feita de perdas e ganhos e o espectador é convidado a entender (ou vivenciar) esta incrível história de amor sob a perspectiva masculina. Neste particular é que o filme é honesto, íntegro e, acima de tudo, sem utilizar de artificialismos e fáceis clichês. Ao colocar a premissa logo no início da projeção e no título do filme o espectador é convidado a não esperar os créditos finais para saber os destinos do jovem casal, mas a vivenciar a experiência de um romance fracassado e, em consequência, crescer como ser humano. Ou quem sabe mesmo tentar entender os motivos que levaram o casal a ter esta ou aquela atitude perante o relacionamento a dois. O que não deu certo? Onde o amor falhou? A culpa foi de quem? Procurar respostas para estas e outras perguntas é a intenção do filme e o espectador vai vivenciar estas questões e sofrer (e ser feliz) com Tom Hansen (Joseph Gordon-Levitt) nos 500 dias em que amou e viveu ao lado de Summer Finn (Zooey Deschanel). Quinhentos dias entre parênteses, não se esqueçam!
Tom Hansen é um arquiteto formado que trabalha como escritor de cartões de felicitações em uma empresa de Los Angeles que no dia 8 de janeiro conhece Summer Finn a nova assistente do seu chefe. Amor à primeira vista, claro! Assim começa o primeiro dia. Ele é um cara romântico que acredita no verdadeiro amor, em relacionamentos sérios e duradouros e coisa e tal. Summer é uma mulher moderna, independente e completamente alheia a estas questões afetivas e que possui uma visão bastante liberal sobre relacionamentos, sexo e amor. Aliás, ela não acredita no amor e seus casos e encontros são puramente sexuais e efêmeros. Summer possui a mentalidade da maioria dos homens você deve estar pensando. Pois é... Aqui os papéis se invertem e quem gosta de discutir a relação é ELE e não ela! Para Summer é só um caso de verão e nada mais (Será este apenas um trocadilho infame dos roteiristas?).
Entre idas e vindas o casal vai levando a vida e o relacionamento se fortalece em determinado momento para enfraquecer em outro. A cena em que retrata o dia seguinte da primeira transa deles é simplesmente hilária e vai ficar como antológica da sétima arte. Todo mundo que teve na cama a pessoa amada (e perdidamente desejada) com certeza sente-se como se estivesse a bailar pela rua indiferente a multidão. Até mesmo ver passarinho azul deve ser coisa normal em momentos de extrema felicidade. O mundo se torna mais colorido, as pessoas mais simpáticas e tudo parece que vai dar certo. O tempo passa e Tom Hansen percebe que sua namorada (seria mesmo sua namorada?) possui um comportamento despojado demais para suas pretensões sérias de levá-la ao altar. Summer não é uma garota de guardar opinião e diz na lata o que lhe vem à mente colocando seu parceiro em verdadeiras arapucas e em situações constrangedoras (para não dizer de puro sofrimento e angústia). Mas o amor é mais forte e ele tenta, desesperadamente, não perdê-la.
Outra cena antológica (com certeza será repetida em outros filmes) é a perspectiva que a pessoa que ama tem em relação à realidade dos acontecimentos que envolvem a pessoa amada. Quem ama sempre tem expectativas favoráveis ao futuro do romance o que nem sempre acontece na realidade. Na cena em questão Tom é convidado a participar de uma festa na casa de Summer e neste momento a tela se divide em duas. De um lado assistimos as “Expectativas” de Tom em relação a este reencontro e tudo o que ele gostaria que acontecesse nesta festa que seria reatar o romance e ser o centro das atenções da mulher amada. Porém, o que se vê na outra metade da tela é justamente o contrário. A “Realidade” é mais crua e dura e é impossível não sentir uma pena enorme deste homem apaixonado e uma raiva imensa desta mulher insensível. Para piorar as coisas ele descobre que ela está noiva de outro cara! Ele deve ter pensado: “como assim?” A mulher sempre argumentou contra união estável e tudo mais e de repente ela vai CASAR com outro? O coitado sai em disparada da festa e o seu mundo desaba.
Sofrer por amor é duro. Ser abandonado quando se está perdidamente apaixonado mais cruel ainda... Mas a vida continua e é preciso seguir em frente. Por não ser uma comédia romântica padrão o filme retrata apenas uma fase na vida de um cara que se apaixonou pela mulher errada que nem de longe é sua alma gêmea. Solidão, abandono e a dura realidade pela frente. Assim ele larga o trabalho de fazer cartões de amor e felicitações vazias e sem sentido (isso ele descobre depois) e vai procurar emprego como arquiteto. Outra grande ironia do roteiro. Enquanto Tom dedicava sua vida a escrever sobre amores, felicidades e confraternizações em cartões para enamorados anônimos seu destino tratava de impor-lhe outra dura realidade. De tanto escrever sobre felicidade acreditava, sinceramente, que encontraria sua alma gêmea e então também teria direito a receber seus cartões em datas festivas. Um cara que sabe escrever sobre o amor deveria saber conquistar a mulher amada. Mas não foi o que aconteceu como se viu. Quando finalmente resolve dedicar-se a projetar “sonhos reais” (liberdade poética minha) e a desenhar linhas em ferro, concreto armado e a fazer cálculos matemáticos o amor, finalmente, bate-lhe na porta. Assim é a vida! Nada melhor que um novo amor para esquecer um amor perdido.
Gostaria de abrir outro parêntese aqui (como tantos parênteses neste texto e no próprio título do filme). Ou um novo parágrafo como queiram. Enfim... Gostaria de acrescentar que ao assistir (500) Dias Com Ela tive a impressão de estar assistindo um filme de época. O figurino; os cenários; a fotografia; os gestuais dos atores, tudo me levava a crer que a história de Tom e Summer se passava na década de 60 ou 70. Claro que as cores utilizadas no filme não eram berrantes ou caleidoscópicas como naquela época. Mas o corte das roupas, a fita no cabelo da Summer; o colete inseparável de Tom; o madeiramento do escritório e os prédios sempre antigos retratados nas ruas de Los Angeles me levaram a ter esta impressão. Até o relógio que o despertava para a triste rotina era um modelo bastante antiquado (ou me pareceu no momento) e a loja onde só apareciam discos de Vinil. Levei um susto, porém quando vi a cena em que Tom e sua jovem irmã estão a se divertir em uma partida de vídeo-game em um aparelho de última geração com joystics sem fio! Pelo visto só eu tive esta impressão de “filme de época” já que não li nenhum comentário neste particular dos meus amigos que viram o filme.
Para os que estão a chorar rios de lágrimas neste momento por um amor perdido ou não correspondido esta história é bastante ilustrativa e mostra que nem tudo está perdido e que este momento de sofrimento é passageiro. No futuro irão perceber que a dor não era tanto assim e que aquele amor na realidade foi mesmo é superestimado (ou não... vai saber). Para usar um velho clichê diria que “o tempo cura todas as feridas”. Se existe uma lição de vida para ser aprendida neste filme (e sempre se aprende alguma coisa em produções com esta qualidade e honestidade) esta lição poderia ser resumida numa frase: A felicidade pode ser efêmera, mas não existe dor que dure para sempre. O clichê é meu, podem atirar as pedras!
Um Coração no Inverno é uma produção cinematográfica francesa de 1992 com direção de Claude Sautet que poderíamos chamar de uma história de amor. Ou sobre relacionamentos humanos, ou como a falta deste interfere na vida do indivíduo. Mas não se aprece a fazer conjecturas erradas ou a torcer o nariz a pensar que Claude Sautet realizou mais uma daquelas histórias água-com-açúcar para adolescentes enamorados ou para meninas suspirarem na sala escura do cinema. Até porque, com temática tão intrincada (em certo sentido, já que não estamos acostumados a esta abordagem adulta sobre o amor) seria esperar demais que este filme fosse direcionado a este público jovem. Para não ficar divagando demais sobre coisa nenhuma seria interessante apresentar os personagens principais e suas características para que possamos fazer uma análise sobre este belo filme. Sim, trata-se de um triângulo amoroso... Mas como eu disse anteriormente, não se apresse a fazer julgamentos.
Stéphane (Daniel Auteuil) é um especialista em conserto e fabricação de violinos. Dedica sua vida como luthier com afinco e paixão. É um sujeito refinado, com apurada sensibilidade musical e leva uma vida reclusa sem relacionamentos afetivos (mesmo que efêmeros). Seu círculo de amigos restringe-se ao seu sócio no ateliê, uma proprietária de uma livraria que o acompanha nos almoços executivos e com quem troca pequenas confidências sem relevâncias e seu professor de violino. Tanta dedicação ao seu ofício e desapego de afetividades humanas o leva a residir na própria oficina. Mesmo a relação com seu aluno/aprendiz são estritamente profissionais. Stéphane é o estereótipo do homem que se fecha em si mesmo sem expressar sentimentos (exceto pelo som de seus violinos). Por seu diletantismo Stéphane é quase um morto-vivo que não possui outras preocupações na vida que não seja sua arte. Um coração frio como o inverno.
Maxime (André Dussolier) é um homem refinado, ativo, bem resolvido na vida e atua como marchand na sociedade com Stéphane na oficina de violinos. Maxime é o oposto de seu sócio: Casado, com uma vida intensa e relacionamentos profundos. Permite-se, inclusive, a outras conquistas amorosas. Neste momento da história, está disposto a começar um novo relacionamento e a viver uma nova e grande paixão. Nada o detém de seguir em frente na conquista de novos clientes e mores. Poderia se disser, que ele luta pelo que deseja sem medo de sofrer as consequêrncias (muito menos de usufruir os bons momentos sem culpa). Não tem a mesma genialidade musical e artesanal de Stéphane, mas também não se sente inferior a isso. Aproveita a vida da melhor maneira possível sem receios de fracassos ou desilusões.
Camille (a belíssima Emmanuelle Béart) é uma jovem violinista que está prestes a ser reconhecida internacionalmente por seu talento musical. Livre, jovem, talentosa e bela Camile conquista admiradores por onde passa. Romântica e igualmente disposta a entregar-se de corpo e alma a uma grande paixão é o elo que une estes dois antagonistas no seu círculo. No início da trama é apresentada ao espectador como a “amante” de Maxime. Mas a troca de olhares entre ela e Stéphane dá o tom do que está por vir. Fica evidente que uma química se estabelece entre os dois. Como conciliar isso? Como lutar contra esta força que é o amor proibido? Como Stéphane vai lidar com este sentimento que a muito custo tentou evitar durante anos de um amadurecimento silencioso e recluso? Camile saberá lidar com a indiferença e a recusa? Muitas dúvidas e questionamentos que o desenrolar da trama vai esclarecer (ou não). Nada é muito explícito e o espectador é convidado a interpretar o que não é dito; a entender olhares; gestos e a ler nas entrelinhas os diálogos contidos e a falta de gestuais. Tudo com manda a cinematografia francesa.
Este é o triangulo deste romance singular. Máxime que ama Camille que se apaixona por Stéphane que não ama ninguém (ou finge que não ama... Ou não se permite amar...) Para falar a verdade, não fica claro qual o objetivo de Stéphan em fazer o jogo da conquista e depois simplesmente fazer-se de difícil e voltar-se para seu ostracismo. Com respeito à amizade de Maxime é que não foi já que diz, com todas as letras, que ele é somente seu sócio e não amigo. Provavelmente por medo da decepção, pelo desgaste da relação. Enfim... O roteiro de Claude Sautet, Jacques Fiesch e Jérôme Tonnerre dão pistas deste comportamento arredio de Stéphan durante o desenrolar da trama. Em uma passagem Stéphan e Maxime estão em um barzinho e assistem um casal discutindo a relação em altos brados numa mesa próxima. Em outra cena assiste uma briga de seu professor de violino com a esposa e fica apavorado em saber que, mesmo este casal tão enamorado em público possa ter um relacionamento tão tumultuado quando na intimidade.
Outro grande mérito desta produção é usar a trilha sonora como um personagem principal para contar esta história. Ou mais precisamente levar o espectador a “sentir” na pele o que os personagens estão sentido em determinado momento. Em algumas cenas podemos intuir o que virá a seguir só pelo tom e andamento da trilha sonora. Cada cena é pautada por uma música que demonstra o espírito dos seus personagens naquele exato momento (ou o que virá). No início, temas mais românticos e suaves para demonstrar o surgimento do amor. Depois a música espelha os ânimos de todos com a perspectiva de futuro (ou não) deste romance que não desenvolve e que fica no limbo a espera de uma decisão de seus envolvidos. Quando o amor flui (ou parece fluir) a música é alegre, vibrante e contagiante. Com o abandono a trilha sonora reflete toda a dor no dedilhar martelado do violino e as vibrações de suas cordas em total turbilhão. Toda esta amplitude de sentimentos e um único compositor: Maurice Ravel. Um gênio que soube entender a alma humana e, segundo dizem, Um Coração no Inverno a história de sua própria existência. Um filme comovente com interpretações de uma sutileza que só os franceses sabem fazer. O trio de atores consegue transmitir todas as nuances deste tumultuado relacionamento. A beleza e interpretação de Emmanuelle Béart deixam o espectador com o coração na mão diante de todos os sentimentos que seu personagem viveu neste brilhante trabalho. Direção de arte perfeita e direção de atores igualmente. Um filme para ser revisto inúmeras vezes.
Filmes que tratam do fim do mundo têm público garantido nos cinemas e, por isso mesmo, lucro garantido na caixa registradora. Como dono de locadora situada em bairro predominantemente de evangélicos já percebi que eles adoram esta temática até como justificativas para a sua fé inabalável e como forma de argumentação para atrair mais fiéis a sua religião. Tenho vários clientes crentes que adoram dizer que o fim está próximo e que é preciso converter-se e aceitar a palavra de Deus para poder salvar-se do fogo eterno e tudo mais. Quem não é crente (evangélico) está perdido já que os “sinais” do fim do mundo são evidentes e reveladores. Sendo assim, a grande mensagem que deixam pelo caminho é: “Pegue sua Bíblia e converta-se o quanto antes, pois o fim está próximo”! Ao assistir o filme O Livro de Eli com direção de Albert Hughes e Allen Hughes foi impossível não fazer um paralelo com toda esta argumentação religiosa. No caso do filme a bíblia seria o futuro da humanidade visto que a hecatombe já ocorrera. Uma contradição visto que, pelo roteiro de Gary Whitta, foi justamente a guerra santa a responsável pela destruição do planeta. Claro que no filme ficou bem explícito que o uso do tal livro sagrado por parte de Carnegie (Gary Oldman) seria somente uma questão de poder e dominação e não uma questão de fé. Eli (Denzel Washington) sim tem uma fé inabalável e tudo faz para que a palavra de fé e esperança contida no livro possa servir de salvação e redenção da raça humana.
Todavia, existem algumas contradições no decorrer do filme que não prejudicam muito o espectador que só deseja assistir a um filme “catástrofe” com cenários em ruínas, cores sombrias e algumas cenas de ação para temperar tudo e não deixar o público indiferente. Para citar algumas contradições: 1) A causa da guerra foi a religião (guerra santa) razão pela qual todas as bíblias (ou livros santos) foram queimados. Como se explica então que é justamente a bíblia a salvadora da humanidade? Não iríamos cair na mesma armadilha e fazer exatamente as mesmas coisas e perpetuar a guerra para todo o sempre? 2) A terra foi devastada e a população sobrevive sem lei, ordem ou um poder controlador (presidente, governador, etc...). Quem determinou a destruição dos livros após a guerra se o mundo está em caos e sem autoridade? 3) Sendo a bíblia um dos livros mais vendidos de todos os tempos como se explicaria que só existisse apenas o “Livro de Eli” que ainda por cima é mais raro já que está escrito em braile? Claro está que, se houvesse sobrevivido um livro, não seria em braile já que a proporção de livros escrito desta forma é muito menor que o livro impresso de forma normal. 5) Se o futuro da humanidade depende da fé para reerguer-se porque a salvação veria justamente através da fé cristã que, no filme foi a responsável pela destruição e sofrimento? Seria mais lógico que os sobreviventes buscassem outras formas de apoio espiritual e religioso e assim encontrar ânimo e fé de um futuro promissor sem cometer os mesmos erros e seguir uma fé que fora responsável pelo apocalipse.
Apesar das contradições a metáfora sobre o livro em braile é interessante. Quantas pessoas hoje em dia possuem “conhecimento” sobre a bíblia e não fazem a leitura correta de seus ensinamentos. Os líderes da Igreja e Templos que fazem a “interpretação” da Bíblia ao seu bel prazer em interesses meramente pessoais e gananciosos esquecendo-se de transmitir o conhecimento da verdadeira fé e de uma vida realmente cristã ou evangélica. A igreja e outras religiões que fazem da Bíblia apenas um instrumento de poder, submissão do povo e, principalmente, usam este livro sagrado somente com o intuito de arrecadar fundos para seus templos e interesses escusos sem preocupar-se com as carências materiais e espirituais de seus discípulos. Quando Carnegie finalmente está de posse do livro não consegue lê-lo porque não possui a capacidade de interpretá-lo como muitas pessoas hoje em dia. Possuem o livro na estante, mas não o lêem como deve e não praticam suas palavras cotidianamente. Escondem-se atrás da Bíblia para estarem de bem com suas consciências, mas esquecem de praticá-la corretamente. Até mesmo Eli, que ao proteger seu livro, praticou inúmeras ações consideradas falhas espiritualmente falando, esquecendo-se de que o importante é a ação de bondade para com os semelhantes e tudo mais. Quando reconheceu isto, deixou seu livro para seguir a palavra em atos concretos. Ao ser perguntado por que deixou seu livro para trás responde que o importante não é as letras impressas que o livro contém, mas as ações que ele ensina e que devemos praticá-la para sermos pessoas de fé e verdadeiramente cristãs. Sua jornada para que o tal livro fosse impresso novamente deixando de ser uma mensagem “cifrada” (linguagem em braile para uma minoria em uma metáfora de poucos conhecedores da palavra sagrada) para uma literatura para a grande maioria onde o que importa é a ação humana da bondade, do perdão e da fé. A grande mensagem que eu captei do filme (se mensagem alguma ele transmitiu) foi de que só através do conhecimento poderemos ser livres e donos do nosso destino. Através do conhecimento individual de cada um é que será possível não sermos subjugados, escravizados e explorados por aqueles que se dizem os donos da verdade. Ler é importante. Ter o conhecimento mais importante ainda. Mas acima de tudo, é preciso praticá-lo dia-a-dia. Caso contrário, será um livro em “braile” e por esta razão seremos passiveis de sermos manipulado e escravizado por “cegos” da verdade e da fé.
A Cegueira de Eli No filme O Livro de Eli uma das muitas leituras que se pode fazer desta obra diz respeito ao personagem que da título ao filme no que diz respeito a sua cegueira. Com relação a ser o personagem ser cego ou não, se pode argumentar sob inúmeras perspectivas e entendê-lo igualmente de várias formas. Talvez este fato seja a chave para entender melhor o personagem e as suas motivações para empreender aquela jornada de dimensões que ele próprio desconhecia e pela qual lutou com coragem e determinação. Com relação à cegueira de Eli ainda estou em dúvida se ele sempre fora cego desde o início do filme. Mas acredito que enquanto ele portava “O Livro” não era cego já que possuía a prova física (a Bíblia) da existência da palavra de Deus e seus ensinamentos. Tinha, portanto, um livro para orientá-lo na sua missão e palavras de esperanças no futuro. No momento que se afastou do livro sagrado para salvar um ser humano (ato cristão de bondade) entendeu finalmente os ensinamentos que tanto lera e interpretara e neste momento de decisão, foi a FÉ a resposta de seu ato. Somente a FÉ estava com ele e se manifestou de forma inequívoca neste momento, razão pela qual a "visão" física das coisas já não interessava mais. Ele possuía a FÉ inabalável na crença de Deus, portanto a Bíblia escrita por humanos já não tinha importância alguma. Afinal, ele salvou uma vida em nome da fé e isto o redimiu e o permitiu "enxergar" e acreditar, além da nossa capacidade física, na existência de Deus e de seu amor por nós. Assim, sua fé o redimiu dos seus atos e a compreensão dos ensinamentos da bíblia colocados em prática o tornou um ser humano mais cristão e, por isso mesmo, mais perto da palavra de Deus. A bíblia que fez questão de ditá-la para que ela fosse novamente impressa é uma prova de que ele estava disposto a provar que é possível ler a bíblia com os “olhos” da alma e torná-la um instrumento, muito mais que um livro decorativo empoeirado em estantes, um guia espiritual para a humanidade.
A programação da televisão no Brasil é uma temeridade. No sábado e domingo então é uma baixaria só, além daqueles programas de auditórios copiados do tempo em que eu era adolescente (e já faz tempo isso!) cansa qualquer um que tenha mais de dois neurônios. Não adianta procurar outro canal porque a programação é a mesma em todos eles. Sinceramente não sei como alguém consegue assistir televisão hoje em dia. Dificilmente se encontra algo que realmente comova ou faça o espectador pensar um pouco. Até não seria exigir muito que os responsáveis pela produção (e consequentemente dos programadores) dos canais de TV tivessem um pouco mais de criatividade e nos brindasse com algo mais construtivo ou um entretenimento de melhor qualidade. Mas enfim, não era sobre a programação televisiva que eu gostaria de escrever. Zapeando os canais televisivos de ontem à noite (sábado) sem qualquer perspectiva de encontrar algo que prestasse, sabendo de antemão que, ou assistiria o que estivesse passando na TVE (Canal 7 de Porto Alegre) ou desligaria o aparelho. Para minha sorte estava começando naquele exato momento o filme A Ostra e o Vento, com direção e roteiro de Walter Lima Jr. De imediato o filme captou minha atenção pelas belas imagens naturais de uma ilha e seu farol no topo da montanha. Resolvi então acompanhar a história já que a solidão de qualquer farol (e a vida da pessoa que nele vive) me fascina.
José (Lima Duarte) é o responsável pela manutenção do farol e pai de Marcela (Leandra Leal) únicos habitantes do local. Suas vidas resumem-se em rotinas simples de manter em funcionamento o tal farol no topo da montanha. Marcela (apesar de seus poucos anos) cuida da alimentação, limpeza e outros pequenos afazeres domésticos enquanto seu pai fica responsável em fazer com que o farol ilumine a perigosa costa e assim evitar acidentes das embarcações que navegam nas imediações da ilha. Uma vida pacata e muito tranquila. É o que se supõe ao imaginarmos uma vida num lugar assim. Mas a solidão cobra um preço muito alto e José, com seu amor possessivo e autoritário, torna a vida da menina Marcela uma prisão ao não permitir que ela tenha contato com o continente ou com outros homens.
No início do filme quatro marinheiros chegam à ilha para abastecê-la de suprimentos e a encontram deserta. O farol está quebrado e sujo de sangue. Ao percorrerem o local Daniel (Fernando Torres) encontra o diário da menina abandonado na praia. De imediato somos apresentados ao primeiro enigma do enredo: O que teria acontecido com José e Marcela? Com o desenrolar da trama outros enigmas vão surgindo e o espectador é convidado a raciocinar para descobrir a identidade e o paradeiro da mãe de Marcela. Onde ela está? Quem é Roberto e Saul? O interessante é que o filme não é linear e a narrativa utiliza-se de flashbacks para fazer com que o espectador fique sempre atento à história e assim poder solucionar os enigmas que estão espalhados pela ilha. Passado, presente e futuro se misturam a todo o momento e o mais interessante é a criatividade do roteiro em fazer os personagens contracenarem entre um tempo e outro na mesma cena. Marcela criança ainda contracena com ela própria aos 13... 14 anos e José, em certos momentos, está “dialogando” com ele próprio no passado/presente/futuro. Este truque inteligente é utilizado também com os quatro marinheiros que chegam à ilha para abastecê-la com suprimentos e a encontram deserta no início do filme. Para desvendar este mistério, o espectador é convidado a acompanhar o desenrolar desta investigação e descobrir a razão dos acontecimentos passados na ilha.
Leandra Leal, em seu primeiro trabalho como atriz, dá um show de interpretação ao mostrar-nos uma jovem na flor da idade e descobrindo a sua sexualidade numa solidão sufocante e angustiante. Por não ter com quem compartilhar suas descobertas e amigos da sua idade a quem conversar encontra no vento uma companhia inusitada, mas constante. Daniel é a única pessoa que parece entendê-la e, nas poucas vezes em que se encontra na ilha, passa a ensiná-la e a fazer a ponte de ligação com o continente. Igualmente Pepe (Castrinho) outro marinheiro também é seu amigo e sempre lhe traz presentes. Mas estas amizades com os “adultos” não são suficientes para aplacar suas dúvidas e muito menos para satisfazer seus desejos de menina/moça que está sentindo aflorar a sexualidade.
O filme prende a atenção do espectador na medida em que o coloca como um investigador dos acontecimentos e a atenção devem ser constantes já que tudo ocorre na forma dos flashbacks onde passado, presente e futuro se misturam. Interpretações soberbas de Lima Duarte, Fernando Torres e Leandra Leal fazem de A Ostra e o Vento um grande filme. Além é claro da cenografia eficiente e verdadeira (quase minimalista), da fotografia magnífica e a trilha sonora na medida certa a emoldurar o silêncio e a solidão da ilha. O tempo aqui é outro e este vagar sem diálogos em cenas por vezes poéticas é emocionante.
Escrito e dirigido por Giuseppe Tornatore o filme Baarìa – A Porta do Vento acompanha quatro décadas de história de Baarìa uma pequena localidade siciliana em que os moradores do local se referem, em dialeto, a cidade de Bagheria. Para quem não viu o mais novo trabalho de Tornatore um aviso: Não tente entender os personagens que aparecem no decorrer da narrativa porque eles entram e saem de cena em uma velocidade espantosa. Aliás, o filme é um grande painel histórico, político e social desta cidade siciliana e, como tal, relega a segundo plano as histórias pessoais de seus moradores. Inúmeros personagens surgem a todo o momento e suas motivações, complexidades psicológicas, emocionais e tudo mais vão se perdendo ao longo de quase três horas de duração do filme. Fica difícil, em certos momentos, saber quem é quem e as razões de serem retratados nesta ou naquela cena. O espectador fica com a impressão de estar assistindo a uma retrospectiva histórica de um povo e seu país em que os acontecimentos ali retratados ele, o espectador, não possui familiaridade ou não a conhece de todo. Para entender Baarìa - A Porta do Vento na sua complexidade, seria necessário ter um pouco de conhecimento prévio da história da Itália e de seu povo. Só assim, com conhecimento de causa, é que é possível assimilar e apreciar, como se deve, os acontecimentos ocorridos em mais de 40 anos nesta pequena localidade da Sicilia.
Com certeza este filme é uma daquelas produções em que é preciso rever e rever várias vezes para se poder entender e, principalmente, apreciar toda a grandiosidade da obra. Cada vez que o espectador assistir a Baarìa – A Porta do Vento vai maravilhar-se com esta ou aquela cena, esta ou aquela passagem que passou despercebida e emocionar-se com este ou aquele momento retratado em tela. Não pense que estou só a fazer uma crítica ao trabalho de Tornatore. Longe disso! Só gostaria que o leitor deste texto tivesse um pouco mais de paciência com o roteiro e a visão do diretor e se deixasse levar pela beleza plástica das cenas (e são muitas cenas...); apreciasse igualmente o incrível trabalho de reconstituição de época; maravilhar-se com os figurinos e cenários feitos com maestria e é claro emocionar-se, às lágrimas, com trilha sonora composta por Ennio Morricone. Um pequeno adendo: A música de Ennio Morricone faz toda a diferença e não se lembrar de Era “Uma Vez na América” de Sérgio Leone foi impossível já que Morricone também foi o responsável pela trilha sonora deste filme. Ficar indiferente a toda aquele gestual característico do povo italiano e ao seu belo idioma igualmente impossível o que torna esta obra imperdível. Sendo assim, deixe-se levar pelas belas imagens, pela estupenda trilha sonora e depois reveja o filme uma segunda vez para poder entendê-lo melhor no que diz respeito as suas motivações e a história que realmente Tornatore queria contar.
Para não ficar divagando muito devo dizer que foi possível acompanhar a história de Peppino Torrenuova (Francesco Scianna) desde sua infância como um menino problemático nos anos 30 que percorria as ruas de sua cidade a puxar uma vaca e a vender seu leite de porta em porta e sua dura experiência de guerra nos anos 40 sob o fascismo. Foi possível também assistir seu romance proibido com a bela Mannina (Margareth Made) e suas artimanhas para finalmente conquistar e casar com a mulher amada. Juntos passam por privações, sofrimentos e alegrias... Finalmente chegar à maturidade, à vida política e os anos de sucesso na militância no Partido Comunista Italiano e a criação dos seus três filhos. As passagens de tempo não são lineares e acontecem durante todo o filme, indo e voltando na história dos Torrenuova o que dificulta acompanhar as trajetórias dos inúmeros personagens que surgem a todo o momento e a entender algumas passagens históricas da Itália e seu povo. Todavia, é possível focar a atenção na família de Peppino e Mannina e assim não ficar muito perdido na trama. Acompanhar o desenvolvimento da cidade de Baarìa de cidade tipicamente agrícola em uma grande metrópole com seu caos no trânsito foi interessante. Bem como ver o surgimento dos partidos fascistas, socialistas e comunistas (em qual ordem se deram não me pergunte...) e toda a questão política italiana e a influência da máfia nos destinos daquela gente também foi possível acompanhar apesar de toda a caótica edição. Enfim é um filme imperdível para quem gosta de filmes com fundo histórico e social emoldurado numa bela trilha sonora e imagens impactantes. Se você não entender muita coisa desta colcha de retalhos que é o enredo não se preocupe. Até porque, Giuseppe Tornatore não facilitou muito a vida de quem não conhece a história do povo italiano. Se você entender melhor esta história me escreva porque ainda preciso rever muitas vezes Baarìa – A Porta do Vento para entendê-lo completamente. Uma coisa é certa: As imagens (em turbilhão) e a trilha sonora são belíssimas e valem o valor da locação.
Azul é a Cor Mais Quente
3.7 4,3K Assista Agora[spolier] Depois de assistir ao filme “Azul é a Cor Mais Quente”, dirigido por
Abdellatif Kechiche e brilhantemente interpretado por Adèle Exarchopoulos e Léa Seydoux posso dizer, sem medo de errar, que esta produção vai entrar na minha lista dos dez mais deste ano.
Raramente vi um filme retratar o amor de forma tão intensa e verdadeira. O amor e o desejo, diga-se. E não são só as questões do coração (e do desejo) que Abdellatif mostra nesta produção. É possível, pela narrativa, ter uma visão mais ampla do ser humano: Seus medos, angústias, desejos, perdas e ganhos. Um painel humano muito mais amplo do que simplesmente uma relação amorosa entre duas pessoas.
Antes de continuar a ler o texto abaixo, aviso que sou campeão em spolier. Assim, se você ainda não viu o filme, melhor parar por aqui. Depois até gostaria de saber sua opinião sobre este belo filme.
Um recurso bastante utilizado na narrativa, é dar ao espectador pistas das situações em que Adèle vai enfrentar ao longo da narrativa. Em sala de aula, o texto que estão estudando trata justamente da questão do amor, atração e a possibilidade, ou não, do “amor à primeira vista”. Na cena seguinte assistimos exatamente este acontecimento quando Adèle cruza, pela primeira vez, com Emma. Até mesmo a tentativa que ela faz em se envolver com um colega de sala de aula sabemos que seu destino já está traçado com a mulher de cabelo azul. Adèle também já sabe disso.
Toda mudança de situações de vida dos personagens, é precedido de cenas que vão dar ao espectador a chance de entender o que virá e as escolhas que as amantes terão que enfrentar e o que lhes reservam o destino. O diálogo das personagens sobre a obra de Sartre e sua teoria filosófica do existencialismo precede outra mudança ou entendimento das emoções que estão passando no momento. Até mesmo a festa em que Emma realiza para apresentar seus amigos a amente, o recurso é utilizado com o filme que passa ao fundo. Ambas as cenas (o filme que os convidados assistem e o desenrolar do “nosso” filme) são pontuados das mesmas situações. Brilhante!
Não pense que este recurso é enfadonho ou de menosprezo pela inteligência do espectador. Longe disso. Toda vez que isso acontecia, eu ficava mais curioso ainda em saber como os personagens iriam reagir em suas vidas e nas suas escolhas a partir destes preâmbulos textuais, visuais ou mesmo através de eróticos sonhos. Sim, Adèle sonha sua primeira noite de amor com a mulher de cabelo azul antes mesmo da primeira transa real.
Como já citei acima, o filme retrata outras situações humanas e não fica só nesta questão de desejos sexuais. Esta produção é mais impactante justamente por isso. Relação homem/mulher, divisão de classe social, compatibilidade (ou incompatibilidade de convivência, relações familiares, amor e claro, homossexualismo.
Um dos aspectos interessantes tratado no filme, foi mostrar a incompatibilidade de uma relação duradoura com pessoas com interesses tão antagônicos. Adèle quer ser uma professora primária e seus interesses se resumem a este mundo. Apesar de ser uma voraz leitora, não entende muito o que lê. No relacionamento de ambas, seria aquela responsável pelas lidas domésticas (ela que faz o jantar, cuida da casa enquanto Emma fica na cama lendo jornal). Por outro lado, Emma é artista plástica, possui um amplo círculo de amigos intelectuais e adora uma discussão intelectual sobre filosofia, arte e o mundo que a rodeia. Temos aqui, uma relação que tem tudo para não dar certo. Para mudar esta situação, Emma tenta, de todas as formas, incutir na amada o desejo que ela abra seus horizontes e a acompanhe neste universo e se torne uma companheira para todas as ocasiões. Na cena em que Emma, desesperadamente tenta encontrar uma forma de salvar a relação, pede que Adèle se torne uma escritora já que ela gosta de ler e escreve alguns poemas que esconde em seu diário.
Assim, começam a surgir rachaduras na relação, Incompatibilidades que o desejo sexual não consegue suprir. Até mesmo o segredo que faz perante seus colegas de escola da relação que possui torna a situação mais complicada ainda. Não tem como ela se aceitar se ela não aceita que os outros saibam da sua relação. Não tem como dar certo se ela, a todo momento, procura outra relação heterossexual para encontrar respostas para suas dúvidas e desejos. Esta ambiguidade de desejo, vai minando mais e mais esta relação.
Azul é a cor mais quente, não é, como poderia se supor, um filme sobre homossexualismo. Não só isso, pelo menos. E quando trata do tema, o faz com sinceridade, respeito e sem os clichês e estereótipos comuns de produções que se dedicam ao tema. A história da relação amorosa das protagonistas, é a história de qualquer casal, sejam eles formados por homem e mulher ou pessoas do mesmo sexo. A questão tratada aqui é relação de pessoas que se amam. Desejos e conflitos existenciais comuns a todos os casais heterossexuais ou homossexuais.
As cenas de sexo são de deixar qualquer um com o coração acelerado! Cenas de uma plasticidade incrível e sem pudores. Belíssimos momentos e fortes emoções. A beleza das atrizes e seus corpos bem torneados ajudam, e muito, a deixar o espectador excitadíssimo e atento a cada gesto e gemidos em cena. Prepare-se!
Brilhante atuação de Adèle Exarchopoulos (Adèle) e Léa Seydoux (Emma) que conferiram veracidade aos seus personagens. Parabéns a jovens atrizes pela coragem das cenas calientes e de se entregarem de corpo e alma a esta história de amor. Salva de palmas para a produção que soube contar esta história de forma digna, sem concessões e sem os estereótipos e clichês. [/spolier]
Gloria
3.8 138 Assista AgoraRealmente não existem coincidências nesta vida! Depois de assistir ao belo “Azul é a Cor Mais Quente” resolvi assistir ao filme Glória, dirigido por Sebastián Lelio. O primeiro fala dos relacionamento amorosos da juventude e o segundo do amor na terceira idade. Ambos, possuem cenas de nudez e sexo sem ofender a dignidade do espectador ou pela gratuidade do nu como forma apelativa para criar polêmica na mídia e escandalizar moralistas de plantão. Os dois filmes são verossímeis em suas histórias e sinceros nos seus respectivos roteiros e diálogos.
A personagem que dá título ao filme, é uma mulher cinquentona que, divorciada há mais de dez anos, classe média alta, bom emprego, filhos crescidos e independentes e, para divertir-se, frequenta salões de bailes da terceira idade. Se define como uma mulher que “Ás vezes fica triste pela manhã, às vezes, à tarde”. Ou seja, é uma mulher que tenta sobreviver e encarar de frente todos os desafios.
Nestes bailes, flerta com um e outro, relaciona-se sexualmente quando lhe dá prazer e vai levando a vida cantando as músicas que escuta pelo rádio e bailando pelas noites chilenas. Aparentemente, é uma mulher resolvida que criou os filhos de forma a torna-los independentes para que eles não peguem no seu pé. Claro que ela ama os filhos e se preocupa com eles. Não os abandonou de todo e os acompanha e os orienta quando necessário.
Ao conhecer Rodolfo (Sérgio Hernández) também divorciado, Glória sente que pode surgir ali um relacionamento mais duradouro e se permite vivenciar novamente esta paixão e esta união. Lá pelas tantas, o amado declama um poema que lhe dá a certeza que encontrou novamente um companheiro apaixonado e que podem ser felizes juntos. Quem não acreditaria nisso, ao ouvir, do amado a declamação do seguinte poema:
“Eu gostaria de ser um ninho,
se você fosse um passarinho”.
“Eu gostaria de ser
um lenço se você”
“fosse um pescoço
e estivesse com frio”.
“Se você fosse música,
eu seria uma orelha”.
“Se você fosse água,
eu seria um copo”.
“Se você fosse a luz,
eu seria um olho”.
“Se você fosse um pé,
eu seria uma meia”.
“Se você fosse o mar,
eu seria uma praia”.
“E se você ainda fosse o mar,
eu seria um peixe,”
“e nadaria em você”.
“E se você fosse o mar,
eu seria sal”.
“E se eu fosse sal,
você seria alface,”
“um abacate ou, pelo menos,
um ovo frito”.
“E se você fosse um ovo frito,”
“eu seria um pedaço de pão”.
“E se eu fosse um pedaço de pão,
você seria manteiga ou geleia”.
“Se você fosse geleia,
eu seria o pêssego na geleia”.
“Se eu fosse um pêssego,
você seria uma árvore”.
“E se você fosse uma árvore,
eu seria sua seiva”
“e correria em seus braços
como sangue”.
“E se eu fosse sangue,”
“viveria em seu coração”.
Emocionada Glória derrama-se em lágrimas e resolve assumir de vez o relacionamento. Sente, todavia, que Rodolfo esconde este relacionamento de sua família. Ela por sua vez, faz questão de apresentar o companheiro para os filhos. Ela mostra assim, que não é uma mulher de brincadeira e tem coragem de fazer seu próprio destino. Mesmo que tenha falhado no casamento anteriormente. Infelizmente não é o que acontece com Rodolfo. Divorciado há um ano, não conseguiu ainda se desvincular da família e sustenta a mulher e as filhas. Aliás, são extremamente dependentes dele. Ligam nas horas mais impróprias interferindo assim neste novo relacionamento.
Esta dependência da família do amado vai minando, pouco a pouco, a convivência do novo casal e, por não conseguir separar-se da antiga família, Rodolfo vai perdendo a nova companheira. Glória sabe que precisa dar um ultimato e, muito esperta sugere que eles passem dez dias isolados do mundo numa espécie de lua de mel. Claro que ele não consegue encarar esta realidade e foge, covardemente, de seu destino ao lado de Glória.
Um belo filme sobre relacionamentos maduros e a coragem de uma mulher que enfrenta seus desafios de cabeça em pé e não tem medo de encarar novos relacionamentos. Claro que não aceita parceiros covardes ou que não queiram assumir, verdadeiramente, esta nova realidade. Uma mulher de fibra das muitas que existem a nossa volta.
A muito não via um filme tão verdadeiro nesta questão da maturidade feminina e das suas conquistas. Glória é uma mulher com seus defeitos e qualidades, suas tristezas e alegrias e que está disposta a não ficar na janela a ver o tempo passar e ao cair, levanta a poeira e segue em frente. Bravo!
A interpretação de Paulina García na pele de Glória é emocionante. Convence em cena e, como a própria personagem, não tem pudores de aparecer em nu frontal em várias cenas. Por este trabalho, foi premiada no Festival de Berlin em 2013. Impressionante também a interpretação de Sérgio Hernández na figura do atormentado Rodolfo.
Só a título de observação: Muito legal ouvir “águas de março” de Tom Jobim, interpretado pelos atores no filme!
Como se vê, é complicado mesmo os relacionamentos humanos. Sejam eles jovens ou maduros. Viver com outra pessoa requer, muito mais que amor. Requer afinidades, companheirismo e atitude. Ambos os filmes tratam desta questão e prova que nós, seres humanos, somos realmente muito complexos.
O Escafandro e a Borboleta
4.2 1,2KEste jogo de palavras – Escafandro (limitado, preso) e Borboleta (ilimitado, livre) é um truque genial de levar o espectador do filme “O Escafandro e a Borboleta” a pensar que em algum momento haverá uma verdadeira transformação dos personagens (ou do personagem real Jean-Dominique Bauby como se verá depois...). Por isso mesmo, o título do filme é um verdadeiro achado e uma sacada genial. Você não fica com vontade de assistir a este filme só em ler o título e imaginar o que ele sugere? Pois é... Eu também fiquei curioso e confesso que superou, em muito, minhas expectativas.
Caso você tenha lido a sinopse do filme e soube que a trama vai retratar o cotidiano de uma pessoa que tem uma vida vegetativa e que portanto haverá lágrimas, pieguice e todos aqueles clichês de superação e tudo mais, esqueça! Sim, talvez você chore em alguns momentos. Você verá igualmente força de vontade, superação, etc... etc... mas de uma forma sincera e muito longe dos clichês e do sentimentalismo barato. Devo dizer que não é um filme convencional do gênero “força de vontade” e menos ainda fácil de assistir e assimilar (não no início da projeção pelo menos). O Roteiro não facilita a vida do espectador e nem quer levá-lo às lágrimas e a sentir pena de Bauby sem antes mostrar, de forma mais explícita possível, como é a vida de um ser que vive de forma tão limitada. Poderia dizer uma vida vegetativa...
No decorrer do filme percebe-se que esta é uma falsa ilusão e o termo vida vegetativa não se aplica a Jean-Dominique Bauby que lá pelo meio do filme chega à seguinte conclusão e transmite este raciocínio em off para o espectador: “Tem duas coisas que eu não perdi: o movimento do olho esquerdo e a memória”. Sabemos todos que quem tem memória, possui imaginação e pode libertar-se de seu corpo físico e “viajar” (mesmo no leito de uma cama ou numa cadeira de rodas) para lugares distantes e inusitados. As possibilidades são muitas. Escafandro ou borboleta... A escolha é sua. Neste caso, a escolha foi de Bauby.
Genial a opção do diretor Julian Schnabel de colocar o espectador na pele de Bauby. Na primeira parte do filme (como a viver num escafandro – limitado) somos “convidados” a ter as mesmas limitações do personagem. Literalmente assistimos a tudo pelo olho esquerdo de Jean-Dominique com imagens fora de foco, distorcidas, opacas e em enquadramentos completamente fora do normal do que se espera do cinema que, como se sabe, é uma arte essencialmente visual. Assim, quem assiste ao filme tem a mesma perspectiva do olhar e de sofrimento do personagem. Mas o espectador tem uma vantagem em relação aos outros personagens visto que o “diálogo” em off nos permite saber exatamente o que ele está pensando e o que está querendo transmitir para as pessoas que o rodeiam e não conseguem saber o que ele quer. Assim, em boa parte do filme, a nossa perspectiva é a mesma do personagem. E as limitações idem. Só lá pela metade do filme é que a câmera se afasta e agora temos a visão do corpo de Bauby e, a primeira visão é um reflexo distorcido quando ele é levado pelos corredores do hospital. Quando ele se vê refletido nós também temos a mesma visão e percebemos então toda a dificuldade e vislumbramos um futuro que pode ser na limitação do escafandro. Aqui Bauby sente que precisa agir de uma forma a fazer a diferença e não se entregar ao seu trágico destino e a ter a liberdade da borboleta.
A ironia mais cruel de tudo isso é que esta é a história real do editor da revista Elle a maior revista de moda do mundo. Um sujeito que ditava moda, comportamento e valorizava muito a estética e o corpo. Após sofrer um derrame cerebral e passar vários dias em coma, Bauby consegue movimentar o olho e a pálpebra esquerda e é assim, através de um sistema de comunicação criada por sua fonoaudióloga, que ele dita suas memórias. Piscar uma vez para sim e duas vezes para não quando precisa fazer algumas escolhas e responder a perguntas simples e diretas. E um trabalho estafante de sua assistente em ter que soletrar o alfabeto até que ele pisque uma vez para a primeira letra de uma palavra e assim sucessivamente até formar frases e ideias. Um livro escrito, literalmente, entre piscadelas. Seria cômico não fosse trágico. O filme tem lá seus momentos engraçados já que o personagem não perdeu seu bom humor e compartilha com o espectador seu lado humorístico apesar da situação em que se encontra.
Um filme que nos faz refletir sobre a vida e as nossas escolhas. Um roteiro que abriu mão dos clichês e soube, de forma competente e sincera, contar um drama muito pessoal e por isso mesmo, universal. Muitas pessoas vivem em seus escafandros por comodismos a chorar pelo trágico destino. Outras preferem viver como as borboletas apesar de se encontrarem nas mesmas condições. Escafandro ou borboleta, qual seria sua escolha?
Flores do Oriente
4.2 774 Assista AgoraEm momentos cruciais da vida somos levados a ações e comportamentos diferentes das nossas ações cotidianas. Conceitos e “preconceitos” sobre pessoas, seus estilos e filosofias de vida são questões e visões que se confundem e podem, em determinado momento, modificar nossa própria concepção do que é certo e errado e levam-nos a modificar e aceitar as diferenças de cada um. Na guerra esta “percepção” do outro e a sua aceitação é mais contundente e visceral ainda. Vários filmes já trataram deste tema. Uma pessoa insignificante, egoísta e mesquinha transforma-se em herói ao enfrentar um inimigo muito superior em força e brutalidade. Por outro lado, heróis tornam-se covardes na mesma situação. A velha questão de que só em situações limites o ser humano mostra sua real personalidade e caráter. Na hora do perigo é que o ser humano mostra-se inteiro e descobre sua verdadeira força e descobre igualmente sua capacidade de fazer a diferença e mudar o seu próprio destino e o destino de outros. Ou não, claro! Esta é a grande questão retratada no filme Flores da Guerra (The Flowers of War), brilhantemente dirigido por Zhang Yimou.
A 2º Guerra sino-japonesa de 1937, também conhecida como “O Massacre de Nanquim (Nanjin) é o pano de fundo desta trama muito bem elaborada. Direção de arte perfeita, figurinos na medida certa e interpretações acima da média (em se tratando de atores novatos). A participação de Christian Bale serve mais como “isca” para atrair o público ocidental, mas não compromete o trabalho como um todo. O filme tem ótimas cenas de guerra com uma câmera nervosa e efeitos especiais de primeira qualidade. Muito sangue, escombros, mutilações e uma fotografia de primeiríssima qualidade tornam o filme “Flores da Guerra” em um grande espetáculo e leva o espectador a sentir na própria pele as sensações de extremo perigo dos personagens retratados na tela. Destaque especial para Huang Tianyuan como o garoto George que rouba as cenas em que aparece.
John Haufmann (Christian Bale) é um agente funerário que chega a Nanquim para preparar o enterro do padre da paróquia justamente no momento em que a cidade está sob o domínio dos japoneses. Na igreja, John percebe que é o único adulto entre 13 meninas estudantes de um convento “protegidas” pelo garoto George, órfão que fora adotado pelo padre e que também residia no convento. Para fugir da brutalidade dos invasores e dos estupros praticados pelos soldados, 12 prostitutas de um bordel próximo procuram refúgio na igreja. Uma situação insólita: garotas do convento convivendo com prostitutas, um coveiro estrangeiro e um garoto órfão. Como administrar esta turma e como resolver conflitos e, acima de tudo, sobreviver a esta tragédia será uma árdua tarefa para o “padre” John.
A princípio, Haufman quer tirar vantagem das prostitutas e dinheiro para dar o fora da cidade. Pensa na sua própria segurança e não vê como poderia salvar as 12 meninas e as 13 prostitutas. Como levá-las para fora do conflito sem cair em uma cilada e colocar em perigo todas elas? Na convivência entre dois grupos tão antagônicos as personalidades vão se fundindo e o perigo as torna todas iguais. Medo, angústia e sofrimento levam o grupo a perceber que só com a união de todas será possível a salvação.
Com a invasão da igreja por um oficial japonês (que deseja que as meninas façam um concerto coral para os oficiais) a situação torna-se cada vez mais difícil já que é de conhecimento de todos que o tal “concerto” nada mais é que uma grande festa para os japoneses estuprarem as meninas do convento. Prontas ao suicídio por não aceitarem participar do tal concerto uma situação limite se estabelece entre as 13 meninas e as 12 prostitutas. Como evitar tal “concerto”? Uma situação realmente bastante difícil onde o heroísmo, o amor ao próximo e a valentia serão colocados à prova.
Um filme que vale a pena assistir e refletir sobre a nossa capacidade de enfrentar situações limites. Como reagiríamos em uma situação semelhante? Seríamos o herói ou o covarde numa guerra? Nada é o que parece e preconceitos vão à lona nesta história muito bem contada. Flores da Guerra é uma produção que se pode refletir sobre vários aspectos e em diversas perspectivas. Para quem curte um bom filme de guerra vai encontrar muitas explosões, tiros e sangue... Para quem procura uma boa história humana e seus conflitos terá uma boa lição de coragem, desprendimento e amor ao próximo. Palmas para Zhang Yimou que soube contar sua história de forma convincente, visceral e comovente.
Um Conto Chinês
4.0 852 Assista AgoraImagine uma vaca caindo do céu e destruindo o seu barco no exato momento em que você está prestes a pedir a mão da sua amada em casamento. Pois é... Coisas estranhas acontecem sem qualquer explicação lógica. Pois foi exatamente o que aconteceu com Jun (Ignacio Huang) na China. Mas esta é só a primeira cena de um filme encantador, trágico e, porque não dizer, muito engraçado chamado Um Conto Chinês, uma produção Argentina/Espanha com direção de Sebastián Borensztein. Não tem como não rir das situações hilárias que Jun vai passar quando for procurar seu tio no outro lado do mundo. Mas ele ainda não sabe nada disso... O espectador presente que esta história ainda vai render outras tantas confusões (não, não sou o redator que faz as chamadas da Sessão da Tarde da Rede Globo) quando na cena seguinte a esta tragédia, a cena começa de cabeça para baixo e vai, aos poucos, invertendo sua posição à posição normal da câmera e focaliza a entrada de uma pacata ferragem na Argentina.
Roberto (Ricardo Darin) é um pacato, metódico, mal-humorado e solitário dono de uma ferragem que, nem em um milhão de anos, imaginaria que sua vida vai dar uma volta de 360 graus. Aliás, não foi à toa que uma vaca que caiu do céu na China teria conseqüências na sua vida em particular na distante Argentina. Para quem colecionava tragédias e histórias pitorescas de vários jornais, Roberto deveria prever que algum dia ele também seria personagem de algo insólito e inexplicável. Mas ele ainda também não sabe nada disso...
Quando Roberto encontra Jun os destinos destes dois personagens se entrelaçam irremediavelmente. Além da dificuldade de comunicação, Roberto não está disposto a dividir seu espaço com uma pessoa, muito menos com um chinês de quem não entende patavina. Sua vida é uma rotina de verificar se a quantidade de pregos na caixa está correta e a proclamar sua frase favorita “puta-que-pariu”. Também não está disposto a mudar de hábito de deitar-se e apagar a luz exatamente às 23:00h. Todavia, o comerciante é um sujeito de bom coração e não consegue deixar de acolher Jun em sua casa até que este possa localizar seu tio. Na Delegacia só consegue indispor-se com a lei. No bairro Chinês ninguém conhece o tal parente do jovem e na embaixada a burocracia é tanta que acaba sendo despejado do prédio sem a solução de seu problema. O desespero vai aumentando e a bondade agora tem prazo fixo para acabar: Sete dias. Marcado religiosamente na folinha afixada na porta da geladeira a cada novo dia!
Assim, nesta convivência problemática, muda, gestual e desesperadora, vão vivendo o solitário e carrancudo Roberto e o desesperado Jun. As situações que ambos se envolvem nesta busca (Jun procurando recomeçar a vida e Roberto tentando recuperar sua metódica solidão) são patéticas, engraçadas e, por vezes, comoventes. A trilha sonora se encarrega de criar ambientes propícios para levar o espectador a entrar no clima destas situações. Ricardo Darin mais uma vez prova ser um excelente ator e Ignacio Huang não compromete muito na pele de Jun. Claro que esta aproximação, a princípio insólita e sem propósito, tem um significado moral (no sentido de um propósito) e nos ajudam a refletir sobre o nosso destino e o nosso livre arbítrio de mudá-lo (ou não).
Vale à pena conferir este Um Conto Chinês. Talvez você também encontre uma razão para acreditar que o universo – de alguma forma – conspira a seu favor ou que a sua vida tem um propósito muito além do seu próprio umbigo.
Todas as Cores do Amor
3.5 119Todas as Cores do amor, dirigido por Elizabeth Gill é um filme de pura sensibilidade e não procura aqui levantar bandeiras contra ou a favor da homossexualidade. Mas retratar os relacionamentos humanos sob todas as perspectivas sem tolos preconceitos. Pessoas que procuram o amor e, acima de tudo, serem felizes. Porque amar e ser amado são os objetivos de todo ser humano. Na incansável busca da felicidade, todas as cores do amor devem ser possíveis.
Tom (Sean Campion) é um professor universitário de seus quarenta e poucos anos que sente uma necessidade de renovar constantemente seus relacionamentos. Ele tem certo complexo da sua idade e por este motivo procura relacionar-se com mulheres bem mais jovens. Principalmente com suas alunas. Como é professor de literatura e apaixonado por poesia adota a estratégia de aplicar uma “cantada” bastante original e infalível. Diz ao pé do ouvido de sua próxima vítima: “Peixinhos dourados são seres super felizes. Isto porque a memória deles dura apenas três segundos, fazendo com que cada experiência pareça inteiramente nova” Assim ele leva mais uma para a cama. E este idílio todo não dura mais que três ou quatro meses. É preciso renovar e ele está sempre pronto a aplicar seu charme na aluna mais nova da faculdade.
Um dia Clara (Fiona O’Shaughnessy) encontra Tom beijando Isolde (Fiona Gascott) e percebe que seu tempo acabou e que seus sentimentos foram por água abaixo. A partir deste momento é desencadeada uma reação nos relacionamentos de todos os personagens deste agradável e por certo comovente filme. Clara abandonada e ferida em seu amor próprio acaba tendo um caso com Angie (Flora Montgomery), uma jornalista lésbica muito passional e ciumenta. Como não deseja um caso duradouro Angie é descartada por Clara que por sua vez vai procurar consolo com Isolde que nestas alturas também já foi abandonada por Tom. Agora é Angie que procura a companhia de seu melhor amigo Red (Keith McErlean), um homossexual assumido que está mais afim de David (Peter Gaynor) um barman heterossexual que está disposto a fazer de tudo para terminar o namoro com sua garota para cair nos braços de Red.
E assim, numa ciranda, todos estes personagens se apaixonam, se relacionam e se abandonam mutuamente. Pra recomeçar tudo mais adiante num círculo de paixões e desejos. Encontros e desencontros na bela cidade de Dublin na Irlanda. Excelentes atuações de todo o elenco e como trilha sonora, a boa música brasileira. Bossa Nova, claro! O Brasil é referência musical no exterior por este ritmo contagiante e, neste filme em particular, é quase como um personagem à parte. A música de Tom Jobim recebeu belíssimos arranjos, por vezes cantado em um português carregado ou duetos em inglês. De qualquer forma, é um prazer ouvir “Desafinado”, “Lamento do Morro”, “Amor em Paz” e a belíssima “Águas de Março” que dá ritmo a este fantástico filme. Aliás, não é à toa que ouvimos “Águas de Março”, no final deste ciclo amoroso. Afinal, como diz a letra: “são as águas de março fechando o verão é promessa de vida no teu coração” Recomeçar sempre e estar sempre pronto para novos amores. Como diz o próprio slogan promocional do filme em DVD: “A única cura para dor de cotovelo é uma nova paixão”
A Criança
3.8 91 Assista AgoraO filme A Criança (L'Enfant) uma produção da Bélgica e França com produção, roteiro e direção de Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne é um verdadeiro soco no estômago. Imagine dois jovens com a responsabilidade de criar um filho sem a menor condição emocional e financeira para tanto. Bruno (Jérémie Rénier) tem apenas 20 anos e sua vida se resume a pequenos furtos e uma existência dentro da marginalidade liderando uma gang de adolescentes no crime. Sonia (Déborah François) é uma jovem de 18 anos tão irresponsável quanto o companheiro Bruno. Todavia, seu instinto materno requer outras atitudes perante a vida e ela sabe que precisa tomar outro rumo para conseguir criar o filho com um mínimo de afetividade e laços familiares. Ambos são frutos da indiferença e abandono familiar e, por conseqüência, transferem estas experiências de vida para o pequeno ser que agora precisam alimentar. Tarefa difícil já que Bruno e Sonia vivem no fio da navalha. Um paço em falso, e a família se desintegrará de forma irremediável. E este é o clima de tensão que fica durante toda a projeção do filme.
Bruno não quer criar vínculos com seu filho e não tem a menor paciência em fazer o papel de pai cuidadoso ou amoroso. Sua meta é praticar pequenos furtos e liderar sua gang de pivetes pelas ruas da cidade. O pouco que ganha no crime perde-se com a mesma facilidade e serve apenas para o sustento diário. Aliás, uma vida bastante carente de alimento (para o corpo) e afeto (para a alma). Seus vínculos familiares a muito deixaram de existir. Sua consciência paterna é nula e a indiferença ao filho é exasperante. Chega mesmo ao cúmulo de vender o próprio filho para ganhar alguns trocados e ir levando a vida. Este “tráfico” da criança é mais uma conseqüência de seus atos de desespero e falta de estímulos familiares. Como precisa reaver o bebê para não ser preso, sua rotina toma outro rumo e as causas e conseqüências de seus atos vão crescendo como uma bola de neve. É preciso devolver o dinheiro que lucrou com a venda aos traficantes. É preciso fazer um empréstimo com uma turma da pesada que não brinca em serviço já que parte da renda já foi gasta. Claro que depois precisa pagar o empréstimo aos agiotas! E agora? Como sair desta enrascada? Um plano frustrado de roubar uma grande quantia de dinheiro de uma mulher só o coloca em situação muito pior.
Sonia, apesar de ser uma jovem irresponsável (ter um filho com um sujeito deste), procura de todas as maneiras incutir no seu homem o sentido de dever, o sentido da responsabilidade e, acima de tudo, incutir em Bruno a necessidade de outra forma de vida e uma estabilidade (financeira e emocional) que dê condições ao filho de crescer junto ao abrigo acolhedor dos braços paternos. Mas esta é uma tarefa que não é fácil e, ao ver que seu filho foi vendido, entra em colapso nervoso e afasta-se de Bruno acusando-o para a polícia.
O filme é de uma crueza que deixa qualquer um com os nervos à flor da pele. Sem trilha sonora e uma fotografia quase que em preto e branco deixa o espectador sempre em tensão e, pelo desenrolar das situações, com a previsão de que boa coisa não vem pela frente. A câmera foca sempre os mínimos detalhes das expressões dos atores e o tempo corre na medida certa para que possamos assimilar toda a angústia e sofrimento dos personagens. Por serem atores desconhecidos a película se torna mais realista ainda e o trabalho de ambos é perfeito. O andar pelas ruas da cidade, o vai-e-vem no ônibus e nos corredores de prédios sempre vazios em que a desintegração material é evidente, torna tudo mais angustiante ainda. Os diálogos são curtos e os silêncios mais reveladores ainda. Os olhares de desespero e dúvidas tornam Bruno e Sonia vítimas de um sistema capitalista que a todos transforma em números e estatísticas. Haverá redenção para estes jovens? Será possível transformar o destino destas pessoas e dar-lhes um pouco de esperanças para um futuro melhor? Questionamentos que vão surgindo no correr dos ponteiros deste relógio que avançam inexoravelmente. Ao espectador cabe sofrer, refletir e desejar que a criança tenha lhes dado finalmente uma razão para lutar. Afinal, uma criança sempre é o símbolo de que é possível ter esperança.
Poucas Cinzas: Salvador Dalí
3.4 316Gosto muito da obra de Salvador Dali. Tenho, inclusive, no meu PC inúmeras reproduções de seus quadros baixados da Internet. Já publiquei aqui neste blog e no grupo que criei no Facebook intitulado “Galeria de Arte” algumas destas pinturas fantásticas. Quando li a sinopse do filme Poucas Cinzas do diretor Paul Morrison fiquei entusiasmado e com vontade de conferir esta produção de Carlo Dusi, Jonny Persey, Jaume Vilalta e roteiro de Philippa Goslett. Confesso que fiquei um pouco decepcionado. Nada (ou quase nada) do que esperava encontrar retratado sobre a vida de Salvador Dali foi mostrado. Só dois quadros seus foram reproduzidos e toda a sua obra e sua loucura ficaram de fora. O roteirista deu ênfase, sobretudo, no relacionamento homossexual de Dali e o escritor Federico García Lorca. A história tem início na Espanha de 1922 logo após a primeira guerra mundial e Salvador Dali, com 18 anos de idade, é admitido na universidade de Madrid disposto a se tornar um grande artista. O trio formado por Dali, Garcia Lorca e o cineasta Luis Buñel é amplamente retratado na tela. Na realidade ficou mais um filme para os apreciadores da temática gay do que uma biografia do grande mestre do surrealismo.
A contextualização história da Espanha na década de vinte, a influência do jazz, Freud e toda a mudança de valores a que a sociedade espanhola estava sofrendo na época é mostrada com competência. A direção de arte está impecável e a trilha sonora composta por Miguel Mera moldura com perfeição as cenas de Dali e Garcia Lorca. Aliás, uma das cenas mais belas do filme é o banho no lago em que os amantes finalmente se entregam as suas paixões proibidas. A luz da lua refletida na água e o “bailado” que ambos fazem é digna de uma grande cena de amor. A fotografia nesta cena é impecável e de muita sensibilidade.
A interpretação de Robert Pattinson na pele de Salvador Dali não compromete e achei até bastante corajoso deste jovem ator interpretar cenas de homossexualismo. Suas fãs é que não devem ter gostado muito. Se bem que este filme não é o estilo de cinema para as menininhas que suspiram de amor pelo vampiro-galã-apaixonado Edward Cullen da saga Crepúsculo.
Ao término do filme fiquei com a impressão de que assisti somente a história de um amor impossível. Aliás, Salvador Dali nunca reconheceu de público o relacionamento com Garcia Lorca. Este, por sua vez, nunca escondeu seu romance com o pintor. A todo o momento, esperava que o roteiro finalmente se ocupasse da personalidade controvérsia de Dali: Sua loucura (ou mais precisamente sua excentricidade), as razões que o levaram ao surrealismo e, mais do que nunca, os momentos em que se dedicava aos seus quadros. Esperava encontrar a representação de Dali no momento de sua criação ou a reprodução dos seus quadros mais famosos. Enfim, esperava ver retratado nesta obra cinematográfica muito mais sobre a vida deste grande mestre do que somente seu tumultuado e secreto caso homossexual.
Repo Men: O Resgate de Órgãos
3.4 658 Assista AgoraNo início do filme Repo Men, dirigido por Miguel Sapochnik com roteiro de Eric Garcia e Garrett Lerner o personagem vivido por Jude Law justifica seu “trabalho” com o seguinte raciocínio mercadológico: ”Se você não paga as parcelas do carro, o banco vem e pega o carro de volta... Se você não paga a hipoteca da casa, o banco vem e toma a casa de você”. Este é o meu trabalho... “Se você não paga as prestações dos seus órgãos, nós o pegamos de volta” Não foram exatamente com estas as palavras, mas a idéia básica foi essa. Depois de tentar justificar seu ofício de “Coletor” nestes termos Rins (José Law) e Jane Frievald (Forest Whitaker) partem para mais um dia de trabalho: Resgatar órgãos de pessoas inadimplentes com “A União”.
Acontece que esta cobrança não tem nada de amigável e, por mais surreal que possa parecer, o filme é ainda mais inverossímil na medida em que Remy e Jake matam as pessoas para retirar os órgãos implantados. Seria inacreditável que, mesmo num futuro distante, fosse ético e humanamente aceitável que uma empresa comercial venha a ter o poder “legal” de matar as pessoas para retirar implantes artificiais dos indivíduos e assim recuperar sua mercadoria e seu investimento. Afinal, que tecnologia médica é essa que, de um lado proporciona ao indivíduo um padrão de vida melhor com estes implantes, possibilitando um tempo de vida maior e em melhores condições da pessoa exercer suas atividades usufruindo de todos os recursos médicos e científicos disponíveis.
Na contramão deste avanço médico científico, atua como uma mera empresa financeira (sem valores éticos ou morais) tem por finalidade única o lucro certo e garantido. O não pagamento da aquisição dos órgãos artificiais (e vitais em muitos casos) a companhia simplesmente resgata sua mercadoria sem importar-se que o indivíduo morra de forma cruel e sanguinolenta e assim possa revender novamente o órgão para outro infeliz inadimplente. Até a forma como a “coleta” é feita é desproporcional a tal avanço tecnológico e médico e é exageradamente artificial e caricato. Para não dizer de extremo mau gosto. Medieval demais e humanamente inaceitável para os padrões futurísticos mostrado no filme. A não ser é claro, se os produtores tiveram a intenção de nos retratar um futuro meramente mercantilista e ganancioso onde os valores humanos (e, por conseguinte, éticos e morais) serão relegados a segundo plano. Ou o que é pior, um futuro onde o ser humano será apenas um produto de mercado.
Para não dizer que não existe um lado interessante nesta história toda, foi interessante ver que depois o tal sitema se vira contra o próprio Remy ao precisar de um transplante de coração e ficar sem a grana para pagar as mensalidades para “A União”. Agora ele está sendo caçado por Jake (seu parceiro de trabalho) para recuperar o órgão transplantado. Assim, começa a segunda parte desta história e Remy cai na real e sente na própria pele (literalmente) que o ofício de coletor e toda aquela engrenagem da corporação de doar/recuperar órgãos das pessoas não é uma prática aceitável e agora tem que correr contra o tempo para salvar a própria vida e das outras pessoas que se encontram na mira do coletor. Este aspecto moral foi a única parte interessante da história uma vez que sempre temos a visão errada das coisas quando não nos colocamos no mesmo lado da outra pessoa e não temos a perspectiva do outro. Sempre temos a tendência de olharmos para o próprio umbigo sem importar-nos com os problemas e angústias alheias. Assim, ao vivenciar a mesma situação dos inadimplentes com “A União” Remy conhece o lado humano dos endividados e as péssimas condições que vivem sempre a fugir e a se esconderem nos lugares mais insalubres e em ruínas. Uma verdadeira lição de moral e ética. Mas tal consciência só foi possível quando teve que viver como fugitivo. O filme é direcionado para aquele público que gosta de tiroteio, explosões, perseguições e muito sangue sem importar-se com questões morais, éticas ou mesmo filosóficas.
Chego a pensar até que o parágrafo acima não tenha sido levado em consideração pela grande maioria dos espectadores de Repo Men (não vai aqui nenhuma crítica a esta legião de pessoas é só uma observação pessoal e uma perspectiva cinematográfica bem particular). Geralmente o público de filmes de ação não está muito ligado nestas questões e costumam dizer que é só um filme e nada mais. Realmente neste aspecto o filme funciona e as cenas onde os coletores praticam seu ofício são impressionantes. As cenas de lutas e perseguições em cenários em ruínas e a trilha sonora ajudam a criar um clima a deixar o expectador sem fôlego e muito menos tempo para pensar.
A cena final quando os fugitivos encontram a porta rosa e entram no “coração” do sistema da corporação chega a dar uma dor na espinha. Assistir toda aquela automutilação foi chocante. Mas fique tranqüilo: Você pode desligar seu aparelho e dormir tranqüilo depois de assistir toda esta matança, sanguinolência e mutilação. Afinal, trata-se simplesmente de mais um filme de ação sem propósito algum que não o entretenimento
O Sonho de Cassandra
3.4 232 Assista AgoraWoody Allen é, sem sombra de dúvida, um excelente roteirista, diretor e humorista. Seus filmes sempre surpreendem pela criatividade (ou seria genialidade?). Isso, genialidade! Acima de tudo pela grande capacidade de Allen em contar uma história de forma eficiente, emotiva e humana. Quem acompanha seus trabalhos cinematográficos (assim como eu) percebe que ele tem uma paixão pela mitologia grega, pelo suspense e é claro pela comédia existencialista onde o próprio Allen é o personagem hipocondríaco principal. Assim como em Poderosa Afrodite, a produção de O Sonho de Cassandra também possui elementos mitológicos e suas tragédias paralelas sobre ambição, riqueza, poder, pecado e morte. Um drama dentro de elementos cômicos. Bem ao estilo Woody Allen de filmar. Ao ver o cartaz do filme já se tem uma pista que alguma tragédia irá acontecer ao notarmos que uma listra amarela, ao estilo que a polícia utiliza para demarcar cenas criminosas, ultrapassa – de ponta a ponta – todo o cartaz. Sem contarmos é claro o título “premonitório” que nos remete ao personagem mitológico Cassandra (filha de Príamo, Rei de Tróia e Hécuba). Cassandra era tida como louca por fazer previsões trágicas e só transmitir notícias ruins ao povo. Como ninguém lhe dava crédito ou sequer acreditava nas suas trágicas previsões Tróia acabou destruída e o povo exterminado ou escravizado. Assim, o Cartaz do filme “O Sonho de Cassandra” nos avisa que uma tragédia está por vir. Mesmo com estas pistas somos levados, por um roteiro interessante, a conhecer os motivos que levaram os personagens a encontrarem seus destinos.
Ian (Ewan McGregor) é um cara que trabalha com o pai administrando um restaurante da família. Vive de aparências sonhando ser um homem de grandes posses dirigindo carrões caríssimos que pede emprestado da oficina mecânica onde trabalha seu irmão. Frequenta lugares badalados e desfila pelas redondezas com belas mulheres fingindo ser o que não é. Boa pinta, sempre bem vestido e uma lábia de encantar as moças do lugar. Quer entrar no ramo de hotéis na Califórnia, mas não tem um tostão furado nos bolsos. Seu irmão Terry (Colin Farrell) trabalha em uma oficina mecânica de carros de luxo. Também tem altos planos para o futuro, mas seu salário não cobre tais despesas. Assim, entre um jogo de pôquer, corrida de cachorros e outras tantas apostas, vai defendendo uns trocados a mais no fim do mês. Quando surge a oportunidade de comprar um pequeno barco os sonhos de grandeza tomam conta dos irmãos e os sonhos começam, aos poucos, tomarem ares de realidade. Mesmo que pequena tal aquisição meio que dá ânimo para que ambos possam aspirar a algo mais grandioso. Batizam o tal barco de O Sonho de Cassandra. Terry com sua compulsão pelo jogo acaba devendo mais do que pode pagar e a situação se complica (e muito) para esta família já tão endividada e de poucos recursos. A saída para tal enrascada é buscarem ajuda ao tio Howard (Tom Wilkinson) um milionário dono de clínicas de cirurgia plástica espalhada pelo mundo que está para chegar à cidade em uma visita familiar.
Ao pedirem um empréstimo ao milionário tio para pagarem suas dívidas e construírem seus castelos de sonhos Howard aceita ajudá-los desde que eles também possam fazer um “pequeno” favor em retribuição: Matar seu contador que está prestes a servir de testemunha em um caso que o levará a ruína. O que poderia ser a salvação da lavoura acaba por tornar-se um verdadeiro pesadelo. Como um pacto Mafioso para defenderem os interesses da família os irmãos resolvem aceitar o caso. O problema surge em como dar cabo de tal tarefa já que ambos, apesar dos pequenos golpes e trapaças, não são assassinos profissionais e morrem de medo das consequências e dos desdobramentos futuros por ato tão drástico e fatal. De qualquer forma seguem o plano de assassinar Martin Burns (Philip Davis) e assim conseguirem realizar seus planos financeiros e ajudar o tio milionário a não ser preso.
Evidente que tal assassinato requer certos cuidados e torná-lo uma realidade requer ainda mais preparo psicológico e logístico. Como executá-lo? E principalmente, como conviver com isso na consciência? Ian até que consegue digerir a idéia e executar o plano com mais naturalidade. Terry por outro lado aceita participar de tal plano, mas enfrenta grandes problemas de consciência e dilemas morais e éticos. Mas o plano segue firme e, após praticarem o crime, Terry resolve entregar-se à polícia para redimir-se de seu ato. Aquela velha questão de Crime e Castigo… Começa então outro desdobramento na narrativa. Como fazer com que Terry desista desta loucura de incriminar a família e a si próprio? Causas e conseqüências. Toda a escolha tem seus desdobramentos e a consciência começa a pesar na mente conturbada de Terry. Ian que agora está apaixonado pela a atriz Angela Stark (Hayley Atwell) não pretende ver seu sonho desfeito e ter que viver atrás das grades. O destino está traçado e nem mesmo as previsões da mitológica Cassandra os livrará dos caminhos que terão que percorrer. Neste ponto Allen mostra um filme mais dramático e as atuações meio canastronas de Colin Farrell não prejudicam muito a narrativa. Apesar da reviravolta (um tanto quanto previsíveis como citei acima) o fim é abrupto como a ficar algo no ar ou argumentos ainda a serem explorados devidamente. De qualquer forma este é um filme de Woody Allen e por isso mesmo um filme que merece ser visto e apreciado.
O Fabuloso Destino de Amélie Poulain
4.3 5,0K Assista AgoraTenho visto muito filme fora do circuito americano ultimamente e algumas destas produções vêem da França. Sempre gostei da cinematografia da cidade luz pela valorização que eles fazem dos bons diálogos, das cenas com uma velocidade em que é possível absorver (e apreciar) as expressões faciais e interpretações dos atores de um modo amplo e comovente. Alguns dizem que os franceses fazem filmes “cabeça” demais e com uma introspecção cansativa com cenas em que a câmera passeia por cenários e fotografa os atores de uma maneira em que não se conta o tempo. Diferente da cinematografia americana onde tudo é muito rápido e as cenas acumulam-se umas às outras sem que o espectador tenha tempo para assimilá-las ou absorvê-las. Todas filmadas da mesma forma e com a mesma estética dos vídeo-clipes da MTV. Aliás, esta é a linguagem americana em todas as suas produções. Com algumas exceções, claro. Sinceramente nunca me ocorreu este pensamento de que os franceses fazem só filmes “Cult” ou coisa que o valha, porque sempre gostei mais de um bom diálogo a um filme meramente de explosão e tiroteios. Valorizo, sobretudo, um trabalho de interpretação de atores e um trabalho autoral. Cada vez mais raro hoje em dia, diga-se de passagem.
Caso você também tenha a impressão que o cinema francês seja elitista e “cabeça” demais sugiro então que veja, sem demora, os filmes “A Cidade das Crianças” dirigido por Nicolas Bary, “Amor ou Consequência” dirigido por Yann Samuell e “O Fabuloso Destino de Amélie Poulian” com direção de Jean-Pierre Jeunet. Aposto que sua opinião vai mudar rapidinho e quem sabe você também se torne um amante da sétima arte produzida na terra de Edith Piaf. Todo este preâmbulo só para salientar a qualidade artística da produção O Fabuloso Destino de Amélie Poulian que vi esta semana e que ainda guardo na memória os olhos pretos de Amélie Poulain (Audrey Tatou) a me fitar ao som daquela trilha sonora comovente.
Jean-Pierre Jeunet se utiliza do universo fantástico para narrar à história de Amélie Poulain uma garota que passou a infância e a adolescência a observar a vida dos outros já que a sua própria existência lhe parecia sem significado. Seus pais neuróticos a mantinham longe de tudo e de todos por acreditarem que ela sofria de problemas cardíacos e assim a mantinham em total reclusão. Como sua mãe era professora, seu aprendizado foi feito em casa mesmo longe de outras crianças. Este voyeurismo involuntário e a morte prematura da mãe trouxeram para Amélie uma personalidade de quem acredita que a vida é só observar os outros e que nada mais lhe resta além desta solitária existência.
Adulta muda-se do subúrbio para o bairro parisiense de Montmartre onde trabalha como garçonete. Sua vida continua a mesma de observadora da vida alheia até o dia em que, acidentalmente, descobre escondido no rodapé de seu banheiro, uma caixinha com pequenos objetos e fotografias do antigo morador da residência. Intrigada com a descoberta assalta-lhe o desejo de entregar estas “lembranças” de infância ao verdadeiro dono. Ao presenciar a alegria com que Dominique (Maurice Bénichou) recebe a caixa com suas recordações resolve que vai dar outro sentido para sua vida: ajudar as pessoas a sua volta. Assim, começa seu fabuloso destino de levar alegria e esperança para desconhecidos e assim trazer emoção para seu coração nada enfermo. Um coração que na realidade é carente de afeto e atenção. Esta jornada de boa samaritana vai levar Amélie a encontrar outros personagens com personalidades tão intrigantes quanto a sua própria: A atendente da tabacaria que se sente excluída; o vizinho conhecido como “o homem dos ossos de vidro” que vive recluso há vários anos no seu apartamento; o rapaz da quitanda que é humilhado pelo patrão; o escritor canastrão; o cliente do bar que atazana a vida de outra garçonete e tantos outros que cruzam seu caminho. Enfim, uma nova visão de mundo e de perspectivas se abre para Amélie. Suas ações no trabalho e nas andanças pela cidade são realizadas no sentido de trazer emoções fortes e um sentido para a vida destas pessoas.
Na busca de encontrar felicidades alheias, Amélie também vai encontrar o amor da sua vida nos olhos de Nino Quincampoix (Mathieu Kassovitz) um cara tão solitário quanto ela própria e que tem por hábito fazer coleções das mais inusitadas possíveis. Sua última mania é colecionar fotografias 3x4 jogadas no lixo que cola em um álbum. Assim como Amélie ele também procura encontrar sentido para a própria vida acumulando “lembranças” alheias. Almas gêmeas é a primeira impressão que o espectador percebe ao vê-los juntos, e não tem como não torcer para que fiquem juntos no fim.
Direção de arte primorosa, edição ágil, fotografia que realça a beleza de Audrey Tatou e a comovente trilha sonora composta por Yann Tiersen dão um charme todo especial a este filme que transfere ao espectador um sentimento de nostalgia e paz de espírito. Um romance de uma singeleza que comove e apaixona. Não tem como não ficar hipnotizado pelos olhos de Amélie e pelo seu crescimento como ser humano. O roteiro foi escrito quase com um conto de fadas com direito a voz melodiosa de um narrador em off que vai pontilhando cada descoberta da personagem até o fim da história. Deixe-se levar pelo sorriso de Amélie e também se apaixone por esta história.
Brideshead - Desejo e Poder
3.2 38Para entender um filme é preciso, às vezes, fixar-se em uma determinada cena. Até porque, para se produzir um filme, horas e horas de películas são gravadas para depois passarem pelo crivo do diretor e principalmente do editor. Assim, é salutar prestar a atenção em todas as tomadas mostradas na tela. Alguma importância elas possuem na história. O mesmo acontece com os diálogos ou monólogos. Até mesmo em narrativas em off. Digo isso porque é importante salientar uma cena em particular no filme Brideshead – Desejo e Poder para que se possa entender as motivações dos personagens e as armadilhas em que cada um foi vítima no decorrer da narrativa. Mas antes de citar a cena propriamente dita, gostaria de abrir um parêntese. Melhor ainda, um parágrafo para dar ênfase ao que quero explicar. Vamos a ele.
Existe um truque muito utilizado por roteiristas e diretores de filmes de suspense (via de regra policiais), em mostrar uma cena em que o personagem principal da história – que a princípio se acredita ser uma pessoa de boa índole - que de repente comete um ato de extrema violência contra um inseto ou um animalzinho inocente. Geralmente é um atropelamento de algum esquilo que atravessa uma estrada ou um mosquito que voa é apanhado e trucidado por um simples gesto da mão assassina. Ou uma mosca pousada, inocentemente, na mesa que é morta com um tapa seco e certeiro. Enfim... Você já deve ter visto filmes em que tais cenas apareceram e que envolve o personagem principal. Claro que isto é mostrado para evidenciar que o tal “mocinho” da história não tem nada de mocinho visto que sempre está atento para cometer as atrocidades mais bárbaras a qualquer momento e sem motivo algum. Só espera o momento certo para atacar sua vítima indefesa. Estas cenas são para preparar o público para o que virá a seguir. Explicado vamos então à cena que gostaria de mencionar no filme Brideshead – Desejo e Poder que se aplica, sob outra perspectiva, ao mesmo propósito de evidenciar e preparar o público sobre a personalidade de um personagem principal nesta história de desejo e poder. Sigamos então com minhas impressões sobre este filme com novo parágrafo.
Para entender este filme, como dizia acima, é preciso fixar-se na cena em que Charles Ryder viu, pela primeira vez, Sebastian Flyte. Charles acabara de chegar à universidade de Oxford para estudar história e estava na companhia de seu primo em seus aposentos quando, de repente, surge na porta entreaberta um estudante que lança vômitos quase aos seus pés. Seus olhares se cruzam e o jovem se afasta pouco constrangido. Tal rapaz é o Lorde Sebastian Flyte. Qual o significado desta cena tão escatológica já nos primeiros minutos do filme? Fiquei alerta e percebi, de momento, o velho truque de “aviso” contido naquele momento em particular e as suas consequências futuras.
No dia seguinte recebe flores com pedidos de desculpas pelo ocorrido e o convite para jantar em sua companhia. No tal jantar conhece os “amigos” do jovem rapaz e o círculo social esnobe a que ele pertence. Apesar da diferença econômica e social Charles e Sebastian tornam-se grandes amigos e parecem gostar da companhia um do outro. Dias depois Flyte convida Ryder para ir a sua casa para lhe apresentar uma pessoa (uma senhora idosa que provavelmente fora sua babá) e o leva a residência de sua família, no caso o castelo Brideshead que dá título a filme. Aqui surge outra cena que nos mostra outro aviso importante: No alto de uma moldura majestosa está colocado um quadro de uma mulher segurando, com afeto, uma criança no colo. O quadro comove pela doçura do gesto da mãe protegendo e amparando o filho. Todavia, tal quadro é desprezado e odiado pelo jovem lorde. Ao circular pelos vastos salões e ambientes do castelo com suas belas esculturas, riquíssimos tapetes e jardins estonteantes surge o desejo de Charles Ryder de pertencer a este mundo de riqueza. A amizade dos dois se fortalece e o relacionamento de ambos materializa-se no desejo que cada um projeta no parceiro. Ryder quer pertencer a este círculo social e vislumbra uma existência em Brideshead lugar que considera o mais belo do mundo. Sebastian, por sua vez, encontra no ombro do amigo (ou seria amante?) um refúgio para seu desespero existencial. Eis então que surge a bela Julia Flyte (irmã de Sebastian) para atiçar o coração do jovem estudante de história. Está formado o triângulo amoroso improvável entre o homossexual carente e alcoólatra, o estudante vislumbrado pela riqueza e a jovem dominada pela mãe.
Mas afinal qual a importância da tal cena em que Sebastian vomita aos pés de Charles você deve estar se perguntando. Como diria Sherlock Holms: “elementar meu caro Watson”. Durante todo o filme vamos ver o pequeno Lord em desespero pela sua existência mesquinha. Suas bebedeiras homéricas, sua rebeldia (através da sua homossexualidade) contra a tirania religiosa da mãe e a indiferença do pai. Utiliza-se da sua aproximação e relacionamento com o ateu Ryder para atingir a mãe e escandalizar a família. Vomita assim toda sua revolta contra este sistema opressor sabendo que o amigo vai aceitar e compreender tudo isso na medida em que ele também tem lá seus interesses. Aquela cena foi o sinal para mostrar-nos o quanto será humilhante para ambos esta convivência de interesses. Talvez Sebastian seja vítima da sua infância distante do afeto materno e Charles vai aceitar engolir todas as humilhações para entrar neste ambiente de poder e riqueza. Com a entrada em cena de Júlia o amor surge no coração de Charles (talvez por interesse igualmente) explodindo assim o relacionamento dos rapazes. Por seu ateísmo declarado Ryder é preterido por Lady Marchmain que entrega a mão da filha a outro homem e o expulsa de seu castelo no dia no noivado de Júlia. Após quatro anos longe de convivência de Brideshead recebe a visita de Lady Marchmain pedindo-lhe para que vá ao encontro de seu filho no Marrocos e o traga para casa. Encontra o amigo doente e com o propósito de não mais voltar para casa ou rever a mãe. Ao reencontrar Júlia anos mais tarde volta à velha paixão proibida e acabam um nos braços do outro. Voltam para o castelo com o propósito de unirem-se, mas a saúde do pai impossibilita esta união. Ao perceber que será difícil entrar no seio desta família (por seu ateísmo, por ter “comprado” Júlia do marido, ou mesmo por perceber que ela jamais deixaria sua crença e os ensinamentos deixados pela mãe) resolve afastar-se definitivamente.
Uma narrativa, em off, ao início do filme serve igualmente para terminar este texto para que se possa entender todas as conseqüências decorrentes das escolhas que Charles Ryder fez para tentar tornar-se uma pessoa além das suas capacidades emocionais, sociais ou econômicas. Melhor seria tivesse vivido na sua “aldeia”. Mas como julgá-lo depois de tudo que ele passou e perdeu? Eis a imagem que ele tinha de si mesmo ao final: “Se você me perguntasse agora quem eu sou, a única resposta que poderia dar com alguma certeza seria meu nome: Charles Ryder. Quanto ao resto – meus amores, meus ódios, até meus mais profundos desejos –, não posso mais dizer se essas emoções são minhas mesmo, ou roubadas daqueles que eu uma vez tão desesperadamente desejei ser. Pensando bem, uma emoção permanece minha mesmo. Entre as emprestadas e as de segunda mão, tão puras quanto à fé contra a qual ainda luto: a culpa.”
Emma Thompson, mais uma vez está impecável na pela da poderosa e dominadora Lady Marchmain assim como Ben Whishaw como o homossexual alcoólatra Sebastian Flyte. Matthew Goode como Charles Ryder igualmente faz uma interpretação contida e convincente. A direção artista está perfeita e a cenografia dispensa comentários pelo requinte mostrado em cena. Uma dica: Deixe correr os créditos finais e aprecie, com deleite, ao tema musical que segue.
Amor ou Consequência
3.9 342 Assista AgoraViver, entre outras coisas, é um ato de medir as consequências e, à medida que a idade avança, esta premissa vai se tornando uma realidade. Uma dura realidade. A criança não tem por hábito racionalizar suas escolhas e muito menos avaliar as conseqüências de seus atos. Razão pela qual a criança é mais sincera na medida em que não precisa usar de eufemismos tão próprios dos adultos e muito menos compreender as tais “mentiras sociais”. A criança é ação, atitude e sua vida é focada única e exclusivamente no presente. No decorrer da vida esta criança irá aprender (ou não), a dura realidade de saber fazer suas escolhas a aceitar (e sofrer) as consequências de seus atos. No início do filme Amor e Consequência, uma produção francesa dirigida por Yann Samuell, os jovens Julien e Sophie estão na fase da vida em que tais preocupações estão muito longe de suas ingênuas realidades. Por não terem uma boa base familiar e possuírem relacionamentos problemáticos, este aprendizado (de medir as consequências) irá trazer a ambos uma vida repleta de altos e baixos. Uma verdadeira montanha russa de sentimentos de amor e ódio.
Julien (Guillaume Canet) é uma criança solitária e sensível que vive mais em sonhos do que na própria realidade que o cerca. Na escola é desprezado por todos por ser uma criança retraída. Sophie (Marion Cottilard), por outro lado, é o oposto de Julien por ser atrevida e a ter uma atitude mais independente perante a vida e aos outros. Igualmente sofre preconceito na escola por ser polaca. Dois jovens de personalidades tão distintas tornam-se amigas e unem-se para enfrentarem a dura situação imposta pela violência escolar e por que não dizer, a indiferença familiar. Esta relação de Julien e Sophie, da infância à idade adulta, é mostrada no decorrer de toda a trama. O que os une é um jogo em que ambos desafiam-se mutuamente. Aquele que está de posse da “caixa mágica” precisa cumprir o desafio imposto pelo parceiro. A princípio uma brincadeira de criança de desafiar professores e de fazer uma travessura aqui e ali. Nada muito sério e até divertido. Com o passar dos anos esta ingênua brincadeira vai tomando contornos mais perigosos já que os desafios vão se tornando cada vez mais difíceis e arriscados.
Esta brincadeira de um desafiar constantemente o outro é, antes de tudo, uma forma que eles encontraram de desafiar a sociedade que os reprimia e os desprezava. Isto no início da brincadeira e de forma inconsciente, claro. Já como adultos a brincadeira tem outros contornos e serve basicamente para expressarem suas inconformidades com a falta que ambos possuem de não saberem definir o que um sente pelo outro. Esta dualidade de amor/ódio ou escolhas/consequências são a tônica de boa parte do filme. Mas não pense que o filme é “cabeça” demais. Com certeza você irá se emocionar.
A forma narrativa é interessante e diria até que bem lúdica bem ao estilo da linguagem jovem. Fantasia, teatro, animação e o mundo mágico dos sonhos fazem parte da narrativa e serve para dar um charme todo especial a esta produção. A interpretação das crianças dá um charme especial e os atores adultos não comprometem de forma alguma. Aliás, a química entre eles é muito boa. A trilha sonora ajuda, e muito, a contar a história deste amor inconseqüente com a canção “La Vie Em Rose” interpretada por Luis Armstrong, Donna Summer, Trio Esperança e Zazie em vários arranjos interessantes. Uma história de amor um pouco diferente do estilo comédia romântica que estamos acostumados a assistir na cinematografia americana. De qualquer forma uma história romântica onde é possível discutir a relação de forma adulta e fazer o espectador pensar nas causas e consequências de suas escolhas na vida. Afinal, quando adultos precisamos avaliar estas escolhas e levarmos em conta as consequências de nossos atos. Ou não...
Um Presente para Helen
3.3 169 Assista AgoraAtenção: Contém Spoiler. Se você ainda não viu este filme, não leia o texto abaixo:
Garry Marshall é um dos meus diretores preferidos em tratando-se de comédias românticas. Têm em sua filmografia sucessos como Noiva em Fuga, Simplesmente Amor, Frankie & Johnny, Uma Linda Mulher e Diário da Princesa I e II (para ficar só nos filmes que assisti). Ele sabe realizar um filme de forma sensível, humorada e de extremo bom gosto. É sempre um prazer assistir as suas produções cinematográficas porque sabe, como poucos, tratar qualquer assunto com leveza e elegância. Em Um presente Para Helen ele não fugiu a regra. Apesar da história ser na realidade um grande drama, na medida em que exige do personagem principal uma mudança de 360 graus em sua vida, Marshall contou esta trajetória sem perder o brilho no olhar de quem sorri.
Helen Harris (Kate Hudson) trabalha numa agência de modelos e leva uma vida extremamente atribulada no mundo da moda. Tem um grande salário e um belo apartamento e está sempre em constantes viagens e é claro sempre presente nas grandes baladas das boates noturnas. Assim, Helen não tem tempo para participar ativamente do convívio com a família ou manter um relacionamento duradouro. Livre e independente na grande cidade esta sempre pronta para o que der e vier. Mas apesar desta futilidade toda, ela é uma pessoa amável e adorada pela família. Principalmente por seus sobrinhos. Sempre é a figura principal nas festinhas familiares com sua “modernidade” e seu estilo despojado de vida. Sua irmã Jenny (Joan Cusack) é o oposto. Mãe zelosa e responsável acredita ter uma missão a cumprir neste mundo: criar os filhos e ser uma excelente dona-de-casa. Nota-se que tem um ciúme da “popularidade” da irmã junto aos sobrinhos e com a outra irmã e o cunhado.
Mas o destino de Helen irá mudar radicalmente e ela terá que aprender a ser responsável e ter outras prioridades em sua vida. Com a morte da irmã e de seu cunhado ela é encarregada da criação dos três sobrinhos, Sarah, Henry e a pequena Haudrey. De uma hora para outra o mundo desta deslocada e despachada mulher vira de cabeça para baixo. Precisa arrumar outro apartamento para abrigar as crianças e encontrar uma escola onde possam estudar. Enfim, todas as obrigações e preocupações de uma zelosa mãe. No início a tal convivência familiar vai se arrumando da melhor forma possível e Helen se vira como pode para dar apoio emocional às crianças órfãs. Mas o trabalho exige sua presença em tempo integral e as lidas domésticas não se encaixam com esta nova realidade.
Como não consegue conciliar o trabalho na agência e suas lidas como mãe adotiva é afastada do emprego, da convivência com seus colegas e das badalações do mundo das celebridades e da moda. Para piorar as coisas, Sarah está “ficando” com o pior elemento da escola, Henry não se adapta a novas atividades esportivas na escola e Haudrey chora por não conseguir dar nó nos cadarços do sapato. Sua sorte é que a vizinha sempre presta um socorro nas horas críticas em que precisa afastar-se. Até o Pastor Don Parker (John Corbertt), diretor da escola, resolve dar uma mãozinha e um apoio moral nas horas difíceis. Mulher bonita, inteligente e sensual, logo desperta o interesse no pastor luterano que começa a arrastar uma asinha (que não é de anjo) para cima de Helen. Como está carente de afeto e perdida nesta nova realidade, acaba caindo nas graças do prestativo pastor.
Entre um problema doméstico e outro, Helen tem ainda que enfrentar a crítica constante da irmã Jenny que a acusa de ser negligente e frouxa com a educação das crianças. Mas a coisa piora quando, na festa de formatura, Sara é levada para um Motel pelo delinqüente mais famoso da escola. Desesperada Sarah pede ajuda a irmã para resgatar a sobrinha das garras do fogoso jovem. Por não ter forças nem coragem de enfrentar tais situações leva os sobrinhos para morarem com Jenny, que se presta mais a estas atividades de protetora e mãe.
Livre da educação e da criação dos jovens retoma seu emprego na agência de modelos e para as badalações do mundo fashion. Mas esta história não termina aqui. Sarah sente a falta dos seus sobrinhos e terá que fazer uma escolha mais uma vez. Mas desta vez, precisa ser definitiva já que não é possível ficar brincando com os destinos alheios.
Kate Hudson mais uma vez brilha com seu charme e simpatia e Joan Cusack prova que realmente é uma grande atriz. Vale a pena conferir mais esta produção de Garry Marshall.
Amor Sem Escalas
3.4 1,4K Assista AgoraATENÇÃO: Contém Spoiler! Se você ainda não viu este filme não leia o texto abaixo.
Após assistir ao filme Up In The Air, dirigido por Jason Reitman fiquei matutando com meus botões a razão do título em português desta produção: Amor Sem Escalas. O título brasileiro sugere uma comédia romântica ou mais um daqueles filmes “água com açúcar” e tudo mais. Claro que um filme estrelado pelo galã George Clooney (que faz a mulherada suspirar) deva ter influenciado o cara a pensar: “Vou colocar um nome bem bonitinho e romântico para fisgar a mulherada!” Nada mais falso e enganador. Não sou contra as comédias românticas e açucaradas, muito antes pelo contrário. Eu as adoro! Mas não é o caso de Amor Sem Escalas. Com roteiro de Jason Reitman e Sheldon Turner é a história do solitário Ryan Bingham (Clooney) que vive entre um aeroporto e outro como um “Conselheiro de Transição de Carreira”. Eufemismo de executivo contratado para fazer o trabalho sujo de dar o pontapé na bunda de funcionários das empresas americanas uma vez que os chefes não possuem coragem, ou estômago, para este serviço ingrato.
Na primeira cena já somos apresentados a Ryan e a sua especialidade e capacidade em organizar sua mala de viagem de maneira rápida, extremamente eficiente e milimetricamente organizada. Tudo feito com maestria de alguém acostumado a fazer e desfazer malas e acumular milhas e milhas em viagens. Aliás, seu grande objetivo de vida é acumular 10 milhões em milhas. Até seus truques em como evitar filas demoradas em aeroportos na hora do chek-in é motivo de grande orgulho. Suas artimanhas em estar sempre preparado para embarcar no próximo avião e estar satisfeito com tudo isso nos coloca frente a frente a um sujeito prático, sem problemas afetivos algum e sem laços familiares ou de amizades a lhe “pesarem” nas costas. Qualidades estas que costuma propagar em suas palestras motivacionais com grande orgulho.
No decorrer do filme percebemos que Ryan está feliz com sua profissão e plenamente realizado e de consciência tranqüila de ser o cara que chega às empresas e demite pessoas com um sorriso no rosto e palavras previamente ensaiadas e cartilhas impressas motivacionais para deixar o “demitido”’ consolado e motivado a seguir em frente (mesmo desempregado). Como não tem vínculos com ninguém e sua vida é completamente destituída de quaisquer laços humanos mais íntimos, consegue colocar a cabeça no travesseiro à noite e dormir feliz da vida com a sensação do dever cumprido. Para fazer o contraponto a esta filosofia de vida surge no seu caminho asséptico e incolor Nathalie.
Nathalie (Anna Kendrick) é uma mulher que também tem como profissão demitir pessoas e foi admitida na empresa de Ryan por ter desenvolvido um sistema para fazer este “servizinho” via internet para evitar o contato pessoal com a “vítima” da vez e reduzir os custos operacionais da corporação em viagens de seus executivos. Mas apesar de todo este distanciamento humano a que ela se propôs profissionalmente, é uma mulher que acredita no amor; nos relacionamentos afetivos estando inclusive, noiva e prestes a realizar seu sonho de casar com o homem da sua vida. Usa este sistema até como defesa para não ter que enfrentar face a face o constrangimento de dar a triste notícia e presenciar a dor alheia. Acompanha Ryan Bingham por algum tempo em suas viagens para aprender o ofício e aprimorar seu sistema. Nestas viagens ambos irão fazer um duelo verbal muito interessante sobre a conveniência – ou não – do casamento, família, relacionamentos e tudo mais.
Para dar equilíbrio a estas propostas antagônicas aparece então Alex (Vera Farmiga) uma mulher com o mesmo estilo de vida de viver em aeroportos e hotéis. Claro que o relacionamento de Alex e Ryan será entre um hotel e outro. Nada muito complexo. Sexo casual, bom papo sobre hotéis e restaurantes e uma companhia agradável para passar o tempo. Suas afinidades são comparar Cartões de Fidelidades de companhia aéreas, empresas de aluguéis de carros e restaurantes. Aliás, interessante notar aqui que na carteira de Ryan não existem fotografias de sua família (pai, mãe, irmãs ou outro ser humano qualquer). Só cartões de crédito e de empresas para acumular milhas e vantagens de serem “Vips” por onde passam. Seu apartamento também é muito prático e vazio. Mais parece um quarto de hotel tal a “funcionalidade” e ausência de calor humano e aconchego. O que pareceria uma convivência harmoniosa e conveniente para Ryan, Alex tem alguns laços familiares e não é tão distante assim dos relacionamentos humanos. Não sabemos muito sobre sua vida além da sua atividade profissional. Mas percebe-se que ela tem onde jogar “âncora” após suas viagens. O que não é o caso de Ryan. Temos assim um extremado anti-social Ryan que jura não o ser já que vive rodeado de pessoas em aeroportos e hotéis (sua concepção de convivência com outras pessoas); Alex uma pessoa que vive no meio-termo de hotel/lar e na outra ponta Nathalie uma pessoa que necessita de família e laços afetivos (apesar da sua profissão a tornar uma pessoa que desfaz vínculos).
Este triângulo “profissional” irá fazer com que o espectador pense sobre a busca da felicidade, os relacionamentos humanos, as escolhas na vida e as razões que temos em viver desta ou daquela maneira. Além é claro de fazer questionamentos sobre a possibilidade de se ser feliz sozinho sem laços afetivos algum. Ryan acredita que sim. Alex vive, aparentemente, da mesma forma, mas não acredita numa vida tão solitária. Nathalia, apesar da profissão, acredita piamente no amor.
O filme é interessante sobre todos os aspectos levantados acima e faz com que o espectador fique atento aos diálogos e discussões sobre estes temas tão relevantes que são os relacionamentos humanos. Ficou muito estranho, e até certo ponto muito contraditório, o momento em que Ryan convence o cunhado - que estava prestes a desistir do casamento - a subir ao altar. Bem ao estilo de “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. Como alguém tão convicto no celibato convence alguém a casar? Então ficamos com a pulga atrás da orelha. Mas não por muito tempo. Percebe-se igualmente que Ryan, apesar de toda sua ojeriza ao casamento, em certo momento está disposto a viver com Alex. A cena em que ele aparece à porta da casa de Alex para, com certeza pedi-la em casamento ou mesmo para pedir que ela venha a viver em sua companhia, é ilustrativa. Seu constrangimento e sua tristeza por não realizar este sonho são evidentes e porque não dizer dolorosos.
Para quem não viu os extras do DVD vai aqui uma mostra do quanto esta vivência solitária era mais uma questão de rotina profissional do que propriamente um preferência pessoal. Estava mesmo era muito a fim de ter uma companhia e estava, de certo modo, a procura de sua cara metade. Só não tinha encontrado ainda alguém que o tivesse fisgado. E quando encontrou Alex, suas teorias foram por água abaixo. Mas o diretor Jason Reitman preferiu deixá-lo sozinho no limbo da “felicidade possível”. O que de certa forma foi toda a tônica do filme. Mas nos tais extras do DVD como eu ia dizendo, aparece Ryan adquirindo (ou alugando) um aconchegante apartamento, comprando móveis e o decorando completamente para torná-lo um ambiente muito humano e acolhedor. Inclusive espalhando flores por todos os cantos. Ou seja, estava feliz e disposto a lançar também sua “âncora” em um porto seguro ao lado da mulher amada. Mas confesso, tristemente, que ficou muito clichê realmente e o diretor preferiu excluir esta vivência do personagem (ou mesmo esta ruptura do discurso de toda a trama). Ficamos assim na dúvida se as escolhas deste estilo de vida de Ryan eram suas convicções profundas ou só uma questão de rotina profissional. O Diretor escolheu pela felicidade possível. Ficou coerentemente triste. Ficou ao menos honesto com todo o desenrolar e o discurso da trama proposta pelo roteirista. Outra cena excluída talvez seja parte de um sonho de Ryan em que ele aparece vestido de astronauta chegando ao aeroporto, pegando um taxi e ao chegar ao seu edifício começar a subir e subir como um balão até ver a cidade do alto. Nada mais sozinho que um astronauta. Sua visão angustiada do cenário aos seus pés imaginando talvez as pessoas abaixo com suas felicidades de uma vivência a dois.
A Vida dos Outros
4.3 645ATENÇÃO: Contém Spoiler! Se você ainda não viu este filme não leia o texto abaixo.
A Vida dos Outros, escrito e dirigido por Florian Henckel Von Donnersmarck é um filme alemão muito interessante porque coloco o espectador como um “Voyeur” involuntário (seria mesmo involuntário? Todo espectador é um voyeur por excelência. Mas enfim...) além de colocar o espectador na corda bamba em torcer para que o Agente da Stasi (Polícia Política da Alemanha Oriental) chamado Gerd Wiesler não encontre vestígios para incriminar Georg Dreyman e a atriz Christa-Maria Sieland. Neste jogo de gato e rato (ou mais precisamente de socialistas contra capitalistas) ficamos atentos ao desenrolar desta história e aguardando as conseqüências na vida de cada um dos personagens envolvidos nesta guerra política de poder e submissão.
Gerd Wiesler (Ulrich Mühe) é um sujeito extremamente competente na sua atividade de agente secreto e sua vida resume-se a cumprir ordens do partido sem questioná-las. Calmo. Calculista. De gestos contidos e fala mansa e monossilábica como a pensar cada frase antes de pronunciá-las. Provavelmente para evitar comprometer-se num governo que controla até o pensamento de seus funcionários num mundo policialesco. Obedece fielmente seus superiores e acredita que sua função é vital para o bem do país já que eliminar “inimigos” do estado é uma tarefa heróica que muito lhe orgulha. Tem uma vida social nula e vive num apartamento asséptico sem qualquer vestígio de relacionamentos humanos. As paredes do seu apartamento são de cores neutras e frias, assim como os móveis e utensílios ali representados. Tudo muito funcional. Parecendo mais um quarto de hotel a um lar. Suas roupas também destituídas de cor que mais parecem um uniforme profissional. Seus modos de atuar lembram um robô programado para apenas uma tarefa: Espionar. Mas não se engane. Ele é eficiente no que faz. Ou era até receber ordens de espionar o dramaturgo e escritor Georg Dreyman e sua amante a atriz Christa-Maria.
Com o desenrolar da trama, Wiesler vai tomando consciência que sua atividade profissional e todos os conceitos políticos que até então acreditava imutáveis e verdadeiros nada mais são que uma guerra de poder entre a elite dominante (Estado) e o povo comum alemão. Com a divisão da Alemanha em Oriental (Socialista) e Ocidental (Capitalista) e a guerra fria em pleno vigor, o governo da parte socialista coloca seus espiões a vigiar seus cidadãos para evitar a fuga para o lado capitalista ou mesmo controlar remessas de informações para o outro lado. Ao vigiar o casal Wiesler toma ciência da insignificância da sua própria existência e realiza suas possíveis fantasias na vida de Dreyman e Chista-Maria. O Casal leva uma vida mais desregrada de comprometimentos políticos e suas rotinas repletas de vigor, paixão e efervescência cultural muito distante da sua vida vazia e sem brilho. O que era para ser uma rotina de espionar e delatar,torna-se uma forma de viver a vida dos outros, literalmente.
Georg Dreyman (Sebastian Koch) é um dramaturgo e escritor teatral que não questiona o regime e vive à margem destas questões políticas e tudo mais. Tem uma vida bastante turbulenta culturalmente falando e não percebe (ou faz de conta que não percebe) o regime opressor que seu povo vive. Até o momento que começa a levantar bandeiras contrárias ao poder dominante. Tem um caso com a atriz Christa-Maria Sieland muito famosa e adorada pelo povo alemão. Quando toma conhecimento que provavelmente está sendo vigiado e que corre perigo de vida ou banimento começa a escrever artigos para a Alemanha Ocidental como forma de protesto e para tornar público os casos de “Suicídio” muito acima do normal ocorridos em seu país.
Christa-Maria Sieland (Martina Gedeck) é uma atriz que tem uma grande legião de fãs (inclusive dentro dos escalões do governo) e leva uma vida, de certa forma, muito melhor que a grande maioria da população. Ao se ver no centro deste imbróglio político acaba caindo nas garras do ministro que a explora sexualmente em troca de mantê-la em cartaz e deixá-la desfrutar de suas regalias e ao seu vício de medicamentos. Será uma peça importante neste triângulo e fará seu sacrifício em nome da pessoa que ama.
Florian Henckel Von Donnersmarck consegue transpor para a tela toda a angustiante vida do povo alemão sob o regime totalitário e policialesco através de seus cenários vazios, suas cores sóbrias e a interpretação contida e eficiente de Ulrich Mühe. A trilha sonora, que a princípio parece exagerada, acaba por ser um elemento importante para salientar momentos chaves. Interessante notar igualmente a mudança de comportamento de Wiesler na medida em que ele vai conhecendo o casal a que deve vigiar e deletar. Sua tomada de consciência da inutilidade de seu trabalho e de sua vida é algo que emociona pela forma brilhante como interpreta este personagem. A queda do muro de Berlim anos mais tarde só veio a evidenciar este fato. A inutilidade de toda aquela engrenagem que a todos aprisionava e banalizava não serviu para nada. Exceto aterrorizar o povo, enriquecer alguns e dar poderes supremos de vida e morte sobre pessoas inocentes a alguns sujeitos inescrupulosos.
À Prova de Morte
3.9 2,0K Assista AgoraATENÇÃO: Contém Spoiler! Se você ainda não viu este filme não leia o texto abaixo.
Tarantino é o cara! Sabendo disso ele se dá ao luxo de, propositadamente, fazer de tudo para que seu filme À Prova de Morte seja visto pelo público como um filme descartável, de péssima qualidade de edição, com fotografia sem retoques e artificialismos e trilha sonora das mais variadas possíveis numa mistura sui generis. Deve ter dado um trabalho enorme para Tarantino e sua equipe fazer esta produção parecer um lixo cinematográfico! Não para seu público cativo que já conhecem suas manhas e excentricidades criativas muito menos para os críticos cinematográficos que adoram filmes “cabeças”. Confesso que balancei com este filme. Tudo bem que Tarantino é criativo e excêntrico nos seus diálogos “nada a ver” intermináveis tão característicos de sua obra (que me declaro de pronto admirador desta façanha) e por sua mania de querer homenagear os filmes da década de setenta e oitenta com suas trilhas sonoras e tudo mais. Mas não é fácil apreciar à primeira vista este À Prova de Morte. Talvez porque tenha visto este filme baixado da internet com qualidade ainda mais inferior daquilo que Tarantino se propôs a fazer e com as legendas andando rápidas demais ou fora de sincronia. Alguns diálogos foram impossíveis acompanhar e lá pelas tantas eu já não sabia mais quem estava falando o que para quem.
Assim, nem com toda a paciência e adoração pela obra de Tarantino foi possível apreciar esta obra e dar-lhe os devidos méritos e aplausos.
Preciso ser sincero e dizer que mesmo com toda esta “criatividade” do Tarantino o filme me pareceu sem propósito. Aliás, o grande propósito do filme foi satisfazer ao próprio diretor sem importar-se com a audiência do grande público. Filmou para si mesmo e para provar aos mortais que ele pode fazer o que lhe dá na telha. Como não precisa provar mais nada a ninguém se dá ao luxo de filmar da maneira que quer e o resto que aceite (ou não). Acho até que só Tarantino (e os seus fãs mais ardorosos) curtiu todo este experimentalismo cinematográfico. Quando vi Planeta Terror também dirigido por Tarantino aplaudi de pé toda aquela encenação e curti muito aquela homenagem aos filmes de terror de quinta. Mas não consegui ficar igualmente entusiasmado por esta produção atual que também simula toda esta plasticidade da precariedade técnica e criativa. Aqueles cortes de edição, a imagem truncada e desfocada, a ação quase que estereotipada dos atores e a canastrice em dose cavalar de Kurt Russel tudo isto já foi visto no Planeta Terror. Já sabemos que Tarantino é um gênio. Agora a ficar a produzir só “homenagens” vai ficar cansativo... Quem assistiu Bastardos Inglórius, Kill Bill I e II, Jackie Brown, Cães de Aluguel, Pulp Fiction – Tempo de Violência, Amor à Queima Roupa e Tempos de Violência sabe que Tarantino é o cara! Espero que esta fase “experimental” passe logo. Já vi Planeta Terror e me dou por satisfeito. Que ele mire suas lentes para mostrar-nos sua genialidade e contar-nos uma boa história.
Só pra não dizer que não falei de flores... Gostei do final e da possibilidade que Tarantino nos coloca da vingança possível e que um dia o bandido irá encontrar alguém que o enfrente e o aniquile. Aquela perseguição de carros da segunda parte foi de tirar o fôlego e é claro aquele “papo de mulher” (que apesar de não ter sido possível apreciar pela baixa qualidade do arquivo baixado da internet) deu para sentir que Tarantino agora foca sua lente para o universo feminino. Não me atirem pedras fãs de Tarantino, porque eu também sou fã do cara! Vou comprar este DVD, rever o filme e provavelmente fazer os elogios que ele merece.
A Cidade das Crianças
3.6 81ATENÇÃO: Contém Spoiler! Se você ainda não viu este filme não leia o texto abaixo.
Geralmente não gosto muito de filmes com crianças. Normalmente atores mirins fazem diálogos com ponto de interrogação a cada final de frase e isso me irrita. Sem contar as caras e bocas exageradas que geralmente fazem. Claro que existem algumas exceções. Não são muitas, mas existem. Sendo assim, foi com certo receio que comecei a assistir ao DVD “A Cidade das Crianças” uma produção francesa dirigida por Nicolas Bary. Como o próprio nome do filme indica, a película estaria repleta de crianças atuando e eu estava com receio de assistir. Para minha surpresa este receio durou pouco porque os atores simplesmente foram de um desempenho acima da média e assim foi possível apreciar, de bom grado, este espetáculo cinematográfico com atuações convincentes dos pequenos. Claro que a direção de arte ajudou (e muito) a transformar a cidade de Timpelbach e seus personagens em um encantador e mágico conto de fadas. O figurino dos personagens exageradamente caricatos, principalmente das crianças, deu um toque surreal interessante e ajudou muito no sentido de fazer do filme uma obra inesquecível.
Timpelbach é uma vila com crianças rebeldes que afrontam pais e professores e ninguém consegue dominá-los ou educá-los corretamente apesar de todas as tentativas neste sentido. Traquinagens de toda ordem são cometidas pelas ruas e, mesmo a professora mais durona do lugar, não consegue controlá-los nas suas artes e travessuras. A autoridade policial também não consegue dominá-los. Os pais, por outro lado, não impõem respeito e também não conseguem se fazer compreender e a desordem se estabelece. Para por fim a este caos, os adultos resolvem abandonar a cidade deixando as crianças sozinhas no intuito de ensinar-lhes, de forma definitiva, o valor da boa educação e da convivência pacífica. A princípio a gurizada aproveita esta “liberdade” para aprontar poucas e boas e a fazer o que lhes dá na telha sem interferência de qualquer autoridade ou adulto por perto. Mas o que parecia o melhor dos mundos logo se transforma em problemas e as soluções nem sempre condizem com as conseqüências. Pequenas decisões como preparar o almoço do dia, tomar banho e outras atividades rotineiras tornam-se difíceis visto que não existem regras ou alguém para dizer (ou fazer) o que precisa ser feito.
Nesta balbúrdia toda Oscar, o líder de uma gangue juvenil, vai transformando a vida de todos na vila em um inferno sem lei. Marianne, seu oposto, vai tentando, na medida do possível, administrar o restante das crianças num ambiente mais ordeiro e pacífico. Assim, a personalidade, o caráter e a habilidade de cada criança precisam ser colocados em prática para solucionar os problemas e conflitos. Uma metáfora interessante para analisarmos o comportamento adulto e os ensinamentos que estes transmitem aos seus filhos. Não é à toa que a violência de Oscar é a imagem da própria violência que sofre do pai. Ou o comportamento das demais crianças em relação as suas vivências familiares. O exemplo dos adultos (e por tabela seus pais) é que determina o comportamento das crianças e, ao verem-se sozinhas, nada mais fazem que repetir os mesmos erros comportamentais.
Ao afastarem-se da vila, os adultos também recebem sua lição de moral e voltam para casa transformados e, de certa forma, também educados para que seus comportamentos perante os filhos sejam diferentes e mais afetivos. As crianças também aprenderam que é preciso viver em harmonia dentro de parâmetros de respeitabilidade, lei e ordem. Brincar é ótimo mas é preciso ter um tempo para o estudo e para algumas responsabilidades. O exemplo sempre é mais educativo que meras palavras. Se existe alguma moral que o filme deixou diria que foi esta, sem sombra de dúvida.
A Caixa
2.5 2,0KATENÇÃO: Contém Spoiler! Se você ainda não viu este filme não leia o texto abaixo.
Aquela velha premissa de que “a vida é feita de escolhas” é o ponto de partida do filme A Caixa, dirigido por Richard Kelly tendo como atriz principal Cameron Diaz na pela da personagem Norma Lewis. O roteiro centrou-se basicamente na questão moral de descobrir até que ponto o ser humano é capaz de tirar vantagem à custa do sofrimento alheio (apertar o tal botão da caixa) ou deixar a vida como está (não apertar o botão) e tentar de outra forma conseguir superar suas dificuldades financeiras, sociais e familiares. Esta questão é milenar e até a propaganda brasileira já tirou sua lasquinha nesta premissa com a “lei de Gerson” de tirar vantagem de tudo e o resto que se dane. A questão colocada no filme é: Você seria capaz de matar um desconhecido para ganhar um milhão de dólares?
O suspense do filme é relativo visto que já sabemos o argumento principal e ficamos só no aguardo das possíveis consequências deste ato (toda escolha tem consequências, como tudo na vida). Cameron Dias até se sai bem como Norma Lewis tentando encontrar uma fórmula para dar uma melhor condição financeira para sua família e um futuro promissor para seu filho. A canastrice de James Marsden interpretado Arthur o marido de Norma incomoda um pouco pelas caras e bocas exageradas. Não entendi a razão da necessidade do filme ser tão longo e gostei, sobretudo, da trilha sonora que elevava muito mais o clima de suspense que faltava nas imagens ou nas interpretações. A produção caprichou na reconstituição de época, figurino e tudo mais, mas, deixou de lado a questão moral, ética e psicológica dos personagens que ficaram relegados a segundo plano. Afinal, esta questão de matar uma pessoa, mesmo que desconhecida, para levar vantagem ficou muito tênue. O final do filme deixou claro que mensagem “moral ou ética” poderia se esperar de alguém que faz aquele tipo de escolha (apertar o botão). Não conheço a versão original que deu origem ao roteiro cinematográfico, mas achei exagerada toda àquela explicação sobre raio, planeta Marte e alienígenas dando show de moral e ética na raça humana.
Para entender este filme e da necessidade que a produção encontrou para dar as explicações de Raio, Planeta Marte, Alienígenas e tudo mais só se e o assistirmos como uma metáfora da passagem bíblica sobre Sodoma e Gomorra onde anjos (representado por Arlington Steward interpretado por Frank Langella) chegam para encontrar uma família que tenha bons princípios “morais e éticos” que possam ser a justificativa para a não destruição de toda a raça humana. Claro que Arthur Lewis (James Marsden) como marido de Norma seria a representação de Ló que tenta salvar sua família (e por analogia a espécie humana) da destruição alienígena (Deus). Sua mulher não vira estátua de sal, mas as consequências de seus atos (nossos atos, como seres humanos) vão determinar nosso futuro.
Vale à pena assistir ao filme até para pensarmos um pouco sobre esta perspectiva de ética, moral, família e as escolhas que somos obrigados a fazer durante a vida. Mas não espere muito. É só mais um filme de entretenimento. Que pode, ou não, gerar algumas considerações e reflexões em quem estiver a fim de conjecturas desta natureza após a sessão de cinema.
(500) Dias com Ela
4.0 5,7K Assista AgoraATENÇÃO: Contém Spoiler! Se você ainda não viu este filme não leia o texto abaixo.
Já escrevi aqui neste blog que sou fã de comédias-românticas bem açucaradas e tudo mais. Foi com este espírito que resolvi assistir (500) Dias Com Ela dirigido por Marc Webb. Ledo engano meu. O filme até tem um pouco de comédia, claro. Muito de romance e discussões a cerca de relacionamentos homem/mulher. Isso mesmo, nesta ordem: Homem discutindo a relação com a mulher amada! Bem, já deu pra perceber que o filme inverteu a ordem natural das coisas ou aquilo que estamos acostumados a assistir em filmes românticos ou comédias leves. E para ser sincero, saiu-se muito bem neste propósito. Pelo título do filme já foi possível perceber a inversão de perspectiva narrativa bem como a inversão de valores visto que o homem é que terá seus sentimentos e aprendizados colocados entre parênteses! Aliás, uma narrativa nada linear uma vez que os dias apresentados na tela transcorrem sem uma ordem cronológica. Mas não se preocupe: de fácil compreensão em uma edição muito criativa. Uma visão um tanto quanto heterodoxa (se é que se pode usar esta palavra para uma simples resenha cinematográfica) das motivações e sentimentos amplamente aceitos (e inúmeras vezes repetidos) nos roteiros dos filmes classificados como “água com açúcar” ou “garota procura garoto para romance de final feliz”. Só que neste caso e nesta produção em particular, sob o olhar masculino.
Interessante que o título também já nos dá uma dica de como será o final do filme e o abandono do personagem principal da história e a sua desilusão com a perda do seu grande amor. É eu sei, contei o final do filme... Mas a culpa não é minha e sim do título e acredito intenção real de seus roteiristas! Mas não é um filme triste. Longe disso! Afinal, a vida é feita de perdas e ganhos e o espectador é convidado a entender (ou vivenciar) esta incrível história de amor sob a perspectiva masculina. Neste particular é que o filme é honesto, íntegro e, acima de tudo, sem utilizar de artificialismos e fáceis clichês. Ao colocar a premissa logo no início da projeção e no título do filme o espectador é convidado a não esperar os créditos finais para saber os destinos do jovem casal, mas a vivenciar a experiência de um romance fracassado e, em consequência, crescer como ser humano. Ou quem sabe mesmo tentar entender os motivos que levaram o casal a ter esta ou aquela atitude perante o relacionamento a dois. O que não deu certo? Onde o amor falhou? A culpa foi de quem? Procurar respostas para estas e outras perguntas é a intenção do filme e o espectador vai vivenciar estas questões e sofrer (e ser feliz) com Tom Hansen (Joseph Gordon-Levitt) nos 500 dias em que amou e viveu ao lado de Summer Finn (Zooey Deschanel). Quinhentos dias entre parênteses, não se esqueçam!
Tom Hansen é um arquiteto formado que trabalha como escritor de cartões de felicitações em uma empresa de Los Angeles que no dia 8 de janeiro conhece Summer Finn a nova assistente do seu chefe. Amor à primeira vista, claro! Assim começa o primeiro dia. Ele é um cara romântico que acredita no verdadeiro amor, em relacionamentos sérios e duradouros e coisa e tal. Summer é uma mulher moderna, independente e completamente alheia a estas questões afetivas e que possui uma visão bastante liberal sobre relacionamentos, sexo e amor. Aliás, ela não acredita no amor e seus casos e encontros são puramente sexuais e efêmeros. Summer possui a mentalidade da maioria dos homens você deve estar pensando. Pois é... Aqui os papéis se invertem e quem gosta de discutir a relação é ELE e não ela! Para Summer é só um caso de verão e nada mais (Será este apenas um trocadilho infame dos roteiristas?).
Entre idas e vindas o casal vai levando a vida e o relacionamento se fortalece em determinado momento para enfraquecer em outro. A cena em que retrata o dia seguinte da primeira transa deles é simplesmente hilária e vai ficar como antológica da sétima arte. Todo mundo que teve na cama a pessoa amada (e perdidamente desejada) com certeza sente-se como se estivesse a bailar pela rua indiferente a multidão. Até mesmo ver passarinho azul deve ser coisa normal em momentos de extrema felicidade. O mundo se torna mais colorido, as pessoas mais simpáticas e tudo parece que vai dar certo. O tempo passa e Tom Hansen percebe que sua namorada (seria mesmo sua namorada?) possui um comportamento despojado demais para suas pretensões sérias de levá-la ao altar. Summer não é uma garota de guardar opinião e diz na lata o que lhe vem à mente colocando seu parceiro em verdadeiras arapucas e em situações constrangedoras (para não dizer de puro sofrimento e angústia). Mas o amor é mais forte e ele tenta, desesperadamente, não perdê-la.
Outra cena antológica (com certeza será repetida em outros filmes) é a perspectiva que a pessoa que ama tem em relação à realidade dos acontecimentos que envolvem a pessoa amada. Quem ama sempre tem expectativas favoráveis ao futuro do romance o que nem sempre acontece na realidade. Na cena em questão Tom é convidado a participar de uma festa na casa de Summer e neste momento a tela se divide em duas. De um lado assistimos as “Expectativas” de Tom em relação a este reencontro e tudo o que ele gostaria que acontecesse nesta festa que seria reatar o romance e ser o centro das atenções da mulher amada. Porém, o que se vê na outra metade da tela é justamente o contrário. A “Realidade” é mais crua e dura e é impossível não sentir uma pena enorme deste homem apaixonado e uma raiva imensa desta mulher insensível. Para piorar as coisas ele descobre que ela está noiva de outro cara! Ele deve ter pensado: “como assim?” A mulher sempre argumentou contra união estável e tudo mais e de repente ela vai CASAR com outro? O coitado sai em disparada da festa e o seu mundo desaba.
Sofrer por amor é duro. Ser abandonado quando se está perdidamente apaixonado mais cruel ainda... Mas a vida continua e é preciso seguir em frente. Por não ser uma comédia romântica padrão o filme retrata apenas uma fase na vida de um cara que se apaixonou pela mulher errada que nem de longe é sua alma gêmea. Solidão, abandono e a dura realidade pela frente. Assim ele larga o trabalho de fazer cartões de amor e felicitações vazias e sem sentido (isso ele descobre depois) e vai procurar emprego como arquiteto. Outra grande ironia do roteiro. Enquanto Tom dedicava sua vida a escrever sobre amores, felicidades e confraternizações em cartões para enamorados anônimos seu destino tratava de impor-lhe outra dura realidade. De tanto escrever sobre felicidade acreditava, sinceramente, que encontraria sua alma gêmea e então também teria direito a receber seus cartões em datas festivas. Um cara que sabe escrever sobre o amor deveria saber conquistar a mulher amada. Mas não foi o que aconteceu como se viu. Quando finalmente resolve dedicar-se a projetar “sonhos reais” (liberdade poética minha) e a desenhar linhas em ferro, concreto armado e a fazer cálculos matemáticos o amor, finalmente, bate-lhe na porta. Assim é a vida! Nada melhor que um novo amor para esquecer um amor perdido.
Gostaria de abrir outro parêntese aqui (como tantos parênteses neste texto e no próprio título do filme). Ou um novo parágrafo como queiram. Enfim... Gostaria de acrescentar que ao assistir (500) Dias Com Ela tive a impressão de estar assistindo um filme de época. O figurino; os cenários; a fotografia; os gestuais dos atores, tudo me levava a crer que a história de Tom e Summer se passava na década de 60 ou 70. Claro que as cores utilizadas no filme não eram berrantes ou caleidoscópicas como naquela época. Mas o corte das roupas, a fita no cabelo da Summer; o colete inseparável de Tom; o madeiramento do escritório e os prédios sempre antigos retratados nas ruas de Los Angeles me levaram a ter esta impressão. Até o relógio que o despertava para a triste rotina era um modelo bastante antiquado (ou me pareceu no momento) e a loja onde só apareciam discos de Vinil. Levei um susto, porém quando vi a cena em que Tom e sua jovem irmã estão a se divertir em uma partida de vídeo-game em um aparelho de última geração com joystics sem fio! Pelo visto só eu tive esta impressão de “filme de época” já que não li nenhum comentário neste particular dos meus amigos que viram o filme.
Para os que estão a chorar rios de lágrimas neste momento por um amor perdido ou não correspondido esta história é bastante ilustrativa e mostra que nem tudo está perdido e que este momento de sofrimento é passageiro. No futuro irão perceber que a dor não era tanto assim e que aquele amor na realidade foi mesmo é superestimado (ou não... vai saber). Para usar um velho clichê diria que “o tempo cura todas as feridas”. Se existe uma lição de vida para ser aprendida neste filme (e sempre se aprende alguma coisa em produções com esta qualidade e honestidade) esta lição poderia ser resumida numa frase: A felicidade pode ser efêmera, mas não existe dor que dure para sempre. O clichê é meu, podem atirar as pedras!
Um Coração no Inverno
3.9 11ATENÇÃO: Contém Spoiler! Se você ainda não viu este filme não leia o texto abaixo.
Um Coração no Inverno é uma produção cinematográfica francesa de 1992 com direção de Claude Sautet que poderíamos chamar de uma história de amor. Ou sobre relacionamentos humanos, ou como a falta deste interfere na vida do indivíduo. Mas não se aprece a fazer conjecturas erradas ou a torcer o nariz a pensar que Claude Sautet realizou mais uma daquelas histórias água-com-açúcar para adolescentes enamorados ou para meninas suspirarem na sala escura do cinema. Até porque, com temática tão intrincada (em certo sentido, já que não estamos acostumados a esta abordagem adulta sobre o amor) seria esperar demais que este filme fosse direcionado a este público jovem. Para não ficar divagando demais sobre coisa nenhuma seria interessante apresentar os personagens principais e suas características para que possamos fazer uma análise sobre este belo filme. Sim, trata-se de um triângulo amoroso... Mas como eu disse anteriormente, não se apresse a fazer julgamentos.
Stéphane (Daniel Auteuil) é um especialista em conserto e fabricação de violinos. Dedica sua vida como luthier com afinco e paixão. É um sujeito refinado, com apurada sensibilidade musical e leva uma vida reclusa sem relacionamentos afetivos (mesmo que efêmeros). Seu círculo de amigos restringe-se ao seu sócio no ateliê, uma proprietária de uma livraria que o acompanha nos almoços executivos e com quem troca pequenas confidências sem relevâncias e seu professor de violino. Tanta dedicação ao seu ofício e desapego de afetividades humanas o leva a residir na própria oficina. Mesmo a relação com seu aluno/aprendiz são estritamente profissionais. Stéphane é o estereótipo do homem que se fecha em si mesmo sem expressar sentimentos (exceto pelo som de seus violinos). Por seu diletantismo Stéphane é quase um morto-vivo que não possui outras preocupações na vida que não seja sua arte. Um coração frio como o inverno.
Maxime (André Dussolier) é um homem refinado, ativo, bem resolvido na vida e atua como marchand na sociedade com Stéphane na oficina de violinos. Maxime é o oposto de seu sócio: Casado, com uma vida intensa e relacionamentos profundos. Permite-se, inclusive, a outras conquistas amorosas. Neste momento da história, está disposto a começar um novo relacionamento e a viver uma nova e grande paixão. Nada o detém de seguir em frente na conquista de novos clientes e mores. Poderia se disser, que ele luta pelo que deseja sem medo de sofrer as consequêrncias (muito menos de usufruir os bons momentos sem culpa). Não tem a mesma genialidade musical e artesanal de Stéphane, mas também não se sente inferior a isso. Aproveita a vida da melhor maneira possível sem receios de fracassos ou desilusões.
Camille (a belíssima Emmanuelle Béart) é uma jovem violinista que está prestes a ser reconhecida internacionalmente por seu talento musical. Livre, jovem, talentosa e bela Camile conquista admiradores por onde passa. Romântica e igualmente disposta a entregar-se de corpo e alma a uma grande paixão é o elo que une estes dois antagonistas no seu círculo. No início da trama é apresentada ao espectador como a “amante” de Maxime. Mas a troca de olhares entre ela e Stéphane dá o tom do que está por vir. Fica evidente que uma química se estabelece entre os dois. Como conciliar isso? Como lutar contra esta força que é o amor proibido? Como Stéphane vai lidar com este sentimento que a muito custo tentou evitar durante anos de um amadurecimento silencioso e recluso? Camile saberá lidar com a indiferença e a recusa? Muitas dúvidas e questionamentos que o desenrolar da trama vai esclarecer (ou não). Nada é muito explícito e o espectador é convidado a interpretar o que não é dito; a entender olhares; gestos e a ler nas entrelinhas os diálogos contidos e a falta de gestuais. Tudo com manda a cinematografia francesa.
Este é o triangulo deste romance singular. Máxime que ama Camille que se apaixona por Stéphane que não ama ninguém (ou finge que não ama... Ou não se permite amar...) Para falar a verdade, não fica claro qual o objetivo de Stéphan em fazer o jogo da conquista e depois simplesmente fazer-se de difícil e voltar-se para seu ostracismo. Com respeito à amizade de Maxime é que não foi já que diz, com todas as letras, que ele é somente seu sócio e não amigo. Provavelmente por medo da decepção, pelo desgaste da relação. Enfim... O roteiro de Claude Sautet, Jacques Fiesch e Jérôme Tonnerre dão pistas deste comportamento arredio de Stéphan durante o desenrolar da trama. Em uma passagem Stéphan e Maxime estão em um barzinho e assistem um casal discutindo a relação em altos brados numa mesa próxima. Em outra cena assiste uma briga de seu professor de violino com a esposa e fica apavorado em saber que, mesmo este casal tão enamorado em público possa ter um relacionamento tão tumultuado quando na intimidade.
Outro grande mérito desta produção é usar a trilha sonora como um personagem principal para contar esta história. Ou mais precisamente levar o espectador a “sentir” na pele o que os personagens estão sentido em determinado momento. Em algumas cenas podemos intuir o que virá a seguir só pelo tom e andamento da trilha sonora. Cada cena é pautada por uma música que demonstra o espírito dos seus personagens naquele exato momento (ou o que virá). No início, temas mais românticos e suaves para demonstrar o surgimento do amor. Depois a música espelha os ânimos de todos com a perspectiva de futuro (ou não) deste romance que não desenvolve e que fica no limbo a espera de uma decisão de seus envolvidos. Quando o amor flui (ou parece fluir) a música é alegre, vibrante e contagiante. Com o abandono a trilha sonora reflete toda a dor no dedilhar martelado do violino e as vibrações de suas cordas em total turbilhão. Toda esta amplitude de sentimentos e um único compositor: Maurice Ravel. Um gênio que soube entender a alma humana e, segundo dizem, Um Coração no Inverno a história de sua própria existência.
Um filme comovente com interpretações de uma sutileza que só os franceses sabem fazer. O trio de atores consegue transmitir todas as nuances deste tumultuado relacionamento. A beleza e interpretação de Emmanuelle Béart deixam o espectador com o coração na mão diante de todos os sentimentos que seu personagem viveu neste brilhante trabalho. Direção de arte perfeita e direção de atores igualmente. Um filme para ser revisto inúmeras vezes.
O Livro de Eli
3.6 2,0K Assista AgoraATENÇÃO: Contém Spoiler! Se você ainda não viu este filme não leia o texto abaixo.
Filmes que tratam do fim do mundo têm público garantido nos cinemas e, por isso mesmo, lucro garantido na caixa registradora. Como dono de locadora situada em bairro predominantemente de evangélicos já percebi que eles adoram esta temática até como justificativas para a sua fé inabalável e como forma de argumentação para atrair mais fiéis a sua religião. Tenho vários clientes crentes que adoram dizer que o fim está próximo e que é preciso converter-se e aceitar a palavra de Deus para poder salvar-se do fogo eterno e tudo mais. Quem não é crente (evangélico) está perdido já que os “sinais” do fim do mundo são evidentes e reveladores. Sendo assim, a grande mensagem que deixam pelo caminho é: “Pegue sua Bíblia e converta-se o quanto antes, pois o fim está próximo”! Ao assistir o filme O Livro de Eli com direção de Albert Hughes e Allen Hughes foi impossível não fazer um paralelo com toda esta argumentação religiosa. No caso do filme a bíblia seria o futuro da humanidade visto que a hecatombe já ocorrera. Uma contradição visto que, pelo roteiro de Gary Whitta, foi justamente a guerra santa a responsável pela destruição do planeta. Claro que no filme ficou bem explícito que o uso do tal livro sagrado por parte de Carnegie (Gary Oldman) seria somente uma questão de poder e dominação e não uma questão de fé. Eli (Denzel Washington) sim tem uma fé inabalável e tudo faz para que a palavra de fé e esperança contida no livro possa servir de salvação e redenção da raça humana.
Todavia, existem algumas contradições no decorrer do filme que não prejudicam muito o espectador que só deseja assistir a um filme “catástrofe” com cenários em ruínas, cores sombrias e algumas cenas de ação para temperar tudo e não deixar o público indiferente. Para citar algumas contradições: 1) A causa da guerra foi a religião (guerra santa) razão pela qual todas as bíblias (ou livros santos) foram queimados. Como se explica então que é justamente a bíblia a salvadora da humanidade? Não iríamos cair na mesma armadilha e fazer exatamente as mesmas coisas e perpetuar a guerra para todo o sempre? 2) A terra foi devastada e a população sobrevive sem lei, ordem ou um poder controlador (presidente, governador, etc...). Quem determinou a destruição dos livros após a guerra se o mundo está em caos e sem autoridade? 3) Sendo a bíblia um dos livros mais vendidos de todos os tempos como se explicaria que só existisse apenas o “Livro de Eli” que ainda por cima é mais raro já que está escrito em braile? Claro está que, se houvesse sobrevivido um livro, não seria em braile já que a proporção de livros escrito desta forma é muito menor que o livro impresso de forma normal. 5) Se o futuro da humanidade depende da fé para reerguer-se porque a salvação veria justamente através da fé cristã que, no filme foi a responsável pela destruição e sofrimento? Seria mais lógico que os sobreviventes buscassem outras formas de apoio espiritual e religioso e assim encontrar ânimo e fé de um futuro promissor sem cometer os mesmos erros e seguir uma fé que fora responsável pelo apocalipse.
Apesar das contradições a metáfora sobre o livro em braile é interessante. Quantas pessoas hoje em dia possuem “conhecimento” sobre a bíblia e não fazem a leitura correta de seus ensinamentos. Os líderes da Igreja e Templos que fazem a “interpretação” da Bíblia ao seu bel prazer em interesses meramente pessoais e gananciosos esquecendo-se de transmitir o conhecimento da verdadeira fé e de uma vida realmente cristã ou evangélica. A igreja e outras religiões que fazem da Bíblia apenas um instrumento de poder, submissão do povo e, principalmente, usam este livro sagrado somente com o intuito de arrecadar fundos para seus templos e interesses escusos sem preocupar-se com as carências materiais e espirituais de seus discípulos. Quando Carnegie finalmente está de posse do livro não consegue lê-lo porque não possui a capacidade de interpretá-lo como muitas pessoas hoje em dia. Possuem o livro na estante, mas não o lêem como deve e não praticam suas palavras cotidianamente. Escondem-se atrás da Bíblia para estarem de bem com suas consciências, mas esquecem de praticá-la corretamente. Até mesmo Eli, que ao proteger seu livro, praticou inúmeras ações consideradas falhas espiritualmente falando, esquecendo-se de que o importante é a ação de bondade para com os semelhantes e tudo mais. Quando reconheceu isto, deixou seu livro para seguir a palavra em atos concretos. Ao ser perguntado por que deixou seu livro para trás responde que o importante não é as letras impressas que o livro contém, mas as ações que ele ensina e que devemos praticá-la para sermos pessoas de fé e verdadeiramente cristãs. Sua jornada para que o tal livro fosse impresso novamente deixando de ser uma mensagem “cifrada” (linguagem em braile para uma minoria em uma metáfora de poucos conhecedores da palavra sagrada) para uma literatura para a grande maioria onde o que importa é a ação humana da bondade, do perdão e da fé. A grande mensagem que eu captei do filme (se mensagem alguma ele transmitiu) foi de que só através do conhecimento poderemos ser livres e donos do nosso destino. Através do conhecimento individual de cada um é que será possível não sermos subjugados, escravizados e explorados por aqueles que se dizem os donos da verdade. Ler é importante. Ter o conhecimento mais importante ainda. Mas acima de tudo, é preciso praticá-lo dia-a-dia. Caso contrário, será um livro em “braile” e por esta razão seremos passiveis de sermos manipulado e escravizado por “cegos” da verdade e da fé.
A Cegueira de Eli
No filme O Livro de Eli uma das muitas leituras que se pode fazer desta obra diz respeito ao personagem que da título ao filme no que diz respeito a sua cegueira. Com relação a ser o personagem ser cego ou não, se pode argumentar sob inúmeras perspectivas e entendê-lo igualmente de várias formas. Talvez este fato seja a chave para entender melhor o personagem e as suas motivações para empreender aquela jornada de dimensões que ele próprio desconhecia e pela qual lutou com coragem e determinação.
Com relação à cegueira de Eli ainda estou em dúvida se ele sempre fora cego desde o início do filme. Mas acredito que enquanto ele portava “O Livro” não era cego já que possuía a prova física (a Bíblia) da existência da palavra de Deus e seus ensinamentos. Tinha, portanto, um livro para orientá-lo na sua missão e palavras de esperanças no futuro. No momento que se afastou do livro sagrado para salvar um ser humano (ato cristão de bondade) entendeu finalmente os ensinamentos que tanto lera e interpretara e neste momento de decisão, foi a FÉ a resposta de seu ato. Somente a FÉ estava com ele e se manifestou de forma inequívoca neste momento, razão pela qual a "visão" física das coisas já não interessava mais. Ele possuía a FÉ inabalável na crença de Deus, portanto a Bíblia escrita por humanos já não tinha importância alguma. Afinal, ele salvou uma vida em nome da fé e isto o redimiu e o permitiu "enxergar" e acreditar, além da nossa capacidade física, na existência de Deus e de seu amor por nós.
Assim, sua fé o redimiu dos seus atos e a compreensão dos ensinamentos da bíblia colocados em prática o tornou um ser humano mais cristão e, por isso mesmo, mais perto da palavra de Deus. A bíblia que fez questão de ditá-la para que ela fosse novamente impressa é uma prova de que ele estava disposto a provar que é possível ler a bíblia com os “olhos” da alma e torná-la um instrumento, muito mais que um livro decorativo empoeirado em estantes, um guia espiritual para a humanidade.
A Ostra e o Vento
3.6 70ATENÇÃO: Contém Spoiler! Se você ainda não viu este filme não leia o texto abaixo.
A programação da televisão no Brasil é uma temeridade. No sábado e domingo então é uma baixaria só, além daqueles programas de auditórios copiados do tempo em que eu era adolescente (e já faz tempo isso!) cansa qualquer um que tenha mais de dois neurônios. Não adianta procurar outro canal porque a programação é a mesma em todos eles. Sinceramente não sei como alguém consegue assistir televisão hoje em dia. Dificilmente se encontra algo que realmente comova ou faça o espectador pensar um pouco. Até não seria exigir muito que os responsáveis pela produção (e consequentemente dos programadores) dos canais de TV tivessem um pouco mais de criatividade e nos brindasse com algo mais construtivo ou um entretenimento de melhor qualidade. Mas enfim, não era sobre a programação televisiva que eu gostaria de escrever. Zapeando os canais televisivos de ontem à noite (sábado) sem qualquer perspectiva de encontrar algo que prestasse, sabendo de antemão que, ou assistiria o que estivesse passando na TVE (Canal 7 de Porto Alegre) ou desligaria o aparelho. Para minha sorte estava começando naquele exato momento o filme A Ostra e o Vento, com direção e roteiro de Walter Lima Jr. De imediato o filme captou minha atenção pelas belas imagens naturais de uma ilha e seu farol no topo da montanha. Resolvi então acompanhar a história já que a solidão de qualquer farol (e a vida da pessoa que nele vive) me fascina.
José (Lima Duarte) é o responsável pela manutenção do farol e pai de Marcela (Leandra Leal) únicos habitantes do local. Suas vidas resumem-se em rotinas simples de manter em funcionamento o tal farol no topo da montanha. Marcela (apesar de seus poucos anos) cuida da alimentação, limpeza e outros pequenos afazeres domésticos enquanto seu pai fica responsável em fazer com que o farol ilumine a perigosa costa e assim evitar acidentes das embarcações que navegam nas imediações da ilha. Uma vida pacata e muito tranquila. É o que se supõe ao imaginarmos uma vida num lugar assim. Mas a solidão cobra um preço muito alto e José, com seu amor possessivo e autoritário, torna a vida da menina Marcela uma prisão ao não permitir que ela tenha contato com o continente ou com outros homens.
No início do filme quatro marinheiros chegam à ilha para abastecê-la de suprimentos e a encontram deserta. O farol está quebrado e sujo de sangue. Ao percorrerem o local Daniel (Fernando Torres) encontra o diário da menina abandonado na praia. De imediato somos apresentados ao primeiro enigma do enredo: O que teria acontecido com José e Marcela? Com o desenrolar da trama outros enigmas vão surgindo e o espectador é convidado a raciocinar para descobrir a identidade e o paradeiro da mãe de Marcela. Onde ela está? Quem é Roberto e Saul?
O interessante é que o filme não é linear e a narrativa utiliza-se de flashbacks para fazer com que o espectador fique sempre atento à história e assim poder solucionar os enigmas que estão espalhados pela ilha. Passado, presente e futuro se misturam a todo o momento e o mais interessante é a criatividade do roteiro em fazer os personagens contracenarem entre um tempo e outro na mesma cena. Marcela criança ainda contracena com ela própria aos 13... 14 anos e José, em certos momentos, está “dialogando” com ele próprio no passado/presente/futuro. Este truque inteligente é utilizado também com os quatro marinheiros que chegam à ilha para abastecê-la com suprimentos e a encontram deserta no início do filme. Para desvendar este mistério, o espectador é convidado a acompanhar o desenrolar desta investigação e descobrir a razão dos acontecimentos passados na ilha.
Leandra Leal, em seu primeiro trabalho como atriz, dá um show de interpretação ao mostrar-nos uma jovem na flor da idade e descobrindo a sua sexualidade numa solidão sufocante e angustiante. Por não ter com quem compartilhar suas descobertas e amigos da sua idade a quem conversar encontra no vento uma companhia inusitada, mas constante. Daniel é a única pessoa que parece entendê-la e, nas poucas vezes em que se encontra na ilha, passa a ensiná-la e a fazer a ponte de ligação com o continente. Igualmente Pepe (Castrinho) outro marinheiro também é seu amigo e sempre lhe traz presentes. Mas estas amizades com os “adultos” não são suficientes para aplacar suas dúvidas e muito menos para satisfazer seus desejos de menina/moça que está sentindo aflorar a sexualidade.
O filme prende a atenção do espectador na medida em que o coloca como um investigador dos acontecimentos e a atenção devem ser constantes já que tudo ocorre na forma dos flashbacks onde passado, presente e futuro se misturam. Interpretações soberbas de Lima Duarte, Fernando Torres e Leandra Leal fazem de A Ostra e o Vento um grande filme. Além é claro da cenografia eficiente e verdadeira (quase minimalista), da fotografia magnífica e a trilha sonora na medida certa a emoldurar o silêncio e a solidão da ilha. O tempo aqui é outro e este vagar sem diálogos em cenas por vezes poéticas é emocionante.
Baarìa - A Porta do Vento
3.6 95ATENÇÃO: Contém Spoiler! Se você ainda não viu este filme não leia o texto abaixo.
Escrito e dirigido por Giuseppe Tornatore o filme Baarìa – A Porta do Vento acompanha quatro décadas de história de Baarìa uma pequena localidade siciliana em que os moradores do local se referem, em dialeto, a cidade de Bagheria. Para quem não viu o mais novo trabalho de Tornatore um aviso: Não tente entender os personagens que aparecem no decorrer da narrativa porque eles entram e saem de cena em uma velocidade espantosa. Aliás, o filme é um grande painel histórico, político e social desta cidade siciliana e, como tal, relega a segundo plano as histórias pessoais de seus moradores. Inúmeros personagens surgem a todo o momento e suas motivações, complexidades psicológicas, emocionais e tudo mais vão se perdendo ao longo de quase três horas de duração do filme. Fica difícil, em certos momentos, saber quem é quem e as razões de serem retratados nesta ou naquela cena. O espectador fica com a impressão de estar assistindo a uma retrospectiva histórica de um povo e seu país em que os acontecimentos ali retratados ele, o espectador, não possui familiaridade ou não a conhece de todo. Para entender Baarìa - A Porta do Vento na sua complexidade, seria necessário ter um pouco de conhecimento prévio da história da Itália e de seu povo. Só assim, com conhecimento de causa, é que é possível assimilar e apreciar, como se deve, os acontecimentos ocorridos em mais de 40 anos nesta pequena localidade da Sicilia.
Com certeza este filme é uma daquelas produções em que é preciso rever e rever várias vezes para se poder entender e, principalmente, apreciar toda a grandiosidade da obra. Cada vez que o espectador assistir a Baarìa – A Porta do Vento vai maravilhar-se com esta ou aquela cena, esta ou aquela passagem que passou despercebida e emocionar-se com este ou aquele momento retratado em tela. Não pense que estou só a fazer uma crítica ao trabalho de Tornatore. Longe disso! Só gostaria que o leitor deste texto tivesse um pouco mais de paciência com o roteiro e a visão do diretor e se deixasse levar pela beleza plástica das cenas (e são muitas cenas...); apreciasse igualmente o incrível trabalho de reconstituição de época; maravilhar-se com os figurinos e cenários feitos com maestria e é claro emocionar-se, às lágrimas, com trilha sonora composta por Ennio Morricone. Um pequeno adendo: A música de Ennio Morricone faz toda a diferença e não se lembrar de Era “Uma Vez na América” de Sérgio Leone foi impossível já que Morricone também foi o responsável pela trilha sonora deste filme. Ficar indiferente a toda aquele gestual característico do povo italiano e ao seu belo idioma igualmente impossível o que torna esta obra imperdível. Sendo assim, deixe-se levar pelas belas imagens, pela estupenda trilha sonora e depois reveja o filme uma segunda vez para poder entendê-lo melhor no que diz respeito as suas motivações e a história que realmente Tornatore queria contar.
Para não ficar divagando muito devo dizer que foi possível acompanhar a história de Peppino Torrenuova (Francesco Scianna) desde sua infância como um menino problemático nos anos 30 que percorria as ruas de sua cidade a puxar uma vaca e a vender seu leite de porta em porta e sua dura experiência de guerra nos anos 40 sob o fascismo. Foi possível também assistir seu romance proibido com a bela Mannina (Margareth Made) e suas artimanhas para finalmente conquistar e casar com a mulher amada. Juntos passam por privações, sofrimentos e alegrias... Finalmente chegar à maturidade, à vida política e os anos de sucesso na militância no Partido Comunista Italiano e a criação dos seus três filhos. As passagens de tempo não são lineares e acontecem durante todo o filme, indo e voltando na história dos Torrenuova o que dificulta acompanhar as trajetórias dos inúmeros personagens que surgem a todo o momento e a entender algumas passagens históricas da Itália e seu povo. Todavia, é possível focar a atenção na família de Peppino e Mannina e assim não ficar muito perdido na trama. Acompanhar o desenvolvimento da cidade de Baarìa de cidade tipicamente agrícola em uma grande metrópole com seu caos no trânsito foi interessante. Bem como ver o surgimento dos partidos fascistas, socialistas e comunistas (em qual ordem se deram não me pergunte...) e toda a questão política italiana e a influência da máfia nos destinos daquela gente também foi possível acompanhar apesar de toda a caótica edição. Enfim é um filme imperdível para quem gosta de filmes com fundo histórico e social emoldurado numa bela trilha sonora e imagens impactantes. Se você não entender muita coisa desta colcha de retalhos que é o enredo não se preocupe. Até porque, Giuseppe Tornatore não facilitou muito a vida de quem não conhece a história do povo italiano. Se você entender melhor esta história me escreva porque ainda preciso rever muitas vezes Baarìa – A Porta do Vento para entendê-lo completamente. Uma coisa é certa: As imagens (em turbilhão) e a trilha sonora são belíssimas e valem o valor da locação.