Klotzel soube conservar e condensar as melhores sacadas, trechos de divagações (como sobre os valores dos narizes, das pernas e das botas apertadas para sociedade e para o homem), e metáforas e filosofias sobre o amor, a vida e a morte que Machado de Assis tão bem desenvolveu em seu livro. Além do espírito e aspecto narrativo que esse apresenta. Reginaldo Faria encarna a alma do filme, com todo o humor baseado na ironia e certa soberba de ser "o primeiro Defunto Autor do mundo". Estando agora livre das amarras morais da vida, e narrando toda a história, Brás Cubas pode admitir suas hipocrisias e mediocridades, suas vadianças, seus pessimismos, sua vida vazia em conquistas, e também desabafar sobre tudo e todos, inclusive sobre sua grande paixão semi-platônica: Vigília (Viétia Zangrandi). Com quem teve seus melhores e mais prazerosos momentos; até em sua morte. Sua versão jovem-adulta é assumida por Petrônio Gontijo, que desenvolve bem a transição de "garoto belo e promissor" a "velho sozinho, sem grandes êxitos". Algo que é exemplificado pela frase: "Matamos o tempo; o tempo nos enterra." Alguns trechos de atuação são um pouco teatrais demais (devido aos diálogos formais e pontuais conservados da obra original), o filme nem sempre mantém o gás ao longo dos seus 100 minutos, e a ausência de Cotrim e Sabina (irmã de Brás, que adiciona certa doçura à sua personalidade) são sentidas. Mas não é de todo ruim. Marcos Caruso (como Quincas Borba), e Sônia Braga (como Marcela), merecem uma menção. As cenas em que Cubas aparece em primeiro plano, narrando, julgando, expondo, insultando a si e aos outros, ou só interagindo, com olhares e falas diretas ao público, rendem as melhores partes do filme, e dão a este um charme a mais. Assim como no livro. ''Não tive filhos; não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria."
Rob Marshall conduz seu filme (vencedor do Oscar de Melhor Filme em 2003) de maneira bem viva, com uma sinergia gostosa, em que tudo se movimenta, e cada gota de uma pia vazando, cada grade se abrindo e cada passo dado ditam novos ritmos, com matchcuts, montagens e transições que fluem muito bem. Tanto que venceu o Oscar em várias categorias técnicas. Seja na confissão de um assassinato, em conversas na prisão, na defesa de um tribunal, ou na mente da protagonista, Roxie Hart (uma Reneé Zellweger que cintila, com suas ambições em se tornar uma celebridade, em sorrisos e olhares que exprimem tanto inocência quanto sarcasmo, sempre com um fundo ardiloso), tudo se torna um Show. No elenco de apoio, temos o sempre carismático Richard Gere (como o advogado Billy Flynn), a sempre cativante e cheia de atitude Queen Latifah (como Mama Morton), John C. Reilly (como Amos Hart, marido de Roxie), Lucy Liu (em pequena participação, porém espirituosa e feroz), e a linda Catherine Zeta-Jones (como Velma Kelly), que venceu o Oscar por esse papel. Estas últimas, junto com a Roxie de Reneé, servem para mostrar, de maneira extrapolada e literal, o “quem grita mais, recebe mais atenção”. Como assassinatos formam estrelas, de acordo com a forma que são pintados pela mídia, e como a opinião pública é manipulável. Tanto que uma coletiva de imprensa é traduzida no filme como uma peça de ventríloquos. O longa trata, em essência, disputas por atenções; como alguns fazem o que podem para se manter ou ficar em destaque: seja matando, xingando, desmaiando, fingindo se estar grávida, ou até sendo executada. Isso tudo é composto aqui como performances do “show da vida”, assistido por olhares atentos, excitados, emocionados ou revoltados. Seja uma plateia, uma multidão, telespectadores ou ouvintes, tudo vale pelos “15 minutos de fama”, que desvanecem como poeira, flutuando através de feixes de luz. Pois o público geral vive de lampejos, de quem está debaixo dos refletores dos palcos ou das câmeras naquele instante. “É só deslumbrá-los, e terá um romance.”, como diz Billy Flynn. Luz essa que é símbolo do sucesso, da ilusão planejada, da cegueira, ou da ascensão alheia em detrimento da decadência pessoal. As cenas alternam entre o cômico e o preocupante, entre o mórbido e uma encenação finalizada por palmas, entre o sórdido e o justificado... “É Chicago, querida. Nada como sangue fresco.”, Billy diz em outro momento. A fotografia e a cinematografia de Dion Beebe são estonteantes, e deveriam ser, pois elas foram imprescindíveis para que esse filme funcionasse tão bem. O recurso musical não é nunca exagerado, é usado para uma melhor construção da trama e dos personagens, e todos funcionam. As músicas são bem escritas, produzidas e performadas. É um filme cheio de energia que consegue se sustentar por duas horas sem cansar, com uma história até simples, mas com nuances e vertentes satírico-críticas, até cômicas, que montam uma trama bem intrincada e interessante sobre desejos, motivações, crime, fama, manipulação e corrupção. No fim, Kelly e Roxie, as duas estrelas ascendidas por assassinatos, que apagaram aos poucos, se juntam e voltam a brilhar. Chamadas de “Vedetes Assassinas”, pagam seus crimes e pecados cantando e dançando. E não há nada melhor. "É tudo um circo. um grande circo. Os julgamentos... O mundo todo... É tudo show business!”
Nada melhor do que chegar aos 300 filmes vistos neste ano assistindo a um longa com direção e transições impecáveis, recheado de cenas icônicas, com humor e seriedade dosados perfeitamente, e com Dustin Hoffman (mesmo interpretando um jovem de 21 anos aos 30), Anne Bancroft e Katharine Ross totalmente alinhados em seus papéis. Assinalado pela trilha sonora eterna de Simon e Garfunkel (que dialoga de forma interessante com o protagonista), é um clássico irrevogável sobre as compulsões, adrenalinas, obsessões ansiedades da juventude, sobre os relacionamentos e responsabilidades da vida adulta, e também sobre os desgastes, crises e vazios existenciais que podem se formar junto ao amadurecimento. O ritmo é ótimo, a fotografia é bem refinada e tem um final que é animador, agitado, impulsivo e melancólico na mesma medida. Transmite uma gradação de sentimentos bastante palpável. “Não deve ficar tão ansioso com as coisas. Caia na farra, aceite as coisas como vierem.”
É justo dizer que Misery pode ser colocado como exemplo ao falarmos de como uma adaptação do Mestre do Horror deve ser feita. O livro e o filme, de mesmos nomes e mesmas traduções aqui no Brasil (Louca Obsessão), mostra, em suma, até onde a relação de fã e autor pode ir quando ligada à loucura. King trabalha seu livro com dois personagens principais: Paul Sheldon, famoso escritor dos livros da personagem título, e sua “fã número um”, Annie Wilkes. Após um acidente de carro, Annie, que é enfermeira, stalker e assassina em série, o resgata. O período de convalescença dele não é dos mais calmos. Annie cuida dele com drogas, uma superficialidade amável, carinhosa e sinistramente materna, e a exigência de um novo livro para trazer sua personagem favorita de volta à vida. É a partir daí que ela começa a apresentar suas explosões e viradas de personalidade frente a um Paul debilitado e tentando se manter são para escapar. É um livro bem atmosférico, sufocante e brutal. E todos esses elementos são transpostos pelo filme de 1990 fielmente. Apesar de James Caan estar bem, mostrando a sagacidade, inteligência e sarcasmo de um Paul abatido, mas não vencido, o destaque completo do filme é de Kathy Bates. Não vi todos as performances indicadas ao Oscar de Melhor Atriz daquele ano, mas ela não poderia deixar de vencer pela sua interpretação. Em um filme de suspense e tensão psicológica, você deve conseguir temer o opressor, ou sentir o que oprimido está sentindo, e aqui temos ambos os sentimentos. A partir de closes fechados, a direção de Reiner dá todo o suporte para que Kathy domine o filme; ela preenche a tela, e ela é assustadora. Em alguns momentos, ela soa como uma garotinha excitada, girando e sorrindo, em outros encarna uma psicopata impassível e fria. A voz, a postura, as feições. Tudo muda. Ela é doce, cuidadosa, sensível, louca, explosiva e fria. Trabalho maravilhoso de Bates. A construção de tensão é boa, tudo uma questão de instabilidade, da ameaça; com passos no assoalho, barulhos de carros, a porta se abrindo no escuro, sombras e olhares ameaçadores e assustados, movimentos bruscos... A edição e a trilha sonora de Marc Shaiman funcionam bem como apoio a essas composições. Algumas mudanças foram feitas, mas nenhuma desrespeita ou desvia muito do material original, como o Xerife Buster e sua esposa/assistente Virginia (boas participações de Richard Farnsworth e Frances Sternhagen), que servem tanto como um pequeno alívio cômico quanto para mostrar o lado investigativo do filme. É mais enxuto e direto que o livro, deixa alguns pontos interessantes da obra de fora, e poderia ser mais longo e detalhado no fim, mas não há muitos deméritos. Longe disso. Algumas mudanças até me surpreenderam (como o fato de Paul tentar usar seu remédio para dopá-la ou do assassinato do Xerife), coisas que fazem desse um ótimo filme e uma ótima adaptação.
“A hora chegou, Paul. Colocarei duas balas na minha arma. Uma para mim, e uma para você. Ah, querido... Vai ser tão lindo.”
Este longa de 90 minutos não tem bem uma história ou personagens para desenvolver. Apenas uma breve introdução do protagonista interpretado pelo sempre bom Tom Hanks, e uma contextualização histórica e geográfica do que viria a seguir, um recorte das longas e destrutivas Batalhas do Atlântico. Depois disso, é pura perseguição, formação de táticas e combate naval ao longo dos seus 90 minutos. É daí que o filme engata e segue com muitos diálogos técnicos rápidos (o que adiciona tanto realismo quanto agilidade às cenas), uma boa tensão e bons efeitos especiais. Podemos dizer que é um primo distante de Dunkirk, só que sem a primazia técnica de direção, construção de trama e intensidade de Christopher Nolan, e, claro, sem a trilha sonora pulsante, apreensiva e estressante de Hans Zimmer, que servia como um personagem na narrativa do filme de 2017.
Jeannot realizou um filme belíssimo em vários sentidos. Juntamente com a trilha sonora tocante e clássica de John Barry, das atuações cativantes e delicadas de Christopher Reeve e Jane Seymour, e da fotografia enevoada, como num sonho lindo e palpável, tornam Em Algum Lugar do Passado um dos romances que melhor transmite a emoção de se apaixonar e nunca esquecer. A parte final é bem melancólica, porém muito bonita.
Definitivamente, um dos bons filmes de vampiros do cinema. Emana toda a atmosfera dos anos 80: uma cidade pequena no litoral, um grupo de jovens e doses de mistério... Completado ainda por muito sangue, mortes viscerais e uma trilha sonora maravilhosa. Consegue ser divertido e violento ao mesmo tempo, além de ter um bom elenco, com ênfase em Jason Patric e Kiefer Sutherland. A direção do grande e saudoso Joel Schumacher também é ótima. O "sobrevoo" da câmera pelos céus da noite ao mostrar a busca por vítimas do grupo de vampiros, e os closes, silhuetas e expressões ameaçadoras destacadas pela fotografia carminada e intensa de fogueiras e dos faróis das motos dão o toque especial. Não é impecável, tem um meio-romance que não se desenvolve muito, e a parte final tem suas facilitações e Deus ex machina, mas é um filme perfeito para uma noite de domingo.
É depois de seu primeiro longa-metragem (Bottle Rocket, de 1996) que podemos ver de fato as marcas registradas do diretor crescendo e se estabelecendo melhor. E isso é legal demais. Apesar do personagem principal ser um pouco repulsivo e antipático (boa atuação de Jason Schwartzman), e de o humor nem sempre funcionar, vale pelo exagero da trama em certos momentos, pelo tom e montagem inusitados e gostosos, pela direção de arte e simetria já mais acuradas, e por ótimas participações de Brian Cox e Bill Murray. Temas como desenvolvimento pessoal, os empasses e estranhezas do processo de amadurecimento, e amizade amarram esse filme de um Wes Anderson ainda jovem, mas que certamente já sabia como fazer um bom filme.
O filme é, literalmente, gostosinho demais de se assistir. É bem despretensioso, leve, divertido. Dá uma fome e uma vontade danada de cozinhar. Meryl Streep e Amy Adams estão bem à vontade fazendo diversos pratos (apesar de um pouco caricatas em certos momentos); e eu só queria ser o Stanley Tucci ou o Chris Messina pra provar tudo que suas parceiras fizeram durante as duas horas do longa. Bom pra começar a semana. Poderia passar na Sessão da Tarde que eu assistiria.
Estranho como esse filme não é tão conhecido. Merecia muito, pois trata de temas pesados de maneira bem real e interessante. Misoginia e fanatismo religioso, exploração sexual, pedofilia... Tudo isso numa narrativa não linear, dividida em capítulos, com alusões bíblicas e grandes atuações. Destaques para Dakota Fanning, que vai do medo, da fragilidade, da inércia, ao carinho, à força e à determinação (ou vice-versa) para salvar sua família e tentar se libertar do seu passado. Isto baseada em olhares e gestos (pois sua personagem é muda em boa parte do filme). E para um Guy Pearce severo, rude, nojento e quase diabólico em sua obsessão lasciva e perseguição incansável por sua filha, interpretada por Dakota e pela jovem Emilia Jones, também muito bem aqui. Temos ainda um combo duplo de Game Of Thrones, com Carice Van Houten e Kit Harrington, que aparecem relativamente pouco, mas estão ótimos. O filme peca na falta de pulsação e energia em certas cenas, especialmente em seu capítulo final, e algumas poucas coisas ficam sem explicação, mas a brutalidade, a fotografia carregada e gélida de Rogier Stoffers, a boa trilha sonora de Tom Holkenborg, e o peso que o roteiro e as interpretações têm em outros momentos compensam muito.
O longa é louco e desconexo à exata proporção de suas premissas jocosas e nada sutis, e da junção de várias visões de direção e roteiro. A única "harmonia" entre os 4 capítulos, além de todos se passarem no mesmo hotel, é o tom despirocado e o humor quase absurdo, que nunca convence ou funciona totalmente; ao menos não para mim. 4 roteiristas, 4 diretores, 4 quartos do Hotel Mon Signor. Entre Rockwell, Anders, Rodriguez e Tarantino, a noite de Ano Novo é recheada com Madonna e um grupo de bruxas, crianças incendiárias, cadáveres em colchões, e Tim Roth em uma atuação afetada e estranha. Apenas o último segmento do filme, de Tarantino, se salva. É mais dinâmico, tem uma direção mais apurada e seu humor funciona melhor. Apenas ele. De resto, algumas risadas avulsas surgem pelo senso de ridículo.
É um slasher bem competente, bem produzido, divertido nos absurdos... e muito sangrento, claro. Samara Weaving, da inocência, ao desespero, ao instinto de sobrevivência e ao sarcasmo, está ótima. Não dá para não ficar tenso e torcer por ela. A parte final é bem satisfatória. Daqueles filmes bem válidos para um final de semana. "- Meu Deus. O que aconteceu com você? - Sogros..."
O estilo de mockumentário que Taika e Jemaine assumem para dirigir e desenvolver o humor do filme funciona perfeitamente. Seja em montagens de fotos e símbolos remetentes à mitologia dos vampiros, que encenam o passado dos personagens, seja com relatos ou provas de roupas, as dinâmicas entre os atores e personagens é maravilhosa. É um humor situacional bem peculiar, explorando a vida de 3 vampiros numa Nova Zelândia atual: um que perdeu seu grande amor por conta do transporte errado de seu caixão (Viago, interpretado pelo próprio Taika Waititi), um em decadência emocional depois de ser derrotado pela “Besta” (Vladislav, de Jemaine Clement), e um “rebelde” (Deacon, de Jonathan Brugh), além do decrépito, mas não menos brutal Petyr, de Bem Fransham (à la Nosferatu). Enquanto passeiam pelas ruas noturnas da cidade, frequentando bares e baladas, dividindo tarefas escondido às sombras de sua casa, reclamando um do outro, interagindo pela primeira vez com a tecnologia e com a internet, ou escolhendo as próximas vítimas, é tudo muito casual e divertido. O filme sabe dosar bem a comicidade de falas, situações, silêncios e olhares constrangedores para as câmeras, que funcionam tanto para reforçar o aspecto de “falso documentário”, como para dar a sensação de conexão entre quem assiste e o que está acontecendo em tela, por mais absurdo ou estranho que seja. Sem falar uma palavra, os "cameramen" usam de zooms e câmeras na mão, movimentos e cortes agitados, os quais também ajudam a compensar o orçamento relativamente baixo (U$1,6 milhão). Isso torna o filme bem ágil, fluindo bem ao longo dos seus 90 minutos, que são recheados de uma identidade baseada no “sangrento, um pouco tosco, mas muito engraçado”. “- Você não pode ir ao baile vestido como Blade. Ele é um caçador de vampiros! - Sim, mas os vampiros amam o Wesley Snipes.”
Mais um daqueles filmes da Netflix que facilmente poderiam virar uma ótima série (caso bem desenvolvida) devido às suas temáticas interessantes e detalhes que não conseguem ser tão explorados como poderiam. Noomi Rapace leva todo destaque aqui, interpretando 7 irmãs gêmeas distintas em desejos, ideais e personalidades, mas idênticas em aparência e objetivos: sobreviver numa Terra superpopulosa, em um futuro distópico no qual voga um regime rígido de maternidade única. Ela consegue encarnar e externar muito bem essas distinções e conexões que as personagens possuem, apesar de o roteiro não valorizar muito a construção de todas. Glenn Close aparece relativamente pouco, mesmo sendo a “grande vilã”, e extrai competentemente (na medida do possível) o que o roteiro pôde lhe dar. Assim como Willem Dafoe. Entre boas cenas de ação, um visual bem "pé no chão" para uma distopia, pinceladas não tão inspiradas de críticas sociais, um enredo pouco arrojado e o final ser tanta força, há um bom filme; e só.
O filme soa como uma introdução, talvez um interlúdio, muito longo, arrastado e meio vazio de uma batalha, ou de algo épico, que nunca realmente chega. Não posso dizer que o filme não tem alguma personalidade, as locações são lindas, o deserto, as rochas, os montes, e as tempestades de areia completam um cenário árido que pode se refletir na proposta do filme de mostrar quem são realmente os "bárbaros" da história (o Império Britânico e as mazelas do Colonialismo, no caso). Sangue inocente é derramado no chão duro, ossos são quebrados feito galhos secos. É o primeiro filme que vejo de Ciro Guerra, então não posso julgar demais seu trabalho, mas gostei dos enquadramentos das paisagens e da atmosfera inóspita, e até cruel, que ele constrói em certos momentos. Mark Rylance está muito bem, pois é o personagem que tem mais nuances e aprofundamento aqui, junto com Gana Bayarsaikhan. Johnny Depp e Robert Pattinson não aparecem ou se desenvolvem o suficiente para que se possa analisar a fundo suas personas, apesar de seus objetivos e diretrizes serem bem explícitos. Eles se esforçam com o que têm. SPOILER: Esperamos pelos bárbaros o filme todo. Quando eles finalmente chegam, o filme acaba. Junto a isso, o final como um todo é bem abrupto, rápido e sem muita explicação. Não sei se não entendi o filme direito, se não prestei atenção o bastante, ou se são, de fato, quase 2 horas vagarosas ao extremo de contemplação a pouca coisa realmente substancial.
Sinceramente, o filme conseguiu me prender durante sua quase uma hora de duração, e me deixar apreensivo em alguns momentos. Tem atuações convincentes, é rápido, sem enrolação e tem bons jump scares. Criativo e familiar, até, se pensarmos em como ele é desenvolvido totalmente através de uma chamada no Zoom durante o isolamento social por conta da Pandemia do Coronavírus. Ao menos os personagens, mesmo sendo perseguidos e ameaçados por um demônio, respeitam a quarentena e o uso de máscaras. Ou seja: é um entretenimento perfeito para encerrar uma noite de domingo.
Em quesitos técnicos, o filme de Kurzel não tem defeitos. Composições visuais, enquadramentos e trilha sonora (de Jed Kurzel, irmão do diretor) são realmente ótimos. Mas a fotografia de Adam Arkapaw é o que mais impressiona aqui. Seja na batalha inicial (que tem uma montagem alternada bem interessante em câmera lenta), ou emoldurando as figuras misteriosas das 3 Bruxas com a relva do campo, é um trabalho primoroso. Desse modo, definitivamente, seu ponto mais marcante é na batalha que, ao mesmo tempo, o clímax e o encerramento do filme. O fogo, a fumaça e o sol poente se misturam em laranjas e vermelhos incandescentes, representando a decadência final na moral de Macbeth (Fassbender), após ser corrompido por profecias e consumido pela ambição, pelo sangue de inimigos e de antigos amigos, e pelo poder que apenas deturpou sua mente. O campo de batalha vira um purgatório, ou o próprio Inferno, em que os últimos pecados são cometidos, e nenhum perdão é deflagrado. Temos interpretações fortes, resolutas, e até sensíveis de Michael Fassbender e Marion Cotillard (como Lady Macbeth). O problema do filme é que, apesar da beleza estética, das locações e das atuações, o roteiro não valoriza ou dá espaço a alguns detalhes e personagens cruciais, e os diálogos parecem ter sido copiados exatamente como está no material original, o que nem sempre é algo totalmente positivo. O ritmo é afetado, e boa parte do filme se torna maçante, muito teatral (mesmo que a obra original seja a famosa peça de William Shakespeare), e até um pouco confusa. Há uns monólogos, divagações, ou narrações, que se misturam, sem distinção. Alguns soam até sem sentido para o momento em que são dispostos. As atuações se destacam nesses instantes, pois mostram as personalidades, conflitos e desejos dos personagens, mas parecem um pouco desconexas com o resto. "Trono Manchado de Sangue", de Akira Kurosawa, soube desenvolver a mesma história bem melhor. Mesmo com esses problemas, é um bom filme. Sem dúvidas, de encher os olhos, com centenas de frames que poderiam certamente virar quadros que eu compraria para colocar na parede.
Tarantino sabe muito bem escrever diálogos, e, apesar de ele não estar muito inspirado aqui, e de parte dos diálogos do filme se tornar irrelevante minutos depois, ainda são dinâmicos e precisos ao impor rapidamente as intimidades e amizades entre as personagens femininas. Mesmo que haja uma cena brutalmente gráfica esperado por elas na próxima curva, através de um Kurt Russell irrefreável em sadismo e obsessão, e seu carro "à prova de morte". Dá para nutrir um forte ódio por ele. Dublê Mike (Russel) e seu carro se tornam um só, e a estrada seu domínio sangrento de acidentes premeditados. Tudo ao som de "Hold Tight!". Aliás, a trilha sonora é ótima; mas não é novidade que o diretor nunca erra nesse aspecto. Apesar de não ser nem de longe o melhor trabalho de Quentin, o que compensa quase todos os seus problemas são os 20 minutos finais de vingança, comandados por Rosario Dawson, Zoë Bell e Tracie Thoms; todas persistentes e afiadas no humor. São minutos de direção e montagem bem agitadas, em que os dois carros se enfrentam, tiros são disparados e chutes finalizam o longa de forma bastante satisfatória. Pode-se dizer que é o filme que solidifica de vez a "piada" envolvendo o “fetiche por pés” do diretor. Que virou, de fato, uma de suas marcas.
Com história de Quentin Tarantino, "Assassinos por Natureza" tem suas duas horas focadas em Mickey e Mallory Knox (interpretados pelos ótimos Woody Harrelson e Juliette Lewis), que traduzem suas vidas maltratadas, de abusos e abandono parental, numa jornada com dezenas de assassinatos regados por louca paixão e casualidades sanguinárias. À la Bonnie e Clyde. Oliver Stone conduz seu filme expondo, com enquadramentos tortos, e em todos os outros aspectos, a insanidade e instabilidade de seus protagonistas. É bem notável o modo absurdo e frenético como o longa é desenvolvido. A montagem é desconjuntada e a fotografia varia entre cores quentes, verdes, vermelhos e azuis quase neon, e o preto e branco. Variam também os estilos de narrativa: indo de sitcoms dos anos 90, com um tom sórdido e repulsivo (ao apresentar a família de Mallory), a tiroteios na prisão (chefiada por um quase cômico Tommy Lee Jones), englobando até desenhos animados. O passado dos personagens é emoldurado por sonhos, alucinações e flashbacks. A psiquê conturbada deles é mostrada por anelas, portas e fachadas de prédios aleatórios, exibindo chamas, lobos uivando e até marchas nazistas. Nada fica parado ou vazio em tela. E, dentro dessas insanas fusões, o filme ainda toma um bom tempo para tratar o poder da mídia na construção e manipulação de imagens, até de assassinos. Além de pontuar a toxicidade da espetacularização de tragédias em programas de TV, aqui representados por Wayne Gale, de um Robert Downey Jr. talvez exagerado, mas que se encaixa muito bem no filme. A parte final é bem agressiva. O longa tem seus problemas de ritmo e de saturação de elementos, mas, no geral, com suas tiradas satíricas e uma ótima trilha sonora tresloucada, é um filme bem interessante
Desenvolve uma atmosfera bastante opressiva e dominadora sem sequer mostrar o "vilão mor" que todos nós sabemos bem quem é. A fotografia sóbria e fria ressalta muito essa característica. Julia Garner está bem, apesar do filme ser um pouco "vazio".
Apesar de Finn Wolfhard e Mackenzie Davis estarem bem, e de ter grande potencial, se atrapalha todo no desenvolvimento e sobreposição de possíveis significados. E o final é brusco demais.
Uma das melhores construções de personagem que já vi! O conjunto da obra, pontuando especialmente a montagem, trilha sonora e fotografia, que expressam muito bem a atmosfera decadente e corruptível da cidade, e a inclinação e caminhada pungentes do personagem em direção à liberdade satisfatória encontrada na insanidade total, é realmente primoroso. Se o mundo ainda for justo, e embora seja agora já meio clichê, o Joaquin Phoenix tem de levar o Oscar no ano que vem. E não esqueçam: "Put on a happy face."
Memórias Póstumas
3.5 309 Assista AgoraKlotzel soube conservar e condensar as melhores sacadas, trechos de divagações (como sobre os valores dos narizes, das pernas e das botas apertadas para sociedade e para o homem), e metáforas e filosofias sobre o amor, a vida e a morte que Machado de Assis tão bem desenvolveu em seu livro. Além do espírito e aspecto narrativo que esse apresenta.
Reginaldo Faria encarna a alma do filme, com todo o humor baseado na ironia e certa soberba de ser "o primeiro Defunto Autor do mundo".
Estando agora livre das amarras morais da vida, e narrando toda a história, Brás Cubas pode admitir suas hipocrisias e mediocridades, suas vadianças, seus pessimismos, sua vida vazia em conquistas, e também desabafar sobre tudo e todos, inclusive sobre sua grande paixão semi-platônica: Vigília (Viétia Zangrandi). Com quem teve seus melhores e mais prazerosos momentos; até em sua morte.
Sua versão jovem-adulta é assumida por Petrônio Gontijo, que desenvolve bem a transição de "garoto belo e promissor" a "velho sozinho, sem grandes êxitos".
Algo que é exemplificado pela frase: "Matamos o tempo; o tempo nos enterra."
Alguns trechos de atuação são um pouco teatrais demais (devido aos diálogos formais e pontuais conservados da obra original), o filme nem sempre mantém o gás ao longo dos seus 100 minutos, e a ausência de Cotrim e Sabina (irmã de Brás, que adiciona certa doçura à sua personalidade) são sentidas. Mas não é de todo ruim.
Marcos Caruso (como Quincas Borba), e Sônia Braga (como Marcela), merecem uma menção.
As cenas em que Cubas aparece em primeiro plano, narrando, julgando, expondo, insultando a si e aos outros, ou só interagindo, com olhares e falas diretas ao público, rendem as melhores partes do filme, e dão a este um charme a mais. Assim como no livro.
''Não tive filhos; não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria."
Chicago
4.0 997Rob Marshall conduz seu filme (vencedor do Oscar de Melhor Filme em 2003) de maneira bem viva, com uma sinergia gostosa, em que tudo se movimenta, e cada gota de uma pia vazando, cada grade se abrindo e cada passo dado ditam novos ritmos, com matchcuts, montagens e transições que fluem muito bem. Tanto que venceu o Oscar em várias categorias técnicas.
Seja na confissão de um assassinato, em conversas na prisão, na defesa de um tribunal, ou na mente da protagonista, Roxie Hart (uma Reneé Zellweger que cintila, com suas ambições em se tornar uma celebridade, em sorrisos e olhares que exprimem tanto inocência quanto sarcasmo, sempre com um fundo ardiloso), tudo se torna um Show.
No elenco de apoio, temos o sempre carismático Richard Gere (como o advogado Billy Flynn), a sempre cativante e cheia de atitude Queen Latifah (como Mama Morton), John C. Reilly (como Amos Hart, marido de Roxie), Lucy Liu (em pequena participação, porém espirituosa e feroz), e a linda Catherine Zeta-Jones (como Velma Kelly), que venceu o Oscar por esse papel.
Estas últimas, junto com a Roxie de Reneé, servem para mostrar, de maneira extrapolada e literal, o “quem grita mais, recebe mais atenção”. Como assassinatos formam estrelas, de acordo com a forma que são pintados pela mídia, e como a opinião pública é manipulável. Tanto que uma coletiva de imprensa é traduzida no filme como uma peça de ventríloquos.
O longa trata, em essência, disputas por atenções; como alguns fazem o que podem para se manter ou ficar em destaque: seja matando, xingando, desmaiando, fingindo se estar grávida, ou até sendo executada.
Isso tudo é composto aqui como performances do “show da vida”, assistido por olhares atentos, excitados, emocionados ou revoltados. Seja uma plateia, uma multidão, telespectadores ou ouvintes, tudo vale pelos “15 minutos de fama”, que desvanecem como poeira, flutuando através de feixes de luz.
Pois o público geral vive de lampejos, de quem está debaixo dos refletores dos palcos ou das câmeras naquele instante.
“É só deslumbrá-los, e terá um romance.”, como diz Billy Flynn.
Luz essa que é símbolo do sucesso, da ilusão planejada, da cegueira, ou da ascensão alheia em detrimento da decadência pessoal. As cenas alternam entre o cômico e o preocupante, entre o mórbido e uma encenação finalizada por palmas, entre o sórdido e o justificado...
“É Chicago, querida. Nada como sangue fresco.”, Billy diz em outro momento.
A fotografia e a cinematografia de Dion Beebe são estonteantes, e deveriam ser, pois elas foram imprescindíveis para que esse filme funcionasse tão bem. O recurso musical não é nunca exagerado, é usado para uma melhor construção da trama e dos personagens, e todos funcionam. As músicas são bem escritas, produzidas e performadas.
É um filme cheio de energia que consegue se sustentar por duas horas sem cansar, com uma história até simples, mas com nuances e vertentes satírico-críticas, até cômicas, que montam uma trama bem intrincada e interessante sobre desejos, motivações, crime, fama, manipulação e corrupção.
No fim, Kelly e Roxie, as duas estrelas ascendidas por assassinatos, que apagaram aos poucos, se juntam e voltam a brilhar. Chamadas de “Vedetes Assassinas”, pagam seus crimes e pecados cantando e dançando. E não há nada melhor.
"É tudo um circo. um grande circo. Os julgamentos... O mundo todo... É tudo show business!”
A Primeira Noite de Um Homem
4.1 809Nada melhor do que chegar aos 300 filmes vistos neste ano assistindo a um longa com direção e transições impecáveis, recheado de cenas icônicas, com humor e seriedade dosados perfeitamente, e com Dustin Hoffman (mesmo interpretando um jovem de 21 anos aos 30), Anne Bancroft e Katharine Ross totalmente alinhados em seus papéis.
Assinalado pela trilha sonora eterna de Simon e Garfunkel (que dialoga de forma interessante com o protagonista), é um clássico irrevogável sobre as compulsões, adrenalinas, obsessões ansiedades da juventude, sobre os relacionamentos e responsabilidades da vida adulta, e também sobre os desgastes, crises e vazios existenciais que podem se formar junto ao amadurecimento.
O ritmo é ótimo, a fotografia é bem refinada e tem um final que é animador, agitado, impulsivo e melancólico na mesma medida. Transmite uma gradação de sentimentos bastante palpável.
“Não deve ficar tão ansioso com as coisas. Caia na farra, aceite as coisas como vierem.”
Louca Obsessão
4.1 1,3KÉ justo dizer que Misery pode ser colocado como exemplo ao falarmos de como uma adaptação do Mestre do Horror deve ser feita. O livro e o filme, de mesmos nomes e mesmas traduções aqui no Brasil (Louca Obsessão), mostra, em suma, até onde a relação de fã e autor pode ir quando ligada à loucura.
King trabalha seu livro com dois personagens principais: Paul Sheldon, famoso escritor dos livros da personagem título, e sua “fã número um”, Annie Wilkes. Após um acidente de carro, Annie, que é enfermeira, stalker e assassina em série, o resgata. O período de convalescença dele não é dos mais calmos. Annie cuida dele com drogas, uma superficialidade amável, carinhosa e sinistramente materna, e a exigência de um novo livro para trazer sua personagem favorita de volta à vida. É a partir daí que ela começa a apresentar suas explosões e viradas de personalidade frente a um Paul debilitado e tentando se manter são para escapar. É um livro bem atmosférico, sufocante e brutal. E todos esses elementos são transpostos pelo filme de 1990 fielmente.
Apesar de James Caan estar bem, mostrando a sagacidade, inteligência e sarcasmo de um Paul abatido, mas não vencido, o destaque completo do filme é de Kathy Bates. Não vi todos as performances indicadas ao Oscar de Melhor Atriz daquele ano, mas ela não poderia deixar de vencer pela sua interpretação.
Em um filme de suspense e tensão psicológica, você deve conseguir temer o opressor, ou sentir o que oprimido está sentindo, e aqui temos ambos os sentimentos. A partir de closes fechados, a direção de Reiner dá todo o suporte para que Kathy domine o filme; ela preenche a tela, e ela é assustadora.
Em alguns momentos, ela soa como uma garotinha excitada, girando e sorrindo, em outros encarna uma psicopata impassível e fria. A voz, a postura, as feições. Tudo muda. Ela é doce, cuidadosa, sensível, louca, explosiva e fria. Trabalho maravilhoso de Bates.
A construção de tensão é boa, tudo uma questão de instabilidade, da ameaça; com passos no assoalho, barulhos de carros, a porta se abrindo no escuro, sombras e olhares ameaçadores e assustados, movimentos bruscos... A edição e a trilha sonora de Marc Shaiman funcionam bem como apoio a essas composições.
Algumas mudanças foram feitas, mas nenhuma desrespeita ou desvia muito do material original, como o Xerife Buster e sua esposa/assistente Virginia (boas participações de Richard Farnsworth e Frances Sternhagen), que servem tanto como um pequeno alívio cômico quanto para mostrar o lado investigativo do filme.
É mais enxuto e direto que o livro, deixa alguns pontos interessantes da obra de fora, e poderia ser mais longo e detalhado no fim, mas não há muitos deméritos. Longe disso. Algumas mudanças até me surpreenderam (como o fato de Paul tentar usar seu remédio para dopá-la ou do assassinato do Xerife), coisas que fazem desse um ótimo filme e uma ótima adaptação.
“A hora chegou, Paul. Colocarei duas balas na minha arma. Uma para mim, e uma para você. Ah, querido... Vai ser tão lindo.”
Greyhound: Na Mira do Inimigo
3.3 248Este longa de 90 minutos não tem bem uma história ou personagens para desenvolver. Apenas uma breve introdução do protagonista interpretado pelo sempre bom Tom Hanks, e uma contextualização histórica e geográfica do que viria a seguir, um recorte das longas e destrutivas Batalhas do Atlântico. Depois disso, é pura perseguição, formação de táticas e combate naval ao longo dos seus 90 minutos. É daí que o filme engata e segue com muitos diálogos técnicos rápidos (o que adiciona tanto realismo quanto agilidade às cenas), uma boa tensão e bons efeitos especiais.
Podemos dizer que é um primo distante de Dunkirk, só que sem a primazia técnica de direção, construção de trama e intensidade de Christopher Nolan, e, claro, sem a trilha sonora pulsante, apreensiva e estressante de Hans Zimmer, que servia como um personagem na narrativa do filme de 2017.
Em Algum Lugar do Passado
3.9 600Jeannot realizou um filme belíssimo em vários sentidos.
Juntamente com a trilha sonora tocante e clássica de John Barry, das atuações cativantes e delicadas de Christopher Reeve e Jane Seymour, e da fotografia enevoada, como num sonho lindo e palpável, tornam Em Algum Lugar do Passado um dos romances que melhor transmite a emoção de se apaixonar e nunca esquecer.
A parte final é bem melancólica, porém muito bonita.
Os Garotos Perdidos
3.8 707 Assista AgoraDefinitivamente, um dos bons filmes de vampiros do cinema. Emana toda a atmosfera dos anos 80: uma cidade pequena no litoral, um grupo de jovens e doses de mistério... Completado ainda por muito sangue, mortes viscerais e uma trilha sonora maravilhosa.
Consegue ser divertido e violento ao mesmo tempo, além de ter um bom elenco, com ênfase em Jason Patric e Kiefer Sutherland.
A direção do grande e saudoso Joel Schumacher também é ótima. O "sobrevoo" da câmera pelos céus da noite ao mostrar a busca por vítimas do grupo de vampiros, e os closes, silhuetas e expressões ameaçadoras destacadas pela fotografia carminada e intensa de fogueiras e dos faróis das motos dão o toque especial.
Não é impecável, tem um meio-romance que não se desenvolve muito, e a parte final tem suas facilitações e Deus ex machina, mas é um filme perfeito para uma noite de domingo.
Três é Demais
3.8 274 Assista AgoraÉ depois de seu primeiro longa-metragem (Bottle Rocket, de 1996) que podemos ver de fato as marcas registradas do diretor crescendo e se estabelecendo melhor. E isso é legal demais.
Apesar do personagem principal ser um pouco repulsivo e antipático (boa atuação de Jason Schwartzman), e de o humor nem sempre funcionar, vale pelo exagero da trama em certos momentos, pelo tom e montagem inusitados e gostosos, pela direção de arte e simetria já mais acuradas, e por ótimas participações de Brian Cox e Bill Murray.
Temas como desenvolvimento pessoal, os empasses e estranhezas do processo de amadurecimento, e amizade amarram esse filme de um Wes Anderson ainda jovem, mas que certamente já sabia como fazer um bom filme.
Julie & Julia
3.6 1,1KO filme é, literalmente, gostosinho demais de se assistir. É bem despretensioso, leve, divertido. Dá uma fome e uma vontade danada de cozinhar.
Meryl Streep e Amy Adams estão bem à vontade fazendo diversos pratos (apesar de um pouco caricatas em certos momentos); e eu só queria ser o Stanley Tucci ou o Chris Messina pra provar tudo que suas parceiras fizeram durante as duas horas do longa.
Bom pra começar a semana. Poderia passar na Sessão da Tarde que eu assistiria.
Amaldiçoada
3.8 372Estranho como esse filme não é tão conhecido. Merecia muito, pois trata de temas pesados de maneira bem real e interessante.
Misoginia e fanatismo religioso, exploração sexual, pedofilia... Tudo isso numa narrativa não linear, dividida em capítulos, com alusões bíblicas e grandes atuações.
Destaques para Dakota Fanning, que vai do medo, da fragilidade, da inércia, ao carinho, à força e à determinação (ou vice-versa) para salvar sua família e tentar se libertar do seu passado. Isto baseada em olhares e gestos (pois sua personagem é muda em boa parte do filme). E para um Guy Pearce severo, rude, nojento e quase diabólico em sua obsessão lasciva e perseguição incansável por sua filha, interpretada por Dakota e pela jovem Emilia Jones, também muito bem aqui.
Temos ainda um combo duplo de Game Of Thrones, com Carice Van Houten e Kit Harrington, que aparecem relativamente pouco, mas estão ótimos.
O filme peca na falta de pulsação e energia em certas cenas, especialmente em seu capítulo final, e algumas poucas coisas ficam sem explicação, mas a brutalidade, a fotografia carregada e gélida de Rogier Stoffers, a boa trilha sonora de Tom Holkenborg, e o peso que o roteiro e as interpretações têm em outros momentos compensam muito.
Grande Hotel
3.4 336 Assista AgoraO longa é louco e desconexo à exata proporção de suas premissas jocosas e nada sutis, e da junção de várias visões de direção e roteiro. A única "harmonia" entre os 4 capítulos, além de todos se passarem no mesmo hotel, é o tom despirocado e o humor quase absurdo, que nunca convence ou funciona totalmente; ao menos não para mim.
4 roteiristas, 4 diretores, 4 quartos do Hotel Mon Signor. Entre Rockwell, Anders, Rodriguez e Tarantino, a noite de Ano Novo é recheada com Madonna e um grupo de bruxas, crianças incendiárias, cadáveres em colchões, e Tim Roth em uma atuação afetada e estranha.
Apenas o último segmento do filme, de Tarantino, se salva. É mais dinâmico, tem uma direção mais apurada e seu humor funciona melhor.
Apenas ele. De resto, algumas risadas avulsas surgem pelo senso de ridículo.
Casamento Sangrento
3.5 950É um slasher bem competente, bem produzido, divertido nos absurdos... e muito sangrento, claro. Samara Weaving, da inocência, ao desespero, ao instinto de sobrevivência e ao sarcasmo, está ótima. Não dá para não ficar tenso e torcer por ela.
A parte final é bem satisfatória. Daqueles filmes bem válidos para um final de semana.
"- Meu Deus. O que aconteceu com você?
- Sogros..."
O Que Fazemos nas Sombras
4.0 662O estilo de mockumentário que Taika e Jemaine assumem para dirigir e desenvolver o humor do filme funciona perfeitamente. Seja em montagens de fotos e símbolos remetentes à mitologia dos vampiros, que encenam o passado dos personagens, seja com relatos ou provas de roupas, as dinâmicas entre os atores e personagens é maravilhosa.
É um humor situacional bem peculiar, explorando a vida de 3 vampiros numa Nova Zelândia atual: um que perdeu seu grande amor por conta do transporte errado de seu caixão (Viago, interpretado pelo próprio Taika Waititi), um em decadência emocional depois de ser derrotado pela “Besta” (Vladislav, de Jemaine Clement), e um “rebelde” (Deacon, de Jonathan Brugh), além do decrépito, mas não menos brutal Petyr, de Bem Fransham (à la Nosferatu).
Enquanto passeiam pelas ruas noturnas da cidade, frequentando bares e baladas, dividindo tarefas escondido às sombras de sua casa, reclamando um do outro, interagindo pela primeira vez com a tecnologia e com a internet, ou escolhendo as próximas vítimas, é tudo muito casual e divertido.
O filme sabe dosar bem a comicidade de falas, situações, silêncios e olhares constrangedores para as câmeras, que funcionam tanto para reforçar o aspecto de “falso documentário”, como para dar a sensação de conexão entre quem assiste e o que está acontecendo em tela, por mais absurdo ou estranho que seja. Sem falar uma palavra, os "cameramen" usam de zooms e câmeras na mão, movimentos e cortes agitados, os quais também ajudam a compensar o orçamento relativamente baixo (U$1,6 milhão).
Isso torna o filme bem ágil, fluindo bem ao longo dos seus 90 minutos, que são recheados de uma identidade baseada no “sangrento, um pouco tosco, mas muito engraçado”.
“- Você não pode ir ao baile vestido como Blade. Ele é um caçador de vampiros!
- Sim, mas os vampiros amam o Wesley Snipes.”
Onde Está Segunda?
3.6 1,3KMais um daqueles filmes da Netflix que facilmente poderiam virar uma ótima série (caso bem desenvolvida) devido às suas temáticas interessantes e detalhes que não conseguem ser tão explorados como poderiam.
Noomi Rapace leva todo destaque aqui, interpretando 7 irmãs gêmeas distintas em desejos, ideais e personalidades, mas idênticas em aparência e objetivos: sobreviver numa Terra superpopulosa, em um futuro distópico no qual voga um regime rígido de maternidade única. Ela consegue encarnar e externar muito bem essas distinções e conexões que as personagens possuem, apesar de o roteiro não valorizar muito a construção de todas.
Glenn Close aparece relativamente pouco, mesmo sendo a “grande vilã”, e extrai competentemente (na medida do possível) o que o roteiro pôde lhe dar. Assim como Willem Dafoe.
Entre boas cenas de ação, um visual bem "pé no chão" para uma distopia, pinceladas não tão inspiradas de críticas sociais, um enredo pouco arrojado e o final ser tanta força, há um bom filme; e só.
Esperando os Bárbaros
3.0 41O filme soa como uma introdução, talvez um interlúdio, muito longo, arrastado e meio vazio de uma batalha, ou de algo épico, que nunca realmente chega.
Não posso dizer que o filme não tem alguma personalidade, as locações são lindas, o deserto, as rochas, os montes, e as tempestades de areia completam um cenário árido que pode se refletir na proposta do filme de mostrar quem são realmente os "bárbaros" da história (o Império Britânico e as mazelas do Colonialismo, no caso). Sangue inocente é derramado no chão duro, ossos são quebrados feito galhos secos.
É o primeiro filme que vejo de Ciro Guerra, então não posso julgar demais seu trabalho, mas gostei dos enquadramentos das paisagens e da atmosfera inóspita, e até cruel, que ele constrói em certos momentos.
Mark Rylance está muito bem, pois é o personagem que tem mais nuances e aprofundamento aqui, junto com Gana Bayarsaikhan. Johnny Depp e Robert Pattinson não aparecem ou se desenvolvem o suficiente para que se possa analisar a fundo suas personas, apesar de seus objetivos e diretrizes serem bem explícitos. Eles se esforçam com o que têm.
SPOILER: Esperamos pelos bárbaros o filme todo. Quando eles finalmente chegam, o filme acaba. Junto a isso, o final como um todo é bem abrupto, rápido e sem muita explicação.
Não sei se não entendi o filme direito, se não prestei atenção o bastante, ou se são, de fato, quase 2 horas vagarosas ao extremo de contemplação a pouca coisa realmente substancial.
Cuidado Com Quem Chama
3.4 631Sinceramente, o filme conseguiu me prender durante sua quase uma hora de duração, e me deixar apreensivo em alguns momentos. Tem atuações convincentes, é rápido, sem enrolação e tem bons jump scares.
Criativo e familiar, até, se pensarmos em como ele é desenvolvido totalmente através de uma chamada no Zoom durante o isolamento social por conta da Pandemia do Coronavírus. Ao menos os personagens, mesmo sendo perseguidos e ameaçados por um demônio, respeitam a quarentena e o uso de máscaras.
Ou seja: é um entretenimento perfeito para encerrar uma noite de domingo.
Macbeth: Ambição e Guerra
3.5 383Em quesitos técnicos, o filme de Kurzel não tem defeitos. Composições visuais, enquadramentos e trilha sonora (de Jed Kurzel, irmão do diretor) são realmente ótimos.
Mas a fotografia de Adam Arkapaw é o que mais impressiona aqui. Seja na batalha inicial (que tem uma montagem alternada bem interessante em câmera lenta), ou emoldurando as figuras misteriosas das 3 Bruxas com a relva do campo, é um trabalho primoroso.
Desse modo, definitivamente, seu ponto mais marcante é na batalha que, ao mesmo tempo, o clímax e o encerramento do filme. O fogo, a fumaça e o sol poente se misturam em laranjas e vermelhos incandescentes, representando a decadência final na moral de Macbeth (Fassbender), após ser corrompido por profecias e consumido pela ambição, pelo sangue de inimigos e de antigos amigos, e pelo poder que apenas deturpou sua mente. O campo de batalha vira um purgatório, ou o próprio Inferno, em que os últimos pecados são cometidos, e nenhum perdão é deflagrado.
Temos interpretações fortes, resolutas, e até sensíveis de Michael Fassbender e Marion Cotillard (como Lady Macbeth).
O problema do filme é que, apesar da beleza estética, das locações e das atuações, o roteiro não valoriza ou dá espaço a alguns detalhes e personagens cruciais, e os diálogos parecem ter sido copiados exatamente como está no material original, o que nem sempre é algo totalmente positivo. O ritmo é afetado, e boa parte do filme se torna maçante, muito teatral (mesmo que a obra original seja a famosa peça de William Shakespeare), e até um pouco confusa.
Há uns monólogos, divagações, ou narrações, que se misturam, sem distinção. Alguns soam até sem sentido para o momento em que são dispostos. As atuações se destacam nesses instantes, pois mostram as personalidades, conflitos e desejos dos personagens, mas parecem um pouco desconexas com o resto.
"Trono Manchado de Sangue", de Akira Kurosawa, soube desenvolver a mesma história bem melhor.
Mesmo com esses problemas, é um bom filme. Sem dúvidas, de encher os olhos, com centenas de frames que poderiam certamente virar quadros que eu compraria para colocar na parede.
À Prova de Morte
3.9 2,0K Assista AgoraTarantino sabe muito bem escrever diálogos, e, apesar de ele não estar muito inspirado aqui, e de parte dos diálogos do filme se tornar irrelevante minutos depois, ainda são dinâmicos e precisos ao impor rapidamente as intimidades e amizades entre as personagens femininas. Mesmo que haja uma cena brutalmente gráfica esperado por elas na próxima curva, através de um Kurt Russell irrefreável em sadismo e obsessão, e seu carro "à prova de morte". Dá para nutrir um forte ódio por ele.
Dublê Mike (Russel) e seu carro se tornam um só, e a estrada seu domínio sangrento de acidentes premeditados. Tudo ao som de "Hold Tight!". Aliás, a trilha sonora é ótima; mas não é novidade que o diretor nunca erra nesse aspecto.
Apesar de não ser nem de longe o melhor trabalho de Quentin, o que compensa quase todos os seus problemas são os 20 minutos finais de vingança, comandados por Rosario Dawson, Zoë Bell e Tracie Thoms; todas persistentes e afiadas no humor. São minutos de direção e montagem bem agitadas, em que os dois carros se enfrentam, tiros são disparados e chutes finalizam o longa de forma bastante satisfatória.
Pode-se dizer que é o filme que solidifica de vez a "piada" envolvendo o “fetiche por pés” do diretor. Que virou, de fato, uma de suas marcas.
Assassinos por Natureza
4.0 1,1KCom história de Quentin Tarantino, "Assassinos por Natureza" tem suas duas horas focadas em Mickey e Mallory Knox (interpretados pelos ótimos Woody Harrelson e Juliette Lewis), que traduzem suas vidas maltratadas, de abusos e abandono parental, numa jornada com dezenas de assassinatos regados por louca paixão e casualidades sanguinárias. À la Bonnie e Clyde.
Oliver Stone conduz seu filme expondo, com enquadramentos tortos, e em todos os outros aspectos, a insanidade e instabilidade de seus protagonistas. É bem notável o modo absurdo e frenético como o longa é desenvolvido. A montagem é desconjuntada e a fotografia varia entre cores quentes, verdes, vermelhos e azuis quase neon, e o preto e branco. Variam também os estilos de narrativa: indo de sitcoms dos anos 90, com um tom sórdido e repulsivo (ao apresentar a família de Mallory), a tiroteios na prisão (chefiada por um quase cômico Tommy Lee Jones), englobando até desenhos animados.
O passado dos personagens é emoldurado por sonhos, alucinações e flashbacks. A psiquê conturbada deles é mostrada por anelas, portas e fachadas de prédios aleatórios, exibindo chamas, lobos uivando e até marchas nazistas. Nada fica parado ou vazio em tela.
E, dentro dessas insanas fusões, o filme ainda toma um bom tempo para tratar o poder da mídia na construção e manipulação de imagens, até de assassinos. Além de pontuar a toxicidade da espetacularização de tragédias em programas de TV, aqui representados por Wayne Gale, de um Robert Downey Jr. talvez exagerado, mas que se encaixa muito bem no filme. A parte final é bem agressiva.
O longa tem seus problemas de ritmo e de saturação de elementos, mas, no geral, com suas tiradas satíricas e uma ótima trilha sonora tresloucada, é um filme bem interessante
A Assistente
3.3 199Desenvolve uma atmosfera bastante opressiva e dominadora sem sequer mostrar o "vilão mor" que todos nós sabemos bem quem é. A fotografia sóbria e fria ressalta muito essa característica. Julia Garner está bem, apesar do filme ser um pouco "vazio".
Os Órfãos
1.8 365Apesar de Finn Wolfhard e Mackenzie Davis estarem bem, e de ter grande potencial, se atrapalha todo no desenvolvimento e sobreposição de possíveis significados. E o final é brusco demais.
O Homem Invisível
3.8 2,0KApesar de o roteiro possuir alguns furos, o filme tem um conceito interessante e bem executado através de mais uma atuação incrível de Elisabeth Moss.
Judy: Muito Além do Arco-Íris
3.4 356Renée brilha aqui. Mas só ela mesmo.
Coringa
4.4 4,1KUma das melhores construções de personagem que já vi! O conjunto da obra, pontuando especialmente a montagem, trilha sonora e fotografia, que expressam muito bem a atmosfera decadente e corruptível da cidade, e a inclinação e caminhada pungentes do personagem em direção à liberdade satisfatória encontrada na insanidade total, é realmente primoroso.
Se o mundo ainda for justo, e embora seja agora já meio clichê, o Joaquin Phoenix tem de levar o Oscar no ano que vem.
E não esqueçam: "Put on a happy face."