O filme é, na maior parte do tempo, um teste de paciência, mas a personagem Dora até reflete bem alguns brasileiros que, na melhor das hipóteses, sentem uma desconexão e, na pior, um certo desdém pelo próprio país e cultura. Marília Hughes e Cláudio Marques têm boas intenções e tentam trazer à tona as possibilidades que surgem quando se permite conhecer as próprias raízes. O que falta é um roteiro que se equipare, já que os conflitos não são bem articulados nem resolvidos de forma convincente. Além disso, as atuações são mecânicas e os diálogos soam quase todos forçados. Salva-se pela fotografia, com belas imagens do Santo Antônio Além do Carmo, do Dique do Tororó e da Festa de Iemanjá.
Com uma trama bastante inspirada em It Follows (Corrente do Mal), uma estética que lembra desde Paraísos Artificiais, passando por Boi Neon, até Bacurau, e um elenco jovem que aproxima a série de outras produções da Netflix como Elite, Boca a Boca é ambientada no cidade fictícia de Progresso, um reduto conservador comandada pelo agronegócio que nada mais é do que o retrato de várias outras cidades semelhantes espalhadas pelo interior do Brasil.
Após uma festa na Aldeia - espécie de comunidade hippie abominada pelos habitantes de Progresso - uma doença infecciosa letal transmitida pelo beijo, parecida com a encefalite herpética, começa a se espalhar entre os jovens da cidade, bem como o medo e o pânico que inevitavelmente acompanham esse tipo de surto infeccioso. Coincidentemente ou não, Boca a Boca foi lançada no mesmo período em que o mundo enfrenta a pandemia de Covid-19 e muitos dos comportamentos retratados calharam de ser próximos à realidade - o negacionismo, o medo, a paranoia, as fakes news.
O papel da internet redes sociais é o ponto em que a série mais bate e fica claro que não existe separação entre o mundo real e o mundo online dos personagens: há várias cenas de dashboards, stories e lives, incluindo um momento em que uma notícia chave chega pelas redes sociais. Em uma das cenas mais incômodas, um suicídio é transmitido por live com um “pula, man” nos comentários. O uso da ferramenta acaba sendo intencionalmente caricato e talvez a narrativa se beneficiasse de mais sutileza nesse aspecto.
No entanto, o maior problema da série talvez seja a intenção de abordar muitos temas ao mesmo tempo: além da doença e das redes sociais, discute-se ainda homofobia, xenofobia, relações pós-coloniais, racismo, desigualdade social, fanatismo religioso, engenharia genética, vegetarianismo, a problemática do agronegócio. São temas sem dúvida importantes, mas que acabam sendo diluídos e parecem até óbvios quando abordados juntos, como se os roteiristas quisessem agregar todos os tópicos em alta no momento. Por mais que falte foco, a crítica à onda conservadora que assola o Brasil é o tema que termina por dar certa unidade aos episódios.
Mas, se há algo que realmente se destaca, é a direção de fotografia. Assinada por Azul Serra, também responsável por “Por Trás do Céu”, imagens impressionantes de Goiás acompanhadas do uso intenso de tons de rosa fazem com que as cenas pareçam retiradas de um quadro - ou de um sonho. É provavelmente a série mais bonita já produzida pela Netflix e só por isso já merece ser vista.
Interessante série gastronômica da Netflix que aborda a comida de rua de seis cidades da América Latina: Buenos Aires, Salvador, Oaxaca, Lima, Bogotá e La Paz. Apesar de o foco ser na culinária, os episódios também abordam um pouco da cultura de cada lugar e da história das cozinheiras e cozinheiros por trás dos pratos. A fotografia é um atrativo a mais, apresentando belos panoramas e vistas aéreas das cidades - se puder assista na TV, em HDR. O ponto negativo fica por conta da tentativa de imprimir uma carga dramática em cada episódio, fórmula previsível e desnecessária, já que os pratos por si só bastam para manter o interesse.
Além da importância em termos de representatividade e dos paradigmas que a série quebrou ao abordar sexualidade de forma radical, Queer as Folk acerta no ritmo acelerado, diálogos inteligentes e equilíbrio perfeito entre comédia e drama. É a primeira série completamente centrada em personagens LGBT e a cena gay de Manchester é retratada de forma tão vívida que é praticamente uma cápsula do tempo dos anos 90s.
Os personagens são complexos, realistas e a série merece todo o crédito por retratá-los de forma positiva, sem medo ou vergonha, principalmente numa época em que ser gay carregava tanto estigma. Ao mesmo tempo, passa longe de ser retrato idealizado - Stuart, Vince e Nathan às vezes tomam decisões tão irresponsáveis que a qualquer momento as situações podem sair do controle, e saem.
Entre as cenas hilárias há vários momentos melancólicos - amores não correspondidos, homofobia e até uma overdose que surpreende pela forma direta como é retratada - mas as situações são conduzidas com tamanha destreza que as mudanças de tom nunca parecem forçadas. Todos os personagem são bem construídos, mas desde “O Apanhador no Campo de Centeio” não via um retrato tão preciso da angústia adolescente como Nathan.
- “You don’t know anything! Cause you’re straight! Right? You’re part of the system! Right? You’re part of the fascist heterosexual orthodoxy!” - “I’m Black! And I’m a girl. Try that for a week!”
Nem tudo é perfeito: a subtrama da imigração e do casamento de fachada é problemática e desnecessária e o últimos episódios deixam de lado o realismo construído até então em troca de um final bombástico à la Thelma & Louise. Ainda assim, Queer as Folk segue como uma marco que, de uma forma ou de outra, influenciou todos as séries LGBTQ subsequentes e representou pela primeira vez um grupo que jamais imaginava ser visto na TV de forma tão franca.
"Não existem drogas ruins, são as circunstâncias."
The Midnight Gospel traz uma série de reflexões sobre temas importantes, como morte, drogas, meditação, escuta e muito outros que acabam sendo diluídos pelas animações. A técnica funciona melhor nos episódios 5 e 8, nos quais a representação visual funciona como uma metáfora para os tópicos discutidos. A série seria mais efetiva em transmitir suas mensagens se reduzisse a quantidade de distrações na tela e priorizasse imagens com significado. É ótimo ver temas profundos sendo discutidos em animações, mas às vezes menos é realmente mais.
Pra quem gosta de animação existencialista, recomendo Waking Life do Richard Linklater.
Nada muito informativo, esclarecedor, muito menos controverso aqui. Só uma dúzia de celebridades contando suas experiências com psicodélicos, acompanhadas de representações visuais sem nenhuma intenção de realismo. Fora isso, algumas paródias de campanhas antidrogas forçando a barra para parecer engraçadas.
"A vida não vai melhorar. É tudo uma questão de agonia. Essa agonia começou desde que você nasceu. Você acha que um lugar novo vai alterar o seu destino? Novo lugar, novos sofrimentos."
A diretora Marília Rocha capta com grande naturalidade a experiência de ser um expatriado e aí está o grande mérito e fraqueza do filme. Ao mesmo tempo em que questões como a busca por um apartamento soam realistas e familiares a qualquer imigrante, dando um ar documental à obra, um pouco mais de conflito seria oportuno para desenvolvimento mais profundo das personagens. A propósito, é um deleite ouvir o sotaque português e o mineiro num mesmo filme.
Andrey Zvyagintsev não faz julgamentos morais em Elena, um retrato franco das diferenças de classe na Rússia moderna, contada através de um dilema ético em relação a um processo de herança. Lançado 8 anos antes de Parasita de Bong Joon-ho, não pude deixar de traçar paralelos entre as duas narrativas.
"It was really absurd in a way. I mean, he had this curious quirk strange characteristic. And for a time everyone loved him, and then people stopped loving him and then he did this stunt, you know, with the airplane, and then everybody loved him again. That's what the 20s were like and, you know, if you think about it, has America changed so much? I don't think so."
Warwick Thornton, que assina a direção e a fotografia desse meat pie western, utiliza o cenário espetacular do Outback australiano para contar uma história de racismo e injustiça contra o povo aborígene nos anos 1920s. Empregando-se magistralmente de flashbacks e flash-forwards, o filme é um triunfo que transita naturalmente do western ao drama de tribunal e culmina em um final no estilo de O Sol É para Todos. Um estudo essencial e tópico sobre colonialismo que gera reflexão sobre o papel dos aborígenes na construção da Austrália e as injustiças perpetradas contra essa população, um debate longe de acabar no país e que tem inspirado filmes excelentes.
O melhor filme de Marco Berger até o momento. Os protagonistas são mais complexos e o roteiro é mais bem desenvolvido do que nos filmes anteriores, além de estarem presentes os elementos característicos de sua filmografia - os personagens lacônicos, a tensão sexual, o voyeurismo -, que se tornaram marca registrada do diretor.
A cena inicial se passa em Hohenschönhausen, antiga prisão política da Stasi (hoje museu e memorial em Berlim), mas não foi gravada lá. Knabe, o diretor do memorial, recusou-se a autorizar a gravação pelo modo como um homem da Stasi é retratado como herói no filme. Donnersmarck argumentou que A Lista da Schindler utilizou a mesma narrativa. Knabe respondeu: "Essa é exatamente a diferença. Existiu um Schindler. Nunca existiu um Wiesler".
Vale a pena refletir sobre a glorificação de membros de organizações criminosas e autoritárias, em detrimento das vítimas e das pessoas que realmente lutaram contra esses sistemas opressores.
O ano é 2003, a União Soviética ainda existe e a Polônia segue sob o regime comunista. A escolha do tema é no mínimo curiosa diante da crise política que domina o cenário polonês atualmente, sob influência da onda conservadora liderada pelo partido de ultradireita Lei e Ordem (sigla PiS em polonês). A série ignora o contexto atual e cria uma linha-do-tempo alternativa em que a antiga República Popular da Polônia ainda existe.
Acompanhando o protagonista Kajetan, que tenta desvendar os acontecimentos em torno de um ataque terrorista ocorrido em 1983, a trama consegue criar um clima de mistério e suspense que perdura até o final. Falha, porém, ao não trazer esclarecimentos para as muitas questões levantadas durante todos os episódios, tornando a experiência frustrante.
As intenções dos personagens são elusivas, frequentemente ambíguas, deixando a trama confusa, por vezes difícil de acompanhar, e transmitindo a sensação de que os roteiristas não estavam seguros sobre o rumo que a história deveria tomar. A fotografia, a direção e as atuações são competentes - Agnieszka Holland assina a direção de dois episódios.
Toni Erdmann é uma sátira mordaz ao sistema capitalista e ao mundo globalizado, no qual predomina a lógica de produtividade e as pessoas vivem para o trabalho. Até mesmo os convidados para festas de aniversário são colegas de empresa.
"Quem mais virá?" "Basicamente minha equipe do escritório."
Uma mulher que precisa provar todos os dias o seu valor e não consegue terminar uma frase sem ser interrompida. Para ser alguém, não basta existir, é preciso ter sucesso, sempre. "Uma nova geração de executivos - todos fazem mestrado no exterior, são poliglotas, muito dedicados, pensam de forma internacional."
Toni Erdmann é sobre um pai tentando se reaproximar da filha, agindo da forma mais ridícula possível, para fazê-la enxergar que a vida é mais do que uma lista de afazeres.
Enquanto seus pais se envolvem em discussões e novos relacionamentos, Alyosha, o filho de um casal em processo de divórcio desaparece. Zvyagintsev utiliza essa família disfuncional como cenário para retratar a sociedade russa contemporânea.
A negligência parental e o nelyubov (o desamor, o anti-amor) são temas em foco durante toda a obra, desde o modo como Zhenya trata seu filho, passando pela relação problemática desta com sua própria mãe, até a relação de Boris com seu filho mais novo nos minutos finais. O roteiro é afiado e constrói através de diálogos ríspidos a dureza e agressividade nas relações entre os personagens.
Em meio a trama, são feitos vários comentários sobre o estado da sociedade russa. Tão negligentes como os pais são as instituições: a busca por Alyosha é conduzida por um grupo de voluntários enquanto a polícia se abstém, alegando que há "situações mais importantes do que procurar por um adolescente sumido".
É retratado também o poder da Igreja Ortodoxa Russa e sua influência na relações pessoais e até mesmo trabalhistas, pelo medo de Boris de ser demitido após o divórcio. Em uma das poucas cenas de humor, descobre-se que um dos empregados chegou ao ponto de levar uma família falsa para um confraternização.
Merece destaque a excelente fotografia, que transmite de forma onipresente a dureza do clima russo, e se equipara à frieza e à hostilidade das relações humanas vistas durante todo o filme.
Tem um roteiro tão trivial que não chamaria muita atenção, não fossem as 2h40 de auto-indulgências, extravagâncias e exibicionismos na direção. Com atuações pobres e diálogos que não têm muito a dizer, Gaspar Noé gasta €12 milhões num exercício de ego e sai bem-sucedido na tarefa de irritar o espectador.
Guerra de Algodão
2.6 27 Assista AgoraO filme é, na maior parte do tempo, um teste de paciência, mas a personagem Dora até reflete bem alguns brasileiros que, na melhor das hipóteses, sentem uma desconexão e, na pior, um certo desdém pelo próprio país e cultura. Marília Hughes e Cláudio Marques têm boas intenções e tentam trazer à tona as possibilidades que surgem quando se permite conhecer as próprias raízes. O que falta é um roteiro que se equipare, já que os conflitos não são bem articulados nem resolvidos de forma convincente. Além disso, as atuações são mecânicas e os diálogos soam quase todos forçados. Salva-se pela fotografia, com belas imagens do Santo Antônio Além do Carmo, do Dique do Tororó e da Festa de Iemanjá.
O Beijo no Asfalto
4.1 95"Todo filme é um documentário sobre sua própria criação." (Jacques Rivette)
Cidade Baixa
3.4 356 Assista AgoraMais baiano do que isso é impossível.
Dançando no Escuro
4.4 2,3K Assista AgoraSe ao mesmo a Selma tivesse se mudado para um país com sistema público de saúde...
Nuvens Passageiras
4.0 20Não está fácil pro trabalhador nem na Finlândia...
Boca a Boca (1ª Temporada)
3.8 168 Assista AgoraCom uma trama bastante inspirada em It Follows (Corrente do Mal), uma estética que lembra desde Paraísos Artificiais, passando por Boi Neon, até Bacurau, e um elenco jovem que aproxima a série de outras produções da Netflix como Elite, Boca a Boca é ambientada no cidade fictícia de Progresso, um reduto conservador comandada pelo agronegócio que nada mais é do que o retrato de várias outras cidades semelhantes espalhadas pelo interior do Brasil.
Após uma festa na Aldeia - espécie de comunidade hippie abominada pelos habitantes de Progresso - uma doença infecciosa letal transmitida pelo beijo, parecida com a encefalite herpética, começa a se espalhar entre os jovens da cidade, bem como o medo e o pânico que inevitavelmente acompanham esse tipo de surto infeccioso. Coincidentemente ou não, Boca a Boca foi lançada no mesmo período em que o mundo enfrenta a pandemia de Covid-19 e muitos dos comportamentos retratados calharam de ser próximos à realidade - o negacionismo, o medo, a paranoia, as fakes news.
O papel da internet redes sociais é o ponto em que a série mais bate e fica claro que não existe separação entre o mundo real e o mundo online dos personagens: há várias cenas de dashboards, stories e lives, incluindo um momento em que uma notícia chave chega pelas redes sociais. Em uma das cenas mais incômodas, um suicídio é transmitido por live com um “pula, man” nos comentários. O uso da ferramenta acaba sendo intencionalmente caricato e talvez a narrativa se beneficiasse de mais sutileza nesse aspecto.
No entanto, o maior problema da série talvez seja a intenção de abordar muitos temas ao mesmo tempo: além da doença e das redes sociais, discute-se ainda homofobia, xenofobia, relações pós-coloniais, racismo, desigualdade social, fanatismo religioso, engenharia genética, vegetarianismo, a problemática do agronegócio. São temas sem dúvida importantes, mas que acabam sendo diluídos e parecem até óbvios quando abordados juntos, como se os roteiristas quisessem agregar todos os tópicos em alta no momento. Por mais que falte foco, a crítica à onda conservadora que assola o Brasil é o tema que termina por dar certa unidade aos episódios.
Mas, se há algo que realmente se destaca, é a direção de fotografia. Assinada por Azul Serra, também responsável por “Por Trás do Céu”, imagens impressionantes de Goiás acompanhadas do uso intenso de tons de rosa fazem com que as cenas pareçam retiradas de um quadro - ou de um sonho. É provavelmente a série mais bonita já produzida pela Netflix e só por isso já merece ser vista.
Street Food: América Latina (1ª Temporada)
4.3 37 Assista AgoraInteressante série gastronômica da Netflix que aborda a comida de rua de seis cidades da América Latina: Buenos Aires, Salvador, Oaxaca, Lima, Bogotá e La Paz. Apesar de o foco ser na culinária, os episódios também abordam um pouco da cultura de cada lugar e da história das cozinheiras e cozinheiros por trás dos pratos. A fotografia é um atrativo a mais, apresentando belos panoramas e vistas aéreas das cidades - se puder assista na TV, em HDR. O ponto negativo fica por conta da tentativa de imprimir uma carga dramática em cada episódio, fórmula previsível e desnecessária, já que os pratos por si só bastam para manter o interesse.
Queer as Folk - Os Assumidos
3.9 28 Assista AgoraAlém da importância em termos de representatividade e dos paradigmas que a série quebrou ao abordar sexualidade de forma radical, Queer as Folk acerta no ritmo acelerado, diálogos inteligentes e equilíbrio perfeito entre comédia e drama. É a primeira série completamente centrada em personagens LGBT e a cena gay de Manchester é retratada de forma tão vívida que é praticamente uma cápsula do tempo dos anos 90s.
Os personagens são complexos, realistas e a série merece todo o crédito por retratá-los de forma positiva, sem medo ou vergonha, principalmente numa época em que ser gay carregava tanto estigma. Ao mesmo tempo, passa longe de ser retrato idealizado - Stuart, Vince e Nathan às vezes tomam decisões tão irresponsáveis que a qualquer momento as situações podem sair do controle, e saem.
Entre as cenas hilárias há vários momentos melancólicos - amores não correspondidos, homofobia e até uma overdose que surpreende pela forma direta como é retratada - mas as situações são conduzidas com tamanha destreza que as mudanças de tom nunca parecem forçadas. Todos os personagem são bem construídos, mas desde “O Apanhador no Campo de Centeio” não via um retrato tão preciso da angústia adolescente como Nathan.
- “You don’t know anything! Cause you’re straight! Right? You’re part of the system! Right? You’re part of the fascist heterosexual orthodoxy!”
- “I’m Black! And I’m a girl. Try that for a week!”
Nem tudo é perfeito: a subtrama da imigração e do casamento de fachada é problemática e desnecessária e o últimos episódios deixam de lado o realismo construído até então em troca de um final bombástico à la Thelma & Louise. Ainda assim, Queer as Folk segue como uma marco que, de uma forma ou de outra, influenciou todos as séries LGBTQ subsequentes e representou pela primeira vez um grupo que jamais imaginava ser visto na TV de forma tão franca.
The Midnight Gospel (1ª Temporada)
4.5 455 Assista Agora"Não existem drogas ruins, são as circunstâncias."
The Midnight Gospel traz uma série de reflexões sobre temas importantes, como morte, drogas, meditação, escuta e muito outros que acabam sendo diluídos pelas animações. A técnica funciona melhor nos episódios 5 e 8, nos quais a representação visual funciona como uma metáfora para os tópicos discutidos. A série seria mais efetiva em transmitir suas mensagens se reduzisse a quantidade de distrações na tela e priorizasse imagens com significado. É ótimo ver temas profundos sendo discutidos em animações, mas às vezes menos é realmente mais.
Pra quem gosta de animação existencialista, recomendo Waking Life do Richard Linklater.
Maior Viagem: Uma Aventura Psicodélica
3.7 76Nada muito informativo, esclarecedor, muito menos controverso aqui. Só uma dúzia de celebridades contando suas experiências com psicodélicos, acompanhadas de representações visuais sem nenhuma intenção de realismo. Fora isso, algumas paródias de campanhas antidrogas forçando a barra para parecer engraçadas.
Um Elefante Sentado Quieto
4.2 61"A vida não vai melhorar. É tudo uma questão de agonia. Essa agonia começou desde que você nasceu. Você acha que um lugar novo vai alterar o seu destino? Novo lugar, novos sofrimentos."
Reino Animal
3.6 172 Assista AgoraCompletamente confuso com esses criminosos que se parecem uns com os outros.
A Cidade Onde Envelheço
3.6 130 Assista AgoraA diretora Marília Rocha capta com grande naturalidade a experiência de ser um expatriado e aí está o grande mérito e fraqueza do filme. Ao mesmo tempo em que questões como a busca por um apartamento soam realistas e familiares a qualquer imigrante, dando um ar documental à obra, um pouco mais de conflito seria oportuno para desenvolvimento mais profundo das personagens. A propósito, é um deleite ouvir o sotaque português e o mineiro num mesmo filme.
Elena
3.5 46Andrey Zvyagintsev não faz julgamentos morais em Elena, um retrato franco das diferenças de classe na Rússia moderna, contada através de um dilema ético em relação a um processo de herança. Lançado 8 anos antes de Parasita de Bong Joon-ho, não pude deixar de traçar paralelos entre as duas narrativas.
Zelig
4.2 355"It was really absurd in a way. I mean, he had this curious quirk strange characteristic. And for a time everyone loved him, and then people stopped loving him and then he did this stunt, you know, with the airplane, and then everybody loved him again. That's what the 20s were like and, you know, if you think about it, has America changed so much? I don't think so."
Doce País
3.6 25Warwick Thornton, que assina a direção e a fotografia desse meat pie western, utiliza o cenário espetacular do Outback australiano para contar uma história de racismo e injustiça contra o povo aborígene nos anos 1920s. Empregando-se magistralmente de flashbacks e flash-forwards, o filme é um triunfo que transita naturalmente do western ao drama de tribunal e culmina em um final no estilo de O Sol É para Todos. Um estudo essencial e tópico sobre colonialismo que gera reflexão sobre o papel dos aborígenes na construção da Austrália e as injustiças perpetradas contra essa população, um debate longe de acabar no país e que tem inspirado filmes excelentes.
Um Loiro
3.7 76O melhor filme de Marco Berger até o momento. Os protagonistas são mais complexos e o roteiro é mais bem desenvolvido do que nos filmes anteriores, além de estarem presentes os elementos característicos de sua filmografia - os personagens lacônicos, a tensão sexual, o voyeurismo -, que se tornaram marca registrada do diretor.
Duas ou Três Coisas que Eu Sei Dela
3.7 82 Assista Agora"Os objetos existem. Se prestamos mais atenção a eles do que às pessoas, é porque eles existem mais do que as pessoas."
A Vida dos Outros
4.3 645A cena inicial se passa em Hohenschönhausen, antiga prisão política da Stasi (hoje museu e memorial em Berlim), mas não foi gravada lá. Knabe, o diretor do memorial, recusou-se a autorizar a gravação pelo modo como um homem da Stasi é retratado como herói no filme. Donnersmarck argumentou que A Lista da Schindler utilizou a mesma narrativa. Knabe respondeu: "Essa é exatamente a diferença. Existiu um Schindler. Nunca existiu um Wiesler".
Vale a pena refletir sobre a glorificação de membros de organizações criminosas e autoritárias, em detrimento das vítimas e das pessoas que realmente lutaram contra esses sistemas opressores.
1983 (1ª Temporada)
3.6 10O ano é 2003, a União Soviética ainda existe e a Polônia segue sob o regime comunista. A escolha do tema é no mínimo curiosa diante da crise política que domina o cenário polonês atualmente, sob influência da onda conservadora liderada pelo partido de ultradireita Lei e Ordem (sigla PiS em polonês). A série ignora o contexto atual e cria uma linha-do-tempo alternativa em que a antiga República Popular da Polônia ainda existe.
Acompanhando o protagonista Kajetan, que tenta desvendar os acontecimentos em torno de um ataque terrorista ocorrido em 1983, a trama consegue criar um clima de mistério e suspense que perdura até o final. Falha, porém, ao não trazer esclarecimentos para as muitas questões levantadas durante todos os episódios, tornando a experiência frustrante.
As intenções dos personagens são elusivas, frequentemente ambíguas, deixando a trama confusa, por vezes difícil de acompanhar, e transmitindo a sensação de que os roteiristas não estavam seguros sobre o rumo que a história deveria tomar. A fotografia, a direção e as atuações são competentes - Agnieszka Holland assina a direção de dois episódios.
Um Pombo Pousou Num Galho Refletindo Sobre a Existência
3.6 267 Assista Agora♪ Uppå halta Lottas krog i Göteborg ♪
As Faces de Toni Erdmann
3.8 257 Assista Agora"Você faz tudo como se fosse obrigada. Parabéns!"
Toni Erdmann é uma sátira mordaz ao sistema capitalista e ao mundo globalizado, no qual predomina a lógica de produtividade e as pessoas vivem para o trabalho.
Até mesmo os convidados para festas de aniversário são colegas de empresa.
"Quem mais virá?" "Basicamente minha equipe do escritório."
Uma mulher que precisa provar todos os dias o seu valor e não consegue terminar uma frase sem ser interrompida. Para ser alguém, não basta existir, é preciso ter sucesso, sempre. "Uma nova geração de executivos - todos fazem mestrado no exterior, são poliglotas, muito dedicados, pensam de forma internacional."
Toni Erdmann é sobre um pai tentando se reaproximar da filha, agindo da forma mais ridícula possível, para fazê-la enxergar que a vida é mais do que uma lista de afazeres.
Sem Amor
3.8 319 Assista AgoraEnquanto seus pais se envolvem em discussões e novos relacionamentos, Alyosha, o filho de um casal em processo de divórcio desaparece. Zvyagintsev utiliza essa família disfuncional como cenário para retratar a sociedade russa contemporânea.
A negligência parental e o nelyubov (o desamor, o anti-amor) são temas em foco durante toda a obra, desde o modo como Zhenya trata seu filho, passando pela relação problemática desta com sua própria mãe, até a relação de Boris com seu filho mais novo nos minutos finais. O roteiro é afiado e constrói através de diálogos ríspidos a dureza e agressividade nas relações entre os personagens.
Em meio a trama, são feitos vários comentários sobre o estado da sociedade russa. Tão negligentes como os pais são as instituições: a busca por Alyosha é conduzida por um grupo de voluntários enquanto a polícia se abstém, alegando que há "situações mais importantes do que procurar por um adolescente sumido".
É retratado também o poder da Igreja Ortodoxa Russa e sua influência na relações pessoais e até mesmo trabalhistas, pelo medo de Boris de ser demitido após o divórcio. Em uma das poucas cenas de humor, descobre-se que um dos empregados chegou ao ponto de levar uma família falsa para um confraternização.
Merece destaque a excelente fotografia, que transmite de forma onipresente a dureza do clima russo, e se equipara à frieza e à hostilidade das relações humanas vistas durante todo o filme.
Enter The Void: Viagem Alucinante
4.0 871Tem um roteiro tão trivial que não chamaria muita atenção, não fossem as 2h40 de auto-indulgências, extravagâncias e exibicionismos na direção. Com atuações pobres e diálogos que não têm muito a dizer, Gaspar Noé gasta €12 milhões num exercício de ego e sai bem-sucedido na tarefa de irritar o espectador.