Com uma trama bastante inspirada em It Follows (Corrente do Mal), uma estética que lembra desde Paraísos Artificiais, passando por Boi Neon, até Bacurau, e um elenco jovem que aproxima a série de outras produções da Netflix como Elite, Boca a Boca é ambientada no cidade fictícia de Progresso, um reduto conservador comandada pelo agronegócio que nada mais é do que o retrato de várias outras cidades semelhantes espalhadas pelo interior do Brasil.
Após uma festa na Aldeia - espécie de comunidade hippie abominada pelos habitantes de Progresso - uma doença infecciosa letal transmitida pelo beijo, parecida com a encefalite herpética, começa a se espalhar entre os jovens da cidade, bem como o medo e o pânico que inevitavelmente acompanham esse tipo de surto infeccioso. Coincidentemente ou não, Boca a Boca foi lançada no mesmo período em que o mundo enfrenta a pandemia de Covid-19 e muitos dos comportamentos retratados calharam de ser próximos à realidade - o negacionismo, o medo, a paranoia, as fakes news.
O papel da internet redes sociais é o ponto em que a série mais bate e fica claro que não existe separação entre o mundo real e o mundo online dos personagens: há várias cenas de dashboards, stories e lives, incluindo um momento em que uma notícia chave chega pelas redes sociais. Em uma das cenas mais incômodas, um suicídio é transmitido por live com um “pula, man” nos comentários. O uso da ferramenta acaba sendo intencionalmente caricato e talvez a narrativa se beneficiasse de mais sutileza nesse aspecto.
No entanto, o maior problema da série talvez seja a intenção de abordar muitos temas ao mesmo tempo: além da doença e das redes sociais, discute-se ainda homofobia, xenofobia, relações pós-coloniais, racismo, desigualdade social, fanatismo religioso, engenharia genética, vegetarianismo, a problemática do agronegócio. São temas sem dúvida importantes, mas que acabam sendo diluídos e parecem até óbvios quando abordados juntos, como se os roteiristas quisessem agregar todos os tópicos em alta no momento. Por mais que falte foco, a crítica à onda conservadora que assola o Brasil é o tema que termina por dar certa unidade aos episódios.
Mas, se há algo que realmente se destaca, é a direção de fotografia. Assinada por Azul Serra, também responsável por “Por Trás do Céu”, imagens impressionantes de Goiás acompanhadas do uso intenso de tons de rosa fazem com que as cenas pareçam retiradas de um quadro - ou de um sonho. É provavelmente a série mais bonita já produzida pela Netflix e só por isso já merece ser vista.
Interessante série gastronômica da Netflix que aborda a comida de rua de seis cidades da América Latina: Buenos Aires, Salvador, Oaxaca, Lima, Bogotá e La Paz. Apesar de o foco ser na culinária, os episódios também abordam um pouco da cultura de cada lugar e da história das cozinheiras e cozinheiros por trás dos pratos. A fotografia é um atrativo a mais, apresentando belos panoramas e vistas aéreas das cidades - se puder assista na TV, em HDR. O ponto negativo fica por conta da tentativa de imprimir uma carga dramática em cada episódio, fórmula previsível e desnecessária, já que os pratos por si só bastam para manter o interesse.
Além da importância em termos de representatividade e dos paradigmas que a série quebrou ao abordar sexualidade de forma radical, Queer as Folk acerta no ritmo acelerado, diálogos inteligentes e equilíbrio perfeito entre comédia e drama. É a primeira série completamente centrada em personagens LGBT e a cena gay de Manchester é retratada de forma tão vívida que é praticamente uma cápsula do tempo dos anos 90s.
Os personagens são complexos, realistas e a série merece todo o crédito por retratá-los de forma positiva, sem medo ou vergonha, principalmente numa época em que ser gay carregava tanto estigma. Ao mesmo tempo, passa longe de ser retrato idealizado - Stuart, Vince e Nathan às vezes tomam decisões tão irresponsáveis que a qualquer momento as situações podem sair do controle, e saem.
Entre as cenas hilárias há vários momentos melancólicos - amores não correspondidos, homofobia e até uma overdose que surpreende pela forma direta como é retratada - mas as situações são conduzidas com tamanha destreza que as mudanças de tom nunca parecem forçadas. Todos os personagem são bem construídos, mas desde “O Apanhador no Campo de Centeio” não via um retrato tão preciso da angústia adolescente como Nathan.
- “You don’t know anything! Cause you’re straight! Right? You’re part of the system! Right? You’re part of the fascist heterosexual orthodoxy!” - “I’m Black! And I’m a girl. Try that for a week!”
Nem tudo é perfeito: a subtrama da imigração e do casamento de fachada é problemática e desnecessária e o últimos episódios deixam de lado o realismo construído até então em troca de um final bombástico à la Thelma & Louise. Ainda assim, Queer as Folk segue como uma marco que, de uma forma ou de outra, influenciou todos as séries LGBTQ subsequentes e representou pela primeira vez um grupo que jamais imaginava ser visto na TV de forma tão franca.
"Não existem drogas ruins, são as circunstâncias."
The Midnight Gospel traz uma série de reflexões sobre temas importantes, como morte, drogas, meditação, escuta e muito outros que acabam sendo diluídos pelas animações. A técnica funciona melhor nos episódios 5 e 8, nos quais a representação visual funciona como uma metáfora para os tópicos discutidos. A série seria mais efetiva em transmitir suas mensagens se reduzisse a quantidade de distrações na tela e priorizasse imagens com significado. É ótimo ver temas profundos sendo discutidos em animações, mas às vezes menos é realmente mais.
Pra quem gosta de animação existencialista, recomendo Waking Life do Richard Linklater.
O ano é 2003, a União Soviética ainda existe e a Polônia segue sob o regime comunista. A escolha do tema é no mínimo curiosa diante da crise política que domina o cenário polonês atualmente, sob influência da onda conservadora liderada pelo partido de ultradireita Lei e Ordem (sigla PiS em polonês). A série ignora o contexto atual e cria uma linha-do-tempo alternativa em que a antiga República Popular da Polônia ainda existe.
Acompanhando o protagonista Kajetan, que tenta desvendar os acontecimentos em torno de um ataque terrorista ocorrido em 1983, a trama consegue criar um clima de mistério e suspense que perdura até o final. Falha, porém, ao não trazer esclarecimentos para as muitas questões levantadas durante todos os episódios, tornando a experiência frustrante.
As intenções dos personagens são elusivas, frequentemente ambíguas, deixando a trama confusa, por vezes difícil de acompanhar, e transmitindo a sensação de que os roteiristas não estavam seguros sobre o rumo que a história deveria tomar. A fotografia, a direção e as atuações são competentes - Agnieszka Holland assina a direção de dois episódios.
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Boca a Boca (1ª Temporada)
3.8 168 Assista AgoraCom uma trama bastante inspirada em It Follows (Corrente do Mal), uma estética que lembra desde Paraísos Artificiais, passando por Boi Neon, até Bacurau, e um elenco jovem que aproxima a série de outras produções da Netflix como Elite, Boca a Boca é ambientada no cidade fictícia de Progresso, um reduto conservador comandada pelo agronegócio que nada mais é do que o retrato de várias outras cidades semelhantes espalhadas pelo interior do Brasil.
Após uma festa na Aldeia - espécie de comunidade hippie abominada pelos habitantes de Progresso - uma doença infecciosa letal transmitida pelo beijo, parecida com a encefalite herpética, começa a se espalhar entre os jovens da cidade, bem como o medo e o pânico que inevitavelmente acompanham esse tipo de surto infeccioso. Coincidentemente ou não, Boca a Boca foi lançada no mesmo período em que o mundo enfrenta a pandemia de Covid-19 e muitos dos comportamentos retratados calharam de ser próximos à realidade - o negacionismo, o medo, a paranoia, as fakes news.
O papel da internet redes sociais é o ponto em que a série mais bate e fica claro que não existe separação entre o mundo real e o mundo online dos personagens: há várias cenas de dashboards, stories e lives, incluindo um momento em que uma notícia chave chega pelas redes sociais. Em uma das cenas mais incômodas, um suicídio é transmitido por live com um “pula, man” nos comentários. O uso da ferramenta acaba sendo intencionalmente caricato e talvez a narrativa se beneficiasse de mais sutileza nesse aspecto.
No entanto, o maior problema da série talvez seja a intenção de abordar muitos temas ao mesmo tempo: além da doença e das redes sociais, discute-se ainda homofobia, xenofobia, relações pós-coloniais, racismo, desigualdade social, fanatismo religioso, engenharia genética, vegetarianismo, a problemática do agronegócio. São temas sem dúvida importantes, mas que acabam sendo diluídos e parecem até óbvios quando abordados juntos, como se os roteiristas quisessem agregar todos os tópicos em alta no momento. Por mais que falte foco, a crítica à onda conservadora que assola o Brasil é o tema que termina por dar certa unidade aos episódios.
Mas, se há algo que realmente se destaca, é a direção de fotografia. Assinada por Azul Serra, também responsável por “Por Trás do Céu”, imagens impressionantes de Goiás acompanhadas do uso intenso de tons de rosa fazem com que as cenas pareçam retiradas de um quadro - ou de um sonho. É provavelmente a série mais bonita já produzida pela Netflix e só por isso já merece ser vista.
Street Food: América Latina (1ª Temporada)
4.3 37 Assista AgoraInteressante série gastronômica da Netflix que aborda a comida de rua de seis cidades da América Latina: Buenos Aires, Salvador, Oaxaca, Lima, Bogotá e La Paz. Apesar de o foco ser na culinária, os episódios também abordam um pouco da cultura de cada lugar e da história das cozinheiras e cozinheiros por trás dos pratos. A fotografia é um atrativo a mais, apresentando belos panoramas e vistas aéreas das cidades - se puder assista na TV, em HDR. O ponto negativo fica por conta da tentativa de imprimir uma carga dramática em cada episódio, fórmula previsível e desnecessária, já que os pratos por si só bastam para manter o interesse.
Queer as Folk - Os Assumidos
3.9 28 Assista AgoraAlém da importância em termos de representatividade e dos paradigmas que a série quebrou ao abordar sexualidade de forma radical, Queer as Folk acerta no ritmo acelerado, diálogos inteligentes e equilíbrio perfeito entre comédia e drama. É a primeira série completamente centrada em personagens LGBT e a cena gay de Manchester é retratada de forma tão vívida que é praticamente uma cápsula do tempo dos anos 90s.
Os personagens são complexos, realistas e a série merece todo o crédito por retratá-los de forma positiva, sem medo ou vergonha, principalmente numa época em que ser gay carregava tanto estigma. Ao mesmo tempo, passa longe de ser retrato idealizado - Stuart, Vince e Nathan às vezes tomam decisões tão irresponsáveis que a qualquer momento as situações podem sair do controle, e saem.
Entre as cenas hilárias há vários momentos melancólicos - amores não correspondidos, homofobia e até uma overdose que surpreende pela forma direta como é retratada - mas as situações são conduzidas com tamanha destreza que as mudanças de tom nunca parecem forçadas. Todos os personagem são bem construídos, mas desde “O Apanhador no Campo de Centeio” não via um retrato tão preciso da angústia adolescente como Nathan.
- “You don’t know anything! Cause you’re straight! Right? You’re part of the system! Right? You’re part of the fascist heterosexual orthodoxy!”
- “I’m Black! And I’m a girl. Try that for a week!”
Nem tudo é perfeito: a subtrama da imigração e do casamento de fachada é problemática e desnecessária e o últimos episódios deixam de lado o realismo construído até então em troca de um final bombástico à la Thelma & Louise. Ainda assim, Queer as Folk segue como uma marco que, de uma forma ou de outra, influenciou todos as séries LGBTQ subsequentes e representou pela primeira vez um grupo que jamais imaginava ser visto na TV de forma tão franca.
The Midnight Gospel (1ª Temporada)
4.5 455 Assista Agora"Não existem drogas ruins, são as circunstâncias."
The Midnight Gospel traz uma série de reflexões sobre temas importantes, como morte, drogas, meditação, escuta e muito outros que acabam sendo diluídos pelas animações. A técnica funciona melhor nos episódios 5 e 8, nos quais a representação visual funciona como uma metáfora para os tópicos discutidos. A série seria mais efetiva em transmitir suas mensagens se reduzisse a quantidade de distrações na tela e priorizasse imagens com significado. É ótimo ver temas profundos sendo discutidos em animações, mas às vezes menos é realmente mais.
Pra quem gosta de animação existencialista, recomendo Waking Life do Richard Linklater.
1983 (1ª Temporada)
3.6 10O ano é 2003, a União Soviética ainda existe e a Polônia segue sob o regime comunista. A escolha do tema é no mínimo curiosa diante da crise política que domina o cenário polonês atualmente, sob influência da onda conservadora liderada pelo partido de ultradireita Lei e Ordem (sigla PiS em polonês). A série ignora o contexto atual e cria uma linha-do-tempo alternativa em que a antiga República Popular da Polônia ainda existe.
Acompanhando o protagonista Kajetan, que tenta desvendar os acontecimentos em torno de um ataque terrorista ocorrido em 1983, a trama consegue criar um clima de mistério e suspense que perdura até o final. Falha, porém, ao não trazer esclarecimentos para as muitas questões levantadas durante todos os episódios, tornando a experiência frustrante.
As intenções dos personagens são elusivas, frequentemente ambíguas, deixando a trama confusa, por vezes difícil de acompanhar, e transmitindo a sensação de que os roteiristas não estavam seguros sobre o rumo que a história deveria tomar. A fotografia, a direção e as atuações são competentes - Agnieszka Holland assina a direção de dois episódios.