Fica bem evidente nesta repaginação do personagem uma tentativa de operar como se Gotham fosse um espelho da América dos nossos tempos, com direito a anônimos que se comportam como fascistas para tentar sabotar uma promessa de mudança vinda com a candidatura à prefeitura de uma negra (há também o Jeffrey Wright como a única autoridade policial incorruptível e uma Selina Kyle que basicamente verbaliza sobre a "branquitude sórdida" daquela cidade).
Tudo isso se estrutura para um terceiro ato bem frouxo. Por isso mesmo, acabo gostando mais da boa promessa deixada no prólogo de filme de serial killer, com o Charada basicamente se comportando como um Mark Chapman com métodos de Zodíaco perseguindo um Batman à lá Kurt Cobain.
Realizador de obras afáveis como “Monte Carlo” e “Tudo em Família”, Thomas Bezucha pega a todos de surpresa em sua adaptação do romance de Larry Watson, publicado em 2013. Embora ele respeite o registro da literatura mais próximo de nossa contemporaneidade com personagens que transitam em uma América dos anos 1950, os temas abordados são velhos ao gênero: a preservação da família acima de tudo, a exploração de um território antes indígena e que agora se urbaniza e como as mulheres passaram a ser as lideranças de suas proles. O trio Diane Lane, Kevin Costner e Lesley Manville entrega as grandes interpretações do último ano.
Diretor nascido em São Paulo, Marco Abujamra estava no processo de construção de uma filmografia acima da média no formato documental. Ao longo de uma carreira de quase 20 anos, fizeram parte de sua pesquisa nomes como Jards Macalé (“Jards Macalé: Um Morcego na Porta Principal”, 2008), Mário Lago (idem, 2013), Paulo Autran (“Paulo Autran: O Senhor dos Palcos”, 2017) e Luiz Melodia (“Todas as Melodias”, 2020).
A sua estreia na ficção de longa-metragem se dá com uma história de sua própria autoria em que nada tem a ver com os universos artísticos previamente celebrados. Há aqui uma exploração no cenário competitivo do xadrez, algo secundário e que o próprio Abujamra relevou o desejo de alterar devido a realização de seu filme coincidir com o sucesso de “O Gambito da Rainha”, atração da Netflix. O que movimenta “Júpiter” são as relações familiares a partir de um protagonista, Mario (Orã Figueiredo), contaminado pela apatia.
Detetive particular, Mario geralmente é contratado por mulheres que desejam obter provas de infidelidade de seus parceiros. No caso que abre a história, ele sofre um ataque cardíaco ao ser flagrado por seu alvo, um médico que o silencia após prestar socorros. Com esse evento, coincide o surgimento de um adolescente de 17 anos, Júpiter (Rafael Vitti, em seu segundo papel em um longa), fruto de um relacionamento casual. Detalhe: na época, Mario já estava casado com Teresa (interpretada por Guta Stresser), com quem comemora sem entusiasmo as bodas de prata.
Como se observa pela sinopse, os eventos acontecem de forma nada orgânica, construindo consequências e conexões humanas forçadas para que “Júpiter” consiga se movimentar. O lado prodígio do personagem-título como enxadrista pode até receber citação antes que tal habilidade seja testemunhada por Mario, mas o restante se manifesta sem qualquer estofo dramático, do relacionamento repentino de Júpiter com outra jovem, Luana (Brenda Sabryna), até o fato deste testemunhar a infidelidade de Teresa usando a câmera fotográfica de seu pai.
Talvez seja mais interessante para Marco Abujamra retomar a trajetória artística como documentarista após uma experiência na ficção que nada tem a acrescentar.
Lois Patiño demonstrou no premiado “Costa da Morte”, documentário que fez em 2013, um interesse central na criação de uma narrativa a partir da observação da natureza de Galícia, na Espanha, disponível para ser fotografada por suas lentes. O belo cenário é revisitado agora para a criação de uma ficção, em que o apuro estético rememora alguns dos trabalhos iniciais do dinamarquês Lars von Trier, como “Elemento de Um Crime” e “Medeia”. É um horror em que o espanto é ancorado sobretudo pela experiência sensorial provocada.
Após um início de carreira como curtametragista, Natalie Erika James debuta na ficção em longa-metragem com uma história sobre como a demência corrompe três gerações de mulheres de uma mesma família. A mais velha delas, Edna (interpretada por Robyn Nevin) é aquela a ter em seu próprio corpo as manifestações de uma mente que se deteriora progressivamente, como se servisse de casulo para uma nova forma sem identidade. Entretanto, o verdadeiro horror de “Relíquia Macabra” vem a ser a própria casa que essas personagens acumulam memórias, angústias e rancores, explorada pela diretora como se fosse um limbo.
A existência deste "Resurrections" já é explicitada em uma reunião no primeiro ato da história: a Warner Bros. retomaria de qualquer jeito essa franquia e Lana Wachowski veio defender a sua propriedade jogando-a completamente na lixeira. As "novas ideias" trabalhadas aqui são tão convincentes quanto a Jada Pinkett Smith interpretando a Niobe com 90 anos. Ver um monte de gente fazendo defesa disso aqui é o novo surto coletivo do momento.
O roteiro, inspirado na figura real da freira lésbica Benedetta Carlini, é brilhante pela forma como deixa na dubiedade os seus movimentos. Seria mesmo Benedetta alguém que herdou dons divinos ou que apenas os forjou para sobreviver em um contexto opressivo?
Outro ponto, esse de mera curiosidade, é notar como essa história apresenta proximidade com os tempos pandêmicos em que vivemos. Finalizado em 2019, “Benedetta” também tem em sua história uma praga literal que os personagens terão de sobreviver por negarem a ciência e utilizarem a fé como mero instrumento de poder. Quatro séculos nos afastam da trajetória dessa Benedetta ficcional, mas Verhoeven está é retratando a nossa contemporaneidade.
Os meus sentimentos com este "Pânico 2022" são exatamente os mesmos que tive quanto ao "Halloween 2018": ao mesmo tempo em que fiquei entusiasmado com o resgate de uma das minhas franquias favoritas de horror, a experiência toda deixou um gosto amargo. E a dupla de "Casamento Sangrento" nem mascara a inspiração por aquela mesma ambição tola do David Gordon Green, pois ela realmente acredita que está entregando algo elevado o suficiente para ser considerado tão bom quanto a obra-prima original - o "5" foi estripado do título.
Duas coisas que incomodam um bocado, em impressões que ficam abandonando há poucos minutos a sala de cinema:
1. Enquanto Wes Craven sempre se mostrou um gênio ao gerenciar várias ações e personagens simultaneamente em um mesmo ambiente, aqui não existe esse dinamismo. O terceiro ato é uma zona!
2. Fico impressionado como a Hollywood de hoje tem tantos jovens atores sem qualquer personalidade. Tirando dois ou três membros do elenco, o restante aqui é péssimo, se comportando como lixo que a gente não vê a hora de ser descartado.
Só bateu a vontade de rever "Pânico 4" com urgência, esse sim um capítulo que retomou a franquia com tesão e engenhosidade.
Por sinal, é como se "Pânico 4" fosse o "Halloween: H20" enquanto isso aqui é, me repetindo, o David Gordon Green da franquia.
Se a australiana Sia repensasse o seu último ano e pudesse voltar ao seu passado recente, provavelmente ela teria desistido desta sua aventura no cinema como diretora, roteirista e produtora. Uma das cantoras e compositoras mais respeitadas da indústria musical, Sia não viu absolutamente nenhum de seus pares a defendendo do cancelamento, que se deu a partir do momento em que o trailer de “Music” foi divulgado junto com o que transpareceu ser a sua intenção de registro sobre pessoas com síndrome de Down. Com indicações claramente compradas no Globo de Ouro 2021 nas categorias de Melhor Filme: Comédia ou Musical e Melhor Atriz: Drama para Kate Hudson (além de três vitórias no Framboesa de Ouro, que celebra os piores do cinema), essa pataquada de Sia é ofensiva em níveis inimagináveis, com um colorido de provocar ataque epilético. Nem Maddie Ziegler, a intérprete da personagem-título, foi capaz de promover o filme em suas redes sociais ou para a imprensa tamanho o constrangimento em que se meteu.
Dona de um carisma singular e extremamente subestimada como atriz, Brittany Murphy nos deixou cedo demais de uma forma que logo autorizou a formação de teorias da conspiração bobocas, com grande parte delas inclusive incentivadas por Angelo Bertolotti, pai ausente que obteve os seus 15 minutos de fama ao defender que a morte de sua filha foi consequência de uma artimanha do governo americano. A partir de um documentário dividido em duas partes de uma hora cada, a diretora Cynthia Hill até cerca “What Happened, Brittany Murphy?” de alguma credibilidade a princípio por apresentar depoimentos de pessoas que trabalharam com Murphy, mas logo se deixa contaminar pelas especulações ao ponto de até conferir protagonismo para youtubers que fazem a própria maquiagem enquanto abordam assuntos mórbidos.
Mesmo com todos os danos que a pandemia trouxe para os setores culturais, o cinema não parou. Sabiamente, muitos cineastas retomaram os seus projetos ficcionais ou documentais se atentando a um mundo em que o coronavírus não existe, pois sabem que estamos em uma realidade que muda a cada dia em um tabuleiro de movimentos políticos, variações do vírus, alcance e eficácia de vacinas e o comportamento humano diante de tantas restrições. Os irmãos Eduardo e Lauro Escorel fazem o oposto entregando um filme com prazo de validade vencido. Desatualizado, aborrecido e com todo um ar de vídeo institucional (é realmente preciso mostrar os convidados para os depoimentos guardando as suas máscaras em sacos plásticos?), “SARS-CoV-2: O Tempo da Pandemia” pode ser facilmente substituído pelo acompanhamento de uma reportagem em tevê aberta que condensa em cinco minutos a atualização dessa crise sanitária que atravessamos.
O mais fraco desta lista de Melhor Filme Internacional do Oscar 2021, esta produção da Tunísia se inspirou em uma obra do artista belga Wim Delvoye, dono de um acervo por vezes controverso ao usar o corpo como matéria-prima. Na ficção, o personagem do ótimo Yahya Mahayni, o sírio Sam Ali, busca refúgio no Líbano. Querendo conquistar dinheiro e um novo lar, cede as suas costas para ser tatuada pelo artista Jeffrey Godefroi (Koen De Bouw), com quem também assina um contrato de intinerância por museus conceituados para exibição. Mesmo que discuta os limites da arte e a condição de indivíduos refugiados, a diretora Kaouther Ben Hania reduz o potencial de qualquer provocação ao investir em personagens secundários caricatos (incluindo a assistente interpretada pela musa Monica Bellucci) e em um romance do protagonista com uma mulher comprometida (a estreante e também belíssima Dea Liane) que parece saído de uma novela mexicana.
É difícil sair incólume da história da jovem protagonista, que encontra no seu esforço em passar no vestibular a única possibilidade de escapar de sua vida de merda, que vai do fato de ser o alvo preferencial de bullying onde estuda até a falta de qualquer base ao qual se sustentar devido os trambiques de sua mãe.
Por outro lado, "Better Days" tem dois problemas muito graves. O primeiro é infestar o prólogo e o epílogo com cartilhas sobre bullying, conferindo um peso à história que nos faz até mesmo questionar a moralidade de vários caminhos tomados aqui.
Já o segundo é inaptidão do diretor Derek Tsang em dar um ponto final ao filme. Aqui, há nada menos que uma meia dúzia de promessas de conclusão: quando você pensa que o filme acabou, há outra resolução adicional.
O cinema está se apropriando rapidamente da linguagem do “plano virtual” que nos consome a cada instante com a flexibilidade para a aquisição de smartphones. Assim, tem sido natural observar personagens compartilhando a janela com telas compartilhadas e blocos para a troca de mensagens instantâneas. Além de protagonista, Marcus Curvelo divide a direção de “Eu, Empresa” com o seu colega Leon Sampaio e eles fazem algo mais de acordo com a realidade brasileira ao acompanhar um aspirante a influenciador digital se sujeitando as mais diversas situações para “hitar” como produtor de conteúdo no YouTube enquanto se vê como uma vítima de um país com milhares de desempregados. É engraçado sem ridicularizar o personagem central e causa curiosidade a encarnação em minissérie que receberá em breve.
Quem acompanha o segmento mais alternativo de nosso cinema, reconhece que Clarissa Kiste é uma de nossas melhores atrizes. Sob a direção de Ana Johann, ela recebe aquela que é a primeira protagonista de sua carreira. Nada mais do que merecido para a atriz de 43 anos. Além disso, “A Mesma Parte de Um Homem” é um filme em que as principais cabeças de produção são femininas, o que enfatiza certo empoderamento em uma história que flagra a realidade de mulheres que vivem em contextos rurais dominados pela presença masculina. Uma pena que a história sobre uma recém-viúva caindo nos encantos de um estranho sem memória (Irandhir Santos) demore para mostrar ao que veio e que exploda em um clímax que merecia ter o seu texto revisado.
Embora premiado com o Troféu Barroco, a principal honraria da Mostra Aurora, o documentário “Açucena” não era o melhor filme da seleção. A história da protagonista é no mínimo inusitada: acima dos 60 anos, ela pensa completar 7 anos em cada um de seus aniversários. Nenhum tipo de julgamento é feito a essa senhora, que vive literalmente em uma casa de bonecas e ainda conta com a cumplicidade de seus vizinhos, que preparam uma festa cheia de adornos infantis. Mas há escolhas visuais e sonoras que denunciam uma visão um tanto questionável do realizador diante de sua figura de interesse. O coletivo O Grivo prepara uma trilha sonora que parece extraída de um filme de terror.
Com três nomes se revezando atrás das câmeras e trazendo como protagonista uma atriz de teatro em crise com o seu ofício ao mesmo tempo em que precisa lidar com algumas figuras juvenis “assombrando” o espaço que habita, parece uma das intenções de “O Cerco” tecer comentários sobre a resistência da arte. É uma das possíveis linhas de raciocínio que a gente se desprende no desenvolvimento de uma narrativa que muitos podem desistir no meio de ter uma compreensão mais racional do que acontece diante de nossos olhos. Um desinteresse que se impõe sobretudo por escolhas estéticas que remetem aos títulos mais aborrecidos do Dogma 95 com todos os cortes secos, áudios abafados e imagens fora de foco.
"Tribo" que é muito desconhecida dentro da própria comunidade gay, a leather ganha aqui um documentário brasileiro que verbaliza sobre moda, códigos e posições entre dominadores e dominados, mas que estagna o seu potencial por preferir priorizar o tal concurso de Mr. Leather que acontece no famoso Eagle aqui de São Paulo - como a coisa se deu em 2018, chega pra gente bem datado. Prefiro muito mais quando a câmera é autorizada a fazer um registro mais íntimo desse universo, como quando o Dom Barbubo tem um ato sexual com um fetichista.
O filme até ganha por não ser preenchido com discursos risíveis, a exemplo daquele do churrasco em "Casa Grande" (também dirigido por Fellipe Barbosa), mas já estou esgotado dessa lógica idiota de culpa de classe, onde a burguesia ri de si mesma enquanto aponta o lulapetismo (um dos principais fatores da nossa atual crise política) como uma possibilidade de utopia, daquelas onde o proletariado ou anda de mãos dadas com os seus companheiros para um rumo melhor que inexiste ou é penalizado com a própria vida por ter uma perspectiva discordante.
Kathy Griffin, que em maio de 2017 foi a comediante mais falada no mundo depois de aparecer em uma fotografia com a cabeça decapitada de Donald Trump, quase teve a sua carreira de 50 anos acabada ali. Todos os amigos lhe deram as costas, as ameaças de morte atingiram até mesmo a sua irmã (que morreu de câncer também no ano de 2017), teve a turnê que realizava cancelada na metade, foi banida da CNN e até mesmo associada como uma ameaça à Segurança Nacional.
Com tudo isso, sinto que o documentário desaponta quando substitui todos os flagras da intimidade dela do primeiro ato enquanto tenta fazer uma turnê fora dos States para se concentrar exclusivamente no standup. De certo modo, o seu humor ligado nos 220 v eclipsa as discussões sobre censura.
E que falta faz uma Kathy Griffin nesses tempos nebulosos que vivemos aqui no Brasil, onde o humor se resume a comediante fracassado alinhado com o seu presidente distribuindo banana pra imprensa ou deepfakes em que ninguém realmente coloca a própria face à tapa.
O “Asas do Desejo” de Luc Besson. A modelo Rie Rasmussen teve trajetória curta no cinema, mas teve a sorte de “posar” para as câmeras dos dois caras que mais sabem enaltecer a beleza feminina: Besson e Brian De Palma em “Femme Fatale”.
Griffin Dunne deveria ter encerrado a carreira como diretor depois do encantador "Da Magia à Sedução" e simplesmente ter se conformado com a posição de ator coadjuvante meio inexpressivo. Esse filme aqui ele começa lidando com sarcasmo no registro do relacionamento de uma mãe drogada e alcoólatra com o seu filho de 15 anos (Anton Yelchin, r.i.p.) pra na segunda metade investir num desdobramento ainda mais absurdo, trazendo Chris Evans numa versão doentia do seu Ransom de ˜Entre Facas e Segredos".
Steven Soderbergh é assim: se ele entrega um bom filme, pode ter certeza de que ele parirá na mesma época uma meia dúzia de tolices. Não sei a razão de eu ainda insistir nele... E se tem um ator que não faz falta alguma é o Tobey Maguire.
Batman
4.0 1,9K Assista AgoraFica bem evidente nesta repaginação do personagem uma tentativa de operar como se Gotham fosse um espelho da América dos nossos tempos, com direito a anônimos que se comportam como fascistas para tentar sabotar uma promessa de mudança vinda com a candidatura à prefeitura de uma negra (há também o Jeffrey Wright como a única autoridade policial incorruptível e uma Selina Kyle que basicamente verbaliza sobre a "branquitude sórdida" daquela cidade).
Tudo isso se estrutura para um terceiro ato bem frouxo. Por isso mesmo, acabo gostando mais da boa promessa deixada no prólogo de filme de serial killer, com o Charada basicamente se comportando como um Mark Chapman com métodos de Zodíaco perseguindo um Batman à lá Kurt Cobain.
Deixe-o Partir
3.3 79 Assista AgoraRealizador de obras afáveis como “Monte Carlo” e “Tudo em Família”, Thomas Bezucha pega a todos de surpresa em sua adaptação do romance de Larry Watson, publicado em 2013. Embora ele respeite o registro da literatura mais próximo de nossa contemporaneidade com personagens que transitam em uma América dos anos 1950, os temas abordados são velhos ao gênero: a preservação da família acima de tudo, a exploração de um território antes indígena e que agora se urbaniza e como as mulheres passaram a ser as lideranças de suas proles. O trio Diane Lane, Kevin Costner e Lesley Manville entrega as grandes interpretações do último ano.
Júpiter
2.2 4 Assista AgoraDiretor nascido em São Paulo, Marco Abujamra estava no processo de construção de uma filmografia acima da média no formato documental. Ao longo de uma carreira de quase 20 anos, fizeram parte de sua pesquisa nomes como Jards Macalé (“Jards Macalé: Um Morcego na Porta Principal”, 2008), Mário Lago (idem, 2013), Paulo Autran (“Paulo Autran: O Senhor dos Palcos”, 2017) e Luiz Melodia (“Todas as Melodias”, 2020).
A sua estreia na ficção de longa-metragem se dá com uma história de sua própria autoria em que nada tem a ver com os universos artísticos previamente celebrados. Há aqui uma exploração no cenário competitivo do xadrez, algo secundário e que o próprio Abujamra relevou o desejo de alterar devido a realização de seu filme coincidir com o sucesso de “O Gambito da Rainha”, atração da Netflix. O que movimenta “Júpiter” são as relações familiares a partir de um protagonista, Mario (Orã Figueiredo), contaminado pela apatia.
Detetive particular, Mario geralmente é contratado por mulheres que desejam obter provas de infidelidade de seus parceiros. No caso que abre a história, ele sofre um ataque cardíaco ao ser flagrado por seu alvo, um médico que o silencia após prestar socorros. Com esse evento, coincide o surgimento de um adolescente de 17 anos, Júpiter (Rafael Vitti, em seu segundo papel em um longa), fruto de um relacionamento casual. Detalhe: na época, Mario já estava casado com Teresa (interpretada por Guta Stresser), com quem comemora sem entusiasmo as bodas de prata.
Como se observa pela sinopse, os eventos acontecem de forma nada orgânica, construindo consequências e conexões humanas forçadas para que “Júpiter” consiga se movimentar. O lado prodígio do personagem-título como enxadrista pode até receber citação antes que tal habilidade seja testemunhada por Mario, mas o restante se manifesta sem qualquer estofo dramático, do relacionamento repentino de Júpiter com outra jovem, Luana (Brenda Sabryna), até o fato deste testemunhar a infidelidade de Teresa usando a câmera fotográfica de seu pai.
Talvez seja mais interessante para Marco Abujamra retomar a trajetória artística como documentarista após uma experiência na ficção que nada tem a acrescentar.
Lua Vermelha
3.0 12Lois Patiño demonstrou no premiado “Costa da Morte”, documentário que fez em 2013, um interesse central na criação de uma narrativa a partir da observação da natureza de Galícia, na Espanha, disponível para ser fotografada por suas lentes. O belo cenário é revisitado agora para a criação de uma ficção, em que o apuro estético rememora alguns dos trabalhos iniciais do dinamarquês Lars von Trier, como “Elemento de Um Crime” e “Medeia”. É um horror em que o espanto é ancorado sobretudo pela experiência sensorial provocada.
Relíquia Macabra
3.3 260Após um início de carreira como curtametragista, Natalie Erika James debuta na ficção em longa-metragem com uma história sobre como a demência corrompe três gerações de mulheres de uma mesma família. A mais velha delas, Edna (interpretada por Robyn Nevin) é aquela a ter em seu próprio corpo as manifestações de uma mente que se deteriora progressivamente, como se servisse de casulo para uma nova forma sem identidade. Entretanto, o verdadeiro horror de “Relíquia Macabra” vem a ser a própria casa que essas personagens acumulam memórias, angústias e rancores, explorada pela diretora como se fosse um limbo.
Matrix Resurrections
2.8 1,3K Assista AgoraA existência deste "Resurrections" já é explicitada em uma reunião no primeiro ato da história: a Warner Bros. retomaria de qualquer jeito essa franquia e Lana Wachowski veio defender a sua propriedade jogando-a completamente na lixeira. As "novas ideias" trabalhadas aqui são tão convincentes quanto a Jada Pinkett Smith interpretando a Niobe com 90 anos. Ver um monte de gente fazendo defesa disso aqui é o novo surto coletivo do momento.
Benedetta
3.5 198 Assista AgoraO roteiro, inspirado na figura real da freira lésbica Benedetta Carlini, é brilhante pela forma como deixa na dubiedade os seus movimentos. Seria mesmo Benedetta alguém que herdou dons divinos ou que apenas os forjou para sobreviver em um contexto opressivo?
Outro ponto, esse de mera curiosidade, é notar como essa história apresenta proximidade com os tempos pandêmicos em que vivemos. Finalizado em 2019, “Benedetta” também tem em sua história uma praga literal que os personagens terão de sobreviver por negarem a ciência e utilizarem a fé como mero instrumento de poder. Quatro séculos nos afastam da trajetória dessa Benedetta ficcional, mas Verhoeven está é retratando a nossa contemporaneidade.
Pânico
3.4 1,1K Assista AgoraOs meus sentimentos com este "Pânico 2022" são exatamente os mesmos que tive quanto ao "Halloween 2018": ao mesmo tempo em que fiquei entusiasmado com o resgate de uma das minhas franquias favoritas de horror, a experiência toda deixou um gosto amargo. E a dupla de "Casamento Sangrento" nem mascara a inspiração por aquela mesma ambição tola do David Gordon Green, pois ela realmente acredita que está entregando algo elevado o suficiente para ser considerado tão bom quanto a obra-prima original - o "5" foi estripado do título.
Duas coisas que incomodam um bocado, em impressões que ficam abandonando há poucos minutos a sala de cinema:
1. Enquanto Wes Craven sempre se mostrou um gênio ao gerenciar várias ações e personagens simultaneamente em um mesmo ambiente, aqui não existe esse dinamismo. O terceiro ato é uma zona!
2. Fico impressionado como a Hollywood de hoje tem tantos jovens atores sem qualquer personalidade. Tirando dois ou três membros do elenco, o restante aqui é péssimo, se comportando como lixo que a gente não vê a hora de ser descartado.
Só bateu a vontade de rever "Pânico 4" com urgência, esse sim um capítulo que retomou a franquia com tesão e engenhosidade.
Por sinal, é como se "Pânico 4" fosse o "Halloween: H20" enquanto isso aqui é, me repetindo, o David Gordon Green da franquia.
Music
2.2 42 Assista AgoraSe a australiana Sia repensasse o seu último ano e pudesse voltar ao seu passado recente, provavelmente ela teria desistido desta sua aventura no cinema como diretora, roteirista e produtora. Uma das cantoras e compositoras mais respeitadas da indústria musical, Sia não viu absolutamente nenhum de seus pares a defendendo do cancelamento, que se deu a partir do momento em que o trailer de “Music” foi divulgado junto com o que transpareceu ser a sua intenção de registro sobre pessoas com síndrome de Down. Com indicações claramente compradas no Globo de Ouro 2021 nas categorias de Melhor Filme: Comédia ou Musical e Melhor Atriz: Drama para Kate Hudson (além de três vitórias no Framboesa de Ouro, que celebra os piores do cinema), essa pataquada de Sia é ofensiva em níveis inimagináveis, com um colorido de provocar ataque epilético. Nem Maddie Ziegler, a intérprete da personagem-título, foi capaz de promover o filme em suas redes sociais ou para a imprensa tamanho o constrangimento em que se meteu.
https://www.youtube.com/cineresenhas
What Happened, Brittany Murphy?
3.4 50Dona de um carisma singular e extremamente subestimada como atriz, Brittany Murphy nos deixou cedo demais de uma forma que logo autorizou a formação de teorias da conspiração bobocas, com grande parte delas inclusive incentivadas por Angelo Bertolotti, pai ausente que obteve os seus 15 minutos de fama ao defender que a morte de sua filha foi consequência de uma artimanha do governo americano. A partir de um documentário dividido em duas partes de uma hora cada, a diretora Cynthia Hill até cerca “What Happened, Brittany Murphy?” de alguma credibilidade a princípio por apresentar depoimentos de pessoas que trabalharam com Murphy, mas logo se deixa contaminar pelas especulações ao ponto de até conferir protagonismo para youtubers que fazem a própria maquiagem enquanto abordam assuntos mórbidos.
https://www.youtube.com/cineresenhas
SARS-CoV-2: O Tempo da Pandemia
2.1 2Mesmo com todos os danos que a pandemia trouxe para os setores culturais, o cinema não parou. Sabiamente, muitos cineastas retomaram os seus projetos ficcionais ou documentais se atentando a um mundo em que o coronavírus não existe, pois sabem que estamos em uma realidade que muda a cada dia em um tabuleiro de movimentos políticos, variações do vírus, alcance e eficácia de vacinas e o comportamento humano diante de tantas restrições. Os irmãos Eduardo e Lauro Escorel fazem o oposto entregando um filme com prazo de validade vencido. Desatualizado, aborrecido e com todo um ar de vídeo institucional (é realmente preciso mostrar os convidados para os depoimentos guardando as suas máscaras em sacos plásticos?), “SARS-CoV-2: O Tempo da Pandemia” pode ser facilmente substituído pelo acompanhamento de uma reportagem em tevê aberta que condensa em cinco minutos a atualização dessa crise sanitária que atravessamos.
https://www.youtube.com/cineresenhas
O Homem Que Vendeu Sua Pele
3.5 99 Assista AgoraO mais fraco desta lista de Melhor Filme Internacional do Oscar 2021, esta produção da Tunísia se inspirou em uma obra do artista belga Wim Delvoye, dono de um acervo por vezes controverso ao usar o corpo como matéria-prima. Na ficção, o personagem do ótimo Yahya Mahayni, o sírio Sam Ali, busca refúgio no Líbano. Querendo conquistar dinheiro e um novo lar, cede as suas costas para ser tatuada pelo artista Jeffrey Godefroi (Koen De Bouw), com quem também assina um contrato de intinerância por museus conceituados para exibição. Mesmo que discuta os limites da arte e a condição de indivíduos refugiados, a diretora Kaouther Ben Hania reduz o potencial de qualquer provocação ao investir em personagens secundários caricatos (incluindo a assistente interpretada pela musa Monica Bellucci) e em um romance do protagonista com uma mulher comprometida (a estreante e também belíssima Dea Liane) que parece saído de uma novela mexicana.
Dias Melhores
3.9 139 Assista AgoraÉ difícil sair incólume da história da jovem protagonista, que encontra no seu esforço em passar no vestibular a única possibilidade de escapar de sua vida de merda, que vai do fato de ser o alvo preferencial de bullying onde estuda até a falta de qualquer base ao qual se sustentar devido os trambiques de sua mãe.
Por outro lado, "Better Days" tem dois problemas muito graves. O primeiro é infestar o prólogo e o epílogo com cartilhas sobre bullying, conferindo um peso à história que nos faz até mesmo questionar a moralidade de vários caminhos tomados aqui.
Já o segundo é inaptidão do diretor Derek Tsang em dar um ponto final ao filme. Aqui, há nada menos que uma meia dúzia de promessas de conclusão: quando você pensa que o filme acabou, há outra resolução adicional.
Eu, Empresa
3.2 14O cinema está se apropriando rapidamente da linguagem do “plano virtual” que nos consome a cada instante com a flexibilidade para a aquisição de smartphones. Assim, tem sido natural observar personagens compartilhando a janela com telas compartilhadas e blocos para a troca de mensagens instantâneas. Além de protagonista, Marcus Curvelo divide a direção de “Eu, Empresa” com o seu colega Leon Sampaio e eles fazem algo mais de acordo com a realidade brasileira ao acompanhar um aspirante a influenciador digital se sujeitando as mais diversas situações para “hitar” como produtor de conteúdo no YouTube enquanto se vê como uma vítima de um país com milhares de desempregados. É engraçado sem ridicularizar o personagem central e causa curiosidade a encarnação em minissérie que receberá em breve.
A Mesma Parte de Um Homem
3.2 15 Assista AgoraQuem acompanha o segmento mais alternativo de nosso cinema, reconhece que Clarissa Kiste é uma de nossas melhores atrizes. Sob a direção de Ana Johann, ela recebe aquela que é a primeira protagonista de sua carreira. Nada mais do que merecido para a atriz de 43 anos. Além disso, “A Mesma Parte de Um Homem” é um filme em que as principais cabeças de produção são femininas, o que enfatiza certo empoderamento em uma história que flagra a realidade de mulheres que vivem em contextos rurais dominados pela presença masculina. Uma pena que a história sobre uma recém-viúva caindo nos encantos de um estranho sem memória (Irandhir Santos) demore para mostrar ao que veio e que exploda em um clímax que merecia ter o seu texto revisado.
Açucena
3.2 7Embora premiado com o Troféu Barroco, a principal honraria da Mostra Aurora, o documentário “Açucena” não era o melhor filme da seleção. A história da protagonista é no mínimo inusitada: acima dos 60 anos, ela pensa completar 7 anos em cada um de seus aniversários. Nenhum tipo de julgamento é feito a essa senhora, que vive literalmente em uma casa de bonecas e ainda conta com a cumplicidade de seus vizinhos, que preparam uma festa cheia de adornos infantis. Mas há escolhas visuais e sonoras que denunciam uma visão um tanto questionável do realizador diante de sua figura de interesse. O coletivo O Grivo prepara uma trilha sonora que parece extraída de um filme de terror.
O Cerco
1.9 8Com três nomes se revezando atrás das câmeras e trazendo como protagonista uma atriz de teatro em crise com o seu ofício ao mesmo tempo em que precisa lidar com algumas figuras juvenis “assombrando” o espaço que habita, parece uma das intenções de “O Cerco” tecer comentários sobre a resistência da arte. É uma das possíveis linhas de raciocínio que a gente se desprende no desenvolvimento de uma narrativa que muitos podem desistir no meio de ter uma compreensão mais racional do que acontece diante de nossos olhos. Um desinteresse que se impõe sobretudo por escolhas estéticas que remetem aos títulos mais aborrecidos do Dogma 95 com todos os cortes secos, áudios abafados e imagens fora de foco.
Mr. Leather
3.1 7"Tribo" que é muito desconhecida dentro da própria comunidade gay, a leather ganha aqui um documentário brasileiro que verbaliza sobre moda, códigos e posições entre dominadores e dominados, mas que estagna o seu potencial por preferir priorizar o tal concurso de Mr. Leather que acontece no famoso Eagle aqui de São Paulo - como a coisa se deu em 2018, chega pra gente bem datado. Prefiro muito mais quando a câmera é autorizada a fazer um registro mais íntimo desse universo, como quando o Dom Barbubo tem um ato sexual com um fetichista.
Domingo
3.3 26O filme até ganha por não ser preenchido com discursos risíveis, a exemplo daquele do churrasco em "Casa Grande" (também dirigido por Fellipe Barbosa), mas já estou esgotado dessa lógica idiota de culpa de classe, onde a burguesia ri de si mesma enquanto aponta o lulapetismo (um dos principais fatores da nossa atual crise política) como uma possibilidade de utopia, daquelas onde o proletariado ou anda de mãos dadas com os seus companheiros para um rumo melhor que inexiste ou é penalizado com a própria vida por ter uma perspectiva discordante.
Kathy Griffin: A Hell of a Story
3.0 1Kathy Griffin, que em maio de 2017 foi a comediante mais falada no mundo depois de aparecer em uma fotografia com a cabeça decapitada de Donald Trump, quase teve a sua carreira de 50 anos acabada ali. Todos os amigos lhe deram as costas, as ameaças de morte atingiram até mesmo a sua irmã (que morreu de câncer também no ano de 2017), teve a turnê que realizava cancelada na metade, foi banida da CNN e até mesmo associada como uma ameaça à Segurança Nacional.
Com tudo isso, sinto que o documentário desaponta quando substitui todos os flagras da intimidade dela do primeiro ato enquanto tenta fazer uma turnê fora dos States para se concentrar exclusivamente no standup. De certo modo, o seu humor ligado nos 220 v eclipsa as discussões sobre censura.
E que falta faz uma Kathy Griffin nesses tempos nebulosos que vivemos aqui no Brasil, onde o humor se resume a comediante fracassado alinhado com o seu presidente distribuindo banana pra imprensa ou deepfakes em que ninguém realmente coloca a própria face à tapa.
Contraponto
3.5 218A prova que faltava tirar pra comprovar que a aposentadoria do Terry Gilliam deveria ter vindo logo após "Fear and Loathing in Las Vegas".
Angel-A
3.7 141 Assista AgoraO “Asas do Desejo” de Luc Besson. A modelo Rie Rasmussen teve trajetória curta no cinema, mas teve a sorte de “posar” para as câmeras dos dois caras que mais sabem enaltecer a beleza feminina: Besson e Brian De Palma em “Femme Fatale”.
Sociedade Feroz
3.6 55 Assista AgoraGriffin Dunne deveria ter encerrado a carreira como diretor depois do encantador "Da Magia à Sedução" e simplesmente ter se conformado com a posição de ator coadjuvante meio inexpressivo. Esse filme aqui ele começa lidando com sarcasmo no registro do relacionamento de uma mãe drogada e alcoólatra com o seu filho de 15 anos (Anton Yelchin, r.i.p.) pra na segunda metade investir num desdobramento ainda mais absurdo, trazendo Chris Evans numa versão doentia do seu Ransom de ˜Entre Facas e Segredos".
O Segredo de Berlim
3.0 43 Assista AgoraSteven Soderbergh é assim: se ele entrega um bom filme, pode ter certeza de que ele parirá na mesma época uma meia dúzia de tolices. Não sei a razão de eu ainda insistir nele... E se tem um ator que não faz falta alguma é o Tobey Maguire.