Achei que faltou um puro narrativo aqui, as coisas vão acontecendo em tom documental. Vale pela mensagem e pelo registro de ver o papel da mulher em um mundo patriarcal devastado, num contexto de virada para o século XXI, mas que nos remete ao século XVIII (no mínimo).
Por exemplo, nunca que um homem adulto sem memórias ficaria cuidando sozinho da sua filha. Nunca que uma médica faria o que fez sem a supervisão institucional de um hospital, ao passo que o filme sequer explica como ela o faz (a cena final é duplamente tosca: uma linguagem de programação simplória e uma deixa pra um segundo filme, que???). O cara ta doente, e a escola ou vizinhos, exigem dele algo que é absolutamente improvável, cuidar de uma criança. Meu Deus, a lei civil vem desde os romanos, gente. Não é possível.
Mas mesmo com todas as concessões absurdas pra história se desenvolver, o apego a um drama superficial afunda ainda mais. A sorte é que temos aqui um bom esforço na interpretação do protagonista, e tem sim uma boa premissa. É uma história que eu gostaria ver nas mãos de um roteirista e um diretor competente.
Shiva Baby é uma típica comédia de esteriótipos, mas também reflexiva e intrigante, ambientada em uma única tarde, de forma teatralizada. A vibe lembra um pouco o "sete dias sem fim". Durante o velório (que nem sabemos de exatamente quem), a câmera vai acompanhar a Danielle e suas situações constrangedoras, com direito a conversas sobre relacionamentos e futuro profissional. Confesso que o ar pastelão e caricato me fez perder o interesse na primeira metade, mas a partir do momento em que a protagonista procura o celular, a edição bem feita misturando comédia e suspense me prendeu, e a partir daí ganhou uns contornos meio sombrios, ainda que cômicos. Tudo é muito conveniente e irritante às vezes, forçado, soa longe do naturalismo a que estamos acostumados, mas isso por um lado é muito bom, há uma quebra de expectativas bem vinda. As atuações estão apenas ok, como a proposta é soar um tom acima, não achei que comprometeram, embora também não achei que ninguém se sobressaiu. Afinal, o principal aqui é o roteiro e o texto,. Dirigido e roteirizado por emma Seligman em sua estreia no cinema, achei que foi mais do que satisfatório para um início de carreira, ainda que, particularmente, não seja o tipo de filme que me agrade, uma vez que as situações basicamente se resumem a coisas um tanto quanto supérfluas (pela proposta de ter diálogos rápidos, sem grande aprofundamento) ou ainda, pela proposital exagero. Mas a proposta diverte e, mesmo não mergulhando fundo, como dito inicialmente, é possível sim refletir sobre papéis sociais e essa pressão na pós-modernidade, e por isso merece a conferida.
O documentário é bastante satisfatório e gostoso de assistir, tem uma edição primorosa. Nem sou fã da JL, curto apenas algumas músicas, pra mim a melhor é "On the floor". Por isso consegui ter uma opinião, ao mesmo tempo em que afetuosa com a obra, também desconsiderei alguns detalhes. Em certos momentos, sofre do mal de alguns filmes de biografias: manter o distanciamento necessário, sem exaltar. Por exemplo, eles pegaram as críticas mais nojentas (e algumas delas misóginas) sobre ela, com uma trilha que as associava à vilania, pecando pelo maniqueísmo. Ok, de fato, ela recebeu críticas desproporcionais e altamente desnecessárias, mas certamente, assim como quase todo artista, recebeu críticas equilibradas. Outro exemplo da parcialidade: no documentário, tanto Shakira quanto Laura Dern são deixadas de lado (claro que o doc não é sobre elas, mas não custava nada dar mais alguns minutos ou mesmo segundos pras outras, inclusive pra compreender que, bem, o mundo não gira em torno da JL). Mas assim, fica claro que JL foi sim injustiçada no Oscar (sou cinéfilo, e tendo visto todos os filmes concorrentes, em minha humilde opinião, merecia sim ao menos a indicação). E também a sua fala sobre o tempo exíguo para duas latinas no Super Bowl é bastante pertinente. E, sinceramente, o carisma e o talento da JL são indiscutíveis. Nisso o roteiro acerta em cheio: há um fio condutor na narrativa, há um ápice, há um desfecho. Pareceu-me que a controvérsia com as gaiolas soou um pouco forçado, mas narrativamente gerou uma linha de raciocínio que sabia onde chegar. Neste sentido, está muito melhor do que a média de muitos documentários: não é episódico, tudo ali tem um porquê. Sobre o engajamento com a filha, a letra da música que ela fechou o Super Bowl responde, acho que as pessoas ainda não captaram a essência da mensagem que ela quis passar. Não senti em nenhum momento a JL forçando a barra pra menina, e sim ressaltando a importância de se criar raízes, de valorizar a família, mesmo num ambiente como o norte-americano, em que ainda se convive com uma xenofobia latente, pois a família é a base de todo o processo de socialização. Deu pra ver que ela amadureceu também, pois ela conseguiu dialogar com seu posicionamento público, assim como Anitta, Lady Gaga e Beyonce, e tantas outras, que sabem que suas imagens vão muito além da arte. Terminei o documentário percebendo a importância da JL para além dos palcos, e isso é algo que engrandece a mensagem e toda a experiência.
Ambientado no final da ditadura militar argentina, em 1981, o filme percorre o cotidiano do banqueiro suíço Yvan, com a ingrata missão de firmar seus negócios com uma elite latina duvidosa, mas não encontre aqui personagens maniqueístas e evidentes: o filme instiga a inteligência do expectador para desbravar as motivações e as facetas ideológicas mais escondidas dos personagens. "Azor" é uma expressão que significa "conter-se", "falar pouco" ou mesmo "silenciar-se". Assim, é preciso caminhar com cuidado, o filme consegue manter o nível de suspense e tensão por não sabermos ao certo os desdobramentos das negociações, bem como não sabermos sobre o desaparecimento do sócio de Yvan. Note-se, quando ele foi ao clube "Círculo de Armas", parecia estar num jogo de gato e rato, e os diálogos primorosos conseguem tornar a experiência visceral. Mas não sei ao certo o que faltou, pois o filme é meio frio e cansativo. Falar que faltou drama ou tensão, é como exigir do filme aquilo que não era sua proposta, afinal, "Azor", como dito, é justamente sustentado na ausência, dando ênfase ao subentendido e aos desdobramentos implícitos. Também gostei de como o filme não descambou para falsos estigmas: as mulheres estão super bem no seu papel, sem ser idiotizadas. A elite, embora esnobe, não caiu em caricaturas. Enfim, é um filme equilibrado, tenso, inteligente. Muito interessante.
O final foi bem óbvio, o capital financeiro não faz distinção de ideologia política. E estranhamente, assa afirmativa pode ser vista como redenção (ou não).
Embora meio arrastado em suas quase 3h de duração, esse filme é basicamente sobre as não palavras (em minha humilde interpretação). Nota-se, as palavras têm potência, machucam, causam guerra e destruição, mas também, restauram, redimem, criam arte. Mas e as não-palavras? E o que não é dito? Perceba que há uma peça de teatro sendo encenada no filme, com direito a uma atriz muda, mostrando que há um poder criativo na encenação, nos gestos, em outras linguagens, sem obviamente desconsiderar o texto. Mas aqui o texto é múltiplo, tem várias camadas. Surpreendentemente (talvez nem tanto para Foucault, para quem o silêncio é um dispositivo poderoso de interdição), situações podem ser potencializadas por aquilo que não falamos, ou ainda, com o que falamos através de outros sinais, como na arte, no teatro, no cinema, ou mesmo em libras. O protagonista, que assume o papel de diretor, vivia um relacionamento onde as não-palavras tinham grande peso. Até que ponto a nossa vida é desenvolvida pelo silêncio ou pela forma como deixamos de agir? Quanto ao título do filme:
A nossa vida está sendo conduzida por nós mesmos ou estamos nos deixando conduzir? Até que ponto tomamos as rédeas do nosso caminho? Veja que sempre temos o poder de escolha: o protagonista escolheu perdoar ou fazer vista grossa à esposa, mas também escolheu viver ao final. Mais ainda, não sabemos exatamente se fora responsável pela morte da esposa, o que mostra que, mesmo escolhendo, falando explicitamente ou não, nosso destino é algo que nos escapa. Deixar-se conduzir ou conduzir diretamente, como Sartre previa, ao mesmo tempo que é escolha, é condenação: somos condenados a ser livres. E impactamos todos que nos rodeiam, nossos infernos sociais. E aqui com o extra de que não apenas a nossa relação com os vivos, mas principalmente com os mortos, no luto. Memórias, imagens, lembranças, tudo nos remete à relação com o próximo. Gravado em Hiroshima, é uma explosão de sentimentos, que nos abalam até hoje.
Filme existencialista até os poros, certamente merece uma revisão com o tempo.
Independentemente do quão piegas a narrativa se tornou (excelente trabalho de edição, pois certamente o cara construiu uma narrativa coesa a partir das imagens), o fato é que temos aqui um documentário não apenas poético, mas com imagens impressionante; o colorido, a percepção de espaço, os closes, os momentos únicos filmados. Só isso já valeria a experiência, como conseguiram captar momentos tão únicos na natureza? De quebra, você ganha uma história que mescla a luta pela sobrevivência na universalidade da perenidade da vida com o ode ao encantamento das belezas naturais. Que filme lindo!
O filme diverte, e tem ótimos diálogos, com personagens carismáticos (talvez exceto o Dacre, além de um rosto bonito, está anos luz no quesito atuação, mas ok). Tudo está bem amarradinho no roteiro (tirando o fato do romance com o ex ter uma volta meio atropelada), inclusive a motivação da protagonista em guardar pequenos objetos, que soa convincente e tocante. Claro que tem muita idealização, seja em termos de romance ou mesmo sobre o projeto da galeria. Até parece que é muito fácil viver de arte ou abrir um negócio e você se tornar instantaneamente um sucesso nas redes... mas tudo bem, isso não estraga a experiência, o filme tem ótimas tiradas, e mesmo contando com uma diversidade incrível, não é nem um pouco apelativo.
O enredo principal foi honesto em entregar uma poderosa mensagem de seguir em frente mesmo na adversidade, ainda que o faça com os velhos clichês das comédias românticas, no entanto, por ter personagens bem construídos e carismáticos, além de um texto afiado, vale a pena ser conferido.
Deep definitivamente quase estraga o filme, que tinha tudo para figurar numa grande obra de denúncia. É importantíssimo o resgate à temática que nos confronte com a urgência climática, e "Minamata" resgata o desastre de 1971 ocorrido no Japão, quando o despejo de mercúrio provocou uma série de mortes e deformações nas pessoas. Mas o personagem central irrita bastante, já não bastasse a caricatura de vários outros, temos aqui vários deslizes,problemas também com a edição.
Há muita poesia aqui, contando uma história letárgica, que lembra um pouco "encontros e desencontros", mas com um belo par romântico. No entanto, o roteiro opta por arrastar-se demais, numa tentativa de soar épico. Note a trilha sonora, muito bela, mas cansativa. é o tipo de cinema que deve ser sentido, muito mais do que procurar uma lógica narrativa:
Em minha interpretação da obra, captei a redenção pelo cinema, de como a arte revela o óbvio ou o que precisa ser dito, e não importa se de grandes fatos ou de paisagens cotidianas: as vezes o amor ou a beleza estão tão próximos de você, em elementos banais. Veja, temos dificuldade em nos perceber (a parte que ele fala que a nossa era é uma das mais violentas, que matamos bilhões de outros seres sem que nos choquemos com o fato). Ao mesmo tempo, somos seres culturais e simbólicos por excelência, dotados de interpretações múltiplas. OBS: em entrevista, o diretor falou que o título se refere ao gesto do Messi de olhar para o céu ao marcar o gol, e de como esse gesto praticamente universal tem um significado diferente para cada indivíduo, que tem muita relação com simbolismo, mas também com fé e esperança.
Só não foi melhor por conta do ritmo arrastado. Poderia cortar 30 minutos de algumas cenas e aproveitar uns 10 pra desenvolver o casal principal, afim de criar maior conexão, ou se a ideia é focar no cotidiano, que não fosse tão cansativo, co 1 hora de filme já estava cansativo acompanhar... além disso, se a ideia era evocar as imagens, achei que apelou bastante para uma narração que nem sempre funciona. Mas no geral é um filme bem bonito, e deve ser visto com o coração aberto pra captar a mensagem (e pra não dormir).
Em um ano marcado por retrocessos, falo em especial da decisão da Suprema corte norte-americana que revogou o direito das mulheres ao aborto seguro (cabendo aos respectivos estados federados a responsabilidade), e também marcado por filmes como "The Janes" e "The happening", é completamente satisfatório termos a temática do aborto sendo retratada num país como o Chade, centro-norte da África, com mulheres negras e pobres, para mostrar como a realidade pode ser ainda pior (a menina fora expulsa da escola, e convive diariamente com sua degradação, tendo que sobreviver de vendas informais). Repare que em todos esses exemplos de filmes recentes, não sabemos sobre o ato em si, pois isso pouco importa. Seja o sexo consentido ou não, o que vale é mostrar que, do país supostamente mais democrático do mundo ao país mais desprovido de recursos, as mulheres ainda têm muito com o que lutar.
Tecnicamente, achei o filme fantástico, me senti imerso naquele universo. E tinha muita chance de dar errado quase a técnica do filme fosse menos apurada ou se a atuação fosse ruim. Uma pena que o foco romântico quase ponha tudo a perder, numa situação que a pura luta pela sobrevivência faria muito mais sentido, mas não estragou a experiência.
Impactante. Vontade de abraçar minha mãe, pois sei que ela também faria tudo por mim, igual a protagonista, que trabalha como intérprete pra ONU e faz o possível e o impossível para que seus filhos e marido tenham os mesmo privilégios de segurança que ela tem, por fazer parte da estrutura burocrática. O que é mais legal é que é um filme de uma mulher comum numa situação incomum. Não espere nada faraônico. Tudo é muito crível, inclusive o desfecho. Foi baseado em fatos reais e conseguiu com maestria captar o realismo do horror da guerra entre a Bósnia e a Sérvia a partir do microcosmos familiar dos retratados.
Eu nunca fui fã do original, mesmo amando musicais. Achei esse aqui superior, especialmente pela habilidade do Spielberg: repare como ele abre o filme com um plano aéreo retratando as ruas caóticas, e de como consegue dirigir muito bem os atores naquela confusão urbana. Se o primeiro tinha um cenário mais teatral, Spielberg consegue neste o realismo necessário para a imersão, ponto também para a produção e fotografia (ainda que eu gostasse das cores mais quentes do original, mas sem dúvida alguma o realismo cru foi bem vindo). O problema mesmo é o roteiro. Os números musicais contidos são charmosos, embora não sejam nada memoráveis. Ficaram adequados, mas sem causar impacto. Além disso, achei que a retratação das duas gangues ficou desbalanceada (os porto-riquenhos apareceram menos) e perdeu-se a chance de atualizar mais a obra, tanta coisa a ser explorada na questão dos migrantes ou de outras minorias, e ficou ainda na superfície. O romance brusco também não me captou. Ao final, mesmo com as duas horas e meia, parece que tudo aconteceu muito rápido, num plot meio sem graça.
Achei ótimo trazerem à tona a lesbianidade de uma das personagens, mas tinha um arsenal para muito mais. A questão da violência urbana, do protagonismo juvenil, até mesmo questões geracionais... Não digo para inserir tecnologia, pois é um filme de época, mas poderia sim trazer elementos que, por exemplo, filmes como "Os incompreendidos" já discutiam.
O roteiro fez uma bagunça aqui, e o que é pior, a metáfora aposta no óbvio e no clichê (família, buscar seu valor, seu caminho). Ao menos o visual continua incrível, e o design dos personagens excelente.
Não sei se Will Smith merecia ganhar o Oscar, mas a sua atuação de fato estava a cima da média, retratando um pai meticulosamente calculista sobre o futuro das filhas. A família Williams, com 5 filhas, tem como patriarca e matriarca dois ex-atletas, e por isso submetiam as filhas a uma disciplina rígida. Por serem negros e morarem num bairro periférico, o roteiro vai nos manipulando para aceitar a rigidez como forma de sobrevivência. De fato, as meninas começam a treinar numa quadra perigosa da cidade, rodeada por malandros, rapazes negros, entre uma cantada e outra, bem próximas ao risco da marginalização. Podemos dizer que é um filme que vai narrar a superação dessa adversidade, com um pai (e mãe também!) que seguem uma cartilha rígida, de deixar satisfeito qualquer estóico (corrente filosófica que prega pela racionalidade das ações). Richard, o pai vivido por Will Smith, à certa altura, fala que planejou a vida das filhas antes mesmo delas nascerem!! Mas não é um simples filme de coaching esportivo. Richard vive uma dualidade entre a competição a que almeja e a proteção da saúde mental de suas pupilas.
Ele, por exemplo, vai postergar a participação delas em competições. O filme trabalha todo o momento da infância e adolescência e termina justamente antes delas participarem dos torneios. É o suficiente par termos um bom recorte.
Toda a sutil pressão lembra o conceito de panóptico de Jeremy Bentham (uma espécie de prisão futurista onde os presos não tinham conhecimento sobre o controle e a vigilância que lhes eram impostas), dado que é sob as rédeas de Richard que norteia a vida e o futuro das meninas sem ao menos sentir o peso da vigilância e do controle. É isso que vai provocar um certo conflito na família, mas que fora retratada no filme de forma coesa o suficiente para aguentar as pressões. Essa união familiar é, de fato, tocante.
Independente de toda a pressão, pensar nas dificuldades de uma família negra faz perceber que o comportamento de Richard não é em vão. Como julgá-lo se as próprias filhas, pelo menos da forma retratada, pareciam felizes com o que fora planejado? Aqui temos o poder de uma educação firme, mas também afetuosa, o filme mostra o pai irascível confrontando o olhar inquisidor de policiais, mas também o pai protetor, sem deixar de lado a ternura, que canta com as meninas, dá carinho, fala para serem humildes, não abandona valores. O quanto isso foi real, não sabemos, mas pouco importa. "King Richard" é um filmaço, não só por ser um filme de esporte muito acima da média, mas também por nos fazer pensar sobre temas urgentes no século XXI, do racismo estrutural à educação dos filhos, do papel da mídia e das competições esportivas aos valores que a sociedade do espetáculo vem alimentando.
O roteiro aqui entrega cenas absolutamente forçadas para um tema demasiadamente importante: Transtorno Delirante do tipo Persecutório. Mas não é só um personagem que tem problemas, há uma série de outros problemas sendo retratados, alcoolismo e narcisismo, por exemplo. A relação entre mãe e filha é o que há de melhor no filme, inclusive a Stefania Owen (ue faz a filha, Melanie) está absolutamente incrível, embora ela tenha que lidar com o intempérie da mãe, da amiga e até do namoradinho, eu absolutamente me tornei cadelinha dela, até desconsiderei os problemas de saúde dos demais só para protegê-la. Mas o filme é sobre proteger a sua saúde mental (e Melanie precisa muito fazer isso) e que não somos responsáveis pelas escolhas dos outros, mas de certa forma, vivemos em sociedade, então os outros sempre, quer queiramos ou não, nos afetam. Cabe-nos ter a resiliência de seguirmos.
Não esperava que fosse ter um final feliz daquele jeito, ajeitei abrupto demais, aliás, o roteiro foi superficial mesmo. Mas o mais tenso foi numa cena em particular. Estava assistindo com meu namorado, que infelizmente está passando por um câncer de pâncreas, foi bem tenso assistir na parte que a mulher do vizinho revela que seu marido morrera vítima de um câncer, justamente de pâncreas :(
Eu nem conheço direito o universo de "Beavis and Dutt-Head", mas de qualquer forma o filme consegue passar a ideia de crítica social, tendo plena consciência de que seus personagens são verdadeiros idiotas. Eu confesso que fiquei tenso, sou professor e vi muito dos meus alunos adolescentes nos protagonistas: jovens hedonistas, com horror a livros e meio que deslocados organicamente da comunidade a qual pertencem, paradoxalmente, sendo produtos dela. Eles são aquilo que a cultura de massa pediu, e nesse sentido, o filme pode funcionar como crítica a essa cultura bestializada, consumista, imediatista e centrada na imagem. Então, a desculpa para irem ao espaço, mostra na verdade a preocupação com o futuro (sem futuro?) profissional de nossos jovens, mas o fato é que eles mesmo nem ligam. Há muitos pesquisadores que já falam no amadurecimento tardio. E mesmo quando voltam à Terra, nem conseguem se perceber socialmente. O egocentrismo não apenas lhes cega: produz suas visões de mundo, seus prazeres, perpetuando a vida limitada que levam.
Justamente pelo fato de Tico e Teco serem personagens meio esquecidos, esse filme funcionou muito bem. Temos aqui um exercício de metalinguagem, além de homenagear os diversos personagens dos desenhos animados, que aparecem a todo instante na tela. Assim, explorando o sentimento de nostalgia pra quem acompanhou todos esses personagens fantásticos, o filme então discute a necessidade de explorar remakes da indústria cinematográfica, sendo uma autoironia deliciosa de assistir. Além da autocrítica, o filme flerta com o tema do amadurecimento. É como se fosse pensado num mundo pós "e foram felizes para sempre", trazendo-nos um pouco de realismo num mundo fantasioso: afinal, se os personagens de desenho animado fossem pessoas de verdade, como seriam suas carreiras após o auge? a aposentadoria? a velhice? Esse tom de falar sobre a vida que passa e a vida que se leva, com muita diversão, confere um ar de grata surpresa ao roteiro produzido. Não ligue para as críticas que falam que o roteiro é simples. O roteiro óbvio é simples mesmo, linearmente construído com o desaparecimento de um personagem, as pistas que se buscam, o vilão, a tensão, o plot final... Mas é o subtexto que importa aqui, muito mais do que as cenas óbvias de conclusão da situação em si.
O fato de ter o Peter-Pan como vilão é um achado, afinal, o garoto que não crescia, na verdade, cresce também, e deve lidar com os problemas que teria caso não houvesse o "congelamento" das idades desse universo. Sensacional. Há muitas outras sacadas, que nos fazem refletir sobre nossas escolhas de vida e de como a realidade acaba por soterrar os nossos sonhos.
No final das contas, só levamos mesmo a amizade e as conexões que fazemos com as pessoas, essas sim nossos maiores tesouros da vida.
Confesso que achei meio cansativo, em "Hamilton" por exemplo, tem uma movimentação mais dinâmica, porém, aqui temos menos atores e fazendo tudo muito bem feito, e uma mensagem poderosa de esperança e acolhimento sendo passada, que não tem como não se apaixonar. O mundo é uma ilha.
Curti a estética do filme, é imersiva e os diálogos criados fazem jus à época em que retrata. No mais, a história não me pegou, o primeiro ato me pareceu até mesmo deslocado, com um protagonista frio.
Sem dúvida alguma é muito bem filmado, a câmera passeia incansavelmente pela protagonista e pelos bastidores das produções pornôs, bem como pela relação dela com as amigas e os agentes, até chegar de forma totalmente verossímel nos filmes dentro do filme, o ato em si, e faz esse passeio de forma lúcida e orgânica, embalada por uma trilha sacra que confere uma relação dualista à obra. Mas desconfio que essa crítica à suposta liberdade acabe por feitichizar ainda mais essa indústria. e a grande pergunta é: vale à pena? Qual o limiar entre prazer e obrigação? Até que ponto é desumano e até que ponto nada mais é do que uma necessidade humana? Afinal, o filme não condena o sexo em si, mas deixa pro espectador pensar até que ponto a busca pelo prazer (pleasure=prazer) é saudável ou nos torna livres. É possível falar em liberdade aqui?
Por exemplo, o revanchismo entre as amigas deixa escapar o quanto se prende o roteiro a uma visão que negligencia o ponto de vista puramente feminino. Fora a última cena, meu deus, uma cena lésbica, há algo mais clichê para os machos sedentos por objetificação dos corpos femininos?
Colméia
3.7 20 Assista AgoraAchei que faltou um puro narrativo aqui, as coisas vão acontecendo em tom documental. Vale pela mensagem e pelo registro de ver o papel da mulher em um mundo patriarcal devastado, num contexto de virada para o século XXI, mas que nos remete ao século XVIII (no mínimo).
Alguém Avisa?
3.5 342 Assista AgoraAgora as LGBteias tem um guilty pleasure ruim de Natal pra chamar de seu. Receba!
Caixa Preta
3.2 175 Assista AgoraO roteiro tem grande potencial, mas se perde completamente em nos fazer entrar num clima de credibilidade.
Por exemplo, nunca que um homem adulto sem memórias ficaria cuidando sozinho da sua filha. Nunca que uma médica faria o que fez sem a supervisão institucional de um hospital, ao passo que o filme sequer explica como ela o faz (a cena final é duplamente tosca: uma linguagem de programação simplória e uma deixa pra um segundo filme, que???). O cara ta doente, e a escola ou vizinhos, exigem dele algo que é absolutamente improvável, cuidar de uma criança. Meu Deus, a lei civil vem desde os romanos, gente. Não é possível.
Mas mesmo com todas as concessões absurdas pra história se desenvolver, o apego a um drama superficial afunda ainda mais. A sorte é que temos aqui um bom esforço na interpretação do protagonista, e tem sim uma boa premissa. É uma história que eu gostaria ver nas mãos de um roteirista e um diretor competente.
Shiva Baby
3.8 261 Assista AgoraShiva Baby é uma típica comédia de esteriótipos, mas também reflexiva e intrigante, ambientada em uma única tarde, de forma teatralizada.
A vibe lembra um pouco o "sete dias sem fim". Durante o velório (que nem sabemos de exatamente quem), a câmera vai acompanhar a Danielle e suas situações constrangedoras, com direito a conversas sobre relacionamentos e futuro profissional.
Confesso que o ar pastelão e caricato me fez perder o interesse na primeira metade, mas a partir do momento em que a protagonista procura o celular, a edição bem feita misturando comédia e suspense me prendeu, e a partir daí ganhou uns contornos meio sombrios, ainda que cômicos.
Tudo é muito conveniente e irritante às vezes, forçado, soa longe do naturalismo a que estamos acostumados, mas isso por um lado é muito bom, há uma quebra de expectativas bem vinda. As atuações estão apenas ok, como a proposta é soar um tom acima, não achei que comprometeram, embora também não achei que ninguém se sobressaiu. Afinal, o principal aqui é o roteiro e o texto,. Dirigido e roteirizado por emma Seligman em sua estreia no cinema, achei que foi mais do que satisfatório para um início de carreira, ainda que, particularmente, não seja o tipo de filme que me agrade, uma vez que as situações basicamente se resumem a coisas um tanto quanto supérfluas (pela proposta de ter diálogos rápidos, sem grande aprofundamento) ou ainda, pela proposital exagero.
Mas a proposta diverte e, mesmo não mergulhando fundo, como dito inicialmente, é possível sim refletir sobre papéis sociais e essa pressão na pós-modernidade, e por isso merece a conferida.
Jennifer Lopez: Halftime
3.6 26 Assista AgoraO documentário é bastante satisfatório e gostoso de assistir, tem uma edição primorosa. Nem sou fã da JL, curto apenas algumas músicas, pra mim a melhor é "On the floor". Por isso consegui ter uma opinião, ao mesmo tempo em que afetuosa com a obra, também desconsiderei alguns detalhes.
Em certos momentos, sofre do mal de alguns filmes de biografias: manter o distanciamento necessário, sem exaltar. Por exemplo, eles pegaram as críticas mais nojentas (e algumas delas misóginas) sobre ela, com uma trilha que as associava à vilania, pecando pelo maniqueísmo. Ok, de fato, ela recebeu críticas desproporcionais e altamente desnecessárias, mas certamente, assim como quase todo artista, recebeu críticas equilibradas. Outro exemplo da parcialidade: no documentário, tanto Shakira quanto Laura Dern são deixadas de lado (claro que o doc não é sobre elas, mas não custava nada dar mais alguns minutos ou mesmo segundos pras outras, inclusive pra compreender que, bem, o mundo não gira em torno da JL).
Mas assim, fica claro que JL foi sim injustiçada no Oscar (sou cinéfilo, e tendo visto todos os filmes concorrentes, em minha humilde opinião, merecia sim ao menos a indicação). E também a sua fala sobre o tempo exíguo para duas latinas no Super Bowl é bastante pertinente.
E, sinceramente, o carisma e o talento da JL são indiscutíveis. Nisso o roteiro acerta em cheio: há um fio condutor na narrativa, há um ápice, há um desfecho. Pareceu-me que a controvérsia com as gaiolas soou um pouco forçado, mas narrativamente gerou uma linha de raciocínio que sabia onde chegar. Neste sentido, está muito melhor do que a média de muitos documentários: não é episódico, tudo ali tem um porquê.
Sobre o engajamento com a filha, a letra da música que ela fechou o Super Bowl responde, acho que as pessoas ainda não captaram a essência da mensagem que ela quis passar. Não senti em nenhum momento a JL forçando a barra pra menina, e sim ressaltando a importância de se criar raízes, de valorizar a família, mesmo num ambiente como o norte-americano, em que ainda se convive com uma xenofobia latente, pois a família é a base de todo o processo de socialização. Deu pra ver que ela amadureceu também, pois ela conseguiu dialogar com seu posicionamento público, assim como Anitta, Lady Gaga e Beyonce, e tantas outras, que sabem que suas imagens vão muito além da arte.
Terminei o documentário percebendo a importância da JL para além dos palcos, e isso é algo que engrandece a mensagem e toda a experiência.
Azor
3.3 11Ambientado no final da ditadura militar argentina, em 1981, o filme percorre o cotidiano do banqueiro suíço Yvan, com a ingrata missão de firmar seus negócios com uma elite latina duvidosa, mas não encontre aqui personagens maniqueístas e evidentes: o filme instiga a inteligência do expectador para desbravar as motivações e as facetas ideológicas mais escondidas dos personagens.
"Azor" é uma expressão que significa "conter-se", "falar pouco" ou mesmo "silenciar-se". Assim, é preciso caminhar com cuidado, o filme consegue manter o nível de suspense e tensão por não sabermos ao certo os desdobramentos das negociações, bem como não sabermos sobre o desaparecimento do sócio de Yvan. Note-se, quando ele foi ao clube "Círculo de Armas", parecia estar num jogo de gato e rato, e os diálogos primorosos conseguem tornar a experiência visceral.
Mas não sei ao certo o que faltou, pois o filme é meio frio e cansativo. Falar que faltou drama ou tensão, é como exigir do filme aquilo que não era sua proposta, afinal, "Azor", como dito, é justamente sustentado na ausência, dando ênfase ao subentendido e aos desdobramentos implícitos.
Também gostei de como o filme não descambou para falsos estigmas: as mulheres estão super bem no seu papel, sem ser idiotizadas. A elite, embora esnobe, não caiu em caricaturas.
Enfim, é um filme equilibrado, tenso, inteligente. Muito interessante.
O final foi bem óbvio, o capital financeiro não faz distinção de ideologia política. E estranhamente, assa afirmativa pode ser vista como redenção (ou não).
Drive My Car
3.8 386 Assista AgoraEmbora meio arrastado em suas quase 3h de duração, esse filme é basicamente sobre as não palavras (em minha humilde interpretação).
Nota-se, as palavras têm potência, machucam, causam guerra e destruição, mas também, restauram, redimem, criam arte. Mas e as não-palavras? E o que não é dito? Perceba que há uma peça de teatro sendo encenada no filme, com direito a uma atriz muda, mostrando que há um poder criativo na encenação, nos gestos, em outras linguagens, sem obviamente desconsiderar o texto. Mas aqui o texto é múltiplo, tem várias camadas.
Surpreendentemente (talvez nem tanto para Foucault, para quem o silêncio é um dispositivo poderoso de interdição), situações podem ser potencializadas por aquilo que não falamos, ou ainda, com o que falamos através de outros sinais, como na arte, no teatro, no cinema, ou mesmo em libras. O protagonista, que assume o papel de diretor, vivia um relacionamento onde as não-palavras tinham grande peso. Até que ponto a nossa vida é desenvolvida pelo silêncio ou pela forma como deixamos de agir?
Quanto ao título do filme:
A nossa vida está sendo conduzida por nós mesmos ou estamos nos deixando conduzir? Até que ponto tomamos as rédeas do nosso caminho? Veja que sempre temos o poder de escolha: o protagonista escolheu perdoar ou fazer vista grossa à esposa, mas também escolheu viver ao final. Mais ainda, não sabemos exatamente se fora responsável pela morte da esposa, o que mostra que, mesmo escolhendo, falando explicitamente ou não, nosso destino é algo que nos escapa. Deixar-se conduzir ou conduzir diretamente, como Sartre previa, ao mesmo tempo que é escolha, é condenação: somos condenados a ser livres. E impactamos todos que nos rodeiam, nossos infernos sociais. E aqui com o extra de que não apenas a nossa relação com os vivos, mas principalmente com os mortos, no luto. Memórias, imagens, lembranças, tudo nos remete à relação com o próximo. Gravado em Hiroshima, é uma explosão de sentimentos, que nos abalam até hoje.
Filme existencialista até os poros, certamente merece uma revisão com o tempo.
Professor Polvo
4.2 387 Assista AgoraIndependentemente do quão piegas a narrativa se tornou (excelente trabalho de edição, pois certamente o cara construiu uma narrativa coesa a partir das imagens), o fato é que temos aqui um documentário não apenas poético, mas com imagens impressionante; o colorido, a percepção de espaço, os closes, os momentos únicos filmados. Só isso já valeria a experiência, como conseguiram captar momentos tão únicos na natureza?
De quebra, você ganha uma história que mescla a luta pela sobrevivência na universalidade da perenidade da vida com o ode ao encantamento das belezas naturais. Que filme lindo!
A Galeria dos Corações Partidos
3.5 95O filme diverte, e tem ótimos diálogos, com personagens carismáticos (talvez exceto o Dacre, além de um rosto bonito, está anos luz no quesito atuação, mas ok).
Tudo está bem amarradinho no roteiro (tirando o fato do romance com o ex ter uma volta meio atropelada), inclusive a motivação da protagonista em guardar pequenos objetos, que soa convincente e tocante.
Claro que tem muita idealização, seja em termos de romance ou mesmo sobre o projeto da galeria. Até parece que é muito fácil viver de arte ou abrir um negócio e você se tornar instantaneamente um sucesso nas redes... mas tudo bem, isso não estraga a experiência, o filme tem ótimas tiradas, e mesmo contando com uma diversidade incrível, não é nem um pouco apelativo.
O enredo principal foi honesto em entregar uma poderosa mensagem de seguir em frente mesmo na adversidade, ainda que o faça com os velhos clichês das comédias românticas, no entanto, por ter personagens bem construídos e carismáticos, além de um texto afiado, vale a pena ser conferido.
O Fotógrafo de Minamata
3.5 29 Assista AgoraDeep definitivamente quase estraga o filme, que tinha tudo para figurar numa grande obra de denúncia. É importantíssimo o resgate à temática que nos confronte com a urgência climática, e "Minamata" resgata o desastre de 1971 ocorrido no Japão, quando o despejo de mercúrio provocou uma série de mortes e deformações nas pessoas.
Mas o personagem central irrita bastante, já não bastasse a caricatura de vários outros, temos aqui vários deslizes,problemas também com a edição.
A cena final, com um bombardeio de informações sobre vários outros desastres ao longo do globo, chega a ser melhor que o filme inteiro.
O que Vemos Quando Olhamos para o Céu?
3.8 9Há muita poesia aqui, contando uma história letárgica, que lembra um pouco "encontros e desencontros", mas com um belo par romântico.
No entanto, o roteiro opta por arrastar-se demais, numa tentativa de soar épico. Note a trilha sonora, muito bela, mas cansativa.
é o tipo de cinema que deve ser sentido, muito mais do que procurar uma lógica narrativa:
Em minha interpretação da obra, captei a redenção pelo cinema, de como a arte revela o óbvio ou o que precisa ser dito, e não importa se de grandes fatos ou de paisagens cotidianas: as vezes o amor ou a beleza estão tão próximos de você, em elementos banais. Veja, temos dificuldade em nos perceber (a parte que ele fala que a nossa era é uma das mais violentas, que matamos bilhões de outros seres sem que nos choquemos com o fato). Ao mesmo tempo, somos seres culturais e simbólicos por excelência, dotados de interpretações múltiplas.
OBS: em entrevista, o diretor falou que o título se refere ao gesto do Messi de olhar para o céu ao marcar o gol, e de como esse gesto praticamente universal tem um significado diferente para cada indivíduo, que tem muita relação com simbolismo, mas também com fé e esperança.
Só não foi melhor por conta do ritmo arrastado. Poderia cortar 30 minutos de algumas cenas e aproveitar uns 10 pra desenvolver o casal principal, afim de criar maior conexão, ou se a ideia é focar no cotidiano, que não fosse tão cansativo, co 1 hora de filme já estava cansativo acompanhar...
além disso, se a ideia era evocar as imagens, achei que apelou bastante para uma narração que nem sempre funciona.
Mas no geral é um filme bem bonito, e deve ser visto com o coração aberto pra captar a mensagem (e pra não dormir).
Lingui
4.1 11Em um ano marcado por retrocessos, falo em especial da decisão da Suprema corte norte-americana que revogou o direito das mulheres ao aborto seguro (cabendo aos respectivos estados federados a responsabilidade), e também marcado por filmes como "The Janes" e "The happening", é completamente satisfatório termos a temática do aborto sendo retratada num país como o Chade, centro-norte da África, com mulheres negras e pobres, para mostrar como a realidade pode ser ainda pior (a menina fora expulsa da escola, e convive diariamente com sua degradação, tendo que sobreviver de vendas informais).
Repare que em todos esses exemplos de filmes recentes, não sabemos sobre o ato em si, pois isso pouco importa. Seja o sexo consentido ou não, o que vale é mostrar que, do país supostamente mais democrático do mundo ao país mais desprovido de recursos, as mulheres ainda têm muito com o que lutar.
Oxigênio
3.4 499 Assista AgoraTecnicamente, achei o filme fantástico, me senti imerso naquele universo. E tinha muita chance de dar errado quase a técnica do filme fosse menos apurada ou se a atuação fosse ruim.
Uma pena que o foco romântico quase ponha tudo a perder, numa situação que a pura luta pela sobrevivência faria muito mais sentido, mas não estragou a experiência.
Luca
4.1 769Eu shipei o Luca e o Alberto, sim :)
Quo Vadis, Aida?
4.2 177 Assista AgoraImpactante. Vontade de abraçar minha mãe, pois sei que ela também faria tudo por mim, igual a protagonista, que trabalha como intérprete pra ONU e faz o possível e o impossível para que seus filhos e marido tenham os mesmo privilégios de segurança que ela tem, por fazer parte da estrutura burocrática.
O que é mais legal é que é um filme de uma mulher comum numa situação incomum. Não espere nada faraônico. Tudo é muito crível, inclusive o desfecho. Foi baseado em fatos reais e conseguiu com maestria captar o realismo do horror da guerra entre a Bósnia e a Sérvia a partir do microcosmos familiar dos retratados.
Amor, Sublime Amor
3.4 355 Assista AgoraEu nunca fui fã do original, mesmo amando musicais. Achei esse aqui superior, especialmente pela habilidade do Spielberg: repare como ele abre o filme com um plano aéreo retratando as ruas caóticas, e de como consegue dirigir muito bem os atores naquela confusão urbana. Se o primeiro tinha um cenário mais teatral, Spielberg consegue neste o realismo necessário para a imersão, ponto também para a produção e fotografia (ainda que eu gostasse das cores mais quentes do original, mas sem dúvida alguma o realismo cru foi bem vindo).
O problema mesmo é o roteiro. Os números musicais contidos são charmosos, embora não sejam nada memoráveis. Ficaram adequados, mas sem causar impacto. Além disso, achei que a retratação das duas gangues ficou desbalanceada (os porto-riquenhos apareceram menos) e perdeu-se a chance de atualizar mais a obra, tanta coisa a ser explorada na questão dos migrantes ou de outras minorias, e ficou ainda na superfície. O romance brusco também não me captou.
Ao final, mesmo com as duas horas e meia, parece que tudo aconteceu muito rápido, num plot meio sem graça.
Achei ótimo trazerem à tona a lesbianidade de uma das personagens, mas tinha um arsenal para muito mais. A questão da violência urbana, do protagonismo juvenil, até mesmo questões geracionais... Não digo para inserir tecnologia, pois é um filme de época, mas poderia sim trazer elementos que, por exemplo, filmes como "Os incompreendidos" já discutiam.
Encanto
3.8 805O roteiro fez uma bagunça aqui, e o que é pior, a metáfora aposta no óbvio e no clichê (família, buscar seu valor, seu caminho). Ao menos o visual continua incrível, e o design dos personagens excelente.
King Richard: Criando Campeãs
3.8 409Não sei se Will Smith merecia ganhar o Oscar, mas a sua atuação de fato estava a cima da média, retratando um pai meticulosamente calculista sobre o futuro das filhas.
A família Williams, com 5 filhas, tem como patriarca e matriarca dois ex-atletas, e por isso submetiam as filhas a uma disciplina rígida. Por serem negros e morarem num bairro periférico, o roteiro vai nos manipulando para aceitar a rigidez como forma de sobrevivência. De fato, as meninas começam a treinar numa quadra perigosa da cidade, rodeada por malandros, rapazes negros, entre uma cantada e outra, bem próximas ao risco da marginalização.
Podemos dizer que é um filme que vai narrar a superação dessa adversidade, com um pai (e mãe também!) que seguem uma cartilha rígida, de deixar satisfeito qualquer estóico (corrente filosófica que prega pela racionalidade das ações). Richard, o pai vivido por Will Smith, à certa altura, fala que planejou a vida das filhas antes mesmo delas nascerem!!
Mas não é um simples filme de coaching esportivo. Richard vive uma dualidade entre a competição a que almeja e a proteção da saúde mental de suas pupilas.
Ele, por exemplo, vai postergar a participação delas em competições. O filme trabalha todo o momento da infância e adolescência e termina justamente antes delas participarem dos torneios. É o suficiente par termos um bom recorte.
Toda a sutil pressão lembra o conceito de panóptico de Jeremy Bentham (uma espécie de prisão futurista onde os presos não tinham conhecimento sobre o controle e a vigilância que lhes eram impostas), dado que é sob as rédeas de Richard que norteia a vida e o futuro das meninas sem ao menos sentir o peso da vigilância e do controle. É isso que vai provocar um certo conflito na família, mas que fora retratada no filme de forma coesa o suficiente para aguentar as pressões. Essa união familiar é, de fato, tocante.
Independente de toda a pressão, pensar nas dificuldades de uma família negra faz perceber que o comportamento de Richard não é em vão. Como julgá-lo se as próprias filhas, pelo menos da forma retratada, pareciam felizes com o que fora planejado? Aqui temos o poder de uma educação firme, mas também afetuosa, o filme mostra o pai irascível confrontando o olhar inquisidor de policiais, mas também o pai protetor, sem deixar de lado a ternura, que canta com as meninas, dá carinho, fala para serem humildes, não abandona valores. O quanto isso foi real, não sabemos, mas pouco importa. "King Richard" é um filmaço, não só por ser um filme de esporte muito acima da média, mas também por nos fazer pensar sobre temas urgentes no século XXI, do racismo estrutural à educação dos filhos, do papel da mídia e das competições esportivas aos valores que a sociedade do espetáculo vem alimentando.
Teias da Alma
3.3 11 Assista AgoraO roteiro aqui entrega cenas absolutamente forçadas para um tema demasiadamente importante: Transtorno Delirante do tipo Persecutório.
Mas não é só um personagem que tem problemas, há uma série de outros problemas sendo retratados, alcoolismo e narcisismo, por exemplo.
A relação entre mãe e filha é o que há de melhor no filme, inclusive a Stefania Owen (ue faz a filha, Melanie) está absolutamente incrível, embora ela tenha que lidar com o intempérie da mãe, da amiga e até do namoradinho, eu absolutamente me tornei cadelinha dela, até desconsiderei os problemas de saúde dos demais só para protegê-la.
Mas o filme é sobre proteger a sua saúde mental (e Melanie precisa muito fazer isso) e que não somos responsáveis pelas escolhas dos outros, mas de certa forma, vivemos em sociedade, então os outros sempre, quer queiramos ou não, nos afetam. Cabe-nos ter a resiliência de seguirmos.
Não esperava que fosse ter um final feliz daquele jeito, ajeitei abrupto demais, aliás, o roteiro foi superficial mesmo. Mas o mais tenso foi numa cena em particular. Estava assistindo com meu namorado, que infelizmente está passando por um câncer de pâncreas, foi bem tenso assistir na parte que a mulher do vizinho revela que seu marido morrera vítima de um câncer, justamente de pâncreas :(
Beavis e Butt-Head Detonam o Universo
3.6 31 Assista AgoraEu nem conheço direito o universo de "Beavis and Dutt-Head", mas de qualquer forma o filme consegue passar a ideia de crítica social, tendo plena consciência de que seus personagens são verdadeiros idiotas.
Eu confesso que fiquei tenso, sou professor e vi muito dos meus alunos adolescentes nos protagonistas: jovens hedonistas, com horror a livros e meio que deslocados organicamente da comunidade a qual pertencem, paradoxalmente, sendo produtos dela. Eles são aquilo que a cultura de massa pediu, e nesse sentido, o filme pode funcionar como crítica a essa cultura bestializada, consumista, imediatista e centrada na imagem.
Então, a desculpa para irem ao espaço, mostra na verdade a preocupação com o futuro (sem futuro?) profissional de nossos jovens, mas o fato é que eles mesmo nem ligam. Há muitos pesquisadores que já falam no amadurecimento tardio.
E mesmo quando voltam à Terra, nem conseguem se perceber socialmente. O egocentrismo não apenas lhes cega: produz suas visões de mundo, seus prazeres, perpetuando a vida limitada que levam.
Tico e Teco: Defensores da Lei
3.7 258 Assista AgoraJustamente pelo fato de Tico e Teco serem personagens meio esquecidos, esse filme funcionou muito bem. Temos aqui um exercício de metalinguagem, além de homenagear os diversos personagens dos desenhos animados, que aparecem a todo instante na tela. Assim, explorando o sentimento de nostalgia pra quem acompanhou todos esses personagens fantásticos, o filme então discute a necessidade de explorar remakes da indústria cinematográfica, sendo uma autoironia deliciosa de assistir.
Além da autocrítica, o filme flerta com o tema do amadurecimento. É como se fosse pensado num mundo pós "e foram felizes para sempre", trazendo-nos um pouco de realismo num mundo fantasioso: afinal, se os personagens de desenho animado fossem pessoas de verdade, como seriam suas carreiras após o auge? a aposentadoria? a velhice?
Esse tom de falar sobre a vida que passa e a vida que se leva, com muita diversão, confere um ar de grata surpresa ao roteiro produzido. Não ligue para as críticas que falam que o roteiro é simples. O roteiro óbvio é simples mesmo, linearmente construído com o desaparecimento de um personagem, as pistas que se buscam, o vilão, a tensão, o plot final... Mas é o subtexto que importa aqui, muito mais do que as cenas óbvias de conclusão da situação em si.
O fato de ter o Peter-Pan como vilão é um achado, afinal, o garoto que não crescia, na verdade, cresce também, e deve lidar com os problemas que teria caso não houvesse o "congelamento" das idades desse universo. Sensacional. Há muitas outras sacadas, que nos fazem refletir sobre nossas escolhas de vida e de como a realidade acaba por soterrar os nossos sonhos.
No final das contas, só levamos mesmo a amizade e as conexões que fazemos com as pessoas, essas sim nossos maiores tesouros da vida.
Come from Away: Bem-vindos a Gander
4.3 6 Assista AgoraConfesso que achei meio cansativo, em "Hamilton" por exemplo, tem uma movimentação mais dinâmica, porém, aqui temos menos atores e fazendo tudo muito bem feito, e uma mensagem poderosa de esperança e acolhimento sendo passada, que não tem como não se apaixonar. O mundo é uma ilha.
O Conto do Caranguejo Rei
3.6 2Curti a estética do filme, é imersiva e os diálogos criados fazem jus à época em que retrata. No mais, a história não me pegou, o primeiro ato me pareceu até mesmo deslocado, com um protagonista frio.
Viajando na interpretação, caranguejo anda de trás pra frente, logo, a busca pelo ouro seria um regresso civilizatório das nossas vontades?
Pleasure
3.4 113 Assista AgoraSem dúvida alguma é muito bem filmado, a câmera passeia incansavelmente pela protagonista e pelos bastidores das produções pornôs, bem como pela relação dela com as amigas e os agentes, até chegar de forma totalmente verossímel nos filmes dentro do filme, o ato em si, e faz esse passeio de forma lúcida e orgânica, embalada por uma trilha sacra que confere uma relação dualista à obra.
Mas desconfio que essa crítica à suposta liberdade acabe por feitichizar ainda mais essa indústria. e a grande pergunta é: vale à pena? Qual o limiar entre prazer e obrigação? Até que ponto é desumano e até que ponto nada mais é do que uma necessidade humana? Afinal, o filme não condena o sexo em si, mas deixa pro espectador pensar até que ponto a busca pelo prazer (pleasure=prazer) é saudável ou nos torna livres. É possível falar em liberdade aqui?
Por exemplo, o revanchismo entre as amigas deixa escapar o quanto se prende o roteiro a uma visão que negligencia o ponto de vista puramente feminino. Fora a última cena, meu deus, uma cena lésbica, há algo mais clichê para os machos sedentos por objetificação dos corpos femininos?