Surpreende-me que um cara que dirigiu "Breaking bad" tenha feito algo tão letárgico assim, e tendo como protagonista Adam Sandler. Nada contra o moço, mas fiquei na cabeça com o filme baseado em fatos reais chamado "A milhões de quilômetros", mostrando como um jovem mexicano conseguiu ser astronauta, e sim, é um treinamento árduo, mental e fisicamente, de modo que Sandler está bem longe disso. Para completar, pegaram o Alien aracnídeo + Hal e compuseram o hANUS (nome sugestivo) para acompanhar o protagonista em sua viagem intergalática com pitadas de conselho amoroso, de modo que a certa altura o filme descamba para a pieguice de um romance mal resolvido com a esposa que ficara na Terra (!). Netflix, minha filha, vamos ter senso!
Interessante que uma leva de filmes sobre aborto, em especial de mulheres jovens, tem surgido nos últimos anos, com destaque para "O acontecimento" e "Nunca, raramente, às vezes, sempre", cujo premissa tem se mostrado das mais importantes para demarcar um momento onde se fala bastante em liberdade, mas o aborto continua sendo tabu.
"Levante" é um exemplar tipicamente brasileiro dessa leva de filmes, e o começo é bem alto astral, mostrando a equipe feminina de vôlei e suas facetas multiculturais, mas aqui nada soa gratuito: mostra não apenas a diversidade (com cenas em que uma delas, por exemplo, injeta-se hormônio), mas o espírito de equipe das meninas, que é fundamental como rede de apoio à jovem Sofia (Domenica Dias), que acaba por ficar grávida.
Vale destacar que, tal qual os filmes citados, o momento em que houve a consumação do fato é o que menos importa, o que desloca completamente o olhar de julgamento do espectador para o que realmente importa: mesmo se foi consentido, se teve uso de camisinha (sim, não é um método 100% eficaz, inclusive a personagem fala que fez uso), ou como é o pai, isso pouco importa. Trata-se da liberdade da mulher em decidir sobre seu corpo.
E esse exemplar brasileiro se destaca por trazer um roteiro que agrega a gravidez ao planejamento profissional do futuro da jovem, que se destaca na equipe de vôlei e está sob o olhar atento de uma equipe internacional. Assim, é como se a demarcação dos corpos ganhasse um contorno muito mais amplo e bem estrutural, limitando os corpos femininos.
Destaco também a cena onde uma vizinha evangélica vocifera em cima da garota e do pai (viúvo), mostrando todo o preconceito da visão religiosa, coisa que é um fenômeno fortemente latino das igrejas neopentecostais (não que nos outros lugares não exista, mas aqui é bem mais forte).
E o filme não se limita à violência simbólica, escancara de vez a repressão, por mais plastificada que a cena tenha ficado, serve como metáfora e tradução da dor de meninas que não conseguem apoio social para um simples ato (ela ate tentara no Uruguai, mas como não havia cidadania, resultou infrutífera a tentativa).
É um filme que funciona como denúncia a uma situação que, se fosse sobre corpos masculinos, certamente já teria sido resolvida. Vale muito a conferida e fico feliz de termos um exemplar brasileiro discutindo tão bem a temática.
Parece um daqueles tutoriais do Youtube para lavar banheiro. Mas falando sério, Wim Wenders acerta bastante na atmosfera e na construção dos seus personagens, mas a partir da metade do filme já estava de saco cheio do ritmo (monotônico sempre), dos personagens secundário, daquela rotina... A mensagem sobre ser feliz com pequenas coisas é muito bonita e louvável, mas temo também pela romantização do labor.
Eu curti ver o Nicolas Cage dando uma de avô rambo (não sou eu que digo, o próprio filme o adjetiva ora como avô, ora como Rambo mesmo, literalmente). Mas é óbvio que você encontrará aqui todo uma gama de concessões e absurdos, do tipo ele segurar sua filha com uma mão na corda e com a outra estar tacando-lhe a porrada nos vilões (que, diga-se, são bem abestalhados). Para piorar, a trama gira m torno de um suposto pen drive valioso, algo já visto milhões de vezes, e conta com aquelas reviravoltas absurdas, impostores, pessoas infiltradas, e claro, muitos tiros do herói e muitos vilões caricatos. Tem que ir para se divertir e se desligar.
Gosto do visual da animação e de como trabalha muito bem com os personagens vindo do horóscopo chinês, sem dúvidas a homenagem ficou bonita. Mas o roteiro... Prepare-se para acompanhar uma hora e meia de uma perseguição absurda, sem muito espaço para momentos contemplativos, reflexivos, ou ao menos emocionante (tirando uma morte importante, que aliás foi algo corajoso mas totalmente funcional a um roteiro capenga). De resto, o velho clichê da vilã que se mostrou bem domável ao final.
Vencedor do Bafta, este foi o último filme dos concorrentes ao Oscar que tive o prazer de assistir, sendo um ano muito bom para o cinema: mesmo que nem todas as obras sejam obras-primas, confesso que está muito bem nivelado este ano, exceto "Maestro" todos os filmes são muito bons.
Dito isso, "American Fiction" parece compor um grupo de filmes com tema sobre racismo, mas desta vez aqui o olhar é bem diferenciado. Temos o excelente Jeffrey Wright num dos seus maiores papéis, com todos os méritos tendo reconhecimento, fazendo um escritor demais prolixo, querendo alcançar uma linguagem mais universal, mas tendo que se contentar em representar um interesse de gueto.
É interessante como o filme faz uso da literatura, embora ache que tudo fique muito didático, e o filme às vezes confunde a realidade com o literário, mas sem uma conversão realmente visceral: há muito aqui se imiscuindo, mas é mais nos diálogos do que em imagens.
Vamos acompanhando nosso escritor e sua saga com a família, o irmão que saiu do armário já na vida adulta após um casamento frustrado e a mãe com problemas de saúde, além de uma empregada de família. Particularmente gosto do mosaico, dá um tom mais humano, assim como sua investida amorosa.
Mas o cerne do filme é mesmo o fato de que o nosso protagonista, ironicamente, alcance sucesso com um livro que ele escrevera como tom de gozação, retratando o "negro" de forma superficial e da forma como os brancos gostam, ou seja, vitimizado, agressivo, com vários estereótipos de cor. É, na verdade, um filme sobre o "pacto da branquitude".
O "pacto da branquitude" é um conceito discutido no campo dos estudos críticos de raça e etnia. Refere-se à ideia de que a sociedade é estruturada de forma a beneficiar os brancos em detrimento de pessoas de outras raças ou etnias, ou, quando valorizam as culturas afro, fazem-na pelo viéis da cultura branca padrão (veja como o escritor teve que "descer" o nível, ou como a cultura do mercado, inclusive das adaptações ao cinema, é discutido aqui).
Este pacto, muitas vezes invisível e não explicitamente articulado, perpetua a supremacia branca e sustenta desigualdades sociais e estruturais. O termo é usado para descrever as maneiras pelas quais as normas, instituições e práticas sociais são moldadas para favorecer os brancos, muitas vezes sem que eles percebam ou reconheçam esse privilégio.
A noção de "pacto da branquitude" nunca é explicitada no filme, mas é explorada de forma tácita, como na figura da outra escritora negra retratada. Ao fazerem parte de um seleto grupo de jurados literários (e por ironia do destino o tal livro ser objeto de avaliação), o filme destaca o olhar diferenciado sobre a negritude vindo de pessoas brancas e pretas. Assim, mesmo que o filme não seja tão direto, há toda uma gama simbólica de reconhecimento e confronto das estruturas de poder que perpetuam o racismo e a discriminação racial, bem como o papel dos brancos na manutenção dessas estruturas.
Achei apenas que o filme ficou muito no discurso sobre o livro, talvez fosse interessante algo mais misturado entre ficção e realidade, mas ainda assim é uma obra que ressoa, e com todos os méritos foi lembrada pela academia. O final do livro não poderia ser mais debochado: é o lugar para onde, inconscientemente, muitos mandam as pessoas pretas.
Gosto de como "A baleia azul" se tornou uma espécie de lenda urbana, e o filme se aproveita disso para criar um clima de tensão e suspense aos moldes de "Searching" e principalmente "Missing": vamos acompanhando a protagonista mediante a tela de um celular, inserindo-se no jogo que provocara a morte da irmã.
Ocorre que, desta vez, os cortes são bem artificiais, assim como a câmera, que na maior parte do tempo nem parece que há alguém segurando. Há muitas tomadas externas, e pareceu mais um exercício de estilo, pois nunca temos a sensação de que a câmera deveria ser subjetiva.
Assim, o roteiro conta com tantas e tantas facilidades, pois é tudo muito corrido, que infelizmente prejudica um pouco a imersão. Mas ainda assim pode prender devido o desenrolar da história em velhos clichês do gênero: quais as próximas mortes, o destino da protagonista, o assassino... Ao menos conta com uma mensagem como crédito referente à saúde mental, pois o filme em si tudo é meio banalizado em favor da correria.
Faltou coragem ao roteiro para entregar algo mais verdadeiro, mas se entregou ao clichê e ao previsível. E pior que tinha calibre para isso sem comprometer a diversão, pois o filme cresce quando a protagonista destaca as várias facetas do amor, e como, na verdade, por mais liberal que pareça ser o mundo ocidental, os dilemas sobre ser a pessoa certa permanecem, seja em casamentos arranjados ou com vasta opções no Tinder. Uma pena o roteiro se entregue. Ao menos a direção de arte está bem interessante, retratando o mundo muçulmano de forma honesta.
Pensa num filme lindinho sobre amizade, companheirismo, mudanças... Só achei que poderiam explorar um pouco mais os personagens secundários, de resto, Charlie Brown e Franklin numa amizade linda de se ver, mesmo com um roteiro simples, é uma excelente opção para as crianças.
Um filme muito gostoso de ver, mesmo que tecnicamente seja bem abaixo da média. Isto porque a mensagem sobre o contato com a natureza, e as imagens que conseguem captar do fundo do mar é bem tocante, com uma mãe e uma filha lutando para preservar uma reserva marinha, e contando com um trabalho de edição bem interessante, ao mostrar dois momentos de vida delas. No entanto, algumas cenas deixam a desejar, especialmente envolvendo os demais personagens secundários, retratados superficialmente.
Produzido pela National Geograpich, o documentário realmente é estupendo em imagens, e insere você naquele ambiente hostil de Uganda. As últimas eleições são particularmente tensas, e também documentadas de forma perturbadora, com imagens fortíssimas, muito sangue, tiro, e conta ainda com uma entrevista (meio recortada, é verdade) do próprio líder da situação.
Bobi Wine, cujo nome real é Robert Kyagulanyi Ssentamu, é um proeminente cantor de reggae, ativista político e líder da oposição em Uganda. A câmera vai perseguí-lo intimamente, e embora o filme resgate imagens de 10 anos atrás, é mesmo sua situação como político que vai estar amplamente registrada.
Nascido em uma favela de Kampala, capital de Uganda, Bobi Wine ganhou destaque inicialmente como músico, com suas letras frequentemente abordando questões sociais e políticas, ganhando uma grande base de fãs, especialmente entre os jovens. No entanto, Bobi Wine entrou na esfera política em 2017, quando se candidatou e foi eleito como membro do Parlamento de Uganda, representando a circunscrição de Kyadondo East. Sua entrada na política trouxe uma nova onda de energia para o cenário político de Uganda, desafiando o status quo e mobilizando os jovens e desfavorecidos.
Bobi Wine fica então mais conhecido mundialmente, e suas críticas abertas ao governo liderado pelo Presidente Yoweri Museveni, que está no poder desde 1986, ressoam em sua arte e em sua atuação política. Ele tem sido um crítico ferrenho da suposta repressão do governo contra dissidentes políticos, bem como das questões de corrupção e falta de liberdades civis em Uganda.
Em 2020, o filme ganha um fôlego enorme com o anúncio de sua candidatura à presidência de Uganda nas eleições de 2021, desafiando diretamente o presidente Museveni, que buscava a reeleição para um sexto mandato. Sua campanha foi marcada por tumultos e confrontos com as forças de segurança, e houve relatos de assédio e detenções de membros de sua equipe de campanha. Apesar das dificuldades enfrentadas durante a campanha, Bobi Wine conseguiu mobilizar um grande apoio popular, especialmente entre os jovens urbanos. No entanto, as eleições foram amplamente contestadas, com acusações de fraude e irregularidades em favor do presidente Museveni, que fora declarado vencedor (58% a 34% de Bobi), mantendo-se no poder, enquanto Bobi Wine contestou os resultados e buscava apoio internacional para sua causa.
A ascensão do músico político como uma figura proeminente na Uganda representa a emergência de uma nova geração de líderes africanos que desafiam os regimes de longa data e buscam uma mudança democrática e progressiva em seus países. Sua influência e popularidade continuam a ser uma força significativa na cena política de Uganda e na luta por direitos civis e democracia no país.
No entanto, a ligação de Bobi com os Estados ocidentais imperialistas e as razões pelas quais muitos destes países estão interessados na Uganda são deixados de lado. Por exemplo, Uganda está localizada em uma região estrategicamente importante da África Oriental, rota dos movimentos terroristas. Além, claro, dos interesses econômicos.
Assim, quando o presidente Museveni comenta sobre o papel dos EUA e da União Europeia, estranhamente o filme o corta para imagens de pobreza e degradação nas ruas de Uganda, que obviamente é uma situação que não pode ser ignorada.
Assim, mesmo que falte certo aprofundamento no debate geopolítico, e até mesmo certa honestidade, o documentário peca por certa imparcialidade, mas acerta muito nas imagens reais, impressionantes. E é sim um bom ponto de partida para se discutir os regimes ditatoriais.
Padrão Netflix, com uma personagem até bem construída, mas com um desenvolvimento tolo. Basicamente por conta dos adultérios, ela é metida numa emboscada (não falarei mais para não dar spoiler), tendo que ser a advogada de um pintor acusado de matar uma namorada, sendo que o promotor do caso é o cunhado da protagonista. E aqui vão todos os clichês: personagens maniqueístas, motivações pífias, idiotices sendo tomadas (ao encontrar uma pista, ela vai ao encontro do promotor do caso!)...
"Suncoast" trata sua protagonista adolescente com certo amoralismo muito bem vindo, tal qual no recente "How to have sex", mas aqui há outras camadas interessantes: sua relação com a mãe, com o irmão em estágio terminal, com um desconhecido que ela conhecera na frente do hospital, na escola cristã. Esse caldeirão muito bem feito, tem por trás a história real da diretora estreante Laura Chinn, e a julgar pela estreia, pode prometer muito no futuro.
Protagonizado pela excelente Nico Parker, gosto bastante como sua personagem inicialmente tímida vai desabrochando, embora sua personalidade mais recatada se mantem, e especialmente o contraponto com as meninas mais "descoladas" da escola, que lhe introduzem uma vida mais liberal, não se tornou uma cópia de algo visto em "Meninas malvadas", isto é, o roteiro inteligentemente não as rivaliza, embora tenha certas cenas de ciúme e competição típicos da adolescência mesmo.
Ainda acho que a situação na escola cristã foi mal desenvolvida, e a relação com a mãe, que dá mais atenção ao filho doente, também subiu o tom algumas vezes, mas ainda assim o filme graciosamente se livra de caricaturas e tenta humanizar aquela relação (o final do filme é exemplar).
Também achei que o personagem do Woody Harrelson tinha bem mais a contribuir, mas o lado bom é que tornou a situação bem crível. "Suncoast" é o hospital onde o irmão da garota está hospitalizado, e lá há uma campanha pra uma personagem internada lá, viralizando nas redes, com pessoas fazendo campanha por ela, e é maravilhosa a cena na escola que a jovem defende que não sabemos ao certo o que se passa, sendo meio descabido usar de discursos que não conhecem a realidade particular de cada pessoa, um tapa na cara de quem conhece apenas as manchetes das redes.
Com muita coisa acontecendo, o retrato é humano, mas também falta certa profundidade em alguns temas. Ainda assim, consegue passar uma mensagem poderosa sobre a dor da perda e o equilíbrio que devemos ter para seguir em frente, sobre aproveitar a vida, vivê-la intensamente, e ainda assim, ter cuidado com excessos, sem esquecer o que mais importa, essa ligação com o outro, com a mãe, com o irmão, com amigas, com um desconhecido... Filme lindo e muito sensível, e irá tocar mais ainda quem já teve uma perda repentina na vida.
Por mais estapafúrdias que sejam as situações, usando o acidente com o bebê como fio dramático, os personagens são carismáticos o suficientes para fazer rir. Assim, como comédia, me fez arrancar várias gargalhadas (mesmo com certas piadas, especialmente as escatológicas, que não funcionam). Achei que o roteiro se perdeu e não soube evoluir, mas ainda bem que isso ocorre só pelo final, não comprometendo a sessão como um todo.
Tirando a parte do acidente, que é realmente muito bem feita, e que passa todo o drama necessário (além do momento repentino), temos um filme que é basicamente uma novela sobre o triângulo amoroso do Enzo Ferrari, vivido por Adam Driver, e uma Penélope estridente por não ser aquela a quem vai lhe dar um herdeiro, embora goste de seus pulsos com os negócios, pioneiro à época, mas os textos estão completamente deprimentes.... Gran Turismo funciona melhor do que Ferrari em termos de corrida.
Um filme lindo tecnicamente, com cores que estão cada vez mais agradáveis, e uma estética cada vez mais acertada à proposta. Mas não entendi a opção do roteiro: um prólogo longo, como se fosse um filme à parte, e a segunda metade sendo basicamente um filme preparativo para um porvir, sem ao menos um ápice decente. Brochante.
Hayao Miyazaki geralmente não erra, e temos aqui um filme tecnicamente lindo, com suas cores típicas, e aquela velha mensagem humana. Mas não tenho como deixar de notar que chega a ser redundante em sua filmografia: protagonista tentando se encontrar, relações familiares problemáticas, um lugar mais idílico como escape, personagens secundários estranhos e alguns fofos. Talvez a academia veja como homenagem mesmo. Mas embora tenha momentos criativos, a meu ver o roteiro não trás grandes novidades.
Gostei muito dessa patuscada, especialmente como trabalha o suspense, e olha que o lugar é bem aberto, mas mantem o clima claustrofóbico, por mais que tudo seja clichê aqui: um verdadeiro Rambo, o que foi bem forçado para um combatente inexperiente. Ao menos tá bem atuado e dirigido. O humor aqui funciona como contraponto a uma hierarquia militar acostumada com status: o desleixo é parte da humanidade que brota em ambientes hostis. Mas confesso que preferia um fim mais trágico, faltou coragem.
Particularmente, gostei muito da edição desta obra do Hirokazu Koreeda, há umas voltas interessantes para ver diferentes pontos de vista, e o filme não precisa alertar o espectador para isso (tem que ficar atento), mas tudo tem um porquê organicamente ao roteiro: a depender da perspectiva e das motivações de nossas ações, seremos vistos como monstros, ou não. É um trabalho estupendo de roteiro, sensível ao extremo e muito bem montado.
No entanto, creio que certas referências soaram meio soltas, meio como fragmentada. Por mais que os meninos tenham certa ligação e que o comportamento adulto esteja vigilante sobre eles, trabalhos como "Close" encenam bem melhor uma ligação, e, portanto, funcionam mais na emoção.
Mas é impossível não se deliciar com o filme, e as passagens tanto na escola quanto nos momentos mais íntimos dos jovens, em cenas externas, estão muito bem filmadas. Diria que tecnicamente é maravilhoso, faltando apenas certo apuro nos diálogos e talvez nas atuações, que achei aqui meio maniqueísta em certos momentos.
Ver a humanidade como possibilidade de afetos e desafetos, e vendo uma sociedade disciplinando corpos, causa certa repulsa. A pureza vai sendo, aos poucos, poluída pela cultura moralista, e a cena final deles desbravando a natureza mostra como, de forma genuína, estamos aptos para a felicidade, basta uma forma de escape. Lindo demais.
O filme acerta bastante ao comparar a vida da adolescente com um roteiro de cinema, tipicamente trazendo ludicidade a uma vida comum, e ainda conta com uma arte visual interessante (a cena logo no início onde a personagem se vê em vários filmes). Mas por uma estranha razão essa ideia é abandonada, o filme se entrega para um romance clichê e sem sal, até, de forma meio oportunista, resgatar essa comparação com o cinema. Ou seja, só uma tentativa de goumertizar um conteúdo muito superficial e genérico mesmo.
Um trabalho muito melhor da Moore do que "May December", mostrando-a num papel de uma mãe perdida em sua maternidade, ao mesmo tempo que tem veias controladoras, não consegue estabelecer um vínculo com o filho influencer adolescente.
Talvez seja o filme que mais me agradou recentemente em termo de representação da juventude, pintando-a ora como uma nova espécie de "alienados digitais" mas também retratando parte da juventude que vive no mundo da lua, que ainda carrega consigo sonhos revolucionários, mas sem parecer idiotas (por mais que, no fundo, sejam sim um pouco).
Assim, o filme abre margem para discutir a nossa capacidade de pensar o futuro entre sonho e realidade, de uma maneiro utópica ou mais imediatista. No final das contas, o garoto querendo monetizar uma canção política de sua garota está mais próximo de algo real do que todos, seja do rapaz que não sabe se quer ir para a faculdade, da garota ambientalista ou da mãe perdida. E ele também é um dos mais idiotas, o que é um paradoxo delicioso de acompanhar.
Certamente a sua musa inspiradora figuraria em uma bela estante decorativa no DCE de qualquer curso de esquerda, provando que parte dessa esquerda é muito melhor com diálogos do que com ações. Por outro lado, a mãe já deu a dica: "Estude, e tenha sua opinião". Racionalmente falando, podemos até criar nossos julgamentos, mas no que isso nos ajuda materialmente falando? E em nossas relações? Pois é, o buraco é bem mais embaixo
Assim, Moore tenta dosar sua personagem numa mãe que acaba projetando suas ambições para o filho de uma terceira, que não sabe lidar com uma geração que tem outros planos futuros e, ao mesmo tempo, de uma geração que sempre a obriga a se confrontar. Na verdade, essa fronteira geracional é cada vez mais tênua, e talvez a "Aldeia global" tenhamos forçado a uma convivência antes impensada.
Por mais que tudo isso seja evocado no filme, o roteiro em si é mais enxuto, e não trata tão bem certos personagens secundários, e claro, trará mensagem de redenção e otimismo, mesmo com certa ironia. Gostei, mas se fosse mais ácido talvez soasse bem melhor.
O Paul Mescal está muito sexy no papel de um militar simpático a imigrantes, mas o filme infelizmente não ajuda muito: tem uma fotografia encantadora especialmente quando filme o deserto e a cultura latina, mas cai num tom tão melancólico, depressivo, fazendo uso amplo de slow motion, que dá até sono em muitos momentos. Tudo isso numa tentativa de contornar um roteiro superficial. 20 minutos a menos cairia bem ao filme, quis se levar muito a sério.
Quando o estilo de Jordan Peele encontra um roteiro voltado ao público adolescente, portanto, muito mais didático, é filmado de forma bem à vontade, num casarão que lembra os acontecimentos de "Morte, morte, morte", temos "The blackening" como resultado imediato dessa linguagem da diversidade (especialmente étnica) que tomou conta em jargões e em pensamentos da cultura ocidental.
Assim, espero ver o elenco muito à vontade (ótimo trabalho da direção) disparando uma série de referências da cultura afro, com pitadas de humor e muita ironia (o que foi aquilo com "Friends"?). É realmente satisfatório ver um texto afiado, por mais direto e pedagógico que seja, mas aqui não incomoda em nada, já que o objetivo é esse e se enquadra perfeitamente à proposta.
Assim, o grupo de amigos que se reúne para uma noite de diversão, todos pretos, vão soltando pérolas no caminho e durante a noite, sem contar o prólogo interessante apresentando o "jogo" assustador do "Blackening", que consiste basicamente em um jogo mortal de perguntas e respostas testando o conhecimento geral da cultura preta.
Talvez o filme peque nos sustos, e confesso que aquela correria do terço final ficou muito aquém do subtexto que até então vinha se apresentando, mas por manter a ironia e com uma cena final hilária, achei que o filme foi amplamente satisfatório. Mesmo não funcionando como horror, funciona como "terrir" (terro + rir) e mostra que ainda há espaço para se trabalhar com diálogos mais interessantes nesse mundo de marasmos.
Por mais boa intenção do roteiro em pintar um quadro de uma mãe solo (com o marido viciado sempre à espera, e um pai com tornozeleira eletrônica a passar os últimos dias de vida com a filha e o neto), e ainda fazendo da criança um rapaz esperto mas também sensível,grita uma sensação de atitudes meio robóticas, como se não passasse naturalidade. Esse esquematismo prejudica o envolvimento e a tensão, cuja última cena é exemplar: não há espaço aqui para multidimensionalidade, os personagens fazem aquilo que o roteiro convenientemente acha o melhor. As interpretações estão apenas ok, e o ritmo meio aborrecido, pelo menos, é quebrado por certas ações interessantes, por mais forçadas que sejam.
O Astronauta
2.9 119 Assista AgoraSurpreende-me que um cara que dirigiu "Breaking bad" tenha feito algo tão letárgico assim, e tendo como protagonista Adam Sandler. Nada contra o moço, mas fiquei na cabeça com o filme baseado em fatos reais chamado "A milhões de quilômetros", mostrando como um jovem mexicano conseguiu ser astronauta, e sim, é um treinamento árduo, mental e fisicamente, de modo que Sandler está bem longe disso. Para completar, pegaram o Alien aracnídeo + Hal e compuseram o hANUS (nome sugestivo) para acompanhar o protagonista em sua viagem intergalática com pitadas de conselho amoroso, de modo que a certa altura o filme descamba para a pieguice de um romance mal resolvido com a esposa que ficara na Terra (!). Netflix, minha filha, vamos ter senso!
Levante
3.7 9Interessante que uma leva de filmes sobre aborto, em especial de mulheres jovens, tem surgido nos últimos anos, com destaque para "O acontecimento" e "Nunca, raramente, às vezes, sempre", cujo premissa tem se mostrado das mais importantes para demarcar um momento onde se fala bastante em liberdade, mas o aborto continua sendo tabu.
"Levante" é um exemplar tipicamente brasileiro dessa leva de filmes, e o começo é bem alto astral, mostrando a equipe feminina de vôlei e suas facetas multiculturais, mas aqui nada soa gratuito: mostra não apenas a diversidade (com cenas em que uma delas, por exemplo, injeta-se hormônio), mas o espírito de equipe das meninas, que é fundamental como rede de apoio à jovem Sofia (Domenica Dias), que acaba por ficar grávida.
Vale destacar que, tal qual os filmes citados, o momento em que houve a consumação do fato é o que menos importa, o que desloca completamente o olhar de julgamento do espectador para o que realmente importa: mesmo se foi consentido, se teve uso de camisinha (sim, não é um método 100% eficaz, inclusive a personagem fala que fez uso), ou como é o pai, isso pouco importa. Trata-se da liberdade da mulher em decidir sobre seu corpo.
E esse exemplar brasileiro se destaca por trazer um roteiro que agrega a gravidez ao planejamento profissional do futuro da jovem, que se destaca na equipe de vôlei e está sob o olhar atento de uma equipe internacional. Assim, é como se a demarcação dos corpos ganhasse um contorno muito mais amplo e bem estrutural, limitando os corpos femininos.
Destaco também a cena onde uma vizinha evangélica vocifera em cima da garota e do pai (viúvo), mostrando todo o preconceito da visão religiosa, coisa que é um fenômeno fortemente latino das igrejas neopentecostais (não que nos outros lugares não exista, mas aqui é bem mais forte).
E o filme não se limita à violência simbólica, escancara de vez a repressão, por mais plastificada que a cena tenha ficado, serve como metáfora e tradução da dor de meninas que não conseguem apoio social para um simples ato (ela ate tentara no Uruguai, mas como não havia cidadania, resultou infrutífera a tentativa).
É um filme que funciona como denúncia a uma situação que, se fosse sobre corpos masculinos, certamente já teria sido resolvida. Vale muito a conferida e fico feliz de termos um exemplar brasileiro discutindo tão bem a temática.
Dias Perfeitos
4.2 295 Assista AgoraParece um daqueles tutoriais do Youtube para lavar banheiro. Mas falando sério, Wim Wenders acerta bastante na atmosfera e na construção dos seus personagens, mas a partir da metade do filme já estava de saco cheio do ritmo (monotônico sempre), dos personagens secundário, daquela rotina... A mensagem sobre ser feliz com pequenas coisas é muito bonita e louvável, mas temo também pela romantização do labor.
Plano de Aposentadoria
2.3 20 Assista AgoraEu curti ver o Nicolas Cage dando uma de avô rambo (não sou eu que digo, o próprio filme o adjetiva ora como avô, ora como Rambo mesmo, literalmente). Mas é óbvio que você encontrará aqui todo uma gama de concessões e absurdos, do tipo ele segurar sua filha com uma mão na corda e com a outra estar tacando-lhe a porrada nos vilões (que, diga-se, são bem abestalhados). Para piorar, a trama gira m torno de um suposto pen drive valioso, algo já visto milhões de vezes, e conta com aquelas reviravoltas absurdas, impostores, pessoas infiltradas, e claro, muitos tiros do herói e muitos vilões caricatos. Tem que ir para se divertir e se desligar.
O Aprendiz do Tigre
2.7 1 Assista AgoraGosto do visual da animação e de como trabalha muito bem com os personagens vindo do horóscopo chinês, sem dúvidas a homenagem ficou bonita. Mas o roteiro... Prepare-se para acompanhar uma hora e meia de uma perseguição absurda, sem muito espaço para momentos contemplativos, reflexivos, ou ao menos emocionante (tirando uma morte importante, que aliás foi algo corajoso mas totalmente funcional a um roteiro capenga). De resto, o velho clichê da vilã que se mostrou bem domável ao final.
Ficção Americana
3.8 382 Assista AgoraVencedor do Bafta, este foi o último filme dos concorrentes ao Oscar que tive o prazer de assistir, sendo um ano muito bom para o cinema: mesmo que nem todas as obras sejam obras-primas, confesso que está muito bem nivelado este ano, exceto "Maestro" todos os filmes são muito bons.
Dito isso, "American Fiction" parece compor um grupo de filmes com tema sobre racismo, mas desta vez aqui o olhar é bem diferenciado. Temos o excelente Jeffrey Wright num dos seus maiores papéis, com todos os méritos tendo reconhecimento, fazendo um escritor demais prolixo, querendo alcançar uma linguagem mais universal, mas tendo que se contentar em representar um interesse de gueto.
É interessante como o filme faz uso da literatura, embora ache que tudo fique muito didático, e o filme às vezes confunde a realidade com o literário, mas sem uma conversão realmente visceral: há muito aqui se imiscuindo, mas é mais nos diálogos do que em imagens.
Vamos acompanhando nosso escritor e sua saga com a família, o irmão que saiu do armário já na vida adulta após um casamento frustrado e a mãe com problemas de saúde, além de uma empregada de família. Particularmente gosto do mosaico, dá um tom mais humano, assim como sua investida amorosa.
Mas o cerne do filme é mesmo o fato de que o nosso protagonista, ironicamente, alcance sucesso com um livro que ele escrevera como tom de gozação, retratando o "negro" de forma superficial e da forma como os brancos gostam, ou seja, vitimizado, agressivo, com vários estereótipos de cor. É, na verdade, um filme sobre o "pacto da branquitude".
O "pacto da branquitude" é um conceito discutido no campo dos estudos críticos de raça e etnia. Refere-se à ideia de que a sociedade é estruturada de forma a beneficiar os brancos em detrimento de pessoas de outras raças ou etnias, ou, quando valorizam as culturas afro, fazem-na pelo viéis da cultura branca padrão (veja como o escritor teve que "descer" o nível, ou como a cultura do mercado, inclusive das adaptações ao cinema, é discutido aqui).
Este pacto, muitas vezes invisível e não explicitamente articulado, perpetua a supremacia branca e sustenta desigualdades sociais e estruturais. O termo é usado para descrever as maneiras pelas quais as normas, instituições e práticas sociais são moldadas para favorecer os brancos, muitas vezes sem que eles percebam ou reconheçam esse privilégio.
A noção de "pacto da branquitude" nunca é explicitada no filme, mas é explorada de forma tácita, como na figura da outra escritora negra retratada. Ao fazerem parte de um seleto grupo de jurados literários (e por ironia do destino o tal livro ser objeto de avaliação), o filme destaca o olhar diferenciado sobre a negritude vindo de pessoas brancas e pretas. Assim, mesmo que o filme não seja tão direto, há toda uma gama simbólica de reconhecimento e confronto das estruturas de poder que perpetuam o racismo e a discriminação racial, bem como o papel dos brancos na manutenção dessas estruturas.
Achei apenas que o filme ficou muito no discurso sobre o livro, talvez fosse interessante algo mais misturado entre ficção e realidade, mas ainda assim é uma obra que ressoa, e com todos os méritos foi lembrada pela academia. O final do livro não poderia ser mais debochado: é o lugar para onde, inconscientemente, muitos mandam as pessoas pretas.
O Jogo da Morte
2.2 17 Assista AgoraGosto de como "A baleia azul" se tornou uma espécie de lenda urbana, e o filme se aproveita disso para criar um clima de tensão e suspense aos moldes de "Searching" e principalmente "Missing": vamos acompanhando a protagonista mediante a tela de um celular, inserindo-se no jogo que provocara a morte da irmã.
Ocorre que, desta vez, os cortes são bem artificiais, assim como a câmera, que na maior parte do tempo nem parece que há alguém segurando. Há muitas tomadas externas, e pareceu mais um exercício de estilo, pois nunca temos a sensação de que a câmera deveria ser subjetiva.
Assim, o roteiro conta com tantas e tantas facilidades, pois é tudo muito corrido, que infelizmente prejudica um pouco a imersão. Mas ainda assim pode prender devido o desenrolar da história em velhos clichês do gênero: quais as próximas mortes, o destino da protagonista, o assassino... Ao menos conta com uma mensagem como crédito referente à saúde mental, pois o filme em si tudo é meio banalizado em favor da correria.
Minha Família Quer que Eu Case
3.2 11 Assista AgoraFaltou coragem ao roteiro para entregar algo mais verdadeiro, mas se entregou ao clichê e ao previsível. E pior que tinha calibre para isso sem comprometer a diversão, pois o filme cresce quando a protagonista destaca as várias facetas do amor, e como, na verdade, por mais liberal que pareça ser o mundo ocidental, os dilemas sobre ser a pessoa certa permanecem, seja em casamentos arranjados ou com vasta opções no Tinder. Uma pena o roteiro se entregue. Ao menos a direção de arte está bem interessante, retratando o mundo muçulmano de forma honesta.
Snoopy Apresenta: Seja Bem-vindo, Franklin!
3.9 4 Assista AgoraPensa num filme lindinho sobre amizade, companheirismo, mudanças... Só achei que poderiam explorar um pouco mais os personagens secundários, de resto, Charlie Brown e Franklin numa amizade linda de se ver, mesmo com um roteiro simples, é uma excelente opção para as crianças.
Blueback: Uma Amizade Profunda
2.8 3Um filme muito gostoso de ver, mesmo que tecnicamente seja bem abaixo da média. Isto porque a mensagem sobre o contato com a natureza, e as imagens que conseguem captar do fundo do mar é bem tocante, com uma mãe e uma filha lutando para preservar uma reserva marinha, e contando com um trabalho de edição bem interessante, ao mostrar dois momentos de vida delas. No entanto, algumas cenas deixam a desejar, especialmente envolvendo os demais personagens secundários, retratados superficialmente.
Bobi Wine: O Presidente Do Povo
3.6 27Produzido pela National Geograpich, o documentário realmente é estupendo em imagens, e insere você naquele ambiente hostil de Uganda. As últimas eleições são particularmente tensas, e também documentadas de forma perturbadora, com imagens fortíssimas, muito sangue, tiro, e conta ainda com uma entrevista (meio recortada, é verdade) do próprio líder da situação.
Bobi Wine, cujo nome real é Robert Kyagulanyi Ssentamu, é um proeminente cantor de reggae, ativista político e líder da oposição em Uganda. A câmera vai perseguí-lo intimamente, e embora o filme resgate imagens de 10 anos atrás, é mesmo sua situação como político que vai estar amplamente registrada.
Nascido em uma favela de Kampala, capital de Uganda, Bobi Wine ganhou destaque inicialmente como músico, com suas letras frequentemente abordando questões sociais e políticas, ganhando uma grande base de fãs, especialmente entre os jovens. No entanto, Bobi Wine entrou na esfera política em 2017, quando se candidatou e foi eleito como membro do Parlamento de Uganda, representando a circunscrição de Kyadondo East. Sua entrada na política trouxe uma nova onda de energia para o cenário político de Uganda, desafiando o status quo e mobilizando os jovens e desfavorecidos.
Bobi Wine fica então mais conhecido mundialmente, e suas críticas abertas ao governo liderado pelo Presidente Yoweri Museveni, que está no poder desde 1986, ressoam em sua arte e em sua atuação política. Ele tem sido um crítico ferrenho da suposta repressão do governo contra dissidentes políticos, bem como das questões de corrupção e falta de liberdades civis em Uganda.
Em 2020, o filme ganha um fôlego enorme com o anúncio de sua candidatura à presidência de Uganda nas eleições de 2021, desafiando diretamente o presidente Museveni, que buscava a reeleição para um sexto mandato. Sua campanha foi marcada por tumultos e confrontos com as forças de segurança, e houve relatos de assédio e detenções de membros de sua equipe de campanha. Apesar das dificuldades enfrentadas durante a campanha, Bobi Wine conseguiu mobilizar um grande apoio popular, especialmente entre os jovens urbanos. No entanto, as eleições foram amplamente contestadas, com acusações de fraude e irregularidades em favor do presidente Museveni, que fora declarado vencedor (58% a 34% de Bobi), mantendo-se no poder, enquanto Bobi Wine contestou os resultados e buscava apoio internacional para sua causa.
A ascensão do músico político como uma figura proeminente na Uganda representa a emergência de uma nova geração de líderes africanos que desafiam os regimes de longa data e buscam uma mudança democrática e progressiva em seus países. Sua influência e popularidade continuam a ser uma força significativa na cena política de Uganda e na luta por direitos civis e democracia no país.
No entanto, a ligação de Bobi com os Estados ocidentais imperialistas e as razões pelas quais muitos destes países estão interessados na Uganda são deixados de lado. Por exemplo, Uganda está localizada em uma região estrategicamente importante da África Oriental, rota dos movimentos terroristas. Além, claro, dos interesses econômicos.
Assim, quando o presidente Museveni comenta sobre o papel dos EUA e da União Europeia, estranhamente o filme o corta para imagens de pobreza e degradação nas ruas de Uganda, que obviamente é uma situação que não pode ser ignorada.
Assim, mesmo que falte certo aprofundamento no debate geopolítico, e até mesmo certa honestidade, o documentário peca por certa imparcialidade, mas acerta muito nas imagens reais, impressionantes. E é sim um bom ponto de partida para se discutir os regimes ditatoriais.
Mea Culpa
2.1 53 Assista AgoraPadrão Netflix, com uma personagem até bem construída, mas com um desenvolvimento tolo. Basicamente por conta dos adultérios, ela é metida numa emboscada (não falarei mais para não dar spoiler), tendo que ser a advogada de um pintor acusado de matar uma namorada, sendo que o promotor do caso é o cunhado da protagonista. E aqui vão todos os clichês: personagens maniqueístas, motivações pífias, idiotices sendo tomadas (ao encontrar uma pista, ela vai ao encontro do promotor do caso!)...
Suncoast
3.3 13"Suncoast" trata sua protagonista adolescente com certo amoralismo muito bem vindo, tal qual no recente "How to have sex", mas aqui há outras camadas interessantes: sua relação com a mãe, com o irmão em estágio terminal, com um desconhecido que ela conhecera na frente do hospital, na escola cristã. Esse caldeirão muito bem feito, tem por trás a história real da diretora estreante Laura Chinn, e a julgar pela estreia, pode prometer muito no futuro.
Protagonizado pela excelente Nico Parker, gosto bastante como sua personagem inicialmente tímida vai desabrochando, embora sua personalidade mais recatada se mantem, e especialmente o contraponto com as meninas mais "descoladas" da escola, que lhe introduzem uma vida mais liberal, não se tornou uma cópia de algo visto em "Meninas malvadas", isto é, o roteiro inteligentemente não as rivaliza, embora tenha certas cenas de ciúme e competição típicos da adolescência mesmo.
Ainda acho que a situação na escola cristã foi mal desenvolvida, e a relação com a mãe, que dá mais atenção ao filho doente, também subiu o tom algumas vezes, mas ainda assim o filme graciosamente se livra de caricaturas e tenta humanizar aquela relação (o final do filme é exemplar).
Também achei que o personagem do Woody Harrelson tinha bem mais a contribuir, mas o lado bom é que tornou a situação bem crível. "Suncoast" é o hospital onde o irmão da garota está hospitalizado, e lá há uma campanha pra uma personagem internada lá, viralizando nas redes, com pessoas fazendo campanha por ela, e é maravilhosa a cena na escola que a jovem defende que não sabemos ao certo o que se passa, sendo meio descabido usar de discursos que não conhecem a realidade particular de cada pessoa, um tapa na cara de quem conhece apenas as manchetes das redes.
Com muita coisa acontecendo, o retrato é humano, mas também falta certa profundidade em alguns temas. Ainda assim, consegue passar uma mensagem poderosa sobre a dor da perda e o equilíbrio que devemos ter para seguir em frente, sobre aproveitar a vida, vivê-la intensamente, e ainda assim, ter cuidado com excessos, sem esquecer o que mais importa, essa ligação com o outro, com a mãe, com o irmão, com amigas, com um desconhecido... Filme lindo e muito sensível, e irá tocar mais ainda quem já teve uma perda repentina na vida.
A Queda
2.3 2 Assista AgoraPor mais estapafúrdias que sejam as situações, usando o acidente com o bebê como fio dramático, os personagens são carismáticos o suficientes para fazer rir. Assim, como comédia, me fez arrancar várias gargalhadas (mesmo com certas piadas, especialmente as escatológicas, que não funcionam). Achei que o roteiro se perdeu e não soube evoluir, mas ainda bem que isso ocorre só pelo final, não comprometendo a sessão como um todo.
Ferrari
3.3 94 Assista AgoraTirando a parte do acidente, que é realmente muito bem feita, e que passa todo o drama necessário (além do momento repentino), temos um filme que é basicamente uma novela sobre o triângulo amoroso do Enzo Ferrari, vivido por Adam Driver, e uma Penélope estridente por não ser aquela a quem vai lhe dar um herdeiro, embora goste de seus pulsos com os negócios, pioneiro à época, mas os textos estão completamente deprimentes.... Gran Turismo funciona melhor do que Ferrari em termos de corrida.
Demon Slayer: Kimetsu no Yaiba - Para o Treinamento Hashira
3.4 18Um filme lindo tecnicamente, com cores que estão cada vez mais agradáveis, e uma estética cada vez mais acertada à proposta. Mas não entendi a opção do roteiro: um prólogo longo, como se fosse um filme à parte, e a segunda metade sendo basicamente um filme preparativo para um porvir, sem ao menos um ápice decente. Brochante.
O Menino e a Garça
4.0 218Hayao Miyazaki geralmente não erra, e temos aqui um filme tecnicamente lindo, com suas cores típicas, e aquela velha mensagem humana. Mas não tenho como deixar de notar que chega a ser redundante em sua filmografia: protagonista tentando se encontrar, relações familiares problemáticas, um lugar mais idílico como escape, personagens secundários estranhos e alguns fofos. Talvez a academia veja como homenagem mesmo. Mas embora tenha momentos criativos, a meu ver o roteiro não trás grandes novidades.
Zona de Risco
3.2 39 Assista AgoraGostei muito dessa patuscada, especialmente como trabalha o suspense, e olha que o lugar é bem aberto, mas mantem o clima claustrofóbico, por mais que tudo seja clichê aqui: um verdadeiro Rambo, o que foi bem forçado para um combatente inexperiente. Ao menos tá bem atuado e dirigido. O humor aqui funciona como contraponto a uma hierarquia militar acostumada com status: o desleixo é parte da humanidade que brota em ambientes hostis. Mas confesso que preferia um fim mais trágico, faltou coragem.
Monstro
4.3 277 Assista AgoraParticularmente, gostei muito da edição desta obra do Hirokazu Koreeda, há umas voltas interessantes para ver diferentes pontos de vista, e o filme não precisa alertar o espectador para isso (tem que ficar atento), mas tudo tem um porquê organicamente ao roteiro: a depender da perspectiva e das motivações de nossas ações, seremos vistos como monstros, ou não. É um trabalho estupendo de roteiro, sensível ao extremo e muito bem montado.
No entanto, creio que certas referências soaram meio soltas, meio como fragmentada. Por mais que os meninos tenham certa ligação e que o comportamento adulto esteja vigilante sobre eles, trabalhos como "Close" encenam bem melhor uma ligação, e, portanto, funcionam mais na emoção.
Mas é impossível não se deliciar com o filme, e as passagens tanto na escola quanto nos momentos mais íntimos dos jovens, em cenas externas, estão muito bem filmadas. Diria que tecnicamente é maravilhoso, faltando apenas certo apuro nos diálogos e talvez nas atuações, que achei aqui meio maniqueísta em certos momentos.
Ver a humanidade como possibilidade de afetos e desafetos, e vendo uma sociedade disciplinando corpos, causa certa repulsa. A pureza vai sendo, aos poucos, poluída pela cultura moralista, e a cena final deles desbravando a natureza mostra como, de forma genuína, estamos aptos para a felicidade, basta uma forma de escape. Lindo demais.
Fazendo Meu Filme
3.2 25 Assista AgoraO filme acerta bastante ao comparar a vida da adolescente com um roteiro de cinema, tipicamente trazendo ludicidade a uma vida comum, e ainda conta com uma arte visual interessante (a cena logo no início onde a personagem se vê em vários filmes). Mas por uma estranha razão essa ideia é abandonada, o filme se entrega para um romance clichê e sem sal, até, de forma meio oportunista, resgatar essa comparação com o cinema. Ou seja, só uma tentativa de goumertizar um conteúdo muito superficial e genérico mesmo.
Quando Você Terminar de Salvar o Mundo
3.1 28 Assista AgoraUm trabalho muito melhor da Moore do que "May December", mostrando-a num papel de uma mãe perdida em sua maternidade, ao mesmo tempo que tem veias controladoras, não consegue estabelecer um vínculo com o filho influencer adolescente.
Talvez seja o filme que mais me agradou recentemente em termo de representação da juventude, pintando-a ora como uma nova espécie de "alienados digitais" mas também retratando parte da juventude que vive no mundo da lua, que ainda carrega consigo sonhos revolucionários, mas sem parecer idiotas (por mais que, no fundo, sejam sim um pouco).
Assim, o filme abre margem para discutir a nossa capacidade de pensar o futuro entre sonho e realidade, de uma maneiro utópica ou mais imediatista. No final das contas, o garoto querendo monetizar uma canção política de sua garota está mais próximo de algo real do que todos, seja do rapaz que não sabe se quer ir para a faculdade, da garota ambientalista ou da mãe perdida. E ele também é um dos mais idiotas, o que é um paradoxo delicioso de acompanhar.
Certamente a sua musa inspiradora figuraria em uma bela estante decorativa no DCE de qualquer curso de esquerda, provando que parte dessa esquerda é muito melhor com diálogos do que com ações. Por outro lado, a mãe já deu a dica: "Estude, e tenha sua opinião". Racionalmente falando, podemos até criar nossos julgamentos, mas no que isso nos ajuda materialmente falando? E em nossas relações? Pois é, o buraco é bem mais embaixo
Assim, Moore tenta dosar sua personagem numa mãe que acaba projetando suas ambições para o filho de uma terceira, que não sabe lidar com uma geração que tem outros planos futuros e, ao mesmo tempo, de uma geração que sempre a obriga a se confrontar. Na verdade, essa fronteira geracional é cada vez mais tênua, e talvez a "Aldeia global" tenhamos forçado a uma convivência antes impensada.
Por mais que tudo isso seja evocado no filme, o roteiro em si é mais enxuto, e não trata tão bem certos personagens secundários, e claro, trará mensagem de redenção e otimismo, mesmo com certa ironia. Gostei, mas se fosse mais ácido talvez soasse bem melhor.
Carmen
2.8 4O Paul Mescal está muito sexy no papel de um militar simpático a imigrantes, mas o filme infelizmente não ajuda muito: tem uma fotografia encantadora especialmente quando filme o deserto e a cultura latina, mas cai num tom tão melancólico, depressivo, fazendo uso amplo de slow motion, que dá até sono em muitos momentos. Tudo isso numa tentativa de contornar um roteiro superficial. 20 minutos a menos cairia bem ao filme, quis se levar muito a sério.
Jogo Mortal
3.2 112 Assista AgoraQuando o estilo de Jordan Peele encontra um roteiro voltado ao público adolescente, portanto, muito mais didático, é filmado de forma bem à vontade, num casarão que lembra os acontecimentos de "Morte, morte, morte", temos "The blackening" como resultado imediato dessa linguagem da diversidade (especialmente étnica) que tomou conta em jargões e em pensamentos da cultura ocidental.
Assim, espero ver o elenco muito à vontade (ótimo trabalho da direção) disparando uma série de referências da cultura afro, com pitadas de humor e muita ironia (o que foi aquilo com "Friends"?). É realmente satisfatório ver um texto afiado, por mais direto e pedagógico que seja, mas aqui não incomoda em nada, já que o objetivo é esse e se enquadra perfeitamente à proposta.
Assim, o grupo de amigos que se reúne para uma noite de diversão, todos pretos, vão soltando pérolas no caminho e durante a noite, sem contar o prólogo interessante apresentando o "jogo" assustador do "Blackening", que consiste basicamente em um jogo mortal de perguntas e respostas testando o conhecimento geral da cultura preta.
Talvez o filme peque nos sustos, e confesso que aquela correria do terço final ficou muito aquém do subtexto que até então vinha se apresentando, mas por manter a ironia e com uma cena final hilária, achei que o filme foi amplamente satisfatório. Mesmo não funcionando como horror, funciona como "terrir" (terro + rir) e mostra que ainda há espaço para se trabalhar com diálogos mais interessantes nesse mundo de marasmos.
Filha do Prisioneiro
2.8 15 Assista AgoraPor mais boa intenção do roteiro em pintar um quadro de uma mãe solo (com o marido viciado sempre à espera, e um pai com tornozeleira eletrônica a passar os últimos dias de vida com a filha e o neto), e ainda fazendo da criança um rapaz esperto mas também sensível,grita uma sensação de atitudes meio robóticas, como se não passasse naturalidade. Esse esquematismo prejudica o envolvimento e a tensão, cuja última cena é exemplar: não há espaço aqui para multidimensionalidade, os personagens fazem aquilo que o roteiro convenientemente acha o melhor. As interpretações estão apenas ok, e o ritmo meio aborrecido, pelo menos, é quebrado por certas ações interessantes, por mais forçadas que sejam.