Uma aula de como adaptar uma peça teatral para o cinema sem desmerecer ambas as artes. Sir John Gielgud, encarnando o seu papel preferido dentre os criados por Shakespeare, concede sua estupenda voz a todos os personagens em cena. Considerando que há intérpretes notáveis feito Erland Josephson e Michel Blanc no elenco, a ousadia é maior do que se imagina. Visualmente, "A Última Tempestade" é um banquete. O uso de imagens sobrepostas, em uma cenografia das mais refinadas, mostra que Greenaway, mesmo controverso quanto às suas opiniões sobre cinema, não é um embusteiro. Só não é um clássico porque o filme enfraquece um pouco pelo meio. Mesmo assim, vale muito a pena ser visto.
Até mesmo os caretas não evitam rir dos absurdos ditos e feitos pela dupla Cheech e Chong. Ainda mais quando tiram sarro dos headbangers em "Get Out of My Room", onde a desaprovação de Chong em ver seu colega pagando de roqueiro chega a ser mais engraçada do que a performance de Cheech. O qual, por sua vez, aparece sozinho no encerramento deste filme na antológica canção "Born In East L.A.", paródia do sucesso "Born In USA", de Bruce Springsteen. Bestamente cômico.
Embora o maior atrativo para a maioria dos espectadores seja Liv Tyler em poses voluptuosas, o objetivo deste filme era fazer graça sobre os estragos que uma mulher bonita e apaixonante pode fazer aos homens mais incautos. Matt Dillon é o trouxa da vez. Ou, pelo menos, o maior deles. Paul Reiser rouba a cena encarnando o babaca perfeito.
Ok, temos John Woo. Ou seja, um filme de ação no mínimo razoável. A produção, porém, não favoreceu certos elementos típicos do seu estilo, exceto a ambiguidade quanto a quem está do lado do bem ou do mal. O resultado de "A Outra Face" é bem mais interessante, todavia.
Se um filme de ação é realizado por um diretor com mãos frouxas, não adianta se basear num livro de Elmore Leonard ou colocar Mickey Rourke fazendo um nativo-americano assassino ou Joseph Gordon-Levitt no papel de um psicótico enervante. Desperdiçar Rosario Dawson num papel mal escrito só piora as coisas. Frustrante.
Se Rob Schneider é um sub-Adam Sandler, o que dizer de David Spade? Os três, egressos do programa "Saturday Night Live" compartilham do gosto em fazer "feel good movies" permeados por piadas escatológicas. Porém, se Sandler vez ou outra acerta ("Afinado no Amor", por exemplo), ou se Rob Schneider ao menos faz rir com sua cara de atrapalhado, David Spade carece de carisma e peca pelo excesso de autocomiseração. Sendo assim, "Joe Sujo" não consegue nem mesmo ser um "guilty pleasure", feito alguns filmes dessa turma toda. Vale apenas por algumas participações especiais, de tão inacreditáveis que estejam em um filme tão medíocre.
Filmes que pretendem mostrar a sordidez do mundo em contraste com a nobreza do amor nem sempre conseguem reproduzir com fidelidade os ambientes por onde seus personagens errantes cumprem seu purgatório. Neste caso, a dedicação ao reproduzir o inferno em que vive a protagonista, encarnada com afinco por Samantha Mathis, se contradiz com o desleixo do diretor em cenas feito a da filmagem no quarto de hotel. Sem contar o uso abusivo de certos cacoetes moderninhos típicos de um certo cinema independente americano. Em compensação, Samantha Mathis encontra em Joseph Gordon-Levitt um intérprete à altura. Ainda muito novo, Joseph já demonstrava o quanto poderia render em papéis intensos, sem transparecer aquele ranço típico dos atores que praticamente se matam em nome da arte.
A cena em que seu personagem se recusa a voltar ao hospital, querendo morrer ao lado de Jane, confessando que a ama, é dolorosamente apaixonante e vale o filme todo.
No mais, "Vivendo no Limite" tem seus momentos de brilho. Pena que o resto não seja muito entusiasmante.
Capciosa sátira política ao então presidente americano George W. Bush, sua ascensão duvidosa ao poder e aos interesses a ele associados. Um grande elenco, encabeçado pelo ótimo Chris Cooper, colaborador de longa data do diretor John Sayles, em um filme cujo roteiro, por vezes, titubeia, em especial quanto à trama policial. No entanto, o resultado é compensador.
Um baita elenco feminino e um argumento promissor, apesar do nada banal John Sayles na direção, não resultou num bom filme. Cansativo e palavroso, frustra os que esperavam mais de Sayles e aborrece os demais.
Nada como retornar ao básico para Jonathan Demme se reencontrar, após alguns equívocos em sua carreira após "Silêncio dos Inocentes". Dramas familiares, qualquer diretor pode usar em um filme. Mas ir tão fundo nos ressentimentos e nas frustrações, ainda mais às vésperas de um casamento, quando tudo deveria conspirar para a paz e a concórdia, isso denota alguma originalidade. Em especial pelo modo de filmar, quase emulando uma gravação caseira, ressaltando ainda mais o incômodo pretendido. Nesse aspecto, "O Casamento de Rachel" mostra estar a anos-luz de distância do pretensiosamente tolo "Festa de Família". E Anne Hathaway, que eu sempre considerei uma grande atriz, mais do que um rosto lindo, arrebenta no papel duma modelo em recuperação de seu vício em drogas e sem o menor pudor de expor o lado desagradável de toda família. Debra Winger, por sua vez, mostra que o longo tempo afastada da carreira não afetou sua capacidade de interpretar. Muito pelo contrário.
A cena da discussão entre ela e a filha vivida por Anne é uma das mais arrasadoramente emocionais que já vi no cinema. E a festa de casamento, por si só, é tão empolgante quanto insólita. Imaginem uma escola de samba nesse contexto!
Eis um drama verdadeiramente adulto. Porém, sem pose de sério ou afetação de pseudo iconoclasta.
Philip Seymour Hoffman É o filme. Numa das representações mais tristes de alguém que perdeu a pessoa amada e não sabe o rumo que deverá seguir na vida, ele evita que "Com Amor, Liza" se transforme num muro de lamentações. A presença estratégica de Kathy Bates colabora nesse sentido. Ao final, porém, resta mais esgotamento emocional do que encantamento. Em todo caso, desde que não se esteja muito alegre, é um filme a ser visto.
Continuação mais irregular do que o filme original, "Top Gang 2 - A Missão" segue a mesma linha de gags disparadas feito tiros de metralhadora. A volta de Charlie Sheen, Valeria Golino e Lloyd Bridges ajuda a fazer este filme ser algo assistível, embora não impeçam que a ideia de filmes-paródia comece a saturar.
Peço de coração a todos que relevem o título brasileiro demasiado óbvio. Idem quanto à capa do DVD (parabéns ao Filmow por não usá-la aqui), que fez muitos desavisados tomarem esta produção por um "filme calcinha" qualquer, desses que fizeram tanto a fama de Sandra Bullock ou Julia Roberts. Ou mesmo de Ashley Judd, que calhou, aqui, de ser a protagonista. Eu mesmo quase caí nessa. Até ver que se tratava de uma realização de Joey Lauren Adams, a encantadora estrela da comédia "Procura-se Amy", de Kevin Smith. Filmes dirigidos por atores podem surpreender. E foi este o caso. Em sua estreia na direção de filmes, Joey nos apresenta uma visão nada idealizada de Lucy, uma mulher na casa dos trinta anos que, durante o dia, é uma respeitável profissional na área de construção civil e, à noite, gosta de beber, ouvir música country, jogar sinuca e, não raro, deitar-se com algum desconhecido, a quem sempre abandona na manhã seguinte. Alguma razão para tanto desencanto sentimental? O filme apresenta uma resposta nada óbvia a esta questão, que ganha um sentido maior quando Lucy conhece Cal (Jeffrey Donovan, numa atuação surpreendentemente boa), um homem nada parecido com os tantos sujeitos a quem ela deixou sozinhos em camas de motel. Em face a alguém com quem parece valer a pena se relacionar a sério, Lucy encontra-se numa encruzilhada emocional, agravada pelas tentativas de se entender com seu pai (Scott Wilson, num registro semelhante ao que apresentou no drama "Retratos de Família) e outras questões familiares. Interessante é a comparação entre a desgarrada Lucy e sua amiga Kim (Laura Prepon), bem mais resolvida no tocante a relacionamentos. Mas a presença maior é mesmo a de Ashley Judd. Neste filme e em "Possuídos", de William Friedkin, só para citar dois filmes de épocas próximas, ela demonstra uma maturidade interpretativa fora de série. Joey Lauren Adams faz jus ao bom desempenho do elenco, abrilhantado por veteranos feito Stacy Keach e Diane Ladd, dirigindo de forma sóbria, aproveitando bem a luz natural e emoldurando tudo com uma excelente trilha sonora country, com mestres do gênero feito George Jones e Merle Haggard. Se você assistir a este filme e não se encantar com algum dos elementos acima comentados e/ou não repensar seus próprios conceitos sobre paixão, desejo, apego, frustração e esse tal de amor, você precisa ir a um cardiologista. Talvez lhe falte algo no peito.
Louvável a iniciativa do diretor em oferecer espaço a figuras tão essenciais à manutenção da cidade de São Paulo enquanto centro financeiro e cultural do país. E a escolha dos motoboys para deporem no filme vem a ser bem representativa. Em especial a da única motogirl apresentada. Ela, por si só, merecia um documentário à parte. Alô, Caito Ortiz! A contraposição com motoristas com opiniões bastante fortes, agressivas até, sobre os motoboys é um achado. Contudo, a duração do filme, embora breve, não o impede de ser um pouco lento, o que é irônico. Afinal, "Motoboys - Vida Loca" representa profissionais da agilidade. Não obstante, é um filme que cumpre o intento de mostrar os seres humanos sobre as motos que impedem metrópoles feito São Paulo de entrarem em colapso total. Peço encarecidamente a todos que assistirem a "Motoboys - Vida Loca" que aguardem os créditos finais passarem para assistirem a uma breve reflexão do arquiteto Paulo Mendes da Costa que serve como um tapa na cara da sociedade moderna.
Emocionar sem apelar para o mais baixo senso comum: eis um desafio que certos filmes topam e perdem. "A Outra Margem" é uma digna exceção. A junção da temática da homossexualidade com a dos portadores de deficiência mental e sua inserção no mundo cotidiano resultou em um filme invulgar. Não me recordo de nenhuma atuação fora do lugar: desde o tormentoso Ricardo, em busca de conforto para seu coração maltratado, até seu entusiasmado sobrinho Vasco, cuja mãe, Maria, expressa com gestos contidos e sóbrios a abnegação de uma mãe que criou seu filho sozinha contra todas as dificuldades. Sem contar o pai do protagonista, cuja presença rústica, somada à tentativa nada sentimentaloide do filho em fazerem as pazes, dinamiza o filme. Embora não conste na relação de intérpretes acima, aponto a participação especial do ator brasileiro Eduardo Silva, no papel do melhor amigo de Ricardo, ambos trabalhando de drag queens em Lisboa.
A minha cena preferida é quando Vasco se apresenta no teatro com outros portadores da síndrome de Down. Emocionante é pouco para definir essa passagem.
Ao público brasileiro: relevem a diferença da prosódia portuguesa diante da nossa. Aliás, isso não é desculpa para ignorarem o cinema de Portugal. E se começarem por "A Outra Margem", será compensador.
A atividade civilizatória dos salvadores de vidas chamados médicos em face à barbárie das guerrilhas embrenhadas em florestas de algum país latino-americano. Poderia ser um filme arrogante se não fosse realizado por alguém tão apropriado para tratar desses temas feito John Sayles. Excelente presença do ator argentino Federico Luppi, a qual já compensaria ver o filme, ainda que não tivesse outras qualidades.
Para quem já se habituou ao estilo de John Sayles, este filme causará estranheza. Afinal, não se podia esperar por um filme fabulesco em vez da crítica social tão costumeira em seus filmes. Não obstante, "O Mistério da Ilha" possui seus méritos. A reavaliar.
John Sayles, ainda no início de sua digna carreira, valeu-se da sua visão crítica da sociedade para falar de um alienígena desorientado na Terra. Joe Morton, que interpreta a criatura de outro mundo, consegue demonstrar a sensação de deslocamento do personagem, perdido em pleno Harlem, onde os perigos das ruas não são maiores do que o risco de vida que corre por ser perseguido por caçadores de outro planeta. A cena em que ele entra num bar e um dos frequentadores fica sem saber se ele não responde por ser surdo ou por ser maluco é deveras pitoresca, ainda mais pelos bons diálogos entre as demais "moscas de boteco". Um filme pitoresco, onde a analogia entre as errâncias do extraterrestre e os problemas vividos pelos imigrantes nos EUA funciona bem no mais das vezes. Embora o ritmo por vezes caia, isso não afeta a sua originalidade.
Simpática comédia onde os assaltos servem mais de pretexto para falar da relação mestre-aluno entre dois delinquentes de gerações distintas. Burt Reynolds, mesmo em sua entressafra artística, convence em seu papel. E Casey Siemaszko, com seu tipo adolescente, lhe serve feito um ótimo parceiro de cena. Esse eu vi nos tempos do VHS, quando garimpava as lojas que estavam se livrando das suas fitas.
Poderia não passar dum filme pitoresco ao apresentar um sujeito simpático cuja única excentricidade é acreditar ser amigo de um coelho gigante visível apenas para ele. Contudo, sob esse pretexto, "Harvey" vem a ser uma bela história sobre o excesso de valor que se dá a essa tal de normalidade. E que, antes de julgarmos essa ou aquela conduta, precisamos saber quem realmente é por ela afetado. Não por acaso, James Stewart, por conta das suas memoráveis parcerias com o diretor Frank Capra, é o ator perfeito para encarnar o emblemático Elwood. E Josephine Hull, interpretando sua preocupada irmã Veta, tanto nos faz rir quanto nos comove. "Donnie Darko"? Que nada...
O subtítulo brasileiro deste filme, involuntariamente, resumiu a minha experiência ao assistir a este filme. No mau sentido. No pior sentido. Depois do cultado "Donnie Darko", Richard Kelly inflou seu ego, contou com um grande orçamento e um elenco vasto, encabeçado pelo astro Dwayne Johnson para apresentar uma visão apocalíptica do confronto entre liberais e conservadores, esquerda e direita, liberdades civis versus proteção contra o terrorismo. Entretanto, conseguiu apenas irritar os incautos que caíram em mais um "golpe do grande elenco". O fracasso de público de "Southland Tales", em que pese a falta de critério das plateias de cinema da atualidade, é plenamente justificado. Chega a ser odiento o desperdício de tantos recursos em uma ficção científica tão equivocada. Além disso, os pretensos alívios cômicos não causam nem mesmo risos amarelos. Aliás, o diretor achou que contratar quatro egressos do "Saturday Night Live" ajudaria nesse sentido? E o que dizer de Sarah Michelle Gellar, inconvincente de cima a baixo? É de dar dó a presença de atores feito o ótimo Wallace Shawn, que ainda consegue algum mérito na sua atuação, em face ao desempenho indigno de Dwayne Johnson, fazendo jus à sua antiga alcunha "The Rock". O cara simplesmente não sabe atuar! Certamente os investidores deste filme devem ter achado que Richard Kelly era um gênio. Certamente não assistiram a "Harvey", filme com James Stewart de onde Richard chupinhou a inspiração para o coelho de "Donnie Darko". Caso contrário, não teriam permitido a esse sujeito se afundar tão ridiculamente e fazer tanta gente perder tempo na vida, em especial o espectador. A meia estrela, aqui, é meramente protocolar, portanto.
Difícil avaliar um filme quando suas qualidades e seus defeitos por vezes se confundem. Assim ocorre em "Baixio das Bestas". Indo além da abordagem da sordidez humana já demonstrada em "Amarelo Manga", ressaltada pelo sol inclemente em quase todo o filme, Cláudio Assis volta-se ao interior de Pernambuco, em terras onde não há mais a riqueza proporcionada pelo auge do funcionamento das usinas de álcool. Onde até a exploração do sexo, o mercado mais antigo do mundo, sofre com a falta de demanda. Ainda mais com a concorrência advinda da exploração abjeta e repugnante de meninas mal saídas da infância, representada pela personagem Auxiliadora, cujo avô a exibe nua para caminhoneiros num posto de beira de estrada. Outro vértice que sustenta o argumento do filme é o retrato duma geração de filhos dos propietários de fazendas de cana-de-açúcar e usinas que compensam as cobranças duma vida ajustada na Capital extravasando suas taras e frustrações quando vão ao interior. O personagem de Caio Blat sintetiza esse perfil com propriedade. E, completando o cenário, fala-se da cultura popular, representada aqui pelo maracatu, e de como ela sobrevive graças à tenacidade de alguns abnegados, contraposta à falta de recursos financeiros para estimular sua manutenção e ao desinteresse das novas gerações. Após esta explanação, ao filme em si. Fiquei sem saber por que o diretor optou por filmar os atores a uma considerável distância em praticamente todas as cenas. Talvez para observá-los feito cobaias? Ou para evitar o desestímulo de certos atores nas cenas de nudez e sexo, que não são poucas? Afinal, um close em certas partes do corpo de alguns dos intérpretes poderia não compensar profissionalmente. Seja como for, embora por vezes esse recurso seja repetitivo, ao menos serviu para ressaltar a banalização dos estímulos. Afinal, em certos momentos, o uso do close poderia fazer deste filme um exemplar do cinema explícito no qual derivou a pornochanchada nos anos 80. Aliás, vale saber que Cláudio Assis declarou, certa feita, que "Amarelo Manga" era um compêndio de tipos próprios desse gênero (ou sub-gênero, para alguns) do cinema brasileiro. Pois "Baixio das Bestas" vai além ao exibir uma cena do cult "Oh, Rebuceteio!", de Claudio Cunha, o maior sucesso dentre os filmes nacionais que passaram da sugestão das pornochanchadas dos anos 70 para a explicitude da década seguinte. Fazer isso num cinema abandonado onde os agroboys aos quais me referi anteriormente se reúnem para darem vazão aos seus instintos torna a referência ainda mais emblemática. Nada mais simbólico neste filme, no entanto, do que o personagem Seu Heitor, que começa o filme comentando sobre as imoralidades do mundo moderno, enquanto abusa da neta em vários sentidos, impedindo-a de ter uma vida digna e livre. O que impede "Baixio das Bestas" de ser um grande filme é a saturação em apresentar tantas baixezas praticamente sem nenhum alívio aos sentidos. Porém, pretender maior sutileza poderia enfraquecer o resultado final. Portanto, segue acima da média, a despeito de certas imagens que dificilmente sumirão da nossa memória tão cedo.
A trajetória desventurada de Fernando Ramos da Silva, do estrelato no filme "Pixote" até seu trágico final, merecia uma abordagem cinematográfica há tempos. E o experiente José Joffily saiu-se bem nesta empreitada. A começar pela escalação de Cassiano Carneiro no papel principal. Difícil imaginar alguém melhor. Taí um ator que faz falta no cinema brasileiro, desde que se radicou em Portugal. E outra atriz subestimada, Luciana Rigueira, saiu-se bem no papel de Cida, namorada do protagonista. Sem contar Joana Fomm, emocionante em todas as suas aparições no papel da mãe do intérprete de Pixote. Ao abordar a vida de Fernando sem sensacionalismo e com uma roupagem ficcional que não desmerece os fatos, "Quem Matou Pixote?", apesar do título pretensioso, merece reavaliação.
Admirável tentativa de fazer um filme policial brasileiro moderno. Ainda mais por vermos Antonio Fagundes atuando de forma decente, sem repetir os cacoetes de Bruno Mezzenga, da novela "O Rei do Gado". Zezé Polessa e Juliana Knust interpretam convincentemente. O problema é a falta de clima em certas passagens. Seria interessante se o filme fosse mais sórdido. Sem contar que a presumida ambiguidade moral do protagonista acaba por ser pouco explorada. Em todo caso, um filme que, se visto numa madrugada de bobeira, não vai estragar a noite.
A Última Tempestade
3.9 19 Assista AgoraUma aula de como adaptar uma peça teatral para o cinema sem desmerecer ambas as artes.
Sir John Gielgud, encarnando o seu papel preferido dentre os criados por Shakespeare, concede sua estupenda voz a todos os personagens em cena. Considerando que há intérpretes notáveis feito Erland Josephson e Michel Blanc no elenco, a ousadia é maior do que se imagina.
Visualmente, "A Última Tempestade" é um banquete. O uso de imagens sobrepostas, em uma cenografia das mais refinadas, mostra que Greenaway, mesmo controverso quanto às suas opiniões sobre cinema, não é um embusteiro.
Só não é um clássico porque o filme enfraquece um pouco pelo meio.
Mesmo assim, vale muito a pena ser visto.
Cheech & Chong: Get Out of My Room
3.6 3Até mesmo os caretas não evitam rir dos absurdos ditos e feitos pela dupla Cheech e Chong.
Ainda mais quando tiram sarro dos headbangers em "Get Out of My Room", onde a desaprovação de Chong em ver seu colega pagando de roqueiro chega a ser mais engraçada do que a performance de Cheech.
O qual, por sua vez, aparece sozinho no encerramento deste filme na antológica canção "Born In East L.A.", paródia do sucesso "Born In USA", de Bruce Springsteen.
Bestamente cômico.
Que Mulher É Essa?
2.7 79Embora o maior atrativo para a maioria dos espectadores seja Liv Tyler em poses voluptuosas, o objetivo deste filme era fazer graça sobre os estragos que uma mulher bonita e apaixonante pode fazer aos homens mais incautos.
Matt Dillon é o trouxa da vez. Ou, pelo menos, o maior deles.
Paul Reiser rouba a cena encarnando o babaca perfeito.
E se há um bom motivo para assistir a este filme, que tal conferir a cena do tiroteio, ao som de "YMCA", do Village People?
Vale algumas risadas.
A Última Ameaça
3.1 96 Assista AgoraOk, temos John Woo. Ou seja, um filme de ação no mínimo razoável.
A produção, porém, não favoreceu certos elementos típicos do seu estilo, exceto a ambiguidade quanto a quem está do lado do bem ou do mal.
O resultado de "A Outra Face" é bem mais interessante, todavia.
Killshot - Tiro Certo
2.7 84 Assista AgoraSe um filme de ação é realizado por um diretor com mãos frouxas, não adianta se basear num livro de Elmore Leonard ou colocar Mickey Rourke fazendo um nativo-americano assassino ou Joseph Gordon-Levitt no papel de um psicótico enervante.
Desperdiçar Rosario Dawson num papel mal escrito só piora as coisas.
Frustrante.
Joe Sujo
3.1 80 Assista AgoraSe Rob Schneider é um sub-Adam Sandler, o que dizer de David Spade?
Os três, egressos do programa "Saturday Night Live" compartilham do gosto em fazer "feel good movies" permeados por piadas escatológicas.
Porém, se Sandler vez ou outra acerta ("Afinado no Amor", por exemplo), ou se Rob Schneider ao menos faz rir com sua cara de atrapalhado, David Spade carece de carisma e peca pelo excesso de autocomiseração.
Sendo assim, "Joe Sujo" não consegue nem mesmo ser um "guilty pleasure", feito alguns filmes dessa turma toda.
Vale apenas por algumas participações especiais, de tão inacreditáveis que estejam em um filme tão medíocre.
Vivendo no Limite
3.5 3Filmes que pretendem mostrar a sordidez do mundo em contraste com a nobreza do amor nem sempre conseguem reproduzir com fidelidade os ambientes por onde seus personagens errantes cumprem seu purgatório.
Neste caso, a dedicação ao reproduzir o inferno em que vive a protagonista, encarnada com afinco por Samantha Mathis, se contradiz com o desleixo do diretor em cenas feito a da filmagem no quarto de hotel.
Sem contar o uso abusivo de certos cacoetes moderninhos típicos de um certo cinema independente americano.
Em compensação, Samantha Mathis encontra em Joseph Gordon-Levitt um intérprete à altura.
Ainda muito novo, Joseph já demonstrava o quanto poderia render em papéis intensos, sem transparecer aquele ranço típico dos atores que praticamente se matam em nome da arte.
A cena em que seu personagem se recusa a voltar ao hospital, querendo morrer ao lado de Jane, confessando que a ama, é dolorosamente apaixonante e vale o filme todo.
No mais, "Vivendo no Limite" tem seus momentos de brilho. Pena que o resto não seja muito entusiasmante.
Silver City
3.1 1Capciosa sátira política ao então presidente americano George W. Bush, sua ascensão duvidosa ao poder e aos interesses a ele associados.
Um grande elenco, encabeçado pelo ótimo Chris Cooper, colaborador de longa data do diretor John Sayles, em um filme cujo roteiro, por vezes, titubeia, em especial quanto à trama policial.
No entanto, o resultado é compensador.
Casa dos Bebês
2.8 9Um baita elenco feminino e um argumento promissor, apesar do nada banal John Sayles na direção, não resultou num bom filme. Cansativo e palavroso, frustra os que esperavam mais de Sayles e aborrece os demais.
O Casamento de Rachel
3.3 511Nada como retornar ao básico para Jonathan Demme se reencontrar, após alguns equívocos em sua carreira após "Silêncio dos Inocentes".
Dramas familiares, qualquer diretor pode usar em um filme.
Mas ir tão fundo nos ressentimentos e nas frustrações, ainda mais às vésperas de um casamento, quando tudo deveria conspirar para a paz e a concórdia, isso denota alguma originalidade. Em especial pelo modo de filmar, quase emulando uma gravação caseira, ressaltando ainda mais o incômodo pretendido.
Nesse aspecto, "O Casamento de Rachel" mostra estar a anos-luz de distância do pretensiosamente tolo "Festa de Família".
E Anne Hathaway, que eu sempre considerei uma grande atriz, mais do que um rosto lindo, arrebenta no papel duma modelo em recuperação de seu vício em drogas e sem o menor pudor de expor o lado desagradável de toda família.
Debra Winger, por sua vez, mostra que o longo tempo afastada da carreira não afetou sua capacidade de interpretar. Muito pelo contrário.
A cena da discussão entre ela e a filha vivida por Anne é uma das mais arrasadoramente emocionais que já vi no cinema.
E a festa de casamento, por si só, é tão empolgante quanto insólita. Imaginem uma escola de samba nesse contexto!
Eis um drama verdadeiramente adulto. Porém, sem pose de sério ou afetação de pseudo iconoclasta.
Com Amor, Liza
3.5 28 Assista AgoraPhilip Seymour Hoffman É o filme.
Numa das representações mais tristes de alguém que perdeu a pessoa amada e não sabe o rumo que deverá seguir na vida, ele evita que "Com Amor, Liza" se transforme num muro de lamentações.
A presença estratégica de Kathy Bates colabora nesse sentido.
Ao final, porém, resta mais esgotamento emocional do que encantamento.
Em todo caso, desde que não se esteja muito alegre, é um filme a ser visto.
Top Gang 2!: A Missão
3.5 314 Assista AgoraContinuação mais irregular do que o filme original, "Top Gang 2 - A Missão" segue a mesma linha de gags disparadas feito tiros de metralhadora. A volta de Charlie Sheen, Valeria Golino e Lloyd Bridges ajuda a fazer este filme ser algo assistível, embora não impeçam que a ideia de filmes-paródia comece a saturar.
Encontros ao Acaso
2.8 49 Assista AgoraPeço de coração a todos que relevem o título brasileiro demasiado óbvio.
Idem quanto à capa do DVD (parabéns ao Filmow por não usá-la aqui), que fez muitos desavisados tomarem esta produção por um "filme calcinha" qualquer, desses que fizeram tanto a fama de Sandra Bullock ou Julia Roberts.
Ou mesmo de Ashley Judd, que calhou, aqui, de ser a protagonista.
Eu mesmo quase caí nessa.
Até ver que se tratava de uma realização de Joey Lauren Adams, a encantadora estrela da comédia "Procura-se Amy", de Kevin Smith.
Filmes dirigidos por atores podem surpreender.
E foi este o caso.
Em sua estreia na direção de filmes, Joey nos apresenta uma visão nada idealizada de Lucy, uma mulher na casa dos trinta anos que, durante o dia, é uma respeitável profissional na área de construção civil e, à noite, gosta de beber, ouvir música country, jogar sinuca e, não raro, deitar-se com algum desconhecido, a quem sempre abandona na manhã seguinte.
Alguma razão para tanto desencanto sentimental?
O filme apresenta uma resposta nada óbvia a esta questão, que ganha um sentido maior quando Lucy conhece Cal (Jeffrey Donovan, numa atuação surpreendentemente boa), um homem nada parecido com os tantos sujeitos a quem ela deixou sozinhos em camas de motel.
Em face a alguém com quem parece valer a pena se relacionar a sério, Lucy encontra-se numa encruzilhada emocional, agravada pelas tentativas de se entender com seu pai (Scott Wilson, num registro semelhante ao que apresentou no drama "Retratos de Família) e outras questões familiares.
Interessante é a comparação entre a desgarrada Lucy e sua amiga Kim (Laura Prepon), bem mais resolvida no tocante a relacionamentos.
Mas a presença maior é mesmo a de Ashley Judd. Neste filme e em "Possuídos", de William Friedkin, só para citar dois filmes de épocas próximas, ela demonstra uma maturidade interpretativa fora de série.
Joey Lauren Adams faz jus ao bom desempenho do elenco, abrilhantado por veteranos feito Stacy Keach e Diane Ladd, dirigindo de forma sóbria, aproveitando bem a luz natural e emoldurando tudo com uma excelente trilha sonora country, com mestres do gênero feito George Jones e Merle Haggard.
Se você assistir a este filme e não se encantar com algum dos elementos acima comentados e/ou não repensar seus próprios conceitos sobre paixão, desejo, apego, frustração e esse tal de amor, você precisa ir a um cardiologista. Talvez lhe falte algo no peito.
Motoboys - Vida Loca
3.6 16Louvável a iniciativa do diretor em oferecer espaço a figuras tão essenciais à manutenção da cidade de São Paulo enquanto centro financeiro e cultural do país.
E a escolha dos motoboys para deporem no filme vem a ser bem representativa.
Em especial a da única motogirl apresentada. Ela, por si só, merecia um documentário à parte.
Alô, Caito Ortiz!
A contraposição com motoristas com opiniões bastante fortes, agressivas até, sobre os motoboys é um achado.
Contudo, a duração do filme, embora breve, não o impede de ser um pouco lento, o que é irônico. Afinal, "Motoboys - Vida Loca" representa profissionais da agilidade.
Não obstante, é um filme que cumpre o intento de mostrar os seres humanos sobre as motos que impedem metrópoles feito São Paulo de entrarem em colapso total.
Peço encarecidamente a todos que assistirem a "Motoboys - Vida Loca" que aguardem os créditos finais passarem para assistirem a uma breve reflexão do arquiteto Paulo Mendes da Costa que serve como um tapa na cara da sociedade moderna.
Afinal, quem foi que disse que precisamos receber pizzas ou documentos pra já, instantaneamente? Pra que essa pressa louca?
A Outra Margem
3.6 17Emocionar sem apelar para o mais baixo senso comum: eis um desafio que certos filmes topam e perdem.
"A Outra Margem" é uma digna exceção.
A junção da temática da homossexualidade com a dos portadores de deficiência mental e sua inserção no mundo cotidiano resultou em um filme invulgar.
Não me recordo de nenhuma atuação fora do lugar: desde o tormentoso Ricardo, em busca de conforto para seu coração maltratado, até seu entusiasmado sobrinho Vasco, cuja mãe, Maria, expressa com gestos contidos e sóbrios a abnegação de uma mãe que criou seu filho sozinha contra todas as dificuldades.
Sem contar o pai do protagonista, cuja presença rústica, somada à tentativa nada sentimentaloide do filho em fazerem as pazes, dinamiza o filme.
Embora não conste na relação de intérpretes acima, aponto a participação especial do ator brasileiro Eduardo Silva, no papel do melhor amigo de Ricardo, ambos trabalhando de drag queens em Lisboa.
A minha cena preferida é quando Vasco se apresenta no teatro com outros portadores da síndrome de Down. Emocionante é pouco para definir essa passagem.
Ao público brasileiro: relevem a diferença da prosódia portuguesa diante da nossa. Aliás, isso não é desculpa para ignorarem o cinema de Portugal.
E se começarem por "A Outra Margem", será compensador.
Homens Armados
3.7 3A atividade civilizatória dos salvadores de vidas chamados médicos em face à barbárie das guerrilhas embrenhadas em florestas de algum país latino-americano.
Poderia ser um filme arrogante se não fosse realizado por alguém tão apropriado para tratar desses temas feito John Sayles.
Excelente presença do ator argentino Federico Luppi, a qual já compensaria ver o filme, ainda que não tivesse outras qualidades.
O Mistério da Ilha
3.9 14Para quem já se habituou ao estilo de John Sayles, este filme causará estranheza.
Afinal, não se podia esperar por um filme fabulesco em vez da crítica social tão costumeira em seus filmes.
Não obstante, "O Mistério da Ilha" possui seus méritos.
A reavaliar.
O Irmão que Veio de Outro Planeta
3.2 13 Assista AgoraJohn Sayles, ainda no início de sua digna carreira, valeu-se da sua visão crítica da sociedade para falar de um alienígena desorientado na Terra.
Joe Morton, que interpreta a criatura de outro mundo, consegue demonstrar a sensação de deslocamento do personagem, perdido em pleno Harlem, onde os perigos das ruas não são maiores do que o risco de vida que corre por ser perseguido por caçadores de outro planeta.
A cena em que ele entra num bar e um dos frequentadores fica sem saber se ele não responde por ser surdo ou por ser maluco é deveras pitoresca, ainda mais pelos bons diálogos entre as demais "moscas de boteco".
Um filme pitoresco, onde a analogia entre as errâncias do extraterrestre e os problemas vividos pelos imigrantes nos EUA funciona bem no mais das vezes.
Embora o ritmo por vezes caia, isso não afeta a sua originalidade.
Como Ser Um Bom Ladrão
3.0 3Simpática comédia onde os assaltos servem mais de pretexto para falar da relação mestre-aluno entre dois delinquentes de gerações distintas. Burt Reynolds, mesmo em sua entressafra artística, convence em seu papel. E Casey Siemaszko, com seu tipo adolescente, lhe serve feito um ótimo parceiro de cena.
Esse eu vi nos tempos do VHS, quando garimpava as lojas que estavam se livrando das suas fitas.
Meu Amigo Harvey
4.2 131 Assista AgoraPoderia não passar dum filme pitoresco ao apresentar um sujeito simpático cuja única excentricidade é acreditar ser amigo de um coelho gigante visível apenas para ele.
Contudo, sob esse pretexto, "Harvey" vem a ser uma bela história sobre o excesso de valor que se dá a essa tal de normalidade.
E que, antes de julgarmos essa ou aquela conduta, precisamos saber quem realmente é por ela afetado.
Não por acaso, James Stewart, por conta das suas memoráveis parcerias com o diretor Frank Capra, é o ator perfeito para encarnar o emblemático Elwood.
E Josephine Hull, interpretando sua preocupada irmã Veta, tanto nos faz rir quanto nos comove.
"Donnie Darko"? Que nada...
Southland Tales - O Fim do Mundo
2.2 168O subtítulo brasileiro deste filme, involuntariamente, resumiu a minha experiência ao assistir a este filme. No mau sentido. No pior sentido.
Depois do cultado "Donnie Darko", Richard Kelly inflou seu ego, contou com um grande orçamento e um elenco vasto, encabeçado pelo astro Dwayne Johnson para apresentar uma visão apocalíptica do confronto entre liberais e conservadores, esquerda e direita, liberdades civis versus proteção contra o terrorismo.
Entretanto, conseguiu apenas irritar os incautos que caíram em mais um "golpe do grande elenco".
O fracasso de público de "Southland Tales", em que pese a falta de critério das plateias de cinema da atualidade, é plenamente justificado.
Chega a ser odiento o desperdício de tantos recursos em uma ficção científica tão equivocada.
Além disso, os pretensos alívios cômicos não causam nem mesmo risos amarelos.
Aliás, o diretor achou que contratar quatro egressos do "Saturday Night Live" ajudaria nesse sentido?
E o que dizer de Sarah Michelle Gellar, inconvincente de cima a baixo?
É de dar dó a presença de atores feito o ótimo Wallace Shawn, que ainda consegue algum mérito na sua atuação, em face ao desempenho indigno de Dwayne Johnson, fazendo jus à sua antiga alcunha "The Rock". O cara simplesmente não sabe atuar!
Certamente os investidores deste filme devem ter achado que Richard Kelly era um gênio. Certamente não assistiram a "Harvey", filme com James Stewart de onde Richard chupinhou a inspiração para o coelho de "Donnie Darko".
Caso contrário, não teriam permitido a esse sujeito se afundar tão ridiculamente e fazer tanta gente perder tempo na vida, em especial o espectador.
A meia estrela, aqui, é meramente protocolar, portanto.
Baixio das Bestas
3.5 397Difícil avaliar um filme quando suas qualidades e seus defeitos por vezes se confundem.
Assim ocorre em "Baixio das Bestas".
Indo além da abordagem da sordidez humana já demonstrada em "Amarelo Manga", ressaltada pelo sol inclemente em quase todo o filme, Cláudio Assis volta-se ao interior de Pernambuco, em terras onde não há mais a riqueza proporcionada pelo auge do funcionamento das usinas de álcool.
Onde até a exploração do sexo, o mercado mais antigo do mundo, sofre com a falta de demanda. Ainda mais com a concorrência advinda da exploração abjeta e repugnante de meninas mal saídas da infância, representada pela personagem Auxiliadora, cujo avô a exibe nua para caminhoneiros num posto de beira de estrada.
Outro vértice que sustenta o argumento do filme é o retrato duma geração de filhos dos propietários de fazendas de cana-de-açúcar e usinas que compensam as cobranças duma vida ajustada na Capital extravasando suas taras e frustrações quando vão ao interior. O personagem de Caio Blat sintetiza esse perfil com propriedade.
E, completando o cenário, fala-se da cultura popular, representada aqui pelo maracatu, e de como ela sobrevive graças à tenacidade de alguns abnegados, contraposta à falta de recursos financeiros para estimular sua manutenção e ao desinteresse das novas gerações.
Após esta explanação, ao filme em si.
Fiquei sem saber por que o diretor optou por filmar os atores a uma considerável distância em praticamente todas as cenas. Talvez para observá-los feito cobaias? Ou para evitar o desestímulo de certos atores nas cenas de nudez e sexo, que não são poucas?
Afinal, um close em certas partes do corpo de alguns dos intérpretes poderia não compensar profissionalmente.
Seja como for, embora por vezes esse recurso seja repetitivo, ao menos serviu para ressaltar a banalização dos estímulos.
Afinal, em certos momentos, o uso do close poderia fazer deste filme um exemplar do cinema explícito no qual derivou a pornochanchada nos anos 80.
Aliás, vale saber que Cláudio Assis declarou, certa feita, que "Amarelo Manga" era um compêndio de tipos próprios desse gênero (ou sub-gênero, para alguns) do cinema brasileiro.
Pois "Baixio das Bestas" vai além ao exibir uma cena do cult "Oh, Rebuceteio!", de Claudio Cunha, o maior sucesso dentre os filmes nacionais que passaram da sugestão das pornochanchadas dos anos 70 para a explicitude da década seguinte.
Fazer isso num cinema abandonado onde os agroboys aos quais me referi anteriormente se reúnem para darem vazão aos seus instintos torna a referência ainda mais emblemática.
Nada mais simbólico neste filme, no entanto, do que o personagem Seu Heitor, que começa o filme comentando sobre as imoralidades do mundo moderno, enquanto abusa da neta em vários sentidos, impedindo-a de ter uma vida digna e livre.
O que impede "Baixio das Bestas" de ser um grande filme é a saturação em apresentar tantas baixezas praticamente sem nenhum alívio aos sentidos. Porém, pretender maior sutileza poderia enfraquecer o resultado final.
Portanto, segue acima da média, a despeito de certas imagens que dificilmente sumirão da nossa memória tão cedo.
Quem Matou Pixote?
3.3 63A trajetória desventurada de Fernando Ramos da Silva, do estrelato no filme "Pixote" até seu trágico final, merecia uma abordagem cinematográfica há tempos.
E o experiente José Joffily saiu-se bem nesta empreitada.
A começar pela escalação de Cassiano Carneiro no papel principal. Difícil imaginar alguém melhor. Taí um ator que faz falta no cinema brasileiro, desde que se radicou em Portugal.
E outra atriz subestimada, Luciana Rigueira, saiu-se bem no papel de Cida, namorada do protagonista.
Sem contar Joana Fomm, emocionante em todas as suas aparições no papel da mãe do intérprete de Pixote.
Ao abordar a vida de Fernando sem sensacionalismo e com uma roupagem ficcional que não desmerece os fatos, "Quem Matou Pixote?", apesar do título pretensioso, merece reavaliação.
Achados e Perdidos
2.9 75Admirável tentativa de fazer um filme policial brasileiro moderno.
Ainda mais por vermos Antonio Fagundes atuando de forma decente, sem repetir os cacoetes de Bruno Mezzenga, da novela "O Rei do Gado".
Zezé Polessa e Juliana Knust interpretam convincentemente.
O problema é a falta de clima em certas passagens. Seria interessante se o filme fosse mais sórdido. Sem contar que a presumida ambiguidade moral do protagonista acaba por ser pouco explorada.
Em todo caso, um filme que, se visto numa madrugada de bobeira, não vai estragar a noite.