Se hoje é moda apresentar famílias disfuncionais no cinema, não faço ideia do choque que "Os Monstros de Babaloo" causaria aos defensores dum certo bom gosto asséptico, caso a ditadura não houvesse impedido este filme de receber o devido reconhecimento. O tom, aqui, é de deboche. A começar pelo título, ecoando o bolero popularizado por Angela Maria. As referências culturais populares rescendem ao estilo de Sganzerla, baluarte do cinema de invenção, ora marginal. Não por acaso, sua musa e esposa, Helena Ignez, tem papel de destaque nesta trama de decadência progressiva numa família de classe alta onde todos seus membros são completamente descompensados. Wilza Carla e Zezé Macedo, fisicamente antípodas, foram escolhas perfeitas para o papel da matriarca luxuriosa e pródiga e o da sua serviçal espevitada. Os demais intérpretes estão bem adequados, considerando seu amadorismo, o qual é bem proveitoso ao que se propõe em "Os Monstros de Babaloo". Elyseu Visconti, assim feito outros cineastas da mesma geração/concepção, soube reverter as restrições orçamentárias em favor de um filme ainda provocador, a um só tempo anacrônico e à frente do seu tempo - ou mesmo do nosso.
Ótimo documentário sobre um dos maiores compositores eruditos vivos, senão o maior. Capaz da rara proeza de ser respeitado pelos seus pares e obter algum reconhecimento além do ambiente da música de concerto, Arvo Pärt reflete em sua vida particular a busca pela elevação espiritual de suas composições, não apenas por se voltar muitas vezes a trabalhos de viés religioso, mas também pela sobriedade de elementos, refletindo sua influência pela música medieval, dentre outras. Ao mesmo tempo em que o compositor é mostrado executando trechos de alguns dos seus trabalhos, este documentário mostra o lado prosaico do velho Pärt, em contraponto com a seriedade com a qual lida com sua própria obra. Um filme que faz jus à figura que retrata.
Simbolismos à parte, tanto o propósito deste concerto quanto a incrível sobrevivência musical dos três elementos do Led Zeppelin original já seriam válidos. Bastante feliz a concepção de um palco grandioso sem elementos exagerados nem pirotecnias, a valorizar a presença de palco do Led redivivo, otimamente escudado pelo baterista Jason Bonham. A filmagem também não faz feio, ao mostrar cada integrante em isolado e em conjunto de uma forma agradável, em vez de cair no mau gosto de filmar a plateia a todo momento. Com os recursos empregados em "Celebration Day", o que não resultaria a filmagem de algum dos shows clássicos do auge da banda? Melhor nem pensar muito a respeito. E apreciar este instantâneo capaz de agradar a neófitos sem descuidar dos veteranos fãs da banda (os verdadeiros, não os que só conhecem "Stairway to Heaven").
Importante iniciar este comentário notando a segurança com a qual Sidney Lumet, em sua estreia no cinema, conduziu deste filme. A intensa experiência em produções televisivas lhe serviu muito nesse sentido, pela necessidade de concisão sem descuidar do desenvolvimento dos personagens. Provando que um ambiente limitado - a sala do júri, o único em praticamente toda a metragem - e um texto teatral não são desculpa para não se fazer cinema de verdade, Lumet conjugou apuro técnico, um elenco muito bem ensaiado e um ótimo roteiro, adaptado pelo próprio autor da peça no qual este filme se baseou. Ademais, a discussão moral sobre a pena de morte e a responsabilidade dos homens da justiça pelos destinos dos que caem em desgraça segue atualíssima. E embora haja a preeminência de Henry Fonda e Lee J. Cobb, todos os atores encontram espaço para brilhar em cena. Não se trata de dizer que é um filme imperdível ou não. E sim do quanto cada um dos que lerem estas palavras estarão a perder caso ainda não tenham assistido a "12 Homens e Uma Sentença".
Forçoso dizer que a simpatia ou a antipatia por Michael Moore não deveriam influenciar na avaliação deste documentário. Contudo, até mesmo críticos que dizem analisar um filme apenas pelo que se apresenta na tela falham em desprezar "Fabricando Polêmica", equiparando-o a um libelo acusatório qualquer. Aliás, como pode um crítico apreciar os filmes de Michael Moore e não valorizar esta homenagem às avessas ao documentarista, sendo que ambos usam técnicas similares? Para quem se dispõe a dissecar filmes sem se deixar levar por ideologias, trata-se de uma incoerência indesculpável. Mas vamos ao documentário. Tecnicamente, conforme adiantado, segue a mesma linha do estilo consagrado por Moore. Ou seja, a edição é um personagem à parte. O que às vezes empana seu brilho, mas sem apagar sua melhor qualidade, que é o uso do cinema como instrumento de desmistificação de mitos. Quanto à perspectiva dos realizadores, pode-se acusá-los de qualquer coisa, menos de má-vontade com o protagonista a contragosto. A recíproca, por óbvio, não é verdadeira. Um dos pontos positivos de "Fabricando Polêmica" é demonstrar que a defesa de um ponto de vista, dependendo de como é feita, pode causar o efeito contrário ao pretendido. A sanha hidrófoba de Michael Moore contra George W. Bush, malgrado a infâmia que permanecerá indelével na biografia do ex-presidente americano, mais contribuiu para a promoção do cineasta do que para alguma reflexão sobre os males causados pela campanha contra o terror pós-11 de setembro. Quem possui um mínimo de consciência política e não se deixa levar por dogmatismos sabe que indivíduos plenos de discursos inflamados acabam por prejudicar quem age com moderação. E a vertente séria e equilibrada da esquerda norte-americana, conforme "Fabricando Polêmica" aponta, foi uma das vítimas da ascensão de Michael Moore em busca de reconhecimento. Alguém poderia dizer que estou fugindo do foco e me atendo a questões externas ao filme. Lamento, mas ignorar a relação entre este documentário, os de Michael Moore e a realidade é um luxo ao qual não posso me permitir. E para quem reclamar que a montagem de "Fabricando Discórdia" é tendenciosa, digo que se trata de pura hipocrisia. Pois Michael Moore é tendencioso até o último fio de barba mal aparada. E é louvado por muitos justamente por isso. Melhor seria se os pretensamente imparciais admitissem suas preferências em vez de mascarar isso sob um verniz de pretensa superioridade.
Uma cena exemplar, a mais imparcial possível, é a entrevista de Michael Moore ao crítico David Gilmour (autor do livro "O Clube do Filme") num programa de televisão canadense. Nele, Gilmour questiona Moore sobre o fracasso de crítica e público de "Operação Canadá", uma pretensa comédia que foi seu único filme ficcional. Moore preferiu subestimar a inteligência dos espectadores que consideraram seu filme sem graça (no que não estavam errados). Percebendo a imaturidade da sua reação, tentou se emendar, sem êxito. Em poucos minutos, tivemos o desnudamento de quem se jacta em desvendar "a verdade" sobre tantos assuntos (o armamentismo, a relação Bush-Bin Laden, o sistema de saúde norte-americano, etc.).
É uma pena que o lobby pró-Michael Moore entre a maioria dos cinéfilos brasileiros, muitos certamente movidos por um antiamericanismo dos mais parvos, eclipsou "Fabricando Polêmica”, relegado a exibições no GNT e na TV Cultura. Edição em DVD, nem pensar. Não se trata de um filme deplorável. Não é um panfleto direitista à la Tea Party. Mesmo assim, há quem só enxerga o que deseja enxergar.
Dificilmente um filme desses poderia ser realizado em outra época que não os anos 70. Apenas o ambiente da nova Hollywood, onde ideias ousadas encontravam orçamentos e divulgações à altura, permitiria o surgimento de "Blue Collar". Ainda mais por se tratar da estreia do realizador Paul Schrader. A crítica social por meio de três amigos e colegas na indústria automobilística, insatisfeitos com seus salários e desiludidos pelos sindicatos politiqueiros, faz lembrar o melhor da comédia italiana. Certamente "Blue Collar" não faria feio na filmografia dum Monicelli, digamos. Quanto aos atores, Keitel, Kotto e Pryor estão excelentes. Destaque para o último, tão associado à comédia, provando que a maioria dos grandes humoristas também se sobressem quando em papeis dramáticos. Eis um filme necessário de ser visto.
Uma singela comédia britânica que fala do amor de onde menos se espera que surja e para onde menos se imagina que siga. Gostaria de revê-la um dia desses, para ver se mantenho minha opinião.
Antes de falar do filme, observo que os filmes de ficção científica estão cada vez mais inviáveis. O salto tecnológico dos últimos cinquenta anos foi tão violento que fez de muitas produções do gênero verdadeiras peças arqueológicas. Algumas permanecem por simpáticas ou por suscitarem reflexões muito além de qualquer futurismo. Não creio, porém, que "Lunar" esteja apto a figurar nesse rol. Concentrar a ação praticamente toda no ótimo ator Sam Rockwell aparenta ser um lance original. As referências que saltam na tela a "2001" e a outros paradigmas da ficção científica no cinema podem parecer homenagens. A mim, porém, aparentam ser apenas citações óbvias. E o medo do diretor Duncan Jones de cair em certos clichês volta-se contra o filme: de tanto evitar o óbvio, acaba por ser maçante. A qualidade da encenação é um dos poucos acertos em "Lunar". Muito hype para pouca substância.
Eis uma comédia que faz jus à sua fama como uma das melhores dos últimos tempos. Não apenas por causar todo tipo de riso, do mais rasgado ao mais amargo. Mas também por servir para reflexões sobre o rumo da vida de cada um de nós. Fácil dizer que Bill Murray é um ator naturalmente engraçado. Porém, em alguns instantes, sua atuação antevê nuances que somente filmes feito "Encontros e Desencontros" saberiam revelar. Os demais intérpretes estão adequados a seus papeis. O diretor Harold Ramis comete uma realização de forma a valorizar o roteiro. E é essa harmonia entre o texto bem escrito e a direção fluida que ajuda "Feitiço do Tempo" a se perpetuar no imaginário cinéfilo, bem mais do que a simples premissa de alguém preso sempre a um mesmo dia.
Um homem aparentemente banal pretendendo desvendar uma certa teoria conspiratória que vai de encontro às constantes obsolências causadas pelo avanço inclemente da tecnologia. Felizmente, em vez de tratar o protagonista como se estivéssemos num filme de Mel Gibson, o diretor Pieter Kuijpers escolhe mostrar a vida do protagonista (vivido com excelência por Jan Decleir) de modo a justificar suas obsessões e as consequências delas decorrentes. Porém, o personagem do executivo vivido Jeroen Krabbé não é desenvolvido o bastante e, em certos momentos, a frustação tomou-me de assalto. Seja como for, é um daqueles filmes que precisam ser revistos assim que possível. Vale a curiosidade.
Por mais herética que possa parecer, minha avaliação neutra deste filme de Eisenstein se deve ao fato de que filmes de interesse histórico não significam necessariamente que produzem satisfação estética. E também é um atestado do meu parco conhecimento sobre o cinema desta estirpe. Sendo assim, este comentário, daqui a alguns anos, poderá ser bastante reformulado. Por ora, é isso.
Numa entrevista à revista Veja, na década de 70, o venerável Sergio Leone disse que Peter Bogdanovich esteve cotado para dirigir "Quando Explode A Vingança", filme que pretendia apenas produzir e no qual (felizmente) acabou assumindo o comando. Quando Bogdanovich veio à Itália, Leone disse que ele incomodava vários dos seus amigos querendo mostrar seu filme de estreia a todo custo, dentre outras inconveniências. O filme em questão era "Na Mira da Morte", que não se decide entre servir de tributo ao talento subaproveitado do emblemático ator Boris Karloff ou em apresentar, ainda no calor do momento da Guerra do Vietnã, as consequências de matanças a rodo na mente perturbada dum ex-combatente disposto a fazer da humanidade uma série de alvos a serem abatidos. Todas as cenas com o veterano Karloff, já às portas da morte, valem a pena o filme. Chega a ser comovente vê-lo dizer coisas que poderiam se aplicar perfeitamente à sua trajetória no cinema, onde o uso repetitivo de sua figura soturna em filmes de horror, de clássicos feito "Frankenstein" a produções classe Z, eclipsou os poucos filmes fora desse gênero dos quais participou. A presença do próprio Bogdanovich intepretando o diretor disposto a filmar o personagem de Karloff no que seria seu último filme aprofunda ainda a metalinguagem pretendida. Contudo, a trama do atirador, apesar da urgência do tema, acaba sendo bem mais desinteressante, ao menos até quando se encontra com a história do velho ator. Saber que o mestre Samuel Fuller colaborou no roteiro deste filme me fez pensar no quanto ele teria sido melhor se o próprio Fuller estivesse na direção. Bogdanovich seguiria, a partir daí, uma carreira turbulenta, tanto na qualidade dos seus filmes quanto no seu recebimento pelo público. E "Na Mira da Morte", mesmo não apresentando o melhor que poderia fazer, paradoxalmente é um dos seus mais representativos, por suas qualidades e, principalmente, pelos seus defeitos.
Analisar a estreia de um cineasta conforme o estilo que desenvolveu durante sua carreira equivale a fazer previsões de fatos consumados. Mesmo assim, é impossível não reparar, logo no começo deste filme, na união de dois elementos caríssimos à obra scorsesiana, a devoção católica e o fascínio pelos fora-da-lei, quando um marginal beija seu crucifixo antes de entrar numa briga de rua. "Quem Bate à Minha Porta" ainda é dum tempo em que Scorsese usava a nouvelle vague como referência um tanto óbvia. Talvez resultado do espírito do seu tempo, alguns elementos do seu primeiro filme encontram eco em algo do cinema marginal brasileiro, especialmente quanto à montagem fragmentada, às referências culturais a rodo (salve John Wayne!)e à visão mais liberal sobre amor e sexo. Haveria apenas influências em comum entre Scorsese e os nossos cineastas do udigrúdi, ou um certo inconsciente coletivo? Especulações à parte, o conjunto apresentado em "Quem Bate à Minha Porta" é admirável. O espírito de camaradagem típico das comunidades italianas, valores tradicionais persistindo em meio a um ambiente de liberação dos costumes, tudo isso em uma produção sinuosa, com cenas acrescentadas à medida em que o filme pôde ser realizado, alterando até mesmo o argumento principal e o título. Harvey Keitel, em seu primeiro papel creditado no cinema, prova ser um dos melhores da sua geração logo nos primeiros minutos em cena, alternando um desejo de auto afirmação tão típico dos machões ítalo-americanos com uma ternura insuspeita nas cenas em que seu personagem demonstra seu amor pela moça vivida com acerto por Zina Bethune (falecida neste ano). Mais do que os acertos sobrepondo-se aos equívocos, temos o Scorsese que aprendemos a admirar: movido pela paixão pelo cinema e por contar histórias críveis, com personagens decalcados da sua realidade e transpostos com fidedignidade.
Adianto: não se trata de um documentário completista, a sobrevoar a carreira artística de Elia Kazan em todos os seus feitos. A intenção, declaradamente, não é esta. Martin Scorsese, codiretor deste filme, o conduz por um viés afetivo-cinéfilo, em vez de simplesmente resenhar os filmes do seu notável e controverso mestre. Desse modo, certos trabalhos de Kazan são mais destacados, em especial "Sindicato de Ladrões", "Vidas Amargas" e "Terra de Um Sonho Distante". Embora às vezes essa dedicação maior a esses filmes faça o documentário oscilar quanto ao ritmo, foi um acerto a ausência quase total de referências a filmes mais batidos, feito "Um Bonde Chamado Desejo". Scorsese também evitou canonizar Elia, não omitindo seus defeitos. Contudo, os apresenta de uma forma humana, decidido a responder aos que consideram Kazan indigno de méritos apenas por sua atuação nos tempos do macartismo. Este filme faz jus tanto ao homenageado quanto ao seu discípulo. Portanto, é incontornável.
Há bem mais em comum entre este filme e "A Proposta" do que supõem as suas nada vãs fichas técnicas. Mesmo diretor, mesmo roteirista, mesmos trilheiros, alguns atores em comum, o foco da narrativa em uma família de irmãos criminosos, ambos com referências a gêneros cinematográficos antigos (faroestes em "A Proposta", filmes de gângsteres em "Os Infratores"), a presença feminina a inspirar desejo e redenção, a inocência conspurcada, etc. Contudo, em "Os Infratores", talvez por seu roteiro se basear em fatos e, portanto, não ser algo tão pessoal quanto o de "A Proposta", o clima é menos opressivo, o que ajuda a tornar este filme mais arejado. Embora essa maior leveza acabe parecendo mais uma estratégia comercial a fim de tornar o filme mais palatável, a despeito das cenas detalhadamente violentas. Isso ajuda a explicar algum desequilíbrio entre os personagens dos irmãos fazedores de uísque, por exemplo. Forrest é o líder inconteste, Jack é o caçula querendo se afirmar perante os demais e Howard fica no meio do caminho. Embora essa estrutura funcione no mais das vezes, o descompasso às vezes incomoda. Guy Pearce, um bandido com algum caráter em "A Proposta", encarna o braço implacável da lei a mascarar um perfil psicótico e repulsivo em "Os Infratores". Sua atuação, no entanto, às vezes segue uma linha farsesca que destoa das interpretações realistas do resto do elenco. Essa discrepância, embora intencional, nem sempre funciona a contento. Um paralelo entre os dois filmes muito me impressionou: temos nos dois filmes, ainda que do lado da criminalidade, personagens que representam uma espécie de bondade pura, rescendendo à pureza de "Billy Budd", do romance homônimo de Herman Melville.
Mike Burns e Cricket Pate representam, cada qual à sua maneira, a inocência brutalizada por meio de suas mortes cruéis e inglórias. Após acontecerem, qualquer esperança de redenção parece perder todo o sentido.
Agora, atendo-me ao filme da vez, as duas mulheres em destaque representam dois aspectos da feminilidade: o amor carnal e abnegado após um passado de exploração, pela voluptuosa Maggie, e a limpidez virginal que disfarça um desejo recôndito de liberdade, pela recatada Bertha. Das duas intérpretes, Jessica Chastain saiu-se melhor, sem dúvida.
Todos os elementos acima apontados deveriam desembocar em um final catártico. Em vez disso, após o tiroteio final, temos um epílogo um tanto ameno, embora com um desfecho coerente com o propósito de desmistificar o aspecto pretensamente mítico do líder Forrest.
Bem mais do que um filme para entreter, com cenas graficamente impactantes, faltou pouco para "Os Infratores" se tornar um filme indispensável. Mesmo assim, merece ser apreciado.
Sinceridade, o que mais me atraiu para este filme foram os créditos no roteiro para Nick Cave, um dos meus cantores/compositores preferidos. À parte suas excelentes músicas, me impressionava, quando mais novo, as temáticas dessas canções: amor, luxúria, violência e religiosidade. Às vezes tudo isso misturado. Estaria mentindo se dissesse que não esperava algo do tipo em "A Proposta". A ambientação do filme em um cenário de western em plena Austrália do século XIX permite espaço para um clima opressivo a fim de ressaltar as crueldades humanas em ambientes do tipo. A mulher, aqui, é um elemento de redenção, praticamente uma ilha de angelitude em meio à sordidez dos homens. Há, também, uma réstia de candura por meio do personagem Mike Burns, o mais novo dos irmãos da família.
Seu triste destino simboliza, de certo modo, que até a inocência não encontra espaço em meio à lei do cão.
O filme, portanto, é coerente com o imaginário depreendido do estilo de Nick Cave. Contudo, não chega a ser um filme grandioso por algumas quebras no ritmo. No mais, merece ser mais conhecido.
Filmes futuristas correm sérios riscos de soarem datados em pouco tempo. A não ser quando se valem de elementos atemporais e quando sua estética coaduna com o seu conteúdo. Assim ocorre com "Estranhos Prazeres". Contudo, apesar das boas atuações e de Juliette Lewis já ensaiando sua porção cantora, algo ficou no meio do caminho. Mesmo assim, tem seus méritos.
Taí uma verdadeira atualização do mito do vampiro com todos os aspectos sombrios dele decorrentes, muito bem inseridos no mundo moderno. A direção do filme é segura e coerente, bem como a ambientação e o desempenho dos atores. Merece ser visto por quem estiver cansado dos vampiros assépticos em cartaz.
História interessante, realização nem tanto. Johnny Depp segue o padrão habitual de qualidade. Penélope Cruz está canastrona a valer. Franka Potente vale cada minuto em cena. E Paul Rubens, o eterno Pee-Wee Herman, não faz feio. Mesmo assim, o filme não vai muito longe.
Poderia ser uma dessas comédias subestimadas que as locadoras adquiriam no escuro e poderiam surpreender aos que se aventurassem nas prateleiras dos filmes antigos do catálogo. Porém, apesar de algumas boas gags e da performance carismática do ator/diretor Bobcat Goldthwait, o resultado é mais bisonho do que cômico. P.S.: Na cena da reunião dos palhaços num bar, o mais obsceno deles, na verdade, é intepretado pela veterana comediante LaWanda Page. Procurem no YouTube o que puderem dela, que consegue ser mais ousada do que muito standupeiro metido a provocador por aí.
Engraçado como tem gente que reclama do baixo nível das comédias no cinema brasileiro atual. Reclamam da apelação, das piadas gratuitas, dos estereótipos batidos e o diabaquatro. Mas quando há um filme incomum feito "Bendito Fruto", acabam por ignorar. Será por contar com um elenco famoso por sua presença em telenovelas e aparentar ser um desses tantos especiais de televisão disfarçados de filmes? Seja como for, a injustiça permanece. Porque "Bendito Fruto" é um clássico da comédia brasileira no cinema. Rimos do cabelereiro Edgar e sua breguice, mas também há uma crítica séria ao mostrar o modo como trata Maria, sua companheira de longa data: amantes entre quatro paredes, empregada para o mundo exterior. Ela, que criou sozinha seu filho, um DJ que trabalha no exterior, sente-se diminuída com a aparição de Virgínia, uma antiga colega de escola de Edgar por quem ele se derrete todo. Por meio deste triângulo sócio-amoroso e pelos coadjuvantes não menos dignos de nota, fala-se de discriminação racial, homossexualidade, banditismo, nostalgia e, é claro, de amor. Porém, apesar de tantos assuntos sérios, nada de discursos. Apenas um bom roteiro, bem conduzido e intepretado. E a merecer uma urgente reavaliação.
Mais um filme espanhol a falar da infância como metáfora de um país nascido fragmentado e combalido após uma guerra civil à qual sucedeu uma ditadura por quase quatro décadas. Aqui, ressalta-se o lado curioso de todos nós, crianças, aguçado por um genuíno mestre, vivido pelo lendário Fernando Fernán Gómez. Porém, o advento da guerra não deixará ninguém imune nesta história. Um filme a ser mais valorizado.
Tudo bem que se trata de um episódio alongado de "Bob Esponja". E...? Antes um bom longa-metragem feito nesses termos do que pretensões vãs feito o filme d'Os Simpsons. Primeiramente porque os números musicais de "Bob Esponja - O Filme" funcionam muito bem, empolgantes e, acima de tudo, engraçados. Também vale lembrar que o roteiro explora muito bem o conflito entre o caráter inocente e espontâneo de Bob Esponja contra um mundo que só valoriza as pessoas supostamente maduras e sérias. E há uma profusão de gags com uma ousadia e arrojo maiores do que na série original, porque concentradas numa sequência nada cansativa. Em suma: um bom filme.
Não é por concentrar boa parte da trama nas vidas de duas irmãs de temperamentos opostos numa Espanha rural que "O Espírito da Colméia" é um memorável retrato dos tempos da infância. É também por nos lembrar que, enquanto crianças, às vezes os dias pareciam longos, permeados por silêncio, por aventuras solitárias, temores catalisados por imaginações ociosas e a percepção de que o mundo ao redor parecia bem maior do que a realidade. As referências ao filme "Frankenstein", de James Whale, são tantas que chegam a causar no espectador alguma insatisfação caso não tenha visto esse clássico do cinema de horror antes de partir para "O Espírito da Colméia". À parte o desempenho eficiente do ator Fernando Fernán Gómez, as então meninas Isabel Tellería e Ana Torrent são o destaque do elenco. Curioso notar que os três interpretam personagens que levam seus próprios prenomes. O que ratifica a estranheza deste filme deveras invulgar, permeado por silêncios constantes e uma trilha sonora quase imperceptível de tão discreta. A ver, sem falta.
Os Monstros de Babaloo
3.8 17Se hoje é moda apresentar famílias disfuncionais no cinema, não faço ideia do choque que "Os Monstros de Babaloo" causaria aos defensores dum certo bom gosto asséptico, caso a ditadura não houvesse impedido este filme de receber o devido reconhecimento.
O tom, aqui, é de deboche. A começar pelo título, ecoando o bolero popularizado por Angela Maria. As referências culturais populares rescendem ao estilo de Sganzerla, baluarte do cinema de invenção, ora marginal. Não por acaso, sua musa e esposa, Helena Ignez, tem papel de destaque nesta trama de decadência progressiva numa família de classe alta onde todos seus membros são completamente descompensados.
Wilza Carla e Zezé Macedo, fisicamente antípodas, foram escolhas perfeitas para o papel da matriarca luxuriosa e pródiga e o da sua serviçal espevitada.
Os demais intérpretes estão bem adequados, considerando seu amadorismo, o qual é bem proveitoso ao que se propõe em "Os Monstros de Babaloo".
Elyseu Visconti, assim feito outros cineastas da mesma geração/concepção, soube reverter as restrições orçamentárias em favor de um filme ainda provocador, a um só tempo anacrônico e à frente do seu tempo - ou mesmo do nosso.
Arvo Pärt: 24 Prelúdios para uma Fuga
4.3 4Ótimo documentário sobre um dos maiores compositores eruditos vivos, senão o maior.
Capaz da rara proeza de ser respeitado pelos seus pares e obter algum reconhecimento além do ambiente da música de concerto, Arvo Pärt reflete em sua vida particular a busca pela elevação espiritual de suas composições, não apenas por se voltar muitas vezes a trabalhos de viés religioso, mas também pela sobriedade de elementos, refletindo sua influência pela música medieval, dentre outras.
Ao mesmo tempo em que o compositor é mostrado executando trechos de alguns dos seus trabalhos, este documentário mostra o lado prosaico do velho Pärt, em contraponto com a seriedade com a qual lida com sua própria obra.
Um filme que faz jus à figura que retrata.
Led Zeppelin: Celebration Day
4.7 40Simbolismos à parte, tanto o propósito deste concerto quanto a incrível sobrevivência musical dos três elementos do Led Zeppelin original já seriam válidos.
Bastante feliz a concepção de um palco grandioso sem elementos exagerados nem pirotecnias, a valorizar a presença de palco do Led redivivo, otimamente escudado pelo baterista Jason Bonham.
A filmagem também não faz feio, ao mostrar cada integrante em isolado e em conjunto de uma forma agradável, em vez de cair no mau gosto de filmar a plateia a todo momento.
Com os recursos empregados em "Celebration Day", o que não resultaria a filmagem de algum dos shows clássicos do auge da banda?
Melhor nem pensar muito a respeito. E apreciar este instantâneo capaz de agradar a neófitos sem descuidar dos veteranos fãs da banda (os verdadeiros, não os que só conhecem "Stairway to Heaven").
12 Homens e Uma Sentença
4.6 1,2K Assista AgoraImportante iniciar este comentário notando a segurança com a qual Sidney Lumet, em sua estreia no cinema, conduziu deste filme. A intensa experiência em produções televisivas lhe serviu muito nesse sentido, pela necessidade de concisão sem descuidar do desenvolvimento dos personagens.
Provando que um ambiente limitado - a sala do júri, o único em praticamente toda a metragem - e um texto teatral não são desculpa para não se fazer cinema de verdade, Lumet conjugou apuro técnico, um elenco muito bem ensaiado e um ótimo roteiro, adaptado pelo próprio autor da peça no qual este filme se baseou.
Ademais, a discussão moral sobre a pena de morte e a responsabilidade dos homens da justiça pelos destinos dos que caem em desgraça segue atualíssima.
E embora haja a preeminência de Henry Fonda e Lee J. Cobb, todos os atores encontram espaço para brilhar em cena.
Não se trata de dizer que é um filme imperdível ou não. E sim do quanto cada um dos que lerem estas palavras estarão a perder caso ainda não tenham assistido a "12 Homens e Uma Sentença".
Fabricando Polêmica
3.5 8Forçoso dizer que a simpatia ou a antipatia por Michael Moore não deveriam influenciar na avaliação deste documentário.
Contudo, até mesmo críticos que dizem analisar um filme apenas pelo que se apresenta na tela falham em desprezar "Fabricando Polêmica", equiparando-o a um libelo acusatório qualquer.
Aliás, como pode um crítico apreciar os filmes de Michael Moore e não valorizar esta homenagem às avessas ao documentarista, sendo que ambos usam técnicas similares?
Para quem se dispõe a dissecar filmes sem se deixar levar por ideologias, trata-se de uma incoerência indesculpável.
Mas vamos ao documentário.
Tecnicamente, conforme adiantado, segue a mesma linha do estilo consagrado por Moore. Ou seja, a edição é um personagem à parte. O que às vezes empana seu brilho, mas sem apagar sua melhor qualidade, que é o uso do cinema como instrumento de desmistificação de mitos.
Quanto à perspectiva dos realizadores, pode-se acusá-los de qualquer coisa, menos de má-vontade com o protagonista a contragosto. A recíproca, por óbvio, não é verdadeira.
Um dos pontos positivos de "Fabricando Polêmica" é demonstrar que a defesa de um ponto de vista, dependendo de como é feita, pode causar o efeito contrário ao pretendido.
A sanha hidrófoba de Michael Moore contra George W. Bush, malgrado a infâmia que permanecerá indelével na biografia do ex-presidente americano, mais contribuiu para a promoção do cineasta do que para alguma reflexão sobre os males causados pela campanha contra o terror pós-11 de setembro.
Quem possui um mínimo de consciência política e não se deixa levar por dogmatismos sabe que indivíduos plenos de discursos inflamados acabam por prejudicar quem age com moderação. E a vertente séria e equilibrada da esquerda norte-americana, conforme "Fabricando Polêmica" aponta, foi uma das vítimas da ascensão de Michael Moore em busca de reconhecimento.
Alguém poderia dizer que estou fugindo do foco e me atendo a questões externas ao filme. Lamento, mas ignorar a relação entre este documentário, os de Michael Moore e a realidade é um luxo ao qual não posso me permitir.
E para quem reclamar que a montagem de "Fabricando Discórdia" é tendenciosa, digo que se trata de pura hipocrisia. Pois Michael Moore é tendencioso até o último fio de barba mal aparada. E é louvado por muitos justamente por isso.
Melhor seria se os pretensamente imparciais admitissem suas preferências em vez de mascarar isso sob um verniz de pretensa superioridade.
Uma cena exemplar, a mais imparcial possível, é a entrevista de Michael Moore ao crítico David Gilmour (autor do livro "O Clube do Filme") num programa de televisão canadense. Nele, Gilmour questiona Moore sobre o fracasso de crítica e público de "Operação Canadá", uma pretensa comédia que foi seu único filme ficcional. Moore preferiu subestimar a inteligência dos espectadores que consideraram seu filme sem graça (no que não estavam errados). Percebendo a imaturidade da sua reação, tentou se emendar, sem êxito. Em poucos minutos, tivemos o desnudamento de quem se jacta em desvendar "a verdade" sobre tantos assuntos (o armamentismo, a relação Bush-Bin Laden, o sistema de saúde norte-americano, etc.).
É uma pena que o lobby pró-Michael Moore entre a maioria dos cinéfilos brasileiros, muitos certamente movidos por um antiamericanismo dos mais parvos, eclipsou "Fabricando Polêmica”, relegado a exibições no GNT e na TV Cultura. Edição em DVD, nem pensar.
Não se trata de um filme deplorável. Não é um panfleto direitista à la Tea Party.
Mesmo assim, há quem só enxerga o que deseja enxergar.
Vivendo na Corda Bamba
3.9 10Dificilmente um filme desses poderia ser realizado em outra época que não os anos 70.
Apenas o ambiente da nova Hollywood, onde ideias ousadas encontravam orçamentos e divulgações à altura, permitiria o surgimento de "Blue Collar". Ainda mais por se tratar da estreia do realizador Paul Schrader.
A crítica social por meio de três amigos e colegas na indústria automobilística, insatisfeitos com seus salários e desiludidos pelos sindicatos politiqueiros, faz lembrar o melhor da comédia italiana. Certamente "Blue Collar" não faria feio na filmografia dum Monicelli, digamos.
Quanto aos atores, Keitel, Kotto e Pryor estão excelentes. Destaque para o último, tão associado à comédia, provando que a maioria dos grandes humoristas também se sobressem quando em papeis dramáticos.
Eis um filme necessário de ser visto.
Flyfishing
0.5 1Uma singela comédia britânica que fala do amor de onde menos se espera que surja e para onde menos se imagina que siga.
Gostaria de revê-la um dia desses, para ver se mantenho minha opinião.
Lunar
3.8 686 Assista AgoraAntes de falar do filme, observo que os filmes de ficção científica estão cada vez mais inviáveis.
O salto tecnológico dos últimos cinquenta anos foi tão violento que fez de muitas produções do gênero verdadeiras peças arqueológicas. Algumas permanecem por simpáticas ou por suscitarem reflexões muito além de qualquer futurismo.
Não creio, porém, que "Lunar" esteja apto a figurar nesse rol.
Concentrar a ação praticamente toda no ótimo ator Sam Rockwell aparenta ser um lance original.
As referências que saltam na tela a "2001" e a outros paradigmas da ficção científica no cinema podem parecer homenagens.
A mim, porém, aparentam ser apenas citações óbvias.
E o medo do diretor Duncan Jones de cair em certos clichês volta-se contra o filme: de tanto evitar o óbvio, acaba por ser maçante.
A qualidade da encenação é um dos poucos acertos em "Lunar".
Muito hype para pouca substância.
Feitiço do Tempo
3.9 754 Assista AgoraEis uma comédia que faz jus à sua fama como uma das melhores dos últimos tempos.
Não apenas por causar todo tipo de riso, do mais rasgado ao mais amargo.
Mas também por servir para reflexões sobre o rumo da vida de cada um de nós.
Fácil dizer que Bill Murray é um ator naturalmente engraçado.
Porém, em alguns instantes, sua atuação antevê nuances que somente filmes feito "Encontros e Desencontros" saberiam revelar.
Os demais intérpretes estão adequados a seus papeis.
O diretor Harold Ramis comete uma realização de forma a valorizar o roteiro.
E é essa harmonia entre o texto bem escrito e a direção fluida que ajuda "Feitiço do Tempo" a se perpetuar no imaginário cinéfilo, bem mais do que a simples premissa de alguém preso sempre a um mesmo dia.
Off Screen
3.3 4Um homem aparentemente banal pretendendo desvendar uma certa teoria conspiratória que vai de encontro às constantes obsolências causadas pelo avanço inclemente da tecnologia.
Felizmente, em vez de tratar o protagonista como se estivéssemos num filme de Mel Gibson, o diretor Pieter Kuijpers escolhe mostrar a vida do protagonista (vivido com excelência por Jan Decleir) de modo a justificar suas obsessões e as consequências delas decorrentes.
Porém, o personagem do executivo vivido Jeroen Krabbé não é desenvolvido o bastante e, em certos momentos, a frustação tomou-me de assalto.
Seja como for, é um daqueles filmes que precisam ser revistos assim que possível.
Vale a curiosidade.
A Greve
4.1 62 Assista AgoraPor mais herética que possa parecer, minha avaliação neutra deste filme de Eisenstein se deve ao fato de que filmes de interesse histórico não significam necessariamente que produzem satisfação estética. E também é um atestado do meu parco conhecimento sobre o cinema desta estirpe. Sendo assim, este comentário, daqui a alguns anos, poderá ser bastante reformulado. Por ora, é isso.
Na Mira da Morte
3.9 34Numa entrevista à revista Veja, na década de 70, o venerável Sergio Leone disse que Peter Bogdanovich esteve cotado para dirigir "Quando Explode A Vingança", filme que pretendia apenas produzir e no qual (felizmente) acabou assumindo o comando.
Quando Bogdanovich veio à Itália, Leone disse que ele incomodava vários dos seus amigos querendo mostrar seu filme de estreia a todo custo, dentre outras inconveniências.
O filme em questão era "Na Mira da Morte", que não se decide entre servir de tributo ao talento subaproveitado do emblemático ator Boris Karloff ou em apresentar, ainda no calor do momento da Guerra do Vietnã, as consequências de matanças a rodo na mente perturbada dum ex-combatente disposto a fazer da humanidade uma série de alvos a serem abatidos.
Todas as cenas com o veterano Karloff, já às portas da morte, valem a pena o filme.
Chega a ser comovente vê-lo dizer coisas que poderiam se aplicar perfeitamente à sua trajetória no cinema, onde o uso repetitivo de sua figura soturna em filmes de horror, de clássicos feito "Frankenstein" a produções classe Z, eclipsou os poucos filmes fora desse gênero dos quais participou.
A presença do próprio Bogdanovich intepretando o diretor disposto a filmar o personagem de Karloff no que seria seu último filme aprofunda ainda a metalinguagem pretendida.
Contudo, a trama do atirador, apesar da urgência do tema, acaba sendo bem mais desinteressante, ao menos até quando se encontra com a história do velho ator.
Saber que o mestre Samuel Fuller colaborou no roteiro deste filme me fez pensar no quanto ele teria sido melhor se o próprio Fuller estivesse na direção.
Bogdanovich seguiria, a partir daí, uma carreira turbulenta, tanto na qualidade dos seus filmes quanto no seu recebimento pelo público.
E "Na Mira da Morte", mesmo não apresentando o melhor que poderia fazer, paradoxalmente é um dos seus mais representativos, por suas qualidades e, principalmente, pelos seus defeitos.
Quem Bate à Minha Porta?
3.4 54 Assista AgoraAnalisar a estreia de um cineasta conforme o estilo que desenvolveu durante sua carreira equivale a fazer previsões de fatos consumados.
Mesmo assim, é impossível não reparar, logo no começo deste filme, na união de dois elementos caríssimos à obra scorsesiana, a devoção católica e o fascínio pelos fora-da-lei, quando um marginal beija seu crucifixo antes de entrar numa briga de rua.
"Quem Bate à Minha Porta" ainda é dum tempo em que Scorsese usava a nouvelle vague como referência um tanto óbvia. Talvez resultado do espírito do seu tempo, alguns elementos do seu primeiro filme encontram eco em algo do cinema marginal brasileiro, especialmente quanto à montagem fragmentada, às referências culturais a rodo (salve John Wayne!)e à visão mais liberal sobre amor e sexo.
Haveria apenas influências em comum entre Scorsese e os nossos cineastas do udigrúdi, ou um certo inconsciente coletivo?
Especulações à parte, o conjunto apresentado em "Quem Bate à Minha Porta" é admirável. O espírito de camaradagem típico das comunidades italianas, valores tradicionais persistindo em meio a um ambiente de liberação dos costumes, tudo isso em uma produção sinuosa, com cenas acrescentadas à medida em que o filme pôde ser realizado, alterando até mesmo o argumento principal e o título.
Harvey Keitel, em seu primeiro papel creditado no cinema, prova ser um dos melhores da sua geração logo nos primeiros minutos em cena, alternando um desejo de auto afirmação tão típico dos machões ítalo-americanos com uma ternura insuspeita nas cenas em que seu personagem demonstra seu amor pela moça vivida com acerto por Zina Bethune (falecida neste ano).
Mais do que os acertos sobrepondo-se aos equívocos, temos o Scorsese que aprendemos a admirar: movido pela paixão pelo cinema e por contar histórias críveis, com personagens decalcados da sua realidade e transpostos com fidedignidade.
Uma Carta para Elia
4.1 16Adianto: não se trata de um documentário completista, a sobrevoar a carreira artística de Elia Kazan em todos os seus feitos.
A intenção, declaradamente, não é esta.
Martin Scorsese, codiretor deste filme, o conduz por um viés afetivo-cinéfilo, em vez de simplesmente resenhar os filmes do seu notável e controverso mestre.
Desse modo, certos trabalhos de Kazan são mais destacados, em especial "Sindicato de Ladrões", "Vidas Amargas" e "Terra de Um Sonho Distante".
Embora às vezes essa dedicação maior a esses filmes faça o documentário oscilar quanto ao ritmo, foi um acerto a ausência quase total de referências a filmes mais batidos, feito "Um Bonde Chamado Desejo".
Scorsese também evitou canonizar Elia, não omitindo seus defeitos. Contudo, os apresenta de uma forma humana, decidido a responder aos que consideram Kazan indigno de méritos apenas por sua atuação nos tempos do macartismo.
Este filme faz jus tanto ao homenageado quanto ao seu discípulo.
Portanto, é incontornável.
Os Infratores
3.8 895 Assista AgoraHá bem mais em comum entre este filme e "A Proposta" do que supõem as suas nada vãs fichas técnicas.
Mesmo diretor, mesmo roteirista, mesmos trilheiros, alguns atores em comum, o foco da narrativa em uma família de irmãos criminosos, ambos com referências a gêneros cinematográficos antigos (faroestes em "A Proposta", filmes de gângsteres em "Os Infratores"), a presença feminina a inspirar desejo e redenção, a inocência conspurcada, etc.
Contudo, em "Os Infratores", talvez por seu roteiro se basear em fatos e, portanto, não ser algo tão pessoal quanto o de "A Proposta", o clima é menos opressivo, o que ajuda a tornar este filme mais arejado. Embora essa maior leveza acabe parecendo mais uma estratégia comercial a fim de tornar o filme mais palatável, a despeito das cenas detalhadamente violentas.
Isso ajuda a explicar algum desequilíbrio entre os personagens dos irmãos fazedores de uísque, por exemplo. Forrest é o líder inconteste, Jack é o caçula querendo se afirmar perante os demais e Howard fica no meio do caminho. Embora essa estrutura funcione no mais das vezes, o descompasso às vezes incomoda.
Guy Pearce, um bandido com algum caráter em "A Proposta", encarna o braço implacável da lei a mascarar um perfil psicótico e repulsivo em "Os Infratores". Sua atuação, no entanto, às vezes segue uma linha farsesca que destoa das interpretações realistas do resto do elenco.
Essa discrepância, embora intencional, nem sempre funciona a contento.
Um paralelo entre os dois filmes muito me impressionou: temos nos dois filmes, ainda que do lado da criminalidade, personagens que representam uma espécie de bondade pura, rescendendo à pureza de "Billy Budd", do romance homônimo de Herman Melville.
Mike Burns e Cricket Pate representam, cada qual à sua maneira, a inocência brutalizada por meio de suas mortes cruéis e inglórias. Após acontecerem, qualquer esperança de redenção parece perder todo o sentido.
Agora, atendo-me ao filme da vez, as duas mulheres em destaque representam dois aspectos da feminilidade: o amor carnal e abnegado após um passado de exploração, pela voluptuosa Maggie, e a limpidez virginal que disfarça um desejo recôndito de liberdade, pela recatada Bertha. Das duas intérpretes, Jessica Chastain saiu-se melhor, sem dúvida.
Todos os elementos acima apontados deveriam desembocar em um final catártico. Em vez disso, após o tiroteio final, temos um epílogo um tanto ameno, embora com um desfecho coerente com o propósito de desmistificar o aspecto pretensamente mítico do líder Forrest.
Bem mais do que um filme para entreter, com cenas graficamente impactantes, faltou pouco para "Os Infratores" se tornar um filme indispensável. Mesmo assim, merece ser apreciado.
A Proposta
3.7 70Sinceridade, o que mais me atraiu para este filme foram os créditos no roteiro para Nick Cave, um dos meus cantores/compositores preferidos.
À parte suas excelentes músicas, me impressionava, quando mais novo, as temáticas dessas canções: amor, luxúria, violência e religiosidade.
Às vezes tudo isso misturado.
Estaria mentindo se dissesse que não esperava algo do tipo em "A Proposta".
A ambientação do filme em um cenário de western em plena Austrália do século XIX permite espaço para um clima opressivo a fim de ressaltar as crueldades humanas em ambientes do tipo.
A mulher, aqui, é um elemento de redenção, praticamente uma ilha de angelitude em meio à sordidez dos homens.
Há, também, uma réstia de candura por meio do personagem Mike Burns, o mais novo dos irmãos da família.
Seu triste destino simboliza, de certo modo, que até a inocência não encontra espaço em meio à lei do cão.
O filme, portanto, é coerente com o imaginário depreendido do estilo de Nick Cave.
Contudo, não chega a ser um filme grandioso por algumas quebras no ritmo.
No mais, merece ser mais conhecido.
Estranhos Prazeres
3.6 134 Assista AgoraFilmes futuristas correm sérios riscos de soarem datados em pouco tempo.
A não ser quando se valem de elementos atemporais e quando sua estética coaduna com o seu conteúdo.
Assim ocorre com "Estranhos Prazeres".
Contudo, apesar das boas atuações e de Juliette Lewis já ensaiando sua porção cantora, algo ficou no meio do caminho.
Mesmo assim, tem seus méritos.
Quando Chega A Escuridão
3.3 132Taí uma verdadeira atualização do mito do vampiro com todos os aspectos sombrios dele decorrentes, muito bem inseridos no mundo moderno.
A direção do filme é segura e coerente, bem como a ambientação e o desempenho dos atores.
Merece ser visto por quem estiver cansado dos vampiros assépticos em cartaz.
Profissão de Risco
3.9 380 Assista AgoraHistória interessante, realização nem tanto.
Johnny Depp segue o padrão habitual de qualidade.
Penélope Cruz está canastrona a valer.
Franka Potente vale cada minuto em cena.
E Paul Rubens, o eterno Pee-Wee Herman, não faz feio.
Mesmo assim, o filme não vai muito longe.
Um Palhaço Suspeito
3.0 5Poderia ser uma dessas comédias subestimadas que as locadoras adquiriam no escuro e poderiam surpreender aos que se aventurassem nas prateleiras dos filmes antigos do catálogo.
Porém, apesar de algumas boas gags e da performance carismática do ator/diretor Bobcat Goldthwait, o resultado é mais bisonho do que cômico.
P.S.: Na cena da reunião dos palhaços num bar, o mais obsceno deles, na verdade, é intepretado pela veterana comediante LaWanda Page. Procurem no YouTube o que puderem dela, que consegue ser mais ousada do que muito standupeiro metido a provocador por aí.
Bendito Fruto
2.8 21 Assista AgoraEngraçado como tem gente que reclama do baixo nível das comédias no cinema brasileiro atual.
Reclamam da apelação, das piadas gratuitas, dos estereótipos batidos e o diabaquatro.
Mas quando há um filme incomum feito "Bendito Fruto", acabam por ignorar.
Será por contar com um elenco famoso por sua presença em telenovelas e aparentar ser um desses tantos especiais de televisão disfarçados de filmes?
Seja como for, a injustiça permanece.
Porque "Bendito Fruto" é um clássico da comédia brasileira no cinema.
Rimos do cabelereiro Edgar e sua breguice, mas também há uma crítica séria ao mostrar o modo como trata Maria, sua companheira de longa data: amantes entre quatro paredes, empregada para o mundo exterior.
Ela, que criou sozinha seu filho, um DJ que trabalha no exterior, sente-se diminuída com a aparição de Virgínia, uma antiga colega de escola de Edgar por quem ele se derrete todo.
Por meio deste triângulo sócio-amoroso e pelos coadjuvantes não menos dignos de nota, fala-se de discriminação racial, homossexualidade, banditismo, nostalgia e, é claro, de amor.
Porém, apesar de tantos assuntos sérios, nada de discursos.
Apenas um bom roteiro, bem conduzido e intepretado.
E a merecer uma urgente reavaliação.
A Língua das Mariposas
4.2 216 Assista AgoraMais um filme espanhol a falar da infância como metáfora de um país nascido fragmentado e combalido após uma guerra civil à qual sucedeu uma ditadura por quase quatro décadas.
Aqui, ressalta-se o lado curioso de todos nós, crianças, aguçado por um genuíno mestre, vivido pelo lendário Fernando Fernán Gómez.
Porém, o advento da guerra não deixará ninguém imune nesta história.
Um filme a ser mais valorizado.
Bob Esponja: O Filme
3.5 463 Assista AgoraTudo bem que se trata de um episódio alongado de "Bob Esponja".
E...?
Antes um bom longa-metragem feito nesses termos do que pretensões vãs feito o filme d'Os Simpsons.
Primeiramente porque os números musicais de "Bob Esponja - O Filme" funcionam muito bem, empolgantes e, acima de tudo, engraçados.
Também vale lembrar que o roteiro explora muito bem o conflito entre o caráter inocente e espontâneo de Bob Esponja contra um mundo que só valoriza as pessoas supostamente maduras e sérias.
E há uma profusão de gags com uma ousadia e arrojo maiores do que na série original, porque concentradas numa sequência nada cansativa.
Em suma: um bom filme.
P.S.: Eu também sou um amendobobo!
O Espírito da Colméia
4.2 145 Assista AgoraNão é por concentrar boa parte da trama nas vidas de duas irmãs de temperamentos opostos numa Espanha rural que "O Espírito da Colméia" é um memorável retrato dos tempos da infância.
É também por nos lembrar que, enquanto crianças, às vezes os dias pareciam longos, permeados por silêncio, por aventuras solitárias, temores catalisados por imaginações ociosas e a percepção de que o mundo ao redor parecia bem maior do que a realidade.
As referências ao filme "Frankenstein", de James Whale, são tantas que chegam a causar no espectador alguma insatisfação caso não tenha visto esse clássico do cinema de horror antes de partir para "O Espírito da Colméia".
À parte o desempenho eficiente do ator Fernando Fernán Gómez, as então meninas Isabel Tellería e Ana Torrent são o destaque do elenco.
Curioso notar que os três interpretam personagens que levam seus próprios prenomes.
O que ratifica a estranheza deste filme deveras invulgar, permeado por silêncios constantes e uma trilha sonora quase imperceptível de tão discreta.
A ver, sem falta.