Belo filme. Gosto de sentir como o sangue me esquenta nas veias diante das obras de Almodóvar — sei lá, talvez porque tive antepassados ibéricos (galego-portugueses). Mas, no caso de "Dolor y gloria" outros elementos se juntaram para me encantar: a visualidade (exuberante como sempre, mas aqui fortemente ilustrada por magníficos artistas), a música, o teatro, a literatura, o próprio cinema. O filme é quase uma experiência antropológica. Obra exigente, claro, talvez mais facilmente acessível ao público veterano, como eu.
Zvyagintsev já tinha me conquistado com "Loveless" e, antes, com o belíssimo "O retorno". Cinematograficamente maravilhoso, sem perder a densidade dos seus temas. Seus filmes são obras para serem revistas, da mesma forma como reouvimos uma sinfonia.
Um belo filme que consegue justapor os imperativos do amor e da paixão à estupidez da guerra, num contexto em que se encontra ameaçada a relação com a própria comunidade e a própria terra. Não entendi por que cargas-d'água mutilaram o título do filme, tão adequado no original: "O bandolim do Capitão Corelli": neste título está o tema do filme! A fotografia é belíssima, extremamente cuidada. A edição é maravilhosa. Estamos diante de grandes e bem dirigidos atores. Personagens como as de John Hurt (Dr. Iannis) e Irene Papas (Drosoula) são emblemáticas: concentram no olhar a tragédia de ver o mundo ruir à sua volta. O argumento é bem poético e remete para muitas das histórias ligadas às duas grandes guerras de que já tomei conhecimento.
Mas, de duas coisas eu ainda não havia ouvido falar: do estúpido Massacre de Cefalônia, perpetrado pelos alemães contra o exército italiano logo após o Armistício (milhares de soldados executados sumariamente) e do Terremoto Jônico, que assolou tragicamente a ilha em 1953.
Infelizmente, é verdade que "O monge" não deu lá grande coisa como resultado geral. É um filme mediano de suspense misturado com mistério, terror e drama religioso. Mas, tem predicados que merecem ser assinalados: a fotografia é bem bonita e a trilha sonora, muito linda, sobretudo nas passagens vocais — ao mesmo tempo que remete ao canto gregoriano e à música medieval, é saudavelmente contemporânea, marcada por delicadas figuras que pairam sobre bases profundas e perturbadoras.
Seres humanos são como vasos comunicantes: o convívio desencadeia sempre transformações provocadas pelas diferenças que nos distinguem daqueles com quem convivemos.
Filme bem bonito que também remexe naquela nojeira que era nos anos 1960 (e continua em grande medida sendo ainda) o racismo escroto dos ianques contra os negros, sem esquecer de tocar naquelas pitadas de racismo e xenofobia que, quando não nos educamos, todos temos.
Musicalmente bonito, também. E a fotografia não fica a dever.
Tinha visto na TV há muitos anos e guardava a impressão poderosa dessa metáfora do encontro impossível no amor. Vendo-o, agora, fica claro: eu era um mocinho romântico e um cinéfilo bastante condescendente com o lugar comum. O argumento interessante virou uma comediazinha de "sessão da tarde". A música (composta por Andrew Powell, integrante do Alan Parsons Project), vá lá, está dentro do espírito dessa época, mas não me parece encaixar-se no filme: acho que resulta mais do gosto pessoal do diretor pelo pop-rock do que do trabalho criativo de um compositor de música para cinema. O personagem Rato (Matthew Broderick), deveria chamar-se Radinho, mas durante todo o filme é tratado com muito mais respeito (quase como o Senhor Gaston) do que um trapalhãozinho poderia merecer de criminosos tão violentos como esse bispo Inquisidor e seu exército de mercenários.
Linda recriação em grande estilo jarmaniano da peça escrita por volta de 1592 por Christopher Marlowe. Aqui, escandida sílaba por sílaba para veicular o drama, a língua inglesa se transforma em material cênico como os cenários, a música, os figurinos, os gestos. Se essa forma de representar já perdeu o sentido no teatro, sua redescoberta no cinema tem rendido filmes belíssimos, como este e alguns dos de Peter Greenway, Julie Taymor etc.
Gosto desta narrativa distanciada, existencialista, como se os personagens fossem conduzidos por forças muito além de suas próprias vontades. O pano de fundo do fim do mundo que se aproxima, as condições da exploração trabalhista, o ódio que passa de geração a geração... A fotografia é maravilhosa.
Maravilha! Merece estar na minha lista dos grandes filmes fundadores da ficção científica do meu tempo, juntamente com o "2001" de Kubrick (1968) e o "Solaris" de Tarkovski (1972). A cinematografia é fassbinderianamente encantatória.
Só não entendo a lógica do cérebro que produziu esse título ridículo em português, quando nem no original ("Giù la testa!") nem nos dois títulos alternativos em inglês ("Duck, you sucker" e "A fistful of dynamite") há qualquer referência à ideia de vingança.
Queria ter visto esse filme na juventude, quando vivíamos em plena ditadura militar. Aliás, nem sei se o filme circulou livremente no Brasil, pois a ostentação ridícula do governador em Mesa Verde lembra muito o que acontecia por aqui (para quem estava informado, é claro, e tinha olhos para ver).
Encarada de pertinho, em close, a vida de muitos de nós é cheia de dramas que podem, algumas vezes, conduzir a tragédias. "Departure" trata de desafios a serem vencidos no processo algumas vezes bem difícil do convívio com o outro e, ainda mais, na descoberta de si próprio. E trata, também, dessa coisa líquida que é a existência e da impalpabilidade dos sentimentos que nos ligam aos outros e ao mundo.
O filme é muito bonito pela cinematografia, a interpretação competente e bem conduzida, a trilha sonora sensível, sóbria, cheia de sugestivos silêncios pontuados pelos sons da natureza (Disseram que a música é fraca? Não mesmo: é como tem de ser a boa música de cinema: econômica, sem estardalhaços românticos de fundo de novela! Acho que Jools Scott vai longe!)
A direção é respeitável, sensível, honesta — e vejam que é o primeiro longa de Andrew Steggall. Parabéns!
Tema inesgotável: de qualquer ponto de vista que se encare a aberração histórica e humana que foi a ditadura argentina (como, de resto, qualquer ditadura, inclusive a "nossa") revelam-se medos e dores que mal podemos imaginar. Filme sensível. Narrativa refinada da periferia do terror.
Gostei muito do filme, embora considere o personagem central um pouco exagerado demais. Alguns dos grandes enxadristas foram e são, é verdade, bem excêntricos e desconectados da realidade imediata ou da vida prática. Mas, aqui — não sei se culpa do próprio Nabokov ou da Marleen Gorris — o grau de alienação foi muito radical ao ponto de tornar inverossímeis algumas situações. Para quem gosta de xadrez, é bonito ver um campeonato à moda antiga. Visualmente muito bonito, o filme também merece estrelas pela música e pelas atuações.
Sou meio avesso a comédias de trapalhadas. Mas, este filme me ganhou. O título original é "O sentido (ou o senso) da festa". Quando a peteca está caindo, o jeito é se jogar no chão para salvá-la. Mais ou menos o que aquele bonito filme do Bob Fosse ("All that jazz", 1979) nos deixa como mensagem: o show não pode parar — é a vida!
Filme perturbador, impiedoso e poético. É limpo do início ao fim: não há a menor concessão para o espectador e, assim, passa longíssimo de qualquer pieguice em torno da relação entre irmãos e entre pai e filhos e entre os humanos e a natureza. Ao longo das últimas sequências, minha memória encheu-se de lembranças incômodas e de imagens fragmentadas da minha própria infância. Quero rever numa versão de qualidade superior para apreciar melhor a fotografia, que parece maravilhosa.
Gostei do filme. Claro, não é o Lynch que conhecemos dos filmes posteriores, mas é visualmente muito bonito. A música é meio pop e fica sobrando em muitas cenas, quando perde o caráter de elemento narrativo.
Bonito filme. E não é, propriamente, sobre crise de identidade do macho familiar, mas sobre o drama da verdade de cada um quando posta a nu diante do perigo. "Arrastado", disseram alguns. Eu digo: arrastado para quem buscava cinema-catástrofe. É um filme tranquilo, que vai construindo sua trama a partir de um episódio inicialmente parece bem prosaico, que vai ecoando nos pequenos acontecimentos dos dias seguintes, a ponto de explodir em confrontos dentro e fora da família. A coragem e o medo, o heroísmo e a covardia fazem parte de cada um de nós — e não adianta apontar para os outros, pois acaba sempre chegando a nossa vez de nos revelar. Me fez bem ver "Força maior".
Não ia comentar, mas diante de tantos comentários conservadores, não posso deixar de dizer umas palavras. Gosto do filme. É doce, claro, meio água com açúcar como as sessões da tarde heteronormativas etc. Mas, aqui, se trata de um filme que transcorre num meio naturalmente homossexual, em que o fato de ser gay não entra absolutamente em questão. O nó principal do enredo é o encontro com o amor, em busca do qual todos andamos (e quando não andamos é porque já o temos ou estamos doentes). E o amor, no fundo, é como essa ideia fantástica da abdução: às vezes, desesperançados, buscamos nas estrelas aquilo que se encontra bem aqui, ao nosso lado. Enfim, o filme é bem-humorado e poético. Tem um elenco delicioso - não apenas os amantes jovens e saborosos (meninos e meninas, cada qual à sua maneira), mas também os coadjuvantes idosos, como aquela mãe casamenteira interpretada por Noam Hubermann, a vidente abdusida e etc.
Genial adaptação de "A tempestade", que precisa ser vista na tela grande ou em HD.
Próspero, aqui, é uma mulher que aprendeu as artes da bruxaria na Milão medieval e as exerce agora para sobreviver com a filha Miranda nessa estranha ilha (Nova Atlântida? Bermudas?), em que a natureza parece fundir-se e recompor-se com as figuras humanas. "A ilha é sempre cheia de sons, ruídos e agradáveis árias, que só deleitam sem causar-nos dano". Próspera conta com a ajuda dos demônios Calibã e Ariel, que promete libertar dos encantamentos em troca de ajuda.
Para além da beleza do próprio texto — que ganha materialidade na forma de ótimas interpretações — o filme é uma sinfonia visual e sonora associada a um tipo de humor que reacende a poesia dessa fantasia shakespeariana, escrita entre 1610 e 1611, inspirada provavelmente nas narrativas de navegadores que sobreviviam aos naufrágios nas viagens ao Novo Mundo.
Figurinos, ambientação, efeitos visuais que não pretendem esconder sua condição cinematográfica, tudo nos lembra que não estamos diante "da realidade", mas diante de uma obra de arte. (As danças etéreas de Ariel são fascinantes.)
Julie Taymor ganhou de vez minha admiração. Agora estou com "Titus" à mão para ver ainda esta noite. Outro monumento cinematográfico, provavelmente, pelo que vi no trailer e na primeira vasculhada que dei no BD.
Em primeiro lugar, fica evidente no filme, o tempo todo, o respeito que o cineasta tem pelo objeto do seu trabalho, pelos sujeitos envolvidos. Colocando-se ao lado deles, com eles, é que o observador articula a monumental narrativa que nos dá a dimensão do problema dos fluxos humanos no nosso tempo, apontando seus desdobramentos ainda mais tenebrosos para o futuro próximo. Ai Weiwei me fez contemplar de olhos bem abertos aquilo que minha razão vinha há tempo hesitando em perceber: o "encolhimento" do mundo já era uma sensação que há mais de duas décadas vem ocupando minhas preocupações, mas este filme traz a questão para uma região ainda mais central da consciência e da minha sensibilidade. No mais, é uma belíssima obra cinematográfica, carregada de grande poesia visual e também da poesia de grandes poetas que vai costurando a narrativa para mantê-la suportável e transcendente. É um documento respeitável do nosso tempo.
Falar de Racca, da Síria e do Oriente Médio em geral sem denunciar o papel que os Estados Unidos, a Inglaterra, a França e outros países do Ocidente tiveram na destruição dos frágeis equilíbrios da região, para mim, é atitude inconsequente. O Estado Islâmico é produto das intervenções ocidentais — especialmente dos Estados Unidos — no Iraque, no Iran, na Síria etc. Ora, um filme por cuja distribuição a Amazon pagou US$ 2 milhões não poderia mesmo abordar de outra forma o problema do assédio de Racca pelo EI. No filme, é como se esse movimento miliciano tivesse nascido por conta própria. Por isso, embora se esforce demais em denunciar a violência do EI, "Cidade de fantasmas" não me parece mais do que um grande filme publicitário sobre uma iniciativa política a serviço de algo que não se revela explicitamente — mas que é, no fundo, a justificação da voracidade intervencionista dos Estados Unidos na Síria. Como filme de propaganda política, é apenas interessante, ainda que possa ser respeitável e bem intencionado o projeto jornalístico que tem como objeto. Mas, mesmo aí, tenho dúvidas.
"Burros mortos não temem hienas" é um documentário feito sempre a risco, no meio do perigo e da insegurança que o novo colonialismo vem plantando na África. Perturba. Vivemos no Brasil questões semelhantes, embora camufladas na forma de outros confrontos na ocupação das terras antes habitadas por pequenas comunidades e agora ambicionadas e disputadas pelo agronegócio multinacional, que não tem o menor escrúpulo em delas se apoderar por vias legais, ocupando postos no governo, nos legislativos e na justiça..
Dor e Glória
4.2 619 Assista AgoraBelo filme. Gosto de sentir como o sangue me esquenta nas veias diante das obras de Almodóvar — sei lá, talvez porque tive antepassados ibéricos (galego-portugueses). Mas, no caso de "Dolor y gloria" outros elementos se juntaram para me encantar: a visualidade (exuberante como sempre, mas aqui fortemente ilustrada por magníficos artistas), a música, o teatro, a literatura, o próprio cinema. O filme é quase uma experiência antropológica. Obra exigente, claro, talvez mais facilmente acessível ao público veterano, como eu.
Leviatã
3.8 299Zvyagintsev já tinha me conquistado com "Loveless" e, antes, com o belíssimo "O retorno". Cinematograficamente maravilhoso, sem perder a densidade dos seus temas. Seus filmes são obras para serem revistas, da mesma forma como reouvimos uma sinfonia.
O Capitão Corelli
3.1 61Um belo filme que consegue justapor os imperativos do amor e da paixão à estupidez da guerra, num contexto em que se encontra ameaçada a relação com a própria comunidade e a própria terra. Não entendi por que cargas-d'água mutilaram o título do filme, tão adequado no original: "O bandolim do Capitão Corelli": neste título está o tema do filme! A fotografia é belíssima, extremamente cuidada. A edição é maravilhosa. Estamos diante de grandes e bem dirigidos atores. Personagens como as de John Hurt (Dr. Iannis) e Irene Papas (Drosoula) são emblemáticas: concentram no olhar a tragédia de ver o mundo ruir à sua volta. O argumento é bem poético e remete para muitas das histórias ligadas às duas grandes guerras de que já tomei conhecimento.
Mas, de duas coisas eu ainda não havia ouvido falar: do estúpido Massacre de Cefalônia, perpetrado pelos alemães contra o exército italiano logo após o Armistício (milhares de soldados executados sumariamente) e do Terremoto Jônico, que assolou tragicamente a ilha em 1953.
Dom Quixote
4.0 7Ótima adaptação! Este Quixote me enternece de verdade. A fotografia é linda.
O Monge
3.2 84 Assista AgoraInfelizmente, é verdade que "O monge" não deu lá grande coisa como resultado geral. É um filme mediano de suspense misturado com mistério, terror e drama religioso. Mas, tem predicados que merecem ser assinalados: a fotografia é bem bonita e a trilha sonora, muito linda, sobretudo nas passagens vocais — ao mesmo tempo que remete ao canto gregoriano e à música medieval, é saudavelmente contemporânea, marcada por delicadas figuras que pairam sobre bases profundas e perturbadoras.
Green Book: O Guia
4.1 1,5K Assista AgoraSeres humanos são como vasos comunicantes: o convívio desencadeia sempre transformações provocadas pelas diferenças que nos distinguem daqueles com quem convivemos.
Filme bem bonito que também remexe naquela nojeira que era nos anos 1960 (e continua em grande medida sendo ainda) o racismo escroto dos ianques contra os negros, sem esquecer de tocar naquelas pitadas de racismo e xenofobia que, quando não nos educamos, todos temos.
Musicalmente bonito, também. E a fotografia não fica a dever.
O Feitiço de Áquila
3.8 412 Assista AgoraTinha visto na TV há muitos anos e guardava a impressão poderosa dessa metáfora do encontro impossível no amor. Vendo-o, agora, fica claro: eu era um mocinho romântico e um cinéfilo bastante condescendente com o lugar comum. O argumento interessante virou uma comediazinha de "sessão da tarde". A música (composta por Andrew Powell, integrante do Alan Parsons Project), vá lá, está dentro do espírito dessa época, mas não me parece encaixar-se no filme: acho que resulta mais do gosto pessoal do diretor pelo pop-rock do que do trabalho criativo de um compositor de música para cinema. O personagem Rato (Matthew Broderick), deveria chamar-se Radinho, mas durante todo o filme é tratado com muito mais respeito (quase como o Senhor Gaston) do que um trapalhãozinho poderia merecer de criminosos tão violentos como esse bispo Inquisidor e seu exército de mercenários.
Eduardo II
3.5 17Linda recriação em grande estilo jarmaniano da peça escrita por volta de 1592 por Christopher Marlowe. Aqui, escandida sílaba por sílaba para veicular o drama, a língua inglesa se transforma em material cênico como os cenários, a música, os figurinos, os gestos. Se essa forma de representar já perdeu o sentido no teatro, sua redescoberta no cinema tem rendido filmes belíssimos, como este e alguns dos de Peter Greenway, Julie Taymor etc.
Sem Amor
3.8 319 Assista AgoraGosto desta narrativa distanciada, existencialista, como se os personagens fossem conduzidos por forças muito além de suas próprias vontades. O pano de fundo do fim do mundo que se aproxima, as condições da exploração trabalhista, o ódio que passa de geração a geração... A fotografia é maravilhosa.
O Mundo Por Um Fio
4.2 35Maravilha! Merece estar na minha lista dos grandes filmes fundadores da ficção científica do meu tempo, juntamente com o "2001" de Kubrick (1968) e o "Solaris" de Tarkovski (1972). A cinematografia é fassbinderianamente encantatória.
Quando Explode a Vingança
4.1 133Sergio Leone em grande estilo! Belo filme.
Só não entendo a lógica do cérebro que produziu esse título ridículo em português, quando nem no original ("Giù la testa!") nem nos dois títulos alternativos em inglês ("Duck, you sucker" e "A fistful of dynamite") há qualquer referência à ideia de vingança.
Queria ter visto esse filme na juventude, quando vivíamos em plena ditadura militar. Aliás, nem sei se o filme circulou livremente no Brasil, pois a ostentação ridícula do governador em Mesa Verde lembra muito o que acontecia por aqui (para quem estava informado, é claro, e tinha olhos para ver).
Departure
3.4 44Encarada de pertinho, em close, a vida de muitos de nós é cheia de dramas que podem, algumas vezes, conduzir a tragédias. "Departure" trata de desafios a serem vencidos no processo algumas vezes bem difícil do convívio com o outro e, ainda mais, na descoberta de si próprio. E trata, também, dessa coisa líquida que é a existência e da impalpabilidade dos sentimentos que nos ligam aos outros e ao mundo.
O filme é muito bonito pela cinematografia, a interpretação competente e bem conduzida, a trilha sonora sensível, sóbria, cheia de sugestivos silêncios pontuados pelos sons da natureza (Disseram que a música é fraca? Não mesmo: é como tem de ser a boa música de cinema: econômica, sem estardalhaços românticos de fundo de novela! Acho que Jools Scott vai longe!)
A direção é respeitável, sensível, honesta — e vejam que é o primeiro longa de Andrew Steggall. Parabéns!
Kamchatka
3.9 57Tema inesgotável: de qualquer ponto de vista que se encare a aberração histórica e humana que foi a ditadura argentina (como, de resto, qualquer ditadura, inclusive a "nossa") revelam-se medos e dores que mal podemos imaginar. Filme sensível. Narrativa refinada da periferia do terror.
O Último Lance
3.6 11Gostei muito do filme, embora considere o personagem central um pouco exagerado demais. Alguns dos grandes enxadristas foram e são, é verdade, bem excêntricos e desconectados da realidade imediata ou da vida prática. Mas, aqui — não sei se culpa do próprio Nabokov ou da Marleen Gorris — o grau de alienação foi muito radical ao ponto de tornar inverossímeis algumas situações.
Para quem gosta de xadrez, é bonito ver um campeonato à moda antiga.
Visualmente muito bonito, o filme também merece estrelas pela música e pelas atuações.
Assim é a Vida
3.8 36 Assista AgoraSou meio avesso a comédias de trapalhadas. Mas, este filme me ganhou. O título original é "O sentido (ou o senso) da festa". Quando a peteca está caindo, o jeito é se jogar no chão para salvá-la. Mais ou menos o que aquele bonito filme do Bob Fosse ("All that jazz", 1979) nos deixa como mensagem: o show não pode parar — é a vida!
O Retorno
4.0 91Filme perturbador, impiedoso e poético. É limpo do início ao fim: não há a menor concessão para o espectador e, assim, passa longíssimo de qualquer pieguice em torno da relação entre irmãos e entre pai e filhos e entre os humanos e a natureza. Ao longo das últimas sequências, minha memória encheu-se de lembranças incômodas e de imagens fragmentadas da minha própria infância.
Quero rever numa versão de qualidade superior para apreciar melhor a fotografia, que parece maravilhosa.
Duna
2.9 412 Assista AgoraGostei do filme. Claro, não é o Lynch que conhecemos dos filmes posteriores, mas é visualmente muito bonito. A música é meio pop e fica sobrando em muitas cenas, quando perde o caráter de elemento narrativo.
Força Maior
3.6 241Bonito filme. E não é, propriamente, sobre crise de identidade do macho familiar, mas sobre o drama da verdade de cada um quando posta a nu diante do perigo. "Arrastado", disseram alguns. Eu digo: arrastado para quem buscava cinema-catástrofe. É um filme tranquilo, que vai construindo sua trama a partir de um episódio inicialmente parece bem prosaico, que vai ecoando nos pequenos acontecimentos dos dias seguintes, a ponto de explodir em confrontos dentro e fora da família. A coragem e o medo, o heroísmo e a covardia fazem parte de cada um de nós — e não adianta apontar para os outros, pois acaba sempre chegando a nossa vez de nos revelar. Me fez bem ver "Força maior".
Antarctica
2.7 13Não ia comentar, mas diante de tantos comentários conservadores, não posso deixar de dizer umas palavras.
Gosto do filme. É doce, claro, meio água com açúcar como as sessões da tarde heteronormativas etc. Mas, aqui, se trata de um filme que transcorre num meio naturalmente homossexual, em que o fato de ser gay não entra absolutamente em questão. O nó principal do enredo é o encontro com o amor, em busca do qual todos andamos (e quando não andamos é porque já o temos ou estamos doentes).
E o amor, no fundo, é como essa ideia fantástica da abdução: às vezes, desesperançados, buscamos nas estrelas aquilo que se encontra bem aqui, ao nosso lado.
Enfim, o filme é bem-humorado e poético. Tem um elenco delicioso - não apenas os amantes jovens e saborosos (meninos e meninas, cada qual à sua maneira), mas também os coadjuvantes idosos, como aquela mãe casamenteira interpretada por Noam Hubermann, a vidente abdusida e etc.
Visto sem preconceitos, o filme é delicioso.
A Tempestade
2.7 155Genial adaptação de "A tempestade", que precisa ser vista na tela grande ou em HD.
Próspero, aqui, é uma mulher que aprendeu as artes da bruxaria na Milão medieval e as exerce agora para sobreviver com a filha Miranda nessa estranha ilha (Nova Atlântida? Bermudas?), em que a natureza parece fundir-se e recompor-se com as figuras humanas. "A ilha é sempre cheia de sons, ruídos e agradáveis árias, que só deleitam sem causar-nos dano". Próspera conta com a ajuda dos demônios Calibã e Ariel, que promete libertar dos encantamentos em troca de ajuda.
Para além da beleza do próprio texto — que ganha materialidade na forma de ótimas interpretações — o filme é uma sinfonia visual e sonora associada a um tipo de humor que reacende a poesia dessa fantasia shakespeariana, escrita entre 1610 e 1611, inspirada provavelmente nas narrativas de navegadores que sobreviviam aos naufrágios nas viagens ao Novo Mundo.
Figurinos, ambientação, efeitos visuais que não pretendem esconder sua condição cinematográfica, tudo nos lembra que não estamos diante "da realidade", mas diante de uma obra de arte. (As danças etéreas de Ariel são fascinantes.)
Julie Taymor ganhou de vez minha admiração. Agora estou com "Titus" à mão para ver ainda esta noite. Outro monumento cinematográfico, provavelmente, pelo que vi no trailer e na primeira vasculhada que dei no BD.
Os Canibais
1.9 184Desde já, penso que é uma grande merda!
Human Flow - Não Existe Lar Se Não Há Para …
4.2 13 Assista AgoraEm primeiro lugar, fica evidente no filme, o tempo todo, o respeito que o cineasta tem pelo objeto do seu trabalho, pelos sujeitos envolvidos. Colocando-se ao lado deles, com eles, é que o observador articula a monumental narrativa que nos dá a dimensão do problema dos fluxos humanos no nosso tempo, apontando seus desdobramentos ainda mais tenebrosos para o futuro próximo. Ai Weiwei me fez contemplar de olhos bem abertos aquilo que minha razão vinha há tempo hesitando em perceber: o "encolhimento" do mundo já era uma sensação que há mais de duas décadas vem ocupando minhas preocupações, mas este filme traz a questão para uma região ainda mais central da consciência e da minha sensibilidade. No mais, é uma belíssima obra cinematográfica, carregada de grande poesia visual e também da poesia de grandes poetas que vai costurando a narrativa para mantê-la suportável e transcendente. É um documento respeitável do nosso tempo.
Cidade de Fantasmas
3.8 7 Assista AgoraFalar de Racca, da Síria e do Oriente Médio em geral sem denunciar o papel que os Estados Unidos, a Inglaterra, a França e outros países do Ocidente tiveram na destruição dos frágeis equilíbrios da região, para mim, é atitude inconsequente. O Estado Islâmico é produto das intervenções ocidentais — especialmente dos Estados Unidos — no Iraque, no Iran, na Síria etc. Ora, um filme por cuja distribuição a Amazon pagou US$ 2 milhões não poderia mesmo abordar de outra forma o problema do assédio de Racca pelo EI. No filme, é como se esse movimento miliciano tivesse nascido por conta própria. Por isso, embora se esforce demais em denunciar a violência do EI, "Cidade de fantasmas" não me parece mais do que um grande filme publicitário sobre uma iniciativa política a serviço de algo que não se revela explicitamente — mas que é, no fundo, a justificação da voracidade intervencionista dos Estados Unidos na Síria. Como filme de propaganda política, é apenas interessante, ainda que possa ser respeitável e bem intencionado o projeto jornalístico que tem como objeto. Mas, mesmo aí, tenho dúvidas.
Dead Donkeys Fear No Hyenas
4.5 1"Burros mortos não temem hienas" é um documentário feito sempre a risco, no meio do perigo e da insegurança que o novo colonialismo vem plantando na África. Perturba. Vivemos no Brasil questões semelhantes, embora camufladas na forma de outros confrontos na ocupação das terras antes habitadas por pequenas comunidades e agora ambicionadas e disputadas pelo agronegócio multinacional, que não tem o menor escrúpulo em delas se apoderar por vias legais, ocupando postos no governo, nos legislativos e na justiça..