Pintando o retrato do embate, Bergman apresenta temas já antes discutidos em seus outros filmes, mas com abordagem e interpretação diferentes. De um lado temos todo o gosto humano pelo fantasioso sendo representado pelo sentimento de adoração à magia, o querer acreditar no inacreditável. De outro, em contrapartida, o lado humano que não se permite esquecer que tudo pode não passar de uma farsa. Trilhando sublinhas bem maquiadas, me parece ser o jeito do diretor falar de Deus e fé. Temos Vloger, que sob esta ótica, simbolizaria o inexplicável, talvez a figura de Deus. Em uma das cenas finais temos uma das personagens sendo envolvida com uma corrente imaginária, amarrada à uma parede imaginária, que não lhe permite escapar.
Após "apagar" esta figura, se vê livre e, dessa forma, a mata (não apenas na forma literal). Mas atrás do disfarce da figura, havia outro rosto. Um rosto que muitos não reconheceram. A imagem posteriormente criada a partir de um simples homem a pedir dinheiro, sem nada de divino, apenas com o poder de amedrontar. Amedrontar sobre a morte.
. Não podendo faltar uma oposição, temos uma personagem que quer ver as máscaras caírem, vai em busca do seu desconhecido e inexplicável e tenta cutucá-lo, até que responda algo... E assim segue em sua trajetória meio cética, porém curiosa, e meio medrosa por receio em descobrir algo atrás das cortinas.
Apesar de quem assiste tentar pesar para um lado, a mensagem continua uma dúvida que pertence aos dois lados do muro. "Flirt" apresenta suas estórias, apresenta seus personagens e suas tramas com leves e sutis diferenças, mas que as fazem terminar em campos longínquos. Hartley tenta colocar pessoas em situações parecidas e pedir uma manifestação de seus caráteres. Ao comparar seres que vivem dramas semelhantes, mas que moram em diferentes pontos do globo, o diretor contrasta o universal e o cultural. E nos surge a pergunta: "É o meio quem determina o ser ou o ser que determina o meio?". De modo a estudar as ações, tem seu cunho psicanalítico e sociólogo. Mesmo sem nada concreto, o que vale é o exercício de tentar entender esse paradoxo que convém ao homem. Além, ainda temos a bela trilha sonora e as ótimas atuações.
Como cabe tanto conflito dentro de duas horas? Pergunte ao Zulawski! Uma compilação de gritos e desesperos, muito suor escorrendo, atores sendo atores e arte visualizada no corpo nu. Com sua câmera viajante (detalhe incrível), o diretor explora o íntimo das personagens, se intrometendo como um observador atrás das cortinas, fechando os closes nas suas expressões. O resultado é um trabalho incrível, com um elenco que levou a atuação à outro patamar. Com uma tensão constante no ar, o longa mistura um tom de suspense com o drama, e ainda inclui uma apreensão e inquietude em relação ao clima que sempre exala sensualidade entre as personagens. Mas apesar de tudo isso, o que talvez possa incomodar mais o espectador é a violência, agressividade e falta de respeito nas relações que brotam na tela. Envolvido com um discurso também político, faz alusões à desordem e caos, hipoteticamente necessários para se construir uma sociedade baseada no amor. Fica então um contraste que parece não ter sentido, uma questão na cabeça, bem confusa e aparentemente insolúvel: o que o diretor quis dizer, afinal? (Não consigo deixar de lado também... alguém faz ideia de qual era a intenção das tantas referências à Deus?)
Lendo os comentários, acho que muita gente, de cara, não entendeu o contexto do filme. E é confuso mesmo, durante os primeiros vinte minutos, o longa chega a fazer o espectador se perguntar que raios são todas aquelas cenas desconexas. Mas aos poucos, principalmente na figura do próprio Godard, alguns indícios de sua intenção aparecem. Dessa forma, sem o contexto, esse filme não tem pé nem cabeça. A grande metáfora começa a surgir quando entende-se que o bando de ladrões pretende usar a desculpa de fazer o filme para roubar um hotel. Logo mais à frente, em um diálogo, Godard diz que foi expulso do Cinema cinematográfico, aquele de grande porte e atenção, onde o dinheiro se sobressai. Aí está o contexto. Quase como um sopro de sua própria relação com a indústria de filmes, ou talvez um grito, o diretor ironiza. Um milhão e trezentos mil - ou uma quantia desse calibre - foi o que o personagem pediu em troca de sua participação. E assim segue, soltando frases como: "Não é hora de abrir os olhos, sim de fechá-los", que encaro como ironias sem fim. A deixa final culmina em uma citação à Mao, que deu comida à todas as bocas. Godard parece pedir mais atenção ao Cinema independente. Metalinguagem!
Conforme os minutos passam, é como estar em queda livre literal, junto com os personagens, e não ter onde se ater. Mais um longa alemão com muita sensibilidade, buscando a parte mais humana do drama. De tempos para cá, é percebível um aumento de estórias que tratam um romance com mais maturidade, e isso é um avanço à mentalidade. Apesar do protagonista ter uma esposa, apaixona-se por outro homem. E essa é a vida, sem rótulos, apenas acontecendo. Bastante dos diálogos pareciam retratar esse lado homofóbico e normativo da sociedade, por exemplo aqui, na figura da mãe, quando diz: "Eu não te criei para ser assim". Logo rebatendo, o protagonista "Me criou para ser igual você e papai?". Ou mais adiante quando
Depois de assistir "Je Vous Salue, Marie" ficaram me passando duas hipóteses, e mesmo após ler diversas interpretações, não me convenço de abandonar uma delas. De fato, o filme fala sobre a origem da vida e a religião. Mas a forma que Godard trata, não deixa explícito seu posicionamento, o que causa um ponto de interrogação desafiador e polêmico ao espectador. O filme se inicia com um viés voltado para o lado "investigativo", onde as personagens apresentam a visão de que bastaria olharmos no espelho para entender o caminho, seríamos extraterrestres e a vida poderia ter sido originada fora daqui (imagens da Lua são bem constantes, será que Godard quis exemplificar?). O foco se altera e entra um teor religioso, no qual a figura de algo superior que nos condiciona inteligência seria a origem. No meio disso, eis que surge Maria. Remontando os aspectos da velha estória, mas com uma Maria moderna, o filme passa a tratar da relação carne-alma. O desejo e a devoção, se antagonizando. O milagre no ventre sem a fraqueza do corpo. Mas o que Godard quis dizer com isso? Daí me ocorreram as duas hipóteses. A primeira seria uma tentativa de retratar a mulher como um ser divino, além de adaptar os acontecimentos bíblicos para aspectos atuais. Contudo, fiquei a pensar, será isso? E outra ideia me brotou, talvez um pouco radical, na qual Godard estaria provocando e levando ao extremo a situação para mostrá-la o quão absurda é. Assim como a personagem (não dizendo na concepção bíblica), há outras Marias por ai, que se impedem de viver o desejo carnal em detrimento de sua religião. Por mais que passem noites a fio em claro, contorcendo-se contra o ardente fogo de seu corpo para controlar as mãos, por mais que sintam a vontade, permanecem longe do prazer. E o letreiro constante na tela, "Naquele tempo", me pereceu dizer que nada mudou. Há dois mil anos "Marias" se destituem do batom vermelho, mesmo que em suas mentes o vermelho esteja lá, em seus corpos há pureza. Quanta contradição!
A influência Nouvelle Vague é o charme de "Boye Meets Girl". Para retratar vidas tão singulares e aparentemente vazias, o preto e branco, os closes e os gestos peculiares se combinarão bem. Ao mesmo tempo, temos um contraste entre a tragédia e um certo tom de zombar do romance exagerado que o período francês buscou para tratar o amor. Temos jovens desesperados por um sonho maior e a representação de alguém realizado; jovens amando; jovens vivendo (des)encantamentos. As motivações das personagens não são evidentes, na tela brota apenas o que consegue ultrapassar suas palavras escassas. O silêncio, o medo guardado foi substituído pela inesquecível conversa na cozinha entre os protagonistas. De forma introspectiva, a morte é um assunto implícito no longa, a solidão da vida quando se sabe que terá um fim. A voz da criança no início, divagando sobre o fim, fim que os protagonistas também tentam afogar em cigarros, sonhos, barulhos e amor.
"Eu sei diferenciar o certo do errado". Aqui, Dorothy é a nossa representação de contradição humana. A face explorada e sofrida pelos abusos, e a outra que venera uma perversão condenada pela ética. Lynch colidindo mundos opostos, desejando mostrar que na verdade, possam ser apenas um. E usa para isso, um pouco do "american way of life" para assumir sua crítica. Pessoas sorridentes, passarinhos que vencem a escuridão, a escuridão que passa a ser aniquilada e não mais existir, finais ensolarados. Contudo, a realidade não condiz ao sonho, a luz azul volta a lembrar, a cortina de veludo que esconde o pútrido estará constantemente ali. Blue Velvet parece querer ser um poço de mistério, sem dizer ao espectador o passado daquelas personagens, sem justificativas aos atos. São apenas atos, humanos em seu lado feio. E porque existem pessoas assim, onde seu lado podre ultrapassa o limite do prejudicar? Lynch também quer saber.
Se um povo pode revogar um abuso provando seu valor como patrimônio, os que tem seu valor registrado nas memórias e vivências também o tem. Fazendo um misto leve entre a comédia e a crítica, "Narradores de Javé" desperta o diálogo com o público. Mas não cai na história de coitadinho, estimula a perda de ignorância para conseguir atingir melhor o objetivo de lutar contra um governo malandro que sabe jogar bem contra seus oponentes, desarmando-os. A diretora soube brincar com uma certa poesia natural nas cenas e o filme encanta. Eliane Caffé sabe contar uma história... ou, várias.
Personagens fortíssimos, muito carnais, reais. Akin quis, dessa vez, retratar o mundo dos que não se encontram, os perdidos entre a vida e a sombra. Alguns, buscando o apoio desesperado de outro alguém para voltar à chama, deixar de lado a sobrevivência e voltar ao espírito de existir realmente. Com a bela trilha sonora turca, a trama ganha corpo aos poucos, revelando devagar o passado de Cahit e o que parece ter lhe trazido para loucura, o amor. Ou a perda de um amor. Temos um protagonista agressivo, mas dá pra perceber a provocação diária em contato com a alma do homem. Dessa forma, há diversas outras figuras no filme, representando a vergonha acima do afeto, a moral destruída pelo incentivo à liberdade, até um pouco do período vivido por Istambul em meio às drogas, pelos jovens que buscavam conforto da realidade. Crítica, contra-pontos, romance, cumplicidade, hipocrisia, isso é "Gegen die Wand".
Com jazz embalando as cenas mais primorosas, "Le Souffle au Coer" se mostra um longa incrível e audacioso, com certa vontade de cutucar o nosso senso de normalidade. Malle desenvolve a narrativa com altíssimo grau de espontaneidade, e aquilo que não deve ser dito e nomeado, o espectador sente - um espectador convidado a embarcar nessa viagem que desconstrói e chuta a moral. Amor, sexualidade, corpo e descobrimento daquilo que não se entende. Como quem diz não vamos olhar rótulos, apenas afeto. A naturalidade das personagens foi um triúnfo para este longa. Malle fala sobre vínculos a todo instante, na relação do menino com consigo mesmo (o menino e o Homem), quando ressalta amizade jocosa entre os irmãos e com o a problemática da mãe. E enfim, temos um protagonista que não se culpa com as palavras de julgo do padre e uma mãe, confusa com seus dramas amorosos, mas que busca na mesma medida deixar o que deve ser deixado para trás, o que torna o filme sutil nas suas formas de tratar a temática da atração e da amorosidade. Belo (:
Um olhar que aparenta ser indiferente sobre uma vida também indiferente. O vazio existencial de Iris é refletido em uma rotina comprimida, longe de surpresas e emoções, onde ela apenas se dedica ao trabalho tedioso na fábrica e o trabalho caseiro para os pais. E que pais! Tão indiferentes quanto a própria Iris, todos parecem manter uma distância entre si, sem vínculos profundos. Ao que se parece, a protagonista já vinha levando a mesma vida há bastante tempo, acostumada com a lentidão ia se arrastando, o que lhe frutificou as tantas decepções. As cenas do bar com a música ao fundo (a letra da música significou bem suas expressões), representam o que Iris estava sentindo. E falando sobre o final...
para quem está vazio, talvez não haja nada a perder, Iris não esperava mais. O pouco que restava de uma parte feliz de seu ser humano foi destruída com o relacionamento desencontrado, o que pode tê-la feito sentir como uma confirmação de todas suas decepções.
Seremos um mundo tão gélido assim quanto apontam essas relações longínquas?
Acho que a primeira coisa que pode ser elogiada nesse longa é o roteiro. Uma imensidão de detalhes para criar toda a maquinaria funcionando corretamente, com os encaixes perfeitos. E trabalhar com a ordem cronológica quebrada, muitos personagens, vidas que se esbarram, não deve ser nada fácil. Sendo assim, o filme foi bem sucedido nesse ponto, que aliás é o principal - justo pelo tema. Para entender "A Viagem" é preciso àquele exercício de deixar de lado as distrações e focar na proposta, se não será um daqueles desavisados que começam a se perguntar porque há personagens repetidos. Mas então, o que "A Viagem" te propõe? Creio que uma reflexão sobre como as coisas acontecem no mundo, da forma mais literal que isso possa soar. A temática vem sendo bastante explorada no Cinema, é bem interessante notar os vários tipos de condução. Nesse longa temos a recorrente frase que diz que a nossa vida não é realmente nossa, ela é resultado de outros passados; e a cada ação, construímos futuros; a cada pessoa, construímos possibilidades. E o filme consegue te "provar" isso, claro, à sua maneira. Com provar eu quero dizer, validar dentro de sua proposta que a história se sustenta. Outro detalhe pra se notar é o fato de não importar a época, sempre há um sistema que tentará acobertar a verdade. O conhecimento é a sede, o perigo, portanto o sistema vigente não quer liberdade à ninguém. Quanto aos personagens repetidos, vale voltar nisso porque foi bem comentado, na minha percepção, apenas representam o fato de aquela pessoa não ser ela mesma , mas o resultado da influência de outra, nada de vidas passadas. Como se fossemos todos contínuos, uma porta que se abre e segue adiante, e continua vagando infinitamente.
Um longa que celebra a profundidade da amizade. A bonita sensação de olhar para o outro e saber que tem um mundo; outra dimensão ali, naquele lugar. Frances Ha é o retrato da espontaneidade, espontaneidade hoje perdida meio há uma sociedade que não aprendeu a dançar com a vida, brindar as relações e dizer "eu te amo".
"Kes" é um daqueles filmes que contém certas cenas que tem a missão de lhe incomodar. Mas um incômodo de muita boa intenção, a reflexão. Certeiro, critica sobre a hipocrisia e as opressão vividas no mundo daqueles meninos, daquela época. Professores desinteressados e violentos; escola ignorante; manipulação pela religião; família desestabilizada pelo trabalho "escravo" e outros problemas de relacionamentos; ninguém sai impune ao olhar cítrico de Ken debruçado sobre os detalhes dessas vidas. Depois de tanto assistir às diversas cenas onde os meninos são maltratados, ouvimos o pequeno e tão esperado desabafo de Casper ao professor, onde a intenção do filme se torna evidente. Então temos o falcão, representando todo o poder de voar para longe, toda a liberdade contrária à Casper e àquela sociedade evidenciada. Algumas falas, possíveis pela presença do livro, mostram como treinar o bicho. Um paralelo disfarçado com a repressão e "treinamento" das crianças... "leva tempo, requer paciência", mas quando você se der conta, chamará seu nome e ele aparecerá obedecendo. No fim das contas, o personagem percebe que não há domesticação, o instinto é voar à sua maneira, aparecendo a oportunidade...
O mergulho do poeta - ou se necessário, trocar por qualquer um que faça arte, funciona - dentro de seu mundo. A introspecção à fundo numa mente incessante por criação, onde leis na física não valem, nada melhor que o surrealismo para brincar com isso. O espelho reflete. Será? O abismo adentro parece melhor refletir. O trabalho duro de um artista, tem seu sangue escorrendo e na mão um possível suicídio por ter a audácia internar tantos sentimentos. (Agora, vamos combinar, que fantástico esses "efeitos especiais" serem feitos em 1930, as alternativas arrumadas. O resultado é uma magia teatral misturada com o gostinho da fantasia do Cinema.
Na minha visão, "Hiroshima, Mon Amour" é uma bela crítica disfarçada numa relação amorosa, onde os personagens quase que interpretam a própria catástrofe em questão. O longa começa mostrando já o que representa o estilo de Resnais, sem medo algum de chocar com as imagens fortes, e uma narração poética que mistura um tom documentário-ficção. Os fatos começam a clarear quando ocorre a cena de uma passeata, onde há muitos cartazes com frases que estampam o apelo do filme. A partir dali, os diálogos se focam em transmitir: a memória é fraca, cuidado! O que aconteceu à Hiroshima não pode ser esquecido, foi um indicador do despreparo humano, da indiferença frente ao perigo que as tecnologias avançadas podem apresentar (creio que muitos filmes do período estavam abordando temas assim, a Guerra Fria gerava a tensão crescente). Marcas dessa violência se solidificaram na vida de gerações, tanto a afetada como as posteriores. Mas o tempo passa, e por mais que a promessa seja não esquecer, a memória encurta e o perigo mora nessa casa. Repetir e viver eternamente na ignorância... é pra ter medo de esquecer mesmo!
Rimbaud queria ser todos, experimentar o contra-censo comum de ter apenas uma personalidade. Ao se permitir qualquer coisa, estava livre de permanecer em uma carcaça imutável, e para o poeta, isto lhe dava sua escrita. "Total Eclipse" mostra seus personagens de forma crua, revelando suas brutalidades e ao mesmo tempo frisando todo o amor em suas almas. Com atuações incríveis, o longa surpreende qualquer um que esteja enjoado com a mesmice que são tratados filmes de assuntos semelhantes nas grandes produções. David Thewlis e DiCaprio seguraram os grandes papéis com muita força e originalidade na interpretação, e imagino o quão difícil possa ser a gravação de certas cenas. Contudo, se houve tal dificuldade, nada transpareceu, apenas a naturalidade na relação. Um dos pontos positivos do filme é este, não se perde no julgamento que uma relação como essa poderia causar na época, e sim na vivencia do conflito de sentimentos. E Rimbaud estava, e ainda está, acima de seu tempo com a famosa frase "o amor precisa ser reinventado".
Essa proposta de filmar o que parece quase um teatro é algo diferente, poderoso. Lars consegue, sem outros artifícios, estruturar sua história, puxando o foco inteiramente para as relações humanas. No contexto, cenários não são importantes, são tão desprezíveis a tal ponto de não existirem portas, e os personagens fingirem que estão a abri-las. A estranheza inicial é rapidamente esquecida, o mergulho na psicologia das personagens é o que atrai. O amadurecimento em relação à Dogville parece realmente acontecer, mas continuar a compará-los seria um erro, são filmes diferentes e merecem olhares diferentes. A crítica da vez continua tendo como pano de fundo toda uma discussão filosófica-humanística. Aponta erros vindos das duas partes que fazem girar o conflito, colocando a ideologia e moral de negros e brancos em xeque. O julgo de um sobre o outro, tentando desesperadamente o controle. E Lars mostra o lado mais feio de cada um, talvez seja o que assuste no seu Cinema: um reflexo de alguma partezinha do espetador.
"Filhos do Silêncio" consegue equilibrar seu ponto de ataque, garanto que sorrisos involuntários surgirão no canto da boca, a leveza e simplicidade das cenas dizem tudo. Acompanhamos todo o processo de Sarah angustiados, desejando que ela se renda e passe a compartilhar mais da vida que nós, não surdos, levamos. Porém, o ataque do filme acontece neste exato ponto. Apesar de Sarah ter vivenciado um trauma, sua vontade é permanecer na linguagem de sinais. Talvez seja este o enfrentamento reflexivo que "Filhos do Silêncio" traga: a aceitação da realidade de outro alguém, alguém que está de acordo com esta realidade. A dificuldade de apenas entender, sem desejar que a pessoa abandone suas vontades, e trazê-la para sua realidade, é um desafio ao ser humano. No final das contas,
nem um mundo de silêncio nem de barulhos, mas um mundo próprio, uma realidade própria criada em união. Muito bonito isso.
Destaque para as cenas na piscina, muito sensoriais. Também temos as mãos sendo tratadas com ênfase. Quando Sarah dança e "libera" seus gestos fazendo movimentos aleatórios, como as mãos são seu veículo de comunicação, parece uma espécie de "se permitir"; se soltar, seu modo de se desobrigar.
É de se esperar que um filme da URSS fortaleça sua ideologia e aponte para os americanos. Mas não há aqui uma crítica que incita o ódio, Dziga Vertov mostra realmente a alienação por conta do trabalho que explodia nas fábricas, as máquinas soltando seus vapores e os homens intoxicados com essa rotina capitalista. Bastante marcado pela montagem rápida e cheia de flashes logo no início, Vertov já começa a fazer uma paralelo à correria da produção, e para acentuar o clima (aí já fica uma dúvida, seria por falta de grana ou intencional) uma trilha sonora que se comporta como mantra, um mantra que não acaba nunca, e segue num ritmo frenético. No estilo cinema-verdade, documentarista, são capturadas imagens reais do período vivido, uma população em busca de uma sociedade mais justa.
"O Sol Em Uma Rede" explora o conforto da mentira. Bela e o irmão mentem constantemente para a mãe cega, procurando agradá-la e induzindo ao que desejam. Distorciam os fatos reais para os tornar mais atraentes. O filme traz então uma crítica ao controle comunista na Checoslováquia. E não, mas você não percebe isso se não prestar muita atenção, pois não há nada de explícito, necessita de um conhecimento básico do contexto histórico. Salvo isso, são todos significados montados ao longo das cenas, através da coligações das falas com certas imagens. E justo para passar fora do controle Marxista dominador, que não permitia mostrar o lado feio das coisas, trabalhou com a subjetividade. A rede é o filtro. Mas além disso, "O Sol Em Uma Rede" parece continuar abrindo outras ramificações que vão se multiplicando. Como se gritasse que nós somos humanos, e apesar de vangloriarmos a verdade, nos "contentamos" diversas vezes com a mentira, seja ela em qualquer plano. Em certo ponto, a cega parecia representar o plano da religiosidade, dando destaque para as mãos. Tudo que as mãos tocam é real, as mãos não mentem. A fé abalada, como poderá crer em algo que não vê (toca, nesse caso)? Existe uma conexão metafórica, ou trouxe-me individualmente essa proposta.
Quem não acredita que é possível fazer um filme sem personagens fixos, está aí uma obra que prova o contrário. Talvez fosse melhor dizer, temos apenas um personagem fixo, mas seu rosto nem é revelado. E como tudo isso funcionou? Exatamente dessa forma. Sem rosto, com alma. Vemos todo o caminho pelo olhos da personagem; descobrimos seus pensamentos através de sua poesia diária, filmada com uma aparente câmera caseira. José Renato quer ser o super-homem (nietzsche), mas seu amor lhe faz dependente, lhe faz voltar. "Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo" é honesto com a realidade, brinca em captar de formas distintas e sutis, as visões dos passageiros das terras cuja seca hostiliza. Faz um paralelo: todo esse povo que vive no isolamento se diz feliz, mas o que parece é que precisam ir. Ir à algum outro lugar. Talvez permaneçam ali apenas porque amam. Precisar e amar, o racional e o incontrolável.
O Rosto
3.9 46 Assista AgoraPintando o retrato do embate, Bergman apresenta temas já antes discutidos em seus outros filmes, mas com abordagem e interpretação diferentes. De um lado temos todo o gosto humano pelo fantasioso sendo representado pelo sentimento de adoração à magia, o querer acreditar no inacreditável. De outro, em contrapartida, o lado humano que não se permite esquecer que tudo pode não passar de uma farsa. Trilhando sublinhas bem maquiadas, me parece ser o jeito do diretor falar de Deus e fé. Temos Vloger, que sob esta ótica, simbolizaria o inexplicável, talvez a figura de Deus. Em uma das cenas finais temos uma das personagens sendo envolvida com uma corrente imaginária, amarrada à uma parede imaginária, que não lhe permite escapar.
Após "apagar" esta figura, se vê livre e, dessa forma, a mata (não apenas na forma literal). Mas atrás do disfarce da figura, havia outro rosto. Um rosto que muitos não reconheceram. A imagem posteriormente criada a partir de um simples homem a pedir dinheiro, sem nada de divino, apenas com o poder de amedrontar. Amedrontar sobre a morte.
Flerte
3.6 12Apesar de quem assiste tentar pesar para um lado, a mensagem continua uma dúvida que pertence aos dois lados do muro. "Flirt" apresenta suas estórias, apresenta seus personagens e suas tramas com leves e sutis diferenças, mas que as fazem terminar em campos longínquos. Hartley tenta colocar pessoas em situações parecidas e pedir uma manifestação de seus caráteres. Ao comparar seres que vivem dramas semelhantes, mas que moram em diferentes pontos do globo, o diretor contrasta o universal e o cultural. E nos surge a pergunta: "É o meio quem determina o ser ou o ser que determina o meio?". De modo a estudar as ações, tem seu cunho psicanalítico e sociólogo. Mesmo sem nada concreto, o que vale é o exercício de tentar entender esse paradoxo que convém ao homem. Além, ainda temos a bela trilha sonora e as ótimas atuações.
A Mulher Pública
3.8 20Como cabe tanto conflito dentro de duas horas? Pergunte ao Zulawski! Uma compilação de gritos e desesperos, muito suor escorrendo, atores sendo atores e arte visualizada no corpo nu. Com sua câmera viajante (detalhe incrível), o diretor explora o íntimo das personagens, se intrometendo como um observador atrás das cortinas, fechando os closes nas suas expressões. O resultado é um trabalho incrível, com um elenco que levou a atuação à outro patamar. Com uma tensão constante no ar, o longa mistura um tom de suspense com o drama, e ainda inclui uma apreensão e inquietude em relação ao clima que sempre exala sensualidade entre as personagens. Mas apesar de tudo isso, o que talvez possa incomodar mais o espectador é a violência, agressividade e falta de respeito nas relações que brotam na tela. Envolvido com um discurso também político, faz alusões à desordem e caos, hipoteticamente necessários para se construir uma sociedade baseada no amor. Fica então um contraste que parece não ter sentido, uma questão na cabeça, bem confusa e aparentemente insolúvel: o que o diretor quis dizer, afinal? (Não consigo deixar de lado também... alguém faz ideia de qual era a intenção das tantas referências à Deus?)
Carmen de Godard
3.4 31 Assista AgoraLendo os comentários, acho que muita gente, de cara, não entendeu o contexto do filme. E é confuso mesmo, durante os primeiros vinte minutos, o longa chega a fazer o espectador se perguntar que raios são todas aquelas cenas desconexas. Mas aos poucos, principalmente na figura do próprio Godard, alguns indícios de sua intenção aparecem. Dessa forma, sem o contexto, esse filme não tem pé nem cabeça. A grande metáfora começa a surgir quando entende-se que o bando de ladrões pretende usar a desculpa de fazer o filme para roubar um hotel. Logo mais à frente, em um diálogo, Godard diz que foi expulso do Cinema cinematográfico, aquele de grande porte e atenção, onde o dinheiro se sobressai. Aí está o contexto. Quase como um sopro de sua própria relação com a indústria de filmes, ou talvez um grito, o diretor ironiza. Um milhão e trezentos mil - ou uma quantia desse calibre - foi o que o personagem pediu em troca de sua participação. E assim segue, soltando frases como: "Não é hora de abrir os olhos, sim de fechá-los", que encaro como ironias sem fim. A deixa final culmina em uma citação à Mao, que deu comida à todas as bocas. Godard parece pedir mais atenção ao Cinema independente. Metalinguagem!
Queda Livre
3.6 591Conforme os minutos passam, é como estar em queda livre literal, junto com os personagens, e não ter onde se ater. Mais um longa alemão com muita sensibilidade, buscando a parte mais humana do drama. De tempos para cá, é percebível um aumento de estórias que tratam um romance com mais maturidade, e isso é um avanço à mentalidade. Apesar do protagonista ter uma esposa, apaixona-se por outro homem. E essa é a vida, sem rótulos, apenas acontecendo. Bastante dos diálogos pareciam retratar esse lado homofóbico e normativo da sociedade, por exemplo aqui, na figura da mãe, quando diz: "Eu não te criei para ser assim". Logo rebatendo, o protagonista "Me criou para ser igual você e papai?". Ou mais adiante quando
a esposa pergunte enfim o que seria ele. Mas nem mesmo ele tem resposta. Marc tenta voltar ao bar gay, mas não consegue ficar com outros homens.
Eu Vos Saúdo, Maria
3.5 105Depois de assistir "Je Vous Salue, Marie" ficaram me passando duas hipóteses, e mesmo após ler diversas interpretações, não me convenço de abandonar uma delas. De fato, o filme fala sobre a origem da vida e a religião. Mas a forma que Godard trata, não deixa explícito seu posicionamento, o que causa um ponto de interrogação desafiador e polêmico ao espectador. O filme se inicia com um viés voltado para o lado "investigativo", onde as personagens apresentam a visão de que bastaria olharmos no espelho para entender o caminho, seríamos extraterrestres e a vida poderia ter sido originada fora daqui (imagens da Lua são bem constantes, será que Godard quis exemplificar?). O foco se altera e entra um teor religioso, no qual a figura de algo superior que nos condiciona inteligência seria a origem. No meio disso, eis que surge Maria. Remontando os aspectos da velha estória, mas com uma Maria moderna, o filme passa a tratar da relação carne-alma. O desejo e a devoção, se antagonizando. O milagre no ventre sem a fraqueza do corpo. Mas o que Godard quis dizer com isso? Daí me ocorreram as duas hipóteses. A primeira seria uma tentativa de retratar a mulher como um ser divino, além de adaptar os acontecimentos bíblicos para aspectos atuais. Contudo, fiquei a pensar, será isso? E outra ideia me brotou, talvez um pouco radical, na qual Godard estaria provocando e levando ao extremo a situação para mostrá-la o quão absurda é. Assim como a personagem (não dizendo na concepção bíblica), há outras Marias por ai, que se impedem de viver o desejo carnal em detrimento de sua religião. Por mais que passem noites a fio em claro, contorcendo-se contra o ardente fogo de seu corpo para controlar as mãos, por mais que sintam a vontade, permanecem longe do prazer. E o letreiro constante na tela, "Naquele tempo", me pereceu dizer que nada mudou. Há dois mil anos "Marias" se destituem do batom vermelho, mesmo que em suas mentes o vermelho esteja lá, em seus corpos há pureza. Quanta contradição!
Boy Meets Girl
3.9 40 Assista AgoraA influência Nouvelle Vague é o charme de "Boye Meets Girl". Para retratar vidas tão singulares e aparentemente vazias, o preto e branco, os closes e os gestos peculiares se combinarão bem. Ao mesmo tempo, temos um contraste entre a tragédia e um certo tom de zombar do romance exagerado que o período francês buscou para tratar o amor. Temos jovens desesperados por um sonho maior e a representação de alguém realizado; jovens amando; jovens vivendo (des)encantamentos. As motivações das personagens não são evidentes, na tela brota apenas o que consegue ultrapassar suas palavras escassas. O silêncio, o medo guardado foi substituído pela inesquecível conversa na cozinha entre os protagonistas. De forma introspectiva, a morte é um assunto implícito no longa, a solidão da vida quando se sabe que terá um fim. A voz da criança no início, divagando sobre o fim, fim que os protagonistas também tentam afogar em cigarros, sonhos, barulhos e amor.
Veludo Azul
3.9 776 Assista Agora"Eu sei diferenciar o certo do errado". Aqui, Dorothy é a nossa representação de contradição humana. A face explorada e sofrida pelos abusos, e a outra que venera uma perversão condenada pela ética. Lynch colidindo mundos opostos, desejando mostrar que na verdade, possam ser apenas um. E usa para isso, um pouco do "american way of life" para assumir sua crítica. Pessoas sorridentes, passarinhos que vencem a escuridão, a escuridão que passa a ser aniquilada e não mais existir, finais ensolarados. Contudo, a realidade não condiz ao sonho, a luz azul volta a lembrar, a cortina de veludo que esconde o pútrido estará constantemente ali. Blue Velvet parece querer ser um poço de mistério, sem dizer ao espectador o passado daquelas personagens, sem justificativas aos atos. São apenas atos, humanos em seu lado feio. E porque existem pessoas assim, onde seu lado podre ultrapassa o limite do prejudicar? Lynch também quer saber.
Narradores de Javé
3.9 274Se um povo pode revogar um abuso provando seu valor como patrimônio, os que tem seu valor registrado nas memórias e vivências também o tem. Fazendo um misto leve entre a comédia e a crítica, "Narradores de Javé" desperta o diálogo com o público. Mas não cai na história de coitadinho, estimula a perda de ignorância para conseguir atingir melhor o objetivo de lutar contra um governo malandro que sabe jogar bem contra seus oponentes, desarmando-os. A diretora soube brincar com uma certa poesia natural nas cenas e o filme encanta. Eliane Caffé sabe contar uma história... ou, várias.
Contra a Parede
4.1 156Personagens fortíssimos, muito carnais, reais. Akin quis, dessa vez, retratar o mundo dos que não se encontram, os perdidos entre a vida e a sombra. Alguns, buscando o apoio desesperado de outro alguém para voltar à chama, deixar de lado a sobrevivência e voltar ao espírito de existir realmente. Com a bela trilha sonora turca, a trama ganha corpo aos poucos, revelando devagar o passado de Cahit e o que parece ter lhe trazido para loucura, o amor. Ou a perda de um amor. Temos um protagonista agressivo, mas dá pra perceber a provocação diária em contato com a alma do homem. Dessa forma, há diversas outras figuras no filme, representando a vergonha acima do afeto, a moral destruída pelo incentivo à liberdade, até um pouco do período vivido por Istambul em meio às drogas, pelos jovens que buscavam conforto da realidade. Crítica, contra-pontos, romance, cumplicidade, hipocrisia, isso é "Gegen die Wand".
O Sopro do Coração
4.0 97Com jazz embalando as cenas mais primorosas, "Le Souffle au Coer" se mostra um longa incrível e audacioso, com certa vontade de cutucar o nosso senso de normalidade. Malle desenvolve a narrativa com altíssimo grau de espontaneidade, e aquilo que não deve ser dito e nomeado, o espectador sente - um espectador convidado a embarcar nessa viagem que desconstrói e chuta a moral.
Amor, sexualidade, corpo e descobrimento daquilo que não se entende. Como quem diz não vamos olhar rótulos, apenas afeto. A naturalidade das personagens foi um triúnfo para este longa. Malle fala sobre vínculos a todo instante, na relação do menino com consigo mesmo (o menino e o Homem), quando ressalta amizade jocosa entre os irmãos e com o a problemática da mãe. E enfim, temos um protagonista que não se culpa com as palavras de julgo do padre e uma mãe, confusa com seus dramas amorosos, mas que busca na mesma medida deixar o que deve ser deixado para trás, o que torna o filme sutil nas suas formas de tratar a temática da atração e da amorosidade. Belo (:
A Garota da Fábrica de Fósforos
3.9 161 Assista AgoraUm olhar que aparenta ser indiferente sobre uma vida também indiferente. O vazio existencial de Iris é refletido em uma rotina comprimida, longe de surpresas e emoções, onde ela apenas se dedica ao trabalho tedioso na fábrica e o trabalho caseiro para os pais. E que pais! Tão indiferentes quanto a própria Iris, todos parecem manter uma distância entre si, sem vínculos profundos. Ao que se parece, a protagonista já vinha levando a mesma vida há bastante tempo, acostumada com a lentidão ia se arrastando, o que lhe frutificou as tantas decepções. As cenas do bar com a música ao fundo (a letra da música significou bem suas expressões), representam o que Iris estava sentindo. E falando sobre o final...
para quem está vazio, talvez não haja nada a perder, Iris não esperava mais. O pouco que restava de uma parte feliz de seu ser humano foi destruída com o relacionamento desencontrado, o que pode tê-la feito sentir como uma confirmação de todas suas decepções.
A Viagem
3.7 2,5K Assista AgoraAcho que a primeira coisa que pode ser elogiada nesse longa é o roteiro. Uma imensidão de detalhes para criar toda a maquinaria funcionando corretamente, com os encaixes perfeitos. E trabalhar com a ordem cronológica quebrada, muitos personagens, vidas que se esbarram, não deve ser nada fácil. Sendo assim, o filme foi bem sucedido nesse ponto, que aliás é o principal - justo pelo tema. Para entender "A Viagem" é preciso àquele exercício de deixar de lado as distrações e focar na proposta, se não será um daqueles desavisados que começam a se perguntar porque há personagens repetidos.
Mas então, o que "A Viagem" te propõe? Creio que uma reflexão sobre como as coisas acontecem no mundo, da forma mais literal que isso possa soar. A temática vem sendo bastante explorada no Cinema, é bem interessante notar os vários tipos de condução. Nesse longa temos a recorrente frase que diz que a nossa vida não é realmente nossa, ela é resultado de outros passados; e a cada ação, construímos futuros; a cada pessoa, construímos possibilidades. E o filme consegue te "provar" isso, claro, à sua maneira. Com provar eu quero dizer, validar dentro de sua proposta que a história se sustenta.
Outro detalhe pra se notar é o fato de não importar a época, sempre há um sistema que tentará acobertar a verdade. O conhecimento é a sede, o perigo, portanto o sistema vigente não quer liberdade à ninguém.
Quanto aos personagens repetidos, vale voltar nisso porque foi bem comentado, na minha percepção, apenas representam o fato de aquela pessoa não ser ela mesma , mas o resultado da influência de outra, nada de vidas passadas. Como se fossemos todos contínuos, uma porta que se abre e segue adiante, e continua vagando infinitamente.
Frances Ha
4.1 1,5K Assista AgoraUm longa que celebra a profundidade da amizade. A bonita sensação de olhar para o outro e saber que tem um mundo; outra dimensão ali, naquele lugar. Frances Ha é o retrato da espontaneidade, espontaneidade hoje perdida meio há uma sociedade que não aprendeu a dançar com a vida, brindar as relações e dizer "eu te amo".
Kes
4.2 142"Kes" é um daqueles filmes que contém certas cenas que tem a missão de lhe incomodar. Mas um incômodo de muita boa intenção, a reflexão. Certeiro, critica sobre a hipocrisia e as opressão vividas no mundo daqueles meninos, daquela época. Professores desinteressados e violentos; escola ignorante; manipulação pela religião; família desestabilizada pelo trabalho "escravo" e outros problemas de relacionamentos; ninguém sai impune ao olhar cítrico de Ken debruçado sobre os detalhes dessas vidas. Depois de tanto assistir às diversas cenas onde os meninos são maltratados, ouvimos o pequeno e tão esperado desabafo de Casper ao professor, onde a intenção do filme se torna evidente. Então temos o falcão, representando todo o poder de voar para longe, toda a liberdade contrária à Casper e àquela sociedade evidenciada. Algumas falas, possíveis pela presença do livro, mostram como treinar o bicho. Um paralelo disfarçado com a repressão e "treinamento" das crianças... "leva tempo, requer paciência", mas quando você se der conta, chamará seu nome e ele aparecerá obedecendo. No fim das contas, o personagem percebe que não há domesticação, o instinto é voar à sua maneira, aparecendo a oportunidade...
O Sangue de um Poeta
4.2 44O mergulho do poeta - ou se necessário, trocar por qualquer um que faça arte, funciona - dentro de seu mundo. A introspecção à fundo numa mente incessante por criação, onde leis na física não valem, nada melhor que o surrealismo para brincar com isso. O espelho reflete. Será? O abismo adentro parece melhor refletir. O trabalho duro de um artista, tem seu sangue escorrendo e na mão um possível suicídio por ter a audácia internar tantos sentimentos. (Agora, vamos combinar, que fantástico esses "efeitos especiais" serem feitos em 1930, as alternativas arrumadas. O resultado é uma magia teatral misturada com o gostinho da fantasia do Cinema.
Hiroshima, Meu Amor
4.2 315 Assista AgoraNa minha visão, "Hiroshima, Mon Amour" é uma bela crítica disfarçada numa relação amorosa, onde os personagens quase que interpretam a própria catástrofe em questão. O longa começa mostrando já o que representa o estilo de Resnais, sem medo algum de chocar com as imagens fortes, e uma narração poética que mistura um tom documentário-ficção. Os fatos começam a clarear quando ocorre a cena de uma passeata, onde há muitos cartazes com frases que estampam o apelo do filme. A partir dali, os diálogos se focam em transmitir: a memória é fraca, cuidado! O que aconteceu à Hiroshima não pode ser esquecido, foi um indicador do despreparo humano, da indiferença frente ao perigo que as tecnologias avançadas podem apresentar (creio que muitos filmes do período estavam abordando temas assim, a Guerra Fria gerava a tensão crescente). Marcas dessa violência se solidificaram na vida de gerações, tanto a afetada como as posteriores. Mas o tempo passa, e por mais que a promessa seja não esquecer, a memória encurta e o perigo mora nessa casa. Repetir e viver eternamente na ignorância... é pra ter medo de esquecer mesmo!
Eclipse de uma Paixão
3.6 221 Assista AgoraRimbaud queria ser todos, experimentar o contra-censo comum de ter apenas uma personalidade. Ao se permitir qualquer coisa, estava livre de permanecer em uma carcaça imutável, e para o poeta, isto lhe dava sua escrita. "Total Eclipse" mostra seus personagens de forma crua, revelando suas brutalidades e ao mesmo tempo frisando todo o amor em suas almas. Com atuações incríveis, o longa surpreende qualquer um que esteja enjoado com a mesmice que são tratados filmes de assuntos semelhantes nas grandes produções. David Thewlis e DiCaprio seguraram os grandes papéis com muita força e originalidade na interpretação, e imagino o quão difícil possa ser a gravação de certas cenas. Contudo, se houve tal dificuldade, nada transpareceu, apenas a naturalidade na relação. Um dos pontos positivos do filme é este, não se perde no julgamento que uma relação como essa poderia causar na época, e sim na vivencia do conflito de sentimentos. E Rimbaud estava, e ainda está, acima de seu tempo com a famosa frase "o amor precisa ser reinventado".
Manderlay
4.0 297 Assista AgoraEssa proposta de filmar o que parece quase um teatro é algo diferente, poderoso. Lars consegue, sem outros artifícios, estruturar sua história, puxando o foco inteiramente para as relações humanas. No contexto, cenários não são importantes, são tão desprezíveis a tal ponto de não existirem portas, e os personagens fingirem que estão a abri-las. A estranheza inicial é rapidamente esquecida, o mergulho na psicologia das personagens é o que atrai. O amadurecimento em relação à Dogville parece realmente acontecer, mas continuar a compará-los seria um erro, são filmes diferentes e merecem olhares diferentes. A crítica da vez continua tendo como pano de fundo toda uma discussão filosófica-humanística. Aponta erros vindos das duas partes que fazem girar o conflito, colocando a ideologia e moral de negros e brancos em xeque. O julgo de um sobre o outro, tentando desesperadamente o controle. E Lars mostra o lado mais feio de cada um, talvez seja o que assuste no seu Cinema: um reflexo de alguma partezinha do espetador.
Filhos do Silêncio
3.6 80 Assista Agora"Filhos do Silêncio" consegue equilibrar seu ponto de ataque, garanto que sorrisos involuntários surgirão no canto da boca, a leveza e simplicidade das cenas dizem tudo. Acompanhamos todo o processo de Sarah angustiados, desejando que ela se renda e passe a compartilhar mais da vida que nós, não surdos, levamos. Porém, o ataque do filme acontece neste exato ponto. Apesar de Sarah ter vivenciado um trauma, sua vontade é permanecer na linguagem de sinais. Talvez seja este o enfrentamento reflexivo que "Filhos do Silêncio" traga: a aceitação da realidade de outro alguém, alguém que está de acordo com esta realidade. A dificuldade de apenas entender, sem desejar que a pessoa abandone suas vontades, e trazê-la para sua realidade, é um desafio ao ser humano. No final das contas,
nem um mundo de silêncio nem de barulhos, mas um mundo próprio, uma realidade própria criada em união. Muito bonito isso.
A Sexta Parte do Mundo
4.3 8É de se esperar que um filme da URSS fortaleça sua ideologia e aponte para os americanos. Mas não há aqui uma crítica que incita o ódio, Dziga Vertov mostra realmente a alienação por conta do trabalho que explodia nas fábricas, as máquinas soltando seus vapores e os homens intoxicados com essa rotina capitalista. Bastante marcado pela montagem rápida e cheia de flashes logo no início, Vertov já começa a fazer uma paralelo à correria da produção, e para acentuar o clima (aí já fica uma dúvida, seria por falta de grana ou intencional) uma trilha sonora que se comporta como mantra, um mantra que não acaba nunca, e segue num ritmo frenético. No estilo cinema-verdade, documentarista, são capturadas imagens reais do período vivido, uma população em busca de uma sociedade mais justa.
O Sol Em Uma Rede
3.9 8"O Sol Em Uma Rede" explora o conforto da mentira. Bela e o irmão mentem constantemente para a mãe cega, procurando agradá-la e induzindo ao que desejam. Distorciam os fatos reais para os tornar mais atraentes. O filme traz então uma crítica ao controle comunista na Checoslováquia. E não, mas você não percebe isso se não prestar muita atenção, pois não há nada de explícito, necessita de um conhecimento básico do contexto histórico. Salvo isso, são todos significados montados ao longo das cenas, através da coligações das falas com certas imagens. E justo para passar fora do controle Marxista dominador, que não permitia mostrar o lado feio das coisas, trabalhou com a subjetividade. A rede é o filtro. Mas além disso, "O Sol Em Uma Rede" parece continuar abrindo outras ramificações que vão se multiplicando. Como se gritasse que nós somos humanos, e apesar de vangloriarmos a verdade, nos "contentamos" diversas vezes com a mentira, seja ela em qualquer plano. Em certo ponto, a cega parecia representar o plano da religiosidade, dando destaque para as mãos. Tudo que as mãos tocam é real, as mãos não mentem. A fé abalada, como poderá crer em algo que não vê (toca, nesse caso)? Existe uma conexão metafórica, ou trouxe-me individualmente essa proposta.
Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo
3.9 502 Assista AgoraQuem não acredita que é possível fazer um filme sem personagens fixos, está aí uma obra que prova o contrário. Talvez fosse melhor dizer, temos apenas um personagem fixo, mas seu rosto nem é revelado. E como tudo isso funcionou? Exatamente dessa forma. Sem rosto, com alma. Vemos todo o caminho pelo olhos da personagem; descobrimos seus pensamentos através de sua poesia diária, filmada com uma aparente câmera caseira. José Renato quer ser o super-homem (nietzsche), mas seu amor lhe faz dependente, lhe faz voltar. "Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo" é honesto com a realidade, brinca em captar de formas distintas e sutis, as visões dos passageiros das terras cuja seca hostiliza. Faz um paralelo: todo esse povo que vive no isolamento se diz feliz, mas o que parece é que precisam ir. Ir à algum outro lugar. Talvez permaneçam ali apenas porque amam. Precisar e amar, o racional e o incontrolável.
Enigma do Espaço
2.7 162 Assista AgoraWhat?