"É 6 de dezembro, 1976. Não há nada a se temer além do medo em si. Sei menos e menos sobre quem eu sou, ou quem qualquer outra pessoa seja".
A angústia e excitação do Zimmermann me lembrou, por várias vezes, a de Travis Bickle no Taxi Driver. De início, movido pelo medo das ações ilegais e desconhecidas para si: é notável o nervoso de Jonathan no metrô parisiense para cumprir sua missão primeira, o
. Me assusta - e surpreende - o frenesi no qual Jonathan, em si mesmo, entra em tais atividades ao longo do filme. Podemos ver, aqui e acolá em algumas cenas, a "naturalização" do processo assassino, do instinto, no psicológico do moldurista que, até então, era um pacato trabalhador, homem de família - mas enfermo. Terminei o filme com aquela sensação de que o Ripley
certamente passou por tais processos, também. Se na narrativa presente do filme, na cena de execução do trem que parte de Munique, se mostra já frio e exímio na arte de matar, percebemos, principalmente nas cenas com o velho pintor e em algumas com Raoul como existe uma recusa sua para continuar em tais atividades com tais ações. Como diz no fim, sobre Jonathan, "não somos tão diferentes".
Aparentemente pelo que já li, é bater em água falar da fotografia dos filmes do Wenders, e O Amigo Americano é maravilhoso nesse quesito. O domínio de câmera, a sequência e escolha dos cortes, tudo aqui é impecável. Pessoalmente, me surpreendeu mais que Paris, Texas nesse ponto. Um thriller belíssimo.
Tem uma questão que precisa ser levantada por esse filme: grande parte de críticos e de suas análises o taxaram, marcaram, pegaram um ferro quente e estamparam na testa como sendo o filme mais "romântico" sobre o Churchill. E é partindo desse ponto que que quero basear meu comentário. O Destino de uma Nação é historicamente fiel em sua grande parte: em uma hora e vinte, vemos o cenário de uma Inglaterra desolada com os avanços alemães por sobre a Europa, a crise política reinando na ilhota do rei, Neville Chamberlain ainda acreditando piamente numa via de paz com a Alemanha nazista e uma "disputa" pelo cargo de primeiro-ministro, acirrando ainda mais a crise já citada, com a renúncia do Neville em meados de 1940, acarretando numa onda de incertezas sobre os futuros da monarquia, da classe política e daqueles da sociedade que tinham esperança numa reviravolta rápida frente às ofensivas nazistas: temos tudo isso, trabalhado muito bem, até este ponto do filme. Nesta primeira hora e tanto, vemos quase que um retrato totalmente fiel ao clima hostil da política inglesa pós-renúncia do Chamberlain: partidos se digladiando e sem uma unidade para seguir em frente, o Halifax como favorito para assumir o cargo (e que já tinha planos de uma rendição, o nome é esse mesmo, perante o Eixo) e um Churchill literalmente desmoralizado: lembranças - breves, infelizmente - de Galipoli (o ataque totalmente malsucedido comandado por ele na Grande Guerra de 1918, quando quis surpreender os otomanos atacando um arquipélago próximo de Instambul), do genocídio hindu a fogo baixo na Índia e uma opinião pública contrária à qualquer aparição/frase solta/foto sua. Em uma hora e meia, não vemos uma versão romântica do Churchill em tela: vemos, sim, uma figura pública desmoralizada, impopular, temente aos rivais, ignorante frente às notícias do conflito moderno
- destaque para a cena hilária do representante francês, quando Churchill já exerce o cargo de primeiro ministro, sobre os tanques alemães -
e completamente alheio à qualquer sensibilidade, seja em vida privada, seja pública. Fantástico... até aí. É aqui que Destino se torna daqueles filmes que, quando termina, tu olha, pensa e comenta com quem tá a teu lado: "por quê porra esses caras não continuaram fiéis ao que vinham fazendo?". E aí entramos na fase decisiva do filme. A ruptura é a cena do
Churchill realmente ficou conhecido, durante a guerra, por conversar casualmente com civis pelas ruas (ou abaixo delas, no caso), comentando a situação financeira e militar do país àquela altura, mas
não existe registro algum de que pegou o metrô naquele momento e, pior, fez algo tão dramático como aquilo! A apelação (a palavra que encontrei é essa mesmo) cresce aqui: um Churchill praticamente inverso daquilo que foi apresentado (e como ele realmente era) até esta parte toma conta do filme. Se apresenta sensível, conversa com todos ali, até se inspira -e chora! - com a bravura de uma criancinha corajosa e nacionalista no metrô vazio.
E é aqui que me identifico com muito das críticas veiculadas pelas mídias sobre o filme. A questão pra mim então se torna: porque não manter-se fiel àquilo que vinha sendo posto em prática até então? Pra evitar o textão (mais do que já está), basta dizer que houveram casos quase que cinematográficos mesmo do Churchill e suas ações um tanto inusitadas naquele período - uma breve caçada pela internet e encontramos várias; pra quê, então, não filmá-las e manter uma credibilidade que estava sendo tão bem construída? Por quê optar por fazer uma figura caricata como aquela, que o Churchill, personagem cinematográfico aqui, se tornou?
E esse foi o peso determinante pra mim: como já comentaram mais abaixo, o filme é muito bom tecnicamente, Gary Oldman carrega a narrativa mas, caralho, o puxa-saquismo deve ir até a página 2.
A melhor definição do que é esse filme e sobre do quê ele trata pra mim quem deu foi, curiosamente, Stanley Kubrick, o "rival" criado pela crítica cinematográfica (com seu 2001) ao gênio do outro lado da Cortina de Ferro; e o melhor de tudo: aparentemente sem a intenção, como se inconscientemente tivesse feito tal link ao acaso que, magicamente, se adapta ao Solaris. Em uma entrevista pra Playboy, perguntado o "por que de se dar valor à vida", mesmo que "ela seja sem propósito", Kubrick respondeu que o "fato mais aterrorizante do universo não é que ele seja hostil, mas indiferente", sendo que o "significado da vida é forçar o homem a criar seus próprios significados". Se conseguirmos chegar em "acordo com estas indiferenças e aceitarmos os desafios da vida com as fronteiras da morte", continua, "nossa existência como espécie pode ter um significado genuíno e compreensível".
Kris lida com tais questões, cujo clímax se dá com aquele final, no qual notamos que ele escolhe viver em Solaris com suas imaginações, sentimentos, aquilo que lhe dá conforto, sua sensibilidade.
Uma crônica de mais de uma hora em formato de filme. A Polônia cinzenta, burocrática, comunista, na visão de Kieslowski. Daqueles filmes que vale dedicar uma atenção maior ao "redor" do protagonista, e perceber um recorte temporal, um cenário, que nos parece tão distante e praticamente inexistente dos dias atuais.
Impressionante como o cinema de "cotidiano adolescente" (isso é gênero?) tem um respeito de crítica e admiração do público no cenário estadunidense. Lady Bird não foge desse tema, se colocando ao lado do pedestal de alguns filmes de sucesso de público ou crítica do Richard Linklater (Dazed and Confused e Slacker, por exemplo, de temáticas semelhantes com conteúdos bem distintos), ou até de produtos televisivos como Anos Incríveis ou Malcolm in the Middle. Respeito, mas como uma menina comentou mais abaixo foi um tanto "simplista" demais, manjado. Apesar de escancarar de modo sincero as dificuldades de "voar" de uma adolescente classe média baixa típica (dos EUA - e branca, evidentemente), pra mim pareceu mais do mesmo; fiz até um comentário anterior de que seria um "As Melhores Coisas do Mundo" estadunidense, e pra mim ainda segue nessa tônica mesmo acabando de o rever. Seria Lady Bird um alter-ego da Greta Gerwig? Um exercício curioso, uma experiência um tanto enriquecedora, por fim: colocar Lady Bird e Moonlight, cada qual com suas temáticas e recortes de história, para se pensar/analisar as adolescências (no plural mesmo) estadunidenses, em suas dificuldades, problemas, cenários e contextos sócio-econômicos.
E não faz o mínimo sentido pra mim de como a Margot Robbie, em Eu, Tônia, perdeu pra Saoirse o Globo de Ouro. O jeito é esperar uma justiça no Oscar - o que, convenhamos, é improvável.
Há um detalhe tão pequeno que, por aparecer tão mais que esperado, pra mim se tornou imenso para se pensar esse filme. A questão da identidade, é evidente, permeia A Pele que Habito:
desde a exposição de Robert perante os espectadores, nota-se por quase duas horas como Almodóvar vai abordando, aqui e acolá, o quesito do ser, de como eu me identifico e como o faço: da insanidade "científica" de Robert até a figura de Marília como uma mãe que germinou frutos "problemáticos",
tal tonalidade vira a tônica e dá as cores ao filme. "O rosto nos identifica", é o que fala Robert; e aí chegamos no que me chamou a atenção:
ao longo de todo o discurso narrativo sobre como me identifico, como eu me vejo e o que "de fato sou", me chama muito a atenção, na casa ricamente decorada do doutor, um quadro. Um quadro em seu quarto no qual dois corpos (humanos? Divinos?) dividem a perspectiva de quem o vê. Ambos prostram-se num lugar bucólico, à beira de um lago (ou um mar? Não me recordo bem), quase que um paraíso. Ela, deitada de costas, vê ele, em pé de posição quase que heroica. Mas, detalhe: os corpos não tem rostos, quase como que a capa do álbum "Singles" do Future Islands. Em um filme que preza pela discussão das identidades e de como nos vemos, um detalhe, pequeno, engloba e enriquece essa obra prima do Almodóvar.
o anti-herói dos valores jedi. O papel atribuído ao Mark Hammil nesse filme pra mim foi um dos maiores ao longo de todos da saga até então: como pegar o herói clássico que Luke Skywalker era, consolidado por três filmes de valor titânico ao cinema, e, em partes de um filme no qual o Luke nem era protagonista, praticamente virar do avesso tal personagem? Vou me explicar melhor, e o por quê considero tal papel um dos maiores. Star Wars, por muito tempo, apoiou-se na questão maniqueísta da Força: a trilogia clássica deu a base pra tal pensamento, e os episódios I, II e III, apesar de já darem indícios de que a parada não era bem essa, não abordaram tal proposição. A Força não é explicada por puro maniqueísmo: não é simplesmente os jedi (bom) e os sith (mal), a situação não se explica tão facilmente assim. O baque causado pelo exílio involuntário de Luke, quando tudo deu merda com Kylo Ren, o faz (e a nós fãs também) ter a sensação de que a crença de que estava lutando por um lado "bom" se apoiava necessariamente no lado jedi. Ora, vemos Luke criticar as escrituras clássicas: pensa até em tocar fogo (e literalmente morreu pensando, porque vemos Rey, na nave, levar os livros) na biblioteca da filosofia jedi, por entrar em conflito naquilo que ele considerava ser sua identidade; vemos também um constante desprezo dele ao nomes dos grandes jedi que estavam ali, por supostos atos que haviam sido feitos em determinadas épocas e garantiram o equilíbrio ao universo. Luke sabe que tais escrituras são românticas DEMAIS. O domínio/presença jedi nunca garantiu, à todos rincões dos planetas, a suposta paz que deveria haver, do mesmo modo como a presença imperial e sith levou opressão e horror à cantos até então livres. Luke não quer se vangloriar, ficar para a história como um intocável, até porque renega isso (existia Nietzsche nesse universo?),
e chegamos, por isso, a uma das cenas mais lindas e carregadas de todo o universo Star Wars:
o transcender de Luke é a confirmação de tudo aquilo no que ele acreditava: Luke criticou a Ordem Jedi, não a negou; Luke entende que o Império tem de ser derrubado, mas não por causa da presença sith. A Força não é preponderante no "bem" ou "mal", e isto é uma escolha individual. Luke, que queria certamente fugir de todo romantismo típico que se atribui aos supostos "heróis", faz sua ação calada, apenas para si: Kylo Ren acredita, certamente, que Luke está vivo e em fuga com o que restou dos rebeldes; Rey pensa que Luke faleceu, heroicamente, em combate segurando a Nova Ordem. Mal sabem que Luke fez a maior demonstração do uso da Força em um planeta esquecido, consumindo tudo aquilo que existia dentro de si. Humildemente e, na opinião desse que vos escreve, aí sim heroicamente, Luke faz o mais grandioso ato de toda a saga sem nenhum momento se vangloriar ou gabar por isso.
Impressionante como todo penúltimo episódio de Bojack é uma obra de arte, seja em roteiro seja na qualidade artística e gráfica, que marca toda a temporada.
"Haveria um tempo no qual eu mandaria lhe fuzilar"
, disse Endicott resumindo, em uma cena de pouco mais de vinte minutos, quase que sociologicamente as relações étnicas e preconceituosas do sul estadunidense de ontem e de hoje.
"Não há texto [...] que possa conter a verdade. A verdade só existe na vida; você é a verdade. [...] Não há verdade, exceto naquilo que acredita que o que faz é verdade. [...] Nós somos todos mentirosos, pelo menos um pouco".
Mentiras de Guerra é um filme peculiar em todos os sentidos; uma breve reflexão, do momento em que foi feito, como foi feito e talvez o por quê foi feito ajudam a assimilar um pouco o que foi, e é, este vencedor de Palma de Ouro. Alguns historiadores e professores de história compartilham da opinião de que "o breve século XX", marcado por guerras, massacres e atrocidades numa escala jamais vista nas sociedades humanas, perpassa, em seu começo e fim, uma cidade balcânica: Belgrado. Foi lá, em 1914, que um atentado terrorista serviu de justificativa pra uma série de declarações de guerra entre as potências e impérios à época; também foi lá que, já na década de 1990, quase 70 anos após a Primeira Guerra Mundial, a Europa percebeu que os horrores da primeira metade do século poderiam sim se repetir, em uma guerra civil fratricida num país (e cidade) que serviu bem de quadro deste "breve século"; Belgrado viveu duas guerras mundiais, um reinado que ignorava as questões e identidades nacionais, a fúria nazista e, como cereja do bolo, o poder de um mão-de-ferro que, por linhas tortas, passou a imagem de ordem neste país do lado comunista da chamada Cortina de Ferro. Para completar, com a queda dos regimes socialistas, o país experimentou uma guerra civil absurda no qual as grandes potências ocidentais e a ONU viraram suas costas e deixaram o caldeirão étnico, tenso na região há séculos, explodir com respingos em boa parte das sociedades europeias atuais (olá, imigração em massa). Kusturica perpassa boa parte dessa linha do tempo histórica aqui; e, bizarramente, por meio da comédia. Mentiras de Guerra não é peculiar pra mim apenas por isso: foi exibido em 1995, sendo provavelmente produzido antes, quando a Iugoslávia, agora dividida, abria suas feridas ao mundo em uma série de chacinas étnicas na guerra civil que marcou o continente europeu de fins de século. Boa parte dessa história é abordada em 170 minutos de humor um tanto quanto......estranho. O sofrimento e o horror da invasão nazista, a crítica virulenta ao sistema socialista imposto por Tito pós-guerra, com as memórias sendo deturpadas e literalmente sendo escondidas debaixo de porão, a divisão do país pós-queda da Cortina de Ferro: pra não me alongar tanto, é um filme que tem um peso histórico incomensurável. É, como todo filme agraciado com uma Palma de Ouro, imperdível.
"É incrível como às vezes nos metemos em encrencas que não conseguimos sequer entender, e mesmo assim não conseguimos pensar mais em nada. Ficamos tão transtornados que não servimos para nada".
Kubrick, com um roteiro narrativo fraco e algumas atuações duvidosas (Irene Kane em nenhum momento me convenceu aqui - e olha que sou péssimo para avaliar atuações!), faz aquilo que dá a sensação de ter sido o filme mais "cru" de sua filmografia: o plot, curto, parece se encaixar no formato que a United Press certamente impôs/cobrou à produção do filme (quero acreditar, fã bobo que sou, que tal recorte de tempo foi imposto, e não uma exigência do Stanley): como comentaram mais abaixo, a impressão que se tem é de que Killer's Kiss nada mais é que um grande laboratório no qual um diretor ainda jovem literalmente testa, arrisca e ousa mas, como fruto de tais ações, também erra. Kubrick brinca com efeitos e tomadas constantemente (pra um filme com menos de uma hora e dez minutos isso vira até muito ousado e arisco demais pro que viria a ser o produto final): a cena do
pesadelo de Davey, durante o ataque de Vincent à Glória, e a ira de Vincent arremessando um copo de whisky em um pôster e "atingindo" a câmera
são alguns exemplos do laboratório cinematográfico que foi feito aqui. Entretanto, grandes marcas do estilo de produção kubrickiana ainda não se fizeram presentes: não esperem pelas longas tomadas envoltas em música, como a abertura do Laranja Mecânica, a neurose de Jack em O Iluminado ou a exposição dos mártires de Spartacus; em compensação, a fotografia noir é belíssima, e chegou a me lembrar em certos pontos alguns "vícios" de câmera que seriam explorados em seu último filme, tal como
as tomadas laterais das ruas nova-iorquinas, dando uma sensação próxima ao que seria visto no Eyes Wide Shut.
No fim, esta é a sensação pós Killer's Kiss: um laboratório, mediano, de um diretor que viria a ser o maior de sua classe. Felizmente a recuperação não tardou: no ano seguinte sairia aquele filmaço que seria, e é, o The Killing ;)
"Pegue suas roupas e vá para a saída, se você cair fora ninguém irá reclamar. Encontre o lugar onde você pode ser entediante, aonde você não precisa dar explicações que você está doente da cabeça e desejava estar morto. [...] Você é péssimo em autopreservação, contra as outras dores de qualquer um [...] Então se levante e pare de reclamar, você sabe que é o único que está destruindo toda a diversão. Veja o que aconteceu enquanto você estava sonhando: por isso, se soque na cara".
Música "American Dream", do LCD Soundsystem; mas poderia ser uma peça de Caden e, infelizmente, do próprio Philip Seymour Hoffman.
"Não importa quão frio esteja; mas no dia em que fores à montanha, nem colete acolchoado pode vestir. Pode ser duro e sofrido, mas Narayama em neve é bem melhor.
Para nós ocidentais que cultivamos uma imagem idílica do Japão e de sua história pelo alcançamos/consumimos/importamos (tais como animes, filmes, games e músicas), alguns filmes quebram e rompem aquela fronteira longamente delimitada entre um romantismo desejado e/ou esperado, no qual vemos a "terra do sol nascente" como um espaço de uma sociedade refinada, casta e, para alguns racistas, superior, e aquilo que por vezes representa algo próximo da "realidade", se podemos chamar assim. Como exemplo, temos o "Harakiri", filme de 1962 que "destrói" a imagem romantizada dos samurais; mas também temos "A balada de Narayama" que nos apresenta, através do cotidiano de uma vila esquecida nos sopés de algumas montanhas, as relações sociais conturbadas de um Japão que, apesar de saído recentemente de um feudalismo, ainda apresenta em suas entranhas aspectos de uma sociedade tal. A construção cinematográfica de Imamura é belíssima, e aqui discordo de alguns comentários anteriores presentes em análises sobre o filme: se estamos em um período de fins do século XIX e de uma modernização forçada pelo Estado Meiji, conforme nos informa a sinopse, o bucolismo rural é reforçado na fotografia do filme; animais que, em suas reações naturais na luta pela sobrevivência da natureza, não se distanciam tanto da natureza de seus parentes humanos. As cenas de
amor, entrecortadas com imagens de pequenas cobras se entrelaçando, exemplificam tal ponto, e são belíssimas.
O mundo natural, por vezes, é mais próximo do que se imagina das sociedades humanas, e Imamura nos transmite tal sensação a partir da montagem de algumas destas cenas nos quais pássaros, cobras, ratos e furões dividem o mesmo espaço com os habitantes do vilarejo. Se muitos japoneses ainda hoje tentam passar a imagem de uma suposta sociedade perfeita que têm, em uma mistura explosiva de chauvinismo exacerbado e xenofobia, Imamura escapa pela tangente por um caminho completamente oposto: o profano e o sagrado se misturam na balada de Narayama. Justiça, muitas vezes, é feita pelas próprias mãos; como não se emocionar
na cena de desterro da famíla Amaya, no qual uma moça, grávida, é literalmente enterrada (viva) à força? O choro de Tatsuhei, aqui, expõe as violências e tensões de tais relações.
Como não citar, também, a relação (contraditória?) de
Tatsuhei com seu pai? Uma relação de quase ranço: de porte de um rifle, símbolo desse modernismo recém-chegado à ilha, Tatsuhei tenta espantar o espírito do pai ao atirar nas árvores.
É uma viagem enriquecedora por uma história que nos é, muitas vezes, mal contada pelo que recebemos culturalmente e até nas salas de aula de História; mas Risuke, com suas baladas sobre o cotidiano, certamente nos facilita o conhecimento sobre o cotidiano e, por que não, a história do Japão a partir deste pequeno vilarejo que repousa ao pé da montanha sagrada de Narayama.
O que me impressiona, no fim de tudo, é que um ano depois do lançamento do filme um livre pensador chamado Guy Debord escreveria que "o espetáculo se apresenta como algo grandioso, positivo, indiscutível e inacessível. Sua única mensagem é 'o que aparece é bom, o que é bom aparece'. A atitude que ele exige por princípio é aquela aceitação passiva que ele já obteve na medida em que aparece sem réplica, pelo seu monopólio da aparência". É impossível ler isso e não se remeter à cena
de Montag sendo alertado de sua própria perseguição, ao vivo, nas "telas de parede". Sem questionamentos para os telespectadores, positivo, indiscutível, inacessível e, certamente como notamos pelo espetáculo armado, grandioso.
Bradbury escreveu o romance sci-fi distópico em 1953, no auge do macartismo, em um momento de ápice da chamada Guerra Fria no qual a censura encontrava-se normatizada enquanto prática na sociedade estadunidense. Truffaut adaptou a obra pra filme em 1966, já num cenário de turbulência que sacudiria a França (e o mundo) dois anos depois; e, no ano seguinte ao debut da adaptação truffautiana, Debord escreve "A sociedade do espetáculo" expondo as entranhas midiáticas que cercam mais do que os meios de comunicação: a sociedade enquanto um todo. Para os três, só uma palavra: gênios.
Excelente documentário do ponto de vista técnico: a produção tem destaque por dar realmente vida aos causos e exemplos citados por Andrew Marr que faz aquilo que deveria ser quase de lei para os historiadores: recorta cenários distintos para explicar determinados argumentos. O exemplo da expansão econômica holandesa para o nascimento do capitalismo é simplesmente sensacional, com a primeira bolha econômica da história causada pela febre das tulipas. Entretanto, peca em aspectos que podem parecer rasos ao grande público mas que causam incômodo aos historiadores: é impregnado, às vezes, de um colonialismo (e até um bairrismo europeu) barato: reduzir o império espanhol à uma instituição que teve um auge pela febre de ouro e riqueza e que passou a viver em crise é de uma pobreza sem tamanho, por exemplo. Outro absurdo é quando cita o Japão em um dos primeiros episódios: ao falar que o país
poderia ser uma potência mundial do século XVI é de uma loucura sem tamanho; também sabemos que a "paz japonesa", decorrente do fechamento do país aos estrangeiros também não foi tão pacífica, oras. Samurais, por exemplo, se popularizam neste período, que é marcado por disputas entre os shoguns. E também sabemos que o Japão não se fechou tanto assim: portugueses também tentavam entrar ilegalmente no país pra espalhar a fé católica (bem representado no filme Silêncio), assim como holandeses tinham permissão pra comercializar produtos no coração japonês.
No mais, é um primor, esplêndido, da parte de fora: lindo, bem produzido, com situações bem ilustradas de acordo com o que Andrew Marr fala. Por dentro, é oco, sem conteúdo quase: não aborda os verdadeiros cernes das questões, e tudo parece andar por uma lógica mecanicista e/ou determinista, algo que, na minha visão (evidentemente) é impensável para a História.
- o episódio "Valores", com o whiteface e Vanessa criando em torno de si a imagem da mulher negra estereotipada clássica dos racistas e sendo julgada pela criança é genial -
sendo desconstruídos.
É a típica sociedade estadunidense do século XXI, que em certos pontos tem algo em comum com a nossa, tendo suas entranhas expostas da maneira mais crítica, risível e ácida possível.
Curioso: pra mim pareceu um filme de "combate", no sentido literal da palavra. Um cinema que aborde as questões de relacionamentos homoafetivos historicamente não encontram espaço nos grandes festivais ou em popularidade, e nem sempre por questões puramente técnicas. O vejo, até, como um precursor de "Moonlight" neste sentido. Quanto às cenas de sexo e/ou brigas, que certamente incomodaram muito conforme podemos ver em certos comentários abaixo que infelizmente procuram reduzir e ver o filme só enquanto neste aspecto, confesso que senti um misto: cenas que realmente incomodam são necessárias; sair do "natural" cinematográfico é sempre bom, desconstrói aquele lugar no qual estamos sempre acomodados ou confortáveis. Cinema vive do impacto. Porém, fins justificam meios? Lembro que, à época, o diretor foi acusado de literalmente abusar das atrizes, levando-as a constrangimentos e desconfortos por reencenar constantemente as cenas que justamente causaram estranhamento (ou o que diabo seja) a alguns espectadores. O ponto, enfim, que quero chegar (e até para debates, caso alguém se interesse) é que já o vejo como clássico. As abordagens são necessárias, e por isso não o vi como um filme "longo" e "cansativo": as cenas
no qual vemos Adèle e Emma conhecendo as respectivas famílias das companheiras são belíssimas; uma estrutura mais "liberal" por parte da família de Emma, e Adèle não sabendo admitir sua relação com outra mulher e na defensiva perante sua família mais "conservadora" é belíssima, por exemplo.
jantar. A analogia com o filme de época transmitido em um telão durante a festa, com Adèle sentindo-se isolada, acuada até, por Emma que só tinha olhos para Lise e se aproximando do ator é fantástica.
No mais, é um filme necessário, gostemos ou não. Aliás, a Criterion Collection não escolhe seus longas à toa, e certamente temos de pensá-lo dentro de seus cenários/contextos de produção.
"O que os depravados cidadãos estadunidenses querem? Todas as coisas sórdidas e sem censura: diários de prisão, tell-alls (espécie de ramo televisivo no qual o convidado literalmente se abre perante a câmera falando tudo - e mais um pouco - de sua vida/memórias), livros erótico-culinários ilustrativos. Não precisamos de fama, Elliot; infâmia, é o que recompensa." Confesso que Nerdland me chamou inicialmente a atenção não pelo roteiro sarcástico ou por expor a decadência moral dos nossos irmãos do Norte (ou no fim seria do mundo ocidental?). Conheci a animação por meio de um post naquela rede social que leva nome de livros e é azul na página do Geek. E, confesso mais uma vez, não estava preparado pro que iria ver. De início Nerdland choca. É bizarramente chocante. Expor valores sociais dos EUA do século XXI (e muitas vezes de nós mesmos) já é algo relativamente batido nesse campo, e Simpsons, South Park e Family Guy estão aí pra provar isso. Bojack Horseman, mais recentemente, vem puxando tal questão no campo mais dramático. O x da questão é que Nerdland expõe da maneira mais crua e (in)sensível possível. Busca incessante pela fama, jornais que sobrevivem de gore, valores descartáveis e demais coisas que vemos e convivemos no nosso dia a dia, seja pela televisão ou internet, se fazem aqui presentes embalados por uma batida eletrônica que chega a lembrar em alguns momentos o jogo Hotline Miami. Inúmeras referências "culturais" também estão presentes aqui: na cena
em que eles planejam assassinar a vizinha, uma religiosa cristã, notamos pendurado na sala aquele quadro de Jesus Cristo mal restaurado que virou meme na internet,
por exemplo. Nerdland atrai mais por esses fatores. Não é das coisas mais engraçadas que o cara pode escolher ver, mas em um futuro próximo - e aqui fica a dica - poderia dar uma ótima fonte para se pensar como alguns norte-americanos viam a si mesmo, e sua sociedade e cultura, em inícios do século XXI.
O Amigo Americano
3.9 71 Assista Agora"É 6 de dezembro, 1976. Não há nada a se temer além do medo em si. Sei menos e menos sobre quem eu sou, ou quem qualquer outra pessoa seja".
A angústia e excitação do Zimmermann me lembrou, por várias vezes, a de Travis Bickle no Taxi Driver. De início, movido pelo medo das ações ilegais e desconhecidas para si: é notável o nervoso de Jonathan no metrô parisiense para cumprir sua missão primeira, o
o assassinato de um judeu estadunidense da máfia.
Me assusta - e surpreende - o frenesi no qual Jonathan, em si mesmo, entra em tais atividades ao longo do filme. Podemos ver, aqui e acolá em algumas cenas, a "naturalização" do processo assassino, do instinto, no psicológico do moldurista que, até então, era um pacato trabalhador, homem de família - mas enfermo.
Terminei o filme com aquela sensação de que o Ripley
certamente passou por tais processos, também. Se na narrativa presente do filme, na cena de execução do trem que parte de Munique, se mostra já frio e exímio na arte de matar, percebemos, principalmente nas cenas com o velho pintor e em algumas com Raoul como existe uma recusa sua para continuar em tais atividades com tais ações. Como diz no fim, sobre Jonathan, "não somos tão diferentes".
Aparentemente pelo que já li, é bater em água falar da fotografia dos filmes do Wenders, e O Amigo Americano é maravilhoso nesse quesito. O domínio de câmera, a sequência e escolha dos cortes, tudo aqui é impecável. Pessoalmente, me surpreendeu mais que Paris, Texas nesse ponto. Um thriller belíssimo.
Artista do Desastre
3.8 555 Assista AgoraE temos o Ed Wood do século XXI.
O Destino de Uma Nação
3.7 723 Assista AgoraTem uma questão que precisa ser levantada por esse filme: grande parte de críticos e de suas análises o taxaram, marcaram, pegaram um ferro quente e estamparam na testa como sendo o filme mais "romântico" sobre o Churchill. E é partindo desse ponto que que quero basear meu comentário.
O Destino de uma Nação é historicamente fiel em sua grande parte: em uma hora e vinte, vemos o cenário de uma Inglaterra desolada com os avanços alemães por sobre a Europa, a crise política reinando na ilhota do rei, Neville Chamberlain ainda acreditando piamente numa via de paz com a Alemanha nazista e uma "disputa" pelo cargo de primeiro-ministro, acirrando ainda mais a crise já citada, com a renúncia do Neville em meados de 1940, acarretando numa onda de incertezas sobre os futuros da monarquia, da classe política e daqueles da sociedade que tinham esperança numa reviravolta rápida frente às ofensivas nazistas: temos tudo isso, trabalhado muito bem, até este ponto do filme.
Nesta primeira hora e tanto, vemos quase que um retrato totalmente fiel ao clima hostil da política inglesa pós-renúncia do Chamberlain: partidos se digladiando e sem uma unidade para seguir em frente, o Halifax como favorito para assumir o cargo (e que já tinha planos de uma rendição, o nome é esse mesmo, perante o Eixo) e um Churchill literalmente desmoralizado: lembranças - breves, infelizmente - de Galipoli (o ataque totalmente malsucedido comandado por ele na Grande Guerra de 1918, quando quis surpreender os otomanos atacando um arquipélago próximo de Instambul), do genocídio hindu a fogo baixo na Índia e uma opinião pública contrária à qualquer aparição/frase solta/foto sua. Em uma hora e meia, não vemos uma versão romântica do Churchill em tela: vemos, sim, uma figura pública desmoralizada, impopular, temente aos rivais, ignorante frente às notícias do conflito moderno
- destaque para a cena hilária do representante francês, quando Churchill já exerce o cargo de primeiro ministro, sobre os tanques alemães -
Fantástico... até aí. É aqui que Destino se torna daqueles filmes que, quando termina, tu olha, pensa e comenta com quem tá a teu lado: "por quê porra esses caras não continuaram fiéis ao que vinham fazendo?". E aí entramos na fase decisiva do filme.
A ruptura é a cena do
underground, o metrô londrino.
não existe registro algum de que pegou o metrô naquele momento e, pior, fez algo tão dramático como aquilo! A apelação (a palavra que encontrei é essa mesmo) cresce aqui: um Churchill praticamente inverso daquilo que foi apresentado (e como ele realmente era) até esta parte toma conta do filme. Se apresenta sensível, conversa com todos ali, até se inspira -e chora! - com a bravura de uma criancinha corajosa e nacionalista no metrô vazio.
A questão pra mim então se torna: porque não manter-se fiel àquilo que vinha sendo posto em prática até então? Pra evitar o textão (mais do que já está), basta dizer que houveram casos quase que cinematográficos mesmo do Churchill e suas ações um tanto inusitadas naquele período - uma breve caçada pela internet e encontramos várias; pra quê, então, não filmá-las e manter uma credibilidade que estava sendo tão bem construída? Por quê optar por fazer uma figura caricata como aquela, que o Churchill, personagem cinematográfico aqui, se tornou?
E esse foi o peso determinante pra mim: como já comentaram mais abaixo, o filme é muito bom tecnicamente, Gary Oldman carrega a narrativa mas, caralho, o puxa-saquismo deve ir até a página 2.
Solaris
4.2 369 Assista AgoraA melhor definição do que é esse filme e sobre do quê ele trata pra mim quem deu foi, curiosamente, Stanley Kubrick, o "rival" criado pela crítica cinematográfica (com seu 2001) ao gênio do outro lado da Cortina de Ferro; e o melhor de tudo: aparentemente sem a intenção, como se inconscientemente tivesse feito tal link ao acaso que, magicamente, se adapta ao Solaris.
Em uma entrevista pra Playboy, perguntado o "por que de se dar valor à vida", mesmo que "ela seja sem propósito", Kubrick respondeu que o "fato mais aterrorizante do universo não é que ele seja hostil, mas indiferente", sendo que o "significado da vida é forçar o homem a criar seus próprios significados".
Se conseguirmos chegar em "acordo com estas indiferenças e aceitarmos os desafios da vida com as fronteiras da morte", continua, "nossa existência como espécie pode ter um significado genuíno e compreensível".
Sabemos como
Kris lida com tais questões, cujo clímax se dá com aquele final, no qual notamos que ele escolhe viver em Solaris com suas imaginações, sentimentos, aquilo que lhe dá conforto, sua sensibilidade.
É isto.
Cinemaníaco
4.2 43Uma crônica de mais de uma hora em formato de filme.
A Polônia cinzenta, burocrática, comunista, na visão de Kieslowski.
Daqueles filmes que vale dedicar uma atenção maior ao "redor" do protagonista, e perceber um recorte temporal, um cenário, que nos parece tão distante e praticamente inexistente dos dias atuais.
Lady Bird: A Hora de Voar
3.8 2,1K Assista AgoraImpressionante como o cinema de "cotidiano adolescente" (isso é gênero?) tem um respeito de crítica e admiração do público no cenário estadunidense.
Lady Bird não foge desse tema, se colocando ao lado do pedestal de alguns filmes de sucesso de público ou crítica do Richard Linklater (Dazed and Confused e Slacker, por exemplo, de temáticas semelhantes com conteúdos bem distintos), ou até de produtos televisivos como Anos Incríveis ou Malcolm in the Middle.
Respeito, mas como uma menina comentou mais abaixo foi um tanto "simplista" demais, manjado. Apesar de escancarar de modo sincero as dificuldades de "voar" de uma adolescente classe média baixa típica (dos EUA - e branca, evidentemente), pra mim pareceu mais do mesmo; fiz até um comentário anterior de que seria um "As Melhores Coisas do Mundo" estadunidense, e pra mim ainda segue nessa tônica mesmo acabando de o rever. Seria Lady Bird um alter-ego da Greta Gerwig?
Um exercício curioso, uma experiência um tanto enriquecedora, por fim: colocar Lady Bird e Moonlight, cada qual com suas temáticas e recortes de história, para se pensar/analisar as adolescências (no plural mesmo) estadunidenses, em suas dificuldades, problemas, cenários e contextos sócio-econômicos.
E não faz o mínimo sentido pra mim de como a Margot Robbie, em Eu, Tônia, perdeu pra Saoirse o Globo de Ouro. O jeito é esperar uma justiça no Oscar - o que, convenhamos, é improvável.
A Pele que Habito
4.2 5,1K Assista AgoraHá um detalhe tão pequeno que, por aparecer tão mais que esperado, pra mim se tornou imenso para se pensar esse filme.
A questão da identidade, é evidente, permeia A Pele que Habito:
desde a exposição de Robert perante os espectadores, nota-se por quase duas horas como Almodóvar vai abordando, aqui e acolá, o quesito do ser, de como eu me identifico e como o faço: da insanidade "científica" de Robert até a figura de Marília como uma mãe que germinou frutos "problemáticos",
"O rosto nos identifica", é o que fala Robert; e aí chegamos no que me chamou a atenção:
ao longo de todo o discurso narrativo sobre como me identifico, como eu me vejo e o que "de fato sou", me chama muito a atenção, na casa ricamente decorada do doutor, um quadro.
Um quadro em seu quarto no qual dois corpos (humanos? Divinos?) dividem a perspectiva de quem o vê. Ambos prostram-se num lugar bucólico, à beira de um lago (ou um mar? Não me recordo bem), quase que um paraíso. Ela, deitada de costas, vê ele, em pé de posição quase que heroica.
Mas, detalhe: os corpos não tem rostos, quase como que a capa do álbum "Singles" do Future Islands. Em um filme que preza pela discussão das identidades e de como nos vemos, um detalhe, pequeno, engloba e enriquece essa obra prima do Almodóvar.
Mais Forte que a Vingança
4.0 53 Assista AgoraBelíssimo, principalmente a cena
da travessia do Exército pelo cemitério indígena para o apoio aos colonos presos na estrada
O excelente quadrinho Ken Parker, da Bonelli, bebe, cospe e se rola nas referências à este filme.
Star Wars, Episódio VIII: Os Últimos Jedi
4.1 1,6K Assista AgoraLuke,
o anti-herói dos valores jedi.
O papel atribuído ao Mark Hammil nesse filme pra mim foi um dos maiores ao longo de todos da saga até então: como pegar o herói clássico que Luke Skywalker era, consolidado por três filmes de valor titânico ao cinema, e, em partes de um filme no qual o Luke nem era protagonista, praticamente virar do avesso tal personagem?
Vou me explicar melhor, e o por quê considero tal papel um dos maiores. Star Wars, por muito tempo, apoiou-se na questão maniqueísta da Força: a trilogia clássica deu a base pra tal pensamento, e os episódios I, II e III, apesar de já darem indícios de que a parada não era bem essa, não abordaram tal proposição.
A Força não é explicada por puro maniqueísmo: não é simplesmente os jedi (bom) e os sith (mal), a situação não se explica tão facilmente assim. O baque causado pelo exílio involuntário de Luke, quando tudo deu merda com Kylo Ren, o faz (e a nós fãs também) ter a sensação de que a crença de que estava lutando por um lado "bom" se apoiava necessariamente no lado jedi. Ora, vemos Luke criticar as escrituras clássicas: pensa até em tocar fogo (e literalmente morreu pensando, porque vemos Rey, na nave, levar os livros) na biblioteca da filosofia jedi, por entrar em conflito naquilo que ele considerava ser sua identidade; vemos também um constante desprezo dele ao nomes dos grandes jedi que estavam ali, por supostos atos que haviam sido feitos em determinadas épocas e garantiram o equilíbrio ao universo.
Luke sabe que tais escrituras são românticas DEMAIS. O domínio/presença jedi nunca garantiu, à todos rincões dos planetas, a suposta paz que deveria haver, do mesmo modo como a presença imperial e sith levou opressão e horror à cantos até então livres.
Luke não quer se vangloriar, ficar para a história como um intocável, até porque renega isso (existia Nietzsche nesse universo?),
o transcender de Luke é a confirmação de tudo aquilo no que ele acreditava: Luke criticou a Ordem Jedi, não a negou; Luke entende que o Império tem de ser derrubado, mas não por causa da presença sith. A Força não é preponderante no "bem" ou "mal", e isto é uma escolha individual.
Luke, que queria certamente fugir de todo romantismo típico que se atribui aos supostos "heróis", faz sua ação calada, apenas para si: Kylo Ren acredita, certamente, que Luke está vivo e em fuga com o que restou dos rebeldes; Rey pensa que Luke faleceu, heroicamente, em combate segurando a Nova Ordem.
Mal sabem que Luke fez a maior demonstração do uso da Força em um planeta esquecido, consumindo tudo aquilo que existia dentro de si.
Humildemente e, na opinião desse que vos escreve, aí sim heroicamente, Luke faz o mais grandioso ato de toda a saga sem nenhum momento se vangloriar ou gabar por isso.
BoJack Horseman (4ª Temporada)
4.5 240 Assista AgoraImpressionante como todo penúltimo episódio de Bojack é uma obra de arte, seja em roteiro seja na qualidade artística e gráfica, que marca toda a temporada.
No Calor da Noite
4.0 139 Assista Agora"Haveria um tempo no qual eu mandaria lhe fuzilar"
Underground: Mentiras de Guerra
4.3 79 Assista Agora"Não há texto [...] que possa conter a verdade. A verdade só existe na vida; você é a verdade. [...] Não há verdade, exceto naquilo que acredita que o que faz é verdade. [...] Nós somos todos mentirosos, pelo menos um pouco".
Mentiras de Guerra é um filme peculiar em todos os sentidos; uma breve reflexão, do momento em que foi feito, como foi feito e talvez o por quê foi feito ajudam a assimilar um pouco o que foi, e é, este vencedor de Palma de Ouro.
Alguns historiadores e professores de história compartilham da opinião de que "o breve século XX", marcado por guerras, massacres e atrocidades numa escala jamais vista nas sociedades humanas, perpassa, em seu começo e fim, uma cidade balcânica: Belgrado. Foi lá, em 1914, que um atentado terrorista serviu de justificativa pra uma série de declarações de guerra entre as potências e impérios à época; também foi lá que, já na década de 1990, quase 70 anos após a Primeira Guerra Mundial, a Europa percebeu que os horrores da primeira metade do século poderiam sim se repetir, em uma guerra civil fratricida num país (e cidade) que serviu bem de quadro deste "breve século"; Belgrado viveu duas guerras mundiais, um reinado que ignorava as questões e identidades nacionais, a fúria nazista e, como cereja do bolo, o poder de um mão-de-ferro que, por linhas tortas, passou a imagem de ordem neste país do lado comunista da chamada Cortina de Ferro. Para completar, com a queda dos regimes socialistas, o país experimentou uma guerra civil absurda no qual as grandes potências ocidentais e a ONU viraram suas costas e deixaram o caldeirão étnico, tenso na região há séculos, explodir com respingos em boa parte das sociedades europeias atuais (olá, imigração em massa).
Kusturica perpassa boa parte dessa linha do tempo histórica aqui; e, bizarramente, por meio da comédia. Mentiras de Guerra não é peculiar pra mim apenas por isso: foi exibido em 1995, sendo provavelmente produzido antes, quando a Iugoslávia, agora dividida, abria suas feridas ao mundo em uma série de chacinas étnicas na guerra civil que marcou o continente europeu de fins de século.
Boa parte dessa história é abordada em 170 minutos de humor um tanto quanto......estranho. O sofrimento e o horror da invasão nazista, a crítica virulenta ao sistema socialista imposto por Tito pós-guerra, com as memórias sendo deturpadas e literalmente sendo escondidas debaixo de porão, a divisão do país pós-queda da Cortina de Ferro: pra não me alongar tanto, é um filme que tem um peso histórico incomensurável.
É, como todo filme agraciado com uma Palma de Ouro, imperdível.
A Morte Passou por Perto
3.3 142"É incrível como às vezes nos metemos em encrencas que não conseguimos sequer entender, e mesmo assim não conseguimos pensar mais em nada. Ficamos tão transtornados que não servimos para nada".
Kubrick, com um roteiro narrativo fraco e algumas atuações duvidosas (Irene Kane em nenhum momento me convenceu aqui - e olha que sou péssimo para avaliar atuações!), faz aquilo que dá a sensação de ter sido o filme mais "cru" de sua filmografia: o plot, curto, parece se encaixar no formato que a United Press certamente impôs/cobrou à produção do filme (quero acreditar, fã bobo que sou, que tal recorte de tempo foi imposto, e não uma exigência do Stanley): como comentaram mais abaixo, a impressão que se tem é de que Killer's Kiss nada mais é que um grande laboratório no qual um diretor ainda jovem literalmente testa, arrisca e ousa mas, como fruto de tais ações, também erra.
Kubrick brinca com efeitos e tomadas constantemente (pra um filme com menos de uma hora e dez minutos isso vira até muito ousado e arisco demais pro que viria a ser o produto final): a cena do
pesadelo de Davey, durante o ataque de Vincent à Glória, e a ira de Vincent arremessando um copo de whisky em um pôster e "atingindo" a câmera
as tomadas laterais das ruas nova-iorquinas, dando uma sensação próxima ao que seria visto no Eyes Wide Shut.
No fim, esta é a sensação pós Killer's Kiss: um laboratório, mediano, de um diretor que viria a ser o maior de sua classe.
Felizmente a recuperação não tardou: no ano seguinte sairia aquele filmaço que seria, e é, o The Killing ;)
Sinédoque, Nova York
4.0 477"Pegue suas roupas e vá para a saída,
se você cair fora ninguém irá reclamar.
Encontre o lugar onde você pode ser entediante,
aonde você não precisa dar explicações
que você está doente da cabeça e desejava estar morto.
[...] Você é péssimo em autopreservação, contra as outras dores de qualquer um
[...] Então se levante e pare de reclamar, você sabe que é o único que está destruindo toda a diversão.
Veja o que aconteceu enquanto você estava sonhando: por isso, se soque na cara".
Música "American Dream", do LCD Soundsystem; mas poderia ser uma peça de Caden e, infelizmente, do próprio Philip Seymour Hoffman.
A Balada de Narayama
4.0 54"Não importa quão frio esteja; mas no dia em que fores à montanha, nem colete acolchoado pode vestir. Pode ser duro e sofrido, mas Narayama em neve é bem melhor.
Para nós ocidentais que cultivamos uma imagem idílica do Japão e de sua história pelo alcançamos/consumimos/importamos (tais como animes, filmes, games e músicas), alguns filmes quebram e rompem aquela fronteira longamente delimitada entre um romantismo desejado e/ou esperado, no qual vemos a "terra do sol nascente" como um espaço de uma sociedade refinada, casta e, para alguns racistas, superior, e aquilo que por vezes representa algo próximo da "realidade", se podemos chamar assim. Como exemplo, temos o "Harakiri", filme de 1962 que "destrói" a imagem romantizada dos samurais; mas também temos "A balada de Narayama" que nos apresenta, através do cotidiano de uma vila esquecida nos sopés de algumas montanhas, as relações sociais conturbadas de um Japão que, apesar de saído recentemente de um feudalismo, ainda apresenta em suas entranhas aspectos de uma sociedade tal.
A construção cinematográfica de Imamura é belíssima, e aqui discordo de alguns comentários anteriores presentes em análises sobre o filme: se estamos em um período de fins do século XIX e de uma modernização forçada pelo Estado Meiji, conforme nos informa a sinopse, o bucolismo rural é reforçado na fotografia do filme; animais que, em suas reações naturais na luta pela sobrevivência da natureza, não se distanciam tanto da natureza de seus parentes humanos. As cenas de
amor, entrecortadas com imagens de pequenas cobras se entrelaçando, exemplificam tal ponto, e são belíssimas.
Se muitos japoneses ainda hoje tentam passar a imagem de uma suposta sociedade perfeita que têm, em uma mistura explosiva de chauvinismo exacerbado e xenofobia, Imamura escapa pela tangente por um caminho completamente oposto: o profano e o sagrado se misturam na balada de Narayama. Justiça, muitas vezes, é feita pelas próprias mãos; como não se emocionar
na cena de desterro da famíla Amaya, no qual uma moça, grávida, é literalmente enterrada (viva) à força? O choro de Tatsuhei, aqui, expõe as violências e tensões de tais relações.
Tatsuhei com seu pai? Uma relação de quase ranço: de porte de um rifle, símbolo desse modernismo recém-chegado à ilha, Tatsuhei tenta espantar o espírito do pai ao atirar nas árvores.
É uma viagem enriquecedora por uma história que nos é, muitas vezes, mal contada pelo que recebemos culturalmente e até nas salas de aula de História; mas Risuke, com suas baladas sobre o cotidiano, certamente nos facilita o conhecimento sobre o cotidiano e, por que não, a história do Japão a partir deste pequeno vilarejo que repousa ao pé da montanha sagrada de Narayama.
Fahrenheit 451
4.2 418O que me impressiona, no fim de tudo, é que um ano depois do lançamento do filme um livre pensador chamado Guy Debord escreveria que "o espetáculo se apresenta como algo grandioso, positivo, indiscutível e inacessível. Sua única mensagem é 'o que aparece é bom, o que é bom aparece'. A atitude que ele exige por princípio é aquela aceitação passiva que ele já obteve na medida em que aparece sem réplica, pelo seu monopólio da aparência".
É impossível ler isso e não se remeter à cena
de Montag sendo alertado de sua própria perseguição, ao vivo, nas "telas de parede". Sem questionamentos para os telespectadores, positivo, indiscutível, inacessível e, certamente como notamos pelo espetáculo armado, grandioso.
Bradbury escreveu o romance sci-fi distópico em 1953, no auge do macartismo, em um momento de ápice da chamada Guerra Fria no qual a censura encontrava-se normatizada enquanto prática na sociedade estadunidense. Truffaut adaptou a obra pra filme em 1966, já num cenário de turbulência que sacudiria a França (e o mundo) dois anos depois; e, no ano seguinte ao debut da adaptação truffautiana, Debord escreve "A sociedade do espetáculo" expondo as entranhas midiáticas que cercam mais do que os meios de comunicação: a sociedade enquanto um todo.
Para os três, só uma palavra: gênios.
O Círculo Vermelho
4.1 47 Assista AgoraQuando o principal personagem do filme,
o silêncio,
, a do roubo,
História Mundial com Andrew Marr
4.3 6Excelente documentário do ponto de vista técnico: a produção tem destaque por dar realmente vida aos causos e exemplos citados por Andrew Marr que faz aquilo que deveria ser quase de lei para os historiadores: recorta cenários distintos para explicar determinados argumentos. O exemplo da expansão econômica holandesa para o nascimento do capitalismo é simplesmente sensacional, com a primeira bolha econômica da história causada pela febre das tulipas.
Entretanto, peca em aspectos que podem parecer rasos ao grande público mas que causam incômodo aos historiadores: é impregnado, às vezes, de um colonialismo (e até um bairrismo europeu) barato: reduzir o império espanhol à uma instituição que teve um auge pela febre de ouro e riqueza e que passou a viver em crise é de uma pobreza sem tamanho, por exemplo. Outro absurdo é quando cita o Japão em um dos primeiros episódios: ao falar que o país
poderia ser uma potência mundial do século XVI é de uma loucura sem tamanho; também sabemos que a "paz japonesa", decorrente do fechamento do país aos estrangeiros também não foi tão pacífica, oras. Samurais, por exemplo, se popularizam neste período, que é marcado por disputas entre os shoguns. E também sabemos que o Japão não se fechou tanto assim: portugueses também tentavam entrar ilegalmente no país pra espalhar a fé católica (bem representado no filme Silêncio), assim como holandeses tinham permissão pra comercializar produtos no coração japonês.
No mais, é um primor, esplêndido, da parte de fora: lindo, bem produzido, com situações bem ilustradas de acordo com o que Andrew Marr fala. Por dentro, é oco, sem conteúdo quase: não aborda os verdadeiros cernes das questões, e tudo parece andar por uma lógica mecanicista e/ou determinista, algo que, na minha visão (evidentemente) é impensável para a História.
Tudo o que Você Sempre Quis Saber Sobre Sexo (Mas …
3.5 384 Assista AgoraMuito interessante descobrir de onde veio a inspiração mais adulta de "Divertida Mente".
Atlanta (1ª Temporada)
4.5 294 Assista AgoraÉ o século XXI condensado e cuspido em 10 episódios.
Racismo, machismo, valores morais/éticos novos e/ou distorcidos e/ou reapropriados, estereótipos
- o episódio "Valores", com o whiteface e Vanessa criando em torno de si a imagem da mulher negra estereotipada clássica dos racistas e sendo julgada pela criança é genial -
É a típica sociedade estadunidense do século XXI, que em certos pontos tem algo em comum com a nossa, tendo suas entranhas expostas da maneira mais crítica, risível e ácida possível.
Os Imperdoáveis
4.3 655E se O Cavaleiro das Trevas, arco criado por Frank Miller para os quadrinhos do Batman, fosse adaptado para um faroeste?
Azul é a Cor Mais Quente
3.7 4,3K Assista AgoraCurioso: pra mim pareceu um filme de "combate", no sentido literal da palavra.
Um cinema que aborde as questões de relacionamentos homoafetivos historicamente não encontram espaço nos grandes festivais ou em popularidade, e nem sempre por questões puramente técnicas. O vejo, até, como um precursor de "Moonlight" neste sentido.
Quanto às cenas de sexo e/ou brigas, que certamente incomodaram muito conforme podemos ver em certos comentários abaixo que infelizmente procuram reduzir e ver o filme só enquanto neste aspecto, confesso que senti um misto: cenas que realmente incomodam são necessárias; sair do "natural" cinematográfico é sempre bom, desconstrói aquele lugar no qual estamos sempre acomodados ou confortáveis. Cinema vive do impacto.
Porém, fins justificam meios? Lembro que, à época, o diretor foi acusado de literalmente abusar das atrizes, levando-as a constrangimentos e desconfortos por reencenar constantemente as cenas que justamente causaram estranhamento (ou o que diabo seja) a alguns espectadores.
O ponto, enfim, que quero chegar (e até para debates, caso alguém se interesse) é que já o vejo como clássico. As abordagens são necessárias, e por isso não o vi como um filme "longo" e "cansativo": as cenas
no qual vemos Adèle e Emma conhecendo as respectivas famílias das companheiras são belíssimas; uma estrutura mais "liberal" por parte da família de Emma, e Adèle não sabendo admitir sua relação com outra mulher e na defensiva perante sua família mais "conservadora" é belíssima, por exemplo.
Mas a grande cena certamente foi a do
jantar. A analogia com o filme de época transmitido em um telão durante a festa, com Adèle sentindo-se isolada, acuada até, por Emma que só tinha olhos para Lise e se aproximando do ator é fantástica.
No mais, é um filme necessário, gostemos ou não. Aliás, a Criterion Collection não escolhe seus longas à toa, e certamente temos de pensá-lo dentro de seus cenários/contextos de produção.
O Botão de Pérola
4.5 17"Civilização" e "progresso" são certamente as construções analíticas inventadas pelo homem mais maléficas e cancerígenas em toda sua história.
Nerdland
2.4 1"O que os depravados cidadãos estadunidenses querem? Todas as coisas sórdidas e sem censura: diários de prisão, tell-alls (espécie de ramo televisivo no qual o convidado literalmente se abre perante a câmera falando tudo - e mais um pouco - de sua vida/memórias), livros erótico-culinários ilustrativos. Não precisamos de fama, Elliot; infâmia, é o que recompensa."
Confesso que Nerdland me chamou inicialmente a atenção não pelo roteiro sarcástico ou por expor a decadência moral dos nossos irmãos do Norte (ou no fim seria do mundo ocidental?). Conheci a animação por meio de um post naquela rede social que leva nome de livros e é azul na página do Geek. E, confesso mais uma vez, não estava preparado pro que iria ver.
De início Nerdland choca. É bizarramente chocante. Expor valores sociais dos EUA do século XXI (e muitas vezes de nós mesmos) já é algo relativamente batido nesse campo, e Simpsons, South Park e Family Guy estão aí pra provar isso. Bojack Horseman, mais recentemente, vem puxando tal questão no campo mais dramático. O x da questão é que Nerdland expõe da maneira mais crua e (in)sensível possível.
Busca incessante pela fama, jornais que sobrevivem de gore, valores descartáveis e demais coisas que vemos e convivemos no nosso dia a dia, seja pela televisão ou internet, se fazem aqui presentes embalados por uma batida eletrônica que chega a lembrar em alguns momentos o jogo Hotline Miami. Inúmeras referências "culturais" também estão presentes aqui: na cena
em que eles planejam assassinar a vizinha, uma religiosa cristã, notamos pendurado na sala aquele quadro de Jesus Cristo mal restaurado que virou meme na internet,
Nerdland atrai mais por esses fatores. Não é das coisas mais engraçadas que o cara pode escolher ver, mas em um futuro próximo - e aqui fica a dica - poderia dar uma ótima fonte para se pensar como alguns norte-americanos viam a si mesmo, e sua sociedade e cultura, em inícios do século XXI.