Depois de duas ótimas temporadas de “Demolidor”, duas gratas e razoáveis surpresas com “Jessica Jones” e “Luke Cage” e uma decepção com a fraca temporada de estreia de “Punho de Ferro”, os heróis do universo Marvel construído na plataforma Netflix se reúnem para combater uma nova ameaça em Nova Iorque na série “Os Defensores”. Encarregando-se de reapresentar os personagens mesmo no meio de suas jornadas pessoais (até para não espantar o espectador que não conseguiu acompanhar as séries próprias de cada um em sua totalidade), essa primeira temporada caminha em uma jornada tão eficiente quanto genérica, tão competente quanto conservadora, apostando muito mais na interação forçada entre estes quatro improváveis heróis do que propriamente na construção de uma temática arrojada ou que vá além do foi oferecido até aqui. Não chega a ter um resultado ruim, em seus momentos mais fracos flerta com um nível de frustração apenas moderado, mas dentro de um quadro geral os oito episódios mantém um bom e aceitável nível de qualidade.
O roteiro de “Os Defensores” insere os planos da nova vilã Alexandra (Sigouney Weaver), vulgo Tentáculo, e tem a preocupação de inicialmente fazer com que personagens secundários de cada uma das séries surjam de maneira bastante orgânica em núcleos diferentes do que estávamos acostumados e à medida que a trama avança, a trajetória dos quatro protagonistas vai se aproximando, inicialmente em pares até que eles finalmente se encontram. O estilo da direção, o tom da fotografia e da montagem adotados em cada um dos núcleos respeita a linguagem adotada em cada uma das séries, o que facilita a identificação visual e da personalidade de cada um dos personagens. Embora algumas transições de núcleo sugiram falta de acabamento por parte do roteiro, a estrutura macro utilizada para promover essa reunião se mostra bem desenhada, afinal tudo funciona no seu devido lugar, cumpre a sua missão e ainda culmina com um clímax muito bem encenado e ensaiado que resulta em uma sequência de luta bastante dinâmica, apostando em cortes falsos e movimentos circulares de câmera para simular um plano-sequência, algo que se repete e funciona muito bem também em outros momentos, inclusive no clímax da temporada.
A dinâmica entre Matt Murdock (Charlie Cox), Jessica Jones (Krysten Ritter), Luke Cage (Mike Colter) e Danny Randon (Finn Jones) funciona desde o primeiro encontro, especialmente para estabelecer as diferentes personalidades (o receio de Matt, o deboche de Jessica, o pavio curto de Luke, a ingenuidade de Danny), quase sempre apostando no bom humor (Matt usa o cachecol de Jessica Jones para cobrir seu rosto e os demais reconhecem o quão ridículo isso é; o título de “Punho de Ferro Imoral” soa tão ridículo como de fato é, embora o próprio não se dê conta). Ainda que Jessica ressinta a falta de um estilo característico de luta nas sequências em que todos estão em cena, haja vista que ela não é uma lutadora (embora seu estilo funcione melhor no clímax da temporada), os demais dão conta do recado e cada um mostra o seu valor, a sua técnica, a sua identidade no campo da ação. De maneira geral, a montagem não seja a comprometer, valorizando a agilidade e a velocidade dos golpes desferidos, ainda que em alguns momentos atrapalhe com certos cortes mais bruscos, como na sequência em que ocorre em um estacionamento subterrâneo com seis personagens em ação. Naturalmente, os heróis acabam sendo liderados por Stick (Scott Glenn) até porque o final da segunda temporada de “Demolidor” o colocava no centro da conspiração mitológica que serve de base para a narrativa dessa temporada de “Os Defensores”, o que torna fácil a associação com o núcleo de Danny que por sua vez acaba sendo o fio condutor da narrativa (para o bem ou para o mal). A aproximação de Jessica Jones se dá em função da sua atuação como detetive para investigar o sumiço de um arquiteto a pedido de uma esposa e filha desesperadas enquanto que a de Luke Cage se dá por causa do seu apelo com a comunidade do Harlem através da figura de um garoto aliciado para o crime, ou seja, a ligação de ambos ocorre mais através de eventos secundários.
A evolução natural dos eventos não impede que existam alguns furos, afinal se Stick era o último soldado do exército que protegia Punho de Ferro por que ele não se encarregou de fazê-lo diretamente ao invés de se aproximar inicialmente de Matt? O mesmo vale para a própria motivação em torno do Punho de Ferro que muda de acordo com a necessidade imediata do roteiro, ora agindo como aliado, ora como chave, ora como uma arma que não pode cair em mãos erradas, fazendo com que a trama se torne redundante e prisioneira desse mérito eventual ao passo que em diferentes momentos repete-se a mesma situação de refém da situação, inclusive envolvendo as pessoas mais próximas dos heróis. Apesar da boa presença de cena da ótima Sigouney Weaver como Alexandra (e a sua participação não vai muito além disso), o time de vilões reunidos em “Os Defensores” não faz jus as maiores virtudes da série. Madame Gao (Wai Ching Ho), por exemplo, surgiu de maneira misteriosa e impiedosa em “Demolidor”, tornou-se uma vilã genérica, uma mera caricatura do que já foi um dia em “Punho de Ferro” e aqui se apresenta apenas como uma capanga qualquer, sem apelo algum. Qualquer traço de complexidade dramática de Elektra, seja como “Céu Negro” ou como potencial romântico de Matt, fica prejudicado pela interpretação monocromática da limitada Elodie Young ao passo que dois novos vilões, Sowande (Babs Olusanmokum), conhecido como “Chapéu Branco“, e Murakami (Yutaka Takeuchi), um antagonista que só fala em japonês, embora seja compreendido pelos demais, são mal introduzidos e se apresentam como adições inexpressivas e infrutíferas. Bakuto (Ramon Rodriguez) que já havia dado o ar da graça em “Punho de Ferro”, mas sem dizer ao que veio, mantém o mesmo fraco apelo.
Em termos de diálogos, os questionamentos e a interação entre os heróis ocorrem de maneira coerente com a personalidade de cada um, apesar de algumas redundâncias e da quantidade reduzida de diálogos expositivos. Outros diálogos possuem qualidade mais discutível, especialmente pelas incontáveis vezes em que expressões genéricas como “nós estamos do mesmo lado” ou “quanto menos você souber, melhor será” são utilizadas para tentar explicar o que está acontecendo de maneira genérica, pelo caminho mais fácil. A trilha sonora é composta por melodias que remetem a outras já ouvidas nas séries anteriores, logo a sensação de dèja vu é inevitável, ainda assim a música-tema que serve de abertura não deixa de ter o seu apelo misterioso e grandioso assim como merece destaque um momento em que Matt Murdock inicia uma melodia em um piano até ser interrompido e a trilha sonora assume essa mesma continuidade melódica. Em contrapartida, o uso de um rap em um momento-chave do clímax da ação em um dos últimos episódios da temporada soa totalmente deslocado e inapropriado. O fato da trama da temporada girar parcialmente em torno da importância de Punho de Ferro não deixa de ser o calcanhar de Aquiles de “Os Defensores”, afinal mesmo que Danny tenha seu potencial cômico alavancado, especialmente com a sua boa interação com Luke Cage, não chega a ser bom o suficiente para fazer com que o personagem se torne mais simpático e/ou empático. A falta de carisma e talento de Finn Jones não contribui a favor da narrativa ainda que não comprometa o apelo da série como um todo e nem prejudique a mitologia dos outros personagens. Mike Colter é um poço de carisma mesmo que Luke Cage seja eventualmente alçado a condição de coadjuvante dentro da série com um campo de atuação bastante reduzido. Krysten Ritter continua sendo uma Jessica Jones irresistível com o seu estilo de humor debochado e politicamente incorreto, funcionando muito bem na parceria com Matt Murdock, sendo responsável pelas melhores tiradas, enquanto que cabe a Charlie Cox e o seu Demolidor servirem como o centro emocional da narrativa. A sua preocupação com o impacto das ações de heroísmo do seu personagem com relação às pessoas ao seu redor são extremamente legítimas, inclusive na sua relação com Elektra que funciona muito mais pelos esforços de Cox do que em função do apelo sustentado por Young, como já comentado.
O desfecho de “Os Defensores” tem um problema central que vai de encontro com aquela máxima de solucionar problemas de uma trama sobrenatural e/ou espiritual e/ou filosófica através da utilização de tiros, socos, lutas e explosões, o que não deixa de ser uma tremenda contradição, porém o investimento da série na dinâmica dos personagens mostra que funcionou pelo senso de preocupação coletiva e de camaradagem entre seus membros que foi construída até alcançar o seu clímax, ainda que haja indícios que eles voltarão a seguir em carreiras solo antes de uma nova reunião. Eficiente e moderadamente competente, mesmo que não se destaque em comparação às outras (com exceção da fraca primeira temporada de “Punho de Ferro”), a sensação que se tem é que a primeira temporada de “Os Defensores” é apenas o primeiro “round” de uma luta pela qual vale a pena brigar.
“Os 13 Porquês” é uma sensível e irregular série norte-americana que tem os adolescentes como público-alvo principal, mas que possui um alcance que atinge muitas outras gerações de espectadores, inclusive pais e professores, ainda mais envolto de tanta polêmica por causa da premissa que parte do plano realizado pela personagem central que envolve suicídio e vingança. Hannah (Katherine Langford) é uma jovem de dezessete anos que resolve dar um fim em sua vida, mas sem antes gravar treze fitas que são remetidas a membros do seu círculo social que foram responsáveis, direta ou indiretamente, pela sua trágica, imatura e precipitada decisão.
A estrutura narrativa da série é bastante problemática porque ela parte de um jogo de vingança em que a personagem brinca e manipula seus algozes para justificar seu suicídio, porém ela e a própria série parecem não reconhecer a insensatez e a fragilidade impostas por esse contexto. Cada episódio se encarrega de escolher um alvo e, através da narração de Hannah em fitas cassetes, ela descreve a sua história de vida que é apresentada em marcantes “flashbacks”, sendo que o seu atual ouvinte é o também adolescente Clay (Dylan Minnette), seu amigo e uma espécie de admirador platônico. Enquanto ouve as fitas, ele se envolve no drama de Hannah e nos dilemas morais e éticos dos seus colegas de Ensino Médio que provocaram os gatilhos que a levaram a cometer tal medida extrema contra sua própria vida. Essa postura de justiceira espiritual faz com que em alguns momentos Hannah se coloque como uma falsa heroína, acima do bem ou do mal, como se ela jamais assumisse a responsabilidade pelas suas próprias ações.
Essa postura faz com que a série seja tomada por um ar de mistério repleto de altos e baixos, dependendo muito do nível e da qualidade da abordagem dos dramas de cada um dos personagens, logo se em um determinado episódio há uma legítima complexidade dramática envolvendo um jovem atleta de família disfuncional ou de uma adolescente traumatizada que enfrenta problemas com drogas e alcoolismo, o mesmo já não se pode dizer quando o centro da narrativa é um garoto impulsivo e de inteligência limitada ou de outro que não sabe lidar com a rejeição do sexo alheio pela sua própria arrogância e prepotência. Ainda assim, o episódio mais fraco é o que se sustenta pelo peso da culpa por causa de um acidente de trânsito que soa totalmente deslocada do eixo central da trama pelo seu excesso de coincidências e conveniências. E até mesmo os episódios finais que contam com os eventos mais chocantes e pesados assim como suas implicações emocionais decepcionam por serem eclipsados em comparação aos elementos misteriosos e investigativos da trama, ainda que cada personagem tenha resoluções diversificadas e independentes. Essas oscilações fazem com que o pretexto da série de prolongar a experiência de ouvinte de Clay se torne menos ou mais arrastada justamente pelas convenções que o roteiro precisa abraçar para justificar ou não essa estrutura. Em alguns momentos, a série parece brincar com o ritmo de audição de Clay já que enquanto ele parece reservar um dia e/ou uma semana para cada lado da fita (o que representa um episódio da série), outros chegam a dizer que ouviram todas as fitas em uma única noite (e duas vezes cada) ou sequer ouvi-las por completo (ainda assim não deixa de ser estranho que Clay pareça confuso com a sua influência no destino de Hannah como se ele mesmo não soubesse o que viveu ao lado da amiga). Ao mesmo tempo é inconcebível a falta de curiosidade do Clay em não avançar no processo de audição em alguns momentos assim como em outros se torna compreensível o seu abandono diante do inconformismo de algo que acabara de escutar e que precisa ser tratado de imediato.
Problemas e conveniências à parte, a série é muito delicada, sensível e corajosa ao abordar dilemas adolescentes e do universo do Ensino Médio com naturalidade e sem nenhum pudor já que, além da depressão e do suicídio, temas como “bullyng”, estupro, homossexualidade, alcoolismo, depressão, entre outros, são muito bem estabelecidos, mesmo quando retratados em segundo plano ou como pano de fundo do episódio. Além dessa proposta, “Os 13 Porquês” não deixa de ser uma série que dialoga fortemente com as experiências emocionais da adolescência, como os diferentes tipos de amizades e de tribos existentes dentro do ambiente escolar, o primeiro beijo, a primeira decepção amorosa, a primeira relação sexual, a alegria e a felicidade provocadas pelo sentimento de pertencimento ou as angústias e os medos enfrentados pela não aceitação dentro de um grupo social. Estes conflitos fazem parte do universo de Hannah e, em maior ou menor grau, servem para que a série explore uma infinidade de questões que vão muito além do suicídio da personagem e que possuem igual importância e relevância narrativa, logo excetuando os excessos cometidos pela manutenção do mistério em torno das fitas, o tom adotado pela série a respeito dos conflitos entre os jovens é muito mais assertivo do que meramente um pretexto para soar gratuito e/ou polêmico. Existem alguns diálogos muito bem ilustrados entre os próprios adolescentes assim como entre eles e seus pais que realçam o apelo positivo e propositivo da série, porém um aspecto que “Os 13 Porquês” reforça é o perigoso distanciamento que jovens e pais se impõem até de maneira inconsciente seja pela necessidade de preservação da intimidade adolescente e/ou pela imposição da autoridade materna e paterna.
Essa vasta abordagem faz com que Hannah seja submetida a uma série de situações constrangedoras que em certos momentos chegam até a soarem forçados e exagerados (em determinado momento ela chega a ser perseguida por um “stalker” ao mesmo tempo em que vive uma experiência íntima ao lado de uma amiga, logo após ser alvo de um boato que manchou a sua reputação, por exemplo), o que acaba potencializando o drama da personagem que vive todas essas experiências de maneira silenciosa, praticamente solitária e com uma completa alienação dos pais que são retratados com vítimas impotentes e colaterais da tragédia que vitimiza a filha. A jovem Katherine Langford realiza um ótimo trabalho, trazendo um carisma irresistível e uma intensidade dramática admirável para uma personagem que é responsável por decisões irritantes e questionáveis que muitas vezes faz com que Hannah se distancie do espectador, porém o talento e o potencial artístico demonstrado por Langford reforça muito mais o sentimento de empatia e de solidariedade que se tornam fundamentais para a compreensão dos conflitos internos de Hannah, ainda que não legitime todas as suas atitudes, vale sempre a pena reforçar. O jovem Dylan Minnette também realiza um ótimo e sensível trabalho porque Clay serve como uma espécie de agente catalisador dos dramas vivenciados por todos os personagens, inclusive deixando de lado até mesmo os seus próprios porquês em função da postura tímida e introspectiva do seu personagem, mas sem jamais deixar de se apresentar como um garoto franco, íntegro e honesto. De maneira geral, o elenco jovem é muito talentoso e eficiente, além de realçar a representatividade de raças e gêneros que é uma decisão cada vez mais digna e relevante dentro da indústria cultural mundial ainda que não represente a resolução de todos os problemas.
Explorando sentimentos nostálgicos através da trilha sonora e de alguns elementos da narrativa, como as próprias fitas cassetes, ainda que de maneira irregular, ou mesmo negligenciando algumas subtramas, como as que envolvem a influência das grandes corporações na economia local ou os conflitos de interesses no processo jurídico dos pais de Hannah contra a escola, “Os 13 Porquês”, no entanto, traz uma série de diretores talentosos, sóbrios e criativos que apostam em um estilo de direção realista com reduzidos maneirismos estéticos (talvez apenas um excesso de câmera lenta aqui e ali), além de contar com um trabalho de fotografia sofisticado e apurado e efeitos de transição dinâmicos e orgânicos em que ambos servem para estabelecer as duas linhas temporais da narrativa (as mudanças físicas dos personagens também são críveis mesmo que não o tempo todo, como o machucado na testa de Clay, por exemplo). Dessa forma, “Os 13 Porquês” se apresenta como uma série imperfeita, mas de extrema relevância que merece ser vista e discutida, apesar de qualquer polêmica e/ou distorção que a série tenha provocado. É uma série que merece fazer parte de bate-papos entre pais e filhos, de discussões e trabalhos promovidos por professores e alunos assim como da comunidade de maneira geral, inclusive do Estado, afinal a depressão e o suicídio são temas de saúde pública que merecem ser debatidos através de políticas assistenciais. Essa aproximação do tema com o público em geral, apesar de algumas distorções delicadas, é fundamental para que a postura de Hannah jamais seja vista como uma saída natural e/ou corajosa e/ou que deve ser copiada e imitada. Logo, por mais que a série cometa seus próprios pecados, a experiência jamais deve ser vista como algo em vão assim como é a vida que ganhamos de presente a cada dia.
“This Is Us” é uma série emocional e emocionante, sensível e tocante, agridoce e delicada que acompanha personagens em diferentes épocas e que estão intimamente conectados. O primeiro episódio se encarrega de apresentá-los com uma condução leve no humor e sóbria no drama, surpreendendo no final com a conexão temática entre os personagens que vai muito além do simples fato de comemorarem seus aniversários na mesma data. E esse mesmo tom acompanha a série durante toda a temporada, porém as nuances dos seus elos merecem ser experimentadas paulatinamente, gradativamente, logo seria um crime entrar em maiores detalhes a respeito. A partir dessa apresentação, cada episódio se encarrega de oferecer mais elementos que permitem a construção de uma espécie de memória emocional de cada um dos personagens e que gradativamente vai tornando-os mais íntimos e mais complexos. A montagem também realiza um trabalho de fundamental importância e relevância narrativa, pois muitas vezes em um mesmo episódio, em diferentes períodos de tempo, apresenta os mesmos personagens vivendo situações e dilemas semelhantes e/ou que estão ligados direta ou indiretamente com belíssimas e inspiradas transições de cena, o que amplia ainda mais a percepção emocional dos conflitos. Sob a direção geral do criador Dan Fogelman (roteirista de “Carros”, “Enrolados”, “Amor à Toda Prova”) e da dupla Glen Ficarra e John Requa (“O Golpista do Ano” e “Golpe Duplo”), “This Is Us” é provavelmente a série lançada nesses últimos anos que mais faz jus ao termo “a vida como ela é”.
“This Is Us” é uma série que explora a generosidade e a emoção à flor da pele do ser humano, o que há de melhor na humanidade, o que torna esses personagens tão carismáticos e cativantes, mas igualmente falhos e frágeis através de uma simplicidade e de um alcance narrativo tão genuíno que fica difícil não mergulhar muitas vezes os olhos em lágrimas, embora elas façam com que a percepção desse universo se torne mais límpida e cristalina. Jack (Milo Ventimiglia, ótimo) e Rebecca Pearson (Mandy Moore, ótimo) formam um jovem casal que como qualquer outro possui suas diferenças e dúvidas com relação ao futuro da relação, mas quando decidem pelo casamento, eles estabelecem uma parceria tão sólida que permite que superem qualquer adversidade e aceitem com devoção os desígnios da vida, como a inesperada e nada convencional chegada de trigêmeos. Kevin (Justin Hartley, ótimo) é um ator galante e mulherengo, mas de talento limitado que surta durante uma das gravações de uma série de humor rasteiro em ele que é o protagonista, sem saber muito bem o quer da vida, mas redescobrindo pelo caminho o que é um amor de verdade, além de aperfeiçoar a sua vocação artística. Kate (Chrissy Metz, ótimo) é uma mulher que sofre de obesidade mórbida e que já está incrédula quanto a sua capacidade de perder peso e/ou de que o mundo de alguma forma vai lhe compensar pelo que fato dela estar acima do peso, mas ao ser notada por Toby (Chris Sullivan, ótimo), outro obeso que sofre de disfunções alimentares, ela descobre a oportunidade de aceitar-se como é de verdade. Randall (Sterling K. Brown, ótimo) é um negro bem-sucedido que tem um emprego prestigiado e uma família sólida e feliz, mas que vai ao encontro do pai biológico para acalmar a sua inquietação emocional e entender as suas raízes e ao conhecer William (Ron Cephas Jones, ótimo), um artista de rua decadente que está em vias de morrer, ele se dá conta de que tem muito que aprender com aquele homem que ele tanto renegou ao longo da vida.
“This Is Us” é uma série sobre a formação de caráter e personalidade de um grupo de pessoas que através de uma melodia narrativa dramática e orgânica jamais cai no melodrama, na pieguice ou no clichê maniqueísta e vazio. É um conjunto de dramas e traumas que faz com que o painel de personagens visto na série se torne sensível aos olhos e muito próximo do coração. A fotografia consegue ser belíssima e sofisticada nos dois tempos da narrativa, apostando em tons mais opacos quando a narrativa está no passado e em uma paleta mais colorida nas histórias do presente, o que dá a série uma roupagem estética muito agradável, atraente e que combinam perfeitamente bem, ainda mais quando faz o bom uso da luminosidade e/ou de “flashes” de luz. A direção dos episódios é muito elegante e bastante sóbria, sem jamais apelar para o sentimentalismo barato, afinal os dramas e os conflitos são naturalmente fortes e fluem com extrema naturalidade, especialmente quando ligados a assuntos delicados como alcoolismo, traição, homossexualidade, obesidade, luto e divórcio. Os diálogos ao longo da temporada são tão sensíveis, maduros e complexos em toda a sua extensão dramática que transformam os personagens em figuras humanas complexas, cativantes e autênticas, logo absolutamente reconhecíveis. As metáforas e as analogias presentes entre os diferentes tempos da narrativa são sensíveis e orgânicas e até mesmo aquelas que não surgem da maneira tão sutil ainda assim são sensíveis e tocantes, pois são sustentadas por um elenco talentoso e homogêneo que transbordam uma química irradiante. E se a segunda metade da temporada resolve ampliar a abordagem da narrativa dando destaque a personagens secundários e/ou inserindo novos personagens dentro de cada núcleo, ainda assim a série não perde o seu apelo emocional. Em sua, trata-se de um maravilhoso conjunto de atuações de um elenco impecável!
“This Is Us” é uma série empática que promove uma viagem intensa e emocional na história dos seus personagens, sendo capaz de tocar tão profundamente que honra até mesmo os clichês mais batidos do gênero, mas com um poder de argumentação plenamente justificável e satisfatório, por menos recomendado que isso parecesse. É uma série que tem em seu DNA todos os ingredientes que poderia torná-la chata e enfadonha, piegas e rasteira, mas ainda assim acerta em cheio em praticamente tudo que se propõe a fazer, pois é sofisticada e autêntica em sua simplicidade de explorar temas universais e complexos, sem deixa der dramática, mas sem esconder também um otimismo contagiante. Impossível não simpatizar, impossível não se emocionar, impossível não se maravilhar com todos os acertos estéticos e narrativos que a série possui, além de contar com uma gama de personagens pelos quais vale a pena torcer e se importar. Eles são nós! Eles são maravilhosos, imperfeitos e complexos assim como nós! Eles “somos” nós!!
A segunda temporada de “Love” começa exatamente no instante em que termina a temporada anterior, ou seja, enquanto Mickey (Gillian Jacobs) discursa na frente de Gus (Paul Rust) sobre o seu vício em drogas, álcool, sexo, amor e ele a silencia com um beijo. Porém, esse seu gesto não fará com que ela mude de opinião quanto ao desejo de se afastar dele por um ano embora o destino pareça convergir para que eles fiquem cada vez mais juntos quanto mais eles parecem concordar que o melhor é que eles fiquem separados. Entretanto, Gus e Mickey não formam um casal convencional, logo essa problematização da relação entre os dois parece muito mais uma necessidade e um artifício em negar o quanto eles são especiais um para o outro e qualquer tentativa deles de impor regras ao relacionamento cai por terra já que não demora muito para que se deem conta que elas não servem para eles. E ao mostrar que os dois simplesmente não resistem a eles mesmos, cada um de acordo com seu devido motivo, ao ponto de transarem dentro do carro no estacionamento de um restaurante coreano, a série reforça mais uma vez que não está minimamente interessada em um tom politicamente correto. O que justamente faz de “Love” uma série acima da média.
Essa temporada parece ser mais um tratado de liberdade para Gus e Mickey sobre se deixarem levar pelo que sentem um pelo outro, permitindo ser felizes, como se nada pudesse estragar esse momento tão especial entre os dois (e, ironicamente, ao longo da temporada por diversas vezes isso parece acontecer em maior ou menor grau de relevância). O romantismo não está descartado na relação entre eles, mas não é à toa que eles chegam até mesmo a duvidar que algo ruim não possa acontecer para acabar com a sintonia fina entre os dois, pois antes de se conhecerem eles estavam acostumados a arruinar seus relacionamentos (e, de certa forma, eles continuam fazendo isso, embora lidem um pouco melhor, especialmente com os defeitos de cada um). Nessa temporada é também a primeira vez que ouvimos Gus e Mickey falando mais detalhadamente sobre suas famílias e dando pistas sobre a dinâmica determinante na criação dos dois, inclusive com a participação do pai dela em um dos episódios, um incorrigível trambiqueiro e mulherengo, o que serve para explicar muito do comportamento e das frustrações que ela carrega consigo. O maior ponto de conflito entre os dois parece ser mesmo a distância provocada por uma viagem a trabalho de Gus e a maneira com que eles lidam com a distância, o que acaba distanciando-os emocionalmente. A queda no final da temporada, no entanto, se dá muito mais pela necessidade de vilanizar Mickey do que propriamente ao construir mais um conflito para colocar em xeque a relação entre os dois e, infelizmente, os episódios finais levam a isso.
Paul Rust e Gillian Jacobs continuam segurando a série com muito carisma. Ele é dono de um estilo de humor que caracteriza Gus como um típico sujeito desajustado em que todas as vezes que tenta ser mais descolado acaba se dando mal. Paul Rust é carismático ao ponto de fazer uma piada sem graça envolvendo a série “Friends” e/ou o filme “Duro de Matar” e ainda assim torná-la divertida; ou legitimar a pureza de Gus ao ilustrar a sua alegria genuína ao compor uma canção para o filme “Enquanto Você Dormia” ou quando está desconfortável diante de conflitos familiares, oferecendo pequenas amostras do apelo e do alcance de um personagem que não se restringe em ser um mero “nerd” apaixonado. Já ela é uma atriz intensa que sempre traz um olhar triste e melancólico que sustenta emocionalmente uma mulher que parece andar sob uma corda bamba já que as instabilidades de Mickey são constantes, mas Gillian Jacobs também traz uma vitalidade à personagem que nos torna cúmplices da jornada de redenção que a personagem realiza ao evitar qualquer tipo de gatilho que a leve novamente para o caminho do vício, sendo que em nenhum momento duvidamos das suas boas intenções ou do quanto Mickey realmente gosta e precisa de Gus ao seu lado, sem descansar um do outro. E vice-versa.
Assim como na primeira temporada, “Love” não é uma série somente sobre Gus e Mickey, embora seja muito melhor quando foca apenas na atípica relação amorosa entre os dois. A temporada reserva espaço para investir ocasionalmente em outros personagens, como os divertidos Bertie (Claudia O’Doherty), companheira de casa de Mickey, e Randy (Mike Mitchell), um dos melhores amigos de Gus, que também vivem um relacionamento pouco convencional; ou Truman (Bobby Lee), colega de trabalho de Mickey, que se revela um tremendo carente emocional, mas em termos gerais, ambos funcionam como eventuais alívios-cômicos. A temporada também não esquece dos núcleos profissionais de Mickey e Gus, mas dessa vez a abordagem é mais reduzida, o que permite que explorem melhor as piadas, especialmente as que envolvem os clichês cinematográficos, especialmente a presença da divertida modelo e atriz Heidi (Briga Heelan) que praticamente dá o ar da sua graça em um único episódio ou as situações vividas pela precoce atriz mirim Arya (Iris Apatow), inclusive durante as gravações de um filme de ação e diante das novas aspirações profissionais de Gus. O mesmo não acontece com relação ao trabalho de Mickey, especialmente com relação à participação do terapeuta Greg Colter (Brett Gelman) que embora chame a atenção pela sua canastrice e canalhice, além da sua total incapacidade emocional de exercer a profissão, parece um tanto quanto deslocado do universo da personagem, mas felizmente a própria série se encarrega de não dar muito crédito aos conflitos que ele gera dentro da relação entre Gus e Mickey.
Apesar de não evitar os altos e baixos em seus doze episódios (dois a mais que na temporada anterior), “Love” em sua segunda temporada continua sendo uma série de comédia romântica que traz frescor a um gênero carregado de clichês e carente de originalidade, especialmente pelo charme, carisma e simpatia dos seus personagens centrais politicamente incorretos e muito bem defendidos por Paul Rust e Gillian Jacobs, dois atores talentosos e bastante generosos em cena. Se o amor não é perfeito, Gus e Mickey também estão muito longe da perfeição e justamente por isso é que se tornam personagens tão amáveis e acessíveis, afinal fazem questão de nos mostrar que embora não seja possível o “felizes para sempre”, eles fazem muito por merecer a união já que estranhamente foram feitos um para o outro.
“Eu, Tu e Ela” é uma série levemente divertida e politicamente incorreta sobre Jack (Greg Poehler) e Emma (Rachel Blanchard), um casal que está mais próximo dos 40 anos do que gostariam e que vive uma crise em seu casamento enquanto pensam na possibilidade de ter o primeiro filho assim como a maioria dos seus amigos e vizinhos. No entanto, a vida sexual deles está em baixa, logo Jack aceita a dica de um amigo de contratar o serviço de uma acompanhante, a envolvente Izzy (Priscila Faia), uma jovem estudante de Psicologia, porém logo se arrepende, mas sem antes despertar a curiosidade de Emma que também se encanta pela garota e acaba sugerindo que ela passe a realizar seus serviços para o casal, possibilitando um inusitado relacionamento a três.
Apesar do tema delicado e polêmico, a dinâmica entre o trio é bastante leve e divertida, logo em nenhum momento o interesse do casal pela acompanhante não se mostra palpável já que com seu bom humor ela tira Jack da sua rotina rígida e repleta de compromissos, além de trazer uma sensibilidade e uma energia sexual para a vida de Emma que até então estava escondida. Criada por John Scott Sheperd, a série nos faz acreditar que uma relação a três seria sustentável e que é a melhor saída para o marasmo do casamento de Jack e Emma, logo ela avança ao longo dos episódios por todos os estágios, iniciando pelo nervosismo e pela excitação dos programas individuais, pelo súbito e posterior interesse do casal pelo sexo a três e passando até pela improvável possibilidade de que a relação seja mantida por muito mais tempo na vida do casal e da acompanhante já que sentimentos foram divididos e compartilhados em um nível que vai muito além do mero compromisso profissional. O fato de Izzy ser uma estudante de Psicologia, assim como Nina (Melanie Papaia), sua melhor amiga e colega de profissão, permite que a série forneça alguns conceitos da área ou conselhos meramente terapêuticos sobre relacionamentos amorosos, mas que se tornam muito mais elementos cômicos já que não possuem o propósito de oferecer complexidade à narrativa, como o fato dela só se interessar por Andy (Jarod Joseph), um amigo da faculdade, apenas quando ele não lhe dá a mínima atenção.
Esse luxurioso apelo da série reside muito pelo carisma do seu trio de protagonistas a começar pela intensa e delicada atuação de Rachel Blanchard que interpreta uma mulher sensível e careta que expressa física e emocionalmente o interesse de Emma por aquela garota que não tem pudores em expressar o seu desejo sexual. É quase um retorno à sua adolescência repleta de experiências e sensações, porém Emma jamais deixa de demonstrar o seu amor, a sua lealdade e o seu carinho pelo marido, logo Blanchard se mostra bastante versátil e se equilibra muito bem entre esses dois aspectos emocionais de uma mesma mulher assim como legitima a fragilidade e confusão da personagem diante dos conflitos que se estabelecem. Priscila Faia não é uma atriz das mais talentosas, mas ainda assim funciona muito bem como Izzy, tornando-se uma grata surpresa, pois ela interpreta com personalidade uma jovem instável, repleta de altos e baixos com surtos de insegurança e autoestima, mas que legitima o interesse e a excitação do casal pelo desprendimento e pela inteligência de Izzy e mesmo assim revela traços que lhe humanizam e demonstram que ela não é tão bem resolvida como gosta de sugerir aos seus clientes. O elo fraco do trio é Greg Poehler que é um comediante simpático que traz uma feição de sujeito comum a Jack, porém embora a sua química em cena funcione ao lado das duas atrizes, ele parece ter um “timming” diferente do restante do tom da série ao evocar o jeito bobalhão do personagem, mas que só evidencia as suas próprias limitações já que ele não é um ator cômico dos mais talentosos e/ou versáteis.
O moralismo da série está presente através dos personagens que circundam a vida do trio, inclusive na figura de Nina que lida com muito mais frieza e praticidade com os dilemas do seu cargo, porém as críticas acabam se sustentando muito mais pelos erros e falhas do trio de manter o sigilo da relação e pelas atitudes dos fiscais da moral e dos bons costumes do bairro onde Jack e Emma moram, inclusive amigos mais próximos. A relativa falta de inteligência e esperteza do trio acaba sendo estimulada para que se crie o maior número de situações que o aproximem do constrangimento que geram momentos cômicos apenas razoáveis, como a vigilância de uma vizinha que desconfia da intimidade do trio, inclusive envolvendo chantagens, ou até mesmo a própria sustentação do casal ao apresentar Izzy como sobrinha dele, o que é de uma fragilidade narrativa absurda. E, considerando o fato de Jack e Emma tem nomes a zelar, seja por ele se candidatar a novo reitor do colégio particular em que trabalha ou por ela ter projetos de trabalho de sua responsabilidade que podem lhe garantir uma promoção, o choque entre a vida pública e particular dos dois torna-se cada vez mais inevitável (curioso que em nenhum momento se discute o dilema ético dela ter um projeto profissional na escola em que ele trabalha), fazendo com que os próprios se tornem moralistas e tornando a série mais aborrecida e burocrática, especialmente nos episódios finais dessa primeira temporada.
“Eu, Tu e Ela” é uma série sobre Jack, Emma e Izzy e sobre a ambiguidade de se buscar uma relação saudável através de um relacionamento a três, afinal tratam-se de adultos que sentem-se conectados íntima e emocionalmente, embora seja uma prática que não é aceita pela sociedade e que os próprios também possuem dificuldades em saber como lidar. Ainda assim é uma série que tem potencial a ser desenvolvido através dos dilemas específicos destes personagens, estejam eles juntos ou não, porém nessa primeira temporada todas as vezes que a série se distanciou desse consentido triângulo amoroso, ela perdeu sua principal força. Esse é o dilema dos seus personagens e da própria série, afinal quão longe eles pretendem ir nessa história sem vacilar e/ou correr riscos e/ou colocar tudo a perder.
Um dos crimes mais terríveis envolvendo uma celebridade do esporte e do cinema e que mais chamaram a atenção da sociedade e da mídia global foi o duplo homicídio atribuído ao ex-atleta de futebol americano OJ Simpson contra Nicole, sua ex-esposa, e Ronald, o namorado dela, na noite de 12 de junho de 1994. Astro renomado e idolatrado pelos americanos, OJ se arriscou como comentarista esportivo e ainda ingressava em sua carreira como ator de comédia, mais especificamente na franquia “Corra Que A Polícia Vem Aí“, quando ocorreram as mortes e as evidências levaram a suspeita de que ele cometera os crimes, iniciando um intenso processo de captura, acusação e consequente julgamento através de um árduo e turbulento trabalho liderado pela promotora Marcia Clark do lado da promotoria e da equipe de defesa liderada por Robert Shapiro. Sob a direção geral do experiente e irregular Ryan Murphy, de produções como “Nip/Tuck” e “American Horror History”, a série televisiva “O Povo Contra OJ Simpson” chega para dissecar os detalhes e apresentar outros personagens afetados por esse sórdido caso, destacando o instável e desequilibrado homem supostamente responsável pelo crime e a grande mulher que enfrentou o preconceito de gênero enquanto lutava para ser respeitada e fazer justiça.
Um dos aspectos mais controversos do caso envolveu a onda de crimes raciais cometidos pela polícia que tomou conta dos EUA, mais especificamente na cidade de Los Angeles, sendo que o caso de OJ Simpson foi inserido dentro desse contexto de maneira distorcida e oportunista. Apesar disso, a série empodera-se da discussão sobre a discriminação racial de maneira bastante competente, especialmente a partir da dinâmica estabelecida entre o advogado de defesa Johnnie Cochran (Courtney B. Vance) e o promotor assistente de acusação Christopher Darden (Sterling K. Brown), mas que se desenvolve ao longo da série com muitas outras vertentes, especialmente pela equipe de defesa de OJ interessada nessa repercussão, inclusive chamando a atenção para o comportamento e a ação dos policiais de LA contra a população negra. Enquanto o veterano Vance legitima a sua performance através da eloquência de seus discursos entusiasmados que mesclam as principais qualidades e defeitos de um advogado experiente com a de um pastor inescrupuloso (e vice-versa), Brown se mostra um dos atores mais completos, versáteis e interessantes da atualidade, vide o seu sensível trabalho nesta série e também em “This Is Us”.
A discussão sobre a sanidade mental de OJ que chegou a ser sugerida a favor dele quando decidiu não se entregar espontaneamente para a polícia e iniciou uma fuga cinematográfica que acabou sendo transmitida ao vivo por todas as emissoras do país sob a ameaça de uma arma apontada por ele contra sua própria cabeça acabou ficando até em segundo plano quando a “carta da raça” foi lançada no jogo jurídico. Outra grande sacada do roteiro ao apresentar esse vasto e amplo painel é que muitas informações e pistas são inseridas inicialmente, porém são contextualizadas à medida que o julgamento avança, normalmente em momentos cruciais, revelando um compromisso honesto dos roteiristas com o espectador que em nenhum momento é enganado por mais surpreendentes que sejam certas revelações e reviravoltas (o inverso também ocorre, mas em versões mais homeopáticas). Em contrapartida, o roteiro acerta quando oferece um relativo espaço para os membros do juri, mostrando-os como peças do tabuleiro do jogo orquestrado pelos advogados de defesa e pela promotoria, mas quando foca em seus dilemas pessoais, em seus momentos de crise e até mesmo no posicionamento que cada um tem com relação ao caso a abordagem torna-se mais superficial sem jamais corresponder totalmente à complexidade envolvida pelo papel dos jurados.
Ao longo da série, o diretor Ryan Murphy parece se sentir à vontade para arriscar com diversas soluções estéticas para criar uma dinâmica visual que seja atraente, sendo que em quase todos os episódios, inclusive aqueles que não são dirigidos diretamente por ele, há uma predileção por rondar os personagens com giros enquanto eles travam algum tipo de discussão entre si ou na utilização da câmera lenta para alavancar expectativas dramáticas. O trabalho de direção de arte é muito eficaz ao retratar o excesso de formalismo nos ambientes do tribunal e da promotoria, reforçando que se trata de uma produção de época através de pequenos detalhes, como nos aparelhos telefônicos e nos poucos eletrônicos que existiam na época, mas não deixa de explorar certa extravagância no quartel general da equipe de defesa, mas principalmente na mansão de OJ que ostenta seus prêmios, troféus e até mesmo uma estátua em tamanho real no jardim. Há ao longo da série algumas composições envolvendo os núcleos da defesa e da acusação que são assertivas, principalmente quando discussões entre os dois lados do caso são intercaladas para evidenciar a estratégia que será empregada em cada um deles com uma boa dinâmica estabelecida pela montagem. O que não se apaga em nenhum momento, no entanto, nem mesmo nos melhores momentos da equipe de defesa, como no interrogatório dos policiais ou no lance sobre as luvas, é a existência de um tom cômico e às vezes até jocoso ao ilustrar os movimentos e os personagens da equipe de defesa de OJ, apresentando as situações carregadas de um humor involuntário ou ocasional.
O trabalho da promotoria, por exemplo, é apresentado de maneira séria, competente e dotado de uma postura dramática e emocional reconhecíveis, embora não esteja isento de erros de julgamento, equívocos humanos e falhas processuais, afinal Márcia e Christopher são apresentados como advogados competentes, porém imperfeitos, longe de representarem o impecável estereótipo hollywoodiano. Já a defesa de OJ não deixa de ser apresentada também como uma equipe profissional formada por até cinco advogados de primeira linha, considerado como o “Time dos Sonhos” pela imprensa, mas parece que em alguns momentos o deboche e o sarcasmo tomam conta desse núcleo, quase sempre proposital, especialmente pela maneira como as suas manobras são ilustradas, além das já citadas, mas também na montagem e remontagem do júri, na redecoração da mansão de OJ e até mesmo pelos atores escolhidos para defendê-los. É como se a própria série não quisesse que o espectador os levasse a sério, uma postura que afeta a imparcialidade e enfraquece um pouco o apelo da série ainda que a narrativa permita que a defesa celebre pequenas vitórias em escala exponencial ao ponto de inflamar os americanos e a opinião pública com relação a fatos secundários e de importância relativa dentro do caso, mas que no final das contas acabam sendo cruciais e determinantes, especialmente para os jurados responsáveis por decidir o caso.
Cuba Godding Jr. realiza um bom trabalho de composição ao usar o seu limitado repertório de atuação para ilustrar a fragilidade emocional de um homem frio, calculista, fraco, perturbado, instável e covarde que se mostra imaturo e incapaz de lidar de maneira responsável e apropriada com a gravidade absurda do ato criminoso e violento em que está inserido. Para o bem ou para o mal, o OJ de Cuba Godding Jr. é dissimulado e um péssimo ator. A ótima Sarah Paulson já interpreta com vigor e delicadeza uma figura emocionalmente oposta já que é mãe de dois filhos, enfrentando um divórcio litigioso e que se mostra uma mulher firme, justa, corajosa, destemida e determinada, afinal ela acredita incondicionalmente que condenar OJ é a melhor forma de fazer justiça a favor das vítimas e suas famílias, inclusive a de Ronald que em meio à discussão acaba se tornando uma nota de rodapé em função da repercussão midiática sobre os personagens mais famosos envolvidos no crime. E ainda assim ela enfrenta com sensibilidade e coragem as artimanhas secundárias utilizadas para desestabilizá-la, inclusive as ações da imprensa sensacionalista e as impressões causadas pelo seu cabelo ou pelas roupas que usa, mas sem deixar de ser uma mulher forte ainda que ocasionalmente vulnerável.
Em uma atuação dramática relativamente convincente, David Scwimmer interpreta Robert Kardashian, amigo íntimo há mais de 20 anos de OJ, sendo apresentado como uma das pessoas que mais se abalaram com o envolvimento de alguém tão próximo a sua família em um crime tão bárbaro, mas que jamais deixou de apoiar o amigo, inclusive trabalhando ao lado da equipe de advogados da defesa, mesmo nos seus momentos de maior dúvida e que vão se tornando cada vez mais críticos, o que o torna uma figura humana bastante reconhecível aos olhos do espectador. Já John Travolta, que também é produtor da série, surge com um visual esticado e bizarro, atuando de maneira afetada e caricata na pele do vaidoso e orgulhoso Robert Shapiro, advogado de defesa de OJ, que até tem lá seu nível de excentricidade atraente e alguns bons momentos, mas o resultado é bastante irregular, sendo que a presença de Travolta acaba sendo mais distrativa do que útil. Nathan Lane se mostra muito mais à vontade na pele do advogado F. Lee Bailey que tenta ser uma espécie de conciliador entre os egos da equipe de defesa, embora ele mesmo também não veja a hora de ter o seu momento para aparecer e brilhar. Kenneth Choi é uma gratíssima surpresa como o juiz Lance Ito, afinal o seu personagem tem uma postura bastante racional e protocolar diante do que está acontecendo ao seu redor, mas ainda assim não deixa de mostrar bom senso e outras virtudes que revelam um pouco da sua conduta humana.
Em um universo onde mentiras e teorias conspiratórias podem ter o mesmo peso que provas e circunstâncias incontestáveis e que a vida pessoal de advogados, promotores, juízes e jurados pode se tornar uma importante parte da narrativa mesmo a contragosto, “O Povo Contra OJ Simpson” é uma série contundente sobre a manipulação da justiça, a influência da imprensa e a histeria coletiva em uma narrativa sobre manobras e distorções que parece se interessar apenas em reproduzir a história que mais convém para o discutível gosto da opinião pública em que a verdade e a justiça podem se tornar meros detalhes.
O deboche, o sarcasmo e o humor negro presentes em “Desventuras em Série” tornam a série uma produção atraente e exótica ainda mais quando amparada sob uma qualidade técnica criativa e refinada. Baseada na obra Daniel Handler, que a escreveu sob o pseudônimo de Lemony Snicket e que já gerou um ótimo e subestimado filme em 2004 protagonizado por Jim Carrey, essa produção da Netflix procura adquirir personalidade própria e ampliar o universo fantástico dos órfãos Baudelaire, encarregando o talentoso Neil Patrick Harris da missão de interpretar o vilão Conde Olaf que fará de tudo para colocar as mãos na herança deixada pelos pais aos filhos Violet (Malina Weissman), Klaus (Louis Hynes) e Sunny Baudelaire (Presley Smith).
Contando com um material de origem dividido em treze livros, “Desventuras em Série” explora quatro deles nessa primeira temporada de oito episódios, sendo que os roteiristas responsáveis pela série são eficientes ao trazer uma cadência para o estabelecimento da premissa, a apresentação dos personagens principais e trazendo uma gama de outros personagens e elementos que dão uma maior percepção sobre o dilema inicial dos órfãos até culminar no casamento de fachada entre o Conde Olaf e Violet. Entretanto, isso não quer dizer que todas as escolhas da série são assertivas, afinal as ações que ocorrem na casa do Dr. Montgomery (Aasif Mandvi), por exemplo, conseguem ser divertidas em um primeiro momento, mas os detalhes criminais são arrastados justamente por entender que fidelidade é sinônimo de qualidade quando havia a necessidade de cortes e ajustes pontuais para enxugar os seus desdobramentos. Sob a direção geral de Barry Sonnenfield, a série em termos gerais até tem um bom ritmo, como na eficiente dinâmica que cerca o núcleo da tia Josephine (Alfree Woodard), mas não tem como não se incomodar com a mão pesada do diretor na condução pouco inspirada das sequências que se passam durante o furacão, seja em pleno mar ou na destruição provocada na casa de Josephine, localizada a beira de um precipício, mesmo com o auxílio de bons efeitos especiais. Já no núcleo ambientado em uma serralheria em que os operários são hipnotizados e que o Conde Olaf não é o único agente dos planos malévolos, os eventos são burocráticos e os personagens adicionais são desinteressantes e pouco atraentes, forçando a temporada a um encerramento bastante anticlimático diante dos eventos apresentados.
Outra escolha narrativa de aspecto discutível é a presença efetiva do próprio escritor Lemony Snicket (Patrick Warburton) que se torna um importante personagem mesmo funcionando apenas como um onipresente narrador encarregado de entregar as principais pérolas do humor negro que dão o tom das desventuras enfrentadas pelos órfãos ao longo da série. Esse artifício, no entanto, acaba se tornando em alguns momentos uma muleta narrativa, especialmente quando serve para explicar o que deveria ficar subentendido, como a função de uma ironia dramática, a explicação de ditos populares ou justificar ações paralelas, por exemplo. O roteiro contudo tem um senso de humor bastante peculiar, especialmente ao explorar a ingenuidade dos adultos em detrimento da sagacidade das crianças, personificado da melhor/pior forma possível pelo Mr. Poe (K. Todd Freeman), que até permite certa oscilação cômica dentro de um mesmo episódio, afinal nem todas as piadas são inspiradas, embora geralmente saiba extrair graça da limitação intelectual de Conde Olaf no uso de termos errados e palavras fora de contexto ou de situações bizarras ou politicamente incorretas, como ao explorar as crianças no trabalho escravo. Há espaço para metalinguagens envolvendo filmes de gênero, especialmente os de aventura e terror, brincadeiras com o UBER e até uma piadinha interna favorecendo a Netflix em comparação ao cinema (o que é engraçadinho, mas é uma tremenda bobagem por melhor, mais útil e importante que seja o serviço de “streaming”). Já o virtuosismo técnico da produção salta aos olhos seja pela caprichada fotografia que intercala tons quentes e frios ou os cenários criativos, coloridos e atrativos das casas da juíza Justice Strauss (Joan Cusack) ou do Dr. Montgomery que contrastam com a mórbida, cinzenta e opressiva arquitetura da mansão do Conde Olaf ou da obscura casa da tia Joephine, além dos figurinos que brincam sutilmente com diferentes épocas e a destacável maquiagem, especialmente as diversas utilizadas por Olaf.
Neil Patrick Harris já havia demonstrado especialmente na série de “How I Met Your Mother” que era muito mais do que um comediante e sim um “show man”, um ator versátil e completo para ser mais justo (como todos os atores deveriam ser, diga-se de passagem). Aqui ele tem a oportunidade de explorar com competência uma série de possibilidades artísticas, como a dança e o canto, além de um repertório de sotaques e recursos cômicos ao interpretar diversos personagens com tempo e dedicação para torná-los diferentes, excêntricos e marcantes, auxiliado por um caprichado trabalho de caracterização. A série é seu palco e mesmo que ele não seja excelente em todas as suas escolhas (o italiano Stefano é mais bem explorado do que o Capitão Fraude enquanto a sua performance como Shirley é decepcionante), ainda assim ele esbanja virtuosismo. Malina Weissman é uma atriz graciosa, carismática e com bastante potencial, Louis Hynes funciona para o seu tipo de personagem, mas sem muito apelo ou carisma e Presley Smith é um adorável e encantador bebê que rouba praticamente todas as cenas em que participa ativamente. Joan Cusack é outra atriz que consegue deixar a sua marca com uma participação cativante e marcante. Se Aasif Mandvi se mostra um ator simpático e carismático ao interpretar Montgomery como um homem bondoso e ingênuo, Alfree Woodard já parece carregar no tom caricato e afetado de tia Josephine que se apresenta como uma mulher neurótica e carente. Já Don Johnson e Catherine O´Hara que aparecem nos dois episódios finais são duas presenças aborrecidas e frustrantes.
Contando com uma sequência de abertura cantada pelo próprio Neil Patrick Harris e que possui pequenas adaptações a cada episódio, “Desventuras em Série” é uma série que explora parcialmente seu potencial já que é engessada pela estrutura episódica da obra que serve de fonte de inspiração, apresentando uma temporada repleta de altos e baixos que confia tanto no material que tem em mãos que não consegue perceber quando funciona melhor ao ser explorado em doses homeopáticas ou em uma versão mais estendida. Apesar do seu tom melancólico e pessimista, a série consegue ser cativante na maior parte do tempo, pois é capaz de extrair doçura e delicadeza até mesmo das mais cruéis e bizarras desventuras enfrentadas pelos órfãos, mas creio que Lemony Snicket certamente me chamaria de tolo por acreditar em tudo isso e essa contradição é o que confere o charme tão especial presente em “Desventuras em Série”.
Após um final de primeira temporada morno, “The Affair” amplia o seu jogo de percepções adultas, maduras e imaturas, em sua temporada seguinte ao apostar não apenas nos pontos de vista de Noah (Dominic West) e Alisson (Ruth Wilson), mas também nos de Helen (Maura Tierney) e Cole (Joshua Jackson), ou seja, de maneira definitiva e categórica os quatro representantes da trama amorosa, sejam amantes ou traídos, tornam-se protagonistas da série e, mesmo que indiretamente, possuem vidas próprias dentro da temporada. Curiosamente, essas novas perspectivas correspondem ao que há de mais interessante nessa segunda temporada já que a relação Noah/Alisson dá uma leve esfriada enquanto a subtrama policial continua sendo uma âncora narrativa com suas doses homeopáticas de mistério que engessam a série até que a partir da segunda metade passam a contribuir mais em função de um abrupto salto no tempo da narrativa.
Em sua maior parte, os episódios dessa segunda temporada possuem roteiros muito bem alinhados já que funcionam isoladamente, costurados de maneira orgânica já que mesclam diferentes núcleos e uma estrutura narrativa muito parecida com os da temporada anterior, sendo que cada um dos núcleos corresponde a um momento do passado da vida dos personagens visto em retrospecto, sendo que cada início ou final de episódio se dedica a mostrar a ação de cada um deles em um tempo presente que se concentra, dessa vez, no processo de acusação enfrentado por Noah pelo crime que foi cometido na temporada passada (com a adição de um tom de fotografia diferente para oferecer uma fácil identificação visual). Há um único episódio nesta temporada, bastante eficiente por sinal, que se dedica a mostrar as ações dos quatro personagens em diferentes momentos de um mesmo dia, durante uma tempestade, quebrando um pouco a estrutura de dividir cada episódio com a visão de apenas dois deles de cada vez (ainda assim o estremecimento da relação entre Noah e sua filha Whitney é pouco explorado a partir deste). O que se reforça muito nessa temporada também são as versões do masculino e do feminino sobre os eventos que rondam as vidas dos personagens, logo uma discussão a respeito de amor, sexo, casamento e filhos acaba tendo conotações distintas quando o ponto de vista é assumido por Noah/Cole ou Alisson/Helen, inclusive com alguns personagens coadjuvantes ou secundários, colaborando de maneiras diferentes de acordo com cada perspectiva.
A influência de um veterano casal (Peter Friedman e Joanna Gleason) que cede à casa de hóspedes para Noah e Alisson também oferece diferentes perspectivas sobre o histórico dos personagens, especialmente para ela que parece viver à margem de tudo ou quase sempre em compasso de espera como se ninguém fosse capaz de enxergá-la de verdade até que em função da sua própria insegurança acaba se colocando no meio de outro dilema delicado que se torna um importante elemento do principal fio condutor da metade final da temporada. Apesar do salto no tempo visto nessa parte soar um tanto quanto repentino e gerar desconforto diante dos conflitos que deixou pra trás, a temporada não demora muito tempo para se restabelecer justamente por trazer as ações dos personagens a um período mais próximo ao da tal investigação criminal, o que não justifica, mas de certa forma compensa essa mudança de tempo inesperada por parte da narrativa (o episódio mais irregular acaba sendo mesmo aquele em que Alisson está instalada em uma espécie de spa espiritual por influência da mãe, onde o roteiro escancara interpretações emocionais dos personagens).
Da forma como é desenhada, a segunda temporada permite que haja um melhor equilíbrio entre os personagens e até mesmo as atuações se tornam mais homogêneas. Se na primeira temporada, a ótima Rachel Wilson foi o grande destaque, aqui Dominic West consegue desempenhar um trabalho mais seguro e competente na pele de um sujeito cada vez mais egocêntrico, egoísta e imaturo, mas que dependendo do ponto de vista ainda é capaz de demonstrações típicas de um homem apaixonado e generoso, embora West seja o ator menos talentoso e versátil do quarteto principal. Maura Tierney tem a possibilidade de ampliar ainda mais a complexidade dramática da sua personagem com uma atuação intensa e visceral, sendo responsável por alguns dos melhores momentos da temporada, como quando Helen tem um surto de irresponsabilidade, desabafa diante da pressão exercida pela mãe ou não sabe como se comportar quando se envolve com o médico do filho. Dessa vez, Joshua Jackon também realiza um trabalho contundente através de uma composição melancólica que torna Cole uma das figuras mais trágicas e amarguradas da série já que possui uma natureza romântica que foi reprimida diante dos últimos eventos traumáticos, inclusive com terríveis segredos de família sendo revelados, equilibrando-se quase sempre no fio da navalha já que parece não ter esquecido Alisson, o que pode ter uma reviravolta a partir do seu encontro com Luisa (Catalina Sandino Moreno), uma imigrante ilegal equatoriana que está a trabalho em Montauk e que se mostra uma mulher atraente e de personalidade forte.
Nesta segunda temporada, Noah, Alisson, Helen e Cole parecem cada vez mais desconectados, mas ainda assim carregam dentro de si os efeitos provocados pelos eventos do passado que estabeleceram uma nova ordem em suas vidas, mas que também é difícil de ser encarada, o que de certa forma os aproximam ainda mais. O episódio final traz uma série de conveniências e coincidências que tem o objetivo de costurar os destinos dos personagens diante de um crime acidental que coloca Noah diante de um forte dilema ético e moral perante Alisson e Helen, deixando Cole um pouco fora do contexto central, pelo menos a princípio. Dessa forma, a segunda temporada de “The Affair” consegue ser bastante superior à primeira, tornando-se uma série mais interessante, ambiciosa e complexa por ampliar os pontos de vista e promover um alcance maior de sua narrativa sem ficar totalmente presa a sua sedutora estrutura.
“The OA” é uma série essencialmente estranha e bizarra, logo potencialmente instigante e curiosa, ainda que confusa e irregular. É uma série bipolar já que ao mesmo tempo em que desperta o interesse, também é capaz de provocar aversão. Iniciando a partir de uma filmagem que mostra uma mulher saltando do alto de uma ponte, logo em seguida se estabelece que ela não apenas sobreviveu à queda, mas que é Praire Johnson (Brit Marling), filha adotiva de Abel (Scott Wilson) e Nancy (Alice Krige) e que estava desaparecida há sete anos. A sucessão de excentricidades não para por aí, afinal a jovem era cega e retornou com plena visão, embora se mostre visivelmente confusa e traumatizada com a experiência que enfrentou durante esse período de tempo, o que amplia a repercussão midiática em torno do caso. Sem ter o interesse de oferecer muitas respostas até para manter o clima de mistério, a série criada pelo diretor Zal Batmanglif ao lado da ótima atriz Brit Marling aposta na suspensão da descrença para criar uma narrativa que tecnicamente explora a luz através de uma límpida fotografia branca e de tons claros e cuja temática flerta com mitologia, espiritualidade e paranormalidade.
A partir do momento que a narrativa se encarrega de mostrar a infância de Praire, seu passado trágico e traumático ambientado na Rússia que a conduziu aos Estados Unidos até o processo de adoção que a colocou no caminho de Abel e Nancy, a série vai indicando uma linha narrativa que oferece pistas sobre a sua condição especial com episódios premonitórios e uma influência espiritual em um plano astral aparentemente relacionada com seu pai biológico decorrentes da experiência de quase morte que ela teve quando criança. Esse elemento, por sinal, é responsável pelas principais presepadas simbólicas e metafóricas existentes na narrativa que funciona em passagens lúdicas cujo visual se assemelha com um mapa astrológico misturado com clipe de música eletrônica em que a fotografia aposta na falta de luz natural e em tons mais escuros. Em contrapartida, o misterioso Dr. Hunter Hap (Jason Isaacs), “Caçador de Acasos” na tradução literal ou “Caçador de Anjos”, como é chamado por Praire, acaba sendo o personagem mais interessante e interessado em fazer as principais perguntas e oferecer as maiores respostas a algumas das dúvidas centrais da trama, mudando inclusive a percepção quanto ao desaparecimento de Praire de maneira direta e efetiva, o que não deixa de ser uma solução assustadora, mas bastante crível e palpável diante dos objetivos nada ortodoxos de suas experiências. Ao focar no período de Praire em um cativeiro que mais se parece com um laboratório, a narrativa gera momentos de genuína tensão, como quando Praire coloca soníferos na comida de Hap, e o drama se expande a partir da inserção de outros personagens que foram igualmente capturados, especialmente Homer (Emory Cohen, fraco) por quem ela se afeiçoa, e que parecem demonstrar algum tipo de habilidade especial, adquirida pela experiência de quase morte. Ainda assim não deixa de ser frustrante que em meio a tantas alegorias inventivas e surreais, a recuperação da visão de Praire se dê por um artifício tão raso e sem criatividade por parte do roteiro (não pelo significado da experiência, mas pela execução em si).
Nesse processo de redescoberta sobre seu passado, Praire reúne cinco moradores da pequena cidade em que mora, sendo que cada um deles possui a sua parcela de problemas, traumas e segredos e, embora ofereçam boas atuações, apresenta conflitos mundanos e histórias paralelas de apelo apenas moderado e que tomam uma atenção apenas parcial da narrativa, sem nunca decolar, mas que de certa forma buscam justificar que a escolha por eles não teve nada de casual, como se fossem um grupo de escolhidos, embora a razão dessa reunião não seja clara desde o início, afinal existe uma conveniência narrativa que serve para justificar a narração da história através de “flashbacks” pontuais e da ausência diária de Praire e dos demais de suas casas por pelo menos uma hora ou pelo menos para durar o tempo que for necessário. Ainda que a opção de deixar a porta de entrada de suas casas aberta e engolir pássaros e peixes sirvam mais como recursos enigmáticos presunçosos, nada se compara às coreografias bizarras que permitirão a viagem de Praire entre as diferentes dimensões, uma alegoria que resume a excentricidade recorrente e de apelo discutível que permeia a série.
Infelizmente, a série acaba ficando refém dessa estrutura narrativa picotada que compromete sensivelmente a evolução da narrativa em cativeiro, onde há uma passagem de tempo de pelo menos três anos com a sustentação de uma única ideia ou de dois anos para outra, como se nada mais relevante ocorresse em nenhum desses períodos, o que é um recurso bastante preguiçoso. E, no final das contas, Praire acaba se revelando uma ótima contadora de histórias já que amarra a sequência de eventos que deve ser revelada em cada uma das conversas com seus cúmplices com cortes dramáticos precisos e uma capacidade de memorização impressionante, sem se preocupar com a explicação de certas inconsistências já em um determinado momento, o fingimento de consciência perante Hap durante as experiências permite que os capturados avancem em suas descobertas, mas em seguida a plena consciência não se torna um empecilho. O que não justifica, no entanto, que a série cometa uma sabotagem contra si mesma com a sugestão que faz em seu final através da descoberta de livros, mesmo que seja para criar apenas uma falsa impressão.
Com oito episódios que alternam entre passado e presente, entre a trajetória dos capturados e dos escolhidos, mas sem o mesmo interesse ou a mesma regularidade, “The OA” (abreviação em inglês para “O Anjo Original”) se apresenta como uma série incomum que parece se contentar com essa condição, mas seu apelo dramático se mostra eficiente apesar disso já que constrói a sua primeira temporada com boas doses de suspense e tensão acerca dos seus mistérios como se fosse um conto surreal sobre a passagem entre a vida e a morte, sendo que a proposta e a sua condução, mesmo sofrendo pela falta de foco e cometendo alguns equívocos imperdoáveis durante o processo, acaba sendo até mais atraente do que propriamente a resolução em si. Logo, assim como a vida, a experiência de vivê-la acaba sendo muito mais atraente do que saber o que realmente existe além dela. Ou será que não?
Comentário extraído do blog ARGUMENTÁRIO - Um espaço de idéias e reflexões
3%
Primeira produção brasileira da NETFLIX, “3%” é uma série dramática com pano de fundo de ficção científica que parte de uma distopia para estabelecer um discurso ideológico e social. Em um futuro talvez não muito distante, a sociedade se divide entre fartos e escassos e, aos 20 anos de idade, as pessoas são submetidas a um desgastante processo de seleção em que apenas 3% dos candidatos fazem por merecer a oportunidade de ingressar na utópica cidade de Maralto, lar dos fartos. Esse potencializado e distorcido conceito da meritocracia é capitaneado por Ezequiel (João Miguel), responsável pela coordenação do Processo, mas que vem sendo questionado a partir do registro do primeiro crime da História de Maralto, o que pode colocar em xeque os métodos de seleção pela primeira vez em mais de 100 anos. A jovem Michele (Bianca Comparato) é uma das candidatas que pretendem ascender socialmente com a esperança de reencontrar o namorado do lado de lá e durante o processo ela irá interagir com outros que possuem a mesma ambição em uma disputa que pode ser de vida e de morte.
Sob a direção geral do experiente diretor de fotografia Cesar Charlone (“Cidade de Deus”, “O Jardineiro Fiel”, “Ensaio Sobre a Cegueira”), a série tem uma qualidade de produção bastante destacável, especialmente por fazer o uso dos bons efeitos especiais de maneira eficiente e prática que realçam o visual estéril e “clean” da direção de arte e capturado por uma fotografia de tons ora claros, ora acinzentados. A trilha sonora que explora alguns clássicos da MPB em versões descoladas e/ou diferentes da que estamos habituados a escutá-las ajuda na construção do clima de estranheza da distopia, mas sem perder a essência das melodias tipicamente brasileiras. Aliado à montagem dinâmica, Charlone sabe construir tensão e suspense e, mesmo que se precipite um pouco com o uso da câmera na mão ou de zooms rápidos, o senso de urgência da narrativa é palpável e orgânico, especialmente na prova do túnel de gás ou durante um episódio que se passa dentro de uma prisão. Algumas soluções estéticas acabam sendo mais discutíveis que outras, como o uso de uma espécie de gosma para cobrir os olhos ou os uniformes rasgados dos fartos, e algumas escolhas narrativas são frágeis já que em alguns momentos há a sensação de que o Processo tem um grave problema de número de funcionários já que em diferentes situações os mesmos colaboradores se apresentam para o serviço, chegando ao ponto do próprio Ezequiel se expor, o que dá uma incômoda sensação de improviso ou limitação. Questiona-se também a existência não apenas de um, mas de dois importantes participantes que ingressam no processo de seleção de maneira ilegal, sendo que eles seriam fisicamente desmascarados com um simples exame médico presencial, o que convenientemente não acontece.
A metáfora é óbvia, mas muito bem ilustrada e defendida pela narrativa e mesmo que alguns diálogos sejam expositivos ou que as provas tenham um efeito didático, os conflitos entre os participantes levantam importantes discussões sobre a ambição e o individualismo em detrimento da vida em sociedade, valores morais sendo distorcidos em favor de valores materiais, um viés religioso que flerta com a doutrinação alienatória, a disputa entre classes sociais e uma série de outros elementos que buscam reacender o que ainda resta de humanidade e solidariedade entre os participantes. Nesse aspecto, a Causa, organização rebelde que luta contra o Processo, infiltra integrantes para derrubar a ordem dominante ao passo que Ezequiel e os membros do Conselho se mostram cada vez mais dispostos a manter o “status quo”. Os mistérios envolvendo os passados de alguns personagens, especialmente Michele e Ezequiel, servem para criar um clima de instabilidade dentro da narrativa que ajuda na construção de uma espécie de conspiração ainda que tímida e silenciosa e os “flashbacks” funcionam para dar uma maior complexidade dramática aos personagens que não se resumem a meros mocinhos e vilões. O episódio “Água”, por exemplo, que revisita o passado de Ezequiel é de uma poesia narrativa inebriante cuja emoção transborda, apresentando-se como o ponto alto da temporada.
De maneira geral, o elenco é muito bom e todos têm a sua chance de brilhar. A jovem e talentosa atriz Bianca Comparato se apresenta como uma protagonista forte e carismática de trajetória trágica e melancólica. João Miguel realiza um metódico trabalho de composição repleto de nuances que torna Ezequiel uma figura fria e imprevisível, servindo como um enigmático e complexo antagonista. Mel Fronckowiak é uma grata surpresa e tem a oportunidade de interpretar Julia, esposa de Ezequiel, em um nível de atuação altíssimo, trazendo emoção à flor da pele em um trabalho marcante e impactante. Michel Gomes também merece destaque pela sua intensa e sensível interpretação de Fernando, um obstinado cadeirante, embora se enfraqueça um pouco quando ele se transforma em um mocinho romântico e idealista. Vaneza Oliveira tem uma forte e hipnotizante presença de cena na pele de Joana, uma jovem amarga e traumatizada, e Rafael Lozano esbanja simpatia e segurança como um autêntico líder de grupo que passa por um radical arco dramático. Já Rodolfo Valente tem uma qualidade de atuação que oscila, mas em escala crescente ao se apresentar como Rafael, um personagem ambíguo que varia entre o moralmente repulsivo e o típico anti-herói.
Originada a partir de um curta metragem lançado em 2011 por Pedro Aguilera, criador e principal roteirista da série, “3%” apresenta uma riquíssima primeira temporada em oito episódios que avançam muito além da analogia social de sua premissa e em nenhum momento sacrifica a narrativa, afinal também funciona como uma ótima e excitante peça de entretenimento. Inconclusivo, o desfecho é pessimista e anticlimático já que sugere que a série assumirá diferentes linhas narrativas em uma próxima temporada, inclusive dando mais espaço ao universo dos escassos, mas a sensação de dever cumprido é nítida pelo apelo e pela eficiência da sua proposta que faz por merecer o seu devido reconhecimento.
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FALLING SKIES - 2ª TEMPORADA
Sem apresentar uma evolução consistente em comparação à primeira temporada, inclusive com relação aos efeitos especiais, “Falling Skies” acaba sendo incapaz de fugir da sua zona de conforto, resultando em uma segunda temporada frustrante que mais uma vez desperdiça o potencial da sua premissa e dos conflitos que poderiam ser gerados a partir dela para servir de base apenas para dramas de apelo frágil, ação de resultado bastante limitado e uma pequena dose de tensão e suspense. Dessa forma, a falta de ambição e de coragem de “Falling Skies” mais uma vez compromete sensivelmente o apelo da série.
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THE CROWN – 1ª TEMPORADA
“The Crown” é uma produção grandiosa e sofisticada da NETFLIX que acompanha a ascensão política da rainha Elizabeth II (Claire Foy) e a sua evolução emocional durante esse processo. Criada, escrita e produzida pelo experiente roteirista Peter Morgan (“O Último Rei da Escócia”, “A Rainha”, “Frost/Nixon”, “A Outra”), a série lança um olhar sóbrio e romântico sobre um período de tempo da história da Inglaterra, mais especificamente da família real britânica que tem elementos dramáticos tão humanos e universais que de certa forma servem para desmistificar o mito com uma linguagem narrativa cinematográfica de apelo retumbante. É também uma série de viés político que disseca os meandros da monarquia parlamentarista como um reduto ocupado por políticos velhos e ultrapassados e uma realeza ainda cercada de pompa, circunstância e burocracia.
A série também é produzida pelo talentoso diretor Stephen Daldry (“Billy Elliot”, “As Horas”, “O Leitor”), diretor dos dois primeiros episódios da temporada, e que teve a oportunidade e a responsabilidade de se cercar de uma equipe técnica irrepreensível que reveste a série de uma qualidade que salta os olhos, desde os detalhes da direção de arte, especialmente nos ambientes internos, os figurinos exuberantes e refinados, a trilha sonora clássica e elegante, a fotografia que explora melancolia e sofisticação através da oscilação de tons e filtros, entre tantos outros elementos que permitem que o espectador tenha um cristalino sentimento de imersão. E esse sentimento legitima e corrobora um importante ponto de vista da série já que ela acompanha a trajetória de Elizabeth através de uma perspectiva interna da família real que é comumente registrada pelos canais de televisão, jornais e revistas, especialmente a mídia britânica. Ou seja, a perspectiva da série é de focar os membros da Coroa Britânica longe dos holofotes, ou melhor, do outro lado dos holofotes.
A narrativa se inicia a partir dos últimos meses do reinado de George VI (Jared Harris), mas ocasionalmente tem “flashbacks” anteriores a esse período, e passa a investigar os bastidores familiares e políticos que acompanharam a ascensão de Elizabeth à rainha da Inglaterra, seus dilemas por ser mulher, filha, irmã, esposa e mãe, mas especialmente no seu processo de transformação para uma figura soberana e de liderança. Nesse ponto, com mais ou menos conhecimento, ela precisa encarar a nova rotina de maneira sábia e articulada, ora covarde, ora silenciosa, até mesmo para lidar com as desavenças que passam a existir na relação dela com o marido, o duque de Edimburgo (Matt Smith), um homem orgulhoso que faz inúmeras concessões, inclusive da sua própria nacionalidade, mas precisa aprender a viver à sombra da esposa agora com o título de príncipe Philip; ou ainda com sua extrovertida irmã, a princesa Margareth (Vanessa Kirby) que passa a se envolver secretamente em uma relação amorosa com Peter Townsend (Ben Miles), um homem casado, ex-oficial da aeronáutica britânica e funcionário da realeza, o que pode expor à Coroa Britânica indevidamente. Em ambos os casos há um conflito constante entre a perda da individualidade a partir do momento em que Elizabeth torna-se a mais alta representação da Monarquia, mas que invariavelmente afeta todos ao seu redor até mesmo a Rainha-Mãe Isabel (Victoria Hamilton) que também precisa enfrentar uma nova realidade, emocional e diplomática, a partir da morte do rei George VI, seu marido, e a ascensão de Elizabeth II, sua filha.
A série também dá destaque à disputa de poder político a partir da reeleição de Winston Churchill (John Lithgow) como primeiro-ministro, um político vaidoso e experiente, mas que dava sinais de desgaste não apenas pela idade avançada ou pelo seu estado de saúde, mas por não conseguir se colocar como um líder capaz de lidar com os problemas modernos da época. Através de episódios dinâmicos que possuem pequenos arcos dramáticos coerentes e coesos, a série esbanja apuro técnico e sensibilidade narrativa que alcançam resultados preciosos, como no episódio em que Londres é tomada por uma intensa neblina que traz consigo uma pesada e poluída cortina de fumaça que ilustra muito bem o jogo de cena político e a resistência e a sagacidade de Churchill como primeiro-ministro em uma melancólica contrapartida àquele marcado pelo processo de realização da pintura do seu auto-retrato em comemoração aos seus oitenta anos de idade; ou o que acompanha a coroação da rainha em uma clara demonstração do efeito que o poder tem sobre os sentimentos, traçando um belíssimo paralelo com a trajetória romântica e melancólica do duque de Windsor (Alex Jennings), irmão de George VI, que abdicou do trono como rei Eduardo VIII por se apaixonar por uma mulher divorciada e que irá repercutir intimamente na relação entre a princesa Margareth e Peter Townsend. Embora seja difícil de acreditar que Elizabeth, em maior ou menor grau, não tivesse em teoria sido preparada e/ou orientada para se tornar rainha, afinal na prática era a herdeira natural na linha sucessória (ela não teve uma educação convencional justamente por isso, mas fazia planos para ter uma “vida normal”), os naturais dilemas humanos aproximam à realeza dos seus súditos e, consequentemente, a qualquer ser humano da face da Terra por mais exótico que seja o universo em que ela está inserida.
Liderando um elenco extremamente competente, a britânica Claire Foy é uma grata e maravilhosa surpresa por conseguir devotar a sua personagem com delicadeza, sensibilidade e elegância, empoderando-se de um arco dramático complexo com muita segurança e propriedade, realizando um notável trabalho de atuação que transcende a expressividade do seu olhar enigmático e hipnotizante. O experiente John Lithgow também realiza um vigoroso e virtuoso trabalho de composição, tanto física como emocionalmente, que merece ser reconhecido com todos os prêmios possíveis em sua categoria, mesmo que a qualidade da sua atuação seja indiscutível e independa dessa condição. Jared Harris tem uma participação intensa e marcante como o rei George VI, tornando-se um poderoso e importante elo emocional para a trajetória de Elizabeth. Matt Smith parece destoar do restante do elenco com uma atuação irregular e demora a acertar o tom, mas à medida que o duque começa a sentir-se cada vez mais frustrado e desconfortável como príncipe Philip, a sua atuação vai se mostrando mais complexa e adequada. Já Vanessa Kirby e Ben Miles estão ótimos, esbanjam simpatia e carisma em cena, ela conduzindo com delicadeza e bom humor uma personagem intrépida, ele com um personagem mais sóbrio e sereno, mas de natureza romântica, formando um casal cativante que possui uma intensa jornada emocional.
Contando com 10 episódios que expandem o universo relacionado à Coroa Britânica, mas que individualmente são muito bem resolvidos em seus propósitos e que funcionam como filmes de média metragem que possuem seu próprio arco dramático, “The Crown” é uma série ambiciosa, muito bem produzida, dirigida impecavelmente e que corresponde de forma positiva em todos os seus aspectos através de uma envolvente e poderosa temporada. Vida longa à Netflix! Vida longa à série! Vida longa à Rainha!
10/10
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"Como uma série que mescla ficção científica e drama, “Falling Skies” tem um alcance limitado a partir do momento que acompanha um grupo de sobreviventes do ataque de uma raça alienígena que dizimou boa parte da população mundial."
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"Lovesick" é uma série britância que tenta funcionar como uma comédia romântica que discursa sobre relacionamentos com o excêntrico humor britânico, porém o alcance é mínimo já que os episódios se revelam pouco inspirados, reunindo um amontoado de clichês e inserindo ocasionalmente aspectos politicamentos incorretos com a esperança de lançar algum tipo brilho próprio, mas sem muito sucesso.
Dylan (Johnny Flynn) é um jovem britânico de 20 poucos anos que é diagnosticado com clamídia e, por se tratar de uma doença sexualmente transmissível, decide alertar as suas parceiras sexuais do risco de contaminação. Esse pretexto pouco casual faz com que cada episódio receba o nome de uma ex-namorada e/ou transa casual com o propósito de que Dylan revisite suas antigas relações enquanto tenta resolver seus problemas presentes, porém o pretexto só revela a fragilidade das narrativas já que nem mesmo as personagens femininas são suficientes atraentes para despertar algum tipo de atenção. O grande problema de "Lovesick", no entanto, é que o próprio Dylan é um personagem desinteressante, logo fica difícil dar credibilidade a um sujeito que a medida que o tempo da narrativa vai e volta surge ora egoísta, ora inseguro, ora imaturo, ora imbecil. É um protagonista pouco carismático, extremamente problemático do ponto de vista narrativo e Johnny Flynn se mostra um ator tão limitado que fica difícil acreditar que não havia ninguém melhor nas audições para a série.
Em meio as narrativas sobre o presente e o passado de Dylan, seus dois melhores amigos surgem em cena e ajudam a tirar a série um pouco do marasmo. Luke (Daniel Ings) é o típico alívio cômico que costuma roubar a cena por se tratar de um sujeito mulherengo, que trata as mulheres como pedaços de carne e até mesmo pelo humor britânico contido na série não ser dos mais brilhantes, as suas piadas reducionistas, preconceituosas e até mesmo escatológicas, especialmente relacionadas ao sexo e as mulheres, acabam se destacando, nem sempre de maneira inteligente, mas quando consegue é um tiro certo e Daniel Ings acaba sendo o principal destaque da série. Já Evie (Antonia Thomas) é a melhor amiga de Dylan que nutre um sentimento romântico por ele, logo sofre ao longo da temporada ao vê-lo se relacionar com outras mulheres, tornando-se uma figura feminina sensível, mas ao mesmo tempo quando ela mesma se envolve com Dylan não faz muito por merecer nossa torcida já que o roteiro explora essa relação com uma conveniente displicência, o que acaba até prejudicando o trabalho de Antonia Thomas que se mostra uma atriz bastante esforçada.
Sem soar engraçado e/ou subversivo, "Lovesick" conta com apenas um episódio acima da média que é justamente o último por colocar em pauta os maiores dilemas entre os três personagens, pondo em risco até mesmo o futuro da amizade que nutrem, o que não deixa de ser um bom gancho para uma futura temporada. No mais, os episódios perdem a oportunidade de explorar a curiosidade que revisitar os mesmos personagens em diferentes períodos de suas vidas poderiam despertar (muito embora haja o registro físico), soando como mera desculpa para fazer com que eles ajam e/ou até mesmo pensem de maneira diferente apenas para atender a específica necessidade daquele determinado episódio. Ou não.
Depois de duas temporadas intrigantes e inquietantes, embora irregulares, “Black Mirror” alcança um nível extraordinário de criatividade, sofisticação e de qualidade em sua terceira temporada. A série criada por Charlie Brooker (e mais uma vez roteirizada pelo mesmo) alcança o seu mais alto nível de maturidade e relevância artística já que lança um olhar bastante peculiar sobre a sociedade e o mundo que estamos construindo para as novas gerações e para tudo aquilo que a tecnologia pode servir com um alcance inimaginável, seja para o bem, seja para o mal, no alcance de um clique ou como uma arma.
Dirigido por Joe Wright (“Orgulho e Preconceito”, “Desejo e Reparação”), o primeiro episódio entitulado “Perdedor” acompanha a jovem Lacie (Bryce Dallas Howard), em um futuro não muito distante, em que a qualidade das relações sociais é medida através das qualificações que as outras pessoas lhe dão através do uso de um aplicativo de rede social que lhe concede notas ao seu comportamento. Através de um belíssimo trabalho de fotografia que explora tons de cores leves e uma direção de arte meticulosa e minimalista, auxiliada por efeitos especiais discretos e funcionais, o episódio funciona como uma alegoria da nossa atual sociedade que parece viver em função do status. O status social virou o novo capital, a nova moeda de troca dessa sociedade moderna e as pessoas são classificadas de acordo com o número de estrelas que conquistou ao longo da vida, indo de 0 a 5 estrelas. Essa classificação é o que permite que pessoas acessem determinados andares de um prédio, entrem em estabelecimentos e/ou tenham acessos a melhores serviços, logo para que Lacie adquira uma residência melhor para viver, já que o contrato de aluguel da casa que divide com o irmão está prestes a vencer, ela precisa aumentar a nota do seu status e a oportunidade de ser dama de honra de uma velha amiga da infância (Alice Eve, ótima), extremamente popular entre os mais populares, pode ser a sua chance de ouro. A jornada trágica de Lacie permite que gradativamente ela se distancie cada vez mais do seu objetivo inicial, porém é justamente esse martírio que vai tornando-a mais humana, mais transparente, sem a necessidade de utilizar máscaras e/ou se sustentar através de falsas impressões ou das opiniões de terceiros. Funcionando também como uma alegoria sobre as classes sociais, o roteiro escrito por Brooker ao lado de Rashida Jones e Michael Schur se mostra muito bem equilibrado pela direção sóbria de Wright que faz com que o episódio trace um arco dramático cínico, sensível e complexo extremamente competente e contundente, além de trazer uma atuação extraordinária por parte de Bryce Dallas Howard que sustenta a doçura, a insegurança e a revolta da sua personagem com uma condução dramática impecável, delicada, sensível, arrebatadora, avassaladora. É com louvor um dos pontos mais altos da sua carreira, afinal demonstra o seu brilhantismo como atriz em um episódio que beira a perfeição estética e narrativa. (9.5/10)
O segundo episódio explora a catarse através do suspense e do terror. Em “Versão de Testes”, Cooper (Wyatt Russel, filho de Kurt Russel e Goldie Hawn), um jovem viajante americano, aceita participar de um novo tipo de jogo interativo que explora o conceito de realidade virtual e acaba sendo desafiado a enfrentar um universo em que ele já não consegue mais distinguir o que é realidade ou não. Aqui, a narrativa demora a engrenar já que o roteiro antes de colocar o personagem dentro do jogo precisa estabelecer o “background” do personagem, entenda-se o seu repertório de viagens, a sua interação com uma jovem inglesa e até mesmo o seu passado traumático para que sejam devidamente explorados na realidade virtual. O personagem participa de três testes e cada um deles leva ao outro, porém o principal se passa dentro de uma casa abandonada onde ele irá lidar com seus próprios medos, sejam aqueles mais corriqueiros até outros com maior complexidade e carga emocional. Wyatt Russel demonstra ser um jovem ator bastante esforçado, ainda mais que ele acaba tendo que lidar com o fato de que seu personagem passa boa parte do episódio sozinho e precisa se comunicar e/ou descrever o que está acontecendo em cena, o que acaba sendo uma “muleta narrativa” limitada e em certos momentos cansativa. De qualquer forma, o episódio dirigido pelo competente Dan Trachtenberg (“Rua Cloverfield, 10”) não vai muito além do que sugere a premissa e mesmo sem alcançar nenhuma nota acima da média cumpre o seu propósito de maneira regular e moderada, mesmo que o seu clímax queira se favorecer de reviravoltas que realcem certa criatividade, mas que na verdade tornam a experiência apenas levemente curiosa e facilmente descartável. (6.5/10)
“Cala a Boca e Dance” é o terceiro episódio da temporada apresenta em sua narrativa um jogo mórbido e doentio que envolve uma série de personagens em uma rede de chantagens, forçando-os a realizarem uma série de tarefas sob a ameaça de que seus podres sejam revelados na Internet. O centro da narrativa é Kenny (Alex Lawter), um jovem introspectivo que passa a ser ameaçado depois que um vírus invade o seu computador e os “hackers” ameaçam divulgar um vídeo dele se masturbando na frente do computador. Sem ser absurdamente criativa, a trama avança e outros personagens igualmente ameaçados vão sendo apresentados e as tarefas vão se tornando mais críticas, especialmente para Kenny e Hector (Jerome Flynn), um homem de família que marcou um encontro com uma prostituta sem saber que estava sendo enganado. O maior apelo deste episódio é fazer com que o espectador compartilhe da tensão e do desespero vivido pelos personagens, estabelecendo uma natural relação de empatia para em seguida se ver confrontado com esse sentimento a partir do momento que os segredos de cada um deles veem à tona. Quem são as verdadeiras vítimas? Até que ponto a tortura psicológica é justificável? Será que em determinado momento não é o próprio espectador que passa a assumir a posição de inquisidor e/ou se colocar na pele do chantagista? Entre as atuações, o principal destaque fica por conta da corajosa performance de Alex Lawter que emociona e chama a atenção pela sua entrega e intensidade dramática, mesmo que o jovem ator cometa alguns excessos que às vezes deixam o personagem um pouco fora do tom. Já Jerome Flynn parece pouco à vontade em cena com uma atuação irregular e limitada, sendo facilmente eclipsado pelo jovem companheiro de cena. É um episódio eficiente, dinâmico, com certa dose de ação e cinismo e uma resolução satisfatória. (7.0/10)
O quarto episódio é um dos mais emocionais da temporada e apresenta uma versão lúdica e poética sobre a passagem entre a vida e a morte. “San Junipero” inicia-se em meados da década de 80 e marca o primeiro encontro entre a jovem e recatada Yorkie (Mackenzie Davis) e a independente e descolada Kelly (Gugu Mbatha-Raw) na cidade que dá nome ao título do episódio. Em um primeiro momento, o episódio parece deslocada do universo de “Black Mirror”, porém gradativamente a narrativa vai dando pistas que geram certa incerteza quanto à verdadeira natureza do tempo em que a história transcorre já que vemos Yorkie em San Junipero em intervalos de uma semana, sem envelhecimento, mas em diferentes épocas, como indicam os cartazes dos filmes “Pânico” (1996) e “A Identidade Bourne” (2002), em busca de um reencontro com Kelly até que ela reaparece, mas extremamente arredia diante da possibilidade de se envolver novamente com Yorkie. E a partir daí o episódio apresenta o seu principal segredo que insere a narrativa definitivamente em um futuro que oferece uma nova perspectiva para a trama e para a vida das personagens. Charlie Brooker cria uma história de amor sensível e envolvente a partir da trajetória de duas mulheres marcadas por tragédias e a alternativa de futuro oferecida a elas tem uma marca melancólica, porém não deixa de oferecer um conceito intrigante e fascinante em sua complexidade, afinal envolve elementos éticos, morais e emocionais riquíssimos. Em termos narrativos, há como se discutir a escolha tão tardia de Yorkie, afinal a sua tragédia ocorreu há muito tempo, logo seu dilema seria evitável e/ou passível de algum tipo de antecipação, porém o apelo do episódio supera esse “furo”. Mackenize Davis oferece uma atuação doce e deslumbrante, conduzindo com suavidade e leveza uma personagem feminina marcada por uma influência repressiva dos pais, mas que gradativamente amadurece e vai se tornando cada vez mais fascinada por Kelly. Esse deslumbramento romântico é muito bem defendido pela jovem atriz além de revelar o tom sensível do trabalho de direção de Owen Harris que por sua vez poderia ser mais ousado nas sequências mais românticas e intensas do casal. A jornada dramática de Kelly também é um dos pontos altos da narrativa, afinal oferece uma reflexão sobre os diferentes tipos de decisão que as pessoas tendem a tomar diante do dilema estabelecido pela premissa futurista e sobre o trauma que pode provocar na vida das outras pessoas. Gugu Mbatha-Raw oferece um trabalho irregular na sua versão jovem, afinal funciona muito bem quando compõe Kelly como o interesse romântico e “sexy”, mas diante da catarse dramática que envolve a sua personagem, ela peca um pouco pela falta de sutileza, o que deixa a sua atuação um tanto quanto aborrecida. Ainda assim, em suas passagens no futuro, Mbatha-Raw se mostra muito segura e competente. O desfecho é extremamente envolvente e emocional, mas confesso que esperava que o episódio permitisse que acompanhássemos o ponto de vista de Kelly caso ela tivesse tomado outra decisão (com direito até mesmo a um duplo reencontro), porém essa versão seria mais adequada a uma versão espiritual de “Black Mirror”, o que não é o caso. Da maneira como foi encerrado, o episódio se mostra mais coerente com a proposta cínica e melancólica da série embora explore ao máximo o potencial romântico da premissa estabelecida. (9.0/10)
Dirigido com eficiência por Jakob Verbruggen, “Reengenharia” é o episódio militar da temporada e apesar da sua alegoria ser óbvia e autoexplicativa, o apelo dele é suficientemente forte e contundente. Em um futuro impreciso, soldados são escalados para dizimar a ameaça de uma raça de seres que costuma ser denominada de “baratas”. Stripe (Malachi Kirby) é um jovem soldado em sua primeira missão que após contabilizar a morte de suas duas primeiras “baratas” acaba sofrendo os reflexos do que parece ser uma contaminação, porém é justamente a partir desse evento que ele passa a ver a realidade como ela é de verdade. A partir desse momento já é até possível se antecipar com relação à principal revelação da narrativa, porém a discussão que se estabelece a partir do encontro de Stripe e de uma barata assim como o dele com um terapeuta militar (Michael Kelly) permitem que se estabeleça um paralelo com os atuais processos migratórios, especialmente os que envolvem os países da Europa, a natureza da guerra e/ou de qualquer conflito armado com a devida demonização do inimigo e o próprio uso da tecnologia para fins militares que desvia os envolvidos cada vez mais da sua própria humanidade com propósitos seletivos. O roteiro tem alguns diálogos bastante expositivos, o que acaba prejudicando um pouco, porém o episódio é criativo em sua abordagem e corajoso em suas metáforas, logo não é à toa que cabe ao soldado negro o choque de consciência tão necessário ao conceito do episódio, afinal ele carrega o seu próprio histórico de discriminação. Malachi Kirby se mostra um jovem ator seguro e carismático, Michael Kelly empresta a sua gélida e marcante presença de cena com mais uma atuação impecável e Madeline Brewer também merece destaque na pele de Rainman, uma soldada sádica e que se torna a principal ameaça de Stripe. O melancólico desfecho é bastante simbólico diante da exposição do argumento apresentado neste eficiente episódio. (7.5/10)
“Odiados Pela Nação” é o último episódio da temporada e potencializa o veneno das redes sociais em uma trama policial absurda, porém a construção da narrativa legitima a sua premissa e faz com que o anonimato, o abuso das ofensas feitas na Internet e a banalização das “hashtags” sejam levados às últimas consequências. A experiente investigadora Karin Parke (Kelly MacDonald) e a novata Chloe Blue Perrine (Faye Marsay) são envolvidas em uma série de assassinatos que, curiosamente, atingem pessoas que foram difamadas nas redes sociais através de uma “hashtag” específica, sendo que o modo operante do crime pode envolver uma importante empresa de tecnologia que criou um mecanismo para beneficiar o ecossistema do planeta, mas que pode ter sido facilmente “hackeada” por um novo tipo de criminoso: o assassino em série on-line. Dirigido por James Hawes, o episódio apresenta uma evolução investigativa bastante competente e que vai instigando gradativamente, logo cada um dos avanços vai tornando o cenário mais atraente e intrigante e quando a trama sugere seus pontos mais absurdos, amparados pela sua natureza tecnológica, a conexão já está para lá de estabelecida (e certamente você nunca mais verá um enxame da mesma forma). Assim como ocorre em todos os outros episódios de “Black Mirror”, não apenas nesta, mas em todas as temporadas, o futuro e as particularidades técnicas tornam-se críveis e palpáveis, pois são ilustradas dentro de um universo muito bem orquestrado, ou seja, compra-se a ideia por mais absurdo que seja o exercício de futurologia proposto pela narrativa, por mais que seja mais ficção do que ciências. Aqui não é diferente e o efeito é muito bem sustentado, especialmente por se tratar de uma trama investigativa policial, ainda assim algumas deduções óbvias demoram a serem confirmadas, como a lista final, por exemplo, enquanto outras facilmente apontadas são discutíveis, como a de uma localização por causa de uma “selfie”. Kelly MacDonald faz um trabalho discreto e competente, explorando de maneira sutil o cinismo da sua personagem, porém Faye Marsay revela-se a grande surpresa do elenco, oferecendo uma atuação segura e energética na pele da obstinada novata, especialista em tecnologia, cujo arco dramático é formidável do ponto de vista narrativo. Contando com um clímax tenso, nervoso e angustiante, “Odiados Pela Nação” deixa um recado triste, melancólico e arrebatador. (9.0/10)
Ao final, a terceira temporada de “Black Mirror” deixa a nítida sensação de ser a mais homogênea entre todas as temporadas com um conjunto de episódios de ótima qualidade e que soube explorar, cada qual dentro da sua proposta, um conceito acerca da tecnologia que certamente diz muito sobre a maneira como o ser humano se relaciona com o mundo a sua volta através de uma visão aguçada, crítica e cínica.
“The Affair” é uma série que se propõe a apresentar diferentes perspectivas de uma mesma história. A princípio parece ser uma série interessada em revelar os pontos de vista de um casal de amantes que parece presa a uma narrativa cercada de mistérios, mas que se sai se melhor ao lidar diretamente com a paixão, a excitação, os anseios e as angústias de uma história envolta de traição do que propriamente pelo seu interesse em soar intrigante. O episódio piloto assim com os dois episódios seguintes são muito envolventes ao narrar o momento das vidas do escritor Noah (Dominic Cooper) e da garçonete Alisson (Ruth Wilson), quando se encontram pela primeira vez, passando pela fase do flerte mútuo, do medo de se renderem ao desejo que se sentem até se assumirem como amantes.
É curioso notar as diferentes impressões que Noah e Alisson tem desses primeiros momentos, ele com uma leitura mais “sexy” e envolvente, ela de uma forma mais tensa e dramática, porém esses dois pontos de vista explorados pelo roteiro de maneira criativa servem de combustível para a paranoia em torno de um crime que vai sendo desvendado ao longo da temporada. Aqui, no entanto, cabe uma observação já que enquanto a atuação da ótima Ruth Wilson é virtuosa ao explorar duas facetas de uma mesma mulher com muita versatilidade, entrega e intensidade, a atuação do limitado Dominic Cooper já não oferece diferentes graduações, mesmo que as atitudes do personagem sejam legitimamente distintas, ora mais romântico, ora mais cínico, o que depõe um pouco contra a proposta da série que tem um meio de temporada bastante irregular, seja por essa oscilação entre os pontos de vista, seja pela rigidez da investigação policial que aprisiona os personagens em meio a depoimentos.
Se por um lado acompanhar os dilemas enfrentados por Noah ao esconder a traição da esposa (Maura Tierney, segura) em meio a dilemas familiares tem seu apelo, o mesmo não pode ser dito da relação de Alisson com seu marido (Joshua Jackson, desperdiçado) envolto com tráfico de drogas na pequena cidade de Mountauk, sendo que a sua ponte de salvação acaba sendo o trauma enfrentado pelo casal pela morte do filho por afogamento, sendo usado sempre que necessário para equilibrar os dramas com muito mais importância e relevância dramática. A série consegue recuperar um pouco do fôlego perdido a partir do momento que a traição é exposta e as consequências enfrentadas expõem a natureza emocional de todos os envolvidos com muita seriedade e maturidade, o que torna a traição em si um dilema muito mais amplo e complexo do que a mera realização sexual, o que é de fundamental importância para legitimar os relacionamentos firmados por Noah e Alisson.
Mas se em um primeiro momento a apresentação de dois pontos de vista é interessante e dá alguns sinais de cansaço no decorrer dos episódios, a série mais para o final da temporada dá amostras que pretende funcionar quase que como um exercício de metalinguagem em que cada visão, na verdade, é uma perspectiva diferente, fazendo com que o espectador duvide de qual delas é a verdadeira, se é que existe uma, ou aquela que queremos que seja verdade ou queremos acreditar. Ou não, afinal quem sabe? Embora tudo convirja para um mesmo ponto comum, essa dualidade (ou trialidade ou pluralidade) de interpretações é o principal charme da série assim como o seu calcanhar de Aquiles, especialmente pela falta de sutileza do final da temporada que coloca os personagens no limite, em alguns momentos até traindo certas motivações, mas que parecem servir apenas para criar e/ou prolongar catarses e/ou ganchos para a próxima temporada sem justificá-la completamente. De qualquer forma, como primeira temporada, “The Affair” é atraente, porém muito mais pela forma como explora a premissa que não faz nenhuma questão de esconder as suas próprias limitações.
Analisando o documentário "Making a Murderer" como uma peça de entretenimento a sua condução é magistral, afinal no decorrer dos seus episódios, os fatos e as reviravoltas são apresentados sempre em evolução crescente, criando expectativa atrás de expectativa, esperança atrás de esperança, decepção atrás de decepção, nunca deixando de ser surpreendente em um arco dramático intenso e contundente, perdendo um pouco de fôlego, mas sem perder o ritmo apenas em seus três episódios finais que se concentram mais nas sequências que se passam no tribunal.
Agora, o documentário é um registro sobre casos reais de crimes atribuídos a Steven Avery que ficou preso por 18 anos até ser absolvido, mas que voltou à prisão após ser acusado por um novo crime que pode ter tido a participação ou não do seu sobrinho Brendan. O primeiro refere-se a um caso de agressão sexual em que Steven foi preso e condenado, salvo os álibis que não o colocavam no local do crime durante o evento e as sucessivas falhas na investigação, em função de uma sucessão de eventos e rusgas anteriores que não o tornaram uma figura simpática ao xerife e aos oficiais da polícia do condado de Manitowock. Em função da pressa que as autoridades tiveram de encontrar um culpado e responsabilizar Steven, o que mais surpreendente neste primeiro caso é a incapacidade de nenhum dos envolvidos em reconhecer a possibilidade de um erro seja de julgamento e/ou decorrente da investigação ainda que amparados por um forjado retrato falado e a própria declaração da vítima. E por mais que reconheçamos que a inocência de Steven só poder ser comprovada em função da evolução das técnicas de investigação, no caso um exame de DNA, a história ganha contornos mais trágicos e repulsivos a partir do momento que se toma conhecimento de um evento ocorrido 10 anos após a acusação e que poderia ter mudado os rumos do caso.
Naturalmente, a partir da comprovação de sua inocência e por ter perdido 18 anos de sua vida, Steven Avery entra com um processo contra o Estado de Wisconsin para o recebimento de uma indenização milionária que deveria ser obrigatoriamente paga pelo condado responsável pela investigação falha. Além disso, ele acaba servindo de inspiração para a criação de uma ONG responsável por defender inocentes de crimes que não cometeram e ajuda no processo de aprovação de uma lei que altera os métodos de investigação em casos criminais justamente para evitar que erros como o que ocorreram com Avery não voltem a se repetir. Como em uma espécie de trama absurda e surreal, a jovem jornalista Teresa Halbach acaba desaparecendo justamente após se encontrar com Steven Avery em sua propriedade para tirar fotos de um carro da família que estava sendo colocado à venda. As suspeitas em torno de Steven são inevitáveis, sendo corroboradas com o encontro do carro de Teresa, alguns dias depois do desaparecimento, dentro do terreno do ferro-velho pertencente à família, além de outras pistas que acabam sendo "descobertas" muitos meses após o ocorrido, inclusive pequenas ossadas, pedaços de balas e marcas de sangue. Esse cenário se torna ainda mais surpreendente quando Brendan, sobrinho de Steven, que também mora com a mãe no terreno da família Avery, indica que participou ativamente do crime cometido pelo tio, tornando-se testemunha e co-responsável.
É inevitável que muitas dúvidas pairem no ar, seja a favor da inocência ou da culpa de Steven Avery, mesmo que o documentário seja parcial e claramente favorável em demonstrar que ele não cometeu o crime. Os advogados de defesa, por exemplo, só puderam ser contratados por Steven a partir do momento que ele abre mão da indenização milionária e por não aceitar ser defendido por um defensor público em função da sua rápida condenação anterior que lhe custaram 18 anos de sua vida. Apesar da prerrogativa da presunção de inocência, nenhuma outra linha de investigação foi realizada sem considerar Steven como culpado, seja envolvendo o colega de quarto de Teresa que demora para anunciar o seu desaparecimento, o ex-namorado que tinha acesso a sua caixa de recados no celular (que tiveram mensagens apagadas) ou o envolvimento do cunhado Scott Tadych e do sobrinho Bobby Dassey que servem apenas de álibi um para o outro no momento do crime, tinha acesso ao terreno da família e antipatia por Steven. E até por isso, como os próprios advogados de defesa declaram no documentário, convencer o júri da inocência de Steven é um desafio, seja defendo a tese de conspiração policial (já que os policiais responsáveis pela condenação injusta estão intimamente envolvidos na investigação do caso, mesmo que o condado tenha sido retirado da investigação, o que por si só também levanta suspeitas), expondo a fragilidade das provas (um novo teste de sangue foi criado pelo FBI a toque de caixa apenas para legitimar o argumento da acusação de que o sangue de Steven não foi extraído de uma coleta armazenada e violada dos arquivos do caso anterior) e/ou sem a possibilidade de responsabilizar outra pessoa pelas eventuais falhas na investigação, afinal Steven sempre foi o único suspeito.
O que nos leva a figura de Brendan Dassey, sobrinho de Steven, que confessa participação no crime cometido pelo tio. Os videos gravados pelos investigadores são explícitos na sua natureza coercitiva, afinal Brendan revela-se um jovem emocionalmente imaturo, de inteligência limitada e até diria com claros sinais de autismo, porém não sou psicólogo, logo não sou capaz de afirmar. Aliás, é de se estranhar a ausência de uma análise psicológica ou de um profissional da área para desenhar o perfil comportamento de Brendan que pressionado por diversas vezes, muitas delas sem a presença da mãe e/ou de um advogado interessado em lhe defender, muda a sua versão constantemente e se mostra claramente influenciável. O seu comportamento assim como a da sua prima Kayla, que afirmou e desmentiu ter ouvido de Brendan detalhes sórdidos sobre o crime, revelam a incapacidade emocional e intelectual deles em lidar com as responsabilidades das suas mentiras, logo não deixa de ser questionável as suas próprias declarações. Em função da fragilidade das provas em colocá-lo na cena do crime e pelo teor das cenas descritas por Brendan, sejam elas verdadeiras ou não, o DNA dele não foi identificado em nenhum dos locais, o que deixa incompleta a caracterização do crime, afinal há vestígios no carro de Teresa, na casa, na garagem de Steven e na fogueira atrás da residência, ou seja, não fica clara a sequência de eventos.
Por mais que seja inevitável que haja a interpretação individual dos fatos e que o documentário não seja isento e/ou imparcial (fica difícil não se envolver com o drama da família Avery, especialmente o martírio dos pais de Steven, até mais do que a da família de Teresa, embora haja o lamento natural da perda de uma vida tão jovem), as dúvidas sobre o caso se mantém, o que nos leva ao principal objetivo do documentário a partir dessa investigação que é a de analisar os bastidores do sistema judiciário, sendo aqui o americano, mas podendo ser replicado para qualquer nacionalidade. Esse "sistema" acaba sendo o inimigo invisível do documentário e neste ponto deve ser considerado não apenas a representação do Estado, dos juízes e dos promotores públicos, mas o papel da mídia e da sociedade na presunção da inocência, na interferência da condição sócio-econômica, dos próprios legisladores (nem mesmo a lei que leva o seu nome foi capaz de ajudar Steven) e até mesmo as organizações não-governamentais, afinal enquanto uma se recusa a defender Steven (a mesma de antes, sem sequer analisar o caso), outra abraça a causa de Brendan. Enfim, "Making a Murderer" é um documentário carregado e pesado de emoções conflitantes e de informações contraditórias que tenta ilustrar a fragilidade e a vulnerabilidade de um sistema judiciário capaz de cometer justiças e injustiças em iguais proporções.
“Luke Cage” é uma série derivativa do universo Marvel cuja primeira temporada tem pontos positivos que valorizam a qualidade da sua abordagem e tantos outros negativos que impedem que a série se torne acima da média. Em sua primeira metade, a temporada acaba sendo extremamente genérica e pasteurizada, afinal não consegue ser representativa como a série “O Demolidor”, nem mesmo despertar interesse próprio como “Jessica Jones”, ou seja, dá aquela incômoda sensação de ser mais do mesmo, apesar de ambientada no Harlem e contar com o protagonismo de um herói negro. Já em sua segunda metade consegue funcionar com um pouco mais de substância a partir de uma reviravolta que justamente leva a série para outro caminho narrativo, muito mais corajoso ainda mais em um período em que, especialmente nos EUA, há um aumento crescente nos crimes raciais, sérios questionamentos sobre a atuação policial e a retomada da discussão sobre o porte legal de armas.
O desenvolvimento que o personagem Luke Cage teve na série protagonizada por Krysten Riitter trazia elementos suficientes para uma apresentação inicial do personagem Luke Cage e nesta série própria ilustra-se mais a sua identificação com o Harlem, bairro onde cresceu, transformando-o em determinado momento em uma espécie de segurança particular da comunidade (em uma ideia frágil e simplista do ponto de vista narrativo). O que vemos aqui nos episódios iniciais é uma tentativa frustrada de emular uma vertente do universo visto em “Hell´s Kitchen” com requintes de corrupção envolvendo policiais e complexos de “Rei do Crime” (de maneira pouco sutil, conforme cena da coroa), cujo vilão Cornell Stokes, aqui recebe o nome de “Boca de Algodão”, incorporado de maneira caricata e pouco inspirado por Mahershala Ali que já havia demonstrado muito mais talento e carisma em “House Of Cards”, mas que aqui soa terrivelmente canastrão. Pra que tantas risadas altas, não é mesmo? Nem mesmo os "flashbacks" mostrando a adolescência de Cornell servem como álibi a favor da construção dramática do personagem e não é à toa que o seu destino é compatível com a sua relevância dentro da trama.
Um dos pontos altos dessa primeira metade de temporada fica por conta do quarto episódio que mostra a origem de Luke Cage ilustrada de maneira crua e brutal assim como o início da sua relação com Reva Connors (Parisa Fitz-Henley), grande amor da sua vida, cujo destino trágico é apresentado em “Jessica Jones”, mesmo que o episódio seja levemente prejudicado pelo ritmo irregular em função da alternância entre linhas temporais decorrentes da explosão de um restaurante. Demonstrando alguns sinais de repetição, cansaço e/ou falta de criatividade nessa linha de produção entre Marvel e Netflix, a série inicialmente parece usar as pequenas referências do universo em que está inserido como âncoras de salvação já que não consegue agradar por méritos próprios, exceção feita a participação de Claire Temple (Rosario Dawson) que surge mais segura e determinada até para conscientizar Luke Cage e, em determinado momento, a própria detetive Misty Knight (Simone Missick) dos seus papéis e responsabilidades, o que neste caso não deixa de ser um problema. A evolução e o crescimento da personagem Claire Temple ao longo da temporada, por sua vez, são legítimos assim como o seu envolvimento com o próprio Luke Cage, sendo que Rosario Dawson mais uma vez se mostra uma atriz pra lá de confiável. Nesse núcleo há também a participação de Sonia Braga na pele de Soledad, mãe de Claire.
Mike Colter continua sendo um protagonista carismático e com boa presença de cena e de certa forma a figura de Luke Cage como alguém que acredita na capacidade dos jovens do Harlem de fazer o bem e terem boas oportunidades na vida lhe cai bem até mais do que o papel do herói clássico. Essa é a sua principal motivação. A partir da segunda metade da temporada, no entanto, o personagem se mostra mais fragilizado fisicamente e mais vulnerável emocionalmente, logo os rumos da trama exploram outras vertentes que se mostram mais atraentes do ponto de vista narrativo ao realocar as forças políticas do Harlem e personificar um inimigo mais familiar, ameaçador e compatível com a força e o poder de Luke Cage: Kid Cascavel, que se apresenta como um vilão sarcástico, imprevisível, perigoso e com uma atuação convincente de Erik LaRay Harvey que sabe explorar de maneira positiva a faceta canastra do personagem, fazendo bom uso dos seus excessos e exageros sem soar fora de tom. Não é à toa que se trata de um personagem que usa trechos da Bíblia para justificar os seus atos distorcidos (em uma clara referência a sua ligação com o passado de Cage), afinal não tem muito que dizer por conta própria, mas também não tem o menor receio em usar armas de fogo.
Em termos de ação, a série tem um alcance bastante limitado já que nem mesmo o estilo cru e brutal da postura de Luke Cage em cena consegue ser estimulante, vide as sequências que se passam na invasão de um galpão ou em um teatro, além de discutíveis momentos de sobrevida dado ao personagem envolvendo estilhaços. Os responsáveis pela série também fracassam na tentativa de construir um ou mais episódios a partir da utilização de um momento de catarse logo no início, para voltar no tempo para mostrar como a narrativa chegou até ali, mas a expectativa criada quase sempre é frágil e/ou mal empregada. Fica difícil entender também o que os roteiristas/diretores pretendiam ao ilustrar a capacidade de dedução da detetive Misty Knight quase que como um dom premonitório em determinados momentos? Será que ela tem super poderes ou é apenas um recurso estético/narrativo? Aliás, com uma boa atuação de Simone Missick, a detetive se mostra uma personagem interessante já que é uma mulher autêntica, determinada e de personalidade forte que possui traços feministas arrojados e inspiradores, porém na sua postura como policial acaba sendo ora ingênua, ora pouco inteligente, especialmente quando decide agir sozinha, o que a enfraquece em determinados momentos. Já a vereadora Mariah Dillard, prima de Cornell, acaba se tornando uma personagem unidimensional, uma vilã fria, odiosa e covarde, ainda mais quando se mostra facilmente manipulável, logo a atuação de Alfre Woodard acaba sendo bastante irregular, embora tenha lá seus bons momentos. Limitado, o ator Theo Rossi defende Shades, principal aliado de Kid Cascavel, com eficiência mesmo que o personagem tenha uma natureza emblemática e indecifrável e acabe gerando certa expectativa, o que quase sempre acaba não sendo plenamente correspondida.
Contando com uma ótima e excitante trilha sonora com repertório de jazz, blues e rap, “Luke Cage” tem um saldo positivo pelo conjunto da obra, mas que não esconde suas limitações até mesmo na falta de sutileza na construção da sua catarse final através de uma sucessão de planos falíveis que reúnem os principais personagem. É uma série que tem uma abordagem arrojada, uma temática corajosa e um personagem central carismático em uma primeira temporada com muitos altos e baixos, mas que deixa ganchos importantes para futuras temporadas, o que qualifica a série, afinal legitima o alcance obtido por ela.
“Easy” é uma série irregular, mas ainda assim instigante sobre a maneira como lidamos com os nossos relacionamentos em narrativas que abordam temas como sexualidade, vaidade, maturidade, entre outros aspectos inerentes ao ser humano, a vida a dois e até mesmo a vida em sociedade também. Todos os episódios de aproximadamente 30 minutos são escritos e dirigidos por Joe Swanber, porém isso não garante uma unidade e/ou uma uniformidade para a série já que nem todos os episódios são tão bem resolvidos, o que expõe de certa forma a falta de desenvolvimento de algumas idéias ao ponto de não justificarem totalmente a sua existência. É um “brainstorming” incompleto, mas que ainda assim conta com alguns bons episódios que merecem ser vistos.
O primeiro episódio é ótimo ao tratar sobre o papel de homem e mulher dentro de uma relação a partir do dilema de um ator e dramaturgo que fica responsável pelos cuidados dos filhos enquanto a mulher trabalha fora de casa. “Castrado” emocionalmente, ele tenta lidar com a situação enquanto que ela busca uma forma de manter a chama do casamento acesa. É um episódio que trata dos seus conflitos dentro dessa “guerra dos sexos” com humor, sarcasmo e certa dose de melancolia em uma mistura eficiente.
Outro episódio que se mostra bem resolvido dentro do que se propõe é o quarto e que acompanha um jovem casal responsável que está tentando engravidar lidando com a chegada de um amigo inconsequente que testa a segurança e a lealdade do relacionamento entre os dois. Aqui o sexo tem um simbolismo importante já que é uma espécie de espelho dos personagens, refletindo um pouco sobre a verdadeira natureza deles, a personalidade e o comportamento de cada um. É um episódio que tem um arco dramático ácido, irônico e que possui certo tom hipócrita.
Já o quinto episódio é o que estabelece uma discussão sobre a vida e a arte a partir do ponto de vista de um ilustrador que cria suas histórias em quadrinho a partir de experiências pessoais, mas que se sente ofendido quando uma artista usa da sua intimidade para expressar uma outra forma de arte. Aqui a hipocrisia do personagem é óbvia e evidente, o conflito é previsível, embora relevante, mas ao final fica bem estabelecida a ideia de que mais importante do que a forma de arte e/ou o uso da tecnologia são as possibilidades e a discussão que é promovido a partir delas.
Existem outros episódios, no entanto, que ficam no meio do caminho. O segundo envolve uma garota que após iniciar um relacionamento com uma ativista muda seus hábitos e seu estilo de vida apenas agradar a companheira, esquecendo um pouco de quem é de verdade. Aqui o esforço narrativo é limitado e o seu maior mérito é a sua conclusão justamente ao mostrar que pessoas de universos e com personalidades diferentes podem perfeitamente conviver em harmonia, sem que um anule o outro. Outro episódio frágil é o que acompanha um casal apaixonado, e que se tornaram pais recentemente, ao explorar a prática de um “ménage” a partir do uso do Tinder, embora com uma amiga em comum. O suporte mútuo do casal diante da curiosidade e a maneira honesta com que o tema é apresentado favorecem a narrativa deste sexto episódio, mas a falta de conflito é o que o torna frustrante. O sétimo episódio explora duas narrativas, mas em nenhuma delas o alcance dramático vai muito além do que a premissa sugere. Em uma delas, uma jovem atriz precisa se decidir entre uma oportunidade de trabalho em outra cidade ou se permanece para tentar salvar seu último e estremecido relacionamento. Na outra, uma atriz veterana precisa lidar com a solidão, os dilemas e os prazeres do relacionamento aberto que mantém com um amigo também da terceira idade. Parecem duas linhas narrativas que não tiveram força para serem usadas em episódios próprios, mas que acabam sendo subaproveitadas ao serem utilizadas no mesmo.
Ironicamente, os núcleos mais frágeis da série “Easy” acabam recebendo atenção não apenas de um, mas de dois episódios, igualmente desinteressantes e descartáveis. No primeiro deles, um jovem que está em vias de se tornar pai parece encantado com a possibilidade de ter uma fábrica de cerveja na garagem do irmão mais novo, desde que a sua esposa não saiba de nada. Nesse primeiro momento, a temática explora questões sobre confiança e responsabilidade em uma espécie de fase de transição em direção à maturidade da vida adulta enquanto que no último é o irmão caçula, dono da garagem, que parece desconfortável com a ideia de ampliação e crescimento do negócio cervejeiro, mas que também precisa lidar com uma nova carga de responsabilidades. No contexto geral, esses dois núcleos são amplificados, porém são os que exploram as temáticas de maneira mais esquemática e superficial.
A série tenta estabelecer uma sinergia entre os episódios, inserindo participações de personagens em mais de um episódio, mas acaba sendo uma infeliz coincidência já que as aparições não se justificam, nem mesmo para estabelecer um sentimento coletivo de enfrentamento dos problemas e/ou de superação. O elenco é bastante homogêneo, sendo que o único destaque negativo fica por conta da participação de Dave Franco, um jovem ator fraco e bastante limitado. De qualquer forma, Joe Swanber realiza uma série “sexy” e ousada que não tem receio de explorar temas íntimos, sensíveis e/ou delicados, que muitas vezes são vistos como tabus, com honestidade, naturalidade e maturidade na maior parte dos episódios, mesmo que o resultado dessa primeira temporada seja bastante irregular, instável e inconclusivo.
A 4ª temporada de “Homeland” tem a difícil missão de ser um recomeço para a série após três temporadas de desenvolvimento da premissa que envolvia a agente do FBI Carrie Mathison (Claire Danes), o sargento Nicholas Brody (Damian Lewis) e sucessivas ameaças terroristas. Encerrado esse arco, a série precisa reencontrar um novo caminho e se inicia de maneira promissora a partir de um bombardeio americano a um alvo terrorista, mas durante uma cerimônia de casamento, ferindo centenas de inocentes e que culmina com a morte de um agente duplo americano (Corey Stoll) decorrente de um atentado premeditado. A partir desse contexto, Carrie é designada a liderar uma equipe de agentes para descobrir o paradeiro de Haissan Haqqani (Numan Acar), terrorista responsável pelo segundo atentado, e que até então era declarado como morto, mas que agora planeja vingança pelo que fizeram com seus familiares no primeiro.
Quando a figura do sobrinho de Haqqani, Aayan Ibrahim (Suraj Sharma) entra na trama central, a temporada dá uma vacilada considerável já que o roteiro da série não sabe como lidar com ele, seja como moeda de troca e/ou informante e acaba utilizando-o como um absurdo interesse romântico de Carrie. E por mais que saibamos e tenhamos evidências de que Carrie não mede esforços e não tem escrúpulos para atingir seus objetivos, vê-la se aproveitando de maneira tão covarde de um jovem com a frágil tentativa de convencer de que ela realmente estaria apaixonada por ele é constrangedor, fazendo com que a trama mais se pareça com uma versão “Malhação” que tenta emular nesta a mesma relação delicada e ambígua entre Carrie e Brody. A subtrama envolvendo os traumas de Peter Quinn (o irregular Rupert Friend) também é frágil e descartável e só serve para adiar de maneira conveniente a sua entrada na narrativa central, mesmo que se busque algum tipo de ligação e/ou relação deste início com as ações de Quinn como lobo solitário lá pelo final.
A partir da metade da temporada, os dilemas voltam a se concentrar em alvos mais importantes, especialmente Saul Berenson (o ótimo Mandy Patinkin) que até então parecia à margem da narrativa central já que a intenção do personagem era manter-se afastado da CIA, aposentado e trabalhando para a iniciativa privada. As sequências que envolvem o seu plano de fuga de um cerco de talibãs e uma troca de prisioneiros são as mais tensas e angustiantes da temporada. A catarse da temporada ocorre dentro da embaixada americana através de reviravoltas consistentes, mas acaba se apresentando também como sequências de ação genéricas e com conflitos dramáticos piegas, sendo mais intrigante pelos dilemas que são levantados após esse momento-chave e que culmina com os dois episódios finais que tentam recuperar o prestígio da temporada, mas que no final das contas só servem para preparar terreno para a próxima temporada, seja em termos de ação, seja em termos dramáticos, já que falta coragem para um desfecho mais conclusivo e/ou contundente.
A atuação de Claire Danes permanece consistente e avassaladora mesmo quando a narrativa dá seus sinais vacilantes, como durante o envolvimento de Carrie e Ibrahim em que se explora um pouco da fragilidade feminina da personagem que poderia se tornar uma relação materna (e que combinaria mais com a sua negligência familiar que a série nunca investe com o devido mérito), mas que acaba se resumindo a uma pequena história de amantes inconsequentes cujo alcance é limitado. Até mesmo o uso dramático do transtorno bipolar de Carrie é utilizado como uma muleta narrativa que enfraquece o apelo dramático dela, como se fosse uma espécie de “criptonita”, incluindo uma aparição descartável do próprio Brody em uma de suas alucinações. O alcance da dedicação de Danes é indiscutível, porém os propósitos são mais questionáveis do que os vistos nas temporadas anteriores. O chefe da CIA, Andrew Lockhart (Tracy Letts), tem uma boa participação, especialmente pela sua evolução de senador intransigente para um líder mais flexível, transparente e humano.
Embora seja uma série que permanece sendo bem produzida, “Homeland” em sua quarta temporada teve um resultado apenas um pouco acima da média, porém muito abaixo do que havia mostrado até então. Não se trata de apresentar sinais de desgaste, afinal o tema do terrorismo permite que muitos eventos sejam abordados e o cenário é muito mais amplo do que se viu nas três excelentes temporadas iniciais, ou seja, a série tem plenas condições de não ficar presa ao passado, porém as tramas desta quarta temporada não conseguiram segurar seu apelo de maneira regular ao longo de toda a temporada, o que é um problema plenamente superável desde que as peças do quebra-cabeça sejam mais bem utilizadas.
A 2ª temporada de “Narcos” mantém o mesmo nível de excelência alcançado na primeira. A partir da fuga de Pablo Escobar (Wagner Moura) da prisão, a série estabelece uma série de novos eventos que transformam este que foi um dos maiores e mais perigosos traficantes do mundo em uma espécie de terrorista que conquistou inúmeros inimigos, não apenas entre policiais, autoridades e governo, mas também entre seus próprios concorrentes, o que foi gradativamente lhe afundando até o seu derradeiro final. Tecnicamente, a série mantém um trabalho de fotografia exuberante, roteiros muito bem desenhados e costurados e uma direção de alto nível em todos os episódios, sendo pela crueza, energia e agilidade que constrói nas sequências com maior nível de tensão e ação, incluindo aquelas que possuem maiores requintes de crueldade (e não são poucas, vide assassinatos, emboscadas e atentados), como até mesmo outras que buscam um tom mais nervoso pela falsa leveza e/ou pelo humor irônico, transformando muitas vezes a rotina do lar de Escobar em um estranha comédia de situações, seja na cozinha, na piscina, em uma corrida de automóveis ou até mesmo em uma praça em Medelim.
Wagner Moura tem mais uma oportunidade de oferecer um show de interpretação, explorando mais uma vez um repertório de atuação impecável e irrepreensível que o aproxima facilmente daqueles grandes atores em seus papéis icônicos ao transformar Pablo em uma figura complexa, dramática e trágica com extrema dedicação e intensidade. Irresistível! O agente federal Javier Peña continua sendo uma figura ambígua e carismática que tem o seu próprio arco dramático na busca de capturar Escobar e o ator Pedro Pascal é muito competente e seguro na condução do seu personagem que nem sempre consegue agir conforme o sistema, mas sempre busca manter-se o mais íntegro possível. O elo fraco da série nesta temporada fica por conta do agente Steve Murphy que permanece com a função de narrador, mas o seu personagem parece perdido e sem função ao longo da narrativa, o que não deixa de ser uma verdade, já que Murphy realmente é deixado muitas vezes à margem de muitos eventos, com conflitos dramáticos superficiais e que parece funcionar muitas vezes como uma representação da moral americana (até mais do que a chefe do DEA ou do novo embaixador americano na Colômbia). O personagem perdeu força, tornando-se um mero espectador da História, apesar da boa presença de cena de Boyd Holbrook que se mostra um ator talentoso e promissor.
Se os concorrentes de Pablo, como a traficante Judy Moncada (Cristina Umaña), os representantes do cartel de Cali e até mesmo o grupo paramilitar que se encarrega de combater os comunistas em solo colombiano não despertam o mesmo interesse dramático que Pablo e acabam sendo figuras muito mais funcionais dentro da narrativa, afinal muitas vezes ajudam a movimentar a história, um personagem secundário que recebe certo destaque é Limón (Leynar Gomez), motorista particular de Pablo, que acaba tendo um apelo ingênuo e paternal em função da sua devoção ao patrão, mas especialmente pelo seu arco dramático envolvendo Maritza (Martina Garcia), uma amiga da sua infância pela qual é apaixonado, e que resulta um dos momentos mais tristes e trágicos da série. Da mesma forma, Tata, esposa de Escobar, também tem a possibilidade de viver o seu próprio drama, transformando-se em uma mulher mais complexa e menos ingênua como a vista anteriormente e se a atriz Paulina Gaitan ainda não se mostra uma atriz totalmente segura ao menos demonstra uma evolução evidente na construção da sua personagem que a torna mais complexa.
É natural que em uma série como “Narcos”, baseada em fatos reais, muitos fatos sejam distorcidos a favor da narrativa e/ou do entretenimento, como queiram alegar, porém ao final da segunda temporada, o que fica claramente estabelecido é que a guerra contra os traficantes é muito maior que os seus representantes. Por mais que Pablo Escobar tenha sido um “rei”, ele foi apenas mais um. Sua figura se tornou marcante e icônica, mas há um problema crônico muito maior que envolve o tráfico e o comércio ilegal de drogas ilícitas que movimentam bilhões de dólares ao redor do mundo e que em conseqüência matam milhares e milhares de pessoas. E cada vez mais. E Escobar, felizmente, foi apenas mais um. A série deixa em aberto o desfecho de diversos personagens, estabelece uma premissa para futuras temporadas e a partir da terceira precisará sobreviver ao fantasma de Pablo Escobar, embora material para ser explorado, infelizmente, não falte.
Esse episódio de Natal da série reúne em sua narrativa os principais ingredientes vistos nos episódios das duas primeiras temporadas. A partir de uma única história que reúne dois homens encarregados de trabalhar e conviver dentro de uma casa em meio a uma área gélida e remota e aos poucos eles vão revelando segredos sobre suas vidas e o que os levaram até ali. O roteiro consegue equilibrar dentro da narrativa a necessidade que se tem de que devemos conhecer a história por trás de um deles para depois desvendar o passado do outro até porque um é conquistador nato, um tanto quanto esnobe e arrogante, enquanto o outro é recluso, tímido e de poucas palavras. O mais interessante é notar também que as pistas que ajudam a desvendar o mistério da história central é empregado durante toda a narrativa até o seu "twist" final, mas aqui a espaço para que se explore três núcleos a cerca da tecnologia e a vida em sociedade. O primeiro deles apresenta um jovem tímido sendo guiado por um tutor que lhe dá dicas através de uma escuta enquanto transmite as imagens do que se passa com o aprendiz on-line para um grupo de seguidores e admiradores dessa prática de conquista. O roteiro é inteligente ao explorar a maneira como nem sempre as pessoas mostram como elas são verdadeiramente quando conhecem outra pessoa e como existem regras que regem nossas interações, mas o desenvolvimento e o desfecho não vão muito além do que se sugere. O segundo núcleo acompanha a adaptação de uma inteligência artificial em aceitar que ela não é de verdade, mas sim uma cópia da sua versão original que foi adquirida com o único propósito de servi-la, logo não deixa de ser um conto que discute a questão da identidade e a relação que temos com um universo cada vez mais prático e automático cujo propósito é facilitar nossas vidas. Diante das histórias que ouviu, o terceiro núcleo acompanha o passado deste homem mais recluso, mostrando sua relação com a esposa, o drama que ele enfrentou com a separação e as consequências trágicas que teve que encarar anos após o término do relacionamento. É sem dúvida nenhuma o ponto alto da narrativa e o desfecho da sua história culmina com a revelação das verdadeiras intenções de todos os envolvidos no trabalho pelo qual foram designados e porque os dois tiveram que ser reunidos naquele local. Há de se considerar que o desfecho amargo do homem tímido é pra lá de condizente com a proposta, não poderia ser mais trágico, porém há de se questionar o quão desnecessário era a revelação dos segredos do principal narrador e consequentemente do seu desfecho que até tem lá a sua ironia dentro do que fora visto no episódio, mas acabou sendo uma saída um tanto quanto radical apenas para valorizar a ideia dos bloqueios. Não é incoerente, mas foi uma forma artificial criada pelo roteiro para dar desfechos amargos para os dois personagens apenas. Ainda assim é um especial que prende a atenção e que permite importantes reflexões sobre a maneira como nos relacionamos com o próximo.
Os três episódios que fazem parte da 2ª temporada são mais homogêneos que o da temporada anterior, porém mantém o mesmo nível de cinismo e de qualidade dos anteriores. O primeiro é o mais emocional já que acompanha uma jovem lidando com a morte repentina do seu marido. Inicialmente avessa, ela acaba aceitando o convite em participar de um aplicativo que promete simular através de inteligência artificial o comportamento e até mesmo a voz do seu marido através das lembranças que o mesmo compartilhou em vídeos, áudios e até mesmo nas redes sociais. O que inicialmente promete ser uma espécie de conforto para que lide de uma forma melhor com o luto acaba assumindo contorno de dependência ao ponto de até mesmo uma cópía física do marido ser adquirida, o que a deixa ainda mais reclusa e afastada do convívio com outras pessoas. É chocante, angustiante, mas ainda assim o apelo dramático da narrativa é de um envolvimento tocante, encantador e as atuações Hayley Atwell e Domhall Gleeson são de uma sensibilidade contagiante. É o melhor episódio de "Black Mirror" até então. O segundo episódio visa explorar a obsessão das pessoas em espionar a vida alheia, porém aqui traz um importante componente da violência que chama a atenção sobre a gratuidade e a forma rotineira e corriqueira com que lidamos com atos agressivos, a banalização da violência transformada em um macabro reality show a partir da trajetória de uma mulher que acorda em sua casa com total perda de memória sendo que é constantemente perseguida por sinistros assassinos enquanto que milhares de pessoas assistem sua tortuosa luta pela vida apenas com o propósito de se divertir com suas câmeras e celulares em mãos. O terceiro e último episódio tem uma clara crítica aos políticos e a maneira como o universo das eleições está sendo cada vez mais transformado em um espetáculo seja ele visual, circense ou até mesmo midiático. Um tímido e melancólico comediante, recém-divorciado, dá voz a um desbocado personagem de um programa de televisão, porém aos poucos a popularidade dele torna-se tão grande que chegam a considerá-lo para a disputa das eleições prévias para o parlamento britânico, o que acaba se transformando em uma triste e irônica brincadeira com os bastidores políticos. O que acaba enfraquecendo um pouco os desfechos abruptos de cada um dos episódios, especialmente o primeiro e o último, é que apostam muito mais no choques provocados pelas elipses de tempo; já no segundo episódio opta-se muito mais por algo explicativo, mas de certa forma desnecessário. Apostando em episódios arrojados e que fogem completamente do politicamente correto, "Black Mirror" torna-se uma série de ótima qualidade pra lá de indispensável por promover poderosas narrativas e estimular debates mais do que bem-vindos.
“Black Mirror” é uma série britânica que possui episódios independentes, mas que transitam sobre o futuro da humanidade e a influência da tecnologia em nossas vidas. A 1ª temporada possui três episódios e o primeiro mostra o sequestro da princesa britânica sendo anunciado em pleno YOU TUBE pelos sequestradores e cuja exigência para libertá-la é a exigência de que o primeiro ministro faça sexo com um porco, sendo que o ato precisa ser transmitido ao vivo para todo o mundo e em todas as mídias sociais. O humor britânico é mais do que bem vindo, sendo que o maior triunfo dessa narrativa é apresentar uma rede de eventos factíveis e racionais de bastidores políticos para lidar com a proposta absurda, o que legitima o drama e o dilema enfrentado pelo primeiro-ministro. Após a conclusão da história, o sentimento de gratuidade e de futilidade da exposição midiática acaba atuando a favor e contra o episódio e o resultado acaba sendo mediano. O segundo episódio é o mais problemático já que investe em uma trama que acompanha um jovem encarregado assim como muitos outros de pedalar direta e diariamente uma bicicleta que lhe garante uma pontuação que lhe permite alguns prêmios e consolos assim como determinadas infrações lhe tiram pontos. Quando ele conhece uma jovem que utiliza sua pontuação total para tentar a sorte como cantora em um bizarro reality show, ele decide se vingar de todo o sistema. Os detalhes do cenário e as minúcias do universo em que o personagem está inserido são interessantes (as metáforas referentes à relação homem x trabalho são explícitas), mas nem os personagem, muito menos a narrativa despertam muito o interesse e o desfecho é apenas satisfatório. O terceiro episódio é o melhor da temporada já que acompanha um futuro não muito distante em que as pessoas conseguem assistir de maneira on-line suas próprias lembranças, permitindo que eles revisitem certos momentos em busca de nostalgia ou até mesmo prazer. Quando um jovem desconfia que sua esposa o traiu, ele entra em um redemoinho de paranoia que transforma a sua vida em uma contínua busca pelas suas memórias e das outras pessoas para provar o seu ponto de vista e de que não se trata de mero ciúme sem sentido. Mesmo que isso coloque tudo a perder, até mesmo a sua própria sanidade. Muito bem construído, esta narrativa consegue reunir o cinismo do humor britânico com o drama presente em tantos relacionamentos e torná-lo um espiral de sentimentos muito forte e contundente até com requintes de crueldade, mas que sempre nos deixa em dúvida sobre até que ponto ou não seríamos capazes de cometer os mesmos erros. Atuações categóricas e um desfecho condizente com a proposta. Apostando em situações que vão muito além dos lugares comuns, experimentando o gênero da ficção científica em diversas vertentes e utilizando-se de premissas que carregam melancolia e até um certo pessimismo sobre as relações humanos no futuro, "Black Mirror" oferece um olhar sádico e cínico tão atraente quanto esquisito.
Os Defensores
3.5 501OS DEFENSORES – 1ª TEMPORADA
Depois de duas ótimas temporadas de “Demolidor”, duas gratas e razoáveis surpresas com “Jessica Jones” e “Luke Cage” e uma decepção com a fraca temporada de estreia de “Punho de Ferro”, os heróis do universo Marvel construído na plataforma Netflix se reúnem para combater uma nova ameaça em Nova Iorque na série “Os Defensores”. Encarregando-se de reapresentar os personagens mesmo no meio de suas jornadas pessoais (até para não espantar o espectador que não conseguiu acompanhar as séries próprias de cada um em sua totalidade), essa primeira temporada caminha em uma jornada tão eficiente quanto genérica, tão competente quanto conservadora, apostando muito mais na interação forçada entre estes quatro improváveis heróis do que propriamente na construção de uma temática arrojada ou que vá além do foi oferecido até aqui. Não chega a ter um resultado ruim, em seus momentos mais fracos flerta com um nível de frustração apenas moderado, mas dentro de um quadro geral os oito episódios mantém um bom e aceitável nível de qualidade.
O roteiro de “Os Defensores” insere os planos da nova vilã Alexandra (Sigouney Weaver), vulgo Tentáculo, e tem a preocupação de inicialmente fazer com que personagens secundários de cada uma das séries surjam de maneira bastante orgânica em núcleos diferentes do que estávamos acostumados e à medida que a trama avança, a trajetória dos quatro protagonistas vai se aproximando, inicialmente em pares até que eles finalmente se encontram. O estilo da direção, o tom da fotografia e da montagem adotados em cada um dos núcleos respeita a linguagem adotada em cada uma das séries, o que facilita a identificação visual e da personalidade de cada um dos personagens. Embora algumas transições de núcleo sugiram falta de acabamento por parte do roteiro, a estrutura macro utilizada para promover essa reunião se mostra bem desenhada, afinal tudo funciona no seu devido lugar, cumpre a sua missão e ainda culmina com um clímax muito bem encenado e ensaiado que resulta em uma sequência de luta bastante dinâmica, apostando em cortes falsos e movimentos circulares de câmera para simular um plano-sequência, algo que se repete e funciona muito bem também em outros momentos, inclusive no clímax da temporada.
A dinâmica entre Matt Murdock (Charlie Cox), Jessica Jones (Krysten Ritter), Luke Cage (Mike Colter) e Danny Randon (Finn Jones) funciona desde o primeiro encontro, especialmente para estabelecer as diferentes personalidades (o receio de Matt, o deboche de Jessica, o pavio curto de Luke, a ingenuidade de Danny), quase sempre apostando no bom humor (Matt usa o cachecol de Jessica Jones para cobrir seu rosto e os demais reconhecem o quão ridículo isso é; o título de “Punho de Ferro Imoral” soa tão ridículo como de fato é, embora o próprio não se dê conta). Ainda que Jessica ressinta a falta de um estilo característico de luta nas sequências em que todos estão em cena, haja vista que ela não é uma lutadora (embora seu estilo funcione melhor no clímax da temporada), os demais dão conta do recado e cada um mostra o seu valor, a sua técnica, a sua identidade no campo da ação. De maneira geral, a montagem não seja a comprometer, valorizando a agilidade e a velocidade dos golpes desferidos, ainda que em alguns momentos atrapalhe com certos cortes mais bruscos, como na sequência em que ocorre em um estacionamento subterrâneo com seis personagens em ação. Naturalmente, os heróis acabam sendo liderados por Stick (Scott Glenn) até porque o final da segunda temporada de “Demolidor” o colocava no centro da conspiração mitológica que serve de base para a narrativa dessa temporada de “Os Defensores”, o que torna fácil a associação com o núcleo de Danny que por sua vez acaba sendo o fio condutor da narrativa (para o bem ou para o mal). A aproximação de Jessica Jones se dá em função da sua atuação como detetive para investigar o sumiço de um arquiteto a pedido de uma esposa e filha desesperadas enquanto que a de Luke Cage se dá por causa do seu apelo com a comunidade do Harlem através da figura de um garoto aliciado para o crime, ou seja, a ligação de ambos ocorre mais através de eventos secundários.
A evolução natural dos eventos não impede que existam alguns furos, afinal se Stick era o último soldado do exército que protegia Punho de Ferro por que ele não se encarregou de fazê-lo diretamente ao invés de se aproximar inicialmente de Matt? O mesmo vale para a própria motivação em torno do Punho de Ferro que muda de acordo com a necessidade imediata do roteiro, ora agindo como aliado, ora como chave, ora como uma arma que não pode cair em mãos erradas, fazendo com que a trama se torne redundante e prisioneira desse mérito eventual ao passo que em diferentes momentos repete-se a mesma situação de refém da situação, inclusive envolvendo as pessoas mais próximas dos heróis. Apesar da boa presença de cena da ótima Sigouney Weaver como Alexandra (e a sua participação não vai muito além disso), o time de vilões reunidos em “Os Defensores” não faz jus as maiores virtudes da série. Madame Gao (Wai Ching Ho), por exemplo, surgiu de maneira misteriosa e impiedosa em “Demolidor”, tornou-se uma vilã genérica, uma mera caricatura do que já foi um dia em “Punho de Ferro” e aqui se apresenta apenas como uma capanga qualquer, sem apelo algum. Qualquer traço de complexidade dramática de Elektra, seja como “Céu Negro” ou como potencial romântico de Matt, fica prejudicado pela interpretação monocromática da limitada Elodie Young ao passo que dois novos vilões, Sowande (Babs Olusanmokum), conhecido como “Chapéu Branco“, e Murakami (Yutaka Takeuchi), um antagonista que só fala em japonês, embora seja compreendido pelos demais, são mal introduzidos e se apresentam como adições inexpressivas e infrutíferas. Bakuto (Ramon Rodriguez) que já havia dado o ar da graça em “Punho de Ferro”, mas sem dizer ao que veio, mantém o mesmo fraco apelo.
Em termos de diálogos, os questionamentos e a interação entre os heróis ocorrem de maneira coerente com a personalidade de cada um, apesar de algumas redundâncias e da quantidade reduzida de diálogos expositivos. Outros diálogos possuem qualidade mais discutível, especialmente pelas incontáveis vezes em que expressões genéricas como “nós estamos do mesmo lado” ou “quanto menos você souber, melhor será” são utilizadas para tentar explicar o que está acontecendo de maneira genérica, pelo caminho mais fácil. A trilha sonora é composta por melodias que remetem a outras já ouvidas nas séries anteriores, logo a sensação de dèja vu é inevitável, ainda assim a música-tema que serve de abertura não deixa de ter o seu apelo misterioso e grandioso assim como merece destaque um momento em que Matt Murdock inicia uma melodia em um piano até ser interrompido e a trilha sonora assume essa mesma continuidade melódica. Em contrapartida, o uso de um rap em um momento-chave do clímax da ação em um dos últimos episódios da temporada soa totalmente deslocado e inapropriado. O fato da trama da temporada girar parcialmente em torno da importância de Punho de Ferro não deixa de ser o calcanhar de Aquiles de “Os Defensores”, afinal mesmo que Danny tenha seu potencial cômico alavancado, especialmente com a sua boa interação com Luke Cage, não chega a ser bom o suficiente para fazer com que o personagem se torne mais simpático e/ou empático. A falta de carisma e talento de Finn Jones não contribui a favor da narrativa ainda que não comprometa o apelo da série como um todo e nem prejudique a mitologia dos outros personagens. Mike Colter é um poço de carisma mesmo que Luke Cage seja eventualmente alçado a condição de coadjuvante dentro da série com um campo de atuação bastante reduzido. Krysten Ritter continua sendo uma Jessica Jones irresistível com o seu estilo de humor debochado e politicamente incorreto, funcionando muito bem na parceria com Matt Murdock, sendo responsável pelas melhores tiradas, enquanto que cabe a Charlie Cox e o seu Demolidor servirem como o centro emocional da narrativa. A sua preocupação com o impacto das ações de heroísmo do seu personagem com relação às pessoas ao seu redor são extremamente legítimas, inclusive na sua relação com Elektra que funciona muito mais pelos esforços de Cox do que em função do apelo sustentado por Young, como já comentado.
O desfecho de “Os Defensores” tem um problema central que vai de encontro com aquela máxima de solucionar problemas de uma trama sobrenatural e/ou espiritual e/ou filosófica através da utilização de tiros, socos, lutas e explosões, o que não deixa de ser uma tremenda contradição, porém o investimento da série na dinâmica dos personagens mostra que funcionou pelo senso de preocupação coletiva e de camaradagem entre seus membros que foi construída até alcançar o seu clímax, ainda que haja indícios que eles voltarão a seguir em carreiras solo antes de uma nova reunião. Eficiente e moderadamente competente, mesmo que não se destaque em comparação às outras (com exceção da fraca primeira temporada de “Punho de Ferro”), a sensação que se tem é que a primeira temporada de “Os Defensores” é apenas o primeiro “round” de uma luta pela qual vale a pena brigar.
7.5/10
13 Reasons Why (1ª Temporada)
3.8 1,5K Assista AgoraOS 13 PORQUÊS
“Os 13 Porquês” é uma sensível e irregular série norte-americana que tem os adolescentes como público-alvo principal, mas que possui um alcance que atinge muitas outras gerações de espectadores, inclusive pais e professores, ainda mais envolto de tanta polêmica por causa da premissa que parte do plano realizado pela personagem central que envolve suicídio e vingança. Hannah (Katherine Langford) é uma jovem de dezessete anos que resolve dar um fim em sua vida, mas sem antes gravar treze fitas que são remetidas a membros do seu círculo social que foram responsáveis, direta ou indiretamente, pela sua trágica, imatura e precipitada decisão.
A estrutura narrativa da série é bastante problemática porque ela parte de um jogo de vingança em que a personagem brinca e manipula seus algozes para justificar seu suicídio, porém ela e a própria série parecem não reconhecer a insensatez e a fragilidade impostas por esse contexto. Cada episódio se encarrega de escolher um alvo e, através da narração de Hannah em fitas cassetes, ela descreve a sua história de vida que é apresentada em marcantes “flashbacks”, sendo que o seu atual ouvinte é o também adolescente Clay (Dylan Minnette), seu amigo e uma espécie de admirador platônico. Enquanto ouve as fitas, ele se envolve no drama de Hannah e nos dilemas morais e éticos dos seus colegas de Ensino Médio que provocaram os gatilhos que a levaram a cometer tal medida extrema contra sua própria vida. Essa postura de justiceira espiritual faz com que em alguns momentos Hannah se coloque como uma falsa heroína, acima do bem ou do mal, como se ela jamais assumisse a responsabilidade pelas suas próprias ações.
Essa postura faz com que a série seja tomada por um ar de mistério repleto de altos e baixos, dependendo muito do nível e da qualidade da abordagem dos dramas de cada um dos personagens, logo se em um determinado episódio há uma legítima complexidade dramática envolvendo um jovem atleta de família disfuncional ou de uma adolescente traumatizada que enfrenta problemas com drogas e alcoolismo, o mesmo já não se pode dizer quando o centro da narrativa é um garoto impulsivo e de inteligência limitada ou de outro que não sabe lidar com a rejeição do sexo alheio pela sua própria arrogância e prepotência. Ainda assim, o episódio mais fraco é o que se sustenta pelo peso da culpa por causa de um acidente de trânsito que soa totalmente deslocada do eixo central da trama pelo seu excesso de coincidências e conveniências. E até mesmo os episódios finais que contam com os eventos mais chocantes e pesados assim como suas implicações emocionais decepcionam por serem eclipsados em comparação aos elementos misteriosos e investigativos da trama, ainda que cada personagem tenha resoluções diversificadas e independentes. Essas oscilações fazem com que o pretexto da série de prolongar a experiência de ouvinte de Clay se torne menos ou mais arrastada justamente pelas convenções que o roteiro precisa abraçar para justificar ou não essa estrutura. Em alguns momentos, a série parece brincar com o ritmo de audição de Clay já que enquanto ele parece reservar um dia e/ou uma semana para cada lado da fita (o que representa um episódio da série), outros chegam a dizer que ouviram todas as fitas em uma única noite (e duas vezes cada) ou sequer ouvi-las por completo (ainda assim não deixa de ser estranho que Clay pareça confuso com a sua influência no destino de Hannah como se ele mesmo não soubesse o que viveu ao lado da amiga). Ao mesmo tempo é inconcebível a falta de curiosidade do Clay em não avançar no processo de audição em alguns momentos assim como em outros se torna compreensível o seu abandono diante do inconformismo de algo que acabara de escutar e que precisa ser tratado de imediato.
Problemas e conveniências à parte, a série é muito delicada, sensível e corajosa ao abordar dilemas adolescentes e do universo do Ensino Médio com naturalidade e sem nenhum pudor já que, além da depressão e do suicídio, temas como “bullyng”, estupro, homossexualidade, alcoolismo, depressão, entre outros, são muito bem estabelecidos, mesmo quando retratados em segundo plano ou como pano de fundo do episódio. Além dessa proposta, “Os 13 Porquês” não deixa de ser uma série que dialoga fortemente com as experiências emocionais da adolescência, como os diferentes tipos de amizades e de tribos existentes dentro do ambiente escolar, o primeiro beijo, a primeira decepção amorosa, a primeira relação sexual, a alegria e a felicidade provocadas pelo sentimento de pertencimento ou as angústias e os medos enfrentados pela não aceitação dentro de um grupo social. Estes conflitos fazem parte do universo de Hannah e, em maior ou menor grau, servem para que a série explore uma infinidade de questões que vão muito além do suicídio da personagem e que possuem igual importância e relevância narrativa, logo excetuando os excessos cometidos pela manutenção do mistério em torno das fitas, o tom adotado pela série a respeito dos conflitos entre os jovens é muito mais assertivo do que meramente um pretexto para soar gratuito e/ou polêmico. Existem alguns diálogos muito bem ilustrados entre os próprios adolescentes assim como entre eles e seus pais que realçam o apelo positivo e propositivo da série, porém um aspecto que “Os 13 Porquês” reforça é o perigoso distanciamento que jovens e pais se impõem até de maneira inconsciente seja pela necessidade de preservação da intimidade adolescente e/ou pela imposição da autoridade materna e paterna.
Essa vasta abordagem faz com que Hannah seja submetida a uma série de situações constrangedoras que em certos momentos chegam até a soarem forçados e exagerados (em determinado momento ela chega a ser perseguida por um “stalker” ao mesmo tempo em que vive uma experiência íntima ao lado de uma amiga, logo após ser alvo de um boato que manchou a sua reputação, por exemplo), o que acaba potencializando o drama da personagem que vive todas essas experiências de maneira silenciosa, praticamente solitária e com uma completa alienação dos pais que são retratados com vítimas impotentes e colaterais da tragédia que vitimiza a filha. A jovem Katherine Langford realiza um ótimo trabalho, trazendo um carisma irresistível e uma intensidade dramática admirável para uma personagem que é responsável por decisões irritantes e questionáveis que muitas vezes faz com que Hannah se distancie do espectador, porém o talento e o potencial artístico demonstrado por Langford reforça muito mais o sentimento de empatia e de solidariedade que se tornam fundamentais para a compreensão dos conflitos internos de Hannah, ainda que não legitime todas as suas atitudes, vale sempre a pena reforçar. O jovem Dylan Minnette também realiza um ótimo e sensível trabalho porque Clay serve como uma espécie de agente catalisador dos dramas vivenciados por todos os personagens, inclusive deixando de lado até mesmo os seus próprios porquês em função da postura tímida e introspectiva do seu personagem, mas sem jamais deixar de se apresentar como um garoto franco, íntegro e honesto. De maneira geral, o elenco jovem é muito talentoso e eficiente, além de realçar a representatividade de raças e gêneros que é uma decisão cada vez mais digna e relevante dentro da indústria cultural mundial ainda que não represente a resolução de todos os problemas.
Explorando sentimentos nostálgicos através da trilha sonora e de alguns elementos da narrativa, como as próprias fitas cassetes, ainda que de maneira irregular, ou mesmo negligenciando algumas subtramas, como as que envolvem a influência das grandes corporações na economia local ou os conflitos de interesses no processo jurídico dos pais de Hannah contra a escola, “Os 13 Porquês”, no entanto, traz uma série de diretores talentosos, sóbrios e criativos que apostam em um estilo de direção realista com reduzidos maneirismos estéticos (talvez apenas um excesso de câmera lenta aqui e ali), além de contar com um trabalho de fotografia sofisticado e apurado e efeitos de transição dinâmicos e orgânicos em que ambos servem para estabelecer as duas linhas temporais da narrativa (as mudanças físicas dos personagens também são críveis mesmo que não o tempo todo, como o machucado na testa de Clay, por exemplo). Dessa forma, “Os 13 Porquês” se apresenta como uma série imperfeita, mas de extrema relevância que merece ser vista e discutida, apesar de qualquer polêmica e/ou distorção que a série tenha provocado. É uma série que merece fazer parte de bate-papos entre pais e filhos, de discussões e trabalhos promovidos por professores e alunos assim como da comunidade de maneira geral, inclusive do Estado, afinal a depressão e o suicídio são temas de saúde pública que merecem ser debatidos através de políticas assistenciais. Essa aproximação do tema com o público em geral, apesar de algumas distorções delicadas, é fundamental para que a postura de Hannah jamais seja vista como uma saída natural e/ou corajosa e/ou que deve ser copiada e imitada. Logo, por mais que a série cometa seus próprios pecados, a experiência jamais deve ser vista como algo em vão assim como é a vida que ganhamos de presente a cada dia.
7.0/10
This Is Us (1ª Temporada)
4.7 779 Assista AgoraTHIS IS US – 1ª TEMPORADA
“This Is Us” é uma série emocional e emocionante, sensível e tocante, agridoce e delicada que acompanha personagens em diferentes épocas e que estão intimamente conectados. O primeiro episódio se encarrega de apresentá-los com uma condução leve no humor e sóbria no drama, surpreendendo no final com a conexão temática entre os personagens que vai muito além do simples fato de comemorarem seus aniversários na mesma data. E esse mesmo tom acompanha a série durante toda a temporada, porém as nuances dos seus elos merecem ser experimentadas paulatinamente, gradativamente, logo seria um crime entrar em maiores detalhes a respeito. A partir dessa apresentação, cada episódio se encarrega de oferecer mais elementos que permitem a construção de uma espécie de memória emocional de cada um dos personagens e que gradativamente vai tornando-os mais íntimos e mais complexos. A montagem também realiza um trabalho de fundamental importância e relevância narrativa, pois muitas vezes em um mesmo episódio, em diferentes períodos de tempo, apresenta os mesmos personagens vivendo situações e dilemas semelhantes e/ou que estão ligados direta ou indiretamente com belíssimas e inspiradas transições de cena, o que amplia ainda mais a percepção emocional dos conflitos. Sob a direção geral do criador Dan Fogelman (roteirista de “Carros”, “Enrolados”, “Amor à Toda Prova”) e da dupla Glen Ficarra e John Requa (“O Golpista do Ano” e “Golpe Duplo”), “This Is Us” é provavelmente a série lançada nesses últimos anos que mais faz jus ao termo “a vida como ela é”.
“This Is Us” é uma série que explora a generosidade e a emoção à flor da pele do ser humano, o que há de melhor na humanidade, o que torna esses personagens tão carismáticos e cativantes, mas igualmente falhos e frágeis através de uma simplicidade e de um alcance narrativo tão genuíno que fica difícil não mergulhar muitas vezes os olhos em lágrimas, embora elas façam com que a percepção desse universo se torne mais límpida e cristalina. Jack (Milo Ventimiglia, ótimo) e Rebecca Pearson (Mandy Moore, ótimo) formam um jovem casal que como qualquer outro possui suas diferenças e dúvidas com relação ao futuro da relação, mas quando decidem pelo casamento, eles estabelecem uma parceria tão sólida que permite que superem qualquer adversidade e aceitem com devoção os desígnios da vida, como a inesperada e nada convencional chegada de trigêmeos. Kevin (Justin Hartley, ótimo) é um ator galante e mulherengo, mas de talento limitado que surta durante uma das gravações de uma série de humor rasteiro em ele que é o protagonista, sem saber muito bem o quer da vida, mas redescobrindo pelo caminho o que é um amor de verdade, além de aperfeiçoar a sua vocação artística. Kate (Chrissy Metz, ótimo) é uma mulher que sofre de obesidade mórbida e que já está incrédula quanto a sua capacidade de perder peso e/ou de que o mundo de alguma forma vai lhe compensar pelo que fato dela estar acima do peso, mas ao ser notada por Toby (Chris Sullivan, ótimo), outro obeso que sofre de disfunções alimentares, ela descobre a oportunidade de aceitar-se como é de verdade. Randall (Sterling K. Brown, ótimo) é um negro bem-sucedido que tem um emprego prestigiado e uma família sólida e feliz, mas que vai ao encontro do pai biológico para acalmar a sua inquietação emocional e entender as suas raízes e ao conhecer William (Ron Cephas Jones, ótimo), um artista de rua decadente que está em vias de morrer, ele se dá conta de que tem muito que aprender com aquele homem que ele tanto renegou ao longo da vida.
“This Is Us” é uma série sobre a formação de caráter e personalidade de um grupo de pessoas que através de uma melodia narrativa dramática e orgânica jamais cai no melodrama, na pieguice ou no clichê maniqueísta e vazio. É um conjunto de dramas e traumas que faz com que o painel de personagens visto na série se torne sensível aos olhos e muito próximo do coração. A fotografia consegue ser belíssima e sofisticada nos dois tempos da narrativa, apostando em tons mais opacos quando a narrativa está no passado e em uma paleta mais colorida nas histórias do presente, o que dá a série uma roupagem estética muito agradável, atraente e que combinam perfeitamente bem, ainda mais quando faz o bom uso da luminosidade e/ou de “flashes” de luz. A direção dos episódios é muito elegante e bastante sóbria, sem jamais apelar para o sentimentalismo barato, afinal os dramas e os conflitos são naturalmente fortes e fluem com extrema naturalidade, especialmente quando ligados a assuntos delicados como alcoolismo, traição, homossexualidade, obesidade, luto e divórcio. Os diálogos ao longo da temporada são tão sensíveis, maduros e complexos em toda a sua extensão dramática que transformam os personagens em figuras humanas complexas, cativantes e autênticas, logo absolutamente reconhecíveis. As metáforas e as analogias presentes entre os diferentes tempos da narrativa são sensíveis e orgânicas e até mesmo aquelas que não surgem da maneira tão sutil ainda assim são sensíveis e tocantes, pois são sustentadas por um elenco talentoso e homogêneo que transbordam uma química irradiante. E se a segunda metade da temporada resolve ampliar a abordagem da narrativa dando destaque a personagens secundários e/ou inserindo novos personagens dentro de cada núcleo, ainda assim a série não perde o seu apelo emocional. Em sua, trata-se de um maravilhoso conjunto de atuações de um elenco impecável!
“This Is Us” é uma série empática que promove uma viagem intensa e emocional na história dos seus personagens, sendo capaz de tocar tão profundamente que honra até mesmo os clichês mais batidos do gênero, mas com um poder de argumentação plenamente justificável e satisfatório, por menos recomendado que isso parecesse. É uma série que tem em seu DNA todos os ingredientes que poderia torná-la chata e enfadonha, piegas e rasteira, mas ainda assim acerta em cheio em praticamente tudo que se propõe a fazer, pois é sofisticada e autêntica em sua simplicidade de explorar temas universais e complexos, sem deixa der dramática, mas sem esconder também um otimismo contagiante. Impossível não simpatizar, impossível não se emocionar, impossível não se maravilhar com todos os acertos estéticos e narrativos que a série possui, além de contar com uma gama de personagens pelos quais vale a pena torcer e se importar. Eles são nós! Eles são maravilhosos, imperfeitos e complexos assim como nós! Eles “somos” nós!!
10/10
Love (2ª Temporada)
3.7 151 Assista AgoraLOVE – 2ª TEMPORADA
A segunda temporada de “Love” começa exatamente no instante em que termina a temporada anterior, ou seja, enquanto Mickey (Gillian Jacobs) discursa na frente de Gus (Paul Rust) sobre o seu vício em drogas, álcool, sexo, amor e ele a silencia com um beijo. Porém, esse seu gesto não fará com que ela mude de opinião quanto ao desejo de se afastar dele por um ano embora o destino pareça convergir para que eles fiquem cada vez mais juntos quanto mais eles parecem concordar que o melhor é que eles fiquem separados. Entretanto, Gus e Mickey não formam um casal convencional, logo essa problematização da relação entre os dois parece muito mais uma necessidade e um artifício em negar o quanto eles são especiais um para o outro e qualquer tentativa deles de impor regras ao relacionamento cai por terra já que não demora muito para que se deem conta que elas não servem para eles. E ao mostrar que os dois simplesmente não resistem a eles mesmos, cada um de acordo com seu devido motivo, ao ponto de transarem dentro do carro no estacionamento de um restaurante coreano, a série reforça mais uma vez que não está minimamente interessada em um tom politicamente correto. O que justamente faz de “Love” uma série acima da média.
Essa temporada parece ser mais um tratado de liberdade para Gus e Mickey sobre se deixarem levar pelo que sentem um pelo outro, permitindo ser felizes, como se nada pudesse estragar esse momento tão especial entre os dois (e, ironicamente, ao longo da temporada por diversas vezes isso parece acontecer em maior ou menor grau de relevância). O romantismo não está descartado na relação entre eles, mas não é à toa que eles chegam até mesmo a duvidar que algo ruim não possa acontecer para acabar com a sintonia fina entre os dois, pois antes de se conhecerem eles estavam acostumados a arruinar seus relacionamentos (e, de certa forma, eles continuam fazendo isso, embora lidem um pouco melhor, especialmente com os defeitos de cada um). Nessa temporada é também a primeira vez que ouvimos Gus e Mickey falando mais detalhadamente sobre suas famílias e dando pistas sobre a dinâmica determinante na criação dos dois, inclusive com a participação do pai dela em um dos episódios, um incorrigível trambiqueiro e mulherengo, o que serve para explicar muito do comportamento e das frustrações que ela carrega consigo. O maior ponto de conflito entre os dois parece ser mesmo a distância provocada por uma viagem a trabalho de Gus e a maneira com que eles lidam com a distância, o que acaba distanciando-os emocionalmente. A queda no final da temporada, no entanto, se dá muito mais pela necessidade de vilanizar Mickey do que propriamente ao construir mais um conflito para colocar em xeque a relação entre os dois e, infelizmente, os episódios finais levam a isso.
Paul Rust e Gillian Jacobs continuam segurando a série com muito carisma. Ele é dono de um estilo de humor que caracteriza Gus como um típico sujeito desajustado em que todas as vezes que tenta ser mais descolado acaba se dando mal. Paul Rust é carismático ao ponto de fazer uma piada sem graça envolvendo a série “Friends” e/ou o filme “Duro de Matar” e ainda assim torná-la divertida; ou legitimar a pureza de Gus ao ilustrar a sua alegria genuína ao compor uma canção para o filme “Enquanto Você Dormia” ou quando está desconfortável diante de conflitos familiares, oferecendo pequenas amostras do apelo e do alcance de um personagem que não se restringe em ser um mero “nerd” apaixonado. Já ela é uma atriz intensa que sempre traz um olhar triste e melancólico que sustenta emocionalmente uma mulher que parece andar sob uma corda bamba já que as instabilidades de Mickey são constantes, mas Gillian Jacobs também traz uma vitalidade à personagem que nos torna cúmplices da jornada de redenção que a personagem realiza ao evitar qualquer tipo de gatilho que a leve novamente para o caminho do vício, sendo que em nenhum momento duvidamos das suas boas intenções ou do quanto Mickey realmente gosta e precisa de Gus ao seu lado, sem descansar um do outro. E vice-versa.
Assim como na primeira temporada, “Love” não é uma série somente sobre Gus e Mickey, embora seja muito melhor quando foca apenas na atípica relação amorosa entre os dois. A temporada reserva espaço para investir ocasionalmente em outros personagens, como os divertidos Bertie (Claudia O’Doherty), companheira de casa de Mickey, e Randy (Mike Mitchell), um dos melhores amigos de Gus, que também vivem um relacionamento pouco convencional; ou Truman (Bobby Lee), colega de trabalho de Mickey, que se revela um tremendo carente emocional, mas em termos gerais, ambos funcionam como eventuais alívios-cômicos. A temporada também não esquece dos núcleos profissionais de Mickey e Gus, mas dessa vez a abordagem é mais reduzida, o que permite que explorem melhor as piadas, especialmente as que envolvem os clichês cinematográficos, especialmente a presença da divertida modelo e atriz Heidi (Briga Heelan) que praticamente dá o ar da sua graça em um único episódio ou as situações vividas pela precoce atriz mirim Arya (Iris Apatow), inclusive durante as gravações de um filme de ação e diante das novas aspirações profissionais de Gus. O mesmo não acontece com relação ao trabalho de Mickey, especialmente com relação à participação do terapeuta Greg Colter (Brett Gelman) que embora chame a atenção pela sua canastrice e canalhice, além da sua total incapacidade emocional de exercer a profissão, parece um tanto quanto deslocado do universo da personagem, mas felizmente a própria série se encarrega de não dar muito crédito aos conflitos que ele gera dentro da relação entre Gus e Mickey.
Apesar de não evitar os altos e baixos em seus doze episódios (dois a mais que na temporada anterior), “Love” em sua segunda temporada continua sendo uma série de comédia romântica que traz frescor a um gênero carregado de clichês e carente de originalidade, especialmente pelo charme, carisma e simpatia dos seus personagens centrais politicamente incorretos e muito bem defendidos por Paul Rust e Gillian Jacobs, dois atores talentosos e bastante generosos em cena. Se o amor não é perfeito, Gus e Mickey também estão muito longe da perfeição e justamente por isso é que se tornam personagens tão amáveis e acessíveis, afinal fazem questão de nos mostrar que embora não seja possível o “felizes para sempre”, eles fazem muito por merecer a união já que estranhamente foram feitos um para o outro.
7.5/10
ARGUMENTÁRIO - UM ESPAÇO DE IDEIAS E REFLEXÕES
Eu, Tu e Ela (1ª Temporada)
3.6 131 Assista AgoraEU, TU E ELA
“Eu, Tu e Ela” é uma série levemente divertida e politicamente incorreta sobre Jack (Greg Poehler) e Emma (Rachel Blanchard), um casal que está mais próximo dos 40 anos do que gostariam e que vive uma crise em seu casamento enquanto pensam na possibilidade de ter o primeiro filho assim como a maioria dos seus amigos e vizinhos. No entanto, a vida sexual deles está em baixa, logo Jack aceita a dica de um amigo de contratar o serviço de uma acompanhante, a envolvente Izzy (Priscila Faia), uma jovem estudante de Psicologia, porém logo se arrepende, mas sem antes despertar a curiosidade de Emma que também se encanta pela garota e acaba sugerindo que ela passe a realizar seus serviços para o casal, possibilitando um inusitado relacionamento a três.
Apesar do tema delicado e polêmico, a dinâmica entre o trio é bastante leve e divertida, logo em nenhum momento o interesse do casal pela acompanhante não se mostra palpável já que com seu bom humor ela tira Jack da sua rotina rígida e repleta de compromissos, além de trazer uma sensibilidade e uma energia sexual para a vida de Emma que até então estava escondida. Criada por John Scott Sheperd, a série nos faz acreditar que uma relação a três seria sustentável e que é a melhor saída para o marasmo do casamento de Jack e Emma, logo ela avança ao longo dos episódios por todos os estágios, iniciando pelo nervosismo e pela excitação dos programas individuais, pelo súbito e posterior interesse do casal pelo sexo a três e passando até pela improvável possibilidade de que a relação seja mantida por muito mais tempo na vida do casal e da acompanhante já que sentimentos foram divididos e compartilhados em um nível que vai muito além do mero compromisso profissional. O fato de Izzy ser uma estudante de Psicologia, assim como Nina (Melanie Papaia), sua melhor amiga e colega de profissão, permite que a série forneça alguns conceitos da área ou conselhos meramente terapêuticos sobre relacionamentos amorosos, mas que se tornam muito mais elementos cômicos já que não possuem o propósito de oferecer complexidade à narrativa, como o fato dela só se interessar por Andy (Jarod Joseph), um amigo da faculdade, apenas quando ele não lhe dá a mínima atenção.
Esse luxurioso apelo da série reside muito pelo carisma do seu trio de protagonistas a começar pela intensa e delicada atuação de Rachel Blanchard que interpreta uma mulher sensível e careta que expressa física e emocionalmente o interesse de Emma por aquela garota que não tem pudores em expressar o seu desejo sexual. É quase um retorno à sua adolescência repleta de experiências e sensações, porém Emma jamais deixa de demonstrar o seu amor, a sua lealdade e o seu carinho pelo marido, logo Blanchard se mostra bastante versátil e se equilibra muito bem entre esses dois aspectos emocionais de uma mesma mulher assim como legitima a fragilidade e confusão da personagem diante dos conflitos que se estabelecem. Priscila Faia não é uma atriz das mais talentosas, mas ainda assim funciona muito bem como Izzy, tornando-se uma grata surpresa, pois ela interpreta com personalidade uma jovem instável, repleta de altos e baixos com surtos de insegurança e autoestima, mas que legitima o interesse e a excitação do casal pelo desprendimento e pela inteligência de Izzy e mesmo assim revela traços que lhe humanizam e demonstram que ela não é tão bem resolvida como gosta de sugerir aos seus clientes. O elo fraco do trio é Greg Poehler que é um comediante simpático que traz uma feição de sujeito comum a Jack, porém embora a sua química em cena funcione ao lado das duas atrizes, ele parece ter um “timming” diferente do restante do tom da série ao evocar o jeito bobalhão do personagem, mas que só evidencia as suas próprias limitações já que ele não é um ator cômico dos mais talentosos e/ou versáteis.
O moralismo da série está presente através dos personagens que circundam a vida do trio, inclusive na figura de Nina que lida com muito mais frieza e praticidade com os dilemas do seu cargo, porém as críticas acabam se sustentando muito mais pelos erros e falhas do trio de manter o sigilo da relação e pelas atitudes dos fiscais da moral e dos bons costumes do bairro onde Jack e Emma moram, inclusive amigos mais próximos. A relativa falta de inteligência e esperteza do trio acaba sendo estimulada para que se crie o maior número de situações que o aproximem do constrangimento que geram momentos cômicos apenas razoáveis, como a vigilância de uma vizinha que desconfia da intimidade do trio, inclusive envolvendo chantagens, ou até mesmo a própria sustentação do casal ao apresentar Izzy como sobrinha dele, o que é de uma fragilidade narrativa absurda. E, considerando o fato de Jack e Emma tem nomes a zelar, seja por ele se candidatar a novo reitor do colégio particular em que trabalha ou por ela ter projetos de trabalho de sua responsabilidade que podem lhe garantir uma promoção, o choque entre a vida pública e particular dos dois torna-se cada vez mais inevitável (curioso que em nenhum momento se discute o dilema ético dela ter um projeto profissional na escola em que ele trabalha), fazendo com que os próprios se tornem moralistas e tornando a série mais aborrecida e burocrática, especialmente nos episódios finais dessa primeira temporada.
“Eu, Tu e Ela” é uma série sobre Jack, Emma e Izzy e sobre a ambiguidade de se buscar uma relação saudável através de um relacionamento a três, afinal tratam-se de adultos que sentem-se conectados íntima e emocionalmente, embora seja uma prática que não é aceita pela sociedade e que os próprios também possuem dificuldades em saber como lidar. Ainda assim é uma série que tem potencial a ser desenvolvido através dos dilemas específicos destes personagens, estejam eles juntos ou não, porém nessa primeira temporada todas as vezes que a série se distanciou desse consentido triângulo amoroso, ela perdeu sua principal força. Esse é o dilema dos seus personagens e da própria série, afinal quão longe eles pretendem ir nessa história sem vacilar e/ou correr riscos e/ou colocar tudo a perder.
7.0/10
ARGUMENTÁRIO - UM ESPAÇO DE IDEIAS E REFLEXÕES
American Crime Story: O Povo Contra O.J. Simpson (1ª Temporada)
4.5 582 Assista AgoraO POVO CONTRA OJ SIMPSON
Um dos crimes mais terríveis envolvendo uma celebridade do esporte e do cinema e que mais chamaram a atenção da sociedade e da mídia global foi o duplo homicídio atribuído ao ex-atleta de futebol americano OJ Simpson contra Nicole, sua ex-esposa, e Ronald, o namorado dela, na noite de 12 de junho de 1994. Astro renomado e idolatrado pelos americanos, OJ se arriscou como comentarista esportivo e ainda ingressava em sua carreira como ator de comédia, mais especificamente na franquia “Corra Que A Polícia Vem Aí“, quando ocorreram as mortes e as evidências levaram a suspeita de que ele cometera os crimes, iniciando um intenso processo de captura, acusação e consequente julgamento através de um árduo e turbulento trabalho liderado pela promotora Marcia Clark do lado da promotoria e da equipe de defesa liderada por Robert Shapiro. Sob a direção geral do experiente e irregular Ryan Murphy, de produções como “Nip/Tuck” e “American Horror History”, a série televisiva “O Povo Contra OJ Simpson” chega para dissecar os detalhes e apresentar outros personagens afetados por esse sórdido caso, destacando o instável e desequilibrado homem supostamente responsável pelo crime e a grande mulher que enfrentou o preconceito de gênero enquanto lutava para ser respeitada e fazer justiça.
Um dos aspectos mais controversos do caso envolveu a onda de crimes raciais cometidos pela polícia que tomou conta dos EUA, mais especificamente na cidade de Los Angeles, sendo que o caso de OJ Simpson foi inserido dentro desse contexto de maneira distorcida e oportunista. Apesar disso, a série empodera-se da discussão sobre a discriminação racial de maneira bastante competente, especialmente a partir da dinâmica estabelecida entre o advogado de defesa Johnnie Cochran (Courtney B. Vance) e o promotor assistente de acusação Christopher Darden (Sterling K. Brown), mas que se desenvolve ao longo da série com muitas outras vertentes, especialmente pela equipe de defesa de OJ interessada nessa repercussão, inclusive chamando a atenção para o comportamento e a ação dos policiais de LA contra a população negra. Enquanto o veterano Vance legitima a sua performance através da eloquência de seus discursos entusiasmados que mesclam as principais qualidades e defeitos de um advogado experiente com a de um pastor inescrupuloso (e vice-versa), Brown se mostra um dos atores mais completos, versáteis e interessantes da atualidade, vide o seu sensível trabalho nesta série e também em “This Is Us”.
A discussão sobre a sanidade mental de OJ que chegou a ser sugerida a favor dele quando decidiu não se entregar espontaneamente para a polícia e iniciou uma fuga cinematográfica que acabou sendo transmitida ao vivo por todas as emissoras do país sob a ameaça de uma arma apontada por ele contra sua própria cabeça acabou ficando até em segundo plano quando a “carta da raça” foi lançada no jogo jurídico. Outra grande sacada do roteiro ao apresentar esse vasto e amplo painel é que muitas informações e pistas são inseridas inicialmente, porém são contextualizadas à medida que o julgamento avança, normalmente em momentos cruciais, revelando um compromisso honesto dos roteiristas com o espectador que em nenhum momento é enganado por mais surpreendentes que sejam certas revelações e reviravoltas (o inverso também ocorre, mas em versões mais homeopáticas). Em contrapartida, o roteiro acerta quando oferece um relativo espaço para os membros do juri, mostrando-os como peças do tabuleiro do jogo orquestrado pelos advogados de defesa e pela promotoria, mas quando foca em seus dilemas pessoais, em seus momentos de crise e até mesmo no posicionamento que cada um tem com relação ao caso a abordagem torna-se mais superficial sem jamais corresponder totalmente à complexidade envolvida pelo papel dos jurados.
Ao longo da série, o diretor Ryan Murphy parece se sentir à vontade para arriscar com diversas soluções estéticas para criar uma dinâmica visual que seja atraente, sendo que em quase todos os episódios, inclusive aqueles que não são dirigidos diretamente por ele, há uma predileção por rondar os personagens com giros enquanto eles travam algum tipo de discussão entre si ou na utilização da câmera lenta para alavancar expectativas dramáticas. O trabalho de direção de arte é muito eficaz ao retratar o excesso de formalismo nos ambientes do tribunal e da promotoria, reforçando que se trata de uma produção de época através de pequenos detalhes, como nos aparelhos telefônicos e nos poucos eletrônicos que existiam na época, mas não deixa de explorar certa extravagância no quartel general da equipe de defesa, mas principalmente na mansão de OJ que ostenta seus prêmios, troféus e até mesmo uma estátua em tamanho real no jardim. Há ao longo da série algumas composições envolvendo os núcleos da defesa e da acusação que são assertivas, principalmente quando discussões entre os dois lados do caso são intercaladas para evidenciar a estratégia que será empregada em cada um deles com uma boa dinâmica estabelecida pela montagem. O que não se apaga em nenhum momento, no entanto, nem mesmo nos melhores momentos da equipe de defesa, como no interrogatório dos policiais ou no lance sobre as luvas, é a existência de um tom cômico e às vezes até jocoso ao ilustrar os movimentos e os personagens da equipe de defesa de OJ, apresentando as situações carregadas de um humor involuntário ou ocasional.
O trabalho da promotoria, por exemplo, é apresentado de maneira séria, competente e dotado de uma postura dramática e emocional reconhecíveis, embora não esteja isento de erros de julgamento, equívocos humanos e falhas processuais, afinal Márcia e Christopher são apresentados como advogados competentes, porém imperfeitos, longe de representarem o impecável estereótipo hollywoodiano. Já a defesa de OJ não deixa de ser apresentada também como uma equipe profissional formada por até cinco advogados de primeira linha, considerado como o “Time dos Sonhos” pela imprensa, mas parece que em alguns momentos o deboche e o sarcasmo tomam conta desse núcleo, quase sempre proposital, especialmente pela maneira como as suas manobras são ilustradas, além das já citadas, mas também na montagem e remontagem do júri, na redecoração da mansão de OJ e até mesmo pelos atores escolhidos para defendê-los. É como se a própria série não quisesse que o espectador os levasse a sério, uma postura que afeta a imparcialidade e enfraquece um pouco o apelo da série ainda que a narrativa permita que a defesa celebre pequenas vitórias em escala exponencial ao ponto de inflamar os americanos e a opinião pública com relação a fatos secundários e de importância relativa dentro do caso, mas que no final das contas acabam sendo cruciais e determinantes, especialmente para os jurados responsáveis por decidir o caso.
Cuba Godding Jr. realiza um bom trabalho de composição ao usar o seu limitado repertório de atuação para ilustrar a fragilidade emocional de um homem frio, calculista, fraco, perturbado, instável e covarde que se mostra imaturo e incapaz de lidar de maneira responsável e apropriada com a gravidade absurda do ato criminoso e violento em que está inserido. Para o bem ou para o mal, o OJ de Cuba Godding Jr. é dissimulado e um péssimo ator. A ótima Sarah Paulson já interpreta com vigor e delicadeza uma figura emocionalmente oposta já que é mãe de dois filhos, enfrentando um divórcio litigioso e que se mostra uma mulher firme, justa, corajosa, destemida e determinada, afinal ela acredita incondicionalmente que condenar OJ é a melhor forma de fazer justiça a favor das vítimas e suas famílias, inclusive a de Ronald que em meio à discussão acaba se tornando uma nota de rodapé em função da repercussão midiática sobre os personagens mais famosos envolvidos no crime. E ainda assim ela enfrenta com sensibilidade e coragem as artimanhas secundárias utilizadas para desestabilizá-la, inclusive as ações da imprensa sensacionalista e as impressões causadas pelo seu cabelo ou pelas roupas que usa, mas sem deixar de ser uma mulher forte ainda que ocasionalmente vulnerável.
Em uma atuação dramática relativamente convincente, David Scwimmer interpreta Robert Kardashian, amigo íntimo há mais de 20 anos de OJ, sendo apresentado como uma das pessoas que mais se abalaram com o envolvimento de alguém tão próximo a sua família em um crime tão bárbaro, mas que jamais deixou de apoiar o amigo, inclusive trabalhando ao lado da equipe de advogados da defesa, mesmo nos seus momentos de maior dúvida e que vão se tornando cada vez mais críticos, o que o torna uma figura humana bastante reconhecível aos olhos do espectador. Já John Travolta, que também é produtor da série, surge com um visual esticado e bizarro, atuando de maneira afetada e caricata na pele do vaidoso e orgulhoso Robert Shapiro, advogado de defesa de OJ, que até tem lá seu nível de excentricidade atraente e alguns bons momentos, mas o resultado é bastante irregular, sendo que a presença de Travolta acaba sendo mais distrativa do que útil. Nathan Lane se mostra muito mais à vontade na pele do advogado F. Lee Bailey que tenta ser uma espécie de conciliador entre os egos da equipe de defesa, embora ele mesmo também não veja a hora de ter o seu momento para aparecer e brilhar. Kenneth Choi é uma gratíssima surpresa como o juiz Lance Ito, afinal o seu personagem tem uma postura bastante racional e protocolar diante do que está acontecendo ao seu redor, mas ainda assim não deixa de mostrar bom senso e outras virtudes que revelam um pouco da sua conduta humana.
Em um universo onde mentiras e teorias conspiratórias podem ter o mesmo peso que provas e circunstâncias incontestáveis e que a vida pessoal de advogados, promotores, juízes e jurados pode se tornar uma importante parte da narrativa mesmo a contragosto, “O Povo Contra OJ Simpson” é uma série contundente sobre a manipulação da justiça, a influência da imprensa e a histeria coletiva em uma narrativa sobre manobras e distorções que parece se interessar apenas em reproduzir a história que mais convém para o discutível gosto da opinião pública em que a verdade e a justiça podem se tornar meros detalhes.
9.0/10
Desventuras em Série (1ª Temporada)
3.9 600 Assista AgoraDESVENTURAS EM SÉRIE - 1ª TEMPORADA
O deboche, o sarcasmo e o humor negro presentes em “Desventuras em Série” tornam a série uma produção atraente e exótica ainda mais quando amparada sob uma qualidade técnica criativa e refinada. Baseada na obra Daniel Handler, que a escreveu sob o pseudônimo de Lemony Snicket e que já gerou um ótimo e subestimado filme em 2004 protagonizado por Jim Carrey, essa produção da Netflix procura adquirir personalidade própria e ampliar o universo fantástico dos órfãos Baudelaire, encarregando o talentoso Neil Patrick Harris da missão de interpretar o vilão Conde Olaf que fará de tudo para colocar as mãos na herança deixada pelos pais aos filhos Violet (Malina Weissman), Klaus (Louis Hynes) e Sunny Baudelaire (Presley Smith).
Contando com um material de origem dividido em treze livros, “Desventuras em Série” explora quatro deles nessa primeira temporada de oito episódios, sendo que os roteiristas responsáveis pela série são eficientes ao trazer uma cadência para o estabelecimento da premissa, a apresentação dos personagens principais e trazendo uma gama de outros personagens e elementos que dão uma maior percepção sobre o dilema inicial dos órfãos até culminar no casamento de fachada entre o Conde Olaf e Violet. Entretanto, isso não quer dizer que todas as escolhas da série são assertivas, afinal as ações que ocorrem na casa do Dr. Montgomery (Aasif Mandvi), por exemplo, conseguem ser divertidas em um primeiro momento, mas os detalhes criminais são arrastados justamente por entender que fidelidade é sinônimo de qualidade quando havia a necessidade de cortes e ajustes pontuais para enxugar os seus desdobramentos. Sob a direção geral de Barry Sonnenfield, a série em termos gerais até tem um bom ritmo, como na eficiente dinâmica que cerca o núcleo da tia Josephine (Alfree Woodard), mas não tem como não se incomodar com a mão pesada do diretor na condução pouco inspirada das sequências que se passam durante o furacão, seja em pleno mar ou na destruição provocada na casa de Josephine, localizada a beira de um precipício, mesmo com o auxílio de bons efeitos especiais. Já no núcleo ambientado em uma serralheria em que os operários são hipnotizados e que o Conde Olaf não é o único agente dos planos malévolos, os eventos são burocráticos e os personagens adicionais são desinteressantes e pouco atraentes, forçando a temporada a um encerramento bastante anticlimático diante dos eventos apresentados.
Outra escolha narrativa de aspecto discutível é a presença efetiva do próprio escritor Lemony Snicket (Patrick Warburton) que se torna um importante personagem mesmo funcionando apenas como um onipresente narrador encarregado de entregar as principais pérolas do humor negro que dão o tom das desventuras enfrentadas pelos órfãos ao longo da série. Esse artifício, no entanto, acaba se tornando em alguns momentos uma muleta narrativa, especialmente quando serve para explicar o que deveria ficar subentendido, como a função de uma ironia dramática, a explicação de ditos populares ou justificar ações paralelas, por exemplo. O roteiro contudo tem um senso de humor bastante peculiar, especialmente ao explorar a ingenuidade dos adultos em detrimento da sagacidade das crianças, personificado da melhor/pior forma possível pelo Mr. Poe (K. Todd Freeman), que até permite certa oscilação cômica dentro de um mesmo episódio, afinal nem todas as piadas são inspiradas, embora geralmente saiba extrair graça da limitação intelectual de Conde Olaf no uso de termos errados e palavras fora de contexto ou de situações bizarras ou politicamente incorretas, como ao explorar as crianças no trabalho escravo. Há espaço para metalinguagens envolvendo filmes de gênero, especialmente os de aventura e terror, brincadeiras com o UBER e até uma piadinha interna favorecendo a Netflix em comparação ao cinema (o que é engraçadinho, mas é uma tremenda bobagem por melhor, mais útil e importante que seja o serviço de “streaming”). Já o virtuosismo técnico da produção salta aos olhos seja pela caprichada fotografia que intercala tons quentes e frios ou os cenários criativos, coloridos e atrativos das casas da juíza Justice Strauss (Joan Cusack) ou do Dr. Montgomery que contrastam com a mórbida, cinzenta e opressiva arquitetura da mansão do Conde Olaf ou da obscura casa da tia Joephine, além dos figurinos que brincam sutilmente com diferentes épocas e a destacável maquiagem, especialmente as diversas utilizadas por Olaf.
Neil Patrick Harris já havia demonstrado especialmente na série de “How I Met Your Mother” que era muito mais do que um comediante e sim um “show man”, um ator versátil e completo para ser mais justo (como todos os atores deveriam ser, diga-se de passagem). Aqui ele tem a oportunidade de explorar com competência uma série de possibilidades artísticas, como a dança e o canto, além de um repertório de sotaques e recursos cômicos ao interpretar diversos personagens com tempo e dedicação para torná-los diferentes, excêntricos e marcantes, auxiliado por um caprichado trabalho de caracterização. A série é seu palco e mesmo que ele não seja excelente em todas as suas escolhas (o italiano Stefano é mais bem explorado do que o Capitão Fraude enquanto a sua performance como Shirley é decepcionante), ainda assim ele esbanja virtuosismo. Malina Weissman é uma atriz graciosa, carismática e com bastante potencial, Louis Hynes funciona para o seu tipo de personagem, mas sem muito apelo ou carisma e Presley Smith é um adorável e encantador bebê que rouba praticamente todas as cenas em que participa ativamente. Joan Cusack é outra atriz que consegue deixar a sua marca com uma participação cativante e marcante. Se Aasif Mandvi se mostra um ator simpático e carismático ao interpretar Montgomery como um homem bondoso e ingênuo, Alfree Woodard já parece carregar no tom caricato e afetado de tia Josephine que se apresenta como uma mulher neurótica e carente. Já Don Johnson e Catherine O´Hara que aparecem nos dois episódios finais são duas presenças aborrecidas e frustrantes.
Contando com uma sequência de abertura cantada pelo próprio Neil Patrick Harris e que possui pequenas adaptações a cada episódio, “Desventuras em Série” é uma série que explora parcialmente seu potencial já que é engessada pela estrutura episódica da obra que serve de fonte de inspiração, apresentando uma temporada repleta de altos e baixos que confia tanto no material que tem em mãos que não consegue perceber quando funciona melhor ao ser explorado em doses homeopáticas ou em uma versão mais estendida. Apesar do seu tom melancólico e pessimista, a série consegue ser cativante na maior parte do tempo, pois é capaz de extrair doçura e delicadeza até mesmo das mais cruéis e bizarras desventuras enfrentadas pelos órfãos, mas creio que Lemony Snicket certamente me chamaria de tolo por acreditar em tudo isso e essa contradição é o que confere o charme tão especial presente em “Desventuras em Série”.
7.0/10
The Affair: Infidelidade (2ª Temporada)
4.3 82 Assista AgoraTHE AFFAIR – 2ª TEMPORADA
Após um final de primeira temporada morno, “The Affair” amplia o seu jogo de percepções adultas, maduras e imaturas, em sua temporada seguinte ao apostar não apenas nos pontos de vista de Noah (Dominic West) e Alisson (Ruth Wilson), mas também nos de Helen (Maura Tierney) e Cole (Joshua Jackson), ou seja, de maneira definitiva e categórica os quatro representantes da trama amorosa, sejam amantes ou traídos, tornam-se protagonistas da série e, mesmo que indiretamente, possuem vidas próprias dentro da temporada. Curiosamente, essas novas perspectivas correspondem ao que há de mais interessante nessa segunda temporada já que a relação Noah/Alisson dá uma leve esfriada enquanto a subtrama policial continua sendo uma âncora narrativa com suas doses homeopáticas de mistério que engessam a série até que a partir da segunda metade passam a contribuir mais em função de um abrupto salto no tempo da narrativa.
Em sua maior parte, os episódios dessa segunda temporada possuem roteiros muito bem alinhados já que funcionam isoladamente, costurados de maneira orgânica já que mesclam diferentes núcleos e uma estrutura narrativa muito parecida com os da temporada anterior, sendo que cada um dos núcleos corresponde a um momento do passado da vida dos personagens visto em retrospecto, sendo que cada início ou final de episódio se dedica a mostrar a ação de cada um deles em um tempo presente que se concentra, dessa vez, no processo de acusação enfrentado por Noah pelo crime que foi cometido na temporada passada (com a adição de um tom de fotografia diferente para oferecer uma fácil identificação visual). Há um único episódio nesta temporada, bastante eficiente por sinal, que se dedica a mostrar as ações dos quatro personagens em diferentes momentos de um mesmo dia, durante uma tempestade, quebrando um pouco a estrutura de dividir cada episódio com a visão de apenas dois deles de cada vez (ainda assim o estremecimento da relação entre Noah e sua filha Whitney é pouco explorado a partir deste). O que se reforça muito nessa temporada também são as versões do masculino e do feminino sobre os eventos que rondam as vidas dos personagens, logo uma discussão a respeito de amor, sexo, casamento e filhos acaba tendo conotações distintas quando o ponto de vista é assumido por Noah/Cole ou Alisson/Helen, inclusive com alguns personagens coadjuvantes ou secundários, colaborando de maneiras diferentes de acordo com cada perspectiva.
A influência de um veterano casal (Peter Friedman e Joanna Gleason) que cede à casa de hóspedes para Noah e Alisson também oferece diferentes perspectivas sobre o histórico dos personagens, especialmente para ela que parece viver à margem de tudo ou quase sempre em compasso de espera como se ninguém fosse capaz de enxergá-la de verdade até que em função da sua própria insegurança acaba se colocando no meio de outro dilema delicado que se torna um importante elemento do principal fio condutor da metade final da temporada. Apesar do salto no tempo visto nessa parte soar um tanto quanto repentino e gerar desconforto diante dos conflitos que deixou pra trás, a temporada não demora muito tempo para se restabelecer justamente por trazer as ações dos personagens a um período mais próximo ao da tal investigação criminal, o que não justifica, mas de certa forma compensa essa mudança de tempo inesperada por parte da narrativa (o episódio mais irregular acaba sendo mesmo aquele em que Alisson está instalada em uma espécie de spa espiritual por influência da mãe, onde o roteiro escancara interpretações emocionais dos personagens).
Da forma como é desenhada, a segunda temporada permite que haja um melhor equilíbrio entre os personagens e até mesmo as atuações se tornam mais homogêneas. Se na primeira temporada, a ótima Rachel Wilson foi o grande destaque, aqui Dominic West consegue desempenhar um trabalho mais seguro e competente na pele de um sujeito cada vez mais egocêntrico, egoísta e imaturo, mas que dependendo do ponto de vista ainda é capaz de demonstrações típicas de um homem apaixonado e generoso, embora West seja o ator menos talentoso e versátil do quarteto principal. Maura Tierney tem a possibilidade de ampliar ainda mais a complexidade dramática da sua personagem com uma atuação intensa e visceral, sendo responsável por alguns dos melhores momentos da temporada, como quando Helen tem um surto de irresponsabilidade, desabafa diante da pressão exercida pela mãe ou não sabe como se comportar quando se envolve com o médico do filho. Dessa vez, Joshua Jackon também realiza um trabalho contundente através de uma composição melancólica que torna Cole uma das figuras mais trágicas e amarguradas da série já que possui uma natureza romântica que foi reprimida diante dos últimos eventos traumáticos, inclusive com terríveis segredos de família sendo revelados, equilibrando-se quase sempre no fio da navalha já que parece não ter esquecido Alisson, o que pode ter uma reviravolta a partir do seu encontro com Luisa (Catalina Sandino Moreno), uma imigrante ilegal equatoriana que está a trabalho em Montauk e que se mostra uma mulher atraente e de personalidade forte.
Nesta segunda temporada, Noah, Alisson, Helen e Cole parecem cada vez mais desconectados, mas ainda assim carregam dentro de si os efeitos provocados pelos eventos do passado que estabeleceram uma nova ordem em suas vidas, mas que também é difícil de ser encarada, o que de certa forma os aproximam ainda mais. O episódio final traz uma série de conveniências e coincidências que tem o objetivo de costurar os destinos dos personagens diante de um crime acidental que coloca Noah diante de um forte dilema ético e moral perante Alisson e Helen, deixando Cole um pouco fora do contexto central, pelo menos a princípio. Dessa forma, a segunda temporada de “The Affair” consegue ser bastante superior à primeira, tornando-se uma série mais interessante, ambiciosa e complexa por ampliar os pontos de vista e promover um alcance maior de sua narrativa sem ficar totalmente presa a sua sedutora estrutura.
8.0/10
The OA (Parte 1)
4.1 981 Assista AgoraTHE OA - 1ª TEMPORADA
“The OA” é uma série essencialmente estranha e bizarra, logo potencialmente instigante e curiosa, ainda que confusa e irregular. É uma série bipolar já que ao mesmo tempo em que desperta o interesse, também é capaz de provocar aversão. Iniciando a partir de uma filmagem que mostra uma mulher saltando do alto de uma ponte, logo em seguida se estabelece que ela não apenas sobreviveu à queda, mas que é Praire Johnson (Brit Marling), filha adotiva de Abel (Scott Wilson) e Nancy (Alice Krige) e que estava desaparecida há sete anos. A sucessão de excentricidades não para por aí, afinal a jovem era cega e retornou com plena visão, embora se mostre visivelmente confusa e traumatizada com a experiência que enfrentou durante esse período de tempo, o que amplia a repercussão midiática em torno do caso. Sem ter o interesse de oferecer muitas respostas até para manter o clima de mistério, a série criada pelo diretor Zal Batmanglif ao lado da ótima atriz Brit Marling aposta na suspensão da descrença para criar uma narrativa que tecnicamente explora a luz através de uma límpida fotografia branca e de tons claros e cuja temática flerta com mitologia, espiritualidade e paranormalidade.
A partir do momento que a narrativa se encarrega de mostrar a infância de Praire, seu passado trágico e traumático ambientado na Rússia que a conduziu aos Estados Unidos até o processo de adoção que a colocou no caminho de Abel e Nancy, a série vai indicando uma linha narrativa que oferece pistas sobre a sua condição especial com episódios premonitórios e uma influência espiritual em um plano astral aparentemente relacionada com seu pai biológico decorrentes da experiência de quase morte que ela teve quando criança. Esse elemento, por sinal, é responsável pelas principais presepadas simbólicas e metafóricas existentes na narrativa que funciona em passagens lúdicas cujo visual se assemelha com um mapa astrológico misturado com clipe de música eletrônica em que a fotografia aposta na falta de luz natural e em tons mais escuros. Em contrapartida, o misterioso Dr. Hunter Hap (Jason Isaacs), “Caçador de Acasos” na tradução literal ou “Caçador de Anjos”, como é chamado por Praire, acaba sendo o personagem mais interessante e interessado em fazer as principais perguntas e oferecer as maiores respostas a algumas das dúvidas centrais da trama, mudando inclusive a percepção quanto ao desaparecimento de Praire de maneira direta e efetiva, o que não deixa de ser uma solução assustadora, mas bastante crível e palpável diante dos objetivos nada ortodoxos de suas experiências. Ao focar no período de Praire em um cativeiro que mais se parece com um laboratório, a narrativa gera momentos de genuína tensão, como quando Praire coloca soníferos na comida de Hap, e o drama se expande a partir da inserção de outros personagens que foram igualmente capturados, especialmente Homer (Emory Cohen, fraco) por quem ela se afeiçoa, e que parecem demonstrar algum tipo de habilidade especial, adquirida pela experiência de quase morte. Ainda assim não deixa de ser frustrante que em meio a tantas alegorias inventivas e surreais, a recuperação da visão de Praire se dê por um artifício tão raso e sem criatividade por parte do roteiro (não pelo significado da experiência, mas pela execução em si).
Nesse processo de redescoberta sobre seu passado, Praire reúne cinco moradores da pequena cidade em que mora, sendo que cada um deles possui a sua parcela de problemas, traumas e segredos e, embora ofereçam boas atuações, apresenta conflitos mundanos e histórias paralelas de apelo apenas moderado e que tomam uma atenção apenas parcial da narrativa, sem nunca decolar, mas que de certa forma buscam justificar que a escolha por eles não teve nada de casual, como se fossem um grupo de escolhidos, embora a razão dessa reunião não seja clara desde o início, afinal existe uma conveniência narrativa que serve para justificar a narração da história através de “flashbacks” pontuais e da ausência diária de Praire e dos demais de suas casas por pelo menos uma hora ou pelo menos para durar o tempo que for necessário. Ainda que a opção de deixar a porta de entrada de suas casas aberta e engolir pássaros e peixes sirvam mais como recursos enigmáticos presunçosos, nada se compara às coreografias bizarras que permitirão a viagem de Praire entre as diferentes dimensões, uma alegoria que resume a excentricidade recorrente e de apelo discutível que permeia a série.
Infelizmente, a série acaba ficando refém dessa estrutura narrativa picotada que compromete sensivelmente a evolução da narrativa em cativeiro, onde há uma passagem de tempo de pelo menos três anos com a sustentação de uma única ideia ou de dois anos para outra, como se nada mais relevante ocorresse em nenhum desses períodos, o que é um recurso bastante preguiçoso. E, no final das contas, Praire acaba se revelando uma ótima contadora de histórias já que amarra a sequência de eventos que deve ser revelada em cada uma das conversas com seus cúmplices com cortes dramáticos precisos e uma capacidade de memorização impressionante, sem se preocupar com a explicação de certas inconsistências já em um determinado momento, o fingimento de consciência perante Hap durante as experiências permite que os capturados avancem em suas descobertas, mas em seguida a plena consciência não se torna um empecilho. O que não justifica, no entanto, que a série cometa uma sabotagem contra si mesma com a sugestão que faz em seu final através da descoberta de livros, mesmo que seja para criar apenas uma falsa impressão.
Com oito episódios que alternam entre passado e presente, entre a trajetória dos capturados e dos escolhidos, mas sem o mesmo interesse ou a mesma regularidade, “The OA” (abreviação em inglês para “O Anjo Original”) se apresenta como uma série incomum que parece se contentar com essa condição, mas seu apelo dramático se mostra eficiente apesar disso já que constrói a sua primeira temporada com boas doses de suspense e tensão acerca dos seus mistérios como se fosse um conto surreal sobre a passagem entre a vida e a morte, sendo que a proposta e a sua condução, mesmo sofrendo pela falta de foco e cometendo alguns equívocos imperdoáveis durante o processo, acaba sendo até mais atraente do que propriamente a resolução em si. Logo, assim como a vida, a experiência de vivê-la acaba sendo muito mais atraente do que saber o que realmente existe além dela. Ou será que não?
7.5/10
3% (1ª Temporada)
3.6 772 Assista AgoraComentário extraído do blog ARGUMENTÁRIO - Um espaço de idéias e reflexões
3%
Primeira produção brasileira da NETFLIX, “3%” é uma série dramática com pano de fundo de ficção científica que parte de uma distopia para estabelecer um discurso ideológico e social. Em um futuro talvez não muito distante, a sociedade se divide entre fartos e escassos e, aos 20 anos de idade, as pessoas são submetidas a um desgastante processo de seleção em que apenas 3% dos candidatos fazem por merecer a oportunidade de ingressar na utópica cidade de Maralto, lar dos fartos. Esse potencializado e distorcido conceito da meritocracia é capitaneado por Ezequiel (João Miguel), responsável pela coordenação do Processo, mas que vem sendo questionado a partir do registro do primeiro crime da História de Maralto, o que pode colocar em xeque os métodos de seleção pela primeira vez em mais de 100 anos. A jovem Michele (Bianca Comparato) é uma das candidatas que pretendem ascender socialmente com a esperança de reencontrar o namorado do lado de lá e durante o processo ela irá interagir com outros que possuem a mesma ambição em uma disputa que pode ser de vida e de morte.
Sob a direção geral do experiente diretor de fotografia Cesar Charlone (“Cidade de Deus”, “O Jardineiro Fiel”, “Ensaio Sobre a Cegueira”), a série tem uma qualidade de produção bastante destacável, especialmente por fazer o uso dos bons efeitos especiais de maneira eficiente e prática que realçam o visual estéril e “clean” da direção de arte e capturado por uma fotografia de tons ora claros, ora acinzentados. A trilha sonora que explora alguns clássicos da MPB em versões descoladas e/ou diferentes da que estamos habituados a escutá-las ajuda na construção do clima de estranheza da distopia, mas sem perder a essência das melodias tipicamente brasileiras. Aliado à montagem dinâmica, Charlone sabe construir tensão e suspense e, mesmo que se precipite um pouco com o uso da câmera na mão ou de zooms rápidos, o senso de urgência da narrativa é palpável e orgânico, especialmente na prova do túnel de gás ou durante um episódio que se passa dentro de uma prisão. Algumas soluções estéticas acabam sendo mais discutíveis que outras, como o uso de uma espécie de gosma para cobrir os olhos ou os uniformes rasgados dos fartos, e algumas escolhas narrativas são frágeis já que em alguns momentos há a sensação de que o Processo tem um grave problema de número de funcionários já que em diferentes situações os mesmos colaboradores se apresentam para o serviço, chegando ao ponto do próprio Ezequiel se expor, o que dá uma incômoda sensação de improviso ou limitação. Questiona-se também a existência não apenas de um, mas de dois importantes participantes que ingressam no processo de seleção de maneira ilegal, sendo que eles seriam fisicamente desmascarados com um simples exame médico presencial, o que convenientemente não acontece.
A metáfora é óbvia, mas muito bem ilustrada e defendida pela narrativa e mesmo que alguns diálogos sejam expositivos ou que as provas tenham um efeito didático, os conflitos entre os participantes levantam importantes discussões sobre a ambição e o individualismo em detrimento da vida em sociedade, valores morais sendo distorcidos em favor de valores materiais, um viés religioso que flerta com a doutrinação alienatória, a disputa entre classes sociais e uma série de outros elementos que buscam reacender o que ainda resta de humanidade e solidariedade entre os participantes. Nesse aspecto, a Causa, organização rebelde que luta contra o Processo, infiltra integrantes para derrubar a ordem dominante ao passo que Ezequiel e os membros do Conselho se mostram cada vez mais dispostos a manter o “status quo”. Os mistérios envolvendo os passados de alguns personagens, especialmente Michele e Ezequiel, servem para criar um clima de instabilidade dentro da narrativa que ajuda na construção de uma espécie de conspiração ainda que tímida e silenciosa e os “flashbacks” funcionam para dar uma maior complexidade dramática aos personagens que não se resumem a meros mocinhos e vilões. O episódio “Água”, por exemplo, que revisita o passado de Ezequiel é de uma poesia narrativa inebriante cuja emoção transborda, apresentando-se como o ponto alto da temporada.
De maneira geral, o elenco é muito bom e todos têm a sua chance de brilhar. A jovem e talentosa atriz Bianca Comparato se apresenta como uma protagonista forte e carismática de trajetória trágica e melancólica. João Miguel realiza um metódico trabalho de composição repleto de nuances que torna Ezequiel uma figura fria e imprevisível, servindo como um enigmático e complexo antagonista. Mel Fronckowiak é uma grata surpresa e tem a oportunidade de interpretar Julia, esposa de Ezequiel, em um nível de atuação altíssimo, trazendo emoção à flor da pele em um trabalho marcante e impactante. Michel Gomes também merece destaque pela sua intensa e sensível interpretação de Fernando, um obstinado cadeirante, embora se enfraqueça um pouco quando ele se transforma em um mocinho romântico e idealista. Vaneza Oliveira tem uma forte e hipnotizante presença de cena na pele de Joana, uma jovem amarga e traumatizada, e Rafael Lozano esbanja simpatia e segurança como um autêntico líder de grupo que passa por um radical arco dramático. Já Rodolfo Valente tem uma qualidade de atuação que oscila, mas em escala crescente ao se apresentar como Rafael, um personagem ambíguo que varia entre o moralmente repulsivo e o típico anti-herói.
Originada a partir de um curta metragem lançado em 2011 por Pedro Aguilera, criador e principal roteirista da série, “3%” apresenta uma riquíssima primeira temporada em oito episódios que avançam muito além da analogia social de sua premissa e em nenhum momento sacrifica a narrativa, afinal também funciona como uma ótima e excitante peça de entretenimento. Inconclusivo, o desfecho é pessimista e anticlimático já que sugere que a série assumirá diferentes linhas narrativas em uma próxima temporada, inclusive dando mais espaço ao universo dos escassos, mas a sensação de dever cumprido é nítida pelo apelo e pela eficiência da sua proposta que faz por merecer o seu devido reconhecimento.
8.5/10
Falling Skies (2ª Temporada)
4.0 161ESTE COMENTÁRIO COMPLETO E OUTROS PODEM SER LIDOS EM:
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FALLING SKIES - 2ª TEMPORADA
Sem apresentar uma evolução consistente em comparação à primeira temporada, inclusive com relação aos efeitos especiais, “Falling Skies” acaba sendo incapaz de fugir da sua zona de conforto, resultando em uma segunda temporada frustrante que mais uma vez desperdiça o potencial da sua premissa e dos conflitos que poderiam ser gerados a partir dela para servir de base apenas para dramas de apelo frágil, ação de resultado bastante limitado e uma pequena dose de tensão e suspense. Dessa forma, a falta de ambição e de coragem de “Falling Skies” mais uma vez compromete sensivelmente o apelo da série.
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The Crown (1ª Temporada)
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THE CROWN – 1ª TEMPORADA
“The Crown” é uma produção grandiosa e sofisticada da NETFLIX que acompanha a ascensão política da rainha Elizabeth II (Claire Foy) e a sua evolução emocional durante esse processo. Criada, escrita e produzida pelo experiente roteirista Peter Morgan (“O Último Rei da Escócia”, “A Rainha”, “Frost/Nixon”, “A Outra”), a série lança um olhar sóbrio e romântico sobre um período de tempo da história da Inglaterra, mais especificamente da família real britânica que tem elementos dramáticos tão humanos e universais que de certa forma servem para desmistificar o mito com uma linguagem narrativa cinematográfica de apelo retumbante. É também uma série de viés político que disseca os meandros da monarquia parlamentarista como um reduto ocupado por políticos velhos e ultrapassados e uma realeza ainda cercada de pompa, circunstância e burocracia.
A série também é produzida pelo talentoso diretor Stephen Daldry (“Billy Elliot”, “As Horas”, “O Leitor”), diretor dos dois primeiros episódios da temporada, e que teve a oportunidade e a responsabilidade de se cercar de uma equipe técnica irrepreensível que reveste a série de uma qualidade que salta os olhos, desde os detalhes da direção de arte, especialmente nos ambientes internos, os figurinos exuberantes e refinados, a trilha sonora clássica e elegante, a fotografia que explora melancolia e sofisticação através da oscilação de tons e filtros, entre tantos outros elementos que permitem que o espectador tenha um cristalino sentimento de imersão. E esse sentimento legitima e corrobora um importante ponto de vista da série já que ela acompanha a trajetória de Elizabeth através de uma perspectiva interna da família real que é comumente registrada pelos canais de televisão, jornais e revistas, especialmente a mídia britânica. Ou seja, a perspectiva da série é de focar os membros da Coroa Britânica longe dos holofotes, ou melhor, do outro lado dos holofotes.
A narrativa se inicia a partir dos últimos meses do reinado de George VI (Jared Harris), mas ocasionalmente tem “flashbacks” anteriores a esse período, e passa a investigar os bastidores familiares e políticos que acompanharam a ascensão de Elizabeth à rainha da Inglaterra, seus dilemas por ser mulher, filha, irmã, esposa e mãe, mas especialmente no seu processo de transformação para uma figura soberana e de liderança. Nesse ponto, com mais ou menos conhecimento, ela precisa encarar a nova rotina de maneira sábia e articulada, ora covarde, ora silenciosa, até mesmo para lidar com as desavenças que passam a existir na relação dela com o marido, o duque de Edimburgo (Matt Smith), um homem orgulhoso que faz inúmeras concessões, inclusive da sua própria nacionalidade, mas precisa aprender a viver à sombra da esposa agora com o título de príncipe Philip; ou ainda com sua extrovertida irmã, a princesa Margareth (Vanessa Kirby) que passa a se envolver secretamente em uma relação amorosa com Peter Townsend (Ben Miles), um homem casado, ex-oficial da aeronáutica britânica e funcionário da realeza, o que pode expor à Coroa Britânica indevidamente. Em ambos os casos há um conflito constante entre a perda da individualidade a partir do momento em que Elizabeth torna-se a mais alta representação da Monarquia, mas que invariavelmente afeta todos ao seu redor até mesmo a Rainha-Mãe Isabel (Victoria Hamilton) que também precisa enfrentar uma nova realidade, emocional e diplomática, a partir da morte do rei George VI, seu marido, e a ascensão de Elizabeth II, sua filha.
A série também dá destaque à disputa de poder político a partir da reeleição de Winston Churchill (John Lithgow) como primeiro-ministro, um político vaidoso e experiente, mas que dava sinais de desgaste não apenas pela idade avançada ou pelo seu estado de saúde, mas por não conseguir se colocar como um líder capaz de lidar com os problemas modernos da época. Através de episódios dinâmicos que possuem pequenos arcos dramáticos coerentes e coesos, a série esbanja apuro técnico e sensibilidade narrativa que alcançam resultados preciosos, como no episódio em que Londres é tomada por uma intensa neblina que traz consigo uma pesada e poluída cortina de fumaça que ilustra muito bem o jogo de cena político e a resistência e a sagacidade de Churchill como primeiro-ministro em uma melancólica contrapartida àquele marcado pelo processo de realização da pintura do seu auto-retrato em comemoração aos seus oitenta anos de idade; ou o que acompanha a coroação da rainha em uma clara demonstração do efeito que o poder tem sobre os sentimentos, traçando um belíssimo paralelo com a trajetória romântica e melancólica do duque de Windsor (Alex Jennings), irmão de George VI, que abdicou do trono como rei Eduardo VIII por se apaixonar por uma mulher divorciada e que irá repercutir intimamente na relação entre a princesa Margareth e Peter Townsend. Embora seja difícil de acreditar que Elizabeth, em maior ou menor grau, não tivesse em teoria sido preparada e/ou orientada para se tornar rainha, afinal na prática era a herdeira natural na linha sucessória (ela não teve uma educação convencional justamente por isso, mas fazia planos para ter uma “vida normal”), os naturais dilemas humanos aproximam à realeza dos seus súditos e, consequentemente, a qualquer ser humano da face da Terra por mais exótico que seja o universo em que ela está inserida.
Liderando um elenco extremamente competente, a britânica Claire Foy é uma grata e maravilhosa surpresa por conseguir devotar a sua personagem com delicadeza, sensibilidade e elegância, empoderando-se de um arco dramático complexo com muita segurança e propriedade, realizando um notável trabalho de atuação que transcende a expressividade do seu olhar enigmático e hipnotizante. O experiente John Lithgow também realiza um vigoroso e virtuoso trabalho de composição, tanto física como emocionalmente, que merece ser reconhecido com todos os prêmios possíveis em sua categoria, mesmo que a qualidade da sua atuação seja indiscutível e independa dessa condição. Jared Harris tem uma participação intensa e marcante como o rei George VI, tornando-se um poderoso e importante elo emocional para a trajetória de Elizabeth. Matt Smith parece destoar do restante do elenco com uma atuação irregular e demora a acertar o tom, mas à medida que o duque começa a sentir-se cada vez mais frustrado e desconfortável como príncipe Philip, a sua atuação vai se mostrando mais complexa e adequada. Já Vanessa Kirby e Ben Miles estão ótimos, esbanjam simpatia e carisma em cena, ela conduzindo com delicadeza e bom humor uma personagem intrépida, ele com um personagem mais sóbrio e sereno, mas de natureza romântica, formando um casal cativante que possui uma intensa jornada emocional.
Contando com 10 episódios que expandem o universo relacionado à Coroa Britânica, mas que individualmente são muito bem resolvidos em seus propósitos e que funcionam como filmes de média metragem que possuem seu próprio arco dramático, “The Crown” é uma série ambiciosa, muito bem produzida, dirigida impecavelmente e que corresponde de forma positiva em todos os seus aspectos através de uma envolvente e poderosa temporada. Vida longa à Netflix! Vida longa à série! Vida longa à Rainha!
10/10
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Falling Skies (1ª Temporada)
3.8 241FALLING SKIES - 1ª TEMPORADA
"Como uma série que mescla ficção científica e drama, “Falling Skies” tem um alcance limitado a partir do momento que acompanha um grupo de sobreviventes do ataque de uma raça alienígena que dizimou boa parte da população mundial."
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Lovesick (1ª Temporada)
4.0 99 Assista AgoraLOVESICK - 1ª TEMPORADA
"Lovesick" é uma série britância que tenta funcionar como uma comédia romântica que discursa sobre relacionamentos com o excêntrico humor britânico, porém o alcance é mínimo já que os episódios se revelam pouco inspirados, reunindo um amontoado de clichês e inserindo ocasionalmente aspectos politicamentos incorretos com a esperança de lançar algum tipo brilho próprio, mas sem muito sucesso.
Dylan (Johnny Flynn) é um jovem britânico de 20 poucos anos que é diagnosticado com clamídia e, por se tratar de uma doença sexualmente transmissível, decide alertar as suas parceiras sexuais do risco de contaminação. Esse pretexto pouco casual faz com que cada episódio receba o nome de uma ex-namorada e/ou transa casual com o propósito de que Dylan revisite suas antigas relações enquanto tenta resolver seus problemas presentes, porém o pretexto só revela a fragilidade das narrativas já que nem mesmo as personagens femininas são suficientes atraentes para despertar algum tipo de atenção. O grande problema de "Lovesick", no entanto, é que o próprio Dylan é um personagem desinteressante, logo fica difícil dar credibilidade a um sujeito que a medida que o tempo da narrativa vai e volta surge ora egoísta, ora inseguro, ora imaturo, ora imbecil. É um protagonista pouco carismático, extremamente problemático do ponto de vista narrativo e Johnny Flynn se mostra um ator tão limitado que fica difícil acreditar que não havia ninguém melhor nas audições para a série.
Em meio as narrativas sobre o presente e o passado de Dylan, seus dois melhores amigos surgem em cena e ajudam a tirar a série um pouco do marasmo. Luke (Daniel Ings) é o típico alívio cômico que costuma roubar a cena por se tratar de um sujeito mulherengo, que trata as mulheres como pedaços de carne e até mesmo pelo humor britânico contido na série não ser dos mais brilhantes, as suas piadas reducionistas, preconceituosas e até mesmo escatológicas, especialmente relacionadas ao sexo e as mulheres, acabam se destacando, nem sempre de maneira inteligente, mas quando consegue é um tiro certo e Daniel Ings acaba sendo o principal destaque da série. Já Evie (Antonia Thomas) é a melhor amiga de Dylan que nutre um sentimento romântico por ele, logo sofre ao longo da temporada ao vê-lo se relacionar com outras mulheres, tornando-se uma figura feminina sensível, mas ao mesmo tempo quando ela mesma se envolve com Dylan não faz muito por merecer nossa torcida já que o roteiro explora essa relação com uma conveniente displicência, o que acaba até prejudicando o trabalho de Antonia Thomas que se mostra uma atriz bastante esforçada.
Sem soar engraçado e/ou subversivo, "Lovesick" conta com apenas um episódio acima da média que é justamente o último por colocar em pauta os maiores dilemas entre os três personagens, pondo em risco até mesmo o futuro da amizade que nutrem, o que não deixa de ser um bom gancho para uma futura temporada. No mais, os episódios perdem a oportunidade de explorar a curiosidade que revisitar os mesmos personagens em diferentes períodos de suas vidas poderiam despertar (muito embora haja o registro físico), soando como mera desculpa para fazer com que eles ajam e/ou até mesmo pensem de maneira diferente apenas para atender a específica necessidade daquele determinado episódio. Ou não.
5.0/10
Black Mirror (3ª Temporada)
4.5 1,3K Assista AgoraBLACK MIRROR - 3ª TEMPORADA
Depois de duas temporadas intrigantes e inquietantes, embora irregulares, “Black Mirror” alcança um nível extraordinário de criatividade, sofisticação e de qualidade em sua terceira temporada. A série criada por Charlie Brooker (e mais uma vez roteirizada pelo mesmo) alcança o seu mais alto nível de maturidade e relevância artística já que lança um olhar bastante peculiar sobre a sociedade e o mundo que estamos construindo para as novas gerações e para tudo aquilo que a tecnologia pode servir com um alcance inimaginável, seja para o bem, seja para o mal, no alcance de um clique ou como uma arma.
Dirigido por Joe Wright (“Orgulho e Preconceito”, “Desejo e Reparação”), o primeiro episódio entitulado “Perdedor” acompanha a jovem Lacie (Bryce Dallas Howard), em um futuro não muito distante, em que a qualidade das relações sociais é medida através das qualificações que as outras pessoas lhe dão através do uso de um aplicativo de rede social que lhe concede notas ao seu comportamento. Através de um belíssimo trabalho de fotografia que explora tons de cores leves e uma direção de arte meticulosa e minimalista, auxiliada por efeitos especiais discretos e funcionais, o episódio funciona como uma alegoria da nossa atual sociedade que parece viver em função do status. O status social virou o novo capital, a nova moeda de troca dessa sociedade moderna e as pessoas são classificadas de acordo com o número de estrelas que conquistou ao longo da vida, indo de 0 a 5 estrelas. Essa classificação é o que permite que pessoas acessem determinados andares de um prédio, entrem em estabelecimentos e/ou tenham acessos a melhores serviços, logo para que Lacie adquira uma residência melhor para viver, já que o contrato de aluguel da casa que divide com o irmão está prestes a vencer, ela precisa aumentar a nota do seu status e a oportunidade de ser dama de honra de uma velha amiga da infância (Alice Eve, ótima), extremamente popular entre os mais populares, pode ser a sua chance de ouro. A jornada trágica de Lacie permite que gradativamente ela se distancie cada vez mais do seu objetivo inicial, porém é justamente esse martírio que vai tornando-a mais humana, mais transparente, sem a necessidade de utilizar máscaras e/ou se sustentar através de falsas impressões ou das opiniões de terceiros. Funcionando também como uma alegoria sobre as classes sociais, o roteiro escrito por Brooker ao lado de Rashida Jones e Michael Schur se mostra muito bem equilibrado pela direção sóbria de Wright que faz com que o episódio trace um arco dramático cínico, sensível e complexo extremamente competente e contundente, além de trazer uma atuação extraordinária por parte de Bryce Dallas Howard que sustenta a doçura, a insegurança e a revolta da sua personagem com uma condução dramática impecável, delicada, sensível, arrebatadora, avassaladora. É com louvor um dos pontos mais altos da sua carreira, afinal demonstra o seu brilhantismo como atriz em um episódio que beira a perfeição estética e narrativa. (9.5/10)
O segundo episódio explora a catarse através do suspense e do terror. Em “Versão de Testes”, Cooper (Wyatt Russel, filho de Kurt Russel e Goldie Hawn), um jovem viajante americano, aceita participar de um novo tipo de jogo interativo que explora o conceito de realidade virtual e acaba sendo desafiado a enfrentar um universo em que ele já não consegue mais distinguir o que é realidade ou não. Aqui, a narrativa demora a engrenar já que o roteiro antes de colocar o personagem dentro do jogo precisa estabelecer o “background” do personagem, entenda-se o seu repertório de viagens, a sua interação com uma jovem inglesa e até mesmo o seu passado traumático para que sejam devidamente explorados na realidade virtual. O personagem participa de três testes e cada um deles leva ao outro, porém o principal se passa dentro de uma casa abandonada onde ele irá lidar com seus próprios medos, sejam aqueles mais corriqueiros até outros com maior complexidade e carga emocional. Wyatt Russel demonstra ser um jovem ator bastante esforçado, ainda mais que ele acaba tendo que lidar com o fato de que seu personagem passa boa parte do episódio sozinho e precisa se comunicar e/ou descrever o que está acontecendo em cena, o que acaba sendo uma “muleta narrativa” limitada e em certos momentos cansativa. De qualquer forma, o episódio dirigido pelo competente Dan Trachtenberg (“Rua Cloverfield, 10”) não vai muito além do que sugere a premissa e mesmo sem alcançar nenhuma nota acima da média cumpre o seu propósito de maneira regular e moderada, mesmo que o seu clímax queira se favorecer de reviravoltas que realcem certa criatividade, mas que na verdade tornam a experiência apenas levemente curiosa e facilmente descartável. (6.5/10)
“Cala a Boca e Dance” é o terceiro episódio da temporada apresenta em sua narrativa um jogo mórbido e doentio que envolve uma série de personagens em uma rede de chantagens, forçando-os a realizarem uma série de tarefas sob a ameaça de que seus podres sejam revelados na Internet. O centro da narrativa é Kenny (Alex Lawter), um jovem introspectivo que passa a ser ameaçado depois que um vírus invade o seu computador e os “hackers” ameaçam divulgar um vídeo dele se masturbando na frente do computador. Sem ser absurdamente criativa, a trama avança e outros personagens igualmente ameaçados vão sendo apresentados e as tarefas vão se tornando mais críticas, especialmente para Kenny e Hector (Jerome Flynn), um homem de família que marcou um encontro com uma prostituta sem saber que estava sendo enganado. O maior apelo deste episódio é fazer com que o espectador compartilhe da tensão e do desespero vivido pelos personagens, estabelecendo uma natural relação de empatia para em seguida se ver confrontado com esse sentimento a partir do momento que os segredos de cada um deles veem à tona. Quem são as verdadeiras vítimas? Até que ponto a tortura psicológica é justificável? Será que em determinado momento não é o próprio espectador que passa a assumir a posição de inquisidor e/ou se colocar na pele do chantagista? Entre as atuações, o principal destaque fica por conta da corajosa performance de Alex Lawter que emociona e chama a atenção pela sua entrega e intensidade dramática, mesmo que o jovem ator cometa alguns excessos que às vezes deixam o personagem um pouco fora do tom. Já Jerome Flynn parece pouco à vontade em cena com uma atuação irregular e limitada, sendo facilmente eclipsado pelo jovem companheiro de cena. É um episódio eficiente, dinâmico, com certa dose de ação e cinismo e uma resolução satisfatória. (7.0/10)
O quarto episódio é um dos mais emocionais da temporada e apresenta uma versão lúdica e poética sobre a passagem entre a vida e a morte. “San Junipero” inicia-se em meados da década de 80 e marca o primeiro encontro entre a jovem e recatada Yorkie (Mackenzie Davis) e a independente e descolada Kelly (Gugu Mbatha-Raw) na cidade que dá nome ao título do episódio. Em um primeiro momento, o episódio parece deslocada do universo de “Black Mirror”, porém gradativamente a narrativa vai dando pistas que geram certa incerteza quanto à verdadeira natureza do tempo em que a história transcorre já que vemos Yorkie em San Junipero em intervalos de uma semana, sem envelhecimento, mas em diferentes épocas, como indicam os cartazes dos filmes “Pânico” (1996) e “A Identidade Bourne” (2002), em busca de um reencontro com Kelly até que ela reaparece, mas extremamente arredia diante da possibilidade de se envolver novamente com Yorkie. E a partir daí o episódio apresenta o seu principal segredo que insere a narrativa definitivamente em um futuro que oferece uma nova perspectiva para a trama e para a vida das personagens. Charlie Brooker cria uma história de amor sensível e envolvente a partir da trajetória de duas mulheres marcadas por tragédias e a alternativa de futuro oferecida a elas tem uma marca melancólica, porém não deixa de oferecer um conceito intrigante e fascinante em sua complexidade, afinal envolve elementos éticos, morais e emocionais riquíssimos. Em termos narrativos, há como se discutir a escolha tão tardia de Yorkie, afinal a sua tragédia ocorreu há muito tempo, logo seu dilema seria evitável e/ou passível de algum tipo de antecipação, porém o apelo do episódio supera esse “furo”. Mackenize Davis oferece uma atuação doce e deslumbrante, conduzindo com suavidade e leveza uma personagem feminina marcada por uma influência repressiva dos pais, mas que gradativamente amadurece e vai se tornando cada vez mais fascinada por Kelly. Esse deslumbramento romântico é muito bem defendido pela jovem atriz além de revelar o tom sensível do trabalho de direção de Owen Harris que por sua vez poderia ser mais ousado nas sequências mais românticas e intensas do casal. A jornada dramática de Kelly também é um dos pontos altos da narrativa, afinal oferece uma reflexão sobre os diferentes tipos de decisão que as pessoas tendem a tomar diante do dilema estabelecido pela premissa futurista e sobre o trauma que pode provocar na vida das outras pessoas. Gugu Mbatha-Raw oferece um trabalho irregular na sua versão jovem, afinal funciona muito bem quando compõe Kelly como o interesse romântico e “sexy”, mas diante da catarse dramática que envolve a sua personagem, ela peca um pouco pela falta de sutileza, o que deixa a sua atuação um tanto quanto aborrecida. Ainda assim, em suas passagens no futuro, Mbatha-Raw se mostra muito segura e competente. O desfecho é extremamente envolvente e emocional, mas confesso que esperava que o episódio permitisse que acompanhássemos o ponto de vista de Kelly caso ela tivesse tomado outra decisão (com direito até mesmo a um duplo reencontro), porém essa versão seria mais adequada a uma versão espiritual de “Black Mirror”, o que não é o caso. Da maneira como foi encerrado, o episódio se mostra mais coerente com a proposta cínica e melancólica da série embora explore ao máximo o potencial romântico da premissa estabelecida. (9.0/10)
Dirigido com eficiência por Jakob Verbruggen, “Reengenharia” é o episódio militar da temporada e apesar da sua alegoria ser óbvia e autoexplicativa, o apelo dele é suficientemente forte e contundente. Em um futuro impreciso, soldados são escalados para dizimar a ameaça de uma raça de seres que costuma ser denominada de “baratas”. Stripe (Malachi Kirby) é um jovem soldado em sua primeira missão que após contabilizar a morte de suas duas primeiras “baratas” acaba sofrendo os reflexos do que parece ser uma contaminação, porém é justamente a partir desse evento que ele passa a ver a realidade como ela é de verdade. A partir desse momento já é até possível se antecipar com relação à principal revelação da narrativa, porém a discussão que se estabelece a partir do encontro de Stripe e de uma barata assim como o dele com um terapeuta militar (Michael Kelly) permitem que se estabeleça um paralelo com os atuais processos migratórios, especialmente os que envolvem os países da Europa, a natureza da guerra e/ou de qualquer conflito armado com a devida demonização do inimigo e o próprio uso da tecnologia para fins militares que desvia os envolvidos cada vez mais da sua própria humanidade com propósitos seletivos. O roteiro tem alguns diálogos bastante expositivos, o que acaba prejudicando um pouco, porém o episódio é criativo em sua abordagem e corajoso em suas metáforas, logo não é à toa que cabe ao soldado negro o choque de consciência tão necessário ao conceito do episódio, afinal ele carrega o seu próprio histórico de discriminação. Malachi Kirby se mostra um jovem ator seguro e carismático, Michael Kelly empresta a sua gélida e marcante presença de cena com mais uma atuação impecável e Madeline Brewer também merece destaque na pele de Rainman, uma soldada sádica e que se torna a principal ameaça de Stripe. O melancólico desfecho é bastante simbólico diante da exposição do argumento apresentado neste eficiente episódio. (7.5/10)
“Odiados Pela Nação” é o último episódio da temporada e potencializa o veneno das redes sociais em uma trama policial absurda, porém a construção da narrativa legitima a sua premissa e faz com que o anonimato, o abuso das ofensas feitas na Internet e a banalização das “hashtags” sejam levados às últimas consequências. A experiente investigadora Karin Parke (Kelly MacDonald) e a novata Chloe Blue Perrine (Faye Marsay) são envolvidas em uma série de assassinatos que, curiosamente, atingem pessoas que foram difamadas nas redes sociais através de uma “hashtag” específica, sendo que o modo operante do crime pode envolver uma importante empresa de tecnologia que criou um mecanismo para beneficiar o ecossistema do planeta, mas que pode ter sido facilmente “hackeada” por um novo tipo de criminoso: o assassino em série on-line. Dirigido por James Hawes, o episódio apresenta uma evolução investigativa bastante competente e que vai instigando gradativamente, logo cada um dos avanços vai tornando o cenário mais atraente e intrigante e quando a trama sugere seus pontos mais absurdos, amparados pela sua natureza tecnológica, a conexão já está para lá de estabelecida (e certamente você nunca mais verá um enxame da mesma forma). Assim como ocorre em todos os outros episódios de “Black Mirror”, não apenas nesta, mas em todas as temporadas, o futuro e as particularidades técnicas tornam-se críveis e palpáveis, pois são ilustradas dentro de um universo muito bem orquestrado, ou seja, compra-se a ideia por mais absurdo que seja o exercício de futurologia proposto pela narrativa, por mais que seja mais ficção do que ciências. Aqui não é diferente e o efeito é muito bem sustentado, especialmente por se tratar de uma trama investigativa policial, ainda assim algumas deduções óbvias demoram a serem confirmadas, como a lista final, por exemplo, enquanto outras facilmente apontadas são discutíveis, como a de uma localização por causa de uma “selfie”. Kelly MacDonald faz um trabalho discreto e competente, explorando de maneira sutil o cinismo da sua personagem, porém Faye Marsay revela-se a grande surpresa do elenco, oferecendo uma atuação segura e energética na pele da obstinada novata, especialista em tecnologia, cujo arco dramático é formidável do ponto de vista narrativo. Contando com um clímax tenso, nervoso e angustiante, “Odiados Pela Nação” deixa um recado triste, melancólico e arrebatador. (9.0/10)
Ao final, a terceira temporada de “Black Mirror” deixa a nítida sensação de ser a mais homogênea entre todas as temporadas com um conjunto de episódios de ótima qualidade e que soube explorar, cada qual dentro da sua proposta, um conceito acerca da tecnologia que certamente diz muito sobre a maneira como o ser humano se relaciona com o mundo a sua volta através de uma visão aguçada, crítica e cínica.
NOTA: 8.0/10
The Affair: Infidelidade (1ª Temporada)
4.0 110 Assista AgoraTHE AFFAIR
“The Affair” é uma série que se propõe a apresentar diferentes perspectivas de uma mesma história. A princípio parece ser uma série interessada em revelar os pontos de vista de um casal de amantes que parece presa a uma narrativa cercada de mistérios, mas que se sai se melhor ao lidar diretamente com a paixão, a excitação, os anseios e as angústias de uma história envolta de traição do que propriamente pelo seu interesse em soar intrigante. O episódio piloto assim com os dois episódios seguintes são muito envolventes ao narrar o momento das vidas do escritor Noah (Dominic Cooper) e da garçonete Alisson (Ruth Wilson), quando se encontram pela primeira vez, passando pela fase do flerte mútuo, do medo de se renderem ao desejo que se sentem até se assumirem como amantes.
É curioso notar as diferentes impressões que Noah e Alisson tem desses primeiros momentos, ele com uma leitura mais “sexy” e envolvente, ela de uma forma mais tensa e dramática, porém esses dois pontos de vista explorados pelo roteiro de maneira criativa servem de combustível para a paranoia em torno de um crime que vai sendo desvendado ao longo da temporada. Aqui, no entanto, cabe uma observação já que enquanto a atuação da ótima Ruth Wilson é virtuosa ao explorar duas facetas de uma mesma mulher com muita versatilidade, entrega e intensidade, a atuação do limitado Dominic Cooper já não oferece diferentes graduações, mesmo que as atitudes do personagem sejam legitimamente distintas, ora mais romântico, ora mais cínico, o que depõe um pouco contra a proposta da série que tem um meio de temporada bastante irregular, seja por essa oscilação entre os pontos de vista, seja pela rigidez da investigação policial que aprisiona os personagens em meio a depoimentos.
Se por um lado acompanhar os dilemas enfrentados por Noah ao esconder a traição da esposa (Maura Tierney, segura) em meio a dilemas familiares tem seu apelo, o mesmo não pode ser dito da relação de Alisson com seu marido (Joshua Jackson, desperdiçado) envolto com tráfico de drogas na pequena cidade de Mountauk, sendo que a sua ponte de salvação acaba sendo o trauma enfrentado pelo casal pela morte do filho por afogamento, sendo usado sempre que necessário para equilibrar os dramas com muito mais importância e relevância dramática. A série consegue recuperar um pouco do fôlego perdido a partir do momento que a traição é exposta e as consequências enfrentadas expõem a natureza emocional de todos os envolvidos com muita seriedade e maturidade, o que torna a traição em si um dilema muito mais amplo e complexo do que a mera realização sexual, o que é de fundamental importância para legitimar os relacionamentos firmados por Noah e Alisson.
Mas se em um primeiro momento a apresentação de dois pontos de vista é interessante e dá alguns sinais de cansaço no decorrer dos episódios, a série mais para o final da temporada dá amostras que pretende funcionar quase que como um exercício de metalinguagem em que cada visão, na verdade, é uma perspectiva diferente, fazendo com que o espectador duvide de qual delas é a verdadeira, se é que existe uma, ou aquela que queremos que seja verdade ou queremos acreditar. Ou não, afinal quem sabe? Embora tudo convirja para um mesmo ponto comum, essa dualidade (ou trialidade ou pluralidade) de interpretações é o principal charme da série assim como o seu calcanhar de Aquiles, especialmente pela falta de sutileza do final da temporada que coloca os personagens no limite, em alguns momentos até traindo certas motivações, mas que parecem servir apenas para criar e/ou prolongar catarses e/ou ganchos para a próxima temporada sem justificá-la completamente. De qualquer forma, como primeira temporada, “The Affair” é atraente, porém muito mais pela forma como explora a premissa que não faz nenhuma questão de esconder as suas próprias limitações.
7.0/10
Making a Murderer (1ª Temporada)
4.4 282 Assista AgoraMAKING A MURDERER
Analisando o documentário "Making a Murderer" como uma peça de entretenimento a sua condução é magistral, afinal no decorrer dos seus episódios, os fatos e as reviravoltas são apresentados sempre em evolução crescente, criando expectativa atrás de expectativa, esperança atrás de esperança, decepção atrás de decepção, nunca deixando de ser surpreendente em um arco dramático intenso e contundente, perdendo um pouco de fôlego, mas sem perder o ritmo apenas em seus três episódios finais que se concentram mais nas sequências que se passam no tribunal.
Agora, o documentário é um registro sobre casos reais de crimes atribuídos a Steven Avery que ficou preso por 18 anos até ser absolvido, mas que voltou à prisão após ser acusado por um novo crime que pode ter tido a participação ou não do seu sobrinho Brendan. O primeiro refere-se a um caso de agressão sexual em que Steven foi preso e condenado, salvo os álibis que não o colocavam no local do crime durante o evento e as sucessivas falhas na investigação, em função de uma sucessão de eventos e rusgas anteriores que não o tornaram uma figura simpática ao xerife e aos oficiais da polícia do condado de Manitowock. Em função da pressa que as autoridades tiveram de encontrar um culpado e responsabilizar Steven, o que mais surpreendente neste primeiro caso é a incapacidade de nenhum dos envolvidos em reconhecer a possibilidade de um erro seja de julgamento e/ou decorrente da investigação ainda que amparados por um forjado retrato falado e a própria declaração da vítima. E por mais que reconheçamos que a inocência de Steven só poder ser comprovada em função da evolução das técnicas de investigação, no caso um exame de DNA, a história ganha contornos mais trágicos e repulsivos a partir do momento que se toma conhecimento de um evento ocorrido 10 anos após a acusação e que poderia ter mudado os rumos do caso.
Naturalmente, a partir da comprovação de sua inocência e por ter perdido 18 anos de sua vida, Steven Avery entra com um processo contra o Estado de Wisconsin para o recebimento de uma indenização milionária que deveria ser obrigatoriamente paga pelo condado responsável pela investigação falha. Além disso, ele acaba servindo de inspiração para a criação de uma ONG responsável por defender inocentes de crimes que não cometeram e ajuda no processo de aprovação de uma lei que altera os métodos de investigação em casos criminais justamente para evitar que erros como o que ocorreram com Avery não voltem a se repetir. Como em uma espécie de trama absurda e surreal, a jovem jornalista Teresa Halbach acaba desaparecendo justamente após se encontrar com Steven Avery em sua propriedade para tirar fotos de um carro da família que estava sendo colocado à venda. As suspeitas em torno de Steven são inevitáveis, sendo corroboradas com o encontro do carro de Teresa, alguns dias depois do desaparecimento, dentro do terreno do ferro-velho pertencente à família, além de outras pistas que acabam sendo "descobertas" muitos meses após o ocorrido, inclusive pequenas ossadas, pedaços de balas e marcas de sangue. Esse cenário se torna ainda mais surpreendente quando Brendan, sobrinho de Steven, que também mora com a mãe no terreno da família Avery, indica que participou ativamente do crime cometido pelo tio, tornando-se testemunha e co-responsável.
É inevitável que muitas dúvidas pairem no ar, seja a favor da inocência ou da culpa de Steven Avery, mesmo que o documentário seja parcial e claramente favorável em demonstrar que ele não cometeu o crime. Os advogados de defesa, por exemplo, só puderam ser contratados por Steven a partir do momento que ele abre mão da indenização milionária e por não aceitar ser defendido por um defensor público em função da sua rápida condenação anterior que lhe custaram 18 anos de sua vida. Apesar da prerrogativa da presunção de inocência, nenhuma outra linha de investigação foi realizada sem considerar Steven como culpado, seja envolvendo o colega de quarto de Teresa que demora para anunciar o seu desaparecimento, o ex-namorado que tinha acesso a sua caixa de recados no celular (que tiveram mensagens apagadas) ou o envolvimento do cunhado Scott Tadych e do sobrinho Bobby Dassey que servem apenas de álibi um para o outro no momento do crime, tinha acesso ao terreno da família e antipatia por Steven. E até por isso, como os próprios advogados de defesa declaram no documentário, convencer o júri da inocência de Steven é um desafio, seja defendo a tese de conspiração policial (já que os policiais responsáveis pela condenação injusta estão intimamente envolvidos na investigação do caso, mesmo que o condado tenha sido retirado da investigação, o que por si só também levanta suspeitas), expondo a fragilidade das provas (um novo teste de sangue foi criado pelo FBI a toque de caixa apenas para legitimar o argumento da acusação de que o sangue de Steven não foi extraído de uma coleta armazenada e violada dos arquivos do caso anterior) e/ou sem a possibilidade de responsabilizar outra pessoa pelas eventuais falhas na investigação, afinal Steven sempre foi o único suspeito.
O que nos leva a figura de Brendan Dassey, sobrinho de Steven, que confessa participação no crime cometido pelo tio. Os videos gravados pelos investigadores são explícitos na sua natureza coercitiva, afinal Brendan revela-se um jovem emocionalmente imaturo, de inteligência limitada e até diria com claros sinais de autismo, porém não sou psicólogo, logo não sou capaz de afirmar. Aliás, é de se estranhar a ausência de uma análise psicológica ou de um profissional da área para desenhar o perfil comportamento de Brendan que pressionado por diversas vezes, muitas delas sem a presença da mãe e/ou de um advogado interessado em lhe defender, muda a sua versão constantemente e se mostra claramente influenciável. O seu comportamento assim como a da sua prima Kayla, que afirmou e desmentiu ter ouvido de Brendan detalhes sórdidos sobre o crime, revelam a incapacidade emocional e intelectual deles em lidar com as responsabilidades das suas mentiras, logo não deixa de ser questionável as suas próprias declarações. Em função da fragilidade das provas em colocá-lo na cena do crime e pelo teor das cenas descritas por Brendan, sejam elas verdadeiras ou não, o DNA dele não foi identificado em nenhum dos locais, o que deixa incompleta a caracterização do crime, afinal há vestígios no carro de Teresa, na casa, na garagem de Steven e na fogueira atrás da residência, ou seja, não fica clara a sequência de eventos.
Por mais que seja inevitável que haja a interpretação individual dos fatos e que o documentário não seja isento e/ou imparcial (fica difícil não se envolver com o drama da família Avery, especialmente o martírio dos pais de Steven, até mais do que a da família de Teresa, embora haja o lamento natural da perda de uma vida tão jovem), as dúvidas sobre o caso se mantém, o que nos leva ao principal objetivo do documentário a partir dessa investigação que é a de analisar os bastidores do sistema judiciário, sendo aqui o americano, mas podendo ser replicado para qualquer nacionalidade. Esse "sistema" acaba sendo o inimigo invisível do documentário e neste ponto deve ser considerado não apenas a representação do Estado, dos juízes e dos promotores públicos, mas o papel da mídia e da sociedade na presunção da inocência, na interferência da condição sócio-econômica, dos próprios legisladores (nem mesmo a lei que leva o seu nome foi capaz de ajudar Steven) e até mesmo as organizações não-governamentais, afinal enquanto uma se recusa a defender Steven (a mesma de antes, sem sequer analisar o caso), outra abraça a causa de Brendan. Enfim, "Making a Murderer" é um documentário carregado e pesado de emoções conflitantes e de informações contraditórias que tenta ilustrar a fragilidade e a vulnerabilidade de um sistema judiciário capaz de cometer justiças e injustiças em iguais proporções.
NOTA: 9.0/10
Luke Cage (1ª Temporada)
3.7 502LUKE CAGE – 1ª TEMPORADA
“Luke Cage” é uma série derivativa do universo Marvel cuja primeira temporada tem pontos positivos que valorizam a qualidade da sua abordagem e tantos outros negativos que impedem que a série se torne acima da média. Em sua primeira metade, a temporada acaba sendo extremamente genérica e pasteurizada, afinal não consegue ser representativa como a série “O Demolidor”, nem mesmo despertar interesse próprio como “Jessica Jones”, ou seja, dá aquela incômoda sensação de ser mais do mesmo, apesar de ambientada no Harlem e contar com o protagonismo de um herói negro. Já em sua segunda metade consegue funcionar com um pouco mais de substância a partir de uma reviravolta que justamente leva a série para outro caminho narrativo, muito mais corajoso ainda mais em um período em que, especialmente nos EUA, há um aumento crescente nos crimes raciais, sérios questionamentos sobre a atuação policial e a retomada da discussão sobre o porte legal de armas.
O desenvolvimento que o personagem Luke Cage teve na série protagonizada por Krysten Riitter trazia elementos suficientes para uma apresentação inicial do personagem Luke Cage e nesta série própria ilustra-se mais a sua identificação com o Harlem, bairro onde cresceu, transformando-o em determinado momento em uma espécie de segurança particular da comunidade (em uma ideia frágil e simplista do ponto de vista narrativo). O que vemos aqui nos episódios iniciais é uma tentativa frustrada de emular uma vertente do universo visto em “Hell´s Kitchen” com requintes de corrupção envolvendo policiais e complexos de “Rei do Crime” (de maneira pouco sutil, conforme cena da coroa), cujo vilão Cornell Stokes, aqui recebe o nome de “Boca de Algodão”, incorporado de maneira caricata e pouco inspirado por Mahershala Ali que já havia demonstrado muito mais talento e carisma em “House Of Cards”, mas que aqui soa terrivelmente canastrão. Pra que tantas risadas altas, não é mesmo? Nem mesmo os "flashbacks" mostrando a adolescência de Cornell servem como álibi a favor da construção dramática do personagem e não é à toa que o seu destino é compatível com a sua relevância dentro da trama.
Um dos pontos altos dessa primeira metade de temporada fica por conta do quarto episódio que mostra a origem de Luke Cage ilustrada de maneira crua e brutal assim como o início da sua relação com Reva Connors (Parisa Fitz-Henley), grande amor da sua vida, cujo destino trágico é apresentado em “Jessica Jones”, mesmo que o episódio seja levemente prejudicado pelo ritmo irregular em função da alternância entre linhas temporais decorrentes da explosão de um restaurante. Demonstrando alguns sinais de repetição, cansaço e/ou falta de criatividade nessa linha de produção entre Marvel e Netflix, a série inicialmente parece usar as pequenas referências do universo em que está inserido como âncoras de salvação já que não consegue agradar por méritos próprios, exceção feita a participação de Claire Temple (Rosario Dawson) que surge mais segura e determinada até para conscientizar Luke Cage e, em determinado momento, a própria detetive Misty Knight (Simone Missick) dos seus papéis e responsabilidades, o que neste caso não deixa de ser um problema. A evolução e o crescimento da personagem Claire Temple ao longo da temporada, por sua vez, são legítimos assim como o seu envolvimento com o próprio Luke Cage, sendo que Rosario Dawson mais uma vez se mostra uma atriz pra lá de confiável. Nesse núcleo há também a participação de Sonia Braga na pele de Soledad, mãe de Claire.
Mike Colter continua sendo um protagonista carismático e com boa presença de cena e de certa forma a figura de Luke Cage como alguém que acredita na capacidade dos jovens do Harlem de fazer o bem e terem boas oportunidades na vida lhe cai bem até mais do que o papel do herói clássico. Essa é a sua principal motivação. A partir da segunda metade da temporada, no entanto, o personagem se mostra mais fragilizado fisicamente e mais vulnerável emocionalmente, logo os rumos da trama exploram outras vertentes que se mostram mais atraentes do ponto de vista narrativo ao realocar as forças políticas do Harlem e personificar um inimigo mais familiar, ameaçador e compatível com a força e o poder de Luke Cage: Kid Cascavel, que se apresenta como um vilão sarcástico, imprevisível, perigoso e com uma atuação convincente de Erik LaRay Harvey que sabe explorar de maneira positiva a faceta canastra do personagem, fazendo bom uso dos seus excessos e exageros sem soar fora de tom. Não é à toa que se trata de um personagem que usa trechos da Bíblia para justificar os seus atos distorcidos (em uma clara referência a sua ligação com o passado de Cage), afinal não tem muito que dizer por conta própria, mas também não tem o menor receio em usar armas de fogo.
Em termos de ação, a série tem um alcance bastante limitado já que nem mesmo o estilo cru e brutal da postura de Luke Cage em cena consegue ser estimulante, vide as sequências que se passam na invasão de um galpão ou em um teatro, além de discutíveis momentos de sobrevida dado ao personagem envolvendo estilhaços. Os responsáveis pela série também fracassam na tentativa de construir um ou mais episódios a partir da utilização de um momento de catarse logo no início, para voltar no tempo para mostrar como a narrativa chegou até ali, mas a expectativa criada quase sempre é frágil e/ou mal empregada. Fica difícil entender também o que os roteiristas/diretores pretendiam ao ilustrar a capacidade de dedução da detetive Misty Knight quase que como um dom premonitório em determinados momentos? Será que ela tem super poderes ou é apenas um recurso estético/narrativo? Aliás, com uma boa atuação de Simone Missick, a detetive se mostra uma personagem interessante já que é uma mulher autêntica, determinada e de personalidade forte que possui traços feministas arrojados e inspiradores, porém na sua postura como policial acaba sendo ora ingênua, ora pouco inteligente, especialmente quando decide agir sozinha, o que a enfraquece em determinados momentos. Já a vereadora Mariah Dillard, prima de Cornell, acaba se tornando uma personagem unidimensional, uma vilã fria, odiosa e covarde, ainda mais quando se mostra facilmente manipulável, logo a atuação de Alfre Woodard acaba sendo bastante irregular, embora tenha lá seus bons momentos. Limitado, o ator Theo Rossi defende Shades, principal aliado de Kid Cascavel, com eficiência mesmo que o personagem tenha uma natureza emblemática e indecifrável e acabe gerando certa expectativa, o que quase sempre acaba não sendo plenamente correspondida.
Contando com uma ótima e excitante trilha sonora com repertório de jazz, blues e rap, “Luke Cage” tem um saldo positivo pelo conjunto da obra, mas que não esconde suas limitações até mesmo na falta de sutileza na construção da sua catarse final através de uma sucessão de planos falíveis que reúnem os principais personagem. É uma série que tem uma abordagem arrojada, uma temática corajosa e um personagem central carismático em uma primeira temporada com muitos altos e baixos, mas que deixa ganchos importantes para futuras temporadas, o que qualifica a série, afinal legitima o alcance obtido por ela.
7.5/10
Easy (1ª Temporada)
3.6 113 Assista AgoraEASY - PRIMEIRA TEMPORADA
“Easy” é uma série irregular, mas ainda assim instigante sobre a maneira como lidamos com os nossos relacionamentos em narrativas que abordam temas como sexualidade, vaidade, maturidade, entre outros aspectos inerentes ao ser humano, a vida a dois e até mesmo a vida em sociedade também. Todos os episódios de aproximadamente 30 minutos são escritos e dirigidos por Joe Swanber, porém isso não garante uma unidade e/ou uma uniformidade para a série já que nem todos os episódios são tão bem resolvidos, o que expõe de certa forma a falta de desenvolvimento de algumas idéias ao ponto de não justificarem totalmente a sua existência. É um “brainstorming” incompleto, mas que ainda assim conta com alguns bons episódios que merecem ser vistos.
O primeiro episódio é ótimo ao tratar sobre o papel de homem e mulher dentro de uma relação a partir do dilema de um ator e dramaturgo que fica responsável pelos cuidados dos filhos enquanto a mulher trabalha fora de casa. “Castrado” emocionalmente, ele tenta lidar com a situação enquanto que ela busca uma forma de manter a chama do casamento acesa. É um episódio que trata dos seus conflitos dentro dessa “guerra dos sexos” com humor, sarcasmo e certa dose de melancolia em uma mistura eficiente.
Outro episódio que se mostra bem resolvido dentro do que se propõe é o quarto e que acompanha um jovem casal responsável que está tentando engravidar lidando com a chegada de um amigo inconsequente que testa a segurança e a lealdade do relacionamento entre os dois. Aqui o sexo tem um simbolismo importante já que é uma espécie de espelho dos personagens, refletindo um pouco sobre a verdadeira natureza deles, a personalidade e o comportamento de cada um. É um episódio que tem um arco dramático ácido, irônico e que possui certo tom hipócrita.
Já o quinto episódio é o que estabelece uma discussão sobre a vida e a arte a partir do ponto de vista de um ilustrador que cria suas histórias em quadrinho a partir de experiências pessoais, mas que se sente ofendido quando uma artista usa da sua intimidade para expressar uma outra forma de arte. Aqui a hipocrisia do personagem é óbvia e evidente, o conflito é previsível, embora relevante, mas ao final fica bem estabelecida a ideia de que mais importante do que a forma de arte e/ou o uso da tecnologia são as possibilidades e a discussão que é promovido a partir delas.
Existem outros episódios, no entanto, que ficam no meio do caminho. O segundo envolve uma garota que após iniciar um relacionamento com uma ativista muda seus hábitos e seu estilo de vida apenas agradar a companheira, esquecendo um pouco de quem é de verdade. Aqui o esforço narrativo é limitado e o seu maior mérito é a sua conclusão justamente ao mostrar que pessoas de universos e com personalidades diferentes podem perfeitamente conviver em harmonia, sem que um anule o outro. Outro episódio frágil é o que acompanha um casal apaixonado, e que se tornaram pais recentemente, ao explorar a prática de um “ménage” a partir do uso do Tinder, embora com uma amiga em comum. O suporte mútuo do casal diante da curiosidade e a maneira honesta com que o tema é apresentado favorecem a narrativa deste sexto episódio, mas a falta de conflito é o que o torna frustrante. O sétimo episódio explora duas narrativas, mas em nenhuma delas o alcance dramático vai muito além do que a premissa sugere. Em uma delas, uma jovem atriz precisa se decidir entre uma oportunidade de trabalho em outra cidade ou se permanece para tentar salvar seu último e estremecido relacionamento. Na outra, uma atriz veterana precisa lidar com a solidão, os dilemas e os prazeres do relacionamento aberto que mantém com um amigo também da terceira idade. Parecem duas linhas narrativas que não tiveram força para serem usadas em episódios próprios, mas que acabam sendo subaproveitadas ao serem utilizadas no mesmo.
Ironicamente, os núcleos mais frágeis da série “Easy” acabam recebendo atenção não apenas de um, mas de dois episódios, igualmente desinteressantes e descartáveis. No primeiro deles, um jovem que está em vias de se tornar pai parece encantado com a possibilidade de ter uma fábrica de cerveja na garagem do irmão mais novo, desde que a sua esposa não saiba de nada. Nesse primeiro momento, a temática explora questões sobre confiança e responsabilidade em uma espécie de fase de transição em direção à maturidade da vida adulta enquanto que no último é o irmão caçula, dono da garagem, que parece desconfortável com a ideia de ampliação e crescimento do negócio cervejeiro, mas que também precisa lidar com uma nova carga de responsabilidades. No contexto geral, esses dois núcleos são amplificados, porém são os que exploram as temáticas de maneira mais esquemática e superficial.
A série tenta estabelecer uma sinergia entre os episódios, inserindo participações de personagens em mais de um episódio, mas acaba sendo uma infeliz coincidência já que as aparições não se justificam, nem mesmo para estabelecer um sentimento coletivo de enfrentamento dos problemas e/ou de superação. O elenco é bastante homogêneo, sendo que o único destaque negativo fica por conta da participação de Dave Franco, um jovem ator fraco e bastante limitado. De qualquer forma, Joe Swanber realiza uma série “sexy” e ousada que não tem receio de explorar temas íntimos, sensíveis e/ou delicados, que muitas vezes são vistos como tabus, com honestidade, naturalidade e maturidade na maior parte dos episódios, mesmo que o resultado dessa primeira temporada seja bastante irregular, instável e inconclusivo.
7.0/10
Homeland: Segurança Nacional (4ª Temporada)
4.3 278 Assista AgoraHOMELAND – 4ª TEMPORADA
A 4ª temporada de “Homeland” tem a difícil missão de ser um recomeço para a série após três temporadas de desenvolvimento da premissa que envolvia a agente do FBI Carrie Mathison (Claire Danes), o sargento Nicholas Brody (Damian Lewis) e sucessivas ameaças terroristas. Encerrado esse arco, a série precisa reencontrar um novo caminho e se inicia de maneira promissora a partir de um bombardeio americano a um alvo terrorista, mas durante uma cerimônia de casamento, ferindo centenas de inocentes e que culmina com a morte de um agente duplo americano (Corey Stoll) decorrente de um atentado premeditado. A partir desse contexto, Carrie é designada a liderar uma equipe de agentes para descobrir o paradeiro de Haissan Haqqani (Numan Acar), terrorista responsável pelo segundo atentado, e que até então era declarado como morto, mas que agora planeja vingança pelo que fizeram com seus familiares no primeiro.
Quando a figura do sobrinho de Haqqani, Aayan Ibrahim (Suraj Sharma) entra na trama central, a temporada dá uma vacilada considerável já que o roteiro da série não sabe como lidar com ele, seja como moeda de troca e/ou informante e acaba utilizando-o como um absurdo interesse romântico de Carrie. E por mais que saibamos e tenhamos evidências de que Carrie não mede esforços e não tem escrúpulos para atingir seus objetivos, vê-la se aproveitando de maneira tão covarde de um jovem com a frágil tentativa de convencer de que ela realmente estaria apaixonada por ele é constrangedor, fazendo com que a trama mais se pareça com uma versão “Malhação” que tenta emular nesta a mesma relação delicada e ambígua entre Carrie e Brody. A subtrama envolvendo os traumas de Peter Quinn (o irregular Rupert Friend) também é frágil e descartável e só serve para adiar de maneira conveniente a sua entrada na narrativa central, mesmo que se busque algum tipo de ligação e/ou relação deste início com as ações de Quinn como lobo solitário lá pelo final.
A partir da metade da temporada, os dilemas voltam a se concentrar em alvos mais importantes, especialmente Saul Berenson (o ótimo Mandy Patinkin) que até então parecia à margem da narrativa central já que a intenção do personagem era manter-se afastado da CIA, aposentado e trabalhando para a iniciativa privada. As sequências que envolvem o seu plano de fuga de um cerco de talibãs e uma troca de prisioneiros são as mais tensas e angustiantes da temporada. A catarse da temporada ocorre dentro da embaixada americana através de reviravoltas consistentes, mas acaba se apresentando também como sequências de ação genéricas e com conflitos dramáticos piegas, sendo mais intrigante pelos dilemas que são levantados após esse momento-chave e que culmina com os dois episódios finais que tentam recuperar o prestígio da temporada, mas que no final das contas só servem para preparar terreno para a próxima temporada, seja em termos de ação, seja em termos dramáticos, já que falta coragem para um desfecho mais conclusivo e/ou contundente.
A atuação de Claire Danes permanece consistente e avassaladora mesmo quando a narrativa dá seus sinais vacilantes, como durante o envolvimento de Carrie e Ibrahim em que se explora um pouco da fragilidade feminina da personagem que poderia se tornar uma relação materna (e que combinaria mais com a sua negligência familiar que a série nunca investe com o devido mérito), mas que acaba se resumindo a uma pequena história de amantes inconsequentes cujo alcance é limitado. Até mesmo o uso dramático do transtorno bipolar de Carrie é utilizado como uma muleta narrativa que enfraquece o apelo dramático dela, como se fosse uma espécie de “criptonita”, incluindo uma aparição descartável do próprio Brody em uma de suas alucinações. O alcance da dedicação de Danes é indiscutível, porém os propósitos são mais questionáveis do que os vistos nas temporadas anteriores. O chefe da CIA, Andrew Lockhart (Tracy Letts), tem uma boa participação, especialmente pela sua evolução de senador intransigente para um líder mais flexível, transparente e humano.
Embora seja uma série que permanece sendo bem produzida, “Homeland” em sua quarta temporada teve um resultado apenas um pouco acima da média, porém muito abaixo do que havia mostrado até então. Não se trata de apresentar sinais de desgaste, afinal o tema do terrorismo permite que muitos eventos sejam abordados e o cenário é muito mais amplo do que se viu nas três excelentes temporadas iniciais, ou seja, a série tem plenas condições de não ficar presa ao passado, porém as tramas desta quarta temporada não conseguiram segurar seu apelo de maneira regular ao longo de toda a temporada, o que é um problema plenamente superável desde que as peças do quebra-cabeça sejam mais bem utilizadas.
NOTA: 7.5/10
Narcos (2ª Temporada)
4.4 460 Assista AgoraNARCOS - 2ª TEMPORADA
A 2ª temporada de “Narcos” mantém o mesmo nível de excelência alcançado na primeira. A partir da fuga de Pablo Escobar (Wagner Moura) da prisão, a série estabelece uma série de novos eventos que transformam este que foi um dos maiores e mais perigosos traficantes do mundo em uma espécie de terrorista que conquistou inúmeros inimigos, não apenas entre policiais, autoridades e governo, mas também entre seus próprios concorrentes, o que foi gradativamente lhe afundando até o seu derradeiro final. Tecnicamente, a série mantém um trabalho de fotografia exuberante, roteiros muito bem desenhados e costurados e uma direção de alto nível em todos os episódios, sendo pela crueza, energia e agilidade que constrói nas sequências com maior nível de tensão e ação, incluindo aquelas que possuem maiores requintes de crueldade (e não são poucas, vide assassinatos, emboscadas e atentados), como até mesmo outras que buscam um tom mais nervoso pela falsa leveza e/ou pelo humor irônico, transformando muitas vezes a rotina do lar de Escobar em um estranha comédia de situações, seja na cozinha, na piscina, em uma corrida de automóveis ou até mesmo em uma praça em Medelim.
Wagner Moura tem mais uma oportunidade de oferecer um show de interpretação, explorando mais uma vez um repertório de atuação impecável e irrepreensível que o aproxima facilmente daqueles grandes atores em seus papéis icônicos ao transformar Pablo em uma figura complexa, dramática e trágica com extrema dedicação e intensidade. Irresistível! O agente federal Javier Peña continua sendo uma figura ambígua e carismática que tem o seu próprio arco dramático na busca de capturar Escobar e o ator Pedro Pascal é muito competente e seguro na condução do seu personagem que nem sempre consegue agir conforme o sistema, mas sempre busca manter-se o mais íntegro possível. O elo fraco da série nesta temporada fica por conta do agente Steve Murphy que permanece com a função de narrador, mas o seu personagem parece perdido e sem função ao longo da narrativa, o que não deixa de ser uma verdade, já que Murphy realmente é deixado muitas vezes à margem de muitos eventos, com conflitos dramáticos superficiais e que parece funcionar muitas vezes como uma representação da moral americana (até mais do que a chefe do DEA ou do novo embaixador americano na Colômbia). O personagem perdeu força, tornando-se um mero espectador da História, apesar da boa presença de cena de Boyd Holbrook que se mostra um ator talentoso e promissor.
Se os concorrentes de Pablo, como a traficante Judy Moncada (Cristina Umaña), os representantes do cartel de Cali e até mesmo o grupo paramilitar que se encarrega de combater os comunistas em solo colombiano não despertam o mesmo interesse dramático que Pablo e acabam sendo figuras muito mais funcionais dentro da narrativa, afinal muitas vezes ajudam a movimentar a história, um personagem secundário que recebe certo destaque é Limón (Leynar Gomez), motorista particular de Pablo, que acaba tendo um apelo ingênuo e paternal em função da sua devoção ao patrão, mas especialmente pelo seu arco dramático envolvendo Maritza (Martina Garcia), uma amiga da sua infância pela qual é apaixonado, e que resulta um dos momentos mais tristes e trágicos da série. Da mesma forma, Tata, esposa de Escobar, também tem a possibilidade de viver o seu próprio drama, transformando-se em uma mulher mais complexa e menos ingênua como a vista anteriormente e se a atriz Paulina Gaitan ainda não se mostra uma atriz totalmente segura ao menos demonstra uma evolução evidente na construção da sua personagem que a torna mais complexa.
É natural que em uma série como “Narcos”, baseada em fatos reais, muitos fatos sejam distorcidos a favor da narrativa e/ou do entretenimento, como queiram alegar, porém ao final da segunda temporada, o que fica claramente estabelecido é que a guerra contra os traficantes é muito maior que os seus representantes. Por mais que Pablo Escobar tenha sido um “rei”, ele foi apenas mais um. Sua figura se tornou marcante e icônica, mas há um problema crônico muito maior que envolve o tráfico e o comércio ilegal de drogas ilícitas que movimentam bilhões de dólares ao redor do mundo e que em conseqüência matam milhares e milhares de pessoas. E cada vez mais. E Escobar, felizmente, foi apenas mais um. A série deixa em aberto o desfecho de diversos personagens, estabelece uma premissa para futuras temporadas e a partir da terceira precisará sobreviver ao fantasma de Pablo Escobar, embora material para ser explorado, infelizmente, não falte.
NOTA: 9.0/10
Black Mirror: White Christmas
4.5 452BLACK MIRROR - WHITE CHRISTMAS
Esse episódio de Natal da série reúne em sua narrativa os principais ingredientes vistos nos episódios das duas primeiras temporadas. A partir de uma única história que reúne dois homens encarregados de trabalhar e conviver dentro de uma casa em meio a uma área gélida e remota e aos poucos eles vão revelando segredos sobre suas vidas e o que os levaram até ali. O roteiro consegue equilibrar dentro da narrativa a necessidade que se tem de que devemos conhecer a história por trás de um deles para depois desvendar o passado do outro até porque um é conquistador nato, um tanto quanto esnobe e arrogante, enquanto o outro é recluso, tímido e de poucas palavras. O mais interessante é notar também que as pistas que ajudam a desvendar o mistério da história central é empregado durante toda a narrativa até o seu "twist" final, mas aqui a espaço para que se explore três núcleos a cerca da tecnologia e a vida em sociedade. O primeiro deles apresenta um jovem tímido sendo guiado por um tutor que lhe dá dicas através de uma escuta enquanto transmite as imagens do que se passa com o aprendiz on-line para um grupo de seguidores e admiradores dessa prática de conquista. O roteiro é inteligente ao explorar a maneira como nem sempre as pessoas mostram como elas são verdadeiramente quando conhecem outra pessoa e como existem regras que regem nossas interações, mas o desenvolvimento e o desfecho não vão muito além do que se sugere. O segundo núcleo acompanha a adaptação de uma inteligência artificial em aceitar que ela não é de verdade, mas sim uma cópia da sua versão original que foi adquirida com o único propósito de servi-la, logo não deixa de ser um conto que discute a questão da identidade e a relação que temos com um universo cada vez mais prático e automático cujo propósito é facilitar nossas vidas. Diante das histórias que ouviu, o terceiro núcleo acompanha o passado deste homem mais recluso, mostrando sua relação com a esposa, o drama que ele enfrentou com a separação e as consequências trágicas que teve que encarar anos após o término do relacionamento. É sem dúvida nenhuma o ponto alto da narrativa e o desfecho da sua história culmina com a revelação das verdadeiras intenções de todos os envolvidos no trabalho pelo qual foram designados e porque os dois tiveram que ser reunidos naquele local. Há de se considerar que o desfecho amargo do homem tímido é pra lá de condizente com a proposta, não poderia ser mais trágico, porém há de se questionar o quão desnecessário era a revelação dos segredos do principal narrador e consequentemente do seu desfecho que até tem lá a sua ironia dentro do que fora visto no episódio, mas acabou sendo uma saída um tanto quanto radical apenas para valorizar a ideia dos bloqueios. Não é incoerente, mas foi uma forma artificial criada pelo roteiro para dar desfechos amargos para os dois personagens apenas. Ainda assim é um especial que prende a atenção e que permite importantes reflexões sobre a maneira como nos relacionamos com o próximo.
8.0/10
Black Mirror (2ª Temporada)
4.4 753 Assista AgoraBLACK MIRROR - 2ª TEMPORADA
Os três episódios que fazem parte da 2ª temporada são mais homogêneos que o da temporada anterior, porém mantém o mesmo nível de cinismo e de qualidade dos anteriores. O primeiro é o mais emocional já que acompanha uma jovem lidando com a morte repentina do seu marido. Inicialmente avessa, ela acaba aceitando o convite em participar de um aplicativo que promete simular através de inteligência artificial o comportamento e até mesmo a voz do seu marido através das lembranças que o mesmo compartilhou em vídeos, áudios e até mesmo nas redes sociais. O que inicialmente promete ser uma espécie de conforto para que lide de uma forma melhor com o luto acaba assumindo contorno de dependência ao ponto de até mesmo uma cópía física do marido ser adquirida, o que a deixa ainda mais reclusa e afastada do convívio com outras pessoas. É chocante, angustiante, mas ainda assim o apelo dramático da narrativa é de um envolvimento tocante, encantador e as atuações Hayley Atwell e Domhall Gleeson são de uma sensibilidade contagiante. É o melhor episódio de "Black Mirror" até então. O segundo episódio visa explorar a obsessão das pessoas em espionar a vida alheia, porém aqui traz um importante componente da violência que chama a atenção sobre a gratuidade e a forma rotineira e corriqueira com que lidamos com atos agressivos, a banalização da violência transformada em um macabro reality show a partir da trajetória de uma mulher que acorda em sua casa com total perda de memória sendo que é constantemente perseguida por sinistros assassinos enquanto que milhares de pessoas assistem sua tortuosa luta pela vida apenas com o propósito de se divertir com suas câmeras e celulares em mãos. O terceiro e último episódio tem uma clara crítica aos políticos e a maneira como o universo das eleições está sendo cada vez mais transformado em um espetáculo seja ele visual, circense ou até mesmo midiático. Um tímido e melancólico comediante, recém-divorciado, dá voz a um desbocado personagem de um programa de televisão, porém aos poucos a popularidade dele torna-se tão grande que chegam a considerá-lo para a disputa das eleições prévias para o parlamento britânico, o que acaba se transformando em uma triste e irônica brincadeira com os bastidores políticos. O que acaba enfraquecendo um pouco os desfechos abruptos de cada um dos episódios, especialmente o primeiro e o último, é que apostam muito mais no choques provocados pelas elipses de tempo; já no segundo episódio opta-se muito mais por algo explicativo, mas de certa forma desnecessário. Apostando em episódios arrojados e que fogem completamente do politicamente correto, "Black Mirror" torna-se uma série de ótima qualidade pra lá de indispensável por promover poderosas narrativas e estimular debates mais do que bem-vindos.
8.0/10
Black Mirror (1ª Temporada)
4.4 1,3K Assista AgoraBLACK MIRROR
“Black Mirror” é uma série britânica que possui episódios independentes, mas que transitam sobre o futuro da humanidade e a influência da tecnologia em nossas vidas. A 1ª temporada possui três episódios e o primeiro mostra o sequestro da princesa britânica sendo anunciado em pleno YOU TUBE pelos sequestradores e cuja exigência para libertá-la é a exigência de que o primeiro ministro faça sexo com um porco, sendo que o ato precisa ser transmitido ao vivo para todo o mundo e em todas as mídias sociais. O humor britânico é mais do que bem vindo, sendo que o maior triunfo dessa narrativa é apresentar uma rede de eventos factíveis e racionais de bastidores políticos para lidar com a proposta absurda, o que legitima o drama e o dilema enfrentado pelo primeiro-ministro. Após a conclusão da história, o sentimento de gratuidade e de futilidade da exposição midiática acaba atuando a favor e contra o episódio e o resultado acaba sendo mediano. O segundo episódio é o mais problemático já que investe em uma trama que acompanha um jovem encarregado assim como muitos outros de pedalar direta e diariamente uma bicicleta que lhe garante uma pontuação que lhe permite alguns prêmios e consolos assim como determinadas infrações lhe tiram pontos. Quando ele conhece uma jovem que utiliza sua pontuação total para tentar a sorte como cantora em um bizarro reality show, ele decide se vingar de todo o sistema. Os detalhes do cenário e as minúcias do universo em que o personagem está inserido são interessantes (as metáforas referentes à relação homem x trabalho são explícitas), mas nem os personagem, muito menos a narrativa despertam muito o interesse e o desfecho é apenas satisfatório. O terceiro episódio é o melhor da temporada já que acompanha um futuro não muito distante em que as pessoas conseguem assistir de maneira on-line suas próprias lembranças, permitindo que eles revisitem certos momentos em busca de nostalgia ou até mesmo prazer. Quando um jovem desconfia que sua esposa o traiu, ele entra em um redemoinho de paranoia que transforma a sua vida em uma contínua busca pelas suas memórias e das outras pessoas para provar o seu ponto de vista e de que não se trata de mero ciúme sem sentido. Mesmo que isso coloque tudo a perder, até mesmo a sua própria sanidade. Muito bem construído, esta narrativa consegue reunir o cinismo do humor britânico com o drama presente em tantos relacionamentos e torná-lo um espiral de sentimentos muito forte e contundente até com requintes de crueldade, mas que sempre nos deixa em dúvida sobre até que ponto ou não seríamos capazes de cometer os mesmos erros. Atuações categóricas e um desfecho condizente com a proposta. Apostando em situações que vão muito além dos lugares comuns, experimentando o gênero da ficção científica em diversas vertentes e utilizando-se de premissas que carregam melancolia e até um certo pessimismo sobre as relações humanos no futuro, "Black Mirror" oferece um olhar sádico e cínico tão atraente quanto esquisito.
7.5/10