O grande mérito deste filme é apresentar um dos retratos cruéis da psicopatia. A apresentação compassada do perfil do obcecado Raymond ajuda a criar uma tensão quase tão grande quanto à dúvida sobre o destino de Saskia. Por outro lado, o modo como apresenta a obsessão de Rex em saber o paradeiro da sua namorada cria a dúvida no espectador em saber se ele não seria mais maníaco do que Raymond, por mais que os atos deste o caracterizem como um vilão. Não fosse por algumas cenas estendidas em excesso, poderia ser uma obra-prima.
Walter Matthau protagonizando um filme de ação? Essa credencial, somada à direção pelo calejado Don Siegel, atraiu-me para um filme que me desarmou pelo seu ritmo constante, mas sem afobações. Não há, aqui, nenhuma firula a fim de confundir o espectador por confundir. "O Homem que Burlou a Máfia" merece ser visto por quem pensa que todo filme de ação deve ser hiperativo e cheio de cortes. Além disso, Matthau interpreta um bandido cuja inteligência e sangue frio contrastam com os sentimentos que tem para com a namorada e parceira de crimes, por exemplo. Entretenimento em cinema não precisa ser vazio e vulgar. Este filme é uma bela prova.
A profissão anterior de um cineasta diz muito sobre as marcas impressas em seus filmes. Sendo artista plástico antes de se voltar ao cinema, Steve McQueen compõe várias passagens de "Hunger" como se fossem instalações artísticas. Um exemplo é a cela dividida por dois presos políticos, cujas paredes são decoradas por um deles com seus próprios excrementos. Este filme desafia, em certos momentos, a paciência do espectador que não se deslumbrar facilmente com os maneirismos na fotografia e com a incômoda sensação de que McQueen desidratou o aspecto humanístico do tema de "Hunger" em favor unicamente da estética. Por outro lado, a forma como apresenta a nudez masculina é bem mais proveitosa, mesclando o lado político que justificava a opção dos presos do IRA por não vestirem uniformes de presidiários com o aspecto homoerótico típico do imaginário coletivo em se tratando de cadeias. Em todo caso, apesar do trabalho árduo de Michael Fassbender para recriar a degeneração física progressiva do militante Bobby Sands, a sanha do diretor em fugir de quaisquer emotividades acaba por causar o efeito contrário, resultando na incapacidade de sentirmos empatia pelo personagem ou por sua causa. Um filme moralmente bem intencionado não se sustenta caso não apresente méritos artísticos dentro de si. Contudo, de pouco vale um filme de grande impacto estético se ele desperdiça o potencial derivado do tema que se propõe a abordar.
Exceto pelo longo diálogo entre Bobby Sands e um padre, uma das melhores partes do filme, fica-se com a impressão de que o protesto do IRA, culminando numa dramática greve de fome, serviu de mero pretexto para o diretor fazer algo mais apropriado a uma bienal de arte do que ao cinema.
Visualmente, este longa em animação satisfaz pela animação simples, sem exageros, com algumas ousadias estéticas. O conteúdo, no entanto, apesar de promissor, acaba cansando pelo excesso de reviravoltas e de representações dos sonhos e delírios da protagonista. Para quem achou a coisa muito "Cisne Negro", curioso saber que Darren Aronofsky detém os direitos autorais sobre este filme nos EUA. Seja como for, é uma estreia ousada e criativa de um diretor cuja carreira foi interrompida antes da hora.
Não é apenas o modo declaradamente improvisado como este filme veio à tona. A estrutura cheia de quebras, onde cada atuação soa feito um instrumento musical, também leva a essa impressão. Até mesmo a abordagem do preconceito racial apresenta um viés nada óbvio. Aqui, olhares e hesitações falam mais do que um tratado sobre o tema. E a metamorfose emocional da jovem Leila, assumindo várias facetas sem aparentar nenhum esforço, é uma aula de interpretação para qualquer atriz. Eventuais questões técnicas precisam ser reveladas pelo espectador neófito em Cassavetes. Afinal, desprezar essa obra de arte por alguns problemas de sincronia é um despropósito.
O cinema de John Cassavetes é um verdadeiro fugitivo do óbvio. Voltado às emoções humanas em contextos por vezes inóspitos, seu estilo não se adapta bem à filtragem de grandes produções. Não por acaso, além de um círculo íntimo de atores, escalava sua mulher, a excelente Gena Rowlands, e até mesmo outros familiares para seus filmes. E embora "Glória" tenha sido lançado por um estúdio famoso, trata-se de um Cassavetes de primeira. A começar pela presença mítica de Rowlands, interpretando uma mulher calejada pela vida nas ruas que torna-se protetora de um menino perseguido por mafiosos que exterminaram sua família. A pieguice passa longe deste filme, cujo mote inspirou outras produções ("O Profissional", "Central do Brasil" e "Verônica", por exemplo). O principal, contudo, é o ponto de vista incomum de Cassavetes, neste que é um belo modo de conhecer seus trabalhos mais pessoais.
Aviso a todos: se nunca viram nenhum filme dirigido por John Cassavetes, NÃO comecem por este. Não se trata de menosprezar "Minha Esperança é Você". Acontece que Cassavetes é um dos cineastas mais autorais de todos os tempos. Em praticamente toda a sua filmografia, buscou fazer tudo à sua maneira, investindo seu próprio dinheiro quando necessário, obtido por meio do seu trabalho como ator em grandes produções. Nas poucas vezes em que dirigiu para grandes estúdios, algo que ele comparou a "trabalhar no esgoto", os filmes resultados, independentemente das suas qualidades intrínsecas, não representavam a visão que Cassavetes pretendia neles imprimir. Feitas essas ressalvas, "Minha Esperança é Você" merece ser visto por outras razões. Por oferecer um retrato nada condescendente da situação em que se encontram as crianças excepcionais, por deficiências mentais ou outras espécies de transtorno. Por contrapor a abnegação da professora vivida de modo comovente por Judy Garland, já iniciando o crepúsculo de sua carreira, à racionalidade do diretor da escola, encarnado por Burt Lancaster com o brilhantismo de sempre. E por concentrar-se no drama de um menino autista e no limbo em que se encontra entre o mundo dos "normais" e o abrigo seguro oferecido a quem apresenta outros tipos de distúrbios mentais. No fim, a mão do produtor Stanley Kramer, notório pelos dramas humanistas que dirigiu, prevalece sobre a do diretor John Cassavetes. Mesmo assim, é um filme a ser visto, senões à parte.
É sempre um gosto topar com um filme cujas boas intenções encontram eco na sua qualificação artística. Em "No", nota-se o preciso apuro na reconstituição do ambiente oitentista, em especial nos elementos que compunham o espírito daqueles tempos tão plastificados. Durante alguns momentos, chega-se a acreditar que até mesmo as cenas ficcionais tenham sido extraídas de algum arquivo. Outro ponto favorável a este filme é algo que falta, e muito, na maioria dos filmes brasileiros referentes à ditadura em que vivemos de 64 a 85: um equilíbrio na retratação do lado do governo e o dos seus opositores. Por aqui, não raro acabam fazendo hagiografia dos que enfrentaram o regime militar em certos filmes, praticamente sem nenhuma autocrítica. Aliás, quando o protagonista de "No" contesta a visão ideológica dos organizadores da campanha do "não", não é apenas a sua visão propagandística em relevo, mas também a percepção aguda de que a maioria das pessoas, mesmo que tenham conhecimento das atrocidades cometidas pelo governo autoritário de Pinochet, não se convenceriam da necessidade de se manifestar contra ele. Nesse e noutros detalhes, "No" deveria ser obrigatório para praticamente todos os cineastas brasileiros que abordam o tema da ditadura com demagogia. Além disso, o acossamento cometido pelos partidários do "sim", além do seu poderio em face aos seus adversários, remete à história bíblica de Davi e Golias. O modo como esse contraste é explorado no filme lhe garante uma tensão crescente a ponto de, apesar de se saber de antemão o resultado do plebiscito (felizmente, vencido pelo "não"), nos empatizamos com a história do jovem publicitário, cujo passado que o levou a se exilar do Chile por uns tempos é apenas sugerido. Talvez nesse particular o filme perca um pouco o seu brilho. Ao fugir da obviedade, o excesso de sutileza ao representar o histórico pregresso de René Saavedra acaba por fazer o filme um tanto rarefeito, destoando da abordagem realista e direta em tudo o mais. No entanto, há bem mais méritos a se louvar em "No". Eis um hype que merece a atenção que vem recebendo mundo afora.
Onde foram parar os ideais libertários dos anos 60 e 70? "Bem-Vindos" é uma possível e feliz resposta a esta questão. Aproveitando-se do microcosmo aparentemente aconchegante de uma casa onde as pessoas vivem como os hippies doutros tempos, Lukas Moodysson apresenta com eficiência o contraponto a essa visão idealizada com a presença de Elizabeth e seus filhos, em choque com o modo de vida tão deslocado da realidade individualista que os circunda e de onde ela acabou de sair por conta das agressões do marido. E é por meio de Göre, irmão de Elizabeth e a figura mais proeminente dentre os hippies tardios, que começamos a perceber as rachaduras na imagem idílica da sua comunidade. Amor livre, diversidade sexual, desapego a bens materiais e solidariedade são palavras bonitas e até estimulantes. Colocá-las na prática, contudo, demanda bem mais do que boa vontade. O mais interessante em "Bem-Vindos" é a forma extremamente feliz de retratar esses e outros pontos de vista. Repetindo com eficiência a direção de arte intimista de "Amigas de Colégio", seu filme de estreia, e se valendo de uma fotografia calorosa e de uma trilha sonora adequada, Moodysson conjuga entretenimento de alto nível, provocações na medida certa (as cenas de nudez nunca são gratuitas) e um argumento afiado e bem desenvolvido no roteiro. Mais do que recomendado.
Todo documentário que apresenta a figura retratada sem ignorar seus defeitos merece algum crédito. E sendo essa figura um exemplo de superação das dificuldades físicas que não impediram a manifestação do seu dom artístico, este filme poderia ter seguido o rumo das obras edificantes, com lição de moral e os acessórios decorrentes. "Michel Ptrucciani" foge disso tudo. Para começar, é um filme divertido em boa parte das suas passagens. O uso eficiente do vasto material de arquivo, tanto de apresentações de Michel quanto de imagens da sua intimidade, é um ponto a favor. E a comoção que se segue à medida em que se aproxima o fim da vida do notável pianista é genuína e desprovida de apelações. Ao final, nos sentimos mais instruídos ao conhecer a trajetória de um jazzista incomum em todos os sentidos e mais elevados porque, acima de quaisquer quebras de paradigmas, permanece a música.
Fosse eu um poeta concreto, assim resumiria este filme. Chama a atenção, logo de pronto, o refinamento da família Recchi na cena do jantar. E a sutileza dos gestos e palavras que denotam o aspecto infeliz do qual nenhuma família escapa. A matriarca, por mais assimilada que esteja à Itália, não consegue evitar a sensação de deslocamento, mascarada pelo amor profundo dedicado aos filhos e pelo senso de dever típico das senhoras bem casadas. O amor que lhe surge na vida por um viés dos mais carnais não será nada gratuito. Inclusive pelas consequências dele derivadas. A trilha sonora permeada por obras de John Adams, um dos mais notáveis compositores de música erudita vivos, ajudar a reforçar o estranhamento no qual os personagens estão imersos, por razões as mais diversas, tendo o amor por base, em várias formas. O grande senão deste filme, no entanto, é o excesso de sutileza em determinadas cenas. O que poderia ser leveza, em dados momentos, acaba sendo incerteza. E não das mais desejáveis. Mesmo assim, é um filme a ser descoberto e, no mínimo, revisto. Quem sabe, após algumas camadas a serem removidas, esta obra, cujo título brasileiro é muito impreciso, não venha a revelar a sua verdadeira identidade?
São raros os atores que se dedicam à direção de filmes e que são reconhecidos por esta atividade. E mais raros ainda os que continuam sendo valorizados por suas atuações. Claro que nada disso seria previsto na trajetória de Clint Eastwood apenas por este filme. No entanto, já aparecem elementos que, se não definem necessariamente um estilo eastwoodiano, voltariam em outras realizações suas: o apreço pelo jazz, os roteiros com tramas enganosamente simples, as referências à cidade de Carmel, etc. Além disso, Clint parece ter absorvido bem o estilo de vida mais liberal da Califórnia, refletido na diversidade de tipos em torno do seu personagem, um radialista perseguido por uma fã com quem teve um caso fugaz. Também merece citação a homenagem ao grande pianista Erroll Garner, cuja composição "Misty", regravada por trocentas pessoas, é o pretexto maior deste filme.
Vale mencionar que a música só aparece plenamente na desconcertante cena final, um dos efeitos mais elegantes que já vi em se tratado do uso da música em cinema.
Não fosse por alguns momentos titubeantes na direção, explicáveis por conta da estreia nesse ramo, "Perversa Paixão" seria excelente. Contudo, é um trabalho digno de quem o fez, certamente honrando seus mentores. Um deles, por sinal, o cineasta Don Siegel, aparece em cena interpretando um balconista de bar. "Look at me...".
Não é preciso ter Carmem Miranda como ídola para reconhecer sua importância para a nossa cultura, tanto pelo seu talento quanto pelo símbolo controverso que veio a representar do nosso país nos EUA e além. Este documentário é um relato histórico somado à voz em off da diretora, a demonstrar sua ligação emocional com o mito. Os depoimentos preciosos de quem conviveu com Carmem e sobreviveu muito além para preservá-la para a posteridade são essenciais para compreender tão importante personagem. Atentem à curiosa escolha do transformista Erick Barreto, precocemente falecido, para interpretar Carmen Miranda já em sua forma mais famosa. A um só tempo, homenageia a artista por uma respeitosa imitação e faz referência ao grande apelo que ela teve entre os gays. O recurso da ficção, nem sempre usado de forma feliz em documentários, aqui faz todo o sentido, além de não atrapalhar a condução da narrativa. E por escapar de quaisquer didatismos, tampouco canonizar sua protagonista, "Bananas Is My Business" é um documentário digno que merece ser mais conhecido.
A canção ainda vive. E bem. É uma possível conclusão deste simpático documentário, o qual retrata o ofício de cantores, compositores e poetas às voltas com uma das formas mais antigas de composição artística. Não fosse a falta de atenção a uma possível diferença entre poesia e letra de música, talvez pelo olhar privilegiado aos músicos, poderia ser um filme ainda mais grandioso. Em compensação, os depoimentos servem aos números musicais, em vez de serem meras "cabeças" inseridas a esmo no documentário. Muito além de qualquer didatismo.
Este é um filme de aventura pouco visto e falado. Se Michael Cimino não tivesse caído em sua trajetória ascendente enquanto cineasta, certamente se lembrariam mais da sua estreia bem conduzida, onde a ação ocorre nos momentos certos, conferindo o dinamismo necessário à trama. As atuações carismáticas do elenco também são um atrativo. Eastwood encarna seu tipo rústico com a competência clássica de sempre. Bridges, por sua vez, está muito fanfarrão, responsável pelos momentos mais cômicos do filme. E Kennedy, eterno ladrão de cenas, concede grande humanidade ao seu vingativo pertonagem. Atentem para o bom uso da trilha sonora, a qual não é usada como mera muleta para criar suspense na plateia. Um achado, portanto.
Se algum de vocês já se deparou com algum filme cuja importância histórica seja tão inegável quanto o martírio para se assiti-lo até o fim, uma pergunta: como avaliar essas obras? A considerar apenas a apreciação sensorial, "A Idade do Ouro" estaria abaixo da média. Não necessariamente por culpa dos seus criadores, mas talvez pelo envelhecimento típico de boa parte das vanguardas. E sendo este filme um instantâneo do surrealismo, fica explicada a agonia causada pela sequência de provocações à família, à Igreja e à ordem institucional, demasiado envelhecida. Contudo, além da importância das figuras envolvidas na sua concepção, "A Idade do Ouro" ainda é um filme necessário, indo além da mera curiosidade arqueológica. Chega de ressalvas por hoje.
Embora não seja possível desconsiderar que o cinema começou pelo documentário, "Nanook, o Esquimó" é, provavelmente, o primeiro filme a seguir esse gênero de modo consciente. E logo a partir dele é possível apresentar uma pergunta ainda pertinente: até que ponto um documentário reproduz fielmente a realidade? Pelo critério da verossimilhança, "Nanook" seria aprovado sem problemas. Ao menos para olhares externos à realidade no Ártico ou para leigos em antropologia, a representação da vida de um esquimó, até mesmo pelo exotismo perceptível por todos que vivem abaixo do Trópico de Câncer, é apresentada de modo a espelhar o real. Além disso, os enquadramentos eficientes capturam o cotidiano do caçador e da sua família de modo empático e fluido. E aí talvez esteja uma possível chave para os questionadores das intenções do realizador. Após assistirmos ao filme, alguns grilos surgem na cabeça. Até que ponto Robert J. Flaherty apenas capturou as imagens ou, supostamente, as manipulou? Os esquimós retratados eram realmente fiéis à sua cultura, ou encenaram essa autenticidade? Apesar de tantos questionamentos, "Nanook" não chega a ser o mais controverso dos documentários. Adamais, sobreviveu bem enquanto cinema. E isso é o que mais vale.
Não nego que a fase mais recente do cinema de Alain Resnais, a partir de "Meu Tio da América", é a que mais aprecio. Seus primeiros filmes, embora mereçam o devido reconhecimento por sua originalidade, demandam algumas assistidas até serem apreciados a contento. "Hiroshima, Meu Amor" foge e aproxima-se dessa definição. Consegue manter o interesse do espectador ao apresentar uma história de amor duma forma que parece se renovar com o passar do tempo, em vez de envelhecer.
Aliás, os primeiros quinze minutos do filme são geniais por mostrarem apenas partes dos corpos dos protagonistas, sem identificá-los, enquanto cenas avulsas passam na tela, "narradas" por eles. Certamente essa parte de "Hiroshima..." deve ter inspirado o brasileiro "Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo".
Em seguida, o embate entre o modo distinto como o engenheiro japonês e a atriz francesa entendem e desentendem o amor é, com o perdão do clichê, permeado por poesia. Dessa forma, Resnais supera o aspecto demasiado literário do roteiro de Marguerite Duras e nos apresenta um filme esteticamente apreciável e ainda capaz de travar a garganta de qualquer pessoa para quem o amor já tenha significado alguma coisa.
Contrariando a consequência praticamente lógica de que sequências nunca superam o filme original, "Toy Story 2" conseguiu manter as grandes qualidades do primeiro filme e, a partir delas, criar algo ainda mais substancioso e original, sem perder de vista o ideal de cativar o público infantil, essa plateia tão exigente. A partir do rapto do boneco Woody e do dilema entre seguir para uma coleção de museu ou voltar para o convívio dos seus amigos, apesar da efemeridade da sua convivência com o menino Andy, surgem várias questões morais consideráveis, emvoltas em um roteiro bem escrito, tanto em sua estrutura quanto nas falas e referências afiadíssimas. Se querem um filme para convencer alguém de que animação é técnica, e não gênero cinematográfico, e que animações podem ser mais encantadoras e profundas do que muito filme com gente de carne e osso, eis "Toy Story 2".
De pronto, digo que compreendo os que consideram "Drive" um filme muito calculado em todos os seus elementos, no limite do maneirismo. Eu também acuso outros filmes de fazerem o mesmo. Contudo, ao menos para mim, "Drive" funcionou enquanto estrutura narrativa, pela criatividade visual e, óbvio, pelo trabalho dos atores. Em especial do Ryan Gosling. Ele conseguiu caprichar nos detalhes sem parecer um sub-Marlon Brando. E seus coadjuvantes só fizeram o cenário ainda mais atraente. Além disso, há uma série de simbologias postas de modo fluido ao longo de um filme onde a luz, bem como a sua ausência, são personagens praticamente palpáveis. Num tempo em que a violência se tornou vírgula mal colocada no cinema contemporâneo, "Drive" sabe a hora de ser singelo e a hora de ser cru, demasiadamente cru.
O modo como o protagonista literalmente arrebenta seus adversários serve para reforçar o porquê da impossibilidade dele chegar a um final feliz e leve.
Este filme certamente redimiu os olhos de quem se deparou com várias mediocridades no ano que acabou de se encerrar.
Mais do que um filme fundamental no gênero de horror, e muito além do símbolo pop em que se converteu, "O Massacre da Serra Elétrica" ainda mantém sua originalidade ao saber a hora de estender a ação e os momentos em que os atos de crueldade devem acontecer para maximizar o espanto da plateia. Além disso tudo, há que se notar o uso criativo da luz do sol, a qual realça o ambiente tétrico em que os viajantes se encontram, e a forma como se aproveitam da escuridão noturna, como se fosse um novo movimento dentro duma composição musical.
Boa premissa, atores medianos (exceto Helen Mirren e Jeffrey Tambor, ótimos) e realização medíocre. Filme adolescente típico do final dos anos 90. E isso não é nada bom.
Estou começando a acreditar naquela frase do Godard na qual afirma que o cinema é Nicholas Ray. Não se trata de mera demonstração de apreço. Acontece que seus filmes deveriam ser esfregados na cara de quem ainda diz não ser possível haver cinema de autor. E esta produção de recursos modestos é uma grande prova do que ele conseguia fazer com as imagens em movimento. Além disso, extraía dos seus atores desempenhos bastante elaborados. Aliás, Farley Granger representa aqui um proto-James Dean, alguém deslocado em seu ambiente, querendo outros ares, mas ainda preso às obrigações impostas pelos seus pares. Eis uma estreia digna e plena de talento.
A liberdade é o ponto de partida deste filme, fluido feito o Rio Capibaribe retratado logo em suas primeiras cenas. Mas não só. Além da liberdade, a vida do poeta Zizo, vivido com esmero por Irandhir Santos, é uma vida pelos sentidos, um descompromisso, um desamarrar de cadarços, afrouxamento de gravatas, de vergonhas, desafogo a rodo. Algo que se reflete em outros personagens, motivo pelo qual o preto e branco aqui escolhido contrasta com louvor com o constante hedonismo de Zizo e seus amigos. Eneida (Nanda Costa) é, a um só tempo, um contraponto no fluxo de vida do poeta e o objetivo maior dos seus sentimentos. O roteiro resulta numa estrutura sólida que, no entanto, não impede o surgimento de criadouros de momentos poéticos supostamente gratuitos. Apenas supostamente. Também a mencionar o modo orgânico como a trilha sonora se imiscui ao longo do filme. Penso seriamente que este é o melhor filme de Claudio Assis, com todas as qualidades e sem os defeitos dos anteriores. E para quem não se deixou encantar por “Febre do Rato”, um esclarecimento: “Eu gosto do que não entendo”.
O Silêncio do Lago
3.7 175O grande mérito deste filme é apresentar um dos retratos cruéis da psicopatia.
A apresentação compassada do perfil do obcecado Raymond ajuda a criar uma tensão quase tão grande quanto à dúvida sobre o destino de Saskia.
Por outro lado, o modo como apresenta a obsessão de Rex em saber o paradeiro da sua namorada cria a dúvida no espectador em saber se ele não seria mais maníaco do que Raymond, por mais que os atos deste o caracterizem como um vilão.
Não fosse por algumas cenas estendidas em excesso, poderia ser uma obra-prima.
O Homem que Burlou a Máfia
3.9 31 Assista AgoraWalter Matthau protagonizando um filme de ação?
Essa credencial, somada à direção pelo calejado Don Siegel, atraiu-me para um filme que me desarmou pelo seu ritmo constante, mas sem afobações.
Não há, aqui, nenhuma firula a fim de confundir o espectador por confundir.
"O Homem que Burlou a Máfia" merece ser visto por quem pensa que todo filme de ação deve ser hiperativo e cheio de cortes.
Além disso, Matthau interpreta um bandido cuja inteligência e sangue frio contrastam com os sentimentos que tem para com a namorada e parceira de crimes, por exemplo.
Entretenimento em cinema não precisa ser vazio e vulgar. Este filme é uma bela prova.
Fome
4.0 310A profissão anterior de um cineasta diz muito sobre as marcas impressas em seus filmes.
Sendo artista plástico antes de se voltar ao cinema, Steve McQueen compõe várias passagens de "Hunger" como se fossem instalações artísticas. Um exemplo é a cela dividida por dois presos políticos, cujas paredes são decoradas por um deles com seus próprios excrementos.
Este filme desafia, em certos momentos, a paciência do espectador que não se deslumbrar facilmente com os maneirismos na fotografia e com a incômoda sensação de que McQueen desidratou o aspecto humanístico do tema de "Hunger" em favor unicamente da estética.
Por outro lado, a forma como apresenta a nudez masculina é bem mais proveitosa, mesclando o lado político que justificava a opção dos presos do IRA por não vestirem uniformes de presidiários com o aspecto homoerótico típico do imaginário coletivo em se tratando de cadeias.
Em todo caso, apesar do trabalho árduo de Michael Fassbender para recriar a degeneração física progressiva do militante Bobby Sands, a sanha do diretor em fugir de quaisquer emotividades acaba por causar o efeito contrário, resultando na incapacidade de sentirmos empatia pelo personagem ou por sua causa.
Um filme moralmente bem intencionado não se sustenta caso não apresente méritos artísticos dentro de si.
Contudo, de pouco vale um filme de grande impacto estético se ele desperdiça o potencial derivado do tema que se propõe a abordar.
Exceto pelo longo diálogo entre Bobby Sands e um padre, uma das melhores partes do filme, fica-se com a impressão de que o protesto do IRA, culminando numa dramática greve de fome, serviu de mero pretexto para o diretor fazer algo mais apropriado a uma bienal de arte do que ao cinema.
Perfect Blue
4.3 815Visualmente, este longa em animação satisfaz pela animação simples, sem exageros, com algumas ousadias estéticas.
O conteúdo, no entanto, apesar de promissor, acaba cansando pelo excesso de reviravoltas e de representações dos sonhos e delírios da protagonista.
Para quem achou a coisa muito "Cisne Negro", curioso saber que Darren Aronofsky detém os direitos autorais sobre este filme nos EUA.
Seja como for, é uma estreia ousada e criativa de um diretor cuja carreira foi interrompida antes da hora.
Sombras
3.8 50"Sombras" = jazz
Não é apenas o modo declaradamente improvisado como este filme veio à tona.
A estrutura cheia de quebras, onde cada atuação soa feito um instrumento musical, também leva a essa impressão.
Até mesmo a abordagem do preconceito racial apresenta um viés nada óbvio.
Aqui, olhares e hesitações falam mais do que um tratado sobre o tema.
E a metamorfose emocional da jovem Leila, assumindo várias facetas sem aparentar nenhum esforço, é uma aula de interpretação para qualquer atriz.
Eventuais questões técnicas precisam ser reveladas pelo espectador neófito em Cassavetes.
Afinal, desprezar essa obra de arte por alguns problemas de sincronia é um despropósito.
"Sombras" é um tremendo "achadow"!
Glória
3.7 40O cinema de John Cassavetes é um verdadeiro fugitivo do óbvio.
Voltado às emoções humanas em contextos por vezes inóspitos, seu estilo não se adapta bem à filtragem de grandes produções. Não por acaso, além de um círculo íntimo de atores, escalava sua mulher, a excelente Gena Rowlands, e até mesmo outros familiares para seus filmes.
E embora "Glória" tenha sido lançado por um estúdio famoso, trata-se de um Cassavetes de primeira.
A começar pela presença mítica de Rowlands, interpretando uma mulher calejada pela vida nas ruas que torna-se protetora de um menino perseguido por mafiosos que exterminaram sua família.
A pieguice passa longe deste filme, cujo mote inspirou outras produções ("O Profissional", "Central do Brasil" e "Verônica", por exemplo).
O principal, contudo, é o ponto de vista incomum de Cassavetes, neste que é um belo modo de conhecer seus trabalhos mais pessoais.
Minha Esperança é Você
3.8 22 Assista AgoraAviso a todos: se nunca viram nenhum filme dirigido por John Cassavetes, NÃO comecem por este.
Não se trata de menosprezar "Minha Esperança é Você". Acontece que Cassavetes é um dos cineastas mais autorais de todos os tempos. Em praticamente toda a sua filmografia, buscou fazer tudo à sua maneira, investindo seu próprio dinheiro quando necessário, obtido por meio do seu trabalho como ator em grandes produções.
Nas poucas vezes em que dirigiu para grandes estúdios, algo que ele comparou a "trabalhar no esgoto", os filmes resultados, independentemente das suas qualidades intrínsecas, não representavam a visão que Cassavetes pretendia neles imprimir.
Feitas essas ressalvas, "Minha Esperança é Você" merece ser visto por outras razões.
Por oferecer um retrato nada condescendente da situação em que se encontram as crianças excepcionais, por deficiências mentais ou outras espécies de transtorno.
Por contrapor a abnegação da professora vivida de modo comovente por Judy Garland, já iniciando o crepúsculo de sua carreira, à racionalidade do diretor da escola, encarnado por Burt Lancaster com o brilhantismo de sempre.
E por concentrar-se no drama de um menino autista e no limbo em que se encontra entre o mundo dos "normais" e o abrigo seguro oferecido a quem apresenta outros tipos de distúrbios mentais.
No fim, a mão do produtor Stanley Kramer, notório pelos dramas humanistas que dirigiu, prevalece sobre a do diretor John Cassavetes.
Mesmo assim, é um filme a ser visto, senões à parte.
Não
4.2 472 Assista AgoraÉ sempre um gosto topar com um filme cujas boas intenções encontram eco na sua qualificação artística.
Em "No", nota-se o preciso apuro na reconstituição do ambiente oitentista, em especial nos elementos que compunham o espírito daqueles tempos tão plastificados.
Durante alguns momentos, chega-se a acreditar que até mesmo as cenas ficcionais tenham sido extraídas de algum arquivo.
Outro ponto favorável a este filme é algo que falta, e muito, na maioria dos filmes brasileiros referentes à ditadura em que vivemos de 64 a 85: um equilíbrio na retratação do lado do governo e o dos seus opositores.
Por aqui, não raro acabam fazendo hagiografia dos que enfrentaram o regime militar em certos filmes, praticamente sem nenhuma autocrítica.
Aliás, quando o protagonista de "No" contesta a visão ideológica dos organizadores da campanha do "não", não é apenas a sua visão propagandística em relevo, mas também a percepção aguda de que a maioria das pessoas, mesmo que tenham conhecimento das atrocidades cometidas pelo governo autoritário de Pinochet, não se convenceriam da necessidade de se manifestar contra ele.
Nesse e noutros detalhes, "No" deveria ser obrigatório para praticamente todos os cineastas brasileiros que abordam o tema da ditadura com demagogia.
Além disso, o acossamento cometido pelos partidários do "sim", além do seu poderio em face aos seus adversários, remete à história bíblica de Davi e Golias. O modo como esse contraste é explorado no filme lhe garante uma tensão crescente a ponto de, apesar de se saber de antemão o resultado do plebiscito (felizmente, vencido pelo "não"), nos empatizamos com a história do jovem publicitário, cujo passado que o levou a se exilar do Chile por uns tempos é apenas sugerido.
Talvez nesse particular o filme perca um pouco o seu brilho. Ao fugir da obviedade, o excesso de sutileza ao representar o histórico pregresso de René Saavedra acaba por fazer o filme um tanto rarefeito, destoando da abordagem realista e direta em tudo o mais.
No entanto, há bem mais méritos a se louvar em "No".
Eis um hype que merece a atenção que vem recebendo mundo afora.
Bem-Vindos
4.0 47Onde foram parar os ideais libertários dos anos 60 e 70?
"Bem-Vindos" é uma possível e feliz resposta a esta questão.
Aproveitando-se do microcosmo aparentemente aconchegante de uma casa onde as pessoas vivem como os hippies doutros tempos, Lukas Moodysson apresenta com eficiência o contraponto a essa visão idealizada com a presença de Elizabeth e seus filhos, em choque com o modo de vida tão deslocado da realidade individualista que os circunda e de onde ela acabou de sair por conta das agressões do marido.
E é por meio de Göre, irmão de Elizabeth e a figura mais proeminente dentre os hippies tardios, que começamos a perceber as rachaduras na imagem idílica da sua comunidade.
Amor livre, diversidade sexual, desapego a bens materiais e solidariedade são palavras bonitas e até estimulantes. Colocá-las na prática, contudo, demanda bem mais do que boa vontade.
O mais interessante em "Bem-Vindos" é a forma extremamente feliz de retratar esses e outros pontos de vista. Repetindo com eficiência a direção de arte intimista de "Amigas de Colégio", seu filme de estreia, e se valendo de uma fotografia calorosa e de uma trilha sonora adequada, Moodysson conjuga entretenimento de alto nível, provocações na medida certa (as cenas de nudez nunca são gratuitas) e um argumento afiado e bem desenvolvido no roteiro.
Mais do que recomendado.
Michel Petrucciani
3.9 4Todo documentário que apresenta a figura retratada sem ignorar seus defeitos merece algum crédito.
E sendo essa figura um exemplo de superação das dificuldades físicas que não impediram a manifestação do seu dom artístico, este filme poderia ter seguido o rumo das obras edificantes, com lição de moral e os acessórios decorrentes.
"Michel Ptrucciani" foge disso tudo.
Para começar, é um filme divertido em boa parte das suas passagens.
O uso eficiente do vasto material de arquivo, tanto de apresentações de Michel quanto de imagens da sua intimidade, é um ponto a favor.
E a comoção que se segue à medida em que se aproxima o fim da vida do notável pianista é genuína e desprovida de apelações.
Ao final, nos sentimos mais instruídos ao conhecer a trajetória de um jazzista incomum em todos os sentidos e mais elevados porque, acima de quaisquer quebras de paradigmas, permanece a música.
Um Sonho de Amor
3.5 180Luxo
Luz
Luxúria
Fosse eu um poeta concreto, assim resumiria este filme.
Chama a atenção, logo de pronto, o refinamento da família Recchi na cena do jantar.
E a sutileza dos gestos e palavras que denotam o aspecto infeliz do qual nenhuma família escapa.
A matriarca, por mais assimilada que esteja à Itália, não consegue evitar a sensação de deslocamento, mascarada pelo amor profundo dedicado aos filhos e pelo senso de dever típico das senhoras bem casadas.
O amor que lhe surge na vida por um viés dos mais carnais não será nada gratuito. Inclusive pelas consequências dele derivadas.
A trilha sonora permeada por obras de John Adams, um dos mais notáveis compositores de música erudita vivos, ajudar a reforçar o estranhamento no qual os personagens estão imersos, por razões as mais diversas, tendo o amor por base, em várias formas.
O grande senão deste filme, no entanto, é o excesso de sutileza em determinadas cenas. O que poderia ser leveza, em dados momentos, acaba sendo incerteza. E não das mais desejáveis.
Mesmo assim, é um filme a ser descoberto e, no mínimo, revisto.
Quem sabe, após algumas camadas a serem removidas, esta obra, cujo título brasileiro é muito impreciso, não venha a revelar a sua verdadeira identidade?
Perversa Paixão
3.4 70São raros os atores que se dedicam à direção de filmes e que são reconhecidos por esta atividade. E mais raros ainda os que continuam sendo valorizados por suas atuações.
Claro que nada disso seria previsto na trajetória de Clint Eastwood apenas por este filme.
No entanto, já aparecem elementos que, se não definem necessariamente um estilo eastwoodiano, voltariam em outras realizações suas: o apreço pelo jazz, os roteiros com tramas enganosamente simples, as referências à cidade de Carmel, etc.
Além disso, Clint parece ter absorvido bem o estilo de vida mais liberal da Califórnia, refletido na diversidade de tipos em torno do seu personagem, um radialista perseguido por uma fã com quem teve um caso fugaz.
Também merece citação a homenagem ao grande pianista Erroll Garner, cuja composição "Misty", regravada por trocentas pessoas, é o pretexto maior deste filme.
Vale mencionar que a música só aparece plenamente na desconcertante cena final, um dos efeitos mais elegantes que já vi em se tratado do uso da música em cinema.
Não fosse por alguns momentos titubeantes na direção, explicáveis por conta da estreia nesse ramo, "Perversa Paixão" seria excelente.
Contudo, é um trabalho digno de quem o fez, certamente honrando seus mentores. Um deles, por sinal, o cineasta Don Siegel, aparece em cena interpretando um balconista de bar.
"Look at me...".
Carmen Miranda: Bananas Is My Business
4.2 51 Assista AgoraNão é preciso ter Carmem Miranda como ídola para reconhecer sua importância para a nossa cultura, tanto pelo seu talento quanto pelo símbolo controverso que veio a representar do nosso país nos EUA e além.
Este documentário é um relato histórico somado à voz em off da diretora, a demonstrar sua ligação emocional com o mito.
Os depoimentos preciosos de quem conviveu com Carmem e sobreviveu muito além para preservá-la para a posteridade são essenciais para compreender tão importante personagem.
Atentem à curiosa escolha do transformista Erick Barreto, precocemente falecido, para interpretar Carmen Miranda já em sua forma mais famosa.
A um só tempo, homenageia a artista por uma respeitosa imitação e faz referência ao grande apelo que ela teve entre os gays.
O recurso da ficção, nem sempre usado de forma feliz em documentários, aqui faz todo o sentido, além de não atrapalhar a condução da narrativa.
E por escapar de quaisquer didatismos, tampouco canonizar sua protagonista, "Bananas Is My Business" é um documentário digno que merece ser mais conhecido.
Palavra (En)Cantada
4.4 96A canção ainda vive. E bem.
É uma possível conclusão deste simpático documentário, o qual retrata o ofício de cantores, compositores e poetas às voltas com uma das formas mais antigas de composição artística.
Não fosse a falta de atenção a uma possível diferença entre poesia e letra de música, talvez pelo olhar privilegiado aos músicos, poderia ser um filme ainda mais grandioso.
Em compensação, os depoimentos servem aos números musicais, em vez de serem meras "cabeças" inseridas a esmo no documentário.
Muito além de qualquer didatismo.
O Último Golpe
3.5 39 Assista AgoraEste é um filme de aventura pouco visto e falado.
Se Michael Cimino não tivesse caído em sua trajetória ascendente enquanto cineasta, certamente se lembrariam mais da sua estreia bem conduzida, onde a ação ocorre nos momentos certos, conferindo o dinamismo necessário à trama.
As atuações carismáticas do elenco também são um atrativo.
Eastwood encarna seu tipo rústico com a competência clássica de sempre.
Bridges, por sua vez, está muito fanfarrão, responsável pelos momentos mais cômicos do filme.
E Kennedy, eterno ladrão de cenas, concede grande humanidade ao seu vingativo pertonagem.
Atentem para o bom uso da trilha sonora, a qual não é usada como mera muleta para criar suspense na plateia.
Um achado, portanto.
A Idade do Ouro
3.8 85Se algum de vocês já se deparou com algum filme cuja importância histórica seja tão inegável quanto o martírio para se assiti-lo até o fim, uma pergunta: como avaliar essas obras?
A considerar apenas a apreciação sensorial, "A Idade do Ouro" estaria abaixo da média.
Não necessariamente por culpa dos seus criadores, mas talvez pelo envelhecimento típico de boa parte das vanguardas. E sendo este filme um instantâneo do surrealismo, fica explicada a agonia causada pela sequência de provocações à família, à Igreja e à ordem institucional, demasiado envelhecida.
Contudo, além da importância das figuras envolvidas na sua concepção, "A Idade do Ouro" ainda é um filme necessário, indo além da mera curiosidade arqueológica.
Chega de ressalvas por hoje.
Nanook, o Esquimó
3.8 81 Assista AgoraEmbora não seja possível desconsiderar que o cinema começou pelo documentário, "Nanook, o Esquimó" é, provavelmente, o primeiro filme a seguir esse gênero de modo consciente.
E logo a partir dele é possível apresentar uma pergunta ainda pertinente: até que ponto um documentário reproduz fielmente a realidade?
Pelo critério da verossimilhança, "Nanook" seria aprovado sem problemas.
Ao menos para olhares externos à realidade no Ártico ou para leigos em antropologia, a representação da vida de um esquimó, até mesmo pelo exotismo perceptível por todos que vivem abaixo do Trópico de Câncer, é apresentada de modo a espelhar o real.
Além disso, os enquadramentos eficientes capturam o cotidiano do caçador e da sua família de modo empático e fluido.
E aí talvez esteja uma possível chave para os questionadores das intenções do realizador.
Após assistirmos ao filme, alguns grilos surgem na cabeça.
Até que ponto Robert J. Flaherty apenas capturou as imagens ou, supostamente, as manipulou?
Os esquimós retratados eram realmente fiéis à sua cultura, ou encenaram essa autenticidade?
Apesar de tantos questionamentos, "Nanook" não chega a ser o mais controverso dos documentários. Adamais, sobreviveu bem enquanto cinema. E isso é o que mais vale.
Hiroshima, Meu Amor
4.2 315 Assista AgoraNão nego que a fase mais recente do cinema de Alain Resnais, a partir de "Meu Tio da América", é a que mais aprecio.
Seus primeiros filmes, embora mereçam o devido reconhecimento por sua originalidade, demandam algumas assistidas até serem apreciados a contento.
"Hiroshima, Meu Amor" foge e aproxima-se dessa definição.
Consegue manter o interesse do espectador ao apresentar uma história de amor duma forma que parece se renovar com o passar do tempo, em vez de envelhecer.
Aliás, os primeiros quinze minutos do filme são geniais por mostrarem apenas partes dos corpos dos protagonistas, sem identificá-los, enquanto cenas avulsas passam na tela, "narradas" por eles. Certamente essa parte de "Hiroshima..." deve ter inspirado o brasileiro "Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo".
Em seguida, o embate entre o modo distinto como o engenheiro japonês e a atriz francesa entendem e desentendem o amor é, com o perdão do clichê, permeado por poesia.
Dessa forma, Resnais supera o aspecto demasiado literário do roteiro de Marguerite Duras e nos apresenta um filme esteticamente apreciável e ainda capaz de travar a garganta de qualquer pessoa para quem o amor já tenha significado alguma coisa.
Toy Story 2
4.0 711 Assista AgoraContrariando a consequência praticamente lógica de que sequências nunca superam o filme original, "Toy Story 2" conseguiu manter as grandes qualidades do primeiro filme e, a partir delas, criar algo ainda mais substancioso e original, sem perder de vista o ideal de cativar o público infantil, essa plateia tão exigente.
A partir do rapto do boneco Woody e do dilema entre seguir para uma coleção de museu ou voltar para o convívio dos seus amigos, apesar da efemeridade da sua convivência com o menino Andy, surgem várias questões morais consideráveis, emvoltas em um roteiro bem escrito, tanto em sua estrutura quanto nas falas e referências afiadíssimas.
Se querem um filme para convencer alguém de que animação é técnica, e não gênero cinematográfico, e que animações podem ser mais encantadoras e profundas do que muito filme com gente de carne e osso, eis "Toy Story 2".
Drive
3.9 3,5K Assista AgoraDe pronto, digo que compreendo os que consideram "Drive" um filme muito calculado em todos os seus elementos, no limite do maneirismo.
Eu também acuso outros filmes de fazerem o mesmo.
Contudo, ao menos para mim, "Drive" funcionou enquanto estrutura narrativa, pela criatividade visual e, óbvio, pelo trabalho dos atores.
Em especial do Ryan Gosling. Ele conseguiu caprichar nos detalhes sem parecer um sub-Marlon Brando.
E seus coadjuvantes só fizeram o cenário ainda mais atraente.
Além disso, há uma série de simbologias postas de modo fluido ao longo de um filme onde a luz, bem como a sua ausência, são personagens praticamente palpáveis.
Num tempo em que a violência se tornou vírgula mal colocada no cinema contemporâneo, "Drive" sabe a hora de ser singelo e a hora de ser cru, demasiadamente cru.
O modo como o protagonista literalmente arrebenta seus adversários serve para reforçar o porquê da impossibilidade dele chegar a um final feliz e leve.
Este filme certamente redimiu os olhos de quem se deparou com várias mediocridades no ano que acabou de se encerrar.
O Massacre da Serra Elétrica
3.7 1,0K Assista AgoraMais do que um filme fundamental no gênero de horror, e muito além do símbolo pop em que se converteu, "O Massacre da Serra Elétrica" ainda mantém sua originalidade ao saber a hora de estender a ação e os momentos em que os atos de crueldade devem acontecer para maximizar o espanto da plateia.
Além disso tudo, há que se notar o uso criativo da luz do sol, a qual realça o ambiente tétrico em que os viajantes se encontram, e a forma como se aproveitam da escuridão noturna, como se fosse um novo movimento dentro duma composição musical.
Tentação Fatal
2.9 220Boa premissa, atores medianos (exceto Helen Mirren e Jeffrey Tambor, ótimos) e realização medíocre.
Filme adolescente típico do final dos anos 90.
E isso não é nada bom.
Amarga Esperança
4.1 22Estou começando a acreditar naquela frase do Godard na qual afirma que o cinema é Nicholas Ray.
Não se trata de mera demonstração de apreço.
Acontece que seus filmes deveriam ser esfregados na cara de quem ainda diz não ser possível haver cinema de autor.
E esta produção de recursos modestos é uma grande prova do que ele conseguia fazer com as imagens em movimento.
Além disso, extraía dos seus atores desempenhos bastante elaborados.
Aliás, Farley Granger representa aqui um proto-James Dean, alguém deslocado em seu ambiente, querendo outros ares, mas ainda preso às obrigações impostas pelos seus pares.
Eis uma estreia digna e plena de talento.
Febre do Rato
4.0 657A liberdade é o ponto de partida deste filme, fluido feito o Rio Capibaribe retratado logo em suas primeiras cenas.
Mas não só.
Além da liberdade, a vida do poeta Zizo, vivido com esmero por Irandhir Santos, é uma vida pelos sentidos, um descompromisso, um desamarrar de cadarços, afrouxamento de gravatas, de vergonhas, desafogo a rodo.
Algo que se reflete em outros personagens, motivo pelo qual o preto e branco aqui escolhido contrasta com louvor com o constante hedonismo de Zizo e seus amigos.
Eneida (Nanda Costa) é, a um só tempo, um contraponto no fluxo de vida do poeta e o objetivo maior dos seus sentimentos.
O roteiro resulta numa estrutura sólida que, no entanto, não impede o surgimento de criadouros de momentos poéticos supostamente gratuitos. Apenas supostamente.
Também a mencionar o modo orgânico como a trilha sonora se imiscui ao longo do filme.
Penso seriamente que este é o melhor filme de Claudio Assis, com todas as qualidades e sem os defeitos dos anteriores.
E para quem não se deixou encantar por “Febre do Rato”, um esclarecimento:
“Eu gosto do que não entendo”.