O que Charles Laughton faria se pudesse prosseguir dirigindo filmes? Faria algo tão bom ou melhor que "O Mensageiro do Diabo"? Usaria tão bem o contraste do P&B, com o intento de reforçar o aspecto sombrio do argumento principal? Saberia, feito o grande ator que era, extrair desempenhos fabulosos de seus intérpretes, em especial do subestimadíssimo Robert Mitchum? Aliás, este provavelmente foi o papel da sua vida, tão marcada pela fama de "bad boy", o que eclipsou sua presença notável nas telas e até mesmo sua carreira de cantor, muito acima da média dos típicos cantores bissextos de Hollywood. O protagonista deste filme realmente assombra as mentes de qualquer criatura minimamente impressionável. Shelley Winters, interpretando uma das tantas viúvas vítimas do psicopata, também não faz feio. Contudo, a presença mais emblemática, junto com a de Mitchum, é mesmo a da já então veterana Lilian Gish, em um papel estratégico neste filme tão perturbadoramente belo quanto uma pérola turva. Eis um filme cult que merece a fama que possui.
Só mesmo sendo coppolamaníaco ou completista demais para justificar algum apreço por "Demência 13". Apontar as semelhanças entre este filme e "Psicose" serve apenas para elevar o filme de Hitchcock e rebaixar esta tentativa canhestra e intoleravelmente tosca de pegar carona no sucesso da trama ambientada no Motel Bates. Bem típico de Roger Corman, aliás. E não me refiro à pobreza de recursos, algo que Corman soube usar a favor de boa parte dos filmes que produziu e/ou dirigiu. No caso, o roteiro é incapaz de conduzir algum tipo de tensão. Sem um bom material de base, ou sem um diretor inventivo para fazer muito com pouco, não há boa vontade ou simpatia a Corman ou Coppola que adiantem. Exceto por algumas cenas à beira do lago, não há praticamente nada aproveitável nesse trabalho de Coppola. Certos artistas só demonstram o melhor de si após tropeçarem bastante. Sendo assim, "Demência 13" é um tropeção tão grande que perigou amputar os dedos do pé da carreira de Coppola antes mesmo de começar.
É importante, ao avaliar um filme, não nos intimidarmos com o respaldo dos seus realizadores. Mesmo que Polanski já seja um dos grandes, não tenho receio algum em dizer que "A Faca na Água" é frustrante. Ao pretender fugir do lugar-comum ao mostrar um triângulo amoroso acidental num barco em alto mar, Polanski acabou por cometer um filme enfadonho. O dono do barco ensaia uma antipatia que acaba por incompleta. O caroneiro, cujo comportamento a todo instante ameaça levar a alguma consequência trágica, quebra as expectativas. No mau sentido. Apenas a mulher, que parece se metamorfosear ao longo da trama, demonstra alguma relevância. É por ela e por alguns planos bem filmados, aproveitando bem a condição dos protagonistas, que esse filme merece alguma consideração.
Mesmo que "Evil Dead" não fosse um filme desfrutável, já seria digno de admiração pelo modo como o diretor soube usar os parcos recursos de produção para cometer um filme de horror dotado de graça e que, mesmo mais de trinta anos após realizado, não caiu na vala do humor involuntário na qual tantas obras de horror acabam indo parar quando não resistem ao teste do tempo. Além disso, criou um dos personagens mais emblemáticos do gênero. Ash (Bruce Campbell) é uma das poucas vítimas de forças ocultas capaz de rivalizar em fama com os grandes ícones do terror, em sua maioria os algozes. Sam Raimi, definitivamente, começou bem sua trajetória.
Dizer que os aspectos morais de um filme devem ser desconsiderados em favor das suas qualidades técnicas equivale a colocar num mesmo nível cientistas feito Einstein e Mengele. Simpatizar com as ideias políticas de um cineasta não torna seus filmes dignos. Repudiá-las, por outro lado, não deve justificar o banimento de uma obra cinematográfica. No entanto, "O Nascimento de Uma Nação" é um caso à parte. Há pessoas capazes de esquecer a premissa abjeta deste filme, eivado dum racismo mais cretino do que a média, apenas pelas inovações estéticas dele decorrentes. Exceto para historiadores, ou mesmo aficcionados pelo cinema mudo, as tantas novidades carreadas por "O Nascimento de Uma Nação" acabam diminuídas para os olhos já tão acostumados à narrativa cinematográfica das últimas décadas. Claro que ainda resta algo com que se impressionar, conforme as cenas de batalha, num vermelho vívido e enfumaçado. E algumas atuações ainda sobrevivem bem, destaque óbvio para Lilian Gish. Contudo, até mesmo nesse aspecto este filme é racista. Praticamente não há personagens negros de destaque que não sejam interpretados (propositalmente) mal por brancos com o rosto pintado. E o modo como são interpretados é tão farsesco que chega a enervar. Não por acaso, as passagens mais digeríveis deste filme são as que mostram a Guerra Civil Americana pelo ponto de vista dos combatentes sulistas, praticamente sem o conteúdo discriminatório que é visto antes e depois. E não se trata de ser politicamente correto, mesmo sabendo que o antipoliticamente correto é o penúltimo refúgio dos canalhas. Acontece que um filme não deve ser apreciado apenas pelos seus aspectos intrínsecos, mas também pelo seu significado histórico e, principalmente, pelo prazer que dele pode se depreender. E "O Nascimento de Uma Nação" falha até mesmo nisso, pois o esmero com o qual Griffith delineou alguns dos personagens brancos cai por terra quando vemos a forma grotesca como retrata os negros, que só aparentam alguma dignidade quando agem de forma submissa aos senhores sulistas. Se serve de consolo para os defensores da excelência deste filme, certamente irei atrás de outros do mesmo diretor, que parece ter tentado se redimir do mal-estar causado por "O Nascimento de Uma Nação" através de "Intolerância", outro filme grandioso. Contudo, "O Nascimento..." é um filme que provavelmente não reverei. A vida é curta.
Confesso que a metalinguagem pode ser algo indigesto demais. Em especial no cinema, onde esse recurso, não raro, é usado para mascarar a falta de profundidade ou ressaltar a auto-indulgência de certos diretores. Portanto, mil receios antes de ver a estreia de Charlie Kaufman na direção de filmes, depois de tão incensado por seus roteiros complexos. Contudo, ressalvando a duração excessiva e a forma súbita conforme certos eventos se passam no decorrer da trama, "Sinédoque, Nova York" resulta num melancólico estudo sobre a criação artística, sua ligação com a vida real dos criadores e, num sentido mais amplo, sobre a finitude da vida, os desvãos do desejo e outras questões que não se mostram em qualquer canto por aí. Pelo menos não com tanta elaboração. Desnecessário dizer que os atores, aqui, estão ótimos. Idem para seu envelhecimento, exceto para o de Michelle Williams, que aparece com a mesma cara de novinha em praticamente toda a sua participação no filme.
Aliás, Kaufman foi um gênio em escalar as ótimas atrizes Emily Watson e Samantha Morton para contracenarem juntas! Tão parecidas uma com a outra...
Atentem para o eficiente uso do espaço cênico mesclado às possibilidades do cinema. Talvez essa seja a grande contribuição ao cinema que este filme legará, talvez até mais do que o estilo já firmado de Kaufman na condução de narrativas oblíquas. Apesar de merecer partes das avaliações negativas à época do seu lançamento, vê-se que, hoje, este filme parece ter mostrado a que veio.
Por maiores as boas intenções de um cineasta, não há garantias de que, logo na estreia, ele consiga manifestá-las a contento. Assim ocorre com "Lola, a Flor Proibida". Louvável a proposta de falar de amor por meio de uma corista de cabaré, mãe solteira e, apesar de entregue ao desejo de outros homens, ainda apaixonada pelo pai de seu filho, que saiu errante pelo mundo. Contudo, em certos momentos, nota-se que o filme perde o ritmo várias vezes. E mesmo o único número musical, antecipando algo que permearia seus futuros trabalhos, resulta frustrante. Por fim, caso se limitasse à abordagem do amor, em especial quanto ao personagem Roland, poderia ser um filme eterno. Em vez disso, ficou na promessa.
Reconheço que não estava certo sobre a real grandeza do cinema de Wes Anderson. Talvez uma mudança de gostos que me levou a deixar de lado certo tipo de filme, por referencial e estilizado em demasia, tenha feito com que eu não fosse mais tão curioso pelas suas obras. E é nesses termos que me redimo com "Moonrise Kingdom". Que aparenta ser um típico filme de Anderson: enquadramentos minuciosamente elaborados, personagens emocionalmente à deriva, referências vintage a rodo e a presença de algum dos irmãos Wilson. Todos esses elementos comparecem, exceto pelo último. O que já é uma boa notícia. Contudo, o que torna "Moonrise Kingdom" especial é a protagonização por um casal que, nos tempos atuais, seria enquadrado na categoria pré-adolescente. Sendo o roteiro ambientado nos anos 60, são crianças mesmo. No melhor dos sentidos, ou seja, o da curiosidade pelo novo, do destemor em aventurar-se e o do desajeito quando defronte a novos gostos e desejos. A jornada do casal Sam e Suzy e a busca empreendida pelos dois jovens concedem um elemento aventuresco à trama, sem que lhe prenda feito uma camisa de força.
A cena da praia, quando eles dançam e descobrem a natureza de seus corpos, é tão delicada quanto bem resolvida. Infantil, não infantiloide.
Além disso, os enquadramentos criam a impressão de que estamos vendo as páginas de um livro em movimento. É o cinema se apropriando da literatura e de outras artes da forma mais abrangente possível. Certamente quererei ver este filme outra vez. Não sei se descobrirei novos encantos ou se manterei o apreço pelos que já estimo. Mas uma coisa é certa: "Moonrise Kingdom" é um filme que não deixa espaço a arrependimentos para quem se dispõe a conhecê-lo.
"Gosto de Sangue" é, sem dúvida, uma bela duma carta de intenções do cinema dos irmãos Coen. A distorção de gêneros cinematográficos, o humor negro, a ênfase em personagens dúbios em situações tragicômicas e, por fim, as imagens estilizadas que tanto ajudaram a tornar seus filmes tão icônicos. No caso, "Gosto de Sangue" se apropria do signos do cinema noir, aplicando-os em um roteiro atemporal na medida certa. Todas as atuações funcionam a contento, com destaque para o repulsivo detetive vivido por M. Emmet Walsh e pela femme fatale incomum encarnada por Frances McDormand, iniciando uma frutífera parceria com os irmãos Coen, sendo casada com um deles na vida real. Ótimo ver este filme em contraponto com outros exemplares do estilo coeniano.
"Nunca houve uma mulher como Leila Diniz", assim disseram. "E nunca haverá!", assim digo eu. Mais de quarenta anos após sua realização, "Todas as Mulheres do Mundo" consegue a rara proeza de ser um retrato do tempo presente à época das filmagens e, ao mesmo tempo, atemporal quanto aos seus méritos cinematográficos. Há uma série de planos inventivos nesta adorável estreia do cineasta (dentre outras qualificações) Domingos de Oliveira. Por exemplo, quando Paulo (Paulo José), o apaixonado protagonista, dispensa em série todas as suas ficantes em favor duma única mulher.
A referência ao ambiente das novelas, quando a televisão brasileira ascendia rumo à conquista dos corações e mentes dos brasileiros, é bastante feliz.
E é o contraste entre a vontade de desfrutar dos sentidos aguçados pela juventude e o amor no sentido mais profundo e doído que justifica a empatia por Paulo. Seja qual for o rumo dos seus desejos, qualquer pessoa, ou já passou por dilemas semelhantes aos do personagem principal, ou desejaria tê-los vivido. Em contraponto, seu melhor amigo, Edu (Flavio Migliaccio), encarna a desilusão dos que já sofreram tanto por amor que não conseguem mais acreditar nesse sentimento. O reencontro entre os amigos após um considerável hiato é o fio condutor da narrativa, entremeada por ótimas cenas que retratam o mundo despreocupado em que Paulo vivia até se apaixonar em definitivo por Maria Alice (Leila Diniz). Por conta desse sentimento intenso é que o rapaz terá sua vida cambiada de forma irreversível, através de idas e voltas que tornam sua situação bastante verossímil e encantadora. Para além do caráter mítico de Leila Diniz, reforçado por seu falecimento súbito e precoce, é preciso reconhecer que, mesmo sem conhecer ainda seus demais trabalhos em cinema, é possível dizer que, acima de tudo, era uma senhora atriz. Sua Maria Alice, unindo sentimento e lascívia, calorosa sem ser vulgar e distinta sem ser sisuda, é um dos personagens mais emblemáticos do nosso cinema. Contando com ótimos coadjuvantes e diálogos lapidares, "Todas as Mulheres do Mundo" é um desses filmes incontornáveis e necessários para quem ainda não percebe o cinema brasileiro do modo como ele merece ser visto.
Aronofsky é um sujeito previsível. E isto, aqui, não é demérito. Pelo contrário. Em praticamente todos seus filmes, a obsessão é o tom. Paradoxalmente, ele a aborda dum modo um tanto cerebral. Esse contraste entre os estados emocionais intensos de seus personagens e a forma calculada como os apresenta e desenvolve é o que permite definir um estilo aronofskyano. "Pi" é uma carta de intenções desse padrão, portanto. Partindo da busca erosiva de um matemático recluso e antissocial por um padrão matemático no mercado das bolsas de valores, fala-se também da busca da perfeição. As constantes procuras pelo valor exato do "pi" vão ao encontro dessa premissa. Construir um thriller mesclando esse contexto científico ao judaísmo hassídico e ao mundo corporativo, ainda mais com um orçamento bem restritivo, só funcionaria com um diretor centrado e uma equipe empenhada em fazer um bom trabalho. Tudo isto está em "Pi", que antecipa vários elementos a serem aproveitados em outros filmes do mesmo diretor.
O velho que canta "I Only Have Eyes for You" no metrô remete a um personagem parecido que faz gestos lascivos para Nina em "Cisne Negro". As cenas em que o protagonista de "Pi" toma seus remédios são um rascunho de outras em "Réquiem para Um Sonho". E por aí segue.
Exceto pelo uso excessivo de música eletrônica na trilha sonora e por um ou outro instante de auto-indulgência, "Pi" é a estreia de um cineasta nada invulgar e digna de nota.
Sendo tanto a estreia de Tarkovsky em longa-metragem quanto o primeiro filme de sua autoria a que assisti na vida, minha avaliação certamente necessitará de reparos num futuro próximo. A tão decantada poesia em seus filmes se mostra de forma um tanto contrabandeada, talvez pela pouca experiência do diretor ou por ser esta uma adaptação de um livro, em vez de ser um roteiro original. O contraste entre os momentos idílicos vividos pelo pequeno e destemido Ivan e sua realidade sombria nos tempos da guerra cria, por vezes, travos na garganta. Contudo, a trama do militar que assedia sua colega poderia render bem mais do que o apresentado. No final, "A Infância de Ivan", exceto por alguns momentos arrastados, cumpre bem seu propósito e é uma boa estreia para uma carreira notável.
Valorizar um filme unicamente pelo tema ou pela abordagem empregada não é o bastante. "Obrigado por Fumar" exemplifica bem essa questão. Afora a provocadora premissa que apresenta um lobista da indústria do cigarro de forma simpática, a ponto de torcermos por ele, a despeito da causa espúria que defende, o que sobra? A forma como demonstra que o lado "certo" da questão nem sempre age de forma coerente com seus princípios, ou que todo lobby possui aspectos obscuros, é eficiente para suscitar boas discussões morais. Porém, insisto: isso é o bastante? Lamento, mas não. Tecnicamente, o filme não é dos piores. O problema é a falta de inventividade do diretor em aproveitar melhor as possibilidades visuais, negligenciadas em favor do roteiro exageradamente redondo. A não ser que surja um "director's cut" de "Obrigado por Fumar", fico com a impressão de que Jason Reitman ficou aquém do que seu talento poderia permitir. Não por acaso, "Juno", seu filme seguinte, é bem mais feliz do ponto de vista cinematográfico. Boa tentativa.
Sem se render de todo à nostalgia, este documentário contextualiza com efeito o histórico libertário do bairro nova-iorquino de Greenwich Village, apresenta as várias vertentes que lá se criaram e/ou fermentaram e entrevista figuras fundamentais feito Norman Mailer e Maya Angelou, dentre outros. Mesmo quem já tem ideia dos fatos marcantes ocorridos nesse lugar terá com o que se surpreender neste filme honesto e fluido, mesclando vultos históricos a figuras cotidianas de um bairro tão fascinante quanto o Village.
Aronofsky segue se valendo de temas tão díspares quanto investigações matemáticas, o vício em drogas e a luta livre como pretextos para tratar de obsessões. Curioso ele, ao voltar-se ao mundo do balé, valer-se de uma composição das mais batidas nesse ambiente como pano de fundo para a trajetória de Nina (Natalie Portman), cujo nome denota certa infantilidade em seus modos e antecipa a forma como lida com seus desejos. A escalação de Winona Ryder interpretando uma bailarina precocemente aposentada, a ser substituída por Nina, foi um grande acerto. Em outros tempos, Winona significou para o imaginário pop o que Natalie Portman representa hoje: uma garota mignon, descolada, de olhar frágil e força insuspeita. Em contrapartida, Mila Kunis representa não apenas um mero nêmesis para a personagem de Portman, mas também uma espécie de cópia em negativo. Barbara Hershey complementa bem o cenário no papel da mãe de Nina, que abandonou o balé supostamente para se voltar à maternidade. Sua presença sufocante justifica o retraimento da filha e sua fúria contida. Interessante notar que os homens neste filme, à exceção do diretor vivido por Vincent Cassel, são praticamente figurantes. Quantos significados isso poderia representar... No mais, Aronofsky comete ótimos lances visuais, capazes de embaralhar a mente do espectador e fazê-lo querer ver o filme novamente só para captar certas pistas da verdade quanto ao verdadeiro estado de Nina. Só não chega a ser um clássico porque, a certa altura do filme, tantas voltas acabam por cansar um pouco os sentidos. Mas é pouca coisa, se considerarmos os méritos de "Cisne Negro". Que, é bom ressalvar, não é sobre balé, mas a partir dele. E isso faz toda a diferença.
Um dos favores mais chatos do cinema nos últimos tempos. Afinal, se Clint Eastwood não atuava em um filme não dirigido por ele há vários anos, por que razão decidiu ceder agora, a esta altura da carreira? Simples: o diretor Robert Lorenz trabalhou como assistente em vários filmes seus. Logo... "Curvas da Vida", com um roteiro menos óbvio, poderia ser uma bela crônica sobre um olheiro de jogadores de beisebol perdendo gradualmente a visão e a resolver seus conflitos de relacionamento com a filha advogada. Em vez, disso, a trama é conduzida de forma burocrática e anêmica. Os enquadramentos praticamente não dizem nada além do óbvio. Até mesmo as atuações colocam o filme para baixo. Clint Eastwood faz o tipo ranzinza em "Gran Torino" em versão mais apagada. Justin Timberlake se esforça, mas não consegue vencer os diálogos clichezentos do seu personagem. Apenas Amy Adams consegue superar as expectativas. E é por ela e por alguns poucos momentos em que o tédio não vence o espectador é que este filme recebe algum crédito. Isso, portanto, é pouco demais para Clint.
Como pode um diretor estreante cometer um filme tão modesto em recursos quanto rico em conteúdo e realizado à altura dos temas abordados? Ainda mais por tratar da adolescência, em especial quando combinada à questão da homossexualidade feminina. Para contrastar com a hostilidade tão típica da maioria dos adolescentes, "Amigas de Colégio" é caloroso onde necessário. A cenografia foi bastante exitosa ao retratar os quartos dos personagens adolescentes, com seus pôsteres na parede, sem resvalar na caricatura à la "Malhação". Não há paternalismo no retrato da juventude aqui exposto. Aliás, os adultos são vistos com naturalidade, sem serem pintados de inimigos dos jovens. Além da naturalidade do desenrolar do sentimento entre as protagonistas, os coadjuvantes estão bem integrados à trama.
Vale mencionar o modo nada condescendente como a personagem cadeirante, de quem muitos teriam dó por paternalismo ou consciência de culpa, é retratada, sem esconder os defeitos de que ela e qualquer outro ser humano são dotados. A forma como ela admite que nunca desejou ser amiga de Agnes, além de dolorosa, revela o quanto ela é homofóbica.
Não poderia esquecer dos planos bem próximos dos atores, denotando a intimidade ressaltada pelos ambientes familiares. A trilha sonora foi bem selecionada, sem exageros. No mais, Lukas Moodyson cometeu um belo filme do qual certamente poderá se orgulhar.
Impressionante o quanto a adequação dos propósitos de um roteiro à realização que o concretizou na tela faz de certos filmes, mais do que bons, verdadeiros documentos sociais. "O Homem Que Virou Suco" é um claro exemplo dessa coerência. E ninguém melhor do que José Dumont, um dos atores mais simbólicos da nossa cinematografia, para representar o papel de um homem das artes cercado pela realidade desgastante de seus pares, tendo que a ela aderir, bem a contragosto, por conta da perseguição sofrida por sua semelhança com um operário assassino e foragido da polícia. Aliás, é fantástico esse argumento: alguém incapaz de provar não ser o homicida que tanto procuram, tanto pela parecença física quanto por não poder provar seu próprio nome aos agentes da lei, por não possuir documento de identidade. Dessa maneira, Deraldo vê-se obrigado a recorrer a uma série de sub-empregos, justo os que tanto se recusava a fazer para se dedicar aos seus poemas, tanto para se sustentar quanto para se ocultar em meio à massa de emigrantes do Nordeste, tratados a desprezo ou paternalismo numa São Paulo que tanto a eles deve por seu desenvolvimento.
Em particular, a cena em que o protagonista foge da polícia em seu primeiro contato é agoniante e poética a um só tempo. Excelente o uso da escuridão num loteamento precário, ao som de uma canção das mais doídas.
A propósito, "O Homem Que Virou Suco" é daquela estirpe de filmes que muito se beneficiaram da associação entre seus realizadores e compositores de canções. Da mesma forma que "A Primeira Noite de Um Homem" enriqueceu-se com as músicas de Simon & Garfunkel, e assim como "Ensina-me a Viver" deve muito a Cat Stevens, "O Homem..." apresenta o cancioneiro de Vital Farias, completamente adequado aos propósitos do filme. O qual só não alcança a excelência por alguns momentos em que ameaça cair em discursos feito o cinema de Sergio Bianchi em seus tempos mais agressivos. Em todo caso, João Batista de Andrade cometeu uma obra digna e que merece ser mais conhecida, em especial pelas tantas pessoas que desconhecem as maravilhas que o cinema brasileiro pode apresentar.
"Argo" é um típico filme vencedor de Oscar. Para o bem e para o mal. Senão, vejamos: a temática política, abordada por um ator mediano convertido em cineasta, ainda pertinente em tempos de ameaças emitidas e recebidas pela atual teocracia iraniana, aqui recebe um tratamento menos heroico e edulcorado do que a média. Ao menos até a meia hora final, percebemos uma autocrítica quase inaudita em filmes dessa estirpe. A presença dos personagens de John Goodman e Alan Arkin, evocando o aspecto pitoresco da trama e uma homenagem à Hollywood enquanto "fábrica de sonhos", é um dos pontos fortes de "Argo", somando-se à sobriedade da fotografia e à atenção em tentar reconstituir o clima da época. Contudo, tanto apuro técnico parece um tanto debalde quando se percebe que o diretor Ben Affleck não abriu mão da edição típica dos filmes da atualidade, com seus milhares de cortes tão próprios aos frenéticos filhos da geração pós-MTV. Os personagens dos reféns são mal explorados a ponto de ser difícil nos compadecermos da sua situação, por mais aflitiva que houvesse sido. Mas o defeito mais indesculpável é a falta de tato de Affleck em assumir o papel principal. Ainda que não seja tão mau ator quanto em seus primeiros êxitos de bilheteria, o filme ressente-se de um protagonista mais cativante. No mais, somente a carência por filmes menos infantiloides quanto a média da produção hollywoodiana para justificar tantos elogios a "Argo". Mesmo assim, cumpre a função de entreter com alguma qualidade. Embora não devamos nos contentar com isso.
Difícil não associar "É Proibido Fumar" ao filme anterior de Anna Muylaert, "Durval Discos". Ambos protagonizados por pessoas deslocadas do seu tempo, cujas existências estão impregnadas de estagnação, posta em xeque quando se deparam com circunstâncias inesperadas que tanto podem levar a um destino feliz quanto a um desfecho trágico. Além disso, a música é um elemento caro demais aos dois filmes, inclusive sendo o ganha-pão para os protagonistas. Dito isso, ao filme da vez. "É Proibido Fumar" possui um mote promissor: até que ponto alguém se dispõe a abrir mão dos seus hábitos e conceitos em nome do amor por outra pessoa? E até que ponto tudo isso vale a pena?
O filme ganharia muito caso se ativesse a esse problema, em vez de inserir o elemento criminal pela morte da ex-mulher(?) de Max (Paulo Miklos), encerrado com um desfecho ambíguo e, não necessariamente por isso, decepcionante.
"É Proibido Fumar" frustra as expectativas geradas pela história de amor entre Baby e Max, não desenvolve o impacto da tentativa de Baby em parar de fumar e termina com a sensação de que o roteiro estava inacabado. Restam, no entanto, a boa exploração do ambiente de confinamento dos prédios residenciais, algum voyeurismo, a atuação sutil de Glória Pires e uma ou outra cena esparsa. O que é pouco.
Nem mesmo a nostalgia pelos anos 80, por quem os viveu ou não, justificaria avaliar este filme como a maravilha que não é. O que é lamentável, considerando o início promissor, embalado pela ótima música "Love Hates", cantada por Marianne Faithfull. O ambiente ameaçador que circundará o irrequieto Morgan (um James Spader quase imberbe) não encontra eco nas inconsistências desse filme, tanto no roteiro quanto no clima pretendido. Algumas passagens, em especial as que envolvem Morgan e a bela Frankie (Kim Richards), acabam arrastadas. E até mesmo as intervenções pretensamente divertidas de Jimmy (Robert Downey Jr.) acabam fora do tom. Fosse mais curto e elaborado, "Tuff Turf" seria bem mais do que um mero bibelô da cinematografia adolescente dos anos 80.
O que dizer quando o grande destaque de um filme é, ao mesmo tempo, seu ponto fraco? Paradoxal, isso? De princípio, falemos da boa encenação sobre quem foi Jane Austen antes de ser a escritora tão elogiada e lida mundo afora. Esses "retratos do artista quando jovem" costumam ser mais proveitosos a quem já conhece o trabalho do artista já consolidado. A reconstituição de época é convincente, em especial na cena do baile. E o alto nível dos filmes ingleses, a começar pelo elenco, garante a qualidade desta produção (preferência para James McAvoy, Maggie Smith e o finado Ian Richardson). Contudo, a escalação de Anne Hathaway, malgrado ser uma ótima atriz (vide "O Casamento de Rachel"), resultou em um equívoco. Sua presença naturalmente solar e vívida contrasta violentamente com o resto do filme. A personagem Jane Austen, pelo contexto em que se insere, precisava de um registro mais contido, até para realçar suas ousadias comportamentais. Nesse caso, a culpa não é de Anne, e sim de quem a escalou para o papel. No mais, é um filme bem construído em seus diálogos, que valem o interesse.
Paradoxo: o primeiro filme de Angelopoulos a que assisti na vida vem a ser o encerramento súbito da sua carreira. Portanto, ainda não sou capaz de dizer se, malgrado sua morte inesperada, "A Poeira do Tempo" representa um apanhado do seu estilo, há muito cultuado. Por ora, a definição do seu cinema como sendo reflexivo, sem movimentos bruscos e associando os dramas humanos no contexto histórico da Europa das últimas décadas, confere com o exposto neste filme. A fluidez das idas e vindas temporais na narrativa é demonstrativo do refinamento no roteiro. Idem para o modo como o passado de perseguições dos pais do protagonista repercute em sua vida. Não por acaso, sua filha e sua mãe compartilham o mesmo nome. Também podemos ler este filme como o triunfo do amor em face aos totalitarismos. Até mesmo os amores gerados em situações de cativeiro, conforme demonstrado no período em que Eleni e Jacob, colegas de prisão, se ampararam um no outro, enquanto Spyros, o amado de Eleni, estava distante por força da situação política de seu país. Além disso, há uma bela cena em que o cineasta vivido por Willem Dafoe repasssa com uma orquestra a execução de um tema do seu filme em andamento até ser interrompido por um telefonema que lhe causa uma reação emocionalmente brutal. Algumas irregularidades no andamento da narrativa não chegam a ser grandes deméritos, embora não passem despercebidas. Quanto às atuações, todas dignas e eficientes. Destaque para Bruno Ganz, vivendo o apaixonado Jacob, capaz de nos deixar comovidos com seu amor frustrado por Eleni, interpretada por Irène Jacob. Aliás, mantê-la no papel na fase do presente talvez seja o único defeito considerável de "A Poeira do Tempo". Embora Spyros praticamente não seja retratado quando mais jovem, tendo sua imagem associada ao ótimo Michel Picolli na velhice, este filme ganharia muito mais se mantivesse Irène na fase jovem e outra atriz para as demais cenas. Em todo caso, foi uma boa introdução ao cinema de Angelopoulos e um bom pretexto para ir atrás de outros filmes seus.
É fácil odiar um filme que frustra as expectativas dos apreciadores do estilo do seu diretor. Idem quando estrelado por um ator mediano e bastante popular. "Cosmópolis" parece ser tudo isso junto. Afinal, depois de uma sequência de filmes coerentes com suas intenções artísticas, embora menos óbvios, Cronenberg lançou-se em uma empreitada de risco, talvez mais até do que no início de sua carreira. Em vez da tradução imagética poderosa do romance "Naked Lunch", de William S. Burroughs, no filme de mesmo nome, a adaptação do livro "Cosmópolis", de Don DeLillo segue um rumo palavroso. Algo incômodo em se tratando da filmografia cronenberguiana. Contudo, quem conhece razoavelmente o seu cinema, sabe que a sensação de estranhamento lhe é algo praticamente inegociável. E esse estranhamento não necessita vir apenas do grotesco. A muitos desagradou a alta carga de conceitos filosóficos apresentados direta ou indiretamente no percurso do jovem bilionário em sua trajetória limousinística rumo ao suprasumo da futilidade simbolizado num corte de cabelo em meio a uma Nova Iorque convulsionada. É uma pena que esse incômodo pela prolixidade de "Cosmópolis" tenha eclipsado os ótimos acertos visuais. A começar pelo eficiente uso do naturalmente limitado ambiente da limousine. Até mesmo a trucagem aparentemente tosca para mostrar a turba raivosa pela janelas do veículo orna com o restante. Quanto às atuações, embora irregulares, todas contribuem para reforçar o clima pré-apocalíptico aqui pretendido. Nesse sentido, as limitações de Robert Pattinson servem a seu personagem. Além da sua escalação ter sido uma verdadeira tiração de sarro, de uma certa forma. Não é o caso de recomendar a todos que vejam. O ideal é que revejamos todos este filme perfurocortante de tão incômodo. Aí, sim, será possível adorarmos, ou mesmo odiarmos, "Cosmópolis".
O Mensageiro do Diabo
4.1 261 Assista AgoraO que Charles Laughton faria se pudesse prosseguir dirigindo filmes?
Faria algo tão bom ou melhor que "O Mensageiro do Diabo"?
Usaria tão bem o contraste do P&B, com o intento de reforçar o aspecto sombrio do argumento principal?
Saberia, feito o grande ator que era, extrair desempenhos fabulosos de seus intérpretes, em especial do subestimadíssimo Robert Mitchum?
Aliás, este provavelmente foi o papel da sua vida, tão marcada pela fama de "bad boy", o que eclipsou sua presença notável nas telas e até mesmo sua carreira de cantor, muito acima da média dos típicos cantores bissextos de Hollywood.
O protagonista deste filme realmente assombra as mentes de qualquer criatura minimamente impressionável.
Shelley Winters, interpretando uma das tantas viúvas vítimas do psicopata, também não faz feio.
Contudo, a presença mais emblemática, junto com a de Mitchum, é mesmo a da já então veterana Lilian Gish, em um papel estratégico neste filme tão perturbadoramente belo quanto uma pérola turva.
Eis um filme cult que merece a fama que possui.
Demência 13
3.2 46 Assista AgoraSó mesmo sendo coppolamaníaco ou completista demais para justificar algum apreço por "Demência 13".
Apontar as semelhanças entre este filme e "Psicose" serve apenas para elevar o filme de Hitchcock e rebaixar esta tentativa canhestra e intoleravelmente tosca de pegar carona no sucesso da trama ambientada no Motel Bates.
Bem típico de Roger Corman, aliás.
E não me refiro à pobreza de recursos, algo que Corman soube usar a favor de boa parte dos filmes que produziu e/ou dirigiu.
No caso, o roteiro é incapaz de conduzir algum tipo de tensão. Sem um bom material de base, ou sem um diretor inventivo para fazer muito com pouco, não há boa vontade ou simpatia a Corman ou Coppola que adiantem.
Exceto por algumas cenas à beira do lago, não há praticamente nada aproveitável nesse trabalho de Coppola.
Certos artistas só demonstram o melhor de si após tropeçarem bastante.
Sendo assim, "Demência 13" é um tropeção tão grande que perigou amputar os dedos do pé da carreira de Coppola antes mesmo de começar.
A Faca na Água
3.8 69 Assista AgoraÉ importante, ao avaliar um filme, não nos intimidarmos com o respaldo dos seus realizadores.
Mesmo que Polanski já seja um dos grandes, não tenho receio algum em dizer que "A Faca na Água" é frustrante.
Ao pretender fugir do lugar-comum ao mostrar um triângulo amoroso acidental num barco em alto mar, Polanski acabou por cometer um filme enfadonho.
O dono do barco ensaia uma antipatia que acaba por incompleta. O caroneiro, cujo comportamento a todo instante ameaça levar a alguma consequência trágica, quebra as expectativas. No mau sentido.
Apenas a mulher, que parece se metamorfosear ao longo da trama, demonstra alguma relevância.
É por ela e por alguns planos bem filmados, aproveitando bem a condição dos protagonistas, que esse filme merece alguma consideração.
Uma Noite Alucinante: A Morte do Demônio
3.8 1,4K Assista AgoraMesmo que "Evil Dead" não fosse um filme desfrutável, já seria digno de admiração pelo modo como o diretor soube usar os parcos recursos de produção para cometer um filme de horror dotado de graça e que, mesmo mais de trinta anos após realizado, não caiu na vala do humor involuntário na qual tantas obras de horror acabam indo parar quando não resistem ao teste do tempo.
Além disso, criou um dos personagens mais emblemáticos do gênero. Ash (Bruce Campbell) é uma das poucas vítimas de forças ocultas capaz de rivalizar em fama com os grandes ícones do terror, em sua maioria os algozes.
Sam Raimi, definitivamente, começou bem sua trajetória.
O Nascimento de uma Nação
3.0 231Dizer que os aspectos morais de um filme devem ser desconsiderados em favor das suas qualidades técnicas equivale a colocar num mesmo nível cientistas feito Einstein e Mengele.
Simpatizar com as ideias políticas de um cineasta não torna seus filmes dignos. Repudiá-las, por outro lado, não deve justificar o banimento de uma obra cinematográfica.
No entanto, "O Nascimento de Uma Nação" é um caso à parte.
Há pessoas capazes de esquecer a premissa abjeta deste filme, eivado dum racismo mais cretino do que a média, apenas pelas inovações estéticas dele decorrentes.
Exceto para historiadores, ou mesmo aficcionados pelo cinema mudo, as tantas novidades carreadas por "O Nascimento de Uma Nação" acabam diminuídas para os olhos já tão acostumados à narrativa cinematográfica das últimas décadas.
Claro que ainda resta algo com que se impressionar, conforme as cenas de batalha, num vermelho vívido e enfumaçado.
E algumas atuações ainda sobrevivem bem, destaque óbvio para Lilian Gish.
Contudo, até mesmo nesse aspecto este filme é racista.
Praticamente não há personagens negros de destaque que não sejam interpretados (propositalmente) mal por brancos com o rosto pintado. E o modo como são interpretados é tão farsesco que chega a enervar.
Não por acaso, as passagens mais digeríveis deste filme são as que mostram a Guerra Civil Americana pelo ponto de vista dos combatentes sulistas, praticamente sem o conteúdo discriminatório que é visto antes e depois.
E não se trata de ser politicamente correto, mesmo sabendo que o antipoliticamente correto é o penúltimo refúgio dos canalhas.
Acontece que um filme não deve ser apreciado apenas pelos seus aspectos intrínsecos, mas também pelo seu significado histórico e, principalmente, pelo prazer que dele pode se depreender.
E "O Nascimento de Uma Nação" falha até mesmo nisso, pois o esmero com o qual Griffith delineou alguns dos personagens brancos cai por terra quando vemos a forma grotesca como retrata os negros, que só aparentam alguma dignidade quando agem de forma submissa aos senhores sulistas.
Se serve de consolo para os defensores da excelência deste filme, certamente irei atrás de outros do mesmo diretor, que parece ter tentado se redimir do mal-estar causado por "O Nascimento de Uma Nação" através de "Intolerância", outro filme grandioso.
Contudo, "O Nascimento..." é um filme que provavelmente não reverei.
A vida é curta.
Sinédoque, Nova York
4.0 477Confesso que a metalinguagem pode ser algo indigesto demais. Em especial no cinema, onde esse recurso, não raro, é usado para mascarar a falta de profundidade ou ressaltar a auto-indulgência de certos diretores.
Portanto, mil receios antes de ver a estreia de Charlie Kaufman na direção de filmes, depois de tão incensado por seus roteiros complexos.
Contudo, ressalvando a duração excessiva e a forma súbita conforme certos eventos se passam no decorrer da trama, "Sinédoque, Nova York" resulta num melancólico estudo sobre a criação artística, sua ligação com a vida real dos criadores e, num sentido mais amplo, sobre a finitude da vida, os desvãos do desejo e outras questões que não se mostram em qualquer canto por aí.
Pelo menos não com tanta elaboração.
Desnecessário dizer que os atores, aqui, estão ótimos.
Idem para seu envelhecimento, exceto para o de Michelle Williams, que aparece com a mesma cara de novinha em praticamente toda a sua participação no filme.
Aliás, Kaufman foi um gênio em escalar as ótimas atrizes Emily Watson e Samantha Morton para contracenarem juntas! Tão parecidas uma com a outra...
Atentem para o eficiente uso do espaço cênico mesclado às possibilidades do cinema. Talvez essa seja a grande contribuição ao cinema que este filme legará, talvez até mais do que o estilo já firmado de Kaufman na condução de narrativas oblíquas.
Apesar de merecer partes das avaliações negativas à época do seu lançamento, vê-se que, hoje, este filme parece ter mostrado a que veio.
Lola, a Flor Proibida
3.9 25Por maiores as boas intenções de um cineasta, não há garantias de que, logo na estreia, ele consiga manifestá-las a contento.
Assim ocorre com "Lola, a Flor Proibida".
Louvável a proposta de falar de amor por meio de uma corista de cabaré, mãe solteira e, apesar de entregue ao desejo de outros homens, ainda apaixonada pelo pai de seu filho, que saiu errante pelo mundo.
Contudo, em certos momentos, nota-se que o filme perde o ritmo várias vezes.
E mesmo o único número musical, antecipando algo que permearia seus futuros trabalhos, resulta frustrante.
Por fim, caso se limitasse à abordagem do amor, em especial quanto ao personagem Roland, poderia ser um filme eterno.
Em vez disso, ficou na promessa.
Moonrise Kingdom
4.2 2,1K Assista AgoraReconheço que não estava certo sobre a real grandeza do cinema de Wes Anderson.
Talvez uma mudança de gostos que me levou a deixar de lado certo tipo de filme, por referencial e estilizado em demasia, tenha feito com que eu não fosse mais tão curioso pelas suas obras.
E é nesses termos que me redimo com "Moonrise Kingdom".
Que aparenta ser um típico filme de Anderson: enquadramentos minuciosamente elaborados, personagens emocionalmente à deriva, referências vintage a rodo e a presença de algum dos irmãos Wilson.
Todos esses elementos comparecem, exceto pelo último. O que já é uma boa notícia.
Contudo, o que torna "Moonrise Kingdom" especial é a protagonização por um casal que, nos tempos atuais, seria enquadrado na categoria pré-adolescente.
Sendo o roteiro ambientado nos anos 60, são crianças mesmo. No melhor dos sentidos, ou seja, o da curiosidade pelo novo, do destemor em aventurar-se e o do desajeito quando defronte a novos gostos e desejos.
A jornada do casal Sam e Suzy e a busca empreendida pelos dois jovens concedem um elemento aventuresco à trama, sem que lhe prenda feito uma camisa de força.
A cena da praia, quando eles dançam e descobrem a natureza de seus corpos, é tão delicada quanto bem resolvida. Infantil, não infantiloide.
Além disso, os enquadramentos criam a impressão de que estamos vendo as páginas de um livro em movimento. É o cinema se apropriando da literatura e de outras artes da forma mais abrangente possível.
Certamente quererei ver este filme outra vez.
Não sei se descobrirei novos encantos ou se manterei o apreço pelos que já estimo.
Mas uma coisa é certa: "Moonrise Kingdom" é um filme que não deixa espaço a arrependimentos para quem se dispõe a conhecê-lo.
Gosto de Sangue
3.9 158 Assista Agora"Gosto de Sangue" é, sem dúvida, uma bela duma carta de intenções do cinema dos irmãos Coen.
A distorção de gêneros cinematográficos, o humor negro, a ênfase em personagens dúbios em situações tragicômicas e, por fim, as imagens estilizadas que tanto ajudaram a tornar seus filmes tão icônicos.
No caso, "Gosto de Sangue" se apropria do signos do cinema noir, aplicando-os em um roteiro atemporal na medida certa.
Todas as atuações funcionam a contento, com destaque para o repulsivo detetive vivido por M. Emmet Walsh e pela femme fatale incomum encarnada por Frances McDormand, iniciando uma frutífera parceria com os irmãos Coen, sendo casada com um deles na vida real.
Ótimo ver este filme em contraponto com outros exemplares do estilo coeniano.
Todas as Mulheres do Mundo
4.0 89"Nunca houve uma mulher como Leila Diniz", assim disseram.
"E nunca haverá!", assim digo eu.
Mais de quarenta anos após sua realização, "Todas as Mulheres do Mundo" consegue a rara proeza de ser um retrato do tempo presente à época das filmagens e, ao mesmo tempo, atemporal quanto aos seus méritos cinematográficos.
Há uma série de planos inventivos nesta adorável estreia do cineasta (dentre outras qualificações) Domingos de Oliveira.
Por exemplo, quando Paulo (Paulo José), o apaixonado protagonista, dispensa em série todas as suas ficantes em favor duma única mulher.
A referência ao ambiente das novelas, quando a televisão brasileira ascendia rumo à conquista dos corações e mentes dos brasileiros, é bastante feliz.
E é o contraste entre a vontade de desfrutar dos sentidos aguçados pela juventude e o amor no sentido mais profundo e doído que justifica a empatia por Paulo.
Seja qual for o rumo dos seus desejos, qualquer pessoa, ou já passou por dilemas semelhantes aos do personagem principal, ou desejaria tê-los vivido.
Em contraponto, seu melhor amigo, Edu (Flavio Migliaccio), encarna a desilusão dos que já sofreram tanto por amor que não conseguem mais acreditar nesse sentimento.
O reencontro entre os amigos após um considerável hiato é o fio condutor da narrativa, entremeada por ótimas cenas que retratam o mundo despreocupado em que Paulo vivia até se apaixonar em definitivo por Maria Alice (Leila Diniz).
Por conta desse sentimento intenso é que o rapaz terá sua vida cambiada de forma irreversível, através de idas e voltas que tornam sua situação bastante verossímil e encantadora.
Para além do caráter mítico de Leila Diniz, reforçado por seu falecimento súbito e precoce, é preciso reconhecer que, mesmo sem conhecer ainda seus demais trabalhos em cinema, é possível dizer que, acima de tudo, era uma senhora atriz.
Sua Maria Alice, unindo sentimento e lascívia, calorosa sem ser vulgar e distinta sem ser sisuda, é um dos personagens mais emblemáticos do nosso cinema.
Contando com ótimos coadjuvantes e diálogos lapidares, "Todas as Mulheres do Mundo" é um desses filmes incontornáveis e necessários para quem ainda não percebe o cinema brasileiro do modo como ele merece ser visto.
Pi
3.8 769 Assista AgoraAronofsky é um sujeito previsível.
E isto, aqui, não é demérito. Pelo contrário.
Em praticamente todos seus filmes, a obsessão é o tom.
Paradoxalmente, ele a aborda dum modo um tanto cerebral. Esse contraste entre os estados emocionais intensos de seus personagens e a forma calculada como os apresenta e desenvolve é o que permite definir um estilo aronofskyano.
"Pi" é uma carta de intenções desse padrão, portanto.
Partindo da busca erosiva de um matemático recluso e antissocial por um padrão matemático no mercado das bolsas de valores, fala-se também da busca da perfeição.
As constantes procuras pelo valor exato do "pi" vão ao encontro dessa premissa.
Construir um thriller mesclando esse contexto científico ao judaísmo hassídico e ao mundo corporativo, ainda mais com um orçamento bem restritivo, só funcionaria com um diretor centrado e uma equipe empenhada em fazer um bom trabalho.
Tudo isto está em "Pi", que antecipa vários elementos a serem aproveitados em outros filmes do mesmo diretor.
O velho que canta "I Only Have Eyes for You" no metrô remete a um personagem parecido que faz gestos lascivos para Nina em "Cisne Negro". As cenas em que o protagonista de "Pi" toma seus remédios são um rascunho de outras em "Réquiem para Um Sonho". E por aí segue.
Exceto pelo uso excessivo de música eletrônica na trilha sonora e por um ou outro instante de auto-indulgência, "Pi" é a estreia de um cineasta nada invulgar e digna de nota.
A Infância de Ivan
4.3 155 Assista AgoraSendo tanto a estreia de Tarkovsky em longa-metragem quanto o primeiro filme de sua autoria a que assisti na vida, minha avaliação certamente necessitará de reparos num futuro próximo.
A tão decantada poesia em seus filmes se mostra de forma um tanto contrabandeada, talvez pela pouca experiência do diretor ou por ser esta uma adaptação de um livro, em vez de ser um roteiro original.
O contraste entre os momentos idílicos vividos pelo pequeno e destemido Ivan e sua realidade sombria nos tempos da guerra cria, por vezes, travos na garganta.
Contudo, a trama do militar que assedia sua colega poderia render bem mais do que o apresentado.
No final, "A Infância de Ivan", exceto por alguns momentos arrastados, cumpre bem seu propósito e é uma boa estreia para uma carreira notável.
Obrigado por Fumar
3.9 797 Assista AgoraValorizar um filme unicamente pelo tema ou pela abordagem empregada não é o bastante.
"Obrigado por Fumar" exemplifica bem essa questão.
Afora a provocadora premissa que apresenta um lobista da indústria do cigarro de forma simpática, a ponto de torcermos por ele, a despeito da causa espúria que defende, o que sobra?
A forma como demonstra que o lado "certo" da questão nem sempre age de forma coerente com seus princípios, ou que todo lobby possui aspectos obscuros, é eficiente para suscitar boas discussões morais.
Porém, insisto: isso é o bastante?
Lamento, mas não.
Tecnicamente, o filme não é dos piores. O problema é a falta de inventividade do diretor em aproveitar melhor as possibilidades visuais, negligenciadas em favor do roteiro exageradamente redondo.
A não ser que surja um "director's cut" de "Obrigado por Fumar", fico com a impressão de que Jason Reitman ficou aquém do que seu talento poderia permitir.
Não por acaso, "Juno", seu filme seguinte, é bem mais feliz do ponto de vista cinematográfico.
Boa tentativa.
A Balada de Greenwich Village
4.0 2 Assista AgoraSem se render de todo à nostalgia, este documentário contextualiza com efeito o histórico libertário do bairro nova-iorquino de Greenwich Village, apresenta as várias vertentes que lá se criaram e/ou fermentaram e entrevista figuras fundamentais feito Norman Mailer e Maya Angelou, dentre outros.
Mesmo quem já tem ideia dos fatos marcantes ocorridos nesse lugar terá com o que se surpreender neste filme honesto e fluido, mesclando vultos históricos a figuras cotidianas de um bairro tão fascinante quanto o Village.
Cisne Negro
4.2 7,9K Assista AgoraAronofsky segue se valendo de temas tão díspares quanto investigações matemáticas, o vício em drogas e a luta livre como pretextos para tratar de obsessões.
Curioso ele, ao voltar-se ao mundo do balé, valer-se de uma composição das mais batidas nesse ambiente como pano de fundo para a trajetória de Nina (Natalie Portman), cujo nome denota certa infantilidade em seus modos e antecipa a forma como lida com seus desejos.
A escalação de Winona Ryder interpretando uma bailarina precocemente aposentada, a ser substituída por Nina, foi um grande acerto.
Em outros tempos, Winona significou para o imaginário pop o que Natalie Portman representa hoje: uma garota mignon, descolada, de olhar frágil e força insuspeita.
Em contrapartida, Mila Kunis representa não apenas um mero nêmesis para a personagem de Portman, mas também uma espécie de cópia em negativo.
Barbara Hershey complementa bem o cenário no papel da mãe de Nina, que abandonou o balé supostamente para se voltar à maternidade. Sua presença sufocante justifica o retraimento da filha e sua fúria contida.
Interessante notar que os homens neste filme, à exceção do diretor vivido por Vincent Cassel, são praticamente figurantes. Quantos significados isso poderia representar...
No mais, Aronofsky comete ótimos lances visuais, capazes de embaralhar a mente do espectador e fazê-lo querer ver o filme novamente só para captar certas pistas da verdade quanto ao verdadeiro estado de Nina.
Só não chega a ser um clássico porque, a certa altura do filme, tantas voltas acabam por cansar um pouco os sentidos.
Mas é pouca coisa, se considerarmos os méritos de "Cisne Negro".
Que, é bom ressalvar, não é sobre balé, mas a partir dele.
E isso faz toda a diferença.
Curvas da Vida
3.5 374Um dos favores mais chatos do cinema nos últimos tempos.
Afinal, se Clint Eastwood não atuava em um filme não dirigido por ele há vários anos, por que razão decidiu ceder agora, a esta altura da carreira?
Simples: o diretor Robert Lorenz trabalhou como assistente em vários filmes seus.
Logo...
"Curvas da Vida", com um roteiro menos óbvio, poderia ser uma bela crônica sobre um olheiro de jogadores de beisebol perdendo gradualmente a visão e a resolver seus conflitos de relacionamento com a filha advogada.
Em vez, disso, a trama é conduzida de forma burocrática e anêmica.
Os enquadramentos praticamente não dizem nada além do óbvio.
Até mesmo as atuações colocam o filme para baixo.
Clint Eastwood faz o tipo ranzinza em "Gran Torino" em versão mais apagada.
Justin Timberlake se esforça, mas não consegue vencer os diálogos clichezentos do seu personagem.
Apenas Amy Adams consegue superar as expectativas.
E é por ela e por alguns poucos momentos em que o tédio não vence o espectador é que este filme recebe algum crédito.
Isso, portanto, é pouco demais para Clint.
Amigas de Colégio
3.4 216Como pode um diretor estreante cometer um filme tão modesto em recursos quanto rico em conteúdo e realizado à altura dos temas abordados?
Ainda mais por tratar da adolescência, em especial quando combinada à questão da homossexualidade feminina.
Para contrastar com a hostilidade tão típica da maioria dos adolescentes, "Amigas de Colégio" é caloroso onde necessário.
A cenografia foi bastante exitosa ao retratar os quartos dos personagens adolescentes, com seus pôsteres na parede, sem resvalar na caricatura à la "Malhação".
Não há paternalismo no retrato da juventude aqui exposto.
Aliás, os adultos são vistos com naturalidade, sem serem pintados de inimigos dos jovens.
Além da naturalidade do desenrolar do sentimento entre as protagonistas, os coadjuvantes estão bem integrados à trama.
Vale mencionar o modo nada condescendente como a personagem cadeirante, de quem muitos teriam dó por paternalismo ou consciência de culpa, é retratada, sem esconder os defeitos de que ela e qualquer outro ser humano são dotados. A forma como ela admite que nunca desejou ser amiga de Agnes, além de dolorosa, revela o quanto ela é homofóbica.
Não poderia esquecer dos planos bem próximos dos atores, denotando a intimidade ressaltada pelos ambientes familiares.
A trilha sonora foi bem selecionada, sem exageros.
No mais, Lukas Moodyson cometeu um belo filme do qual certamente poderá se orgulhar.
O Homem que Virou Suco
4.1 185 Assista AgoraImpressionante o quanto a adequação dos propósitos de um roteiro à realização que o concretizou na tela faz de certos filmes, mais do que bons, verdadeiros documentos sociais.
"O Homem Que Virou Suco" é um claro exemplo dessa coerência.
E ninguém melhor do que José Dumont, um dos atores mais simbólicos da nossa cinematografia, para representar o papel de um homem das artes cercado pela realidade desgastante de seus pares, tendo que a ela aderir, bem a contragosto, por conta da perseguição sofrida por sua semelhança com um operário assassino e foragido da polícia.
Aliás, é fantástico esse argumento: alguém incapaz de provar não ser o homicida que tanto procuram, tanto pela parecença física quanto por não poder provar seu próprio nome aos agentes da lei, por não possuir documento de identidade.
Dessa maneira, Deraldo vê-se obrigado a recorrer a uma série de sub-empregos, justo os que tanto se recusava a fazer para se dedicar aos seus poemas, tanto para se sustentar quanto para se ocultar em meio à massa de emigrantes do Nordeste, tratados a desprezo ou paternalismo numa São Paulo que tanto a eles deve por seu desenvolvimento.
Em particular, a cena em que o protagonista foge da polícia em seu primeiro contato é agoniante e poética a um só tempo. Excelente o uso da escuridão num loteamento precário, ao som de uma canção das mais doídas.
A propósito, "O Homem Que Virou Suco" é daquela estirpe de filmes que muito se beneficiaram da associação entre seus realizadores e compositores de canções. Da mesma forma que "A Primeira Noite de Um Homem" enriqueceu-se com as músicas de Simon & Garfunkel, e assim como "Ensina-me a Viver" deve muito a Cat Stevens, "O Homem..." apresenta o cancioneiro de Vital Farias, completamente adequado aos propósitos do filme.
O qual só não alcança a excelência por alguns momentos em que ameaça cair em discursos feito o cinema de Sergio Bianchi em seus tempos mais agressivos.
Em todo caso, João Batista de Andrade cometeu uma obra digna e que merece ser mais conhecida, em especial pelas tantas pessoas que desconhecem as maravilhas que o cinema brasileiro pode apresentar.
Argo
3.9 2,5K"Argo" é um típico filme vencedor de Oscar. Para o bem e para o mal.
Senão, vejamos: a temática política, abordada por um ator mediano convertido em cineasta, ainda pertinente em tempos de ameaças emitidas e recebidas pela atual teocracia iraniana, aqui recebe um tratamento menos heroico e edulcorado do que a média. Ao menos até a meia hora final, percebemos uma autocrítica quase inaudita em filmes dessa estirpe.
A presença dos personagens de John Goodman e Alan Arkin, evocando o aspecto pitoresco da trama e uma homenagem à Hollywood enquanto "fábrica de sonhos", é um dos pontos fortes de "Argo", somando-se à sobriedade da fotografia e à atenção em tentar reconstituir o clima da época.
Contudo, tanto apuro técnico parece um tanto debalde quando se percebe que o diretor Ben Affleck não abriu mão da edição típica dos filmes da atualidade, com seus milhares de cortes tão próprios aos frenéticos filhos da geração pós-MTV.
Os personagens dos reféns são mal explorados a ponto de ser difícil nos compadecermos da sua situação, por mais aflitiva que houvesse sido.
Mas o defeito mais indesculpável é a falta de tato de Affleck em assumir o papel principal. Ainda que não seja tão mau ator quanto em seus primeiros êxitos de bilheteria, o filme ressente-se de um protagonista mais cativante.
No mais, somente a carência por filmes menos infantiloides quanto a média da produção hollywoodiana para justificar tantos elogios a "Argo".
Mesmo assim, cumpre a função de entreter com alguma qualidade. Embora não devamos nos contentar com isso.
É Proibido Fumar
3.1 256Difícil não associar "É Proibido Fumar" ao filme anterior de Anna Muylaert, "Durval Discos". Ambos protagonizados por pessoas deslocadas do seu tempo, cujas existências estão impregnadas de estagnação, posta em xeque quando se deparam com circunstâncias inesperadas que tanto podem levar a um destino feliz quanto a um desfecho trágico.
Além disso, a música é um elemento caro demais aos dois filmes, inclusive sendo o ganha-pão para os protagonistas.
Dito isso, ao filme da vez.
"É Proibido Fumar" possui um mote promissor: até que ponto alguém se dispõe a abrir mão dos seus hábitos e conceitos em nome do amor por outra pessoa? E até que ponto tudo isso vale a pena?
O filme ganharia muito caso se ativesse a esse problema, em vez de inserir o elemento criminal pela morte da ex-mulher(?) de Max (Paulo Miklos), encerrado com um desfecho ambíguo e, não necessariamente por isso, decepcionante.
"É Proibido Fumar" frustra as expectativas geradas pela história de amor entre Baby e Max, não desenvolve o impacto da tentativa de Baby em parar de fumar e termina com a sensação de que o roteiro estava inacabado.
Restam, no entanto, a boa exploração do ambiente de confinamento dos prédios residenciais, algum voyeurismo, a atuação sutil de Glória Pires e uma ou outra cena esparsa. O que é pouco.
Tuff Turf: O Rebelde
3.4 125 Assista AgoraNem mesmo a nostalgia pelos anos 80, por quem os viveu ou não, justificaria avaliar este filme como a maravilha que não é.
O que é lamentável, considerando o início promissor, embalado pela ótima música "Love Hates", cantada por Marianne Faithfull.
O ambiente ameaçador que circundará o irrequieto Morgan (um James Spader quase imberbe) não encontra eco nas inconsistências desse filme, tanto no roteiro quanto no clima pretendido.
Algumas passagens, em especial as que envolvem Morgan e a bela Frankie (Kim Richards), acabam arrastadas.
E até mesmo as intervenções pretensamente divertidas de Jimmy (Robert Downey Jr.) acabam fora do tom.
Fosse mais curto e elaborado, "Tuff Turf" seria bem mais do que um mero bibelô da cinematografia adolescente dos anos 80.
Amor e Inocência
4.0 726O que dizer quando o grande destaque de um filme é, ao mesmo tempo, seu ponto fraco?
Paradoxal, isso?
De princípio, falemos da boa encenação sobre quem foi Jane Austen antes de ser a escritora tão elogiada e lida mundo afora. Esses "retratos do artista quando jovem" costumam ser mais proveitosos a quem já conhece o trabalho do artista já consolidado.
A reconstituição de época é convincente, em especial na cena do baile.
E o alto nível dos filmes ingleses, a começar pelo elenco, garante a qualidade desta produção (preferência para James McAvoy, Maggie Smith e o finado Ian Richardson).
Contudo, a escalação de Anne Hathaway, malgrado ser uma ótima atriz (vide "O Casamento de Rachel"), resultou em um equívoco.
Sua presença naturalmente solar e vívida contrasta violentamente com o resto do filme.
A personagem Jane Austen, pelo contexto em que se insere, precisava de um registro mais contido, até para realçar suas ousadias comportamentais.
Nesse caso, a culpa não é de Anne, e sim de quem a escalou para o papel.
No mais, é um filme bem construído em seus diálogos, que valem o interesse.
A Poeira do Tempo
3.9 14Paradoxo: o primeiro filme de Angelopoulos a que assisti na vida vem a ser o encerramento súbito da sua carreira.
Portanto, ainda não sou capaz de dizer se, malgrado sua morte inesperada, "A Poeira do Tempo" representa um apanhado do seu estilo, há muito cultuado.
Por ora, a definição do seu cinema como sendo reflexivo, sem movimentos bruscos e associando os dramas humanos no contexto histórico da Europa das últimas décadas, confere com o exposto neste filme.
A fluidez das idas e vindas temporais na narrativa é demonstrativo do refinamento no roteiro.
Idem para o modo como o passado de perseguições dos pais do protagonista repercute em sua vida. Não por acaso, sua filha e sua mãe compartilham o mesmo nome.
Também podemos ler este filme como o triunfo do amor em face aos totalitarismos. Até mesmo os amores gerados em situações de cativeiro, conforme demonstrado no período em que Eleni e Jacob, colegas de prisão, se ampararam um no outro, enquanto Spyros, o amado de Eleni, estava distante por força da situação política de seu país.
Além disso, há uma bela cena em que o cineasta vivido por Willem Dafoe repasssa com uma orquestra a execução de um tema do seu filme em andamento até ser interrompido por um telefonema que lhe causa uma reação emocionalmente brutal.
Algumas irregularidades no andamento da narrativa não chegam a ser grandes deméritos, embora não passem despercebidas.
Quanto às atuações, todas dignas e eficientes. Destaque para Bruno Ganz, vivendo o apaixonado Jacob, capaz de nos deixar comovidos com seu amor frustrado por Eleni, interpretada por Irène Jacob.
Aliás, mantê-la no papel na fase do presente talvez seja o único defeito considerável de "A Poeira do Tempo". Embora Spyros praticamente não seja retratado quando mais jovem, tendo sua imagem associada ao ótimo Michel Picolli na velhice, este filme ganharia muito mais se mantivesse Irène na fase jovem e outra atriz para as demais cenas.
Em todo caso, foi uma boa introdução ao cinema de Angelopoulos e um bom pretexto para ir atrás de outros filmes seus.
Cosmópolis
2.7 1,0K Assista AgoraÉ fácil odiar um filme que frustra as expectativas dos apreciadores do estilo do seu diretor.
Idem quando estrelado por um ator mediano e bastante popular.
"Cosmópolis" parece ser tudo isso junto.
Afinal, depois de uma sequência de filmes coerentes com suas intenções artísticas, embora menos óbvios, Cronenberg lançou-se em uma empreitada de risco, talvez mais até do que no início de sua carreira.
Em vez da tradução imagética poderosa do romance "Naked Lunch", de William S. Burroughs, no filme de mesmo nome, a adaptação do livro "Cosmópolis", de Don DeLillo segue um rumo palavroso. Algo incômodo em se tratando da filmografia cronenberguiana.
Contudo, quem conhece razoavelmente o seu cinema, sabe que a sensação de estranhamento lhe é algo praticamente inegociável.
E esse estranhamento não necessita vir apenas do grotesco.
A muitos desagradou a alta carga de conceitos filosóficos apresentados direta ou indiretamente no percurso do jovem bilionário em sua trajetória limousinística rumo ao suprasumo da futilidade simbolizado num corte de cabelo em meio a uma Nova Iorque convulsionada.
É uma pena que esse incômodo pela prolixidade de "Cosmópolis" tenha eclipsado os ótimos acertos visuais. A começar pelo eficiente uso do naturalmente limitado ambiente da limousine. Até mesmo a trucagem aparentemente tosca para mostrar a turba raivosa pela janelas do veículo orna com o restante.
Quanto às atuações, embora irregulares, todas contribuem para reforçar o clima pré-apocalíptico aqui pretendido.
Nesse sentido, as limitações de Robert Pattinson servem a seu personagem.
Além da sua escalação ter sido uma verdadeira tiração de sarro, de uma certa forma.
Não é o caso de recomendar a todos que vejam.
O ideal é que revejamos todos este filme perfurocortante de tão incômodo.
Aí, sim, será possível adorarmos, ou mesmo odiarmos, "Cosmópolis".