Neste O Homem Invisível, o diretor Leigh Whannell (que iniciou sua carreira ao lado de James Wan roteirizando Jogos Mortais) reimagina a clássica história de H.G. Wells para os dias atuais. Diferentemente das versões anteriores, a homônima de 1933, dirigida por James Whale, que funciona hoje bem mais próxima ao cômico, e a versão de Paul Verhoeven (O Homem Sem Sombra, 2000) na qual a invisibilidade do cientista vivido por Kevin Bacon converge muito mais para uma perturbadora fetichização, aqui Whannell nos propõe um exercício de gênero bastante tenso onde o maior medo está na figura do ex abusivo da protagonista.
No longa, Cecilia Kess (Elisabeth Moss) está fugindo deste relacionamento com um gênio da ótica que, aparentemente, descobriu uma maneira de ficar invisível. O roteiro de Whannell é hábil em criar situações nas quais questionamos se Cecilia está com a razão ou se ela está delirando, principalmente nos minutos iniciais. No entanto, seu interesse maior está em se assumir logo como um thriller psicológico. Sua câmera desliza suavemente pelos cenários buscando a profundidade de corredores escuros servindo como gatilho para causar tensão ao espectador. Prepare-se para os sustos. Aliado a isso, Moss está incrível como a vítima de gaslighting, se firmando como uma das atrizes mais versáteis da atualidade.
E é justamente ao apostar em suas habilidades cênicas (ela praticamente leva o filme sozinha por mais da metade) que Whannell assume o terror de gênero a partir de certo ponto, dali em diante, o longa usa e abusa de reviravoltas e situações intensas, se permitindo utilizar alguns movimentos de câmera que parecem ter sido inspirados em seu longa antecessor, o ótimo Upgrade. Ao final, O Homem Invisível pode não reinventar o gênero (e nem quer), mas assusta, incomoda e atualiza um clássico como poucos remakes têm feito - lembram de A Múmia com Tom Cruise? Melhor não. Se quisermos que a Universal aposte em um universo compartilhado entre seus monstros, este é o melhor exemplo a ser seguido.
A primeira parte onde conhecemos o dia-a-dia da família pequenina é encantador, creio que dava pra explorar mais os desafios deles em sobreviver dependendo tanto dos adultos, já na metade o longa perde força, mas permanece simpático até o fim.
Terrence Malick estreou nos cinemas nos anos 70 (com Terra de Ninguém, em 73), auge da Nova Hollywood, e embora não tenha entrado pra história como um dos grandes nomes do movimento, já que posteriormente dirigiu apenas Cinzas no Paraíso (1978) e entrou em um hiato de 20 anos, pode-se dizer que ele é um dos poucos diretores daquela época que continua exercendo seu estilo, o qual ele foi moldando nas três fases de seu cinema: a 1ª com Terra de Ninguém e Cinzas no Paraíso. A 2ª com Além da Linha Vermelha, O Novo Mundo e A Árvore da Vida e a 3ª com Amor Pleno, Cavaleiro de Copas e De Canção em Canção.
Em Uma Vida Oculta, Malick parece iniciar uma espécie de 4ª fase. Fica perceptível desde o início que seu novo longa se desprende da temática "white people problems" de seus trabalhos mais recentes e nos leva de volta aos mesmos efeitos de sua 2ª fase, na qual seus filmes proporcionavam ao espectador tanto um esmero visual quanto um estudo aprofundado da alma de seus personagens com toques divinos e contemplativos.
Assim como fazia Costa-Gavras, Malick traz um tema político como motor de sua narrativa: a ameaça fascista. É Malick ligado nos temas relevantes do novo século. Acompanhamos a história real de Franz Jägerstätter (August Diehl) preso durante a invasão nazista na Áustria por se negar a fazer o juramento de lealdade a Adolf Hitler por valores morais e éticos. Em paralelo a seus dias de martírio na prisão, acompanhamos o dia-a-dia de sua esposa e as duas filhas sobrevivendo entre a hostilidade dos vizinhos e dos próprios parentes.
Para alguns, pode ser Malick fazendo o de sempre (e não deixa de ser). No entanto, o diretor exerce sua assinatura como há muito não fazia. O fascínio divino e a poesia visual estão ali a todo momento, sem roubar o protagonismo de suas personagens. Malick mostra ao mundo o que é preciso para que o bem vença o mal. Qual a importância dessas vidas ocultas. Terminei a sessão em pratos e até agora estou digerindo a pancada que foi ver este filme (comparo com a de Até Logo, Meu Filho que vi ano passado na Mostra de SP). Uma obra grandiosa para ser revisitada de tempos em tempos.
É primordial que em uma ficção científica que faz uso de alguns elementos do terror, como é este As Viajantes, o diretor proporcione ao espectador certo senso espacial - Ridley Scott já havia ensinado isso em Alien, o Oitavo Passageiro, de 1979. E Davi Mello consegue isso com excelência - graças também à ótima captação de efeitos sonoros pela equipe responsável - nos proporcionando uma experiência audiovisual imersiva que nos relembra das dimensões por detrás daquilo que se passa em primeiro plano, desde a ameaça dos cachorros lá fora à própria ameaça interna que aos poucos vai se revelando.
O que mais impressiona em As Viajantes é o controle de Mello ao fazer dos ambientes da casa uma espécie de arapuca para fisgar suas personagens, principalmente Gilda (Gilda Nomacce), que tem um segredo curioso para contar à amiga Majeca (Majeca Angelucci) numa noite de sexta-feira regada a vinho. Entre revelações de traumas de infância, o clima soturno daquele pequeno apartamento - que os moradores de São Paulo logo fazem alusão ao centro charmoso e assustador da cidade nas altas horas da madrugada - serve como combustível para inflamar ainda mais a história contada por Gilda. Está tudo ali para deixar o espectador antenado e com receio: é noite, as personagens estão com medo e uma história ainda mais assustadora está por vir.
O clima de suspense paira no ar desde os primeiros diálogos e Majeca arrasa mesmo com pouco tempo de tela, e é Gilda quem toma as rédeas da situação (quem a viu no curta O Duplo de Juliana Rojas, tão bom quanto este, sabe do que ela é capaz) e embarca com sua personagem em uma situação curiosa e ao mesmo tempo desesperadora, seu olhar expressivo contribui para nos transmitir sua angústia. E assim, Mello nos propõe um instigante exercício de gênero que brinca com a viagem temporal e com a questão dos duplos, sem carecer de explicação para os acontecimentos que vamos testemunhando e nos deixando com um frio na espinha até os segundos finais.
Não é de hoje que a tecnologia é utilizada nos filmes de terror como uma forma de canalizar alguns medos da sociedade. Este A Hora da Sua Morte faz de um aplicativo de celular o gatilho principal para desencadear alguns dos dilemas da atual geração de jovens. Há certas referências pops no longa, a começar pela protagonista vivida por Elizabeth Lail, rosto conhecido para a audiência da série You, da Netflix. Ela é Quinn Harris, uma enfermeira que sofre frequentes investidas do cirurgião chefe de seu plantão, vivido por Peter Facinelli - o Carlisle Cullen de Crepúsculo, quem lembra? - Pois é, além de ter que fugir da morte, numa vibe à la Premonição, ela também tem que se livrar do patrão abusivo.
O mais gozado no longa é que, apesar de ter jumpscares previsíveis e clichês, que mesmo assim podem te fazer pular algumas vezes da cadeira - eu mesmo pulei em uma cena - este não é um filme assustador e nem parece querer ser. Por mais que a premissa seja sufocante: os personagens baixam um aplicativo que lhes informa quanto tempo de vista lhes resta, o diretor Justin Dec sempre insere na história personagens que funcionam como alívio cômico: de um padre/exorcista engraçadão a um emburrecido atendente de loja de eletrônicos - onde inclusive acontece uma das cenas mais hilárias do longa.
Sem se aprofundar em praticamente nada que aborda - Dec só parece querer zoar mesmo, sobra até pros terraplanistas e veganos -, A Hora de Sua Morte assume o tom pastelão, há erros estúpidos de roteiro como o aplicativo de 60GB que é baixado em questão de segundos ou a ala proibida do hospital que permanece acessível a qualquer um. Apesar dos pesares, é interessante notar como a morte é vista pelos dois aspectos: da razão e da emoção. Ora, qual pessoa para melhor lidar com a morte senão alguém que estuda medicina? E qual a pessoa mais sensata para se procurar com a morte iminente senão um padre? Os médicos são mais céticos, enquanto o padre recorre a lendas e rituais.
Logicamente, A Hora da Sua Morte não traz respostas para nos confortar na hora da morte (transformada aqui num vilão de múltiplas facetas e formas mas que nunca impõe medo), nem funciona como um estudo antropológico de jovens conectados e famílias desestruturadas. O conflito entre razão e fé/emoção e ciência também é capenga, e o que sobra mesmo dessa sessão descompromissada é a sua boa vontade para rir ou não daqueles personagens tentando sobreviver ao inevitável.
A "antiga alegria" do título é como um remember de uma época que já se foi e que nunca mais será a mesma. A diretora Kelly Reichardt coloca seus dois personagens, Mark (Daniel London) e Kurt (Will Oldham), numa espécie de road movie bucólico. O que parece incitar O Segredo de Brokeback Mountain (principalmente na cena das banheiras aquecidas) já que foi lançado um ano após esse, na verdade lida com a passagem do tempo para dois homens adultos: um (Mark) com um bebê a caminho, o outro (Kurt) com um futuro incerto, como é possível percebermos apenas na cena final. Para Kurt, rever o amigo de longa data é como estar à vontade e, ao mesmo tempo, tentar transpassar a barreira invisível atrás da qual o outro parece se esconder, já em Mark fica visível o incômodo, seja nas perguntas e divagações do amigo, nos silêncios, na massagem, na nudez, etc. A câmera de Reichardt busca os prédios, as paisagens, as copas das árvores contemplando o mundo à volta daqueles dois homens comuns. O filme é um rito de passagem morno que deixa muita coisa nas entrelinhas.
Um dos meus maiores receios com o fim das 3 temporadas de Narcos era que a série perdesse sua força com a ausência de Pablo Escobar. No entanto, Narcos: México chegou com a mesma autenticidade de antes e manteve o nível, assim, o spin-off deu conta de viajar ao país que nos deu Chaves e Chapolin e que levou aos Estados Unidos toneladas e mais toneladas de coca colombiana para contar a história de um de seus principais chefes de cartel: Miguel Ángel Félix Gallardo, interpretado por Diego Luna.
Se na 1ª temporada o arco do DEA tinha Kiki Camarena (Michael Peña) como o agente/protagonista/narrador que servia de contraponto para a figura em ascensão de Félix, nesta 2ª temporada o agente Walt, vivido por Scoot McNairy, não tem a mesma força, nem mesmo narrativa. Suas aparições são seguidas de atitudes questionáveis de quem sempre chega atrasado - ele sempre é retrucado por alguém nos episódios, o que chega a ser cômico.
A excelente atuação de Diego Luna contribui como uma das forças da temporada. Seu personagem agora está muito mais inseguro, sempre sufocado devido às escolhas e atitudes anteriores, ele é uma espécie de Tonny Montana: sua escalada até o topo da pirâmide do narcotráfico lhe permitiu poder sobre as praças e até sobre as eleições de seu país (numa instigante subtrama política), mas também permitiu que seus sócios se rebelassem e agissem por debaixo dos panos.
Paralelo à trajetória de um caçado Félix Gallardo, estão as subtramas das praças, encorpando os episódios com os assassinatos e acordos feitos e desfeitos pelos figurões que se viravam como podiam em um México em crise e alheios aos mandos e desmandos de Félix. Narcos: México nos instiga para o que deve ser do futuro deles, alguns muito promissores, como o histórico El Chapo e o piloto Amado, que nesta temporada está sob as asas de Pablo Acosta - protagonizando um dos melhores casais da série até aqui, ao lado de Mimi. O embate final entre Félix e Walt também é de deixar o fiel espectador com vontade de devorar a 3ª temporada o quanto antes.
Um curioso jogo de sedução proposto por Luis Buñuel. O velho magnata que deseja a virgindade da jovem moça de 18 anos. As trocas entre Carole Bouquet e Ángela Molina (essa me lembrou muito Ana de Armas) no papel de Conchita deixam claro que para Mathieu não importa quem ela seja, como ela seja e como ela reage, mas sim o que ela guarda. Dessa forma, Buñuel priva seu protagonista do tal ouro de tolo, que Raul Seixas certa vez cantou, ora, o ricaço tem tudo (bem, quase tudo) e, embora não seja mais jovem e belo, ele crê que seu poder financeiro lhe permita ter aquilo que mais quer. Buñuel finaliza com sua assinatura, deixando o espectador com sua sacada de mestre, SPOILER: o bordado que simboliza a virgindade rompida e o atentado do grupo terrorista sobre nossa dupla, afinal, cederam aos desejos carnais.
Talvez não dê conta da complexidade dos assuntos que pincela, como a solidão, a ética, a moral, a sexualidade, a puberdade e o amor proibido e irresponsável, no entanto, para um primeiro trabalho, me agrada bastante, ainda que tenha momentos descartáveis e mal resolvidos. Vale por uma Karine Teles arrasando na insegurança de sua personagem e Denise Fraga poderosa como a mãe protetora. O diálogo desta com o filho após descobrir seu segredo é ótimo. Aliás, o garoto Tom Karabachian nada contra a maré de jovens atores do nosso cinema e manda muito bem. Me surpreendeu.
Um filme de final aberto. Sadicamente aberto. Luis Buñuel primeiramente ensaia e experimenta com pessoas da alta classe em uma situação bastante excêntrica: o sujeito oculto e bíblico do título age de forma misteriosa prendendo de forma abstrata e surreal aquelas pessoas numa sala após um refinado jantar, elas então passam a conviver com o mínimo de recursos. Com o tempo surgem a fome, a sede, o cansaço e os delírios, as máscaras vão caindo e o resultado é o lado animalesco do ser-humano sendo revelado como se fossem seres da idade da pedra. O final é de gargalhar, tanto pelo local em que se passa quanto por imaginarmos o que viria a se suceder ali.
Acho incrível como Hayao Miyazaki insere mensagens para as crianças nessas fábulas sutis e cheias de graça. A inocência das atitudes das personagens, o respeito pelos mais velhos e o amor pelo próximo sem dúvida deve ter influenciado muitas gerações no Japão.
PS: o gato Jiji é um dos melhores personagens do estúdio.
A paixão de Hayao Miyazaki pelo céu e pela aviação se materializa em Porco Rosso, personagem que traz em suas características antropomórficas a pitada de magia tão presente nas animações do Studio Ghibli: ele é um piloto caçador de piratas do ar que foi amaldiçoado e tem a aparência de um porco.
Porco Rosso difere muito do que vi de Miyazaki até então. É um longa mais adulto e com um protagonista homem, no entanto isso não impede que as mulheres sejam fortes (outra marca dos filmes de Miyazaki), Fio é uma bela jovem que faz seu serviço (consertar o avião do piloto) e o encanta. Fica explícito em diálogos como o conteúdo é bem mais adulto, seja nos comentários do Porco sobre a jovem ou na Grande Depressão que está ali como um pano de fundo para a história.
Há sequências belíssimas e emocionantes - como é de se esperar de um filme com a assinatura Ghibli - a cena do "mundo acima das nuvens" é um dos momentos mais lindos que vi em anos numa animação (e no cinema como um todo também). E, tal qual o Porco que vê inspiração na aviação, vejo em seu personagem uma identificação comigo mesmo tanto por sua vontade de ser só e livre quanto por seu jeito espirituoso e arredio de ser.
Ainda que a animação não seja grande coisa se comparado aos outros filmes do Studio Ghibli, é uma história bem simples e tocante e aborda uma passagem recorrente aos jovens: os romances de ensino médio. Fofinho.
É genial a forma com que Eduardo Coutinho se adapta às desavenças da produção de Cabra Marcado para Morrer para continuar contando histórias. O que seria uma ficção inspirada em fatos se torna um dos documentários mais incríveis do nosso cinema, uma página, dentre inúmeras, daquilo que a ditadura retirou de pessoas e famílias inteiras e que a arte, pelas mãos de Coutinho e sua equipe, foi capaz de reunir, ainda que em frangalhos, anos depois. Lindão.
Certa vez eu li em algum lugar que - me desculpem a memória, pois não sei quem falou - nos filmes de Elia Kazan os atores devem gritar seus diálogos, pois bem, assim como Marlon Brando que aos 27 anos deu aula de atuação em Uma Rua Chamada Pecado e imortalizou o seu "Stellaaa!!!", neste Clamor do Sexo a jovem Natalie Wood, aos 23, já tinha uma vida tão trágica que vivera Deanie com exímia intensidade, parecendo doar um pedaço de si a sua personagem.
Sem James Dean, com quem trabalhara em Vidas Amargas (1955), Kazan escalou o novato Warren Beatty - em sua estreia no cinema - como o protagonista desta história sobre uma juventude em ebulição na época mais importante de suas vidas e a opressão da sociedade e da família sobre estes jovens apaixonados que pulsavam sexo, sonhos, libido e desejo de liberdade.
Era a virada de uma geração na qual as mulheres eram obrigadas a se comportarem, caso não, seriam vistas como Ginny, a irmã do personagem de Beatty, vivida com ousadia e uma desenvoltura apaixonante por Barbara Loden, infelizmente uma personagem desperdiçada e abandonada no meio do caminho, parece que até sobre ela a mão da moral recaíra.
Kazan faz de Clamor do Sexo o seu Juventude Transviada. Beatty emula James Dean. Natalie Wood, agora 6 anos mais velha e mais madura, revive a parceira romântica do protagonista, só que dessa vez ela rouba todas as atenções para si. Seus rompantes de fúria e ataques de estresse, como se fosse um vulcão prestes a entrar em erupção (a cena da banheira com a fumaça subindo é emblemática), denotam uma pessoa querendo viver mas proibida e contida pela moral, bons costumes da época, família rigorosa e até mesmo por aquele quem ama.
Um tema que até então poucas vezes fora retratado em Hollywood: a transição da juventude para a vida adulta, algo ainda visto como um bicho de 7 cabeças pela sociedade conservadora e repressiva da época, e pensar que duas décadas depois - coincidindo com a trágica época da morte de Wood - se tornaria um dos subgêneros mais difusos do cinema norte-americano. Kazan já dava a sua deixa.
William Wyler, pelo roteiro de Lillian Hellman, propõe um ensaio antropológico sobre o poder do dinheiro e da cobiça sobre as "raposas" do título original. Teresa Wright estreava nos cinemas. Bette Davis já era a grande atriz de sua era. Por incrível que pareça o embate nem é tanto entre as duas, que vivem mãe e filha, e, mesmo assim, o final é memorável: uma emputecida e assustada Davis olha a filha pela janela e talvez imaginando que nunca terá aquilo com o qual a jovem está correndo: amor, liberdade e sua moral intacta.
Em um dia de férias em Sintra, Portugal, três gerações de uma família enfrentam experiências que mudarão suas vidas pra sempre.
Essa linha de sinopse e as personagens da alta classe emulam o cinema do diretor Hong Sang-soo (já que o cinema sul-coreano tá na moda), comparação essa que muitos colegas de crítica têm feito, já que aqui o diretor Ira Sachs propõe divagações sobre a brevidade da vida e a banalidade e futilidade das pessoas e seus relacionamentos. E realmente, há uma essência andarilha e melancólica presente a todo instante em Frankie, título emprestado do apelido da protagonista Françoise Crémont, interpretada por Isabelle Huppert, que curiosamente já trabalhou em um filme de Sang-soo: A Câmera de Claire, onde vagava por Cannes. Aqui ela vaga por Sintra, cidade na região montanhosa de Portugal que traz paisagens belissimamente fotografadas por Rui Poças - de Zama e Tabu, outros filmes preocupados em integrar a natureza local ao dilema das pessoas - e contempladas pela câmera de Sachs.
A bem da verdade é que o novo longa de Sachs é muito errático. Não só pelas constantes andanças de Frankie, mas também pela miscelânea de personagens que causa um estranhamento. Falta maior apelo emocional em cada um deles e, mesmo adorando Huppert, tenho ressalvas com sua presença aqui (confesso que preferiria Catherine Deneuve ou até mesmo Juliette Binoche no papel principal). A atriz de carreira marcada por personagens frias e fortes, neste Frankie interpreta uma personagem tão contida que a reunião com os demais familiares nunca parece uma despedida, tudo é muito solto e distante, como na de abertura, onde ela nada com os seios à mostra em uma piscina e não se importa, afinal, não será notada por ninguém.
Entre tantos coadjuvantes, o conformado marido Jimmy (Brendan Gleeson), o ex-marido Michel (Pascal Greggory), o filho do primeiro casamento (Jérémie Renier) e a enteada Sylvia (Vinette Robinson) que traz os agregados: o marido Ian e a filha adolescente Maya - o trio sempre em cenas que incham a trama - quem mais se destaca é Marisa Tomei, interpretando Ilene, amiga de longa data de Frankie. E é justamente quando Tomei e Huppert estão juntas que o longa tem seus melhores momentos, e está aí o maior erro de Sachs: se perder em outros núcleos enquanto a força dramática de seu filme estava em ambas atrizes. Minha vontade era que a história ficasse apenas nelas, até o final, assim como para Frankie aquela viagem a Sintra poderia ser eternizada.
Um drama de despedida levado em banho-maria até o final que por vezes parece servir de propaganda turística para a cidade de Sintra.
Sucesso de público na França, fazendo mais de 1 milhão de espectadores, As Invisíveis conta a história de quatro assistentes sociais que possuem apenas 3 meses para reintegrar um grupo de mulheres sem-teto, uma vez que o abrigo em que elas vivem será fechado por ordem da prefeitura. Elas irão fazer tudo o que podem: mexer pauzinhos, distorcer a verdade e até mesmo algumas mentiras.
Acompanhamos o dia a dia daquele abrigo pela perspectiva das quatro personagens principais Audrey (Audrey Lamy do excelente Polissia), Angélique (Déborah Lukumuena do ótimo Divinas), Manu (Corinne Masiero) e Hélène (Noémie Lvovsky). Elas são vistas como as salvadoras daquelas mulheres sem-teto que estão prestes a perderem o abrigo, com isso, elas se esforçam para conseguir emprego para elas, ressocializá-las, arrumam locais proibidos para elas dormirem, qualquer mínima conquista é vista como uma grande vitória, recorrer às lei nunca parece ser uma escolha, As Invisíveis são realmente invisíveis, e não só as mulheres que vivem na rua e são ignoradas pelos transeuntes (lembram-se do que o Coringa falou?), mas também as assistentes sociais perante a figura do Estado.
Chegando por aqui algumas semanas após o indicado ao Oscar, Os Miseráveis, que trazia também um cinema social mas mais voltado ao político e ao autoral, As Invisíveis, do jovem diretor e roteirista Louis-Julien Petit, de 36 anos, traz uma essência de feel good movie consigo. É uma comédia feita para agradar toda a família, desde os franceses às audiências do mundo todo. Nota-se que as mazelas nos são privadas, há um esforço para que os dramas daquelas pessoas não se tornem motivo para termos piedade delas, ainda que elas sejam interpretadas por não atrizes, que viveram nas ruas, mas que hoje estão "estabilizadas" ou em lares adotivos (algumas são uma figura). Aceita-se a triste condição, mas ela nunca é explorada com estofo. A proposta é acalentar o espectador. Mostrar a ele como ainda há bondade num mundo de desgovernos, leis anti-imigração e conservadorismo. Pra sair da sessão com um misto de tristeza e esperança.
Alguns filmes parecem encomendados, ou pra temporada de premiações ou para chocar a audiência, ainda mais quando falamos sobre o descaso da Justiça que incrimina pessoas por sua cor e etnia, deixando inocentes por anos a fio no corredor da morte sem qualquer oportunidade de uma defesa minimamente digna (um direito de todo cidadão em países democráticos). Luta por Justiça se encaixa nesses dois quesitos: é um filme onde o tema caminha à frente de seus personagens, de seu enredo e de seu desenvolvimento, sempre com a intenção de fazer o espectador se emocionar e se chocar.
Comigo não rolou. Luta por Justiça é o típico filme que tenta se sustentar pelo tema forte e pelas caras conhecidas do elenco, recheado de atores famosos: de Michael B. Jordan a Brie Larson (limitada a falar palavrões e fazer gracinha). Os personagens são unilaterais e rasos como um pires (Jamie Foxx e Rob Morgan ainda se esforçam), eles mais parecem peças em um tabuleiro, com movimentos já pré-definidos, e não é difícil que o espectador mais atento e acostumado ao gênero preveja falas e até o andamento de algumas cenas - como no caso da cena que remete a À Espera de Um Milagre ou as sequências de tribunal.
Inspirado no livro escrito pelo próprio advogado Bryan Stevenson, interpretado no filme por B. Jordan, Luta por Justiça tem um roteiro esquemático e como cinema funciona pouco. É apenas uma história - importante sim - contada sem qualquer tipo de personalidade pelo diretor Destin Daniel Cretton. E é uma pena ver como sua carreira vem decaindo filme após filme desde sua ótima estreia em Temporário 12 (2013), esse sim um drama com causas sociais genuinamente abordadas, livre de qualquer fórmula e com personagens humanizados, reais e autênticos.
Luta por Justiça é um filme sem alma, com suas boas intenções, mas que se baseia em arquétipos, a exemplo do protagonista vivido por B. Jordan, bem aquém do que Gregory Peck já interpretara no clássico O Sol é Para Todos (1962) - que também se passa no Alabama, terra natal da autora Harper Lee - e com apenas uma intenção: por favor, espectador, chore. Não chorou até o final? O filme reservou uma cena pós-créditos especial pra você.
Me lembrou bastante THX 1138, o filme de estreia de George Lucas. Mas enquanto lá Lucas assumia a ficção científica e o tom de crítica social era uma subtrama que movia os personagens, aqui Adirley Queirós realiza um trabalho no qual ele mistura de cinema de gênero e crítica social com personagens reais que já entram na história com seus traumas e fardos. O filme fica muito preso a esse exercício documental/sci-fi e os personagens são mal explorados, algo que poderia ser melhor resolvido se o filme seguisse de fato pro documental.
De qualquer forma, é uma proposta ousada e diferenciada que poderia retratar uma sociedade antepassada daquela vista em Divino Amor, aquele no futuro dominado pelo governo religioso e autoritário, esse aqui numa cidade satélite de Brasília onde só restaram os relegados e párias que não tiveram a oportunidade de "evoluir" enquanto cidadãos.
Nos últimos anos, três diretores surgiram como os salvadores do terror de gênero: Jordan Peele, Robert Eggers e Ari Aster. Seus filmes mais famosos - Corra!, A Bruxa e Hereditário - figuraram entre os melhores de seus respectivos anos e até foram classificados por alguns como "pós-horror", termo que felizmente não vingou. Em paralelo a eles estava Oz Perkins, diretor que tem uma relação familiar e consanguínea com o suspense. Ele é filho de Anthony Perkins, sim, o Norman Bates de Psicose.
Assim como seus colegas de câmera, Perkins já tem um estilo próprio. Seus três filmes são dotados de uma atmosfera hostil e embalados por uma estética que pouco se vê no terror mainstream. Nem mesmo os filmes do Invocaverso de James Wan, principalmente os mais recentes, apresentam um design de produção e fotografia tão rebuscados, enquanto Perkins prima por sua assinatura, sempre entregando algo próximo ao autoral.
E para o bem e para o mal, ele faz isso neste Maria e João: O Conto das Bruxas. Para o bem porque, dessa forma, a cinematografia imersiva nos fisga desde seus minutos iniciais. Acompanhamos Maria (Sophia Lillis) e João (Samuel Leakey), sempre ao centro do enquadramento, engolidos por aquela imensidão sombria de folhas e galhos secos da floresta. E para o mal porque, assim como em seu longa antecessor - O Último Capítulo (2016) -, ritmado pelo slow born, Perkins depende tanto da atmosfera que cria, aliado à fotografia e ao design de produção, que parece refém daquele desfile estilístico.
O resultado é decepcionante, Maria e João parece ser um projeto feito para agradar ao estúdio (a classificação indicativa limita o horror), ainda que a assinatura de Perkins esteja ali, os jumpscares são fracos, os personagens a partir de certo ponto não se desenvolvem e a história dá voltas e mais voltas sem sair do lugar, falta um apelo revisionista e substancial para a proposta feminista. Tal qual no recorrente triângulo que surge como simbolismo, as 3 pontas do filme (o protagonismo feminino, o estilo de Oz e a fotografia) delimitam um grande vazio. É pena que os três juntos não definam Maria e João como um conto assustador, sendo apenas uma experiência de belo visual.
Exceptuando-se as produções da Netflix que visam prêmios, como Roma, O Irlandês e História de Um Casamento, confesso preferência pelas produções que eles adquirem os direitos de distribuição em grandes festivais, como esta Entre Realidades, que teve sua premiere no festival de Sundance desse ano e já está disponível no catálogo do serviço de streaming.
Consigo contar nos dedos os longas da Netflix que me surpreenderam, The Other Side of the Wind, Divinas, Beasts of no Nation e Eu Não Sou Um Homem Fácil são alguns. Logicamente, a maioria deles a Netflix já compra prontos apenas para distribuir, de qualquer forma, é gratificante quando produções com autenticidade são oferecidas em meio a um catálogo abarrotado de produções medíocres que apenas nos fazem perder vários minutos escolhendo o que assistir e acabando não escolhendo nada.
Entre Realidades é o tipo de filme que engana, para o bem ou para o mal. O espectador da Netflix não está acostumado com uma obra assim. E é louvável como o diretor Jeff Baena conduz a trama de maneira tão instigante e complexa, tal qual sua protagonista, vivida brilhantemente por Alison Brie numa daquelas atuações que a gente já deixa o asterisco pras listas de final de ano. Ouso dizer que dessas produções menos badaladas da Netflix (e aqui excluo as presentes nas duas últimas edições do Oscar) Brie está parelha com a atuação de Idris Elba em Beasts of no Nation, compramos a paranoia de sua personagem sem saber bem se tudo aquilo é realidade ou coisa de sua cabeça.
Depois de muitas alucinações, o filme só perde força justamente no terço final, quando Baena e a própria Brie, que também assina o roteiro, parecem querer dar conta da paranoia da personagem - e, consequentemente, da nossa dúvida - de maneira mais direta e racional. Ainda assim, Entre Realidades exala autenticidade nessa proposta ousada que geralmente não vemos funcionar tão bem nos filmes da Netflix, aqui ornou, talvez porque queira, por grande parte, não sugerir respostas, mas sim nos envolver com a personagem e suas loucuras.
Entre Realidades pode não ser a 8ª maravilha da ficção científica a chegar Netflix, mas só por nos permitir embarcar numa história que abraça o mindblowing sem subestimar o espectador, pra mim, já é válido.
Se Bette Davis tem sua Jezebel, Joan Crawford tem sua Mildred Pierce. Uma atuação gigantesca que rendeu o Oscar de melhor atriz a Joan. Um ponto fora da curva na carreira da atriz, ela que sempre fez a durona, aqui faz uma mãe boazinha e dedicada que enche os olhos de lágrimas a cada 5 minutos. E mesmo assim, é possível ver a leoa que Joan trazia dentro de si.
O diretor Michael Curtiz - daquele que talvez seja o maior romance da Hollywood clássica: Casablanca - mescla muito bem o drama com o noir, conduzindo seu melodrama com elementos típicos do gênero policial (como a fotografia em preto e branco) ainda que seu escopo novelesco seja o fio condutor da narrativa: Joan é Mildred, uma mulher abandonada pelo marido que se desdobra de trabalhar para dar conforto à filha Veda, patricinha mimada que quer viver do bom e do melhor.
Assim como em Crepúsculo dos Deuses, lançado 5 anos depois, um assassinato abre a história. Mildred é levada à delegacia para depor e, embora não seja reconhecida como a principal suspeita, atribui a si a autoria do crime. Passamos a acompanhar então, a partir de flashbacks narrados por ela, a história de sua vida, conhecendo aqueles em sua volta, seus amores, suas amigas e suas filhas.
Neste drama de ares novelescos, Curtiz tira do noir os diálogos afiados e as atuações fortes (a cena da escadaria entre Mildred e Veda é espetacular) e costura essa teia de mistério finalizando de maneira satisfatória, mostrando que o que realmente importa em Alma em Suplício são suas personagens, todos muito bem desenvolvidos, dos homens (difícil saber qual presta menos) às mulheres, principalmente Mildred, da qual Joan Crawford tira mais do que o necessário e prova porque foi uma das grandes atrizes do cinema.
Inspirado no personagem criado pela Sega em 1991, Sonic: O Filme traz o ouriço alienígena - tal qual Superman, ele veio do espaço - vivendo em Green Hill - numa clara referência à primeira fase de seu jogo - de onde o xerife Tom (James Marsden) está prestes a se mudar com sua esposa Maddie (Tika Sumpter). Sozinho e sem ninguém para chamar de amigo, Sonic causa um blecaute na cidade com seus poderes supersônicos e chama a atenção do Doutor Robotnik (Jim Carrey de volta aos velhos tempos fazendo suas caras e bocas), um cientista maluco contratado pelo governo para apurar o apagão. Robotnik passa a perseguir Sonic a fim de capturá-lo e usá-lo como fonte de energia para seu arsenal tecnológico.
Enquanto outras adaptações de games não se adaptavam bem ao formato cinematográfico, o roteiro escrito a 5 mãos (!) faz bom uso dos elementos clássicos do jogo de forma que eles tenham uso funcional na narrativa. Os anéis dourados são como portais que levam Sonic para onde ele quiser, o visual clássico do Dr. Robotnik de bigode espalhafatoso e físico rechonchudo não foi aplicado em Jim Carrey, como visto no trailer, mas aguarde até a primeira cena pós-crédito que valerá à pena - a segunda vale ainda mais -, enquanto o visual do Sonic traz as luvinhas brancas e seu sapatinho vermelho, ou seja, sua identidade visual foi preservada.
No meio desse filme família que remete a Meu Amigo Dragão (2016) - ou até E.T. (1982) se você quiser ir mais longe -, o diretor Jeff Fowler se permite fazer algumas piadinhas politicamente incorretas - como a da criança presa na bolsa - e até dá indícios de uma relação homo-afetiva entre Robotnik e seu ajudante Stone (Lee Majdoub) sem ridicularizá-los, a brincadeira aparece também nas cenas de ação, onde é aproveitada a ultravelocidade de Sonic para deixar tudo em câmera lenta e o ouriço se deleitar durante uma briga de bar - sabe aquela cena do Mercúrio em X-Men? Nesse estilo - até mesmo referências cinematográficas aparecem aqui e ali - Sonic adora Velocidade Máxima - e o resultado acaba sendo uma sessão prazerosa onde o principal combustível está no carisma do protagonista e no ritmo acelerado que nunca cansa o espectador.
O Homem Invisível
3.8 2,0K Assista AgoraNeste O Homem Invisível, o diretor Leigh Whannell (que iniciou sua carreira ao lado de James Wan roteirizando Jogos Mortais) reimagina a clássica história de H.G. Wells para os dias atuais. Diferentemente das versões anteriores, a homônima de 1933, dirigida por James Whale, que funciona hoje bem mais próxima ao cômico, e a versão de Paul Verhoeven (O Homem Sem Sombra, 2000) na qual a invisibilidade do cientista vivido por Kevin Bacon converge muito mais para uma perturbadora fetichização, aqui Whannell nos propõe um exercício de gênero bastante tenso onde o maior medo está na figura do ex abusivo da protagonista.
No longa, Cecilia Kess (Elisabeth Moss) está fugindo deste relacionamento com um gênio da ótica que, aparentemente, descobriu uma maneira de ficar invisível. O roteiro de Whannell é hábil em criar situações nas quais questionamos se Cecilia está com a razão ou se ela está delirando, principalmente nos minutos iniciais. No entanto, seu interesse maior está em se assumir logo como um thriller psicológico. Sua câmera desliza suavemente pelos cenários buscando a profundidade de corredores escuros servindo como gatilho para causar tensão ao espectador. Prepare-se para os sustos. Aliado a isso, Moss está incrível como a vítima de gaslighting, se firmando como uma das atrizes mais versáteis da atualidade.
E é justamente ao apostar em suas habilidades cênicas (ela praticamente leva o filme sozinha por mais da metade) que Whannell assume o terror de gênero a partir de certo ponto, dali em diante, o longa usa e abusa de reviravoltas e situações intensas, se permitindo utilizar alguns movimentos de câmera que parecem ter sido inspirados em seu longa antecessor, o ótimo Upgrade. Ao final, O Homem Invisível pode não reinventar o gênero (e nem quer), mas assusta, incomoda e atualiza um clássico como poucos remakes têm feito - lembram de A Múmia com Tom Cruise? Melhor não. Se quisermos que a Universal aposte em um universo compartilhado entre seus monstros, este é o melhor exemplo a ser seguido.
O Mundo dos Pequeninos
4.2 653 Assista AgoraA primeira parte onde conhecemos o dia-a-dia da família pequenina é encantador, creio que dava pra explorar mais os desafios deles em sobreviver dependendo tanto dos adultos, já na metade o longa perde força, mas permanece simpático até o fim.
Uma Vida Oculta
3.9 154Terrence Malick estreou nos cinemas nos anos 70 (com Terra de Ninguém, em 73), auge da Nova Hollywood, e embora não tenha entrado pra história como um dos grandes nomes do movimento, já que posteriormente dirigiu apenas Cinzas no Paraíso (1978) e entrou em um hiato de 20 anos, pode-se dizer que ele é um dos poucos diretores daquela época que continua exercendo seu estilo, o qual ele foi moldando nas três fases de seu cinema: a 1ª com Terra de Ninguém e Cinzas no Paraíso. A 2ª com Além da Linha Vermelha, O Novo Mundo e A Árvore da Vida e a 3ª com Amor Pleno, Cavaleiro de Copas e De Canção em Canção.
Em Uma Vida Oculta, Malick parece iniciar uma espécie de 4ª fase. Fica perceptível desde o início que seu novo longa se desprende da temática "white people problems" de seus trabalhos mais recentes e nos leva de volta aos mesmos efeitos de sua 2ª fase, na qual seus filmes proporcionavam ao espectador tanto um esmero visual quanto um estudo aprofundado da alma de seus personagens com toques divinos e contemplativos.
Assim como fazia Costa-Gavras, Malick traz um tema político como motor de sua narrativa: a ameaça fascista. É Malick ligado nos temas relevantes do novo século. Acompanhamos a história real de Franz Jägerstätter (August Diehl) preso durante a invasão nazista na Áustria por se negar a fazer o juramento de lealdade a Adolf Hitler por valores morais e éticos. Em paralelo a seus dias de martírio na prisão, acompanhamos o dia-a-dia de sua esposa e as duas filhas sobrevivendo entre a hostilidade dos vizinhos e dos próprios parentes.
Para alguns, pode ser Malick fazendo o de sempre (e não deixa de ser). No entanto, o diretor exerce sua assinatura como há muito não fazia. O fascínio divino e a poesia visual estão ali a todo momento, sem roubar o protagonismo de suas personagens. Malick mostra ao mundo o que é preciso para que o bem vença o mal. Qual a importância dessas vidas ocultas. Terminei a sessão em pratos e até agora estou digerindo a pancada que foi ver este filme (comparo com a de Até Logo, Meu Filho que vi ano passado na Mostra de SP). Uma obra grandiosa para ser revisitada de tempos em tempos.
As Viajantes
3.4 3É primordial que em uma ficção científica que faz uso de alguns elementos do terror, como é este As Viajantes, o diretor proporcione ao espectador certo senso espacial - Ridley Scott já havia ensinado isso em Alien, o Oitavo Passageiro, de 1979. E Davi Mello consegue isso com excelência - graças também à ótima captação de efeitos sonoros pela equipe responsável - nos proporcionando uma experiência audiovisual imersiva que nos relembra das dimensões por detrás daquilo que se passa em primeiro plano, desde a ameaça dos cachorros lá fora à própria ameaça interna que aos poucos vai se revelando.
O que mais impressiona em As Viajantes é o controle de Mello ao fazer dos ambientes da casa uma espécie de arapuca para fisgar suas personagens, principalmente Gilda (Gilda Nomacce), que tem um segredo curioso para contar à amiga Majeca (Majeca Angelucci) numa noite de sexta-feira regada a vinho. Entre revelações de traumas de infância, o clima soturno daquele pequeno apartamento - que os moradores de São Paulo logo fazem alusão ao centro charmoso e assustador da cidade nas altas horas da madrugada - serve como combustível para inflamar ainda mais a história contada por Gilda. Está tudo ali para deixar o espectador antenado e com receio: é noite, as personagens estão com medo e uma história ainda mais assustadora está por vir.
O clima de suspense paira no ar desde os primeiros diálogos e Majeca arrasa mesmo com pouco tempo de tela, e é Gilda quem toma as rédeas da situação (quem a viu no curta O Duplo de Juliana Rojas, tão bom quanto este, sabe do que ela é capaz) e embarca com sua personagem em uma situação curiosa e ao mesmo tempo desesperadora, seu olhar expressivo contribui para nos transmitir sua angústia. E assim, Mello nos propõe um instigante exercício de gênero que brinca com a viagem temporal e com a questão dos duplos, sem carecer de explicação para os acontecimentos que vamos testemunhando e nos deixando com um frio na espinha até os segundos finais.
A Hora da Sua Morte
2.5 558Não é de hoje que a tecnologia é utilizada nos filmes de terror como uma forma de canalizar alguns medos da sociedade. Este A Hora da Sua Morte faz de um aplicativo de celular o gatilho principal para desencadear alguns dos dilemas da atual geração de jovens. Há certas referências pops no longa, a começar pela protagonista vivida por Elizabeth Lail, rosto conhecido para a audiência da série You, da Netflix. Ela é Quinn Harris, uma enfermeira que sofre frequentes investidas do cirurgião chefe de seu plantão, vivido por Peter Facinelli - o Carlisle Cullen de Crepúsculo, quem lembra? - Pois é, além de ter que fugir da morte, numa vibe à la Premonição, ela também tem que se livrar do patrão abusivo.
O mais gozado no longa é que, apesar de ter jumpscares previsíveis e clichês, que mesmo assim podem te fazer pular algumas vezes da cadeira - eu mesmo pulei em uma cena - este não é um filme assustador e nem parece querer ser. Por mais que a premissa seja sufocante: os personagens baixam um aplicativo que lhes informa quanto tempo de vista lhes resta, o diretor Justin Dec sempre insere na história personagens que funcionam como alívio cômico: de um padre/exorcista engraçadão a um emburrecido atendente de loja de eletrônicos - onde inclusive acontece uma das cenas mais hilárias do longa.
Sem se aprofundar em praticamente nada que aborda - Dec só parece querer zoar mesmo, sobra até pros terraplanistas e veganos -, A Hora de Sua Morte assume o tom pastelão, há erros estúpidos de roteiro como o aplicativo de 60GB que é baixado em questão de segundos ou a ala proibida do hospital que permanece acessível a qualquer um. Apesar dos pesares, é interessante notar como a morte é vista pelos dois aspectos: da razão e da emoção. Ora, qual pessoa para melhor lidar com a morte senão alguém que estuda medicina? E qual a pessoa mais sensata para se procurar com a morte iminente senão um padre? Os médicos são mais céticos, enquanto o padre recorre a lendas e rituais.
Logicamente, A Hora da Sua Morte não traz respostas para nos confortar na hora da morte (transformada aqui num vilão de múltiplas facetas e formas mas que nunca impõe medo), nem funciona como um estudo antropológico de jovens conectados e famílias desestruturadas. O conflito entre razão e fé/emoção e ciência também é capenga, e o que sobra mesmo dessa sessão descompromissada é a sua boa vontade para rir ou não daqueles personagens tentando sobreviver ao inevitável.
Antiga Alegria
3.5 29A "antiga alegria" do título é como um remember de uma época que já se foi e que nunca mais será a mesma. A diretora Kelly Reichardt coloca seus dois personagens, Mark (Daniel London) e Kurt (Will Oldham), numa espécie de road movie bucólico. O que parece incitar O Segredo de Brokeback Mountain (principalmente na cena das banheiras aquecidas) já que foi lançado um ano após esse, na verdade lida com a passagem do tempo para dois homens adultos: um (Mark) com um bebê a caminho, o outro (Kurt) com um futuro incerto, como é possível percebermos apenas na cena final. Para Kurt, rever o amigo de longa data é como estar à vontade e, ao mesmo tempo, tentar transpassar a barreira invisível atrás da qual o outro parece se esconder, já em Mark fica visível o incômodo, seja nas perguntas e divagações do amigo, nos silêncios, na massagem, na nudez, etc. A câmera de Reichardt busca os prédios, as paisagens, as copas das árvores contemplando o mundo à volta daqueles dois homens comuns. O filme é um rito de passagem morno que deixa muita coisa nas entrelinhas.
Narcos: México (2ª Temporada)
4.0 59 Assista AgoraUm dos meus maiores receios com o fim das 3 temporadas de Narcos era que a série perdesse sua força com a ausência de Pablo Escobar. No entanto, Narcos: México chegou com a mesma autenticidade de antes e manteve o nível, assim, o spin-off deu conta de viajar ao país que nos deu Chaves e Chapolin e que levou aos Estados Unidos toneladas e mais toneladas de coca colombiana para contar a história de um de seus principais chefes de cartel: Miguel Ángel Félix Gallardo, interpretado por Diego Luna.
Se na 1ª temporada o arco do DEA tinha Kiki Camarena (Michael Peña) como o agente/protagonista/narrador que servia de contraponto para a figura em ascensão de Félix, nesta 2ª temporada o agente Walt, vivido por Scoot McNairy, não tem a mesma força, nem mesmo narrativa. Suas aparições são seguidas de atitudes questionáveis de quem sempre chega atrasado - ele sempre é retrucado por alguém nos episódios, o que chega a ser cômico.
A excelente atuação de Diego Luna contribui como uma das forças da temporada. Seu personagem agora está muito mais inseguro, sempre sufocado devido às escolhas e atitudes anteriores, ele é uma espécie de Tonny Montana: sua escalada até o topo da pirâmide do narcotráfico lhe permitiu poder sobre as praças e até sobre as eleições de seu país (numa instigante subtrama política), mas também permitiu que seus sócios se rebelassem e agissem por debaixo dos panos.
Paralelo à trajetória de um caçado Félix Gallardo, estão as subtramas das praças, encorpando os episódios com os assassinatos e acordos feitos e desfeitos pelos figurões que se viravam como podiam em um México em crise e alheios aos mandos e desmandos de Félix. Narcos: México nos instiga para o que deve ser do futuro deles, alguns muito promissores, como o histórico El Chapo e o piloto Amado, que nesta temporada está sob as asas de Pablo Acosta - protagonizando um dos melhores casais da série até aqui, ao lado de Mimi. O embate final entre Félix e Walt também é de deixar o fiel espectador com vontade de devorar a 3ª temporada o quanto antes.
Esse Obscuro Objeto do Desejo
4.2 87Um curioso jogo de sedução proposto por Luis Buñuel. O velho magnata que deseja a virgindade da jovem moça de 18 anos. As trocas entre Carole Bouquet e Ángela Molina (essa me lembrou muito Ana de Armas) no papel de Conchita deixam claro que para Mathieu não importa quem ela seja, como ela seja e como ela reage, mas sim o que ela guarda. Dessa forma, Buñuel priva seu protagonista do tal ouro de tolo, que Raul Seixas certa vez cantou, ora, o ricaço tem tudo (bem, quase tudo) e, embora não seja mais jovem e belo, ele crê que seu poder financeiro lhe permita ter aquilo que mais quer. Buñuel finaliza com sua assinatura, deixando o espectador com sua sacada de mestre, SPOILER: o bordado que simboliza a virgindade rompida e o atentado do grupo terrorista sobre nossa dupla, afinal, cederam aos desejos carnais.
Fala Comigo
2.9 183 Assista AgoraTalvez não dê conta da complexidade dos assuntos que pincela, como a solidão, a ética, a moral, a sexualidade, a puberdade e o amor proibido e irresponsável, no entanto, para um primeiro trabalho, me agrada bastante, ainda que tenha momentos descartáveis e mal resolvidos. Vale por uma Karine Teles arrasando na insegurança de sua personagem e Denise Fraga poderosa como a mãe protetora. O diálogo desta com o filho após descobrir seu segredo é ótimo. Aliás, o garoto Tom Karabachian nada contra a maré de jovens atores do nosso cinema e manda muito bem. Me surpreendeu.
O Anjo Exterminador
4.3 377 Assista AgoraUm filme de final aberto. Sadicamente aberto. Luis Buñuel primeiramente ensaia e experimenta com pessoas da alta classe em uma situação bastante excêntrica: o sujeito oculto e bíblico do título age de forma misteriosa prendendo de forma abstrata e surreal aquelas pessoas numa sala após um refinado jantar, elas então passam a conviver com o mínimo de recursos. Com o tempo surgem a fome, a sede, o cansaço e os delírios, as máscaras vão caindo e o resultado é o lado animalesco do ser-humano sendo revelado como se fossem seres da idade da pedra. O final é de gargalhar, tanto pelo local em que se passa quanto por imaginarmos o que viria a se suceder ali.
O Serviço de Entregas da Kiki
4.3 776 Assista AgoraAcho incrível como Hayao Miyazaki insere mensagens para as crianças nessas fábulas sutis e cheias de graça. A inocência das atitudes das personagens, o respeito pelos mais velhos e o amor pelo próximo sem dúvida deve ter influenciado muitas gerações no Japão.
PS: o gato Jiji é um dos melhores personagens do estúdio.
Porco Rosso: O Último Herói Romântico
3.9 286 Assista AgoraA paixão de Hayao Miyazaki pelo céu e pela aviação se materializa em Porco Rosso, personagem que traz em suas características antropomórficas a pitada de magia tão presente nas animações do Studio Ghibli: ele é um piloto caçador de piratas do ar que foi amaldiçoado e tem a aparência de um porco.
Porco Rosso difere muito do que vi de Miyazaki até então. É um longa mais adulto e com um protagonista homem, no entanto isso não impede que as mulheres sejam fortes (outra marca dos filmes de Miyazaki), Fio é uma bela jovem que faz seu serviço (consertar o avião do piloto) e o encanta. Fica explícito em diálogos como o conteúdo é bem mais adulto, seja nos comentários do Porco sobre a jovem ou na Grande Depressão que está ali como um pano de fundo para a história.
Há sequências belíssimas e emocionantes - como é de se esperar de um filme com a assinatura Ghibli - a cena do "mundo acima das nuvens" é um dos momentos mais lindos que vi em anos numa animação (e no cinema como um todo também). E, tal qual o Porco que vê inspiração na aviação, vejo em seu personagem uma identificação comigo mesmo tanto por sua vontade de ser só e livre quanto por seu jeito espirituoso e arredio de ser.
Eu Posso Ouvir o Oceano
3.2 221 Assista AgoraAinda que a animação não seja grande coisa se comparado aos outros filmes do Studio Ghibli, é uma história bem simples e tocante e aborda uma passagem recorrente aos jovens: os romances de ensino médio. Fofinho.
Cabra Marcado Para Morrer
4.5 253 Assista AgoraÉ genial a forma com que Eduardo Coutinho se adapta às desavenças da produção de Cabra Marcado para Morrer para continuar contando histórias. O que seria uma ficção inspirada em fatos se torna um dos documentários mais incríveis do nosso cinema, uma página, dentre inúmeras, daquilo que a ditadura retirou de pessoas e famílias inteiras e que a arte, pelas mãos de Coutinho e sua equipe, foi capaz de reunir, ainda que em frangalhos, anos depois. Lindão.
Clamor do Sexo
4.2 92 Assista AgoraCerta vez eu li em algum lugar que - me desculpem a memória, pois não sei quem falou - nos filmes de Elia Kazan os atores devem gritar seus diálogos, pois bem, assim como Marlon Brando que aos 27 anos deu aula de atuação em Uma Rua Chamada Pecado e imortalizou o seu "Stellaaa!!!", neste Clamor do Sexo a jovem Natalie Wood, aos 23, já tinha uma vida tão trágica que vivera Deanie com exímia intensidade, parecendo doar um pedaço de si a sua personagem.
Sem James Dean, com quem trabalhara em Vidas Amargas (1955), Kazan escalou o novato Warren Beatty - em sua estreia no cinema - como o protagonista desta história sobre uma juventude em ebulição na época mais importante de suas vidas e a opressão da sociedade e da família sobre estes jovens apaixonados que pulsavam sexo, sonhos, libido e desejo de liberdade.
Era a virada de uma geração na qual as mulheres eram obrigadas a se comportarem, caso não, seriam vistas como Ginny, a irmã do personagem de Beatty, vivida com ousadia e uma desenvoltura apaixonante por Barbara Loden, infelizmente uma personagem desperdiçada e abandonada no meio do caminho, parece que até sobre ela a mão da moral recaíra.
Kazan faz de Clamor do Sexo o seu Juventude Transviada. Beatty emula James Dean. Natalie Wood, agora 6 anos mais velha e mais madura, revive a parceira romântica do protagonista, só que dessa vez ela rouba todas as atenções para si. Seus rompantes de fúria e ataques de estresse, como se fosse um vulcão prestes a entrar em erupção (a cena da banheira com a fumaça subindo é emblemática), denotam uma pessoa querendo viver mas proibida e contida pela moral, bons costumes da época, família rigorosa e até mesmo por aquele quem ama.
Um tema que até então poucas vezes fora retratado em Hollywood: a transição da juventude para a vida adulta, algo ainda visto como um bicho de 7 cabeças pela sociedade conservadora e repressiva da época, e pensar que duas décadas depois - coincidindo com a trágica época da morte de Wood - se tornaria um dos subgêneros mais difusos do cinema norte-americano. Kazan já dava a sua deixa.
Pérfida
4.2 79William Wyler, pelo roteiro de Lillian Hellman, propõe um ensaio antropológico sobre o poder do dinheiro e da cobiça sobre as "raposas" do título original. Teresa Wright estreava nos cinemas. Bette Davis já era a grande atriz de sua era. Por incrível que pareça o embate nem é tanto entre as duas, que vivem mãe e filha, e, mesmo assim, o final é memorável: uma emputecida e assustada Davis olha a filha pela janela e talvez imaginando que nunca terá aquilo com o qual a jovem está correndo: amor, liberdade e sua moral intacta.
Frankie
2.9 22Em um dia de férias em Sintra, Portugal, três gerações de uma família enfrentam experiências que mudarão suas vidas pra sempre.
Essa linha de sinopse e as personagens da alta classe emulam o cinema do diretor Hong Sang-soo (já que o cinema sul-coreano tá na moda), comparação essa que muitos colegas de crítica têm feito, já que aqui o diretor Ira Sachs propõe divagações sobre a brevidade da vida e a banalidade e futilidade das pessoas e seus relacionamentos. E realmente, há uma essência andarilha e melancólica presente a todo instante em Frankie, título emprestado do apelido da protagonista Françoise Crémont, interpretada por Isabelle Huppert, que curiosamente já trabalhou em um filme de Sang-soo: A Câmera de Claire, onde vagava por Cannes. Aqui ela vaga por Sintra, cidade na região montanhosa de Portugal que traz paisagens belissimamente fotografadas por Rui Poças - de Zama e Tabu, outros filmes preocupados em integrar a natureza local ao dilema das pessoas - e contempladas pela câmera de Sachs.
A bem da verdade é que o novo longa de Sachs é muito errático. Não só pelas constantes andanças de Frankie, mas também pela miscelânea de personagens que causa um estranhamento. Falta maior apelo emocional em cada um deles e, mesmo adorando Huppert, tenho ressalvas com sua presença aqui (confesso que preferiria Catherine Deneuve ou até mesmo Juliette Binoche no papel principal). A atriz de carreira marcada por personagens frias e fortes, neste Frankie interpreta uma personagem tão contida que a reunião com os demais familiares nunca parece uma despedida, tudo é muito solto e distante, como na de abertura, onde ela nada com os seios à mostra em uma piscina e não se importa, afinal, não será notada por ninguém.
Entre tantos coadjuvantes, o conformado marido Jimmy (Brendan Gleeson), o ex-marido Michel (Pascal Greggory), o filho do primeiro casamento (Jérémie Renier) e a enteada Sylvia (Vinette Robinson) que traz os agregados: o marido Ian e a filha adolescente Maya - o trio sempre em cenas que incham a trama - quem mais se destaca é Marisa Tomei, interpretando Ilene, amiga de longa data de Frankie. E é justamente quando Tomei e Huppert estão juntas que o longa tem seus melhores momentos, e está aí o maior erro de Sachs: se perder em outros núcleos enquanto a força dramática de seu filme estava em ambas atrizes. Minha vontade era que a história ficasse apenas nelas, até o final, assim como para Frankie aquela viagem a Sintra poderia ser eternizada.
Um drama de despedida levado em banho-maria até o final que por vezes parece servir de propaganda turística para a cidade de Sintra.
As Invisíveis
4.0 6 Assista AgoraSucesso de público na França, fazendo mais de 1 milhão de espectadores, As Invisíveis conta a história de quatro assistentes sociais que possuem apenas 3 meses para reintegrar um grupo de mulheres sem-teto, uma vez que o abrigo em que elas vivem será fechado por ordem da prefeitura. Elas irão fazer tudo o que podem: mexer pauzinhos, distorcer a verdade e até mesmo algumas mentiras.
Acompanhamos o dia a dia daquele abrigo pela perspectiva das quatro personagens principais Audrey (Audrey Lamy do excelente Polissia), Angélique (Déborah Lukumuena do ótimo Divinas), Manu (Corinne Masiero) e Hélène (Noémie Lvovsky). Elas são vistas como as salvadoras daquelas mulheres sem-teto que estão prestes a perderem o abrigo, com isso, elas se esforçam para conseguir emprego para elas, ressocializá-las, arrumam locais proibidos para elas dormirem, qualquer mínima conquista é vista como uma grande vitória, recorrer às lei nunca parece ser uma escolha, As Invisíveis são realmente invisíveis, e não só as mulheres que vivem na rua e são ignoradas pelos transeuntes (lembram-se do que o Coringa falou?), mas também as assistentes sociais perante a figura do Estado.
Chegando por aqui algumas semanas após o indicado ao Oscar, Os Miseráveis, que trazia também um cinema social mas mais voltado ao político e ao autoral, As Invisíveis, do jovem diretor e roteirista Louis-Julien Petit, de 36 anos, traz uma essência de feel good movie consigo. É uma comédia feita para agradar toda a família, desde os franceses às audiências do mundo todo. Nota-se que as mazelas nos são privadas, há um esforço para que os dramas daquelas pessoas não se tornem motivo para termos piedade delas, ainda que elas sejam interpretadas por não atrizes, que viveram nas ruas, mas que hoje estão "estabilizadas" ou em lares adotivos (algumas são uma figura). Aceita-se a triste condição, mas ela nunca é explorada com estofo. A proposta é acalentar o espectador. Mostrar a ele como ainda há bondade num mundo de desgovernos, leis anti-imigração e conservadorismo. Pra sair da sessão com um misto de tristeza e esperança.
Luta Por Justiça
4.2 250 Assista AgoraAlguns filmes parecem encomendados, ou pra temporada de premiações ou para chocar a audiência, ainda mais quando falamos sobre o descaso da Justiça que incrimina pessoas por sua cor e etnia, deixando inocentes por anos a fio no corredor da morte sem qualquer oportunidade de uma defesa minimamente digna (um direito de todo cidadão em países democráticos). Luta por Justiça se encaixa nesses dois quesitos: é um filme onde o tema caminha à frente de seus personagens, de seu enredo e de seu desenvolvimento, sempre com a intenção de fazer o espectador se emocionar e se chocar.
Comigo não rolou. Luta por Justiça é o típico filme que tenta se sustentar pelo tema forte e pelas caras conhecidas do elenco, recheado de atores famosos: de Michael B. Jordan a Brie Larson (limitada a falar palavrões e fazer gracinha). Os personagens são unilaterais e rasos como um pires (Jamie Foxx e Rob Morgan ainda se esforçam), eles mais parecem peças em um tabuleiro, com movimentos já pré-definidos, e não é difícil que o espectador mais atento e acostumado ao gênero preveja falas e até o andamento de algumas cenas - como no caso da cena que remete a À Espera de Um Milagre ou as sequências de tribunal.
Inspirado no livro escrito pelo próprio advogado Bryan Stevenson, interpretado no filme por B. Jordan, Luta por Justiça tem um roteiro esquemático e como cinema funciona pouco. É apenas uma história - importante sim - contada sem qualquer tipo de personalidade pelo diretor Destin Daniel Cretton. E é uma pena ver como sua carreira vem decaindo filme após filme desde sua ótima estreia em Temporário 12 (2013), esse sim um drama com causas sociais genuinamente abordadas, livre de qualquer fórmula e com personagens humanizados, reais e autênticos.
Luta por Justiça é um filme sem alma, com suas boas intenções, mas que se baseia em arquétipos, a exemplo do protagonista vivido por B. Jordan, bem aquém do que Gregory Peck já interpretara no clássico O Sol é Para Todos (1962) - que também se passa no Alabama, terra natal da autora Harper Lee - e com apenas uma intenção: por favor, espectador, chore. Não chorou até o final? O filme reservou uma cena pós-créditos especial pra você.
Branco Sai, Preto Fica
3.5 173Me lembrou bastante THX 1138, o filme de estreia de George Lucas. Mas enquanto lá Lucas assumia a ficção científica e o tom de crítica social era uma subtrama que movia os personagens, aqui Adirley Queirós realiza um trabalho no qual ele mistura de cinema de gênero e crítica social com personagens reais que já entram na história com seus traumas e fardos. O filme fica muito preso a esse exercício documental/sci-fi e os personagens são mal explorados, algo que poderia ser melhor resolvido se o filme seguisse de fato pro documental.
De qualquer forma, é uma proposta ousada e diferenciada que poderia retratar uma sociedade antepassada daquela vista em Divino Amor, aquele no futuro dominado pelo governo religioso e autoritário, esse aqui numa cidade satélite de Brasília onde só restaram os relegados e párias que não tiveram a oportunidade de "evoluir" enquanto cidadãos.
Maria e João: O Conto das Bruxas
2.6 527Nos últimos anos, três diretores surgiram como os salvadores do terror de gênero: Jordan Peele, Robert Eggers e Ari Aster. Seus filmes mais famosos - Corra!, A Bruxa e Hereditário - figuraram entre os melhores de seus respectivos anos e até foram classificados por alguns como "pós-horror", termo que felizmente não vingou. Em paralelo a eles estava Oz Perkins, diretor que tem uma relação familiar e consanguínea com o suspense. Ele é filho de Anthony Perkins, sim, o Norman Bates de Psicose.
Assim como seus colegas de câmera, Perkins já tem um estilo próprio. Seus três filmes são dotados de uma atmosfera hostil e embalados por uma estética que pouco se vê no terror mainstream. Nem mesmo os filmes do Invocaverso de James Wan, principalmente os mais recentes, apresentam um design de produção e fotografia tão rebuscados, enquanto Perkins prima por sua assinatura, sempre entregando algo próximo ao autoral.
E para o bem e para o mal, ele faz isso neste Maria e João: O Conto das Bruxas. Para o bem porque, dessa forma, a cinematografia imersiva nos fisga desde seus minutos iniciais. Acompanhamos Maria (Sophia Lillis) e João (Samuel Leakey), sempre ao centro do enquadramento, engolidos por aquela imensidão sombria de folhas e galhos secos da floresta. E para o mal porque, assim como em seu longa antecessor - O Último Capítulo (2016) -, ritmado pelo slow born, Perkins depende tanto da atmosfera que cria, aliado à fotografia e ao design de produção, que parece refém daquele desfile estilístico.
O resultado é decepcionante, Maria e João parece ser um projeto feito para agradar ao estúdio (a classificação indicativa limita o horror), ainda que a assinatura de Perkins esteja ali, os jumpscares são fracos, os personagens a partir de certo ponto não se desenvolvem e a história dá voltas e mais voltas sem sair do lugar, falta um apelo revisionista e substancial para a proposta feminista. Tal qual no recorrente triângulo que surge como simbolismo, as 3 pontas do filme (o protagonismo feminino, o estilo de Oz e a fotografia) delimitam um grande vazio. É pena que os três juntos não definam Maria e João como um conto assustador, sendo apenas uma experiência de belo visual.
Entre Realidades
2.9 307 Assista AgoraExceptuando-se as produções da Netflix que visam prêmios, como Roma, O Irlandês e História de Um Casamento, confesso preferência pelas produções que eles adquirem os direitos de distribuição em grandes festivais, como esta Entre Realidades, que teve sua premiere no festival de Sundance desse ano e já está disponível no catálogo do serviço de streaming.
Consigo contar nos dedos os longas da Netflix que me surpreenderam, The Other Side of the Wind, Divinas, Beasts of no Nation e Eu Não Sou Um Homem Fácil são alguns. Logicamente, a maioria deles a Netflix já compra prontos apenas para distribuir, de qualquer forma, é gratificante quando produções com autenticidade são oferecidas em meio a um catálogo abarrotado de produções medíocres que apenas nos fazem perder vários minutos escolhendo o que assistir e acabando não escolhendo nada.
Entre Realidades é o tipo de filme que engana, para o bem ou para o mal. O espectador da Netflix não está acostumado com uma obra assim. E é louvável como o diretor Jeff Baena conduz a trama de maneira tão instigante e complexa, tal qual sua protagonista, vivida brilhantemente por Alison Brie numa daquelas atuações que a gente já deixa o asterisco pras listas de final de ano. Ouso dizer que dessas produções menos badaladas da Netflix (e aqui excluo as presentes nas duas últimas edições do Oscar) Brie está parelha com a atuação de Idris Elba em Beasts of no Nation, compramos a paranoia de sua personagem sem saber bem se tudo aquilo é realidade ou coisa de sua cabeça.
Depois de muitas alucinações, o filme só perde força justamente no terço final, quando Baena e a própria Brie, que também assina o roteiro, parecem querer dar conta da paranoia da personagem - e, consequentemente, da nossa dúvida - de maneira mais direta e racional. Ainda assim, Entre Realidades exala autenticidade nessa proposta ousada que geralmente não vemos funcionar tão bem nos filmes da Netflix, aqui ornou, talvez porque queira, por grande parte, não sugerir respostas, mas sim nos envolver com a personagem e suas loucuras.
Entre Realidades pode não ser a 8ª maravilha da ficção científica a chegar Netflix, mas só por nos permitir embarcar numa história que abraça o mindblowing sem subestimar o espectador, pra mim, já é válido.
Alma em Suplício
4.2 140 Assista AgoraSe Bette Davis tem sua Jezebel, Joan Crawford tem sua Mildred Pierce. Uma atuação gigantesca que rendeu o Oscar de melhor atriz a Joan. Um ponto fora da curva na carreira da atriz, ela que sempre fez a durona, aqui faz uma mãe boazinha e dedicada que enche os olhos de lágrimas a cada 5 minutos. E mesmo assim, é possível ver a leoa que Joan trazia dentro de si.
O diretor Michael Curtiz - daquele que talvez seja o maior romance da Hollywood clássica: Casablanca - mescla muito bem o drama com o noir, conduzindo seu melodrama com elementos típicos do gênero policial (como a fotografia em preto e branco) ainda que seu escopo novelesco seja o fio condutor da narrativa: Joan é Mildred, uma mulher abandonada pelo marido que se desdobra de trabalhar para dar conforto à filha Veda, patricinha mimada que quer viver do bom e do melhor.
Assim como em Crepúsculo dos Deuses, lançado 5 anos depois, um assassinato abre a história. Mildred é levada à delegacia para depor e, embora não seja reconhecida como a principal suspeita, atribui a si a autoria do crime. Passamos a acompanhar então, a partir de flashbacks narrados por ela, a história de sua vida, conhecendo aqueles em sua volta, seus amores, suas amigas e suas filhas.
Neste drama de ares novelescos, Curtiz tira do noir os diálogos afiados e as atuações fortes (a cena da escadaria entre Mildred e Veda é espetacular) e costura essa teia de mistério finalizando de maneira satisfatória, mostrando que o que realmente importa em Alma em Suplício são suas personagens, todos muito bem desenvolvidos, dos homens (difícil saber qual presta menos) às mulheres, principalmente Mildred, da qual Joan Crawford tira mais do que o necessário e prova porque foi uma das grandes atrizes do cinema.
Sonic: O Filme
3.4 712 Assista AgoraInspirado no personagem criado pela Sega em 1991, Sonic: O Filme traz o ouriço alienígena - tal qual Superman, ele veio do espaço - vivendo em Green Hill - numa clara referência à primeira fase de seu jogo - de onde o xerife Tom (James Marsden) está prestes a se mudar com sua esposa Maddie (Tika Sumpter). Sozinho e sem ninguém para chamar de amigo, Sonic causa um blecaute na cidade com seus poderes supersônicos e chama a atenção do Doutor Robotnik (Jim Carrey de volta aos velhos tempos fazendo suas caras e bocas), um cientista maluco contratado pelo governo para apurar o apagão. Robotnik passa a perseguir Sonic a fim de capturá-lo e usá-lo como fonte de energia para seu arsenal tecnológico.
Enquanto outras adaptações de games não se adaptavam bem ao formato cinematográfico, o roteiro escrito a 5 mãos (!) faz bom uso dos elementos clássicos do jogo de forma que eles tenham uso funcional na narrativa. Os anéis dourados são como portais que levam Sonic para onde ele quiser, o visual clássico do Dr. Robotnik de bigode espalhafatoso e físico rechonchudo não foi aplicado em Jim Carrey, como visto no trailer, mas aguarde até a primeira cena pós-crédito que valerá à pena - a segunda vale ainda mais -, enquanto o visual do Sonic traz as luvinhas brancas e seu sapatinho vermelho, ou seja, sua identidade visual foi preservada.
No meio desse filme família que remete a Meu Amigo Dragão (2016) - ou até E.T. (1982) se você quiser ir mais longe -, o diretor Jeff Fowler se permite fazer algumas piadinhas politicamente incorretas - como a da criança presa na bolsa - e até dá indícios de uma relação homo-afetiva entre Robotnik e seu ajudante Stone (Lee Majdoub) sem ridicularizá-los, a brincadeira aparece também nas cenas de ação, onde é aproveitada a ultravelocidade de Sonic para deixar tudo em câmera lenta e o ouriço se deleitar durante uma briga de bar - sabe aquela cena do Mercúrio em X-Men? Nesse estilo - até mesmo referências cinematográficas aparecem aqui e ali - Sonic adora Velocidade Máxima - e o resultado acaba sendo uma sessão prazerosa onde o principal combustível está no carisma do protagonista e no ritmo acelerado que nunca cansa o espectador.