Sem dúvida alguma uma das mais belas fábulas de Natal que já vi. Como provar a existência de algo impossível mas necessário para que as crianças, principalmente, sigam sonhando e encarem a melhor fase de suas vidas com a imaginação aflorada e despertando seus diversos sentidos? Tem tanta bondade e altruísmo aqui que às vezes até parece um filme de Frank Capra.
Mais uma vez François Ozon brinca de ser Almodóvar, cores vivas, beijo gay, gravidez, brigas de família, uma trama novelesca e rocambolesca de whodunnit na qual 8 mulheres isoladas numa casa às vésperas do Natal são suspeitas de um crime e acusam umas às outras. Catherine Deneuve vs Isabelle Huppert é o embate do século do cinema francês.
Ozon vai revelando segredos íntimos de cada uma delas como se o assassinato tivesse desencadeado certa emancipação e não a condenação daquelas mulheres, e a maior excentricidade nisso tudo é como ele insere números musicais inusitados à narrativa tornando a experiência super despojada e agradável.
Difícil entender porque um filme como esse não teve a oportunidade de chegar aos cinemas aqui no Brasil. Ready or Not é puro entretenimento, e num ano no qual Entre Facas e Segredos agrada por ser um whodunnit disfarçado de crítica social - ou vice-versa - este aqui merecia mais sorte por fazer praticamente o mesmo.
Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett resgatam um subgênero pouco apreciado hoje em dia - o slasher -, reúnem um elenco no qual cada um sabe trabalhar bem com os excessos, e fazem da moça delicada (a sempre ótima Samara Weaving) a heroína que deve se livrar daquela "fucking rich people" num jogo violento e divertido (para nós) do qual não sabemos se ela irá se safar ou não.
Esse documentário que mostra as mazelas que os trabalhadores sofrem devido àqueles que enxergam tais pessoas como parte de uma engrenagem montada para, obrigatoriamente, dar lucro com o mínimo de gastos tem uma das cenas mais dilacerantes do ano: um senhor com sua marmita num refeitório vazio tendo seus breves minutos de intervalo para se alimentar e voltar a um trabalho desgastante embora seja o único que alguém com sua idade possa tirar sustento.
As sequências da luta pela entrada do sindicato na empresa são emblemáticas, assim como o trabalho da dupla de diretores em mostrar todos os lados desta disputa é louvável. Steven Bognar e Julia Reichert nos envolvem desde com os trabalhadores da fábrica aos chefões chineses, explorando a coletividade chinesa que aceita com honra o trabalho explorador à individualidade norte-americana que luta por seus direitos trabalhistas, entre visões e opiniões distintas, entendemos porque China e Estados Unidos estão tão opostos não só no mapa, mas principalmente culturalmente falando, e como essa cultura de "trabalhe o máximo, ganhe o mínimo" sucateia toda uma cadeia de trabalhadores neste episódio que está longe de ser um caso isolado.
Michael Bay sofre do mesmo problema de Woody Allen. Ele acredita no seu estilo de fazer cinema, parece não se preocupar em soar idiota ou antiquado e filma suas propostas bem, no entanto, suas narrativas e ideias já não funcionam com o mesmo frescor de outrora. É até uma pena que um diretor que saiba trabalhar com efeitos práticos tão bem não seja capaz de sustentar suas histórias com algo no mínimo interessante.
Após arriscar algumas vezes na ficção científica, a Netflix tem apostado mais na ação. Em 2019, o serviço já havia estreado outro longa do gênero, o também fraco e bem menos agitado Operação Fronteira. Com Esquadrão 6, a aposta foi bem mais ousada e com ares e cifras de superprodução. Um produto megalomaníaco que só poderia ter saído das mãos daquele que se diverte colocando robôs gigantes para lutar.
É uma pena que o diretor que nos entregou os ótimos A Rocha, A Ilha e Sem Dor, Sem Ganho não tenha mais capacidade alguma de nos fazer interessar por seus personagens, e o elenco chamativo - de Ryan Reynolds a Mélanie Laurent - deve funcionar pra isso por si só, seus personagens sequer ganham nomes - são chamados de Um a Seis, posteriormente Sete - e o roteiro da dupla Rhett Reese e Paul Wernick, de outros longas absurdos como Deadpool e Zumbilândia, não tem o mesmo vigor de seus trabalhos anteriores.
Ao menos, Bay sabe como filmar cenas de ação eletrizantes e empolgantes, ainda que tudo soe artificialmente exagerado, o grande trunfo de Esquadrão 6 está justamente nas explosões, batidas e fugas que tomam conta da tela a cada nova cena. Assim, o fiapo de trama está ali apenas para mover os personagens do esquadrão numa missão de invasão a um país árabe dominado por um ditador. Mais velho que isso impossível, e Bay nem se preocupa em mascarar essa suposta benevolência norte-americana com algum tipo de discurso que sirva ao mundo atual, e quando tenta dar qualquer dose de drama ou camada ao seu filme, revelando os nomes reais dos personagens ou apontá-los para finais felizes, tudo soa cafona e forçado, é melhor mesmo ficar apenas na ação e nas piadas de mau gosto, afinal, é o que seu público quer ver.
Star Wars sempre gerou polêmica e não seria o último capítulo de uma trilogia mal programada que passaria ileso. O fandom de Star Wars é tão fanático que discutem até sobre qual é o pior filme da franquia: Episódio I ou Episódio II. Disputam qual personagem pouco desenvolvido nos filmes deveria ganhar um spin-off - e agora a possibilidade de ter uma série no Disney+: Darth Maul ou Boba Fett. Com isso, há muito a se ponderar sobre Star Wars: A Ascensão Skywalker. Muitos vão gostar, muitos vão odiar e, assim como nos capítulos anteriores, não haverá unanimidade, apenas uma coisa é certa: a saga dos Skywalker chegou ao fim - pelo menos por enquanto - e pra mim, com louvor. JJ Abrams traz a essência do que George Lucas criara em 1977 e realiza uma aventura espacial emocionante do início ao fim, sem sossego, com lutas de sabre e batalhas no espaço emblemáticas, a Força agindo, um vilão essencial e funcional e um dos finais mais lindos da franquia. Se despedir destes personagens não foi tarefa fácil, mas era preciso. Que a Disney os deixe descansar por um bom tempo.
A Ascensão Skywalker irá dividir opiniões. E a culpa não é de JJ Abrams (chamado para o lugar de Colin Trevorrow, diretor original do terceiro filme), nem de Rian Johnson (ok, desse um pouquinho), a maior parte da culpa deve cair no colo de Kathleen Kennedy, a presidente da Lucasfilm. A falta de visão estratégica em fazer dos três filmes uma trilogia como fora a original - que também teve três diretores diferentes, mas que comungam de uma coesão narrativa - acabou dando demasiada liberdade artística aos diretores o que acabou fazendo desta nova trilogia um Frankenstein, obviamente, isso se reflete no último e apressado terceiro filme, que não tem mais tempo de fomentar teorias, apresentar personagens ou se perder em diversas reviravoltas, em meio a tanta bagunça nos bastidores, JJ Abrams acabou fazendo o que ele já fizera no Episódio 7: jogou com o que tinha em mãos, sem ousar, apelou para a nostalgia e para a Força e até para um velho conhecido: Palpatine.
Muita gente - com razão - não gostou dos rumos que Rian Johnson deu a Os Últimos Jedi, a bilheteria 700 milhões de dólares aquém do Episódio 7 também é um reflexo desse insucesso - Era mesmo a hora de inventar com personagens de índole estabelecida como Luke? Era a hora de aniquilar o vilão da nova franquia? - Qualidades técnicas à parte, o que Johnson fez, mais uma vez, divide opiniões: para uns foi ousadia e um fôlego à franquia, para outros uma afronta ao cânone e a hora errada de fazer o seu filme sobre Star Wars, desrespeitando ser parte de uma trilogia. A verdade é que: se a trilogia iniciou de uma forma em 2015, não faria sentido mudar seu tom em 2017. Com isso, o caminho ficou tortuoso e o final emociona aos fãs mais entusiastas, mas deve frustrar aqueles que queriam ver algo novo. Vendo a trilogia completa hoje, o capítulo do meio destoa, para o bem ou para o mal, assim, A Ascensão Skywalker não tinha como agradar a gregos e troianos. Este pode não ser o final que muitos queriam, mas o início em 2015 também não foi pedido por ninguém e também se apoiava no velho, na lenda, no filme de 1977. Quem adora a ousadia de Johnson irá torcer o nariz para as respostas de JJ Abrams. Quem torce o nariz para o humor fora de hora de Os Últimos Jedi irá se encantar com o saudosismo de A Ascensão Skywalker, e assim seguirá o fandom de Star Wars, discutindo até que a próxima trilogia estreie nos cinemas.
Gosto muito quando atores estigmatizados por personagens em filmes de franquias ou sagas voltadas para um público específico saem do foco das grandes produções e se voltam para trabalhos mais intimistas e independentes provando serem donos de um carisma e potencial que merecem ser valorizados.
É o caso de Dakota Johnson - que já havia me surpreendido no ótimo Suspiria - mais uma vez se revelando uma atriz competente, embora nem seja a principal, sua atuação é honesta e isso basta para percebermos que nenhuma carreira deve ser destruída por 3 filmes de propostas duvidosas por si só.
Shia LaBeouf, que estava há uns 2 anos sumido do cinema, reaparece como Tyler, um pescador fugindo de uma dupla que está lhe cobrando uma dívida e que acaba cruzando o caminho de Zak (Zack Gottsagen) um garoto que tem síndrome de Down e o sonho de conhecer a escola de luta-livre de Salt Water Redneck.
Ambos se juntam numa jornada que varia entre o road movie e o filme de fuga e que acaba se revelando um filme sobre amizade e a simplicidade da vida, vista pelos olhos daqueles que a enxergam da maneira mais ingênua. Um indie típico, mas repleto de carinho e vitalidade.
A violência do início é bastante incômoda, embora justificável, pois ela traz o instinto da busca por justiça à personagem de Clare (Aisling Franciosi excelente) que faz a trama acontecer. No entanto, a diretora Jennifer Kent, assim como no desconjuntado Babadook, vai se perdendo pelo caminho. A violência que surge na jornada da esposa viúva não mais se justifica, embarcamos num "road movie do exploitation" numa Tasmânia colonizada por ingleses que vão dizimando os aborígenes em seu caminho - "é a história" alguns podem dizer, sim, mas a forma com que Kent arquiteta esses momentos beira o absurdo de tão gratuitas, como na sequência dos escravos acorrentados andando pela estrada. Parece que Kent quer apenas nos chocar e irá até as últimas consequências para tal, mas ela não sabe trazer o tom poético que ela quer para a trama, dessa forma, o drama fica pelo caminho, é a violência pela violência. Resta a bela fotografia e a filmagem em luz natural que reserva alguns momentos visualmente bonitos como a cena final.
Não há nada de muito novo aqui, ainda assim, o diretor Levan Akin nos envolve em uma trama onde dança e tensão sexual se confundem num ambiente extremamente homofóbico e conservador - e explorar isso com sutileza acaba sendo seu maior trunfo. Merab (Levan Gelbakhiani) é filho de um famoso dançarino e frequenta uma importante e renomada companhia georgiana de dança folclórica, a chegada de outro dançarino, Irakli (Bachi Valishvili), irá mexer com ele.
Akin conduz seus personagens à estafa mental e física em prol das tradições antigas da dança georgiana: os dois dançarinos competem por uma vaga num importante teste para a escola de dança. A direção sólida de Akin aposta e confia no elenco gerando belos momentos - seja nos exigentes ensaios ou nos planos-sequência - ao final, é um filme que usa a dança - uma arte que deveria transcender dogmas e preconceitos - como um canal de autoconhecimento e liberdade.
Ecoa um cinema dos anos 90: relações superficiais e temas importantes que nem sempre são aprofundados, embora sejam citados. No mais, a direção de Gillian Armstrong traz um trabalho de câmera interessante, principalmente nas cenas dentro da casa das March. A aproximação dos homens se dá de maneira condizente e sutil, Christian Bale bem no comecinho da carreira não faz feio, e até tem grande destaque numa história muito mais voltada às personagens femininas, entre as quais Winona Ryder é a principal força do elenco e uma jovem Kirsten Dunst também se destaca por sua espontaneidade juvenil.
Apesar da trama absurda - um pneu com poderes telecinéticos que explode pessoas com o "poder da mente" - Rubber critica inteligentemente o comportamento da audiência preguiçosa e falastrona dos cinemas e a Hollywood recicladora de ideias.
Se Vá e Veja, de Elem Klimov, é um dos retratos da guerra mais cruéis que a Rússia, à época ainda soviética, deu ao cinema, este Uma Mulher Alta é um dos dramas pós-guerra mais depressivos dos últimos anos e se destaca não só pelas cenas dolorosas - física e emocionalmente - que exigem estômago e sangue frio do espectador, mas também por ser contado pelo viés feminino, algo raro em filmes do tipo.
Inspirado pela leitura de "A Guerra Não Tem Rosto de Mulher", da escritora Svetlana Aleksiévitch, o diretor Kantemir Balagov, ao lado de Alexandr Terekhov, roteiriza uma história original de duas mulheres que lutaram na Segunda Guerra Mundial e voltam para casa em busca de alguma esperança, porém o verde da bela fotografia de Kseniya Sereda não é o dos vales e o vermelho não é do amor. Vazios precisam ser preenchidos, dores precisam ser remediadas, mas as memórias talvez nunca deixem de ir. E numa cidade em ruínas e com seus corpos machucados - e vazios por dentro, como diz Iya- como se reconstruir? . Pré-indicado russo no Oscar 2020 e vencedor do prêmio de Melhor Direção e o Prêmio da Crítica na Un Certain Regard no Festival de Cannes deste ano, Uma Mulher Alta é situado numa Leningrado degradante. Lá, a tímida Iya (Viktoriya Miroshnichenko) trabalha em um hospital para veteranos de guerra enquanto cuida do filho da amiga Masha (Vasilisa Perelygina) que retorna do front querendo reencontrar o filho e viver os prazeres - se é possível chamar assim - que a guerra lhe privou. Devido a uma condição de Iya, um trauma pós-guerra que a faz congelar por alguns minutos, algo grave acontece impactando diretamente na vida das duas amigas e trazendo um fardo ainda maior que já carregavam.
Sem facilitar nada ao espectador, empregando um ritmo cadenciado, uma câmera próxima às personagens, ausência de trilha sonora incidental - o apelo está muito mais nos passos, nas madeiras rangendo e no som sufocado emitido por Iya em suas crises - Balagov nos embarca em sua diegese de forma traumática e dolorosa contando mais uma das tristes histórias - quase invisíveis - da guerra.
Ao vermos o nome dos irmãos Russo (diretores dos dois últimos Vingadores: Guerra Infinita e Ultimato, e de ambos Capitão América: Soldado Invernal e Guerra Civil) associados à produção, automaticamente não nos importamos com os dramas ou a complexidade do protagonista, somos levados a imaginar as possibilidades de uma ação urbana convincente, ou no mínimo frenética, característica dos irmãos. Porém, a direção fica a cargo de Brian Kirk (My Boy Jack) que nunca havia feito um trabalho do gênero nos cinemas e, conforme a narrativa avança, isso fica perceptível.
Apesar da história ter um ritmo acelerado, falta a Kirk exercer uma direção mais segura e ambiciosa, ainda mais por ter o respaldo dos Russo. Ele pouco explora os quarteirões e as ruas movimentadas de Manhattan - e convenhamos, isolar Manhattan em pouquíssimo tempo é algo inconcebível e aqui é tratado como algo a ser feito em questão de minutos. Há ainda diversas outras facilidades no roteiro que vão minando a paciência e a curiosidade do espectador, pois, tudo nos é apresentado de antemão e Davis é o único personagem que permanece entre a inocência e a ingenuidade enquanto todos ao seu redor se mostram estereótipos de personagens de diversos filmes de ação que já vimos a rodo.
Em suma, Crime Sem Saída até tem uma tensão genuína e uma pós-produção acertada, dos efeitos sonoros à montagem ágil, mas ambos acabam sendo elementos isolados no meio de tantos deslizes e execuções aquém da proposta de um filme de ação em uma cidade agitada, violenta e corrupta. Sustentado pelo genérico, é um filme esquecível e decepcionante.
Simplesmente genial a forma com que o diretor Nadav Lapid nos apresenta a Yoav e suas intenções numa França, a ele, progressista e completamente diferente de sua terra natal, Israel.
Sem facilitar nada para o espectador - ora, e Yoav tem vida fácil? - somos jogados num emaranhado de situações que satirizam, criticam e ridicularizam a realidade de um país que em seu próprio hino canta contra o sangue dos "impuros". Impuros como Yoav, que saem de seus países dominados por guerras, violência, estupro de mulheres, assassinatos político e religiosos em busca de uma porta aberta em um país multiétnico que é a França. Doce ilusão.
Como citei, nada é facilitado para Yoav, o galo dos franceses, alimentado de migalhas e jogado nesta rinha em busca de dignidade e de se encontrar enquanto é explorado pelo jovem casal Emile e Caroline, seja mental ou fisicamente.
Tom Mercier, intérprete de Yoav, preenche a tela com seus trejeitos, articulações e expressões corporais, um entusiasta completo em seu sobretudo amarelo. A princípio lhe brilha aos olhos a oportunidade de se desfazer de uma nacionalidade e assumir outra, porém, aos poucos, as porradas começam a surgir. Uma das coisas intrínsecas ao ser humano é justamente este laço étnico-cultural, impossível de ser rasgado de nossa personalidade como se fosse a página de um livro.
Pode-se dizer que Sinônimos soa como o The Square deste ano. Gritante, raivoso, cômico e polêmico. Um retrato imagético de sua premissa inteligentemente articulada. Um deleite em suas camadas e uma mensagem que nos sacode do início ao fim. Seja pelo trabalho de câmera, trêmula quando precisa ser, ou pela correria de Yoav. E com tanto a ser pensado e digerido sobre esta Europa que bate a porta na cara destes intrusos, o pós-sessão será intensamente proveitoso.
Eli é o filme de terror que praticamente se auto-sabota por muito tempo para, ao final, conquistar - ou não - o espectador. Falar de suas surpresas seria um pecado, falar que o final é recompensador pode até ser um deslize meu, mas vejo este filme como uma obra que tem grande potencial para agradar aos fãs do terror que já estão cansados de ver a Netflix inchando seu catálogo com filmes genéricos que se sustentam em jumpscares fáceis e propostas nada ousadas. Não que os jumpscares não estejam aqui, estão, e tomam conta de boa parte do segundo ato do longa, mas há também uma ousadia em seu ato final que eleva o filme como um todo.
Na história, o garoto Eli (Charlie Shotwell) sofre de uma rara doença e vive em uma bolha, buscando tratamento para o filho, os pais se mudam com ele para uma clínica isolada - o local perfeito para os filmes de terror - onde um novo tratamento está sendo testado. Com o consentimento dos pais, Eli vira cobaia nas mãos da doutora Isabella Horn (Lili Taylor), e é curioso lembrar de sua Nell de A Casa Amaldiçoada - um remake do clássico Desafio do Além - que passara praticamente pela mesma situação, sendo testada e imersa em paranoias, sonhos e visões que a perturbavam. O mesmo acontece com Eli que tem as atitudes mais plausíveis para alguém de sua idade: se rebelando contra todos.
Mesmo que o filme tenha uma duração curta (98 minutos), por muito tempo o diretor Ciarán Foy explora o confinamento do garoto sem saber construir um clima de terror sólido e convincente, dependendo demais de aparições escondidas aqui ou acolá para entreter o espectador. Foy não tem o know-how de outros diretores contemporâneos arquitetos do horror, como Mike Flanagan e James Wan, e só nos minutos finais se mostra autêntico o suficiente para nos fazer entender sua abordagem, talvez alheia e conveniente demais, se revelando até manipuladora, mas que o diretor tem o direito de se fazer valer e que caberá a cada espectador dizer se gostou ou não.
A Netflix deve vir com força na temporada de premiações não só com O Irlandês, História de Um Casamento e Dois Papas, podendo também encarar de frente a gigante Disney/Pixar graças a duas adições recentes em seu catálogo: a animação natalina Klaus, com diversas indicações ao Annie Awards, e Perdi Meu Corpo, animação francesa que vem colecionando diversos prêmios da crítica e que se tornou a primeira animação da história a ser premiada na Semana da Crítica no Festival de Cannes.
A abordagem excêntrica e o uso da animação para elucidar a metáfora da busca por seu passado, compreendê-lo e se libertar dele logo chamam a atenção. Uma mão decepada ao lado de uma mosca, uma poça de sangue e um olhar assustado abrem o longa. A partir dali, acompanhamos a narrativa em três frentes: as aventuras de uma mão que vagueia pela cidade em busca de seu corpo enquanto rememora - abrindo a segunda linha do tempo em sequências em preto e branco - a infância do protagonista Naoufel, do qual acompanhamos - na terceira linha - seu cotidiano desde que este conheceu a voz de Gabrielle e depois passou a trabalhar em uma pequena marcenaria para ficar próximo da jovem por qual se encantou.
Perdi Meu Corpo assume um tom melancólico e singelo com uma trilha suave e traços pouco rebuscados, dada sua autenticidade narrativa, não demora muito para nos envolvermos com a mão que tenta sobreviver em uma Paris ameaçadora, assim, logo embarcamos na simplicidade da proposta do diretor Jérémy Clapin que nos transmite uma mensagem de superação e compreensão da vida passada através dos sentimentos e sentidos de seus personagens.
É triste a face do capitalismo que paira sobre Toritama, cidade interiorana de Pernambuco conhecida como a capital nacional do jeans, e esse título se deve ao fato de que, durante 12 meses do ano e mais de 10 horas ao dia, boa parte de seus moradores se dedicam à produção de peças de jeans que movimentam a economia da cidade. Apesar da felicidade e dos sonhos que cada um daqueles personagens reais trazem consigo, muitos deles não têm a consciência de que ser seu próprio chefe, ganhar pelo que produz e não ter hora para entrar ou sair do trabalho, na verdade, nada mais é que uma falsa liberdade financeira e apenas o reflexo da desigualdade social de nosso país.
Em meio a tanto trabalho e tantas pilhas de jeans, o que resta aos moradores de Toritama é o conformismo de esperar pela chegada do carnaval, momento do ano no qual o trabalho dá vez a uma semana de lazer em família. Como alguém que não criou raízes ali, mas que guarda com um carinho nostálgico a lembrança de ter crescido na cidade, o diretor Marcelo Gomes documenta uma triste e dura realidade que tem sido cada vez mais constante, sem direitos, as pessoas se iludem com o trabalho informal, assim, a ausência ou negligência do Estado sequer é percebida pelos moradores, talvez ensurdecidos pelo constante barulho das máquinas e tomados pelo tempo que o labor lhes rouba diariamente.
Rian Johnson constrói uma instigante trama de assassinato que impressiona pelo seu controle narrativo já em seu primeiro longa, o filme nunca perde seu tom de mistério, e dada a proposta de levar o noir ao ambiente escolar onde jovens pensam e agem como adultos, cigarros são provas de crime e tijolos são drogas, o deslize poderia ser feio.
O que mais me deixou envolto na trama é a semelhança com Twin Peaks, seja nos charmosos acordes de piano e sax, no assassinato revelado já no início ou na imagem granulada, porém aqui falta a estranheza que havia na obra de David Lynch, e se lá são horas e mais horas muito bem desenvolvidas, aqui os 110 minutos pareceram demais pra mim - algo natural a diretores estreantes que editam seu próprio material -, no entanto, é um debute com seus méritos.
Nos moldes de uma história de Agatha Christie, desde toda a ambientação rica em detalhes ao detetive Blanc que emana um ar de Hercule Poirot, Rian Johnson vai além do divertido e engenhoso jogo de trapaças e mistérios, sem se ater a apenas pregar peças no espectador e resolver seu maior mistério ao final. Não demora muito para que ele nos revele a verdade acerca do crime, assim como ele também não perde tempo em nos envolver em outros mistérios logo em seguida, sua trama é cheia de reviravoltas, ou como bem define Blanc "é um donut dentro do buraco de outro donut". E Johnson se aproveita bem daqueles personagens que têm muito mais segredos do que se imagina, e consequentemente do chamativo elenco encabeçado por Daniel Craig e Ana de Armas.
Aos poucos, vamos conhecendo a verdadeira índole de cada um dos Thrombey. Entre estes filhos, genros e netos abonados que herdaram o sobrenome poderoso do pai, sogro e avô, surge a imigrante latina Marta Cabrera (de Armas), apresentada pelos Thrombey como "alguém que faz parte de família", mas dada sua proximidade com Harlan e sua origem - ela era sua enfermeira e cuidadora - ela logo assume um indesejado papel de suspeita aos olhos da família e de vítima aos olhos do espectador, ao mesmo tempo que se torna peça fundamental para Blanc na resolução do mistério. Para Johnson e seu roteiro, ela é uma vítima social.
Entre Facas e Segredos é como o Corra! de 2017, com uma narrativa simples e orgânica que tem como principal proposta entreter diversos públicos, Rian Johnson sustenta o mistério e seus personagens arquitetando uma crítica social à ultra-direita norte-americana num subtexto poderoso que não precisa ser desvendado, já que, diferente do assassinato de Harlan Thrombey, está muito mais na cara. Talvez seja um exagero falar em subversão do gênero, mas o longa é um digno whodunnit, subgênero esquecido e que agora volta bem representado pelas mãos do diretor cinéfilo.
O salto de Babak Anvari foi surpreendente. O diretor que debutou com o bom Sob a Sombra em 2016 - uma história sobrenatural situada no Irã com a guerra entre Irã e Iraque como pano de fundo - já em seu segundo filme reúne um elenco de talentos que estiveram em destaque nos últimos anos em Hollywood. Estão aqui: Armie Hammer (Me Chame Pelo Seu Nome), Dakota Johnson (trilogia 50 Tons de Cinza e Suspiria) e Zazie Beets (Deadpool 2 e Coringa), reunidos em uma trama de suspense que flerta com o terror psicológico e tenta argumentar quase de uma maneira cronenbergiana o domínio da tecnologia numa sociedade moralmente falha e vazia.
O maior problema de Contato Visceral é que Anvari peca justamente ao abdicar do desenvolvimento de seus personagens para sustentar a trama em sustos fáceis ou situações estranhas que não causam o impacto necessário. É válida e interessante a crítica ao modo de vida de uma geração que olha para os jovens millennials com certo preconceito e desprezo mas que é tão problemática quanto, porém, o fator sobrenatural de Contato Visceral é jogado na história de maneira aleatória, falta sustentação para o "demônio" que parece ter saído direto de Pulse - o remake americano, e não o original japonês - assim, é preciso muita boa vontade do espectador para compreender e embarcar na proposta de Anvari, interessante a princípio, mas que vai se esvaindo a cada nova cena.
O longa de Gustavo Galvão é como rememorar uma época que já se foi e não volta mais. Há uma essência melancólica na Brasília desértica e arquitetônica na qual Karen vê os shows de sua banda, a Animal Interior, cada vez mais vazios. Tal melancolia é reforçada pela fotografia de tons acinzentados e sem vida, enquanto Karen vive uma luta diária contra um sistema opressor e uma sociedade apática onde todos parecem se dar por vencidos ou seguem suas vidas sem curtições e prazer, e é na música que a trompetista e seus amigos encontram uma maneira de canalizar seus sentimentos, seja num triângulo amoroso sem fronteiras, em seus gritos de liberdade, ora contra o chefe, ora contra o som de uma construção, sempre destacando a rebeldia inerente àqueles jovens.
No entanto, às vésperas de 2020 a ideia soa datada - ou saudosista demais -, talvez um design de produção que exercitasse uma volta aos anos 90 fosse mais acertado, o saudosismo de Karen a deixa estagnada em uma visão muito superficial de mundo, assim, a história roda em círculos, entre a tentativa de voltar a tocar sua música, seja em palcos ou na rádio, ou num triângulo amoroso banal e pouco convincente. Nem mesmo a viagem a Berlim é capaz de trazer algum alento à trompetista ou frescor à narrativa, tudo é levado com muita frieza por Galvão, sem ficar claro se o que ele quer passar é uma visão otimista ou pessimista da coisa. Ao final, a mensagem fica clara, mas a forma com que é passada exigia mais vigor.
É difícil definir Atlantique como um romance, um suspense, uma fantasia ou um drama, não porque o longa da diretora Mati Diop transite com segurança por esses gêneros, mas porque todos eles surjam frouxos numa trama contemplativa e melancólica que se sustenta justamente por sua estranheza.
Vencedor do Grand Prix no último Festival de Cannes, o longa se passa no subúrbio de Dakar, onde os jovens apaixonados Ada (Mame Bineta Sane) e Suleiman (Ibrahima Traore) sonham com ventos mais prósperos. Suleiman é um operário que trabalha na construção de uma torre futurista à beira-mar e Ada está prometida a outro homem. Sem receber pagamento e sem perspectivas de melhora, Suleiman ruma ao mar com outros amigos. Ada fica, até que no dia da festa de seu casamento Suleiman volta.
A mensagem de Atlantique está muito mais implícita do que parece, Diop praticamente exige que o espectador seja afetado pelo estado febril que atinge muitos dos personagens (vou evitar mesmo quaisquer spoilers), entre alucinações e visões, a diretora sugere muito e revela pouco, seus recursos estéticos se sobrepõem à linguagem clássica, e o grande charme de Atlantique está justamente nesta subjetividade. Embora se perca numa trama policial que tira o foco de Ada e Suleiman, Atlantique é uma jornada espiritual entre o amor e o sobrenatural com boas pitadas de cinema-fantástico, ainda que falte uma coesão entre início, meio e fim.
Definitivamente não consigo gostar dessas tentativas do Porta dos Fundos de ser Monty Python. Já achava Se Beber, Não Ceie uma grande bobagem, esse aqui repete o mesmo nível, para quem gostou daquele pode se divertir também, mas comigo não rolou, infelizmente. Porchat, no entanto, está ótimo.
De Ilusão Também Se Vive
3.9 91 Assista AgoraSem dúvida alguma uma das mais belas fábulas de Natal que já vi. Como provar a existência de algo impossível mas necessário para que as crianças, principalmente, sigam sonhando e encarem a melhor fase de suas vidas com a imaginação aflorada e despertando seus diversos sentidos? Tem tanta bondade e altruísmo aqui que às vezes até parece um filme de Frank Capra.
8 Mulheres
3.8 144Mais uma vez François Ozon brinca de ser Almodóvar, cores vivas, beijo gay, gravidez, brigas de família, uma trama novelesca e rocambolesca de whodunnit na qual 8 mulheres isoladas numa casa às vésperas do Natal são suspeitas de um crime e acusam umas às outras. Catherine Deneuve vs Isabelle Huppert é o embate do século do cinema francês.
Ozon vai revelando segredos íntimos de cada uma delas como se o assassinato tivesse desencadeado certa emancipação e não a condenação daquelas mulheres, e a maior excentricidade nisso tudo é como ele insere números musicais inusitados à narrativa tornando a experiência super despojada e agradável.
Casamento Sangrento
3.5 950 Assista AgoraDifícil entender porque um filme como esse não teve a oportunidade de chegar aos cinemas aqui no Brasil. Ready or Not é puro entretenimento, e num ano no qual Entre Facas e Segredos agrada por ser um whodunnit disfarçado de crítica social - ou vice-versa - este aqui merecia mais sorte por fazer praticamente o mesmo.
Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett resgatam um subgênero pouco apreciado hoje em dia - o slasher -, reúnem um elenco no qual cada um sabe trabalhar bem com os excessos, e fazem da moça delicada (a sempre ótima Samara Weaving) a heroína que deve se livrar daquela "fucking rich people" num jogo violento e divertido (para nós) do qual não sabemos se ela irá se safar ou não.
Indústria Americana
3.6 168Esse documentário que mostra as mazelas que os trabalhadores sofrem devido àqueles que enxergam tais pessoas como parte de uma engrenagem montada para, obrigatoriamente, dar lucro com o mínimo de gastos tem uma das cenas mais dilacerantes do ano: um senhor com sua marmita num refeitório vazio tendo seus breves minutos de intervalo para se alimentar e voltar a um trabalho desgastante embora seja o único que alguém com sua idade possa tirar sustento.
As sequências da luta pela entrada do sindicato na empresa são emblemáticas, assim como o trabalho da dupla de diretores em mostrar todos os lados desta disputa é louvável. Steven Bognar e Julia Reichert nos envolvem desde com os trabalhadores da fábrica aos chefões chineses, explorando a coletividade chinesa que aceita com honra o trabalho explorador à individualidade norte-americana que luta por seus direitos trabalhistas, entre visões e opiniões distintas, entendemos porque China e Estados Unidos estão tão opostos não só no mapa, mas principalmente culturalmente falando, e como essa cultura de "trabalhe o máximo, ganhe o mínimo" sucateia toda uma cadeia de trabalhadores neste episódio que está longe de ser um caso isolado.
Esquadrão 6
3.0 431 Assista AgoraMichael Bay sofre do mesmo problema de Woody Allen. Ele acredita no seu estilo de fazer cinema, parece não se preocupar em soar idiota ou antiquado e filma suas propostas bem, no entanto, suas narrativas e ideias já não funcionam com o mesmo frescor de outrora. É até uma pena que um diretor que saiba trabalhar com efeitos práticos tão bem não seja capaz de sustentar suas histórias com algo no mínimo interessante.
Após arriscar algumas vezes na ficção científica, a Netflix tem apostado mais na ação. Em 2019, o serviço já havia estreado outro longa do gênero, o também fraco e bem menos agitado Operação Fronteira. Com Esquadrão 6, a aposta foi bem mais ousada e com ares e cifras de superprodução. Um produto megalomaníaco que só poderia ter saído das mãos daquele que se diverte colocando robôs gigantes para lutar.
É uma pena que o diretor que nos entregou os ótimos A Rocha, A Ilha e Sem Dor, Sem Ganho não tenha mais capacidade alguma de nos fazer interessar por seus personagens, e o elenco chamativo - de Ryan Reynolds a Mélanie Laurent - deve funcionar pra isso por si só, seus personagens sequer ganham nomes - são chamados de Um a Seis, posteriormente Sete - e o roteiro da dupla Rhett Reese e Paul Wernick, de outros longas absurdos como Deadpool e Zumbilândia, não tem o mesmo vigor de seus trabalhos anteriores.
Ao menos, Bay sabe como filmar cenas de ação eletrizantes e empolgantes, ainda que tudo soe artificialmente exagerado, o grande trunfo de Esquadrão 6 está justamente nas explosões, batidas e fugas que tomam conta da tela a cada nova cena. Assim, o fiapo de trama está ali apenas para mover os personagens do esquadrão numa missão de invasão a um país árabe dominado por um ditador. Mais velho que isso impossível, e Bay nem se preocupa em mascarar essa suposta benevolência norte-americana com algum tipo de discurso que sirva ao mundo atual, e quando tenta dar qualquer dose de drama ou camada ao seu filme, revelando os nomes reais dos personagens ou apontá-los para finais felizes, tudo soa cafona e forçado, é melhor mesmo ficar apenas na ação e nas piadas de mau gosto, afinal, é o que seu público quer ver.
Star Wars, Episódio IX: A Ascensão Skywalker
3.2 1,3K Assista AgoraStar Wars sempre gerou polêmica e não seria o último capítulo de uma trilogia mal programada que passaria ileso. O fandom de Star Wars é tão fanático que discutem até sobre qual é o pior filme da franquia: Episódio I ou Episódio II. Disputam qual personagem pouco desenvolvido nos filmes deveria ganhar um spin-off - e agora a possibilidade de ter uma série no Disney+: Darth Maul ou Boba Fett. Com isso, há muito a se ponderar sobre Star Wars: A Ascensão Skywalker. Muitos vão gostar, muitos vão odiar e, assim como nos capítulos anteriores, não haverá unanimidade, apenas uma coisa é certa: a saga dos Skywalker chegou ao fim - pelo menos por enquanto - e pra mim, com louvor. JJ Abrams traz a essência do que George Lucas criara em 1977 e realiza uma aventura espacial emocionante do início ao fim, sem sossego, com lutas de sabre e batalhas no espaço emblemáticas, a Força agindo, um vilão essencial e funcional e um dos finais mais lindos da franquia. Se despedir destes personagens não foi tarefa fácil, mas era preciso. Que a Disney os deixe descansar por um bom tempo.
A Ascensão Skywalker irá dividir opiniões. E a culpa não é de JJ Abrams (chamado para o lugar de Colin Trevorrow, diretor original do terceiro filme), nem de Rian Johnson (ok, desse um pouquinho), a maior parte da culpa deve cair no colo de Kathleen Kennedy, a presidente da Lucasfilm. A falta de visão estratégica em fazer dos três filmes uma trilogia como fora a original - que também teve três diretores diferentes, mas que comungam de uma coesão narrativa - acabou dando demasiada liberdade artística aos diretores o que acabou fazendo desta nova trilogia um Frankenstein, obviamente, isso se reflete no último e apressado terceiro filme, que não tem mais tempo de fomentar teorias, apresentar personagens ou se perder em diversas reviravoltas, em meio a tanta bagunça nos bastidores, JJ Abrams acabou fazendo o que ele já fizera no Episódio 7: jogou com o que tinha em mãos, sem ousar, apelou para a nostalgia e para a Força e até para um velho conhecido: Palpatine.
Muita gente - com razão - não gostou dos rumos que Rian Johnson deu a Os Últimos Jedi, a bilheteria 700 milhões de dólares aquém do Episódio 7 também é um reflexo desse insucesso - Era mesmo a hora de inventar com personagens de índole estabelecida como Luke? Era a hora de aniquilar o vilão da nova franquia? - Qualidades técnicas à parte, o que Johnson fez, mais uma vez, divide opiniões: para uns foi ousadia e um fôlego à franquia, para outros uma afronta ao cânone e a hora errada de fazer o seu filme sobre Star Wars, desrespeitando ser parte de uma trilogia. A verdade é que: se a trilogia iniciou de uma forma em 2015, não faria sentido mudar seu tom em 2017. Com isso, o caminho ficou tortuoso e o final emociona aos fãs mais entusiastas, mas deve frustrar aqueles que queriam ver algo novo. Vendo a trilogia completa hoje, o capítulo do meio destoa, para o bem ou para o mal, assim, A Ascensão Skywalker não tinha como agradar a gregos e troianos. Este pode não ser o final que muitos queriam, mas o início em 2015 também não foi pedido por ninguém e também se apoiava no velho, na lenda, no filme de 1977. Quem adora a ousadia de Johnson irá torcer o nariz para as respostas de JJ Abrams. Quem torce o nariz para o humor fora de hora de Os Últimos Jedi irá se encantar com o saudosismo de A Ascensão Skywalker, e assim seguirá o fandom de Star Wars, discutindo até que a próxima trilogia estreie nos cinemas.
Star Wars, Episódio IX: A Ascensão Skywalker
3.2 1,3K Assista AgoraSe ignorou Last Jedi é bom.
O Falcão Manteiga de Amendoim
3.7 85Gosto muito quando atores estigmatizados por personagens em filmes de franquias ou sagas voltadas para um público específico saem do foco das grandes produções e se voltam para trabalhos mais intimistas e independentes provando serem donos de um carisma e potencial que merecem ser valorizados.
É o caso de Dakota Johnson - que já havia me surpreendido no ótimo Suspiria - mais uma vez se revelando uma atriz competente, embora nem seja a principal, sua atuação é honesta e isso basta para percebermos que nenhuma carreira deve ser destruída por 3 filmes de propostas duvidosas por si só.
Shia LaBeouf, que estava há uns 2 anos sumido do cinema, reaparece como Tyler, um pescador fugindo de uma dupla que está lhe cobrando uma dívida e que acaba cruzando o caminho de Zak (Zack Gottsagen) um garoto que tem síndrome de Down e o sonho de conhecer a escola de luta-livre de Salt Water Redneck.
Ambos se juntam numa jornada que varia entre o road movie e o filme de fuga e que acaba se revelando um filme sobre amizade e a simplicidade da vida, vista pelos olhos daqueles que a enxergam da maneira mais ingênua. Um indie típico, mas repleto de carinho e vitalidade.
The Nightingale
3.6 181 Assista AgoraA violência do início é bastante incômoda, embora justificável, pois ela traz o instinto da busca por justiça à personagem de Clare (Aisling Franciosi excelente) que faz a trama acontecer. No entanto, a diretora Jennifer Kent, assim como no desconjuntado Babadook, vai se perdendo pelo caminho. A violência que surge na jornada da esposa viúva não mais se justifica, embarcamos num "road movie do exploitation" numa Tasmânia colonizada por ingleses que vão dizimando os aborígenes em seu caminho - "é a história" alguns podem dizer, sim, mas a forma com que Kent arquiteta esses momentos beira o absurdo de tão gratuitas, como na sequência dos escravos acorrentados andando pela estrada. Parece que Kent quer apenas nos chocar e irá até as últimas consequências para tal, mas ela não sabe trazer o tom poético que ela quer para a trama, dessa forma, o drama fica pelo caminho, é a violência pela violência. Resta a bela fotografia e a filmagem em luz natural que reserva alguns momentos visualmente bonitos como a cena final.
E Então Nós Dançamos
4.0 85 Assista AgoraNão há nada de muito novo aqui, ainda assim, o diretor Levan Akin nos envolve em uma trama onde dança e tensão sexual se confundem num ambiente extremamente homofóbico e conservador - e explorar isso com sutileza acaba sendo seu maior trunfo. Merab (Levan Gelbakhiani) é filho de um famoso dançarino e frequenta uma importante e renomada companhia georgiana de dança folclórica, a chegada de outro dançarino, Irakli (Bachi Valishvili), irá mexer com ele.
Akin conduz seus personagens à estafa mental e física em prol das tradições antigas da dança georgiana: os dois dançarinos competem por uma vaga num importante teste para a escola de dança. A direção sólida de Akin aposta e confia no elenco gerando belos momentos - seja nos exigentes ensaios ou nos planos-sequência - ao final, é um filme que usa a dança - uma arte que deveria transcender dogmas e preconceitos - como um canal de autoconhecimento e liberdade.
Adoráveis Mulheres
3.8 231 Assista AgoraEcoa um cinema dos anos 90: relações superficiais e temas importantes que nem sempre são aprofundados, embora sejam citados. No mais, a direção de Gillian Armstrong traz um trabalho de câmera interessante, principalmente nas cenas dentro da casa das March. A aproximação dos homens se dá de maneira condizente e sutil, Christian Bale bem no comecinho da carreira não faz feio, e até tem grande destaque numa história muito mais voltada às personagens femininas, entre as quais Winona Ryder é a principal força do elenco e uma jovem Kirsten Dunst também se destaca por sua espontaneidade juvenil.
Rubber
3.2 307Apesar da trama absurda - um pneu com poderes telecinéticos que explode pessoas com o "poder da mente" - Rubber critica inteligentemente o comportamento da audiência preguiçosa e falastrona dos cinemas e a Hollywood recicladora de ideias.
Uma Mulher Alta
3.8 112Os russos sabem desgraçar nossa cabeça.
Se Vá e Veja, de Elem Klimov, é um dos retratos da guerra mais cruéis que a Rússia, à época ainda soviética, deu ao cinema, este Uma Mulher Alta é um dos dramas pós-guerra mais depressivos dos últimos anos e se destaca não só pelas cenas dolorosas - física e emocionalmente - que exigem estômago e sangue frio do espectador, mas também por ser contado pelo viés feminino, algo raro em filmes do tipo.
Inspirado pela leitura de "A Guerra Não Tem Rosto de Mulher", da escritora Svetlana Aleksiévitch, o diretor Kantemir Balagov, ao lado de Alexandr Terekhov, roteiriza uma história original de duas mulheres que lutaram na Segunda Guerra Mundial e voltam para casa em busca de alguma esperança, porém o verde da bela fotografia de Kseniya Sereda não é o dos vales e o vermelho não é do amor. Vazios precisam ser preenchidos, dores precisam ser remediadas, mas as memórias talvez nunca deixem de ir. E numa cidade em ruínas e com seus corpos machucados - e vazios por dentro, como diz Iya- como se reconstruir?
.
Pré-indicado russo no Oscar 2020 e vencedor do prêmio de Melhor Direção e o Prêmio da Crítica na Un Certain Regard no Festival de Cannes deste ano, Uma Mulher Alta é situado numa Leningrado degradante. Lá, a tímida Iya (Viktoriya Miroshnichenko) trabalha em um hospital para veteranos de guerra enquanto cuida do filho da amiga Masha (Vasilisa Perelygina) que retorna do front querendo reencontrar o filho e viver os prazeres - se é possível chamar assim - que a guerra lhe privou. Devido a uma condição de Iya, um trauma pós-guerra que a faz congelar por alguns minutos, algo grave acontece impactando diretamente na vida das duas amigas e trazendo um fardo ainda maior que já carregavam.
Sem facilitar nada ao espectador, empregando um ritmo cadenciado, uma câmera próxima às personagens, ausência de trilha sonora incidental - o apelo está muito mais nos passos, nas madeiras rangendo e no som sufocado emitido por Iya em suas crises - Balagov nos embarca em sua diegese de forma traumática e dolorosa contando mais uma das tristes histórias - quase invisíveis - da guerra.
Crime Sem Saída
3.4 193 Assista AgoraAo vermos o nome dos irmãos Russo (diretores dos dois últimos Vingadores: Guerra Infinita e Ultimato, e de ambos Capitão América: Soldado Invernal e Guerra Civil) associados à produção, automaticamente não nos importamos com os dramas ou a complexidade do protagonista, somos levados a imaginar as possibilidades de uma ação urbana convincente, ou no mínimo frenética, característica dos irmãos. Porém, a direção fica a cargo de Brian Kirk (My Boy Jack) que nunca havia feito um trabalho do gênero nos cinemas e, conforme a narrativa avança, isso fica perceptível.
Apesar da história ter um ritmo acelerado, falta a Kirk exercer uma direção mais segura e ambiciosa, ainda mais por ter o respaldo dos Russo. Ele pouco explora os quarteirões e as ruas movimentadas de Manhattan - e convenhamos, isolar Manhattan em pouquíssimo tempo é algo inconcebível e aqui é tratado como algo a ser feito em questão de minutos. Há ainda diversas outras facilidades no roteiro que vão minando a paciência e a curiosidade do espectador, pois, tudo nos é apresentado de antemão e Davis é o único personagem que permanece entre a inocência e a ingenuidade enquanto todos ao seu redor se mostram estereótipos de personagens de diversos filmes de ação que já vimos a rodo.
Em suma, Crime Sem Saída até tem uma tensão genuína e uma pós-produção acertada, dos efeitos sonoros à montagem ágil, mas ambos acabam sendo elementos isolados no meio de tantos deslizes e execuções aquém da proposta de um filme de ação em uma cidade agitada, violenta e corrupta. Sustentado pelo genérico, é um filme esquecível e decepcionante.
Sinônimos
3.4 50 Assista AgoraSimplesmente genial a forma com que o diretor Nadav Lapid nos apresenta a Yoav e suas intenções numa França, a ele, progressista e completamente diferente de sua terra natal, Israel.
Sem facilitar nada para o espectador - ora, e Yoav tem vida fácil? - somos jogados num emaranhado de situações que satirizam, criticam e ridicularizam a realidade de um país que em seu próprio hino canta contra o sangue dos "impuros". Impuros como Yoav, que saem de seus países dominados por guerras, violência, estupro de mulheres, assassinatos político e religiosos em busca de uma porta aberta em um país multiétnico que é a França. Doce ilusão.
Como citei, nada é facilitado para Yoav, o galo dos franceses, alimentado de migalhas e jogado nesta rinha em busca de dignidade e de se encontrar enquanto é explorado pelo jovem casal Emile e Caroline, seja mental ou fisicamente.
Tom Mercier, intérprete de Yoav, preenche a tela com seus trejeitos, articulações e expressões corporais, um entusiasta completo em seu sobretudo amarelo. A princípio lhe brilha aos olhos a oportunidade de se desfazer de uma nacionalidade e assumir outra, porém, aos poucos, as porradas começam a surgir. Uma das coisas intrínsecas ao ser humano é justamente este laço étnico-cultural, impossível de ser rasgado de nossa personalidade como se fosse a página de um livro.
Pode-se dizer que Sinônimos soa como o The Square deste ano. Gritante, raivoso, cômico e polêmico. Um retrato imagético de sua premissa inteligentemente articulada. Um deleite em suas camadas e uma mensagem que nos sacode do início ao fim. Seja pelo trabalho de câmera, trêmula quando precisa ser, ou pela correria de Yoav. E com tanto a ser pensado e digerido sobre esta Europa que bate a porta na cara destes intrusos, o pós-sessão será intensamente proveitoso.
Eli
2.5 588 Assista AgoraEli é o filme de terror que praticamente se auto-sabota por muito tempo para, ao final, conquistar - ou não - o espectador. Falar de suas surpresas seria um pecado, falar que o final é recompensador pode até ser um deslize meu, mas vejo este filme como uma obra que tem grande potencial para agradar aos fãs do terror que já estão cansados de ver a Netflix inchando seu catálogo com filmes genéricos que se sustentam em jumpscares fáceis e propostas nada ousadas. Não que os jumpscares não estejam aqui, estão, e tomam conta de boa parte do segundo ato do longa, mas há também uma ousadia em seu ato final que eleva o filme como um todo.
Na história, o garoto Eli (Charlie Shotwell) sofre de uma rara doença e vive em uma bolha, buscando tratamento para o filho, os pais se mudam com ele para uma clínica isolada - o local perfeito para os filmes de terror - onde um novo tratamento está sendo testado. Com o consentimento dos pais, Eli vira cobaia nas mãos da doutora Isabella Horn (Lili Taylor), e é curioso lembrar de sua Nell de A Casa Amaldiçoada - um remake do clássico Desafio do Além - que passara praticamente pela mesma situação, sendo testada e imersa em paranoias, sonhos e visões que a perturbavam. O mesmo acontece com Eli que tem as atitudes mais plausíveis para alguém de sua idade: se rebelando contra todos.
Mesmo que o filme tenha uma duração curta (98 minutos), por muito tempo o diretor Ciarán Foy explora o confinamento do garoto sem saber construir um clima de terror sólido e convincente, dependendo demais de aparições escondidas aqui ou acolá para entreter o espectador. Foy não tem o know-how de outros diretores contemporâneos arquitetos do horror, como Mike Flanagan e James Wan, e só nos minutos finais se mostra autêntico o suficiente para nos fazer entender sua abordagem, talvez alheia e conveniente demais, se revelando até manipuladora, mas que o diretor tem o direito de se fazer valer e que caberá a cada espectador dizer se gostou ou não.
Perdi Meu Corpo
3.8 351 Assista AgoraA Netflix deve vir com força na temporada de premiações não só com O Irlandês, História de Um Casamento e Dois Papas, podendo também encarar de frente a gigante Disney/Pixar graças a duas adições recentes em seu catálogo: a animação natalina Klaus, com diversas indicações ao Annie Awards, e Perdi Meu Corpo, animação francesa que vem colecionando diversos prêmios da crítica e que se tornou a primeira animação da história a ser premiada na Semana da Crítica no Festival de Cannes.
A abordagem excêntrica e o uso da animação para elucidar a metáfora da busca por seu passado, compreendê-lo e se libertar dele logo chamam a atenção. Uma mão decepada ao lado de uma mosca, uma poça de sangue e um olhar assustado abrem o longa. A partir dali, acompanhamos a narrativa em três frentes: as aventuras de uma mão que vagueia pela cidade em busca de seu corpo enquanto rememora - abrindo a segunda linha do tempo em sequências em preto e branco - a infância do protagonista Naoufel, do qual acompanhamos - na terceira linha - seu cotidiano desde que este conheceu a voz de Gabrielle e depois passou a trabalhar em uma pequena marcenaria para ficar próximo da jovem por qual se encantou.
Perdi Meu Corpo assume um tom melancólico e singelo com uma trilha suave e traços pouco rebuscados, dada sua autenticidade narrativa, não demora muito para nos envolvermos com a mão que tenta sobreviver em uma Paris ameaçadora, assim, logo embarcamos na simplicidade da proposta do diretor Jérémy Clapin que nos transmite uma mensagem de superação e compreensão da vida passada através dos sentimentos e sentidos de seus personagens.
Estou Me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar
4.3 210É triste a face do capitalismo que paira sobre Toritama, cidade interiorana de Pernambuco conhecida como a capital nacional do jeans, e esse título se deve ao fato de que, durante 12 meses do ano e mais de 10 horas ao dia, boa parte de seus moradores se dedicam à produção de peças de jeans que movimentam a economia da cidade. Apesar da felicidade e dos sonhos que cada um daqueles personagens reais trazem consigo, muitos deles não têm a consciência de que ser seu próprio chefe, ganhar pelo que produz e não ter hora para entrar ou sair do trabalho, na verdade, nada mais é que uma falsa liberdade financeira e apenas o reflexo da desigualdade social de nosso país.
Em meio a tanto trabalho e tantas pilhas de jeans, o que resta aos moradores de Toritama é o conformismo de esperar pela chegada do carnaval, momento do ano no qual o trabalho dá vez a uma semana de lazer em família. Como alguém que não criou raízes ali, mas que guarda com um carinho nostálgico a lembrança de ter crescido na cidade, o diretor Marcelo Gomes documenta uma triste e dura realidade que tem sido cada vez mais constante, sem direitos, as pessoas se iludem com o trabalho informal, assim, a ausência ou negligência do Estado sequer é percebida pelos moradores, talvez ensurdecidos pelo constante barulho das máquinas e tomados pelo tempo que o labor lhes rouba diariamente.
A Ponta de um Crime
3.5 132 Assista AgoraRian Johnson constrói uma instigante trama de assassinato que impressiona pelo seu controle narrativo já em seu primeiro longa, o filme nunca perde seu tom de mistério, e dada a proposta de levar o noir ao ambiente escolar onde jovens pensam e agem como adultos, cigarros são provas de crime e tijolos são drogas, o deslize poderia ser feio.
O que mais me deixou envolto na trama é a semelhança com Twin Peaks, seja nos charmosos acordes de piano e sax, no assassinato revelado já no início ou na imagem granulada, porém aqui falta a estranheza que havia na obra de David Lynch, e se lá são horas e mais horas muito bem desenvolvidas, aqui os 110 minutos pareceram demais pra mim - algo natural a diretores estreantes que editam seu próprio material -, no entanto, é um debute com seus méritos.
Entre Facas e Segredos
4.0 1,5K Assista AgoraNos moldes de uma história de Agatha Christie, desde toda a ambientação rica em detalhes ao detetive Blanc que emana um ar de Hercule Poirot, Rian Johnson vai além do divertido e engenhoso jogo de trapaças e mistérios, sem se ater a apenas pregar peças no espectador e resolver seu maior mistério ao final. Não demora muito para que ele nos revele a verdade acerca do crime, assim como ele também não perde tempo em nos envolver em outros mistérios logo em seguida, sua trama é cheia de reviravoltas, ou como bem define Blanc "é um donut dentro do buraco de outro donut". E Johnson se aproveita bem daqueles personagens que têm muito mais segredos do que se imagina, e consequentemente do chamativo elenco encabeçado por Daniel Craig e Ana de Armas.
Aos poucos, vamos conhecendo a verdadeira índole de cada um dos Thrombey. Entre estes filhos, genros e netos abonados que herdaram o sobrenome poderoso do pai, sogro e avô, surge a imigrante latina Marta Cabrera (de Armas), apresentada pelos Thrombey como "alguém que faz parte de família", mas dada sua proximidade com Harlan e sua origem - ela era sua enfermeira e cuidadora - ela logo assume um indesejado papel de suspeita aos olhos da família e de vítima aos olhos do espectador, ao mesmo tempo que se torna peça fundamental para Blanc na resolução do mistério. Para Johnson e seu roteiro, ela é uma vítima social.
Entre Facas e Segredos é como o Corra! de 2017, com uma narrativa simples e orgânica que tem como principal proposta entreter diversos públicos, Rian Johnson sustenta o mistério e seus personagens arquitetando uma crítica social à ultra-direita norte-americana num subtexto poderoso que não precisa ser desvendado, já que, diferente do assassinato de Harlan Thrombey, está muito mais na cara. Talvez seja um exagero falar em subversão do gênero, mas o longa é um digno whodunnit, subgênero esquecido e que agora volta bem representado pelas mãos do diretor cinéfilo.
Contato Visceral
1.6 450 Assista AgoraO salto de Babak Anvari foi surpreendente. O diretor que debutou com o bom Sob a Sombra em 2016 - uma história sobrenatural situada no Irã com a guerra entre Irã e Iraque como pano de fundo - já em seu segundo filme reúne um elenco de talentos que estiveram em destaque nos últimos anos em Hollywood. Estão aqui: Armie Hammer (Me Chame Pelo Seu Nome), Dakota Johnson (trilogia 50 Tons de Cinza e Suspiria) e Zazie Beets (Deadpool 2 e Coringa), reunidos em uma trama de suspense que flerta com o terror psicológico e tenta argumentar quase de uma maneira cronenbergiana o domínio da tecnologia numa sociedade moralmente falha e vazia.
O maior problema de Contato Visceral é que Anvari peca justamente ao abdicar do desenvolvimento de seus personagens para sustentar a trama em sustos fáceis ou situações estranhas que não causam o impacto necessário. É válida e interessante a crítica ao modo de vida de uma geração que olha para os jovens millennials com certo preconceito e desprezo mas que é tão problemática quanto, porém, o fator sobrenatural de Contato Visceral é jogado na história de maneira aleatória, falta sustentação para o "demônio" que parece ter saído direto de Pulse - o remake americano, e não o original japonês - assim, é preciso muita boa vontade do espectador para compreender e embarcar na proposta de Anvari, interessante a princípio, mas que vai se esvaindo a cada nova cena.
Ainda Temos a Imensidão da Noite
3.1 6O longa de Gustavo Galvão é como rememorar uma época que já se foi e não volta mais. Há uma essência melancólica na Brasília desértica e arquitetônica na qual Karen vê os shows de sua banda, a Animal Interior, cada vez mais vazios. Tal melancolia é reforçada pela fotografia de tons acinzentados e sem vida, enquanto Karen vive uma luta diária contra um sistema opressor e uma sociedade apática onde todos parecem se dar por vencidos ou seguem suas vidas sem curtições e prazer, e é na música que a trompetista e seus amigos encontram uma maneira de canalizar seus sentimentos, seja num triângulo amoroso sem fronteiras, em seus gritos de liberdade, ora contra o chefe, ora contra o som de uma construção, sempre destacando a rebeldia inerente àqueles jovens.
No entanto, às vésperas de 2020 a ideia soa datada - ou saudosista demais -, talvez um design de produção que exercitasse uma volta aos anos 90 fosse mais acertado, o saudosismo de Karen a deixa estagnada em uma visão muito superficial de mundo, assim, a história roda em círculos, entre a tentativa de voltar a tocar sua música, seja em palcos ou na rádio, ou num triângulo amoroso banal e pouco convincente. Nem mesmo a viagem a Berlim é capaz de trazer algum alento à trompetista ou frescor à narrativa, tudo é levado com muita frieza por Galvão, sem ficar claro se o que ele quer passar é uma visão otimista ou pessimista da coisa. Ao final, a mensagem fica clara, mas a forma com que é passada exigia mais vigor.
Atlantique
3.6 129É difícil definir Atlantique como um romance, um suspense, uma fantasia ou um drama, não porque o longa da diretora Mati Diop transite com segurança por esses gêneros, mas porque todos eles surjam frouxos numa trama contemplativa e melancólica que se sustenta justamente por sua estranheza.
Vencedor do Grand Prix no último Festival de Cannes, o longa se passa no subúrbio de Dakar, onde os jovens apaixonados Ada (Mame Bineta Sane) e Suleiman (Ibrahima Traore) sonham com ventos mais prósperos. Suleiman é um operário que trabalha na construção de uma torre futurista à beira-mar e Ada está prometida a outro homem. Sem receber pagamento e sem perspectivas de melhora, Suleiman ruma ao mar com outros amigos. Ada fica, até que no dia da festa de seu casamento Suleiman volta.
A mensagem de Atlantique está muito mais implícita do que parece, Diop praticamente exige que o espectador seja afetado pelo estado febril que atinge muitos dos personagens (vou evitar mesmo quaisquer spoilers), entre alucinações e visões, a diretora sugere muito e revela pouco, seus recursos estéticos se sobrepõem à linguagem clássica, e o grande charme de Atlantique está justamente nesta subjetividade. Embora se perca numa trama policial que tira o foco de Ada e Suleiman, Atlantique é uma jornada espiritual entre o amor e o sobrenatural com boas pitadas de cinema-fantástico, ainda que falte uma coesão entre início, meio e fim.
A Primeira Tentação de Cristo
3.0 345Definitivamente não consigo gostar dessas tentativas do Porta dos Fundos de ser Monty Python. Já achava Se Beber, Não Ceie uma grande bobagem, esse aqui repete o mesmo nível, para quem gostou daquele pode se divertir também, mas comigo não rolou, infelizmente. Porchat, no entanto, está ótimo.