S. Craig Zahler é um artista do caos, do desumano, da impotência, do vil, do cruel e da tragédia, em seu terceiro longa o diretor continua trilhando caminhos ousados em histórias sempre angustiantes e polêmicas - não sei porque ele ainda "não chegou lá", pra mim não precisa provar mais nada.
Aqui, uma dupla imoral de policiais (Mel Gibson e Vince Vaughn) desacreditada e afastada, após uma operação onde usaram de força excessiva, decidem ir por um caminho obscuro a fim de conseguirem dinheiro fácil. O cinema de Zahler é traiçoeiro, quem já viu seus filmes anteriores já se prepara para o pior, e ele sempre vem. A moral dos personagens nunca é questionada, suas ações são justificadas de maneira simples, ora, de um lado estão policiais questionados (e o personagem de Gibson diz em claras palavras o porquê de sua ira) e do outro lado estão os "bandidos" (Tory Kittles e Michael Jai White) relegados ao patamar mais baixo da pirâmide social, também a fim de dinheiro para melhorar suas vidas e as daqueles que lhes importam, o desespero de todos é compreensível.
Com uma fotografia soturna e violência e humor pontuais, Dragged Across Concrete é mais um acerto na carreira desse diretor que vem se provando fazer o melhor do cinema "brucutu" que havia se perdido nos últimos anos. Seu rigor técnico surpreende e o resultado final sempre nos deixa curioso para o que virá a seguir.
Um documentário forte e essencial. A luta de uma família para sobreviver em uma cidade em ruínas, sofrendo bombardeios diários. Waad al-Kateab nos leva para o coração de Aleppo e também para o seu coração, parafraseando Glauber Rocha "com uma câmera na mão e uma ideia na cabeça", a mulher, mãe, esposa, diretora e brava sobrevivente filma por dias a fio cenas lamentáveis de morte e destruição enquanto a única esperança é sua gravidez, o "para Sama" se mostra a força deste documentário, uma carta de amor de uma mãe para um futuro incerto mas pelo qual vale a pena lutar.
O fator mais interessante de Instinto - longa de estreia da diretora Halina Reijn e pré-selecionado da Holanda ao Oscar internacional - é como toda a situação criada ao redor da protagonista Nicoline (Carice van Houten) é, ao mesmo tempo, ameaçadora e instigante. Ela é uma psicóloga renomada que começa a trabalhar em uma espécie de prisão hospitalar (confesso não ter entendido muito bem os mecanismos do local) acompanhando os detentos em sessões particulares junto de sua estagiária.
Assim que chega à clínica (?), Nicoline se encanta pelo corpulento Idris (Marwan Kenzari, o Jafar do live-action de Aladdin), um estuprador que não demonstra qualquer tipo de culpa ou remorso por seus crimes. Idris é um sedutor nato, tem facilidade tanto com as palavras quanto com os olhares e gestos; neste jogo de sedução, Nicoline vai estudando seu paciente favorito - ela sabe que está sendo enganada por ele e entra em seu jogo - a fim de provar aos demais colegas - que acreditam que ele possa ter saídas esporádicas - de que ele ainda é um perigo para a sociedade.
Conforme a situação vai se desenrolando - entre jogos de sedução e manipulação -, Elle, de Paul Verhoeven, é a primeira referência que vem à cabeça. Nicoline, a princípio, parece tão segura de si quanto a personagem interpretada magnificamente por Isabelle Huppert, mas logo seus segredos e angústias vão sendo revelados, seja em sua casa bagunçada de tons acinzentados, seus hábitos alimentares questionáveis, seu mórbido desejo pelo paciente estuprador, sua relação no mínimo estranha com a mãe e seu desempenho sexual que flerta com o animalesco, a exímia profissional é uma mulher cheia de traumas.
Neste cenário, Nicoline se mostra uma mulher complexa, em dado ponto é quase impossível compreendê-la e, acertadamente, Reijn e a roteirista Esther Gerritsen evitam as respostas, permanecendo no jogo doentio entre psicóloga e paciente que ultrapassa os limites do natural e poderá gerar opiniões controversas, embora o espectador mais atento deva observar momentos de devaneios de Nicoline (afinal, acompanhamos tudo por sua perspectiva, e só pela dela). Ao final, Instinto é um thriller provocativo que pode ser apenas a manifestação de uma mente perturbada (há muito tempo, não sabemos quanto) que decide agir quando se vê entocada, como se fosse um coelho indefeso prestes a ser devorado por uma raposa voraz.
É até irônico não aparecer o nome de Adam McKay nos créditos finais. Durante a sessão, a cada piadinha fora de hora, me vinha à minha cabeça: "tenho certeza que o McKay está envolvido nisso", e não está, mas parece que está fazendo escola, do pior tipo. Ao menos em seus filmes, McKay brinca com temas políticos e econômicos em narrativas didáticas que podem ou não funcionar com cada espectador. Em O Escândalo, o diretor Jay Roach, de Austin Powers (!) parece ser um aprendiz de McKay, ávido por tiradas sarcásticas, cortes bruscos, quebra da quarta parede e uma montagem ao estilo de esquetes de The Office. Não orna.
Um tema tão pesado quanto os casos de abuso sexual sofridos por funcionárias da Fox News pelo então CEO, Roger Ailes, merecia maior respeito e cuidado do roteirista Charles Randolph e de Roach - este sedento pelos closes nas pernas e em poses sensuais de suas protagonistas. Vislumbro uma tentativa de gerar desconforto no espectador nesses momento mais intrusivos - e realmente é horrível a cena em que a personagem de Margot Robbie se exibe para o patrão -, entretanto, os zooms emulam uma tensão típica de uma sitcom e as tiradinhas nada pertinentes de qualquer personagem secundário que está passando pelo corredor da redação trazem ao longa uma sucessão de má escolhas justamente pelo assunto debatido.
O projeto só não descamba totalmente graças ao trio de atrizes que está bem, Margot Robbie segura, Charlize Theron capricha na postura e no tom de voz da âncora Megyn Kelly, mas é Nicole Kidman quem entrega uma atuação muito mais enérgica, dada a importância de sua personagem para a explosão do tal escândalo.
Ao final, O Escândalo me lembra Green Book, uma história que aborda um tema delicado sendo contada pelas pessoas erradas - é revoltante saber que as mulheres envolvidas no caso sequer foram procuradas pela produção. Muitas pessoas vão assistir, se entreter e discutir os abusos da Fox News, e isso é bom, ponto para o filme, no entanto, poderia ter rendido algo muito mais incisivo caso as escolhas fossem mais maduras e Roach não brincasse com um tema tão espinhoso, não dá pra tratar abuso sexual como se estivesse dirigindo um filme do Austin Powers.
A força vital de As Loucuras de Rose (não fuja do filme por causa dessa tradução horrorosa para Wild Rose) está em Jessie Buckley, sua voz e sua presença são marcantes. O longa tem um roteiro bem clichê e é uma história que já foi contada algumas vezes: cantora de origem humilde e de grande talento, sem muitas oportunidades na vida, encontra alguém que aposta em sua voz e acredita no sonho da cantora, mas Jessie esbarra em seu passado nessa trilha para seguir em frente: família ou carreira? Recuperar o tempo perdido com os filhos ou ir atrás do sonho que não teve a oportunidade de viver? O passado de Rose é um fardo ou seu futuro já está fadado por um erro cometido há anos? Um filme que acredita em sua protagonista e que nos tira sorrisos e lágrimas em sua jornada embalada por ritmo country.
O sucesso de Jumanji: Bem-vindo à Selva (2017) com seus mais de 950 milhões de dólares arrecadados em bilheteria rendeu essa continuação caça-níquel que chega aos cinemas 2 anos depois do capítulo anterior com basicamente a mesma ideia: os jovens entram no jogo, devem localizar a joia verde e colocá-la em seu lugar para que possam sair de lá. Claro, no caminho encontrarão aventuras, obstáculos, inimigos e morte.
Estamos assistindo de novo a um videogame em live-action com quatro avatares - o leitor de mapa Jack Black, o forte Dwayne Johnson, a matadora de homens Kate Gillan e o zoologista Kevin Hart - interagindo numa realidade virtual hostil. Só que dessa vez, o diretor Jake Kasdan tem a sacada de trazer dois ícones do cinema para essa brincadeira: Danny DeVito e Danny Glover. DeVito é Eddie, o avô de Spencer (Alex Wolff), enquanto Glover é Milo, um amigo de longa data de Eddie que não se falam há anos devido a um desentendimento entre eles.
Próxima Fase ganha em carga emocional com os dois velhinhos em cena, o drama do jovem adolescente tímido, que nunca namorou e que não tem amigos dá espaço para as rusgas mal resolvidas entre Eddie e Milo - há muito a se falar sobre o valor das amizades, o ato de se desculpar e de aceitar a velhice - seus personagens carregam consigo uma rabugice hilária, aliás, é graças a The Rock e Hart que imitam os trejeitos dos "Dannys" que Próxima Fase é uma comédia que sabe rir de si mesmo. Hart falando pausadamente - em alusão ao personagem de Glover, mas ao contrário de si próprio - é hilário, a avatar de Gillan pulando, correndo, saltando e mostrando suas habilidades com certeza fará o fã de videogames da década de 90 se lembrar de quando pegava seu tão sonhado personagem e ficava pulando com ele a esmo nos cenários.
Quando o filme parte para a ação de fato, a computação gráfica se mostra bem melhor que a do filme anterior, os animais parecem reais e o fundo verde não fica tão perceptível. Ao final, o projeto se assume tal qual uma fase de videogame, por mais que pareça uma decepção por sua previsibilidade - e isso pode ser frustrante para alguns, assim como quando passávamos por uma fase super difícil no videogame para a seguinte ser fácil demais - a proposta é eficiente por divertir e distrair por 2 horas. Resta saber se haverá fôlego - leia-se bilheteria - para uma continuação.
O que mais me agrada neste longa indicado ao Oscar internacional e premiado em Cannes com o prêmio do júri, junto de Bacurau, é como o diretor Ladj Ly não perde tempo e, de cara, já nos joga no meio da confusão. A sequência de abertura é inflamada, pessoas de várias classes e etnias tomam conta das ruas da capital francesa enquanto comemoram o título da Copa do Mundo - todos vibram por uma França só, a frase "não é só futebol" faz muito sentido enquanto mantra, mas na prática é bem diferente.
Em seguida, somos apresentados aos dois núcleos principais: os meninos que vivem no subúrbio e os policiais da brigada anticrime. Acompanhamos mais de perto a chegada de Ruiz (Damien Bonnard) à brigada, ele se junta a Chris (Alexis Manenti) e Gwada (Djibril Zonga), seus parceiros de ronda pelas ruas de um gueto parisiense, mas eles têm métodos nada convencionais que irão incomodar e assustar o novato. Para nós brasileiros, Cidade de Deus e Tropa de Elite gritam em vários momentos aqui, seja na marginalidade, na violência extrema dos policiais e na forma frenética com que Ly filma os acontecimentos e desenrola sua narrativa.
Minha maior ressalva com o longa está nos excessos que Ly vai acumulando em sequência, a trajetória de ambos os lados vai tomando proporções perigosas e escolhas questionáveis tornam os dois lados extremos demais, os personagens passam a ser martirizados, sejam as crianças, punidas pelas agressões policiais, ou os agentes da lei fatigados em um trabalho exaustivo sem qualquer tipo de respaldo do Estado - e é uma pena que Ly não consiga dar aos policiais as mesmas camadas emocionais que existem no longa Polissia (2011), da francesa Maïwenn, quando isso acontece, já no ato final, a cena soa completamente deslocada e apelativa.
Após ser criada toda uma situação assustadoramente irreversível, passamos a torcer para que tudo apenas acabe bem, ao menos o encerramento é muito bem sacado, e ao lembrarmos do título do longa e do que se desenvolveu nos minutos anteriores é difícil acreditar que aquela multidão do início, fornada por brancos e negros, crianças e adultos, homens e mulheres, consiga sobreviver alheia à violência que a cerca e que parece ser inerente ao homem.
Interessante como Lifeboat (aqui chamado de Um Barco e Nove Destinos) caminha (ou navega?) por mais da metade sem parecer um Hitchcock clássico - ainda que se desenvolva em um único local, um bote ao mar. Numa trama que se passa no auge da Segunda Guerra Mundial, o mestre do suspense levanta uma discussão ética e moral acerca daqueles sobreviventes de um naufrágio que resgatam um alemão que tripulava o submarino que os atacara: Afinal, devem eles salvar o homem que os mataria a sangue frio se tivesse a chance? Com requintes de crueldade, Hitchcock nos entrega um terceiro ato recompensador onde ele, finalmente, mostra suas garras.
Certa vez, John Lennon cantou sobre um mundo sem fronteiras e sem ganância, realmente ele foi um sonhador ao imaginar a comunidade global convivendo em paz, e o caso real do submarino Kursk, em plenos anos 2000, deixa bem claro como ainda há muito a ser repensado, pois países ainda colocam resquícios de conflitos passados à frente da vida das pessoas, sejam os soldados que cumprem as ordens de seus superiores ou das famílias que aguardam em terra firme suas voltas.
Kursk nos apresenta a história dos tripulantes do submarino nuclear russo que naufragou em 12 de Agosto de 2000. Presos no fundo do Mar de Barents após sucessivas explosões, os tripulantes precisam sobreviver às águas geladas que invadem a embarcação e superar os próprios limites físico e mentais, enquanto aguardam pelo resgate que pode não chegar nunca já que o maior interesse dos governantes está em proteger segredos navais soviéticos.
O diretor Thomas Vinterberg (do ótimo A Caça) inicia o longa com uma confraternização, tal qual o início de O Barco, de Wolfgang Petersen - talvez o filme definitivo sobre desastres no fundo do mar. Esse início nos aproxima de Mikhail (Matthias Schoenaerts), de sua esposa Tanya (Léa Seydoux), e dos amigos que o acompanharão na missão ao fundo do mar. Uma coisa que é interessante destacar é o elenco plural de nacionalidades, o que nos remete àquele mundo sem fronteiras idealizado por John Lennon, temos o diretor dinamarquês, Schoenaerts da Bélgica, Seydoux da França, Colin Firth da Inglaterra e a lenda viva Max Von Sydox da Suécia.
O longa tem bons momentos de tensão e claustrofobia dentro do submarino, há um plano sequência muito bem captado por Vinterberg embaixo d'água que consegue passar a sensação de sufocamento, ao final, ele apela para um pieguismo hollywoodiano que faz o longa se estender além do que devia - parecendo que o filme tem vários finais - de qualquer forma, vale pelo debate gerado acerca de um mundo belicista e de nações e autoridades orgulhosas demais para pedirem ajuda a "inimigos" quando o certo seria preservar aqueles que dão a própria vida pela nação e não são retribuídos com a mesma compaixão, por enquanto o mundo ideal de John Lennon é pura utopia.
Quem odeia Vice deveria ver isso aqui pra entender a diferença entre brincar com políticos sanguessugas e brincar com mulheres abusadas. É filme ou um amontoado de esquetes sobre um caso extremamente pesado e que deve ser levado a sério mas que é retratado sem qualquer sensibilidade pelo diretor de Austin Powers? bem... Isso diz muito.
Nicole está bem e se Margot Robbie e Charlize Theron estão sendo lembradas nas premiações por aí ela também merece.
Publicado originalmente em 1869 e escrito por Louisa May Alcott, o livro Little Women (traduzido aqui para Mulherzinhas) narra a história de quatro irmãs na fase mais importante de suas vidas, a virada da adolescência para a vida adulta, em plena Guerra Civil dos Estados Unidos. A obra literária ganhou 6 adaptações e agora volta pela 7ª vez pelas mãos de Greta Gerwig com um elenco de peso com nomes como Meryl Streep, Laura Dern, Emma Watson e Timothée Chalamet.
Recomendo que vejam pelo menos uma das outras versões ou leiam o livro para notar como Gerwig, com um roteiro minucioso, demonstra ter carinho por aquelas personagens que tentam sobreviver, enquanto a guerra acontece e sonham com a chegada de tempos melhores, esse tratamento delicado e aprofundado dá a todas elas muito mais personalidade, principalmente à escritora Jo (Saoirse Ronan) e à romântica Amy (Florence Pugh), as personagens de maior destaque.
A narrativa é dividida em duas épocas distintas: em uma delas, de paleta de tons ensolarados e rosados, as personagens vivem o auge da adolescência e na outra, de tons mais sóbrios e luz natural, elas invadem a fase adulta, tais transições confluem de maneira bastante orgânica, a montagem Nick Houy converge com a fotografia de Yorick Le Saux e, por mais que o roteiro de Gerwig não facilite para os marinheiros de primeira viagem, a história nunca se torna confusa ou truncada.
Além da beleza estética do projeto - dos figurinos à trilha e toda a direção de arte - que por si só dão à adaptação um ar de filme de época e ao mesmo tempo um frescor fabulesco - principalmente quando a história regride no tempo -, Gerwig traz ainda uma espécie de epílogo no qual sua protagonista Jo assume de vez as rédeas da situação, é nesse momento que a diretora/roteirista decide ir além e empoderar, algo que até então estava nas entrelinhas fica explícito, tanto no papel da mulher numa época em que homens mandavam o que elas deveriam fazer quanto no papel da escritora (como ela, como Alcott, como Jo) antes de assinar um contrato, fazendo o espectador sair da sala satisfeito com uma obra assinada por uma cineasta que vem se provando ser cada vez mais significativa para o cinema.
A premissa deste Ameaça Profunda é bem genérica, o que pode ser dito de positivo é que o diretor William Eubank sabe explorar os espaços da instalação submarina onde a história se desenrola, a claustrofobia impera nas cenas mais tensas e a protagonista Kristen Stewart está presente em boa parte dos 95 minutos do longa, somos sua companhia desde o início e vamos com ela até o final, mas o que consegue ser pior no meio disso tudo é ver o ator T. J. Miller ali - ele que além de ter sido afastado da série Silicon Valley por envolvimento com álcool e drogas também foi acusado de abuso sexual - seu personagem é o típico alívio cômico que não funciona, a cada coisa que acontece ele sempre tem uma piadinha infame que soa fora de hora, isso vai se tornando irritante a ponto de você desejar sua morte, aliás, esse é um grande problema de Ameaça Profunda, não criamos vínculo afetivo com ninguém ali, por mais que existam diversas fotos de família e bichos de pelúcia fofinhos em cena, o roteiro é incapaz de tornar aquelas pessoas agradáveis ou carismáticas. Elas estão ali e ok, devemos torcer por elas, afinal, são humanos vivendo uma situação desesperadora, mas isso é algo inerente do ser humano, o longa por si só não consegue construir isso.
Ameaça Profunda se assume de vez um enlatado americano que deve ser engolido sem mastigação quando mostra algo e explica o que está nos mostrando, há sequências onde a personagem de Stewart vai narrando o que está fazendo para seus companheiros sobreviventes e aquilo sequer deveria ser importante para o espectador já que este é, assumidamente, um filme de terror (alguns sustos aqui e ali) e não uma ficção científica com embasamento. O ato final apela às típicas inserções emocionais e à revelação da grande ameaça, os personagens recebem discursos motivacionais em meio ao caos, tudo para que o espectador se inflame e fique impaciente esperando pela salvação de todos. O resultado final é uma bagunça que não diz a que veio, uma mistura de Alien, Godzilla e Abismo do Medo sem quaisquer tentativa de ser original, sempre previsível e carente de uma organicidade que poderia render, pelo menos, um temor por aquelas vidas.
A maior sacada aqui é como Clint Eastwood e o roteirista Billy Ray expõem as fragilidades do sistema - das instituições às pessoas, estas mais inocentes do que frágeis, ou frágeis perante o governo e suas forças. A começar pelo protagonista Richard Jewell, interpretado magnificamente por Paul Walter Hauser, o elo mais fraco dessa história. Ele é o típico americano médio que vira herói da noite para o dia após salvar pessoas de um atentado a bomba nas Olimpíadas de Atlanta em 1996, e depois vira vilão do dia para a noite ao se tornar o principal suspeito do ato.
Republicano, sonha ser policial, vive com a mãe, tem suas armas e sempre exige que os outros cumpram as leis, não importa se num campus de universidade ou nas ruas. Nas mãos de Eastwood, tão ou mais republicano quanto ele, Jewell poderia ser apenas mais um patriota elevado à enésima potência, mas Eastwood humaniza seu personagem assim que o confronta com duas das maiores forças do país: o próprio governo, na figura do FBI, e a mídia, na figura da jornalista interpretada por Olivia Wilde.
É interessante como Eastwood sabota o sonho americano de seu protagonista por meio desta ocasião trágica, sem abrir mão de uma cutucada nos armamentistas e naqueles que confiam cegamente no poder. A solicitude de Jewell chega a irritar, mas o advogado Watson (Sam Rockwell ótimo) está ali para dar uns bons chacoalhões em seu cliente. Talvez o maior problema do longa seja retratar os dois coadjuvantes opostos como sendo bonzinhos ou malvados demais. O advogado surge como a pessoa mais compreensiva e generosa do mundo, enquanto, em contrapartida, a jornalista Kathy Scruggs (Wilde) é o ser mais desprezível que surge em tela, com direito a risadinha maquiavélica.
Ao final, é o Clint Eastwood que queremos ver em atividade. Sabendo trazer temas relevantes para a nossa realidade atual, se reinventado, ainda que tudo venha empacotado numa roupagem meio antigona (o filme tem uma cara de telefilme e a montagem no início é bem estranha), mas o final compensa principalmente pelos rompantes emocionais de Kathy Bates e Hauser. Vida longa ao cinema de Clint Eastwood.
Há, pelo menos, três momentos-chave no filme de Wolfgang Petersen, um dos mais definitivos sobre desastres e missões no fundo do mar.:
- a frase de abertura já nos prepara para o terror que se sucederá nas horas seguintes: " 40 mil homens serviram em submarinos, 30 mil nunca retornaram";
- lá pelo meio, os tripulantes do submarino vão a um navio alemão ancorado onde um banquete enche as barrigas daqueles que não descem às profundezas do oceano;
- ao final, são milhares de vidas perdidas numa guerra onde os vencedores são aqueles que contam a história não aqueles que viveram toda sua monstruosidade em campos, ares ou mares.
Frozen 2 é mais um produto que surfa na onda das continuações - desnecessárias até - mas que acerta exatamente por não se limitar a continuar a história anterior, como acontecera com Os Incríveis 2. A verdade é que Frozen se tornou um hit muito mais pelo "Let it go", mas também por subverter alguns elementos dos "filmes de princesa" como a protagonista (Elsa) que não quer um par romântico - esse papel ficou para a irmã Anna - e por se resolver graças ao amor entre duas irmãs, tudo isso numa embalagem bem tradicional (estão lá as músicas, o alívio cômico e o vilão óbvio desde a primeira vez que surge em tela) e a dupla de diretores Chris Buck e Jennifer Lee conduz tudo com eficiência.
Dizem que para seguirmos em frente é preciso compreendermos nosso passado, dessa forma, a dupla de diretores Buck e Lee volta à direção e iniciam o filme com um flashback de Anna e Elsa ainda crianças ouvindo uma história de ninar reveladora - até certo ponto - do pai rei Agnarr, plantando uma semente de curiosidade na cabeça do espectador - e das irmãs -, quase um macguffin que irá fazer com que a Anna e a Elsa dos tempos atuais sigam uma voz misteriosa que chama por Elsa e que a levará em busca de revelações sobre o passado de seus pais e sobre a origem de seus poderes.
A proposta é por si só ousada, afinal Buck e Lee decidem levar Elsa e seus amigos em uma jornada que irá revelar o segredo acerca dos poderes da rainha, é como se fosse a jornada da heroína, e durante essa aventura a dupla de diretores encontra momentos para brincar com tradições. Olaf surge novamente como o alívio cômico, e parte justamente dele um momento de zoação com o filme anterior - um resumão para aqueles que não revisitaram o capítulo de 2013 a tempo - além disso, os números musicais assumem um ar muito mais brega, um deles remetendo ao clipe Bohemian Rhapsody do Queen ou de qualquer boy band dos anos 90, por outro lado, nenhuma música tem o mesmo poder chiclete de "Let it go", um certo alívio para os pais que não ouvirão seus filhos cantarolando a mesma música incansavelmente por dias a fio.
Decididos em dar um passo à frente mesmo com uma narrativa que concilia passado e descobertas, Buck e Lee contextualizam toda uma mitologia em torno dos poderes de Elsa, se baseando nos quatro elementos da natureza - água, ar, fogo e terra - e também no desentendimento entre dois povos ancestrais, dessa forma, o longa ganha em apelo para as gerações atuais e futuras - que ainda não assistem a noticiários nem acessam mídias sociais onde uma Greta Thunberg esbraveja contra os adultos - dessa forma, a mensagem passada é de respeito pelos povos nativos e pela natureza, incorporando a uma história de princesa - tal qual Moana fizera - uma mensagem universal que precisa ser passada.
Filme razoável com um suspense meio capenga (por escolha de Lúcia Murat, dada a guinada que dá ao roteiro, indo do drama social para o thriller genérico) e que conta com uma Grace Passô como uma fera contida naquela personagem, naquele elevador, naquelas consultas e indo à prisão visitar o irmão, basta ela aparecer para roubar a cena e quando não está presente a história cai consideravelmente, mas no geral vale pelos momentos com a maior atriz brasileira da década.
Vai muito bem até sua metade, a partir dali é uma sucessão de escolhas ruins que deixam um saldo bem negativo por ser uma história que tinha um grande potencial de tratar temas importantes como bullying, suicídio, exposição nas mídias sociais e ausência dos pais com maturidade, mas joga essa chance no lixo. Não sei onde o júri de Gramado estava com a cabeça ao premiar esse e não Benzinho.
Adorei esse terror nacional que faz bom uso de elementos do gênero (do sobrenatural ao gore) para ir enveredando por uma análise histórica do Brasil escravista dos últimos 200 anos. Muito interessante o fio condutor que retrocede no tempo (de 2018 a 1818) em cinco curtas distintos que se passam na mesma região e um potente material para fomentar discussões acerca do papel relegado ao negro em nossa história.
Eu não sou nada fã de narrativas como a deste Cópia Fiel, onde os personagens transitam por aí filosofando sobre o amor, relacionamentos, a vida e coisas do tipo, só que aqui estamos falando de Abba Kiarostami, que "joga sujo" ao nos colocar de frente para Juliette Binoche (maravilhosa e estupenda) numa Toscana charmosa e munido de um roteiro genial que nos instiga desde seus primeiros minutos.
A discussão sobre cópia e original é conduzida por Kiarostami e seus atores de maneira primorosa até o final, diálogos, olhares e reflexos falam por si só, as reflexões de Kiarostami são passadas com uma naturalidade incrível, como se estivéssemos diante de uma obra de arte (e é) e tentássemos compreendê-la de alguma forma, principalmente a partir da sequência do restaurante. É até gozado imaginar as reações do público para com o filme, que provavelmente se assemelham com ambas as reações dos personagens: o intelectual que vai se enfadando com a situação e a estressada que aos poucos vai se encantando por coisas simples e belas que surgem no canto da tela. Um filme a ser revisto. Esse sim deu gosto de passear com o casal.
Confesso que fiquei incrédulo quando vi que o pré-indicado da Hungria ao Oscar de filme internacional apareceu na shortlist da Academia, já que filmes com propostas mais ousadas e que mereciam ganhar mais alarde ficaram de fora. Aqueles que Ficaram opta por uma narrativa até certo ponto quadrada - ou acadêmica, se preferir -, a proposta é nos envolver com Aldo e Klara, dois personagens que perderam muito na Segunda Guerra e que encontram um no outro conforto para tempos tão difíceis e sofridos. Essa relação lembra um pouco o que Christian Petzold faz em Em Trânsito, no qual personagens que não tem parentesco acabam se juntando e formando uma família postiça para combater a solidão e completar o vazio que a Guerra deixara.
Reforçando esse isolamento, Barnabás Tóth enquadra seus personagens em ambientes fechados e de pouca luz onde tudo parece descolorido e sem vida, os personagens andam sempre cabisbaixos, os abraços apertados são a única forma de conforto e de carinho encontrada para demonstrar sua ternura. A princípio, a relação entre Aldo e Klara flerta com uma paixão proibida, há indícios de que as trocas de olhares e de afeto sejam combustível para um complexo de Electra, mas com o passar do tempo a maldade se limita aos olhos do espectador já que Tóth deixa claro que sua intenção é mostrar uma relação inocente de onde aqueles que ficaram tiram forças para seguir a vida após um período tão amargo e traumático como a Segunda Guerra Mundial.
Em suma, Aqueles que Ficaram é uma história simples e que cumpre sua proposta de nos envolver com dois personagens machucados, isolados e atormentados, talvez a narrativa siga por caminhos previsíveis demais - como a ameaça de fora que surge convenientemente em certa altura para trazer alguma tensão à história - mas que se sobressai à média dos longas sobre o pós-guerra graças às atuações de Hadjuk e Szõke, convincentes e contidos para que o longa não desabe para o novelão, por mais que flerte com ele a todo instante.
O maior trunfo do diretor Joel Anderson neste mocumentário é apresentar sua história com simplicidade e sempre reforçando a veracidade dos acontecimentos através de imagens e depoimentos. A história é assustadora por si só e cada espectador será afetado por ela de alguma forma - eu não me arrepiava com um filme de terror há anos.
Aqui, conhecemos a trágica história da família Palmer (qualquer semelhança com Twin Peaks seria coincidência?), já de início temos conhecimento que a jovem Alice Palmer, de 16 anos, morreu afogada no lago - o Lake Mungo do título - e, após o pai reconhecer seu corpo, a casa da família, e as imediações, passam a ser afetadas por eventos estranhos e sobrenaturais: aparições da garota em fotos e vídeos, barulhos estranhos à noite, etc.
Para comprovar tudo a família passa a filmar a casa e as imagens são assustadoras. O voice-over das personagens junto das imagens da casa acaba se tornando uma experiência única, não sabemos o que virá a seguir, Anderson nunca apela para os jumpscares, mas a forma com que ele mostra tais imagens acaba se tornando ainda mais perturbador do que um efeito sonoro no volume máximo.
Esse pé na realidade - por mais que saibamos que se trate de um documentário falso - aliado às ótimas atuações e às ótimas imagens - sendo ruins quando necessário, principalmente em certa filmagem feita por um celular - fazem de Lake Mungo um dos filmes mais assustadores que vejo em anos, algumas das imagens, infelizmente, ficarão na minha memória por um bom tempo.
Um filme natalino que geralmente não é citado nas listas. Robert Mitchum fazendo o bom moço é sempre curioso e Janet Leigh no início de carreira já demonstrava ter grande presença de cena. Talvez o filme seja inocente demais em vários aspectos, tanto nos convites aos desconhecidos para dentro de casa - Mitchum fica com o filho da protagonista no quarto desta no mesmo dia em que a conhece - quanto aos conselhos destes - Mitchum aconselhando a protagonista sobre seu namoro de 2 anos é estranho -, mas... é uma história de amor e sobretudo de Natal, então há de se relevar certa magia e bondade no ar.
Curioso que o mesmo 2011 que nos deu A Árvore da Vida, de Terrence Malick, nos agraciou com O Cavalo de Turim, de Béla Tarr. A semelhança filosófica entre ambos os longas pára na primeira página já que, enquanto o longa de Malick celebra a vida, suas raízes e a família, o longa do diretor húngaro flerta impiedosamente com o fim da vida, seu silêncio e com os galhos secos do outono.
Creio que o longa não tenha nem 10 linhas de diálogo e quem fala mais não é nem o pai nem a filha, mas sim o homem que vem da cidade e vomita um discurso raivoso contra a humanidade e seus malefícios ao mundo. Este último longa de Béla Tarr - o diretor se aposentou - tem tantas metáforas com o fim que não tem como não vê-lo por esse prisma depressivo e desolador. Segundo a Bíblia, Deus fez o mundo em 6 dias e no 7º descansou, aqui, acompanhamos 6 dias do calvário de pai e filha. Ambos vivem isolados em uma casa no meio do nada, apenas com o vento uivante batendo à porta, batatas quentes como refeição e um ao outro como companhia. A repetição das tarefas, a dependência do pai, o marasmo do dia a dia, o poço que seca, as visitas indesejadas e a teimosia do cavalo que atormentou Nietzsche são o prenúncio do fim.
Apesar desta condição quase agonizante e da citação a Nietzsche em seu prólogo, O Cavalo de Turim não é uma celebração à morte, mas a vivência do fim dos dias acompanhados de um tom fúnebre realçado pela fotografia em preto e branco de Fred Kelemen e por uma trilha de acordes que parecem chorar em nossos ouvidos misturados ao som do vento cortante lá fora. Uma experiência que um dia quero viver numa sala de cinema.
1974. Garotas começam a desaparecer dos campos universitários e fraternidades sem deixar quaisquer vestígios. Ted Bundy começava a fazer suas vítimas.
1974. Black Christmas chega aos cinemas. Um slasher no qual um invasor misterioso ataca uma fraternidade de garotas às vésperas do Natal.
Fico imaginando a recepção desse filme naquela época e como ele impactou toda uma geração. Não é a toa que é um dos slashers mais bem avaliados, muito antes do gênero ser o que viria a ser - O Massacre da Serra Elétrica é do mesmo ano - ele já trazia alguns dos elementos que sacramentaram o terror dos anos 70 e 80: a câmera voyeur como o olhar do assassino misterioso, as brincadeiras/piadas com sexo - e isso o diretor Bob Clark explorou ainda mais em Porky's (1981) - a casa tanto como o refúgio acolhedor quanto o espaço nem tão seguro assim.
Curiosamente, um filme que usa o Natal como pano de fundo para contar uma história sórdida e assustadora, data esta que Clark voltaria a visitar no maravilhoso A Christmas Story (1983).
Justiça Brutal
3.6 153 Assista AgoraS. Craig Zahler é um artista do caos, do desumano, da impotência, do vil, do cruel e da tragédia, em seu terceiro longa o diretor continua trilhando caminhos ousados em histórias sempre angustiantes e polêmicas - não sei porque ele ainda "não chegou lá", pra mim não precisa provar mais nada.
Aqui, uma dupla imoral de policiais (Mel Gibson e Vince Vaughn) desacreditada e afastada, após uma operação onde usaram de força excessiva, decidem ir por um caminho obscuro a fim de conseguirem dinheiro fácil. O cinema de Zahler é traiçoeiro, quem já viu seus filmes anteriores já se prepara para o pior, e ele sempre vem. A moral dos personagens nunca é questionada, suas ações são justificadas de maneira simples, ora, de um lado estão policiais questionados (e o personagem de Gibson diz em claras palavras o porquê de sua ira) e do outro lado estão os "bandidos" (Tory Kittles e Michael Jai White) relegados ao patamar mais baixo da pirâmide social, também a fim de dinheiro para melhorar suas vidas e as daqueles que lhes importam, o desespero de todos é compreensível.
Com uma fotografia soturna e violência e humor pontuais, Dragged Across Concrete é mais um acerto na carreira desse diretor que vem se provando fazer o melhor do cinema "brucutu" que havia se perdido nos últimos anos. Seu rigor técnico surpreende e o resultado final sempre nos deixa curioso para o que virá a seguir.
Para Sama
4.4 110Um documentário forte e essencial. A luta de uma família para sobreviver em uma cidade em ruínas, sofrendo bombardeios diários. Waad al-Kateab nos leva para o coração de Aleppo e também para o seu coração, parafraseando Glauber Rocha "com uma câmera na mão e uma ideia na cabeça", a mulher, mãe, esposa, diretora e brava sobrevivente filma por dias a fio cenas lamentáveis de morte e destruição enquanto a única esperança é sua gravidez, o "para Sama" se mostra a força deste documentário, uma carta de amor de uma mãe para um futuro incerto mas pelo qual vale a pena lutar.
Instinto
2.7 48 Assista AgoraO fator mais interessante de Instinto - longa de estreia da diretora Halina Reijn e pré-selecionado da Holanda ao Oscar internacional - é como toda a situação criada ao redor da protagonista Nicoline (Carice van Houten) é, ao mesmo tempo, ameaçadora e instigante. Ela é uma psicóloga renomada que começa a trabalhar em uma espécie de prisão hospitalar (confesso não ter entendido muito bem os mecanismos do local) acompanhando os detentos em sessões particulares junto de sua estagiária.
Assim que chega à clínica (?), Nicoline se encanta pelo corpulento Idris (Marwan Kenzari, o Jafar do live-action de Aladdin), um estuprador que não demonstra qualquer tipo de culpa ou remorso por seus crimes. Idris é um sedutor nato, tem facilidade tanto com as palavras quanto com os olhares e gestos; neste jogo de sedução, Nicoline vai estudando seu paciente favorito - ela sabe que está sendo enganada por ele e entra em seu jogo - a fim de provar aos demais colegas - que acreditam que ele possa ter saídas esporádicas - de que ele ainda é um perigo para a sociedade.
Conforme a situação vai se desenrolando - entre jogos de sedução e manipulação -, Elle, de Paul Verhoeven, é a primeira referência que vem à cabeça. Nicoline, a princípio, parece tão segura de si quanto a personagem interpretada magnificamente por Isabelle Huppert, mas logo seus segredos e angústias vão sendo revelados, seja em sua casa bagunçada de tons acinzentados, seus hábitos alimentares questionáveis, seu mórbido desejo pelo paciente estuprador, sua relação no mínimo estranha com a mãe e seu desempenho sexual que flerta com o animalesco, a exímia profissional é uma mulher cheia de traumas.
Neste cenário, Nicoline se mostra uma mulher complexa, em dado ponto é quase impossível compreendê-la e, acertadamente, Reijn e a roteirista Esther Gerritsen evitam as respostas, permanecendo no jogo doentio entre psicóloga e paciente que ultrapassa os limites do natural e poderá gerar opiniões controversas, embora o espectador mais atento deva observar momentos de devaneios de Nicoline (afinal, acompanhamos tudo por sua perspectiva, e só pela dela). Ao final, Instinto é um thriller provocativo que pode ser apenas a manifestação de uma mente perturbada (há muito tempo, não sabemos quanto) que decide agir quando se vê entocada, como se fosse um coelho indefeso prestes a ser devorado por uma raposa voraz.
O Escândalo
3.6 460 Assista AgoraÉ até irônico não aparecer o nome de Adam McKay nos créditos finais. Durante a sessão, a cada piadinha fora de hora, me vinha à minha cabeça: "tenho certeza que o McKay está envolvido nisso", e não está, mas parece que está fazendo escola, do pior tipo. Ao menos em seus filmes, McKay brinca com temas políticos e econômicos em narrativas didáticas que podem ou não funcionar com cada espectador. Em O Escândalo, o diretor Jay Roach, de Austin Powers (!) parece ser um aprendiz de McKay, ávido por tiradas sarcásticas, cortes bruscos, quebra da quarta parede e uma montagem ao estilo de esquetes de The Office. Não orna.
Um tema tão pesado quanto os casos de abuso sexual sofridos por funcionárias da Fox News pelo então CEO, Roger Ailes, merecia maior respeito e cuidado do roteirista Charles Randolph e de Roach - este sedento pelos closes nas pernas e em poses sensuais de suas protagonistas. Vislumbro uma tentativa de gerar desconforto no espectador nesses momento mais intrusivos - e realmente é horrível a cena em que a personagem de Margot Robbie se exibe para o patrão -, entretanto, os zooms emulam uma tensão típica de uma sitcom e as tiradinhas nada pertinentes de qualquer personagem secundário que está passando pelo corredor da redação trazem ao longa uma sucessão de má escolhas justamente pelo assunto debatido.
O projeto só não descamba totalmente graças ao trio de atrizes que está bem, Margot Robbie segura, Charlize Theron capricha na postura e no tom de voz da âncora Megyn Kelly, mas é Nicole Kidman quem entrega uma atuação muito mais enérgica, dada a importância de sua personagem para a explosão do tal escândalo.
Ao final, O Escândalo me lembra Green Book, uma história que aborda um tema delicado sendo contada pelas pessoas erradas - é revoltante saber que as mulheres envolvidas no caso sequer foram procuradas pela produção. Muitas pessoas vão assistir, se entreter e discutir os abusos da Fox News, e isso é bom, ponto para o filme, no entanto, poderia ter rendido algo muito mais incisivo caso as escolhas fossem mais maduras e Roach não brincasse com um tema tão espinhoso, não dá pra tratar abuso sexual como se estivesse dirigindo um filme do Austin Powers.
As Loucuras de Rose
3.5 46 Assista AgoraA força vital de As Loucuras de Rose (não fuja do filme por causa dessa tradução horrorosa para Wild Rose) está em Jessie Buckley, sua voz e sua presença são marcantes. O longa tem um roteiro bem clichê e é uma história que já foi contada algumas vezes: cantora de origem humilde e de grande talento, sem muitas oportunidades na vida, encontra alguém que aposta em sua voz e acredita no sonho da cantora, mas Jessie esbarra em seu passado nessa trilha para seguir em frente: família ou carreira? Recuperar o tempo perdido com os filhos ou ir atrás do sonho que não teve a oportunidade de viver? O passado de Rose é um fardo ou seu futuro já está fadado por um erro cometido há anos? Um filme que acredita em sua protagonista e que nos tira sorrisos e lágrimas em sua jornada embalada por ritmo country.
Jumanji: Próxima Fase
3.3 441 Assista AgoraO sucesso de Jumanji: Bem-vindo à Selva (2017) com seus mais de 950 milhões de dólares arrecadados em bilheteria rendeu essa continuação caça-níquel que chega aos cinemas 2 anos depois do capítulo anterior com basicamente a mesma ideia: os jovens entram no jogo, devem localizar a joia verde e colocá-la em seu lugar para que possam sair de lá. Claro, no caminho encontrarão aventuras, obstáculos, inimigos e morte.
Estamos assistindo de novo a um videogame em live-action com quatro avatares - o leitor de mapa Jack Black, o forte Dwayne Johnson, a matadora de homens Kate Gillan e o zoologista Kevin Hart - interagindo numa realidade virtual hostil. Só que dessa vez, o diretor Jake Kasdan tem a sacada de trazer dois ícones do cinema para essa brincadeira: Danny DeVito e Danny Glover. DeVito é Eddie, o avô de Spencer (Alex Wolff), enquanto Glover é Milo, um amigo de longa data de Eddie que não se falam há anos devido a um desentendimento entre eles.
Próxima Fase ganha em carga emocional com os dois velhinhos em cena, o drama do jovem adolescente tímido, que nunca namorou e que não tem amigos dá espaço para as rusgas mal resolvidas entre Eddie e Milo - há muito a se falar sobre o valor das amizades, o ato de se desculpar e de aceitar a velhice - seus personagens carregam consigo uma rabugice hilária, aliás, é graças a The Rock e Hart que imitam os trejeitos dos "Dannys" que Próxima Fase é uma comédia que sabe rir de si mesmo. Hart falando pausadamente - em alusão ao personagem de Glover, mas ao contrário de si próprio - é hilário, a avatar de Gillan pulando, correndo, saltando e mostrando suas habilidades com certeza fará o fã de videogames da década de 90 se lembrar de quando pegava seu tão sonhado personagem e ficava pulando com ele a esmo nos cenários.
Quando o filme parte para a ação de fato, a computação gráfica se mostra bem melhor que a do filme anterior, os animais parecem reais e o fundo verde não fica tão perceptível. Ao final, o projeto se assume tal qual uma fase de videogame, por mais que pareça uma decepção por sua previsibilidade - e isso pode ser frustrante para alguns, assim como quando passávamos por uma fase super difícil no videogame para a seguinte ser fácil demais - a proposta é eficiente por divertir e distrair por 2 horas. Resta saber se haverá fôlego - leia-se bilheteria - para uma continuação.
Os Miseráveis
4.0 162O que mais me agrada neste longa indicado ao Oscar internacional e premiado em Cannes com o prêmio do júri, junto de Bacurau, é como o diretor Ladj Ly não perde tempo e, de cara, já nos joga no meio da confusão. A sequência de abertura é inflamada, pessoas de várias classes e etnias tomam conta das ruas da capital francesa enquanto comemoram o título da Copa do Mundo - todos vibram por uma França só, a frase "não é só futebol" faz muito sentido enquanto mantra, mas na prática é bem diferente.
Em seguida, somos apresentados aos dois núcleos principais: os meninos que vivem no subúrbio e os policiais da brigada anticrime. Acompanhamos mais de perto a chegada de Ruiz (Damien Bonnard) à brigada, ele se junta a Chris (Alexis Manenti) e Gwada (Djibril Zonga), seus parceiros de ronda pelas ruas de um gueto parisiense, mas eles têm métodos nada convencionais que irão incomodar e assustar o novato. Para nós brasileiros, Cidade de Deus e Tropa de Elite gritam em vários momentos aqui, seja na marginalidade, na violência extrema dos policiais e na forma frenética com que Ly filma os acontecimentos e desenrola sua narrativa.
Minha maior ressalva com o longa está nos excessos que Ly vai acumulando em sequência, a trajetória de ambos os lados vai tomando proporções perigosas e escolhas questionáveis tornam os dois lados extremos demais, os personagens passam a ser martirizados, sejam as crianças, punidas pelas agressões policiais, ou os agentes da lei fatigados em um trabalho exaustivo sem qualquer tipo de respaldo do Estado - e é uma pena que Ly não consiga dar aos policiais as mesmas camadas emocionais que existem no longa Polissia (2011), da francesa Maïwenn, quando isso acontece, já no ato final, a cena soa completamente deslocada e apelativa.
Após ser criada toda uma situação assustadoramente irreversível, passamos a torcer para que tudo apenas acabe bem, ao menos o encerramento é muito bem sacado, e ao lembrarmos do título do longa e do que se desenvolveu nos minutos anteriores é difícil acreditar que aquela multidão do início, fornada por brancos e negros, crianças e adultos, homens e mulheres, consiga sobreviver alheia à violência que a cerca e que parece ser inerente ao homem.
Um Barco e Nove Destinos
4.0 121Interessante como Lifeboat (aqui chamado de Um Barco e Nove Destinos) caminha (ou navega?) por mais da metade sem parecer um Hitchcock clássico - ainda que se desenvolva em um único local, um bote ao mar. Numa trama que se passa no auge da Segunda Guerra Mundial, o mestre do suspense levanta uma discussão ética e moral acerca daqueles sobreviventes de um naufrágio que resgatam um alemão que tripulava o submarino que os atacara: Afinal, devem eles salvar o homem que os mataria a sangue frio se tivesse a chance? Com requintes de crueldade, Hitchcock nos entrega um terceiro ato recompensador onde ele, finalmente, mostra suas garras.
Kursk: A Última Missão
3.3 35 Assista AgoraCerta vez, John Lennon cantou sobre um mundo sem fronteiras e sem ganância, realmente ele foi um sonhador ao imaginar a comunidade global convivendo em paz, e o caso real do submarino Kursk, em plenos anos 2000, deixa bem claro como ainda há muito a ser repensado, pois países ainda colocam resquícios de conflitos passados à frente da vida das pessoas, sejam os soldados que cumprem as ordens de seus superiores ou das famílias que aguardam em terra firme suas voltas.
Kursk nos apresenta a história dos tripulantes do submarino nuclear russo que naufragou em 12 de Agosto de 2000. Presos no fundo do Mar de Barents após sucessivas explosões, os tripulantes precisam sobreviver às águas geladas que invadem a embarcação e superar os próprios limites físico e mentais, enquanto aguardam pelo resgate que pode não chegar nunca já que o maior interesse dos governantes está em proteger segredos navais soviéticos.
O diretor Thomas Vinterberg (do ótimo A Caça) inicia o longa com uma confraternização, tal qual o início de O Barco, de Wolfgang Petersen - talvez o filme definitivo sobre desastres no fundo do mar. Esse início nos aproxima de Mikhail (Matthias Schoenaerts), de sua esposa Tanya (Léa Seydoux), e dos amigos que o acompanharão na missão ao fundo do mar. Uma coisa que é interessante destacar é o elenco plural de nacionalidades, o que nos remete àquele mundo sem fronteiras idealizado por John Lennon, temos o diretor dinamarquês, Schoenaerts da Bélgica, Seydoux da França, Colin Firth da Inglaterra e a lenda viva Max Von Sydox da Suécia.
O longa tem bons momentos de tensão e claustrofobia dentro do submarino, há um plano sequência muito bem captado por Vinterberg embaixo d'água que consegue passar a sensação de sufocamento, ao final, ele apela para um pieguismo hollywoodiano que faz o longa se estender além do que devia - parecendo que o filme tem vários finais - de qualquer forma, vale pelo debate gerado acerca de um mundo belicista e de nações e autoridades orgulhosas demais para pedirem ajuda a "inimigos" quando o certo seria preservar aqueles que dão a própria vida pela nação e não são retribuídos com a mesma compaixão, por enquanto o mundo ideal de John Lennon é pura utopia.
O Escândalo
3.6 460 Assista AgoraQuem odeia Vice deveria ver isso aqui pra entender a diferença entre brincar com políticos sanguessugas e brincar com mulheres abusadas. É filme ou um amontoado de esquetes sobre um caso extremamente pesado e que deve ser levado a sério mas que é retratado sem qualquer sensibilidade pelo diretor de Austin Powers? bem... Isso diz muito.
Nicole está bem e se Margot Robbie e Charlize Theron estão sendo lembradas nas premiações por aí ela também merece.
Adoráveis Mulheres
4.0 974 Assista AgoraPublicado originalmente em 1869 e escrito por Louisa May Alcott, o livro Little Women (traduzido aqui para Mulherzinhas) narra a história de quatro irmãs na fase mais importante de suas vidas, a virada da adolescência para a vida adulta, em plena Guerra Civil dos Estados Unidos. A obra literária ganhou 6 adaptações e agora volta pela 7ª vez pelas mãos de Greta Gerwig com um elenco de peso com nomes como Meryl Streep, Laura Dern, Emma Watson e Timothée Chalamet.
Recomendo que vejam pelo menos uma das outras versões ou leiam o livro para notar como Gerwig, com um roteiro minucioso, demonstra ter carinho por aquelas personagens que tentam sobreviver, enquanto a guerra acontece e sonham com a chegada de tempos melhores, esse tratamento delicado e aprofundado dá a todas elas muito mais personalidade, principalmente à escritora Jo (Saoirse Ronan) e à romântica Amy (Florence Pugh), as personagens de maior destaque.
A narrativa é dividida em duas épocas distintas: em uma delas, de paleta de tons ensolarados e rosados, as personagens vivem o auge da adolescência e na outra, de tons mais sóbrios e luz natural, elas invadem a fase adulta, tais transições confluem de maneira bastante orgânica, a montagem Nick Houy converge com a fotografia de Yorick Le Saux e, por mais que o roteiro de Gerwig não facilite para os marinheiros de primeira viagem, a história nunca se torna confusa ou truncada.
Além da beleza estética do projeto - dos figurinos à trilha e toda a direção de arte - que por si só dão à adaptação um ar de filme de época e ao mesmo tempo um frescor fabulesco - principalmente quando a história regride no tempo -, Gerwig traz ainda uma espécie de epílogo no qual sua protagonista Jo assume de vez as rédeas da situação, é nesse momento que a diretora/roteirista decide ir além e empoderar, algo que até então estava nas entrelinhas fica explícito, tanto no papel da mulher numa época em que homens mandavam o que elas deveriam fazer quanto no papel da escritora (como ela, como Alcott, como Jo) antes de assinar um contrato, fazendo o espectador sair da sala satisfeito com uma obra assinada por uma cineasta que vem se provando ser cada vez mais significativa para o cinema.
Ameaça Profunda
3.0 631 Assista AgoraA premissa deste Ameaça Profunda é bem genérica, o que pode ser dito de positivo é que o diretor William Eubank sabe explorar os espaços da instalação submarina onde a história se desenrola, a claustrofobia impera nas cenas mais tensas e a protagonista Kristen Stewart está presente em boa parte dos 95 minutos do longa, somos sua companhia desde o início e vamos com ela até o final, mas o que consegue ser pior no meio disso tudo é ver o ator T. J. Miller ali - ele que além de ter sido afastado da série Silicon Valley por envolvimento com álcool e drogas também foi acusado de abuso sexual - seu personagem é o típico alívio cômico que não funciona, a cada coisa que acontece ele sempre tem uma piadinha infame que soa fora de hora, isso vai se tornando irritante a ponto de você desejar sua morte, aliás, esse é um grande problema de Ameaça Profunda, não criamos vínculo afetivo com ninguém ali, por mais que existam diversas fotos de família e bichos de pelúcia fofinhos em cena, o roteiro é incapaz de tornar aquelas pessoas agradáveis ou carismáticas. Elas estão ali e ok, devemos torcer por elas, afinal, são humanos vivendo uma situação desesperadora, mas isso é algo inerente do ser humano, o longa por si só não consegue construir isso.
Ameaça Profunda se assume de vez um enlatado americano que deve ser engolido sem mastigação quando mostra algo e explica o que está nos mostrando, há sequências onde a personagem de Stewart vai narrando o que está fazendo para seus companheiros sobreviventes e aquilo sequer deveria ser importante para o espectador já que este é, assumidamente, um filme de terror (alguns sustos aqui e ali) e não uma ficção científica com embasamento. O ato final apela às típicas inserções emocionais e à revelação da grande ameaça, os personagens recebem discursos motivacionais em meio ao caos, tudo para que o espectador se inflame e fique impaciente esperando pela salvação de todos. O resultado final é uma bagunça que não diz a que veio, uma mistura de Alien, Godzilla e Abismo do Medo sem quaisquer tentativa de ser original, sempre previsível e carente de uma organicidade que poderia render, pelo menos, um temor por aquelas vidas.
O Caso Richard Jewell
3.7 244 Assista AgoraA maior sacada aqui é como Clint Eastwood e o roteirista Billy Ray expõem as fragilidades do sistema - das instituições às pessoas, estas mais inocentes do que frágeis, ou frágeis perante o governo e suas forças. A começar pelo protagonista Richard Jewell, interpretado magnificamente por Paul Walter Hauser, o elo mais fraco dessa história. Ele é o típico americano médio que vira herói da noite para o dia após salvar pessoas de um atentado a bomba nas Olimpíadas de Atlanta em 1996, e depois vira vilão do dia para a noite ao se tornar o principal suspeito do ato.
Republicano, sonha ser policial, vive com a mãe, tem suas armas e sempre exige que os outros cumpram as leis, não importa se num campus de universidade ou nas ruas. Nas mãos de Eastwood, tão ou mais republicano quanto ele, Jewell poderia ser apenas mais um patriota elevado à enésima potência, mas Eastwood humaniza seu personagem assim que o confronta com duas das maiores forças do país: o próprio governo, na figura do FBI, e a mídia, na figura da jornalista interpretada por Olivia Wilde.
É interessante como Eastwood sabota o sonho americano de seu protagonista por meio desta ocasião trágica, sem abrir mão de uma cutucada nos armamentistas e naqueles que confiam cegamente no poder. A solicitude de Jewell chega a irritar, mas o advogado Watson (Sam Rockwell ótimo) está ali para dar uns bons chacoalhões em seu cliente. Talvez o maior problema do longa seja retratar os dois coadjuvantes opostos como sendo bonzinhos ou malvados demais. O advogado surge como a pessoa mais compreensiva e generosa do mundo, enquanto, em contrapartida, a jornalista Kathy Scruggs (Wilde) é o ser mais desprezível que surge em tela, com direito a risadinha maquiavélica.
Ao final, é o Clint Eastwood que queremos ver em atividade. Sabendo trazer temas relevantes para a nossa realidade atual, se reinventado, ainda que tudo venha empacotado numa roupagem meio antigona (o filme tem uma cara de telefilme e a montagem no início é bem estranha), mas o final compensa principalmente pelos rompantes emocionais de Kathy Bates e Hauser. Vida longa ao cinema de Clint Eastwood.
O Barco: Inferno no Mar
4.2 175 Assista AgoraHá, pelo menos, três momentos-chave no filme de Wolfgang Petersen, um dos mais definitivos sobre desastres e missões no fundo do mar.:
- a frase de abertura já nos prepara para o terror que se sucederá nas horas seguintes: " 40 mil homens serviram em submarinos, 30 mil nunca retornaram";
- lá pelo meio, os tripulantes do submarino vão a um navio alemão ancorado onde um banquete enche as barrigas daqueles que não descem às profundezas do oceano;
- ao final, são milhares de vidas perdidas numa guerra onde os vencedores são aqueles que contam a história não aqueles que viveram toda sua monstruosidade em campos, ares ou mares.
Frozen II
3.6 785Frozen 2 é mais um produto que surfa na onda das continuações - desnecessárias até - mas que acerta exatamente por não se limitar a continuar a história anterior, como acontecera com Os Incríveis 2. A verdade é que Frozen se tornou um hit muito mais pelo "Let it go", mas também por subverter alguns elementos dos "filmes de princesa" como a protagonista (Elsa) que não quer um par romântico - esse papel ficou para a irmã Anna - e por se resolver graças ao amor entre duas irmãs, tudo isso numa embalagem bem tradicional (estão lá as músicas, o alívio cômico e o vilão óbvio desde a primeira vez que surge em tela) e a dupla de diretores Chris Buck e Jennifer Lee conduz tudo com eficiência.
Dizem que para seguirmos em frente é preciso compreendermos nosso passado, dessa forma, a dupla de diretores Buck e Lee volta à direção e iniciam o filme com um flashback de Anna e Elsa ainda crianças ouvindo uma história de ninar reveladora - até certo ponto - do pai rei Agnarr, plantando uma semente de curiosidade na cabeça do espectador - e das irmãs -, quase um macguffin que irá fazer com que a Anna e a Elsa dos tempos atuais sigam uma voz misteriosa que chama por Elsa e que a levará em busca de revelações sobre o passado de seus pais e sobre a origem de seus poderes.
A proposta é por si só ousada, afinal Buck e Lee decidem levar Elsa e seus amigos em uma jornada que irá revelar o segredo acerca dos poderes da rainha, é como se fosse a jornada da heroína, e durante essa aventura a dupla de diretores encontra momentos para brincar com tradições. Olaf surge novamente como o alívio cômico, e parte justamente dele um momento de zoação com o filme anterior - um resumão para aqueles que não revisitaram o capítulo de 2013 a tempo - além disso, os números musicais assumem um ar muito mais brega, um deles remetendo ao clipe Bohemian Rhapsody do Queen ou de qualquer boy band dos anos 90, por outro lado, nenhuma música tem o mesmo poder chiclete de "Let it go", um certo alívio para os pais que não ouvirão seus filhos cantarolando a mesma música incansavelmente por dias a fio.
Decididos em dar um passo à frente mesmo com uma narrativa que concilia passado e descobertas, Buck e Lee contextualizam toda uma mitologia em torno dos poderes de Elsa, se baseando nos quatro elementos da natureza - água, ar, fogo e terra - e também no desentendimento entre dois povos ancestrais, dessa forma, o longa ganha em apelo para as gerações atuais e futuras - que ainda não assistem a noticiários nem acessam mídias sociais onde uma Greta Thunberg esbraveja contra os adultos - dessa forma, a mensagem passada é de respeito pelos povos nativos e pela natureza, incorporando a uma história de princesa - tal qual Moana fizera - uma mensagem universal que precisa ser passada.
Praça Paris
3.7 68 Assista AgoraFilme razoável com um suspense meio capenga (por escolha de Lúcia Murat, dada a guinada que dá ao roteiro, indo do drama social para o thriller genérico) e que conta com uma Grace Passô como uma fera contida naquela personagem, naquele elevador, naquelas consultas e indo à prisão visitar o irmão, basta ela aparecer para roubar a cena e quando não está presente a história cai consideravelmente, mas no geral vale pelos momentos com a maior atriz brasileira da década.
Ferrugem
2.9 129Vai muito bem até sua metade, a partir dali é uma sucessão de escolhas ruins que deixam um saldo bem negativo por ser uma história que tinha um grande potencial de tratar temas importantes como bullying, suicídio, exposição nas mídias sociais e ausência dos pais com maturidade, mas joga essa chance no lixo. Não sei onde o júri de Gramado estava com a cabeça ao premiar esse e não Benzinho.
O Nó do Diabo
3.0 46 Assista AgoraAdorei esse terror nacional que faz bom uso de elementos do gênero (do sobrenatural ao gore) para ir enveredando por uma análise histórica do Brasil escravista dos últimos 200 anos. Muito interessante o fio condutor que retrocede no tempo (de 2018 a 1818) em cinco curtas distintos que se passam na mesma região e um potente material para fomentar discussões acerca do papel relegado ao negro em nossa história.
Cópia Fiel
3.9 452 Assista AgoraEu não sou nada fã de narrativas como a deste Cópia Fiel, onde os personagens transitam por aí filosofando sobre o amor, relacionamentos, a vida e coisas do tipo, só que aqui estamos falando de Abba Kiarostami, que "joga sujo" ao nos colocar de frente para Juliette Binoche (maravilhosa e estupenda) numa Toscana charmosa e munido de um roteiro genial que nos instiga desde seus primeiros minutos.
A discussão sobre cópia e original é conduzida por Kiarostami e seus atores de maneira primorosa até o final, diálogos, olhares e reflexos falam por si só, as reflexões de Kiarostami são passadas com uma naturalidade incrível, como se estivéssemos diante de uma obra de arte (e é) e tentássemos compreendê-la de alguma forma, principalmente a partir da sequência do restaurante. É até gozado imaginar as reações do público para com o filme, que provavelmente se assemelham com ambas as reações dos personagens: o intelectual que vai se enfadando com a situação e a estressada que aos poucos vai se encantando por coisas simples e belas que surgem no canto da tela. Um filme a ser revisto. Esse sim deu gosto de passear com o casal.
Aqueles Que Ficaram
3.3 16 Assista AgoraConfesso que fiquei incrédulo quando vi que o pré-indicado da Hungria ao Oscar de filme internacional apareceu na shortlist da Academia, já que filmes com propostas mais ousadas e que mereciam ganhar mais alarde ficaram de fora. Aqueles que Ficaram opta por uma narrativa até certo ponto quadrada - ou acadêmica, se preferir -, a proposta é nos envolver com Aldo e Klara, dois personagens que perderam muito na Segunda Guerra e que encontram um no outro conforto para tempos tão difíceis e sofridos. Essa relação lembra um pouco o que Christian Petzold faz em Em Trânsito, no qual personagens que não tem parentesco acabam se juntando e formando uma família postiça para combater a solidão e completar o vazio que a Guerra deixara.
Reforçando esse isolamento, Barnabás Tóth enquadra seus personagens em ambientes fechados e de pouca luz onde tudo parece descolorido e sem vida, os personagens andam sempre cabisbaixos, os abraços apertados são a única forma de conforto e de carinho encontrada para demonstrar sua ternura. A princípio, a relação entre Aldo e Klara flerta com uma paixão proibida, há indícios de que as trocas de olhares e de afeto sejam combustível para um complexo de Electra, mas com o passar do tempo a maldade se limita aos olhos do espectador já que Tóth deixa claro que sua intenção é mostrar uma relação inocente de onde aqueles que ficaram tiram forças para seguir a vida após um período tão amargo e traumático como a Segunda Guerra Mundial.
Em suma, Aqueles que Ficaram é uma história simples e que cumpre sua proposta de nos envolver com dois personagens machucados, isolados e atormentados, talvez a narrativa siga por caminhos previsíveis demais - como a ameaça de fora que surge convenientemente em certa altura para trazer alguma tensão à história - mas que se sobressai à média dos longas sobre o pós-guerra graças às atuações de Hadjuk e Szõke, convincentes e contidos para que o longa não desabe para o novelão, por mais que flerte com ele a todo instante.
Lake Mungo
3.2 291O maior trunfo do diretor Joel Anderson neste mocumentário é apresentar sua história com simplicidade e sempre reforçando a veracidade dos acontecimentos através de imagens e depoimentos. A história é assustadora por si só e cada espectador será afetado por ela de alguma forma - eu não me arrepiava com um filme de terror há anos.
Aqui, conhecemos a trágica história da família Palmer (qualquer semelhança com Twin Peaks seria coincidência?), já de início temos conhecimento que a jovem Alice Palmer, de 16 anos, morreu afogada no lago - o Lake Mungo do título - e, após o pai reconhecer seu corpo, a casa da família, e as imediações, passam a ser afetadas por eventos estranhos e sobrenaturais: aparições da garota em fotos e vídeos, barulhos estranhos à noite, etc.
Para comprovar tudo a família passa a filmar a casa e as imagens são assustadoras. O voice-over das personagens junto das imagens da casa acaba se tornando uma experiência única, não sabemos o que virá a seguir, Anderson nunca apela para os jumpscares, mas a forma com que ele mostra tais imagens acaba se tornando ainda mais perturbador do que um efeito sonoro no volume máximo.
Esse pé na realidade - por mais que saibamos que se trate de um documentário falso - aliado às ótimas atuações e às ótimas imagens - sendo ruins quando necessário, principalmente em certa filmagem feita por um celular - fazem de Lake Mungo um dos filmes mais assustadores que vejo em anos, algumas das imagens, infelizmente, ficarão na minha memória por um bom tempo.
Duas Vidas Se Encontram
3.7 6Um filme natalino que geralmente não é citado nas listas. Robert Mitchum fazendo o bom moço é sempre curioso e Janet Leigh no início de carreira já demonstrava ter grande presença de cena. Talvez o filme seja inocente demais em vários aspectos, tanto nos convites aos desconhecidos para dentro de casa - Mitchum fica com o filho da protagonista no quarto desta no mesmo dia em que a conhece - quanto aos conselhos destes - Mitchum aconselhando a protagonista sobre seu namoro de 2 anos é estranho -, mas... é uma história de amor e sobretudo de Natal, então há de se relevar certa magia e bondade no ar.
O Cavalo de Turim
4.2 211Curioso que o mesmo 2011 que nos deu A Árvore da Vida, de Terrence Malick, nos agraciou com O Cavalo de Turim, de Béla Tarr. A semelhança filosófica entre ambos os longas pára na primeira página já que, enquanto o longa de Malick celebra a vida, suas raízes e a família, o longa do diretor húngaro flerta impiedosamente com o fim da vida, seu silêncio e com os galhos secos do outono.
Creio que o longa não tenha nem 10 linhas de diálogo e quem fala mais não é nem o pai nem a filha, mas sim o homem que vem da cidade e vomita um discurso raivoso contra a humanidade e seus malefícios ao mundo. Este último longa de Béla Tarr - o diretor se aposentou - tem tantas metáforas com o fim que não tem como não vê-lo por esse prisma depressivo e desolador. Segundo a Bíblia, Deus fez o mundo em 6 dias e no 7º descansou, aqui, acompanhamos 6 dias do calvário de pai e filha. Ambos vivem isolados em uma casa no meio do nada, apenas com o vento uivante batendo à porta, batatas quentes como refeição e um ao outro como companhia. A repetição das tarefas, a dependência do pai, o marasmo do dia a dia, o poço que seca, as visitas indesejadas e a teimosia do cavalo que atormentou Nietzsche são o prenúncio do fim.
Apesar desta condição quase agonizante e da citação a Nietzsche em seu prólogo, O Cavalo de Turim não é uma celebração à morte, mas a vivência do fim dos dias acompanhados de um tom fúnebre realçado pela fotografia em preto e branco de Fred Kelemen e por uma trilha de acordes que parecem chorar em nossos ouvidos misturados ao som do vento cortante lá fora. Uma experiência que um dia quero viver numa sala de cinema.
Noite do Terror
3.5 2191974. Garotas começam a desaparecer dos campos universitários e fraternidades sem deixar quaisquer vestígios. Ted Bundy começava a fazer suas vítimas.
1974. Black Christmas chega aos cinemas. Um slasher no qual um invasor misterioso ataca uma fraternidade de garotas às vésperas do Natal.
Fico imaginando a recepção desse filme naquela época e como ele impactou toda uma geração. Não é a toa que é um dos slashers mais bem avaliados, muito antes do gênero ser o que viria a ser - O Massacre da Serra Elétrica é do mesmo ano - ele já trazia alguns dos elementos que sacramentaram o terror dos anos 70 e 80: a câmera voyeur como o olhar do assassino misterioso, as brincadeiras/piadas com sexo - e isso o diretor Bob Clark explorou ainda mais em Porky's (1981) - a casa tanto como o refúgio acolhedor quanto o espaço nem tão seguro assim.
Curiosamente, um filme que usa o Natal como pano de fundo para contar uma história sórdida e assustadora, data esta que Clark voltaria a visitar no maravilhoso A Christmas Story (1983).