"Glória Feita de Sangue" é um filme que se passa durante a 1ª Guerra Mundial, mas é uma produção que trata muito sobre valores humanos a partir da trama que coloca o coronel Dax (Kirk Douglas) em conflito com o general Mireau (George Meeker) por ser contrário à ordem dada a uma missão suicida que colocaria em risco a vida dos soldados.
Expondo à hipocrisia dos militares e a estupidez da guerra, o filme se transforma em uma guerra entre a moral e o bom senso de Dax e a covardia e a falta de decência de Mireau que recebe o apoio da corte militar responsável pelo julgamento de 3 soldados escolhidos para serem fuzilados pelo crime de covardia ao não obedecer às ordens dos seus superiores. O elenco é bastante homogêneo, mas o principal destaque fica por conta da atuação forte e carismática de Kirk Douglas que personifica muito bem a integridade e a moral daqueles soldados.
Tecnicamente impecável, especialmente nas sequências de batalha, e muito bem fotografado, inclusive nas cenas que se passam em ambientes fechados, Kubrick realiza um filme direto, conciso e objetivo que expõe de maneira clara e contundente os valores que são defendidos por cada um dos personagens e consequentemente pela sua visão de mundo. Os diálogos expositivos que são tratados ao longo do julgamento são superficiais por se tratar de meras formalidades, afinal trata-se de uma decisão que já está pra lá de tomada, o que torna todo o processo ainda mais falso e frágil, sem um mínimo de preocupação com a vida humana, mesmo que sejam de compatriotas.
O desfecho acaba sendo bastante emocional ao explorar de maneira criativa, em uma sequência aparentemente simples e deslocada, o universo selvagem enfrentado por aqueles homens, capaz de transformá-los em máquinas de guerra, mas sem esconder totalmente o lado humano de cada um deles que realça pelo que realmente vale a pena lutar. "Glória Feita de Sangue" é um filme de guerra repleto de humanidade, tanto na sua melhor como na sua pior representação.
"Desencontro Perfeito" é uma comédia romântica britânica limitada e bastante irregular que se sustenta basicamente pelo "timming" cômico da dupla Lake Bell e Simon Pegg já que o roteiro de Tess Moris não se mostra criativo o bastante para sustentar a narrativa e o diretor Ben Palmer quase sempre se salva pelo uso de clichês reciclados ou desgastados quase sempre com resultado abaixo da média.
Nancy (Bell) é um jornalista solteirona de 34 anos que parece não ter sorte no amor, muito menos com os encontros arranjados pela sua irmã Elaine (Sharon Horgan) que quase sempre se encerram de maneira deprimente e/ou constrangedora. Em uma casual viagem de trem, ela conhece a jovem Jessica (Ophelia Lovibond), fã de um livro de auto-ajuda de bastante sucesso, que a presenteia com uma edição da obra como uma forma de motivá-la. Quando chegam em seu destino, Nancy acaba sendo confundida no encontro às cegas que Jessica marcou com Jack (Pegg) justamente em função do livro e ela, inocentemente, decide não revelar a sua verdadeira identidade.
O arco dramático da narrativa é extremamente previsível, mas o roteiro de Tess Moris permite que Simon Pegg e, especialmente,Lake Bell explorem ao máximo o sarcasmo e a ironia característicos do humor britânico como uma forma de torná-los igualmente atraentes e excêntricos, logo os diálogos entre a dupla representam o ponto alto do filme. Porém, "Desencontro Perfeito" não vive apenas da interação entre os dois, logo insere os personagens em uma narrativa atrapalhada que coloca Nancy em contato com um obcecado admirador do seu passado (Rory Kinnear, destoado) ao mesmo tempo que Jack esbarra na sua ex-mulher (Olivia Williams, aborrecida). E, nesse ponto, o humor do filme cai vertiginosamente, pois se limita a repetir uma série de situações rasteiras e escatológicas que estão presentes em 10 de cada 10 comédias do cinema besteirol norte-americano sem um pingo de originalidade ou sucesso na sua tentativa de extrair risos.
E se o filme tem problemas de ritmo, especialmente quando a narrativa se concentra nas ações que se passam durante o jantar de 40 anos dos pais de Nancy e que ela irá se atrasar, a dinâmica em cena de Lake Bell, que demonstra ser uma comediante de potencial, e Simon Pegg, que se limita a repetir a sua "persona", se mostra eficiente dentro das próprias limitações impostas pela narrativa que parece saltar da comédia escrachada para o drama sensível de maneira abrupta e imposta, como durante a conversa entre Nancy e Jack dentro de um banheiro. E se o filme é incapaz de criar um conflito dramático que legitime um ponto de virada no final do segundo ato, o clímax tenta se estabelecer como algo grandioso e dinâmico de maneira pouco natural.
Simpático e inofensivo, "Desencontro Perfeito" acaba sendo o resultado da mistura irregular entre o ácido humor britânico e a comédia besteirol norte-americana, sendo uma vítima da falta de sintonia entre os estilos, o que felizmente não acontece com Lake Bell e Simon Pegg que se esforçam para garantir o mínimo de risos e dignidade aos seus personagens. Eles merecem melhor sorte no próximo encontro. Se houver.
Com roteiro de Bill Lancaster, baseado no livro de John Campbell Jr., e dirigido por John Carpenter, "O Enigma de Outro Mundo" é um ótimo filme que sabe mesclar gêneros como suspense, terror e ficção científica em uma narrativa que contém senso de urgência e boas doses de tensão, amplificados pela eficiente trilha sonora composta por Enio Morricone.
Um time de pesquisadores na Antártida descobre uma entidade alienígena que estava enterrada há milhares de anos e que dizimou uma equipe norueguesa não muito longe da estação polar americana. Cientes do perigo, eles descobrem que essas criaturas que vieram de outro planeta tem a capacidade de imitar a forma humana, provocando uma onda de caos e desconfiança entre os pesquisadores.
A partir do seu roteiro enxuto e objetivo, o filme não demora muito tempo para estabelecer a premissa e os principais conceitos que nortearão a narrativa ainda mais que os personagens se revelam muito práticos, especialmente o piloto de helicóptero MacReady (Kurt Russell), o que permite um desenvolvimento dinâmico aos eventos. Já John Carpenter consegue construir a onda de terror através da expectativa e do clima claustrofóbico que se cria diante da possibilidade de que qualquer um dos membros da equipe pode ser uma ameaça e essa tensão é muito bem ilustrada seja com movimentos lentos de câmera ou a utilização de closes para captar mais de perto a expressão dos atores. A trilha sonora de Enio Morricone explora esse universo através de composições que se utilizam de acordes graves, o que colaboradora ainda mais para o senso de urgência proposto.
O trabalho de John Carpenter também pode ser visto pelo bom uso de efeitos especiais e práticos ao estabelecer a arquitetura das criaturas e o processo de transformação enfrentado por alguns personagens, o que deixa as sequências ainda mais assustadoras, sem apelar para o apelo gráfico vazio e/ou o susto fácil. E o design das criaturas acaba sendo favorecido pela possibilidade de se mostrar como uma variação animalesca de um cachorro ou de ser humano, por exemplo, mas também assumindo contornos bizarros de outros animais, como o de uma aranha.
Contando com um clímax eficiente, apesar da desnecessária presença de um determinado "veículo", "O Enigma do Outro Mundo" é um filme perigoso já que se arrisca a realizar uma mistura de gêneros que não é garantia de sucesso, mas John Carpenter faz um filme que consegue extrair o melhor de cada estilo, tornando-a uma produção única e de personalidade própria.
O mais curioso em "ARQ" é que mesmo com a clara sensação de dèja vu, afinal filmes cuja narrativa se concentram na repetição temporal não são uma novidade, sendo "No Limite do Amanhã" com Tom Cruise um dos mais recentes, mas ainda assim é uma produção que consegue se mostrar envolvente, criativa, com personalidade própria e uma boa dose de tensão. Escrito e dirigido pelo estreante Tony Elliott, a trama que se passa em um futuro distópico e não muito distante se concentra nas ações de Renton (Robbie Amell) e Hannah (Rachael Taylor) em escapar de um grupo de revolucionários que pretende roubar os últimos recursos que lhes mantém vivos e que envolve uma poderosa e cobiçada máquina que cria energia ilimitada denominada ARQ.
Essa trama básica, na verdade, esconde uma série de interesses que só são desvendados à medida que a narrativa se repete e as próprias motivações de cada um dos personagens é distorcida e/ou reinventada, como costuma acontecer nesse tipo de filme, porém é interessante perceber como Elliott não está apenas preocupado em executar essa repetição pelo mero artifício técnico até porque a narrativa se passa quase que exclusivamente em ambientes fechados nos cômodos de uma espécie de esconderijo. A repetição da narrativa não oferece apenas novas alternativas para a trama como os diálogos em cada um dos núcleos de ação oferecem cada vez mais pistas e subsídios para que o espectador monte na sua cabeça o contexto do universo em que aqueles personagens estão inseridos e que fazem justiça e com mérito a boa parte das melhores e principais produções de ficção científica de maneira inteligente e econômica, sem soar como exposição gratuita.
Tenso e dinãmico, "ARQ" não está isento de "furos", afinal existe uma imposição que determina a consciência da repetição para um ou mais personagens de maneira conveniente apenas para que o próprio propósito da narrativa, digamos assim, seja reciclado. Da mesma forma, certos personagens que inicialmente se mostram complexos e/ou ambíguos tendem com a repetição e com a revelação das suas reais intenções tornarem-se mais unidimensionais nas repetições seguintes, o que não chega a comprometer o filme de maneira absoluta. E ainda assim é essa "flexibilidade" que permite que o terceiro ato se torne mais imprevisível ou menos previsível, dependendo do ponto de vista, já que assistimos a algo já fora tentado, mas de uma forma diferente e mais contundente. Igual, mas diferente, certo?
E se existe diversão nesse tipo de proposta é justamente o fato de Elliott "brincar" com as expectativas, enganando o espectador, mas de maneira criativa e não desonesta. Tecnicamente eficiente, especialmente pelo design de som, a produção faz jus aquela máxima de que "menos é mais" já que utiliza a limitação de recursos como uma aliada e mesmo quando sugere algo mais grandioso, rapidamente retoma seu curso natural. Contando com um desfecho satisfatório e coerente, "ARQ" se revela uma produção competente por acreditar na sua proposta, explorando possibilidades, dissecando alternativas e depositando uma fé incondicional no seu próprio poder de reinvenção.
Jesse Fisher (Josh Radnor) tem 35 anos, acaba de enfrentar um traumático término de namoro e está sem grandes expectativas com relação ao futuro. Quando seu professor preferido (Richard Jenkins) lhe convida para participar de uma jantar para celebrar sua aposentadoria, Jesse retorna à faculdade e acaba redescobrindo o frescor, as emoções e as motivações de juventude à medida que desenvolve uma relação cada vez mais íntima, filosófica, intelectual e recíproca com a estudante Elizabeth (Elizabeth Olsen).
Escrito, dirigido e protagonizado pelo carismático Josh Radnor, "Histórias de Amor" é acima de tudo um filme intimista e nostálgico sobre a transição entre a juventude e a vida adulta, a excitação e a interação que o conhecimento e o senso crítico desperta na adolescência e a quebra de expectativa com uma vida pós-faculdade repleta de racionalidades e responsabilidades. O filme de certa forma explora esse distanciamento entre a doce expectativa e a dura realidade e de certa forma a relação entre Jesse e Elizabeth se desenvolve a partir das observações, da identificação e da interação entre eles através da música (ela grava um CD com composições de música clássica) e da literatura (eles passam a se corresponder através de cartas).
Como dois amantes que vivem em algum lugar do passado, eles se descobrem apaixonados e aqui o roteiro até de maneira didática (o que chega a ser irritante em alguns momentos, como quando ele faz contas para refletir sobre a diferença de idade entre ambos) estabelece um outro conflito entre expectativa e realidade já que por mais excitante que seja a troca de experiência entre ambos, assumir essa responsabilidade é uma situação completamente diferente. Josh Radnor e Elizabeth Olsen estão ótimos e possuem uma química em cena cativante até mesmo quando seus personagens duelam sobre quem quer ter razão. Nesse ponto, a diferença de personalidades entre Jesse e Elizabeth são bem exploradas já que ela se mostra determinada e madura enquanto ele se comporta de maneira mais instável e insegura, mas que mais cedo ou mais tarde precisam agir de acordo com as suas respectivas idades, seja por causa de uma crítica com relação ao valor literário da saga "Crepúsculo", uma discussão sensível e madura sobre a perda da virgindade ou até mesmo durante uma calorosa e irônica transa casual com uma antiga professora (Alisson Janney) .
A narrativa gira em torno de temas que são enfrentados em diferentes fases da vida, cada um com seu nível de importância relativa, sem a preocupação do certo ou errado, apenas realçando a natureza de ser uma questão de perspectiva e experiência. O arco dramático enfrentado pelo professor recém-aposentado diante da sua nova realidade e a interação de Jesse com um aluno introspectivo e recluso (que se assemelha muito com o seu passado) de certa forma também tratam sobre essa relação entre a ruptura provocada pelos diferentes pontos de virada da narrativa de nossas vidas e a maneira como lidamos com eles, mesmo que apenas moderadamente. No entanto, a participação de Zac Efron como uma visão de Jesse, uma espécie de representação do seu espírito jovem acaba sendo a mais desconectada dentro do contexto, não servindo nem mesmo como alívio cômico.
Contando com um desfecho satisfatório para todos os núcleos apresentados, "História de Amor" consegue ser reflexivo e inspirador sem ser superficial, mesmo não sendo particularmente complexo ou profundo, o que não deixa de funcionar como uma perfeita e irônica analogia ao temas abordados dentro do filme. E entre teoria, prática e a diferença entre ser sábio ou sabichão, viver continua sendo a melhor experiência, independente dos anos de vida que você já viveu até aqui.
"Há Tanto Tempo Que Te Amo" é um drama lindo, sensível e sufocante que acompanha a readaptação de Juliette (Kristin Scott Thomas) ao convívio familiar ao lado da irmã Léa (Elsa Zylberstein) depois de 15 anos de afastamento. O diretor e roteirista Philippe Claudel realiza um filme muito sóbrio e emocional ao desvendar gradativamente os mistérios acerca do passado de Juliette e após a sua exposição, explorar o reflexo que esse trauma provoca nela, nas pessoas ao seu redor e garantindo no processo uma reviravolta dramática intensa e contundente.
O trabalho de composição de Kristin Scott Thomas é formidável, explorando a frieza e o distanciamento emocional da personagem com uma rigidez e uma limitação de expressões que a tornam uma figura profundamente triste, melancólica e amargurada. Quando revela-se pela primeira vez o motivo que provocou o isolamento de Juliette,a reação natural é de repulsa e a aceitação daquele julgamento tão cruel por parte dela é igualmente duro e comovente, como se ela mesmo não se perdoasse pelo que fez. Elsa Zylberstein também realiza um bonito trabalho já que a sua personagem precisa lidar com um dilema que lhe foi negado ao longo de sua vida toda, distante da irmã e ela traduz as frustrações contidas e as pequenas alegrias de Léa com elegância e simplicidade.
Gradativamente, o filme vai encenando uma espécie de redenção para a trajetória de Juliette com uma oportunidade de emprego, encontros amorosos e o crescimento de uma relação carinhosa e fraterna com Léa, algo que nunca tiveram no passado, mas especialmente com suas duas adoráveis e encantadoras sobrinhas que lhe dão a oportunidade de relaxar e se tornar uma figura menos rígida e mais amorosa. Esse processo de aceitação poderia recair em sequências comuns, repletas de clichês, mas Philippe Claudel conduz a narrativa com extrema serenidade, sem optar por soluções fáceis ou convencionais. Não há espaços para pieguices nos conflitos dramáticos propostos pela narrativa, o que torna o filme um drama maduro na forma de lidar com a complexidade da sua carga dramática.
Apresentando-se como um drama sensível, delicado e tocante, "Há Tanto Tempo Que Te Amo" é uma história de amor e um filme que transborda humanidade em sua mais alta e íntima complexidade que desafia a nos colocar diante de nossos próprios medos e das nossas próprias angústias e refletir sobre a nossa capacidade de se sacrificar através do amor, mesmo quando esse sentimento vem acompanhado de tanta dor.
"Little Birds" é um drama que se concentra na relação de amizade entre Lily (Juno Temple) e Alison (Kay Panabaker). Enquanto a primeira está entediada na pequena Salton Sea e não quer ter uma vida igual a da mãe (Leslie Mann), que teve que cuidar dela sozinha após o suicídio do seu pai, ou da tia (Kate Bosworth), responsável pelos cuidados do marido deficiente, a segunda parece mais conformada com seu estilo de vida simples e pacato. Quando elas conhecem três garotos que moram em Los Angeles, Lily resolve ir ao encontro deles e Alison acompanha a amiga e ambas terão que que enfrentar os dilemas de uma nova realidade repleta de irresponsabilidades.
O diretor e roteirista Elgin James realiza a sua maneira um filme sobre a transição entre a adolescência e a vida adulta, mas é uma produção sem grandes ambições ou eventos narrativos, concentrando-se quase que exclusivamente na dinâmica entre as personalidades tão distintas entre as duas amigas. Enquanto Lily é a mais inquieta diante da sua rotina em sua cidade natal e parece encarar todas as novidades com deslumbramento, Alison lida com mais mais naturalidade com as opções que lhe apresentam em Salton Sea e se mostra confusa e insegura diante da situações enfrentadas em Los Angeles. É o retrato distinto de duas garotas igualmente imaturas, mas que lidam de maneiras diferentes com isso.
Diante de um filme cuja narrativa se apresenta tão limitada, a maior virtude de "Little Birds" reside na atuação sensível e delicada de Kay Panabaker e na composição ousada, energética e sem pudores de Juno Temple. Embora frágeis em termos narrativos já que o roteiro parece mais interessado em explorar situações que transbordem imaturidade e inconsequência, tratam-se de duas personagens defendidas por duas jovens atrizes que demonstram bastante potencial. As participações de Leslie Mann e Kate Bosworth acabam sendo descartáveis e que cumprem uma função narrativa frágil já que o contexto familiar das duas garotas é explorado superficialmente.
Contando com um clímax forte e intenso que certamente marca emocionalmente a vida das duas amigas e a própria relação entre ambas, "Little Birds" acaba sendo um filme de mensagem sobre cicatrizes e segundas chances com direito a trilha sonora melancólica e chorosa, porém a mensagem final não evita a exposição da fragilidade da narrativa do próprio filme.
"Palavrões" marca a estréia do ator Jason Bateman na direção de um filme e trata-se de uma comédia independente de humor negro cuja embalagem é exótica e excêntrica, mas que na sua sua essência dialoga com temas sensíveis e bastante convencionais. Guy Trilby (Bateman) é um homem de 40 anos que participa de concursos de soletração através de uma brecha do regulamento que não estipula limite de idade, mas grau de instrução. Como ele não tem a oitava série completa, a sua participação se torna legítima, embora gere constrangimentos já que ele se mostra incrivelmente capaz de superar seus adversários, inclusive na televisionada competição nacional. O roteiro de Andrew Dodge precisa superar esses detalhes burocráticos para se assumir muito mais como um estudo de personagem do que uma comédia de situações.
O que torna "Palavrões" uma comédia atraente e atípica é a personalidade de Guy Trilby, um sujeito de caráter repulsivo, promíscuo, desbocado, chantagista, manipulador e que não tem o menor pudor em constranger crianças competidoras ou magoar pessoas apenas para alcançar seu objetivo, o que movimenta boa parte do segundo ato. Mesmo sendo competente no que faz já que é detentor de uma memória privilegiada, Trilby tem uma postura politicamente incorreta, o que faz com que ele colecione iinimigos até mesmo da jornalista Jenny Widgeon (Kathryn Hahn), interessada em ajudá-lo e narrar a história da sua vida, e do pequeno Chaitanya Chopra (Rohan Chandz), um competidor solitário que tenta se tornar seu amigo já que tem um relacionamento pouco afetivo com o pai.
E se a figura de Guy Trilby é detestável, mas ainda assim cômica, é porque o talento de Jason Bateman salta os olhos já que ele permanece com uma composição física fria e introspectiva que torna seu personagem um sujeito muito mais digno de pena do que de asco por piores que sejam as palavras usadas e suas atitudes. Nesse ponto, a sua redenção até seria uma forma de perdoá-lo, algo que Jenny também parece acreditar, mesmo que ele faça questão de manter o maior distanciamento emocional possível das pessoas. E pelo fato de Kathryn Hahn e Rohan Chandz serem duas figuras carismáticas dentro do filme e por seus personagens acreditarem tanto na humanidade que Guy faz tanta questão de esconder é que o apelo do filme se mantém aceitável, mesmo considerando que isso só acontece porque o personagem central baixa a sua guarda para aceitar a aproximação deles, o que é conveniente para a sua interação.
Abordando temas como abandono e solidão de diferentes naturezas, "Palavrões" acaba se mostrando um filme sobre os valores das relações que dão sentido a nossa vida, cujo clímax é previsível e premeditado antes mesmo de acontecer, o que se mostra frustrante em termos narrativos, mas que ainda assim consegue deixar o seu recado através do clichê mais antigo da história do cinema: o final feliz.
"As Delícias da Tarde" é um filme que parte de uma premissa excitante em termos narrativos para se tornar um exemplar moralista do que se deve fazer para salvar um casamento. Rachel (Kathryn Hahn) é uma entediada esposa, mãe e dona de casa que vive um casamento em crise com Jeff (Josh Radnor) que em uma tentativa de apimentar a relação acaba conhecendo McKenna (Juno Temple), uma stripper que também se considera uma profissional do sexo, e a traz pra dentro de casa como uma forma de escapar da sua vida careta e comum.
A premissa proposta pelo roteiro da diretora Jill Soloway sugere certa ousadia e o primeiro ato é encenado com bastante competência, mostrando que a atitude de Rachel mais se parece com um gesto de desespero, como uma última solução para salvar seu casamento assim como ela estabelece uma relação quase que maternal com a jovem stripper que por sua vez demonstra pena e piedade de Rachel. É claro que existe uma certa tensão sexual entre as duas, porém muito mais pela postura de McKenna de se colocar como uma espécie de professora para que Rachel possa se tornar mais criativa com o marido. Nesse ponto, as atuações de Kathryn Hahn e Juno Temple são muito eficientes já que se apresentam como duas figuras femininas antagônicas, mas que de certa forma compartilham as mesmas angústias, embora lidem de maneiras diferentes com elas. A figura frágil, falha e humana de Rachel é muito bem representada por Kathryn Hahn e no caso de Juno Temple o seu hipnotismo é natural, afinal a diretora Jill Soloway faz questão de apresentar McKenna como uma garota atraente e que merece ser salva.
A partir do momento que Rachel "participa" de um dos programas de McKenna por vontade própria, o filme entra em uma espécie de catarse coletiva já que a relação entre as duas fica estremecida e as duas personagens parecem mudar o comportamento que tinham até então. E isso enfraquece o trabalho das duas atrizes, especialmente de Hahn já que a personagem de Temple acaba se transformando na vilã da história. E a falta de capacidade do roteiro em desenvolver esse conflito e/ou essa mudança de postura da narrativa se resume às sequências que mostram Rachel e suas amigas separadamente de Jeff e seus amigos em uma noite de bebedeira em que o roteiro joga para o alto qualquer sutileza, escancarando muito dos elementos que estavam subentendidos no decorrer da narrativa, especialmente traumas do passado e a infelicidade com a rotina, contando com reviravoltas (entenda-se briga de casal) e culminando em um desfecho feliz e moralista ("Desculpe por jogar uma bomba em nossa vida feliz.", what???), mesmo com uma cena final, digamos assim, orgástica e nem tão típica assim para os filmes do gênero.
Contando com uma participação morna e burocrática do carismático Josh Radnor, "As Delícias da Tarde" (título broxante em português) é uma comédia de situações que tenta fugir dos clichês e do convencionalismo, mas que não vai muito além do que a premissa sugere já que falta ousadia ao lidar com os próprios temas que o filme resolveu trazer para reflexão. E, ironicamente, como se mostra nas seções de terapia de Rachel, em uma divertida participação de Jane Lynch, acabamos não nos interessando muito no que ela tem pra nos dizer já que estamos preocupados demais com nossos próprios problemas, afinal a confusão emocional de Rachel acaba sendo a confusão do próprio filme na tentativa frustrada de desenvolvê-la.
O cinema do diretor norte-americano Terence Malick é contemplativo, reflexivo, filosófico, sensitivo, intuitivo, logo seus filmes funcionam muitas vezes como verdadeiros tratados filosóficos sobre a humanidade e os elementos que regem nossas vidas ou o mundo ao nosso redor. Goste dele ou não, Malick se especializou em adotar um estilo próprio de narrar histórias simples pela força e inquietação das imagens, da exploração de sons e ruídos e da admiração e das sensações que esse conjunto é capaz de despertar. A sua presunção intelectual é igualmente admirável e detestável e não é à toa que as suas obras são capazes de despertar sentimentos tão antagônicos.
Com uma narração em "off" poética e exaustiva, "Cavaleiro de Copas" é uma espécie de Arquivo Confidencial fantástico e surrealista do melancólico roteirista Rick (Cristian Bale) que está em uma espécie de crise criativa e/ou existencial, cansado da sua vida vazia e do universo fútil em que está inserido, repleto de festas banais e sem sentido. Portanto, ao longo da narrativa, ele revisita as suas principais relações, como a que tem com o pai (Brian Dennehy) e seu irmão (Wes Bentley), ressentidos pelo suicídio de um irmão mais novo, ou o relacionamento distante que tem com sua mãe (Teresa Palmer), assim como o que envolve sua ex-esposa (Cate Blanchett), uma médica que não conseguiu curar as suas angústias e que de certa forma provocaram o divórcio, embora ainda o ame, e até mesmo a casualidade dos seus relacionamentos com jovens e distintas modelos (Imogen Poots e Freida Pinto) ou até mesmo uma garçonete qualquer que trabalha como stripper à noite, mas que são igualmente incapazes de lidar com suas próprias inseguranças. Até alcançar a figura da sua última esposa Elisabeth (Natalie Portman), uma mulher perdida e confusa emocionalmente assim como o próprio Rick.
Na mente confusa e fragmentada de Rick (e consequentemente na visão de Malick) essa experiência se transforma em uma seleção prosaica e irregular de planos e imagens que se tornam uma viagem insólita e pretensiosa a sua consciência e ao que verdadeiramente lhe serve de motivação e inspiração. Ou não. Se em "Além da Linha Vermelha", Malick reflete sobre a natureza humana e da própria guerra, em "Um Novo Mundo" e "A Árvore da Vida" é a relação do homem com a natureza e o seu papel no universo que prevalecem, sendo "Amor Pleno" uma imersão às raízes dos sentimentos que nos movem, logo "Cavaleiro de Copas" está mais ligado a proposta desse último, embora os filmes de Malick estejam conectados não somente pela estética, mas pela proposta de explorar certas inquietações com traços claramente intimistas, reflexivos e filosóficos, onde se busca poesia, encantamento, fascínio e admiração assim como tristeza, melancolia, dor e amargura. Belissimamente fotografado, as imagens são capazes de explorar a beleza da claridade do sol assim como muitas vezes oferece um contorno mais opressivo quando vemos Rick em meio a um deserto, o que não deixa de ser ironicamente dúbio e belo.
Dividido por episódios que representam cartas do tarô, "Cavaleiro de Copas" tem todos os elementos que fazem parte do cinema de Terence Malick, inclusive alguns que ressaltam uma certa inclinação à religiosidade e/ou divindade, como ele já fizera em outros filmes e até com mais sucesso, porém o mais curioso é notar que o filme possui ingredientes que facilmente seriam utilizados em dramas convencionais, com começo, meio e fim e que serviriam para a construção de um arco dramático perfeitamente compreensível e com um alcance dramático virtuoso. Mas Malick não está interessado no caminho fácil e ele explora o potencial da sua premissa através de um outro conjunto de idéias que pretendem provocar um outro tipo de experiência, nem melhor ou pior. A questão é que ao longo desse processo, ele está disposto a pagar o preço das suas escolhas, custe o que custar, independente do resultado final, seja ele bom ou não. E é isso o que acontece.
6.5/10
TOP MALICK
ALÉM DA LINHA VERMELHA - 8.5/10 ÁRVORE DA VIDA - 7.5/10 O NOVO MUNDO - 7.0/10 CAVALEIRO DE COPAS - 6.5/10 AMOR PLENO - 6.5/10
"O Amante da Rainha" é um ótimo filme dinamarquês que não deve em nada a nenhum drama de época já que se revela uma produção requintada e de qualidade técnica irrepreensível, além de trazer uma envolvente história de amor tendo como pano de fundo o contexto histórico da Dinamarca do século XVIII. Dirigido e co-roteirizado por Nikolaj Arcel, o filme estabelece uma relação entre a ascensão das idéias iluministas na sociedade dinamarquesa e que já imperavam em boa parte da Europa com a descoberta do amor pela jovem britânica Caroline Mathilde (Alicia Vikander), que fora prometida ao rei dinamarquês Christian VII (Mikkel Boe Følsgaard), um monarca grosseiro, manipulável e desequilibrado mentalmente, e que se sentia infeliz e miserável até a chegada de Johann Struensee (Mads Mikkelsen), o novo médico particular do rei.
Como roteirista, Nikolaj Arcel é muito feliz na apresentação da dinâmica do poder da corte dinamarquesa, mostrando que o rei era quase uma figura decorativa já que os conselheiros é que tomavam as decisões relevantes e desencorajam qualquer tentativa de Christian de ser influente, o que não era uma tarefa das mais difíceis já que ele era um sujeito de idéias patéticas. A aproximação intelectual e emocional que se mostra discreta e envolvente entre Struensee e Caroline faz com que ele também ganhe gradativamente a confiança do rei e quando eles se entregam ao sentimento que sentem um pelo outro, o médico se torna um conselheiro informal do rei permitindo inclusive que boa parte das idéias empregadas pelo Iluminismo sejam empregadas na Dinamarca. O terceiro ato acaba sendo prejudicado pelo artificialismo de novela mexicana (vide cena entre mãe e filho) e a teatralidade de algumas reviravoltas, porém naquela altura a legitimidade da trama já estava pra lá de consolidada, logo o alcance e o apelo dos conflitos permancem contundentes mesmo diante desses contratempos.
Os aspectos técnicos do filme são de ótima qualidade, especialmente os figurinos de época, sendo que no que se refere à direção de arte, se por um lado as sequências em ambientes internos valorizam os salões e os ambientes elegantes da realeza (que se justificam se levarmos em conta que se trata essencialmente de uma trama de um romance secreto e bastidores políticos), Arcel é eficiente e criativo ao mostrar o lado pobre da Dinamarca apenas pequenos lampejos da capital através dos vidros das carruagens, como uma forma de mostrar o distanciamento entre o poder e o povo, sem ser negligente e sem ter a necessidade de apelar para uma cidade cinematográfica e/ou excessivos efeitos visuais.
Ainda assim, por mais eficiente que seja a parte técnica, "O Amante da Rainha" só alcança o seu expressivo resultado em função do talentoso elenco, liderado por uma maravilhosa Alicia Vikander que realiza um trabalho forte e sensível, explorando a personalidade arrojada da sua personagem com uma atuação dramática, segura e intensa, sem dar nenhum sinal de imaturidade ou insegurança, muito pelo contrário. A frieza e a sutilidade de Mads Mikkelsen fazem com que seu personagem não se resuma a um mero herói romântico e ingênuo, logo a sua condução serena e discreta valoriza muito a postura ideológica de Struensee sem deixar que o seu viés romântico seja bem sustentado também, nunca soando como um interesseiro ou um aproveitador, mesmo quando ele de certa forma também se aproveita da condição intelectual do rei a favor das suas idéias. A química entre Vikander e Mikkelsen funciona já que os pequenos momentos de prazer e felicidade do casal são compartilhados com sensibilidade e intensidade. E não apenas o casal de protagonistas, mas Mikkel Boe Følsgaard também realiza um trabalho formidável na pele de um rei doente, perturbado, porém imaturo emocionalmente que não demonstra a menor condição de comandar uma nação em uma mescla de estupidez e insanidade que consegue irritar e em alguns momentos até mesmo soar de maneira cômica. A cena que reúne os três de mãos dadas enquanto estão sentados em uma cadeira diante de uma situação dramática resume perfeitamente a graça e o embaraço da relação entre eles.
O clichê praticamente pede para que seja mencionado ainda nesse comentário o velho bordão de que existe algo podre no reino da Dinamarca, uma piada que o próprio roteiro resolve utilizar de maneira irônica dentro do filme, mas o arco dramático legitima episódios politicamente fétidos que certamente envergonhariam qualquer país, inclusive esse de origem nórdica que possui uma História que acaba não sendo de conhecimento geral, como acontece com os EUA ou a Inglaterra, por exemplo. Deixando qualquer estereótipo de lado, "O Amante da Rainha" funciona como drama romântico de época, mas não deixa também de ter seu valor como registro histórico.
O arco dramático da narrativa de "A Outra" é tão poderoso que fica difícil distinguir se seu impacto e seu apelo são alcançados pelos próprios e naturais méritos da história, repleto de intrigas e reviravoltas, ou pelas virtudes do roteiro de Peter Morgan e também do diretor Justin Chadwick em adaptar essa história para o cinema a partir da obra de Philippa Gregory. Seja como for, "A Outra" é um filme dramático e excitante na (des)construção da relação do rei britânico Henrique VII (Eric Bana) com as irmãs Ana (Natalie Portman) e Maria Bolena (Scarlett Johansson).
Embora tecnicamente impecável seja no trabalho de direção de arte de Matthew Gray ou nos belíssimos figurinos da experiente Sandy Powell, o objetivo do filme não é funcionar como um registro histórico catedrático e convencional, mas abordá-lo sob a perspectiva das duas irmãs e suas relações com o rei, logo os sentimentos despertados entre e pelo trio funcionam como o verdadeiro fio condutor da narrativa. É uma visão romanceada de fatos históricos, o que não deixa de ser uma visão parcial e relativa, mas ainda assim é uma visão válida já que é perfeitamente compreensível que os elementos abordados em "A Outra" tenham contribuído profundamente para a evolução dos eventos. Dito isto é necessário reconhecer que no processo de adaptação há uma certa velocidade na apresentação de algumas reviravoltas, nas idas e vindas de determinados personagens como uma forma de conferir mais dinâmica, o que funciona melhor em alguns momentos do que em outros.
Inicialmente, por exemplo, a sofisticada e ambiciosa Ana é a garota prometida para "entreter" o rei na sua obsessão de gerar um filho homem, algo que a rainha Catarina (Ana Torrent) tinha falhado, porém quando ele demonstra mais encantamento por Maria até mesmo em função da petulância de Ana, a condução do seu envolvimento com um jovem duque galanteador parece tão acelerado quanto impulsivo. E quando Ana retorna do seu exílio na França, ela retorna tão ou mais teimosa do que ela já era, o que desperta um interesse romântico do rei com sinais evidente de obsessão, demonstrando uma mudança de seu comportamento incoerente com a sua postura anterior. De qualquer forma, essa "pressa" em registrar certas transições ocorrem muito mais a favor da dinâmica da narrativa, como ao registrar o "sumiço" de alguns personagens ou a mudança e o casamento de outros, especialmente no terceiro ato quando tudo se torna mais crítico e urgente. Vale registrar que a própria Reforma Protestante, por exemplo, é praticamente uma nota de rodapé dentro do contexto histórico apresentado no filme e nem por isso a história perde o seu apelo muito em função também da legitimidade autêntica do elenco.
Natalie Portman incorpora uma Ana Bolena com muita habilidade, versatilidade, segurança, maturidade e competência, colocando-a como uma mulher ambiciosa e audaciosa que não tem escrúpulos para conseguir o que quer e não hesita nem mesmo em usar do apelo emocional e familiar. Já Scarlett Johanson tem a possibilidade interpretar uma Maria Bolena mais sensível, romântica, um contraponto à personalidade da irmã e que demonstra uma grandeza de caráter, levada as devidas proporções da época, que a torna uma figura feminina admirável muito bem defendida pela atriz com integridade, sensibilidade e autenticidade. Eric Bana traz peso e força a um personagem apresentado como poderoso, vingativo, porém manipulável, porém a sua presença é marcante e cumpre o seu papel. Em um elenco competente que conta com boas participações de Kristin Scott Thomas, Mark Rylance, Jim Sturgess, Eddie Redmayne e Benedict Cumberbatch, a presença de David Morrissey é uma espécie de mau necessário já que a sua atuação canastrona acaba servindo para o seu personagem Thomas Howard, tio de Ana e Maria, caricato, desprovido de qualquer sutileza, especialmente para atender as necessidade do roteiro, tornando-se o mais próximo de um vilão unidimensional.
Contando com um clímax avassalador e de tirar o fôlego, "A Outra" cumpre com competência boa parte das suas ambições narrativas, deixando uma impressão marcante, mesmo que seja um filme que em termos estéticos e/ou narrativos não ofereça nenhum tipo de ousadia artística. O peso da história consegue ser muito bem sustentado e valorizado mesmo com as inúmeras concessões que tiveram que ser feitas para funcionar como filme e, o mais importante, sem desrespeitar a História.
"Filosofia Natural do Amor" é um filme equivocado em sua tentativa de mesclar seu tom de documentário através do depoimento de casais reais com linhas narrativas que buscam explorar diferentes vertentes e definições do amor.
Com roteiro e direção de Sebastian Hiriart, o filme é uma sucessão de equívocos e constrangimentos a começar pelas declarações dos casais que revelam de que maneira surgiu o sentimento e/ou começou a relação de ambos, sendo que nenhum deles se revela especialmente interessante ou marcante, o que certamente faria Eduardo Coutinho ruborizar. E se não bastasse o fracasso dos depoimentos, Hiriart parece mais interessado em explorar uma espécie de saia-justa entre os casais, colocando-os diante de dilemas e/ou situações que expõem a sua falta de sintonia ou que ainda não tinham sido discutidos, como se tivesse o interesse de mostrar que eles não se conhecem tão bem assim. O sentimento de vergonha alheia é muito maior do que qualquer sentimento potencialmente amoroso.
As linhas narrativas escolhidas para intercalar os depoimentos (ou vice-versa) são fracas em sua premissa e frágeis em seu desenvolvimento. Em uma delas, mostra um casal de aventureiros que exploram uma região inóspita em busca de uma praia paradisíaca, mas acabam se perdendo no caminho de volta. Em outra, um homem de 35 anos passa a se interessar romanticamente por uma garota de 15 anos durante uma série de encontros entre os dois. O pai dela é um taxista que se revela apaixonado por uma cantora transexual de uma boate que ele tem o costume de frequentar secretamente. E em outra história um casal de velhos amigos se encontram casualmente nos corredores da faculdade quando segredos do passado dos dois são revelados. Nenhuma das histórias desperta um real interesse e os eventos que ocorrem ao longo da narrativa revelam a falta de propósito ou de algo que se torne realmente digno de ser contato.
O desfecho de cada uma das histórias quer estimular algum tipo catarse e/ou de ironia romântica, seja através do choque no encontro do casal de amigos, da hipocrisia no caso do taxista, da sensibilidade na relação entre o homem mais velho e a garota assim como da ironia entre os casal de aventureiros, porém só consegue aborrecer já que dá uma nítida sensação de perda de tempo, não justificando o mérito narrativo de nenhuma delas.
Intercalando os depoimentos e as linhas narrativas com imagens de acasalamento entre animais, o estrago provocado por "Filosofia Natural do Amor" alcança contornos biológicos que não merecem espaço nem mesmo em um programa qualquer especializado na vida animal muito menos diante da sua pretensão de ser de alguma forma um tratado filosófico sobre as relações humanas. É um engodo, apenas um engodo descartável e desinteressante.
Alguns filmes parecem ter sido feitos sob medida para determinados atores e "O Solteirão" (tradução equivocada e irresponsável para "Um Homem Solitário") é um filme pra lá de adequado à persona cinematográfica de Michael Douglas (alguns até dirão que também pela sua vida pessoal já que ele se assumiu viciado em sexo, mesmo que não seja o caso do seu personagem neste aqui). Pois bem, Ben Kalmen (Douglas) é um sessentão mulherengo que está em crise financeira, mas que não consegue manter o equilíbrio da sua própria vida que parece se resumir a relações promíscuas e um distanciamento cada vez maior da sua família.
Dirigido pela dupla Brian Koppelman e David Levien, "O Solteirão" foge das convenções dos dramas ao estabelecer a sua linha narrativa após um salto de tempo de aproximadamente 6 anos em que Ben é diagnosticado pelo seu cardiologista com uma alteração nas atividades cardíacas do seu coração. Em um filme convencional acompanharíamos a maneira como ele lida com essa notícia, mas no roteiro também escrito pela dupla, esse salto no tempo serve para estabelecer que Ben, após o diagnóstico, ignorou as recomendações médicas de realizar exames mais detalhados, separou-se da sua esposa (Susan Sarandon), distanciou-se da filha Susan (Jenna Fisher) e consequentemente do neto, declarou falência de sua rede de concessionárias em função de práticas ilegais que quase o levaram à prisão e mantém uma relação de aparências com Jordon (Mary Louise-Parker), uma ricaça, mãe de uma adolescente (Imogen Poots). Esse cenário desconstrói qualquer tentativa do filme de se transformar em um drama de auto-ajuda já que a situação-limite o tornou um sujeito mais egoísta e que foi se afundando cada vez mais.
Sustentado basicamente pela charmosa arrogância do personagem, o filme é uma espécie de veículo para que Michael Douglas explore algumas facetas que permitem que Ben esteja muito longe de um sujeito pelo qual vale a torcida, o que o torna mais atraente e interessante do ponto de vista narrativo. Dessa forma, quando ele se oferece para apresentar a filha de Jordon para o reitor da faculdade onde se formou, cuja biblioteca inclusive leva o seu nome, ele não tem escrúpulos em trair a confiança de todos os envolvidos. Sem relevar grandes detalhes, mas a sucessão de conquistas casuais que ele tem ao longo do filme o tornam um sujeito ainda mais solitário, auto-destrutivo, mas que afeta sensivelmente as pessoas ao seu redor. E mesmo assim, diante do caos emocional da sua vida, ele de certa forma tenta se estabelecer como uma espécie de tutor para Cheston (Jesse Eisenberg), vice-presidente do grêmio estudantil da faculdade, muito mais como um sinal de auto-afirmação, ao mesmo tempo que parece reencontrar na velha amizade com Jimmy (Danny DeVito) a sua única relação autêntica e verdadeira.
Assim exposto, o principal problema de "O Solteirão" acaba sendo também a falta de foco da narrativa já que ao mesmo tempo que oferece um arsenal de subtramas que exploram diferentes vertentes das ações do personagem, cada um dos núcleos acaba sendo explorado de maneira apenas moderada com praticamente dois ou três momentos de atenção, praticamente um começo, meio e fim que não necessariamente são suficientes por si só. A relação de Ben com sua ex-esposa, por exemplo, praticamente inexiste, mas graças aos esforços de Douglas e Sarandon ainda acreditamos que exista um carinho na relação de ambos. Jenna Fisher é uma agradável presença do elenco que consegue estabelecer em seu pouco tempo de cena todo amor, admiração e ressentimento que tem pelo pai em uma atuação sensível e delicada. Imogen Poots também tem uma importante participação, defendendo muito bem uma personagem jovem, determinada e ardilosa, o que não deixa de ser uma grata surpresa pela limitação que a atriz já demonstrou em outras oportunidades. Os demais atores, por sua vez, oferecem trabalhos competentes, mas que não conseguem se destacar mais pela própria negligência do roteiro, o que não deixa de ser relativamente frustrante.
Ainda assim, mesmo com tantos altos e baixos, "O Solteirão" consegue ser um drama pouco convencional e acima da média, pois tem um personagem central charmoso e politicamente incorreto que reserva certo carisma em função da competente e inspirada atuação de Michael Douglas que demonstra estar muito à vontade, o que faz toda a diferença a favor deste filme curioso e irregular, mas ainda assim enxuto.
Para o filme "Amaldiçoado" vale aquela máxima de que de boas intenções o inferno está cheio, mas... mas não é o bastante. Ig Perrish (Daniel Radcliffe) é um jovem radialista que precisa lidar com o luto pela morte da sua namorada Merrin (Juno Temple) ao mesmo tempo que sofre com as acusações de que foi o responsável pelo crime. Inocente até que se prove o contrário, um par de chifres nasce em sua cabeça e ele acaba recebendo o dom de ser uma espécie de confidente das pessoas já que quando estão diante dele, elas se mostram como realmente são e revelam seus piores pecados, o que permitirá que Ig encontre o verdadeiro responsável pelo crime.
Comandado por Alejandro Aja, o filme sofre de dupla personalidade. Em sua primeira metade funciona como uma espécie de drama com toques de suspense psicológico que mostra Ig tentando lidar com a injustiça e com a maneira com que as pessoas passam a lhe confessar seus pecados, encarnando o "diabo" em pessoa, o que gera algumas situações inusitadas, sarcásticas e ironicamente cômicas, especialmente quando Ig está diante da família, o que potencializa ainda mais o drama dele, mas que também funciona até como uma espécie de crítica à hipocrisia da sociedade. Nada que tenha muita substância, na verdade, chamando a atenção mais pela estranheza e a curiosidade despertadas pela postura das pessoas quando elas tiram suas "máscaras".
A partir da sua metade, o roteiro de Keith Bunnin transforma Ig em uma espécie de anti-herói que resolve fazer justiça com as próprias mãos, com direito a sequência de "transformação", punindo aqueles que de certa forma mentiram ao incriminá-lo, porém essa mudança de postura só enfraquece o personagem que perde o seu potencial dramático, além de outros personagens, especialmente o pai de Merrin vivido por David Morse que participa praticamente de duas sequências, uma em que oferece uma atuação forte e intensa, e outra que depõe contra a integridade do seu próprio personagem. Daniel Radcliffe mostra ser um ator bastante esforçado e mesmo diante de tantos altos e baixos, consegue conferir certa sensibilidade e melancolia ao seu personagem. Já Max Minghella e Joe Anderson que interpretam respectivamente o melhor amigo e o irmão de Ig não conseguem manter o mesmo ritmo do companheiro de cena. Juno Temple é uma presença cativante ao longo do filme, reforçando o talento da atriz de interpretar tipos sedutores e exóticos, justificando o apelo principal do drama vivido pelo personagem.
Embora seja um filme problemático, "Amaldiçoado" é um filme que com o que tem em mãos ainda assim tenta explorar o seu potencial dentro do gênero do terror, mesmo diante das limitações impostas pela própria proposta, o que não deixa de ser uma atitude corajosa e mesmo diante de um clímax bastante frágil e irregular que, literalmente, vai do céu ao inferno, há de se reconhecer que o filme não se permitiu certa ousadia. Valendo-se também de uma boa trilha sonora e uma reviravolta dramática envolvendo Merrin, "Amaldiçoado" deixa uma incômoda sensação de ter um bom material em mãos em que o diretor Alejandro Aja tentou explorar o máximo que pode, mas que ainda assim não teve um resultado bom e bizarro o bastante.
"Killer Joe - Matador de Aluguel" é um filme que reúne um time de personagens desprezíveis em uma espécie de versão macabra de "A Grande Família". Chris (Emily Hirsch) é um jovem que está sendo ameaçado por traficantes que lhe cobram uma dívida em dinheiro e decide combinar com seu pai Ansel (Thomas Haden Church), com a conivência da sua madrasta Sharla (Gina Gershon), a morte da própria mãe para que a sua irmã Dottie (Juno Temple) resgate o dinheiro do seguro. Para executar o plano, eles contratam Joe Cooper (Matthew McConaughey), um policial frio, metódico e que também executa serviços de matador de aluguel por conta própria. Porém, ao perceber que não seria remunerado pelo seu trabalho, ele planeja sua vingança.
Neste aqui, o experiente diretor William Friedkin repete a sua parceria com a roteirista Tracy Letts vista anteriormente no ótimo "Possuídos" (também baseado em sua peça teatral) e realiza um filme cru, melancólico, desesperançoso e com toques de humor negro que realçam a falta de escrúpulos de seus personagens. Nesse sentido, o termo "cru" mostra que Friedkin e Letts não fazem concessões, mas reflete a falta de um acabamento maior e/ou melhor já que as transições entre as cenas muitas vezes são abruptas, muitos dos eventos ocorrem fora do campo de ação da narrativa e nem sempre há a preocupação com as consequências dos atos, como a transferência de responsabilidade sobre a dívida de Chris e/ou eventuais álibis que possam incriminá-los.
Sem esconder a sua origem teatral, o filme parece mais interessado em explorar a fragilidade emocional e de caráter dos seus personagens, logo a preocupação é muito maior com o que eles podem fazer com cada um deles. Nesse ponto, Chris é um sujeito azarado que parece afetar todos ao seu redor com a sua falta de coragem e mediocridade e dessa forma a atuação de Emily Hirsch é autêntica. Da mesma forma, Thomas Haden Church interpreta o pai de Chris em uma versão igualmente covarde, ingênuo e desprovido de inteligência. Gina Gershon explora com eficiência a falta de pudores da sua personagem, deixando de lado qualquer tipo de sutileza, o que a deixa ainda mais vulgar. E Juno Temple, que havia feito uma atuação insuportável em "Caminho Sem Volta", tem aqui a possibilidade de interpretar de maneira hipnótica uma figura feminina frágil, porém exótica e instável, funcionando como uma espécie de catalisador de emoções da narrativa quase sempre exibindo uma ingenuidade assustadoramente trágica. Porém, a atuação mais poderosa vem de Matthew McConaughey que interpreta com extrema energia e dedicação um sujeito muito seguro de si, que parece sempre estar um passo a frente dos demais e que não mede esforços para conseguir o que quer. É certamente um trabalho de composição bastante meticuloso e muito bem realizado por McConaughey.
Evoluindo de maneira irregular, alternando entre ritmos, exaltando-se pela sua crueza, mas pecando pela falta de acabamento e explorando mais a interação entre os personagens, "Killer Joe - Matador de Aluguel" alcança em seu terceiro ato o ápice da sua proposta em uma sequência que se passa dentro do trailer de Ansel que pode e merece ser classificada como antológica, pois é angustiante e aterrorizante. Aqui, os personagens expõem o que há de mais autêntico e bizarro em sua natureza, transformando o clímax em um festival esquizofrênico de fraqueza, repulsa e com direito a uma coxa de frango empanado. A frase final é emblemática e o desfecho abrupto é frustrante, mas estranhamente apropriado para esse seleto grupo de personagens que acabamos de conhecer e não sentiremos a menor saudade. Saudades mesmo eu tenho é de Agostinho Carrara, Lineu, Nenê e cia.
"Terapia do Sexo" é um filme que mescla drama e comédia com um resultado bastante exótico e curioso porque os conflitos jamais soam piegas e/ou chorosos assim como o humor não surge de maneira gratuita e/ou apelativa. E ao transitar entre dois gêneros tão distintos, o filme consegue ser digno e honesto em ambos em função da direção sóbria e do roteiro sensível de Stuart Blumberg, além é claro de ter um elenco extremamente carismático e talentoso que sustentam seus personagens com extrema maturidade e elegância, mesmo quando o filme parece ter algum tipo de recaída.
O tema central de "Terapia do Sexo" é o vício de sexo e a narrativa acompanha três homens que vivem e sofrem com essa dependência. Curioso notar que se fosse um filme que tratasse de alcoolismo ou qualquer tipo de droga ilícita, dificilmente teríamos a possibilidade dos assuntos serem abordados com tanta leveza e mesmo assim sem fugir do drama pesado como o visto neste aqui. E como é abordado dentro do próprio filme, aquele que se declara em recuperação desse vício certamente seria muito mais criticado do que qualquer outro tipo de viciado em recuperação, o que não deixa de ser irônico já que a comédia tende a suavizar o estigma, porém em nenhum momento o filme esconde os seus dilemas pesados. E esse equilíbrio é fundamental para o sucesso de "Terapia do Sexo" em sua aposta de lidar com tema.
Um desses três homens é Adam (Mark Rufalo), um homem que se declara sóbrio do seu vício por sexo a 5 anos, mas que desde então não se dispôs a se envolver em nenhum tipo de relacionamento com medo de algum tipo de recaída, porém ao conhecer a sexy Phoebe (Gwyneth Paltrow), ele se dê diante desse dilema. A maneira como a evolução do relacionamento entre Adam e Phoebe é desenvolvido é muito maduro já que coloca dois personagens atraentes, mas que precisam lidar de maneiras diferentes com a relação. Enquanto Phoebe que encarou um câncer de mama, pratica triatlo e se encontra em um momento totalmente à vontade com seu corpo, Adam se permite ser mais reservado, inclusive contendo os avanços da fogosa parceira até como uma forma de auto-defesa. E quando ele revela o seu segredo a ela, as dúvidas e as angústias dos dois são muito bem defendidas e justamente por isso que os anseios precisam ser encarados com extrema sensibilidade. Mark Rufalo realiza um trabalho de extremo bom gosto, conduzindo seu personagem com serenidade e integridade, mas sem deixar de expressar o peso que carrega e que a qualquer momento pode lhe causar problemas. Gwyneth Paltrow também tem uma participação especialmente marcante e atraente, interpretando um mulher de personalidade, segura de si e dona de um senso de humor irresístivel e a sua química em cena ao lado de Rufalo é um dos triunfos do filme. Cabe a ressalva de uma abordagem mais afoita de Phoebe justamente no momento seguinte à revelação de Adam que soa desproporcional ao entendimento do problema revelado, mas que não compromete o arco dramático.
O segundo homem é Mike (Tim Robbins), um homem casado que possui um histórico com o alcoolismo, mas que também encara há muito tempo o seu problema com o vício de sexo que inclusive fez com que a sua esposa (Joely Richardson) adquirisse Meningite C, sendo uma espécie de "padrinho" na recuperação de Adam, mas que mesmo assim não consegue resolver seus problemas com o filho Danny (Patrick Fugit) que por sua vez teve problemas com drogas. Mike é aquele tipo de personagem que se propõe a ajudar as pessoas, mas que tem os seus problemas mal resolvidos e repleto de frases de apoio não consegue manter um bom diálogo com o próprio filho. Tim Robbins tem uma participação bastante carismática, o que é até algo raro em sua carreira, e tem a difícil tarefa de explorar o drama através do silêncio ou da angústia do olhar de seu personagem já que Mike é um homem de poucas palavras ao lidar com seus conflitos familiares e a sua dinâmica ao lado de ótimo Patrick Fugit é muito bem sustentada, garantindo bons confrontos, o que até compensa certas convenções na evolução e na conclusão dos dramas.
Já Neil (John Gad) é um médico obeso que participa do grupo de terapia que tem Adam e Mike como participantes, mas que não é totalmente sincero na forma de lidar com seu problema já que esconde dos companheiros a manutenção de certos comportamentos nocivos e abusivos contra si mesmo e contra as mulheres que fazem parte do seu círculo social. Quando a também viciada Dede (a cantora Pink) entra no grupo, os dois acabam estabelecendo uma inesperada relação de amizade que acaba servindo para que ambos aprendam a lidar com seus próprios demônios. É certamente o núcleo mais cômico e a aproximação entre os dois acaba funcionando muito mais pela carismática interação entre Jonh Gad e Pink já que o roteiro pratica ignora a tensão sexual que poderia haver entre ambos (tensão esta que fica muito bem ilustrada na sequência do primeiro depoimento de Dede diante do grupo, inteiramente masculino) e aqui cabe a ressalva da aposta de usar a dança como uma espécie de terapia para os dois, colocando-os novamente em uma situação-limite em que eles exibem um auto-controle que não condiz com suas atitudes, surgindo de forma automático por imposição do roteiro. Ainda assim, o núcleo não deixa de oferecer elementos que abordam o tema e exploram a fraqueza do ser humano diante do problema que pode ser estimulado seja na rua ou em um metrô, tem a sua relação com a maneira que se deu a criação de Neil em sua infância e compromete sensivelmente a vida social do indivíduo, inclusive prejudicando a sua carreira.
Contando com um terceiro ato que cria tensão em dois dos seus núcleos e estabelece redenção em outro, "Terapia do Sexo" acaba sendo um filme que não promove nenhuma catarse definitiva, mas funciona como uma forma de ilustrar que independente do vício, os seus dependentes, mesmo em recuperação, sempre terão que lidar com estes problemas em uma jornada diária de superação e privação que necessitará de sacrifícios próprios e de todos aqueles que decidirem participar de suas vidas. E, a sua maneira, o filme acaba dando voz aqueles que sofrem desse tipo de problema, sabendo se equilibrar muito bem entre o drama e a comédia.
O talentoso ator argentino Ricardo Darín escolheu homenagear o cinema "noir" em sua estréia na direção com este "O Sinal", ao lado de Martin Hodara, porém a rigidez da estética acaba prejudicando o resultado como um todo já que a evolução da narrativa é burocrática. Corvalán (Darín) é um detetive particular solitário, melancólico, que mora ao lado do seu cão "Lobo", que precisa lidar com seu divórcio recente e divide seu tempo entre as visitas ao seu pai em uma casa de repouso e os trabalhos mal remunerados ao lado do seu parceiro Santana (Diego Peretti), resumindo-se a casos envolvendo maridos traídos. Quando Gloria (Julieta Diaz), uma mulher linda e misteriosa, entra em seu escritório e lhe oferece um trabalho, ele adentra em um submundo de crimes, assassinatos e vingança.
Amparado por um lindo e impecável trabalho de fotografia, "O Sinal" é um clássico exemplar de filme que procura homenagear o estilo e a estética dos filmes "noir", inserindo a sua trama na Argentina do início da década de 50, marcada pelos desdobramentos do governo do general Juan Domingo Perón e da comoção com o estado de saúde de sua esposa Eva Perón. O filme tenta ir além da simples homenagem, oferecendo em algumas ocasiões um certo charme latino, mas a estrutura do filme acaba condicionando a narrativa a meras sequências de investigações a espreita, suspeitas previsíveis e fotografias e jornais que ajudam a ligar as pontas soltas. É como seguir a montagem de um quebra-cabeça com um manual de instruções na tela já que os clichês e os desdobramentos típicos de obras desse gênero já são historicamente conhecidos, inclusive do próprio cinema norte-americano.
Ricardo Darín oferece mais uma atuação segura e autêntica, porém o seu trabalho de direção ao lado de Hodara resume-se a emular o estilo, inclusive na utilização de efeitos de montagem e na transição de cenas, tendo poucas oportunidades para imprimir um lado mais autoral (destaco a sequência que se passa em uma ponte e que inúmeras pessoas fazem vigília por Eva Peron). E aqui cabe a observação de ser difícil a identificação do quanto representa o trabalho de cada um. Embora seja bonita e tenha talento, Julieta Diaz não mostra ser uma atriz tão arrojada e adequada para o que exige a sua personagem lhe faltando um pouco mais de carisma e "sexy appeal". Já Diego Peretti tem uma atuação crescente ao longo do filme e se torna uma figura que explora muito bem o lado amigo e companheiro de Santana, tornando-se uma espécie de anjo da guarda de Corvalán que por sua vez também se preocupa com a vida dele ao sugerir o rompimento da parceria quando vê que o caso investigado está indo por um caminho perigoso.
Contando com um desfecho irônico e cínico ao som de Frank Sinatra, "O Sinal" sobrevive como homenagem, mas empalidece pela falta de personalidade própria, embora tenha algumas poucas boas virtudes, especialmente no seu esmeril técnico. Pode parecer pouco, mas certamente não é quase nada.
O diretor Fabián Bielinsky e o ator Ricardo Darin repetem a parceria vista em "Nove Rainhas", mas sem o mesmo brilho neste filme que de tão cadenciado deixa às claras a sua falta de criatividade em uma narrativa pouco intrigante. Esteban Espinosa (Darin) é um taxidermista que recebe o convite de um amigo para caçar cervos e após um dos seus ataques de epilepsia acaba matando acidentalmente o misterioso dono do chalé. A partir daí, uma série de eventos inserem Esteban em uma trama que envolve dois sujeitos que planejam um assalto ao carro forte responsável por recolher o dinheiro do cassino da região.
Desde já eu já peço desculpas por revelar tão prontamente a trama do filme que apresenta esse cenário ao longo de seus 134 minutos de duração através de um ritmo cadenciado e que até funciona, especialmente no primeiro ato, mas à medida que as pistas são reveladas, muitas delas sem a menor sutileza (vide a sequência que se passa dentro de uma casa de ferramentas), a dinâmica da narrativa depõe contra o próprio filme já que cria um clima que os eventos não sustentam e a série de personagens que gravitam em torno deles são desinteressantes, inclusive a jovem esposa do dono do chalé que se mostra uma figura melancólica e que apresenta sinais de que vive sob ameaça.
A base de sustentação da narrativa reside no personagem e na atuação de Ricardo Darin. Decorrente da sua profissão e/ou do seu problema de saúde, Esteban é um sujeito intuitivo e observador que tem uma forte capacidade de memorização, sejam números ou ambientes, internos ou externos, o que lhe dá uma condição de segurança de lidar com situações inusitadas e que não façam exatamente parte da sua rotina. Por isso, ele procura lidar com tranquilidade, utilizando-se da sua capacidade intelectual para lidar com os criminosos que atravessam o seu caminho com a promessa de cumprir o plano que o falecido executaria. Ricardo Darin realiza um trabalho de atuação sensível e discreto, mas funciona como uma espécie de oásis no meio do deserto já que muitas vezes a sua incrível capacidade de antecipação funciona muito mais pela limitação das figuras com quem precisa lidar do que propriamente pela sua própria inteligência.
Contando com um terceiro ato irregular, "Aura" acaba sendo um filme fraco que tenta manter a pose a qualquer custo, mas que gradativamente vai se mostrando rasteiro, óbvio e previsível, embora a embalagem ainda se mantenha mais sofisticada do que realmente é. Esse cão até tem cara de bravo, mas não morde.
"Elefante Branco" é um drama argentino de cunho político-social que faz jus ao título já que é uma produção que tem como pano de fundo a marginalidade de uma imensa favela construída aos arredores da obra daquele que seria o maior hospital da América Latina. O diretor Pablo Trapero parece interessado em tratar o descaso das autoridades com o povo mais desfavorecido, mas a exploração acaba sendo muito mais pela exposição do "elefante branco" (entenda-se o contexto social) do que propriamente pela complexidade em discutir a sua natureza, como filme-denúncia que pretende ser. Aqui e ali é possível ver um efeito de causa e consequência que transforma a vida daquelas pessoas em uma enorme bola de neve auto-destrutiva (descaso político, ocupação de prédio e/ou terreno abandonado, um atrás do outro, corpos empilhados em cada esquina), mas a sensação é que a maior das intenções é a exploração do caos pelo viés cinematográfico mesmo.
A câmera Trapero acompanha a rotina dos padres e moradores com a mesma energia e intensidade que segue o percurso do corpo de um jovem sendo trazido em um carrinho de mão para ilustrar a fragilidade da vida humana naquelas circunstâncias de vida e, em um irônico e belo plano sequência, até acompanhamos uma invasão policial pela ótica de seus moradores (quantas vezes já não vimos esse mesmo tipo de cena pelo ponto de vista dos policiais, não é mesmo?), mas a conjuntura é apresentada de maneira superficial, especialmente por colocar no centro da narrativa a ação da igreja católica tão burocrática quanto as forças que estão no poder político e que realizam ações que mais se parecem com a de "enxugar gelo", o que no caso, muitas vezes é de enxugar sangue mesmo, afinal não é à toa que muitas vezes a sensação que se tem é de que estamos diante de uma zona de guerra. Da forma como as circunstâncias são exploradas no filme, no entanto, o alcance pelo choque, realçado pelo caloroso trabalho da direção de fotografia que incendeia os planos de tons quentes, acaba sendo limitado.
O roteiro de Trapero escrito ao lado de Santiago Mitre, Alejandro Fadel e Martin Mauregui soa mais contundente na construção dos dramas vividos pelos padres missionários Julian (Ricardo Darin) e Nicolas (Jerémie Renier) que precisam encarar as suas próprias limitações como seres humanos diante de suas conturbadas rotinas diante de um problema muito mais complexo. Julian, por estar muitos anos envolvidos nos problemas da comunidade, se sente na obrigação de zelar pela "harmonia" na favela, mesmo que para isso tenha que aceitar a rivalidade de facções que não aceitam a interferência de terceiros, embora não esconda seu nervosismo e mau humor. Embora sustentado por um clichê dramático, a atuação de Ricardo Darin é eficiente e serena ao encorporar o senso de responsabilidade e grandiosidade de espírito do seu personagem cujo desfecho é pertinente e coerente dentro da proposta. Já Nicolas vive um dilema dentro da sua própria vocação já que recém-chegado à comunidade se vê envolvido emocional e amorosamente com a líder comunitária Luciana (Martina Gusman) e embora Jerémie Renier e a própria Martina ofereçam atuações dignas, a sensação é que o conflito acaba ficando em segundo plano e sendo descartado lá pelo terceiro ato, deixando de lado uma importante oportunidade de explorar a natureza humana, suas convicções, renúncias e escolhas.
Tentando se equilibrar na balança do apelo de seus dramas narrativos e daqueles que aborda como filme-denúncia, "Elefante Branco" acaba tendo um resultado morno por um lado e chocante por outro já que é capaz de criar cenas de forte impacto visual em decorrência do contexto apresentado. É o quadro de um enorme elefante branco que chama muito mais a atenção pela mancha de sangue que deixa pelo caminho.
Roberto Bermudez (Ricardo Darin) é um advogado aposentado que dá aulas de pós-graduação em um curso de especialização para jovens advogados que passa a ficar intrigado quando um homicídio é cometido no estacionamento da universidade e suas suspeitas recaem sobre Gonzalo (Alberto Ammann), um de seus alunos mais aficionados e filho de um velho amigo.
A partir dessa premissa de "Tese Sobre Um Homicídio" existiriam várias formas para se narrar a história, sendo que a opção escolhida pelo roteirista Patricio Vega, baseado no livro de Diego Paszkowski, e pelo diretor Hernán Golfrid é a de deixar evidenciado desde o primeiro momento que não existem mistério algum, ou seja, depois do crime, desde as primeiras trocas de olhares e as primeiras pistas, tudo leva a crer que Gonzalo é realmente o responsável pelo crime e que ele está interessado em realizar uma espécie de jogo de poder com Bermudez para instigar o veterano advogado. A exposição de elementos torna escancarada a suspeita, logo a missão do filme é costurar a narrativa de forma que Bermudez consiga expor Gonzalo, mas já que estamos diante de um "thriller" investigativo é de se esperar que Veha e Golfrid nos tire dessa nossa zona de conforto e quebre nossas expectativas.
Diante dessa escolha, o espectador está ao lado de Bermudez, sendo assim qualquer esforço que ele faça para desvendar o mistério é válida e concordamos com sua linha de raciocínio, logo ao chegar a conclusão que determinado recibo de compra obtido em uma farmácia equivale a soma dos itens ligados diretamente à morte, assentimos que aquele elemento é irrefutável, por mais absurdo que seja. Mas à medida que Bermudez vai montando o quebra-cabeça, inclusive remetendo a eventos do passado e a outros crimes anteriormente praticados pelo próprio Gonzalo, o dilema do filme recai sobre a possibilidade de que o experiente advogado não consiga convencer as autoridades de suas suspeitas, o que estabelece um interessante conflito, afinal as provas não são irrefutáveis, fazendo com que o crime cometido se aproxime de uma perfeição na qual não poderá ser comprovada.
Construindo um personagem inteligente e moralmente equilibrado, Ricardo Darín dá mais um show de atuação com um trabalho eficiente dramaticamente já que Bermudez vai desmoronando emocionalmente à medida que a narrativa avança, sendo sustentado por uma base sólida ao passo que os limites morais do personagem se tornam mais frágeis. Alberto Ammann, uma espécie de versão jovem e argentina de Clive Owen, tem uma atuação afetada e canastrona até construída de maneira proposital, porém o personagem nunca consegue se tornar um adversário à altura de Bermudez assim como Ammann precisa muito mais da credibilidade de Darin para conferir importância ao seu trabalho. Uma presença em cena mais interessante acaba sendo de Calu Rivero, que interpreta a irmã da vítima e que acaba sendo envolvida direta e perigosamente na obsessão de Bermudez em comprovar a culpa de Gonzalo.
"Tese Sobre Um Homicídio" é um filme intrigante, não há como negar, mesmo que ele faça questão de expor todas as cartas sobre a mesa tão cedo, o estilo de direção sofisticado e elegante de Hernán Golfrid mantém o interesse. Logo, consegue ser um filme que sustenta a sua narrativa sobre um bom clima de tensão, apesar de alguns diálogos excessivamente expositivos e de certos recursos didáticos. De qualquer forma, o que mais frusta o resultado do filme como um todo é o fato de só lá pelo terceiro ato oferecer o benefício da dúvida já que o filme não toma partido e parece mais interessado em construir uma espécie de "brincadeira" com o público. E aqui não está em questão o recurso inteligente de não oferecer respostas fáceis ao público, mas sim justamente o de mostrá-las ao longo do filme todo e querer enganar quem assiste justamente na hora da cartada final, como se fosse uma espécie de "pegadinha do Malandro". Ou seja, para um filme que promete uma tese, ficou apenas no quase.
Woody Allen é um diretor historicamente prolixo, curioso e criativo, mas ultimamente vem entregando filmes que apenas vão de regulares para medianos, sem se tornarem especialmente marcantes. "Homem Irracional" pode se enquadrar nesse grupo, porém ainda assim se destaca da maioria pela sua simplicidade e pela sua ousadia. Estes adjetivos antagônicos são pra lá de bem-vindos, pois refletem os extremos com os quais Allen lida ao narrar a chegada do melancólico e depressivo escritor Abe Lucas (Joaquin Phoenix) a uma pequena universidade do interior dos EUA, despertando a atenção de Jill (Emma Stone), uma jovem e otimista aluna que se mostra cada vez mais encantada e excitada com a chegada dele.
A simplicidade da premissa proposta por Woody Allen se observa pelo perfil dos dois personagens centrais. Abe é um daqueles sujeitos desesperançosos que ainda sobrevivem em função do sucesso de uma obra do passado já que não possuem mais um pingo de esperança, energia e capacidade para criar algo novo (qualquer semelhança com o verdadeiro Woody Allen não é mera coincidência). Jill é o seu contraponto já que é uma jovem que admira o trabalho de Abe e vê nesse encontro a possibilidade de servir de inspiração para que ele retome seu caminho de sucesso, inclusive deixando o seu namoro de lado apenas para servir como uma espécie de musa, enquanto troca tratados filosóficos ao lado do seu ídolo. O uso da narração em "off" para os dois personagens é uma muleta narrativa, mas ainda assim serve para que as duas perspectivas sejam costuradas, cada qual com sua motivação, afinal suas ações nem sempre correspondem à voz de suas consciências (sendo assim é impossível que acompanhemos dentro da narrativa ações que não sejam vividas pelos dois ou por pelo menos um dos dois).
O golpe de mestre de Woody Allen acontece quando o diretor e roteirista simplesmente faz com que o centro da narrativa saia da órbita de Abe e Jill para que tomemos conhecimentos do drama vivido por uma mãe que está em vias de perder a guarda dos seus filhos em função da ação tendenciosa de um juiz. Embora não seja uma novidade narrativa, esse evento faz com que a postura de Abe com relação o universo ao seu redor se modifique completamente e, sem revelar grandes detalhes, permite que o próprio ao lado de Jill e até mesmo em sua relação promíscua com a também professora universitária Rita (Parkey Posey) passe a ter motivações e ambições ainda maiores, promovendo discussões sentimentais e filosóficas sobre a ética, a moral, o certo e errado, causas e consequências. Digamos que a trama de "Homem Irracional" trata explicitamente de uma versão simplista e até mesmo didática de "Crime e Castigo", fragmentado basicamente através de suposições, fofocas e considerando especialmente os dilemas enfrentados por Abe e Jill, inclusive nas reviravoltas do terceiro ato.
Contando com uma atuação eficiente de Joaquin Phoenix (que empresta uma composição física desleixada ao seu personagem) e uma participação de Emma Stone em que ela felizmente não compromete o apelo da sua personagem (uma figura de espírito livre, mas que gradativamente trai a sua aparente natureza através de suas atitudes éticas e moderadas), "Homem Irracional" pode até ser um filme insignificante dentro da cinebiografia de Woody Allen, como o próprio parece se auto-analisar de certa forma, mas ainda assim é um filme que, mesmo com a recorrente falta de acabamento, conquista pela simplicidade, pelas suas ambições moderadas e que é capaz de arrancar aquele sorrisinho cínico de canto de boca que faz toda a diferença a favor do filme.
De repente você está assistindo um filme despretensioso e percebe com o tempo que ele vai te conquistando de tal maneira que se torna irresistível, mesmo contando com a sua dose de clichês e tendo Vince Vaughn como ator principal. "De Repente Pai" é um filme que acompanha a rotina de David Wozniak (Vaughn), um homem de meia idade, endividado, que descobre não apenas que sua namorada (Cobie Smulders) está grávida, mas que a doação de espermas que fez durante a adolescência contribuiu com a inseminação de outras 533 vidas. Curioso, ele decide procurar cada um dos seus "filhos" para se transformar em uma espécie de anjo da guarda, mesmo que seja por apenas um dia, porém a sua missão sai do seu controle, quando todos os seus "filhos" resolvem descobrir a sua identidade através de uma ação judicial. A atitude de David é infantil e imatura, logo por mais condenável que seja, é um comportamento que faz jus a sua personalidade. E por mais que seja uma forma de escapismo da sua rotina caótica, acompanhar as pequenas "vitórias" que David alcança ao lado dos seus "filhos" são reconfortantes e que acabam ajudando no seu processo de amadurecimento.
Contando com uma atuação minimamente convincente de Vince Vaughn, o filme ainda conta com uma excelente participação de Chris Pratt que rouba todas as cenas na pele do divertido e melhor amigo de David; a talentosa Cobie Smulders, mesmo com o pouco tempo que tem para explorar seu carisma; e uma intensa e esforçada Britt Robertson na pele de uma das filhas de David. Um dos acertos do roteiro foi não fazer com que o filme se tornasse aborrecido a partir do momento que a trama jurídica acaba tomando conta da narrativa, muito em função de Chris Pratt, mas também pela sensibilidade de mostrar diferentes realidades para cada um dos filhos, nem sempre representações de sucesso, mas também pela maneira aberta com que David se vê obrigado a lidar com um dos filhos que descobre o seu segredo e/ou o seu papel em fingir ser pai de um dos seus filhos, apenas para se aproximar de todos de uma vez só (a sequência que mostra vários de seus filhos em uma edição engraçadinha cumpre sua função).
O maior prejuízo da narrativa acaba sendo a subtrama envolvendo a necessidade de David em encontrar dinheiro para pagar as dívidas contraídas por ele e que vem prejudicando os negócios da sua família e o ritmo da narrativa. Contanto com um desfecho que evita o conflito, mas cria um sentimento de harmonia entre pai e filhos que se encarrega de encerrar o filme com um clima afetuoso, "De Repente Pai" é uma comédia capaz de divertir, encantar e emocionar mesmo que seja apenas mais uma cria oriunda da "torta" e imperfeita genética de David Wozniak.
7.0/10
PS: Confesso que fiquei um pouco desapontado ao perceber que esse filme é um "remake" americano do francês "Meus 533 Filhos" que acabei vendo posteriormente. Este filme é uma cópia exata, praticamente uma versão espelhada do filme francês, com quase nenhuma variação e/ou adaptação, não tem nada de original. O que a versão americana tem de melhor é o elenco, principalmente o personagem central já que o protagonista francês consegue ser menos talentoso e carismático que o Vince Vaughn e olha que para conseguir isso tem que ser um fenômeno. As duas versões, para o bem ou para o mal, são comandadas pelo menos diretor, logo a cópia foi feita pelo próprio criador.
David Wozniak (Patrick Huard) é um homem de meia-idade, endividado e irresponsável que descobre que vai ser pai já que sua namorada está grávida, embora ela não esteja muito interessada que ele assuma a paternidade. Se não bastasse esse descrédito, ele acaba sendo informado que as doações de esperma que fez na adolescência resultaram no nascimento de 533 crianças que agora estão requerendo na justiça o direito de conhecer o pai biológico.
Essa comédia francesa (que rendeu o "remake" americano "De Repente Pai", estrelado por Vince Vaughn) é uma produção aparentemente despretensiosa, mas que resulta em uma experiência de simpático alcance cômico e desperta uma empatia dramática bastante legítima, mesmo fazendo a utilização de diversos clichês e lugares comuns do gênero. Em contrapartida, ao evitar o melodrama piegas, o filme trata de maneira sensata, as implicações e as reviravoltas da trama sem deixar de trair as expectativas do público.
Patrick Huard não é um ator dos mais talentosos e nem um comediante dos mais versáteis, mas o elenco de coadjuvantes, especialmente os jovens atores que interpretam os filhos de seu personagem o tornam uma figura carismática já que são generosos em cena, além do mais a própria postura de David de se colocar como uma espécie de "anjo da guarda" faz com que sua presença se torne simpática.
Apresentado-se como uma comédia leve, "Meus 533 Filhos" realça os laços que aproximam as pessoas que nem sempre são estabelecidos pela genética, mas sim pela capacidade de nos colocarmos no lugar do outro, fazendo com que nos tornemos membros de uma verdadeira família.
Glória Feita de Sangue
4.4 448 Assista AgoraGLÓRIA FEITA DE SANGUE
"Glória Feita de Sangue" é um filme que se passa durante a 1ª Guerra Mundial, mas é uma produção que trata muito sobre valores humanos a partir da trama que coloca o coronel Dax (Kirk Douglas) em conflito com o general Mireau (George Meeker) por ser contrário à ordem dada a uma missão suicida que colocaria em risco a vida dos soldados.
Expondo à hipocrisia dos militares e a estupidez da guerra, o filme se transforma em uma guerra entre a moral e o bom senso de Dax e a covardia e a falta de decência de Mireau que recebe o apoio da corte militar responsável pelo julgamento de 3 soldados escolhidos para serem fuzilados pelo crime de covardia ao não obedecer às ordens dos seus superiores. O elenco é bastante homogêneo, mas o principal destaque fica por conta da atuação forte e carismática de Kirk Douglas que personifica muito bem a integridade e a moral daqueles soldados.
Tecnicamente impecável, especialmente nas sequências de batalha, e muito bem fotografado, inclusive nas cenas que se passam em ambientes fechados, Kubrick realiza um filme direto, conciso e objetivo que expõe de maneira clara e contundente os valores que são defendidos por cada um dos personagens e consequentemente pela sua visão de mundo. Os diálogos expositivos que são tratados ao longo do julgamento são superficiais por se tratar de meras formalidades, afinal trata-se de uma decisão que já está pra lá de tomada, o que torna todo o processo ainda mais falso e frágil, sem um mínimo de preocupação com a vida humana, mesmo que sejam de compatriotas.
O desfecho acaba sendo bastante emocional ao explorar de maneira criativa, em uma sequência aparentemente simples e deslocada, o universo selvagem enfrentado por aqueles homens, capaz de transformá-los em máquinas de guerra, mas sem esconder totalmente o lado humano de cada um deles que realça pelo que realmente vale a pena lutar. "Glória Feita de Sangue" é um filme de guerra repleto de humanidade, tanto na sua melhor como na sua pior representação.
8.0/10
(Des)Encontro Perfeito
3.5 173DESENCONTRO PERFEITO
"Desencontro Perfeito" é uma comédia romântica britânica limitada e bastante irregular que se sustenta basicamente pelo "timming" cômico da dupla Lake Bell e Simon Pegg já que o roteiro de Tess Moris não se mostra criativo o bastante para sustentar a narrativa e o diretor Ben Palmer quase sempre se salva pelo uso de clichês reciclados ou desgastados quase sempre com resultado abaixo da média.
Nancy (Bell) é um jornalista solteirona de 34 anos que parece não ter sorte no amor, muito menos com os encontros arranjados pela sua irmã Elaine (Sharon Horgan) que quase sempre se encerram de maneira deprimente e/ou constrangedora. Em uma casual viagem de trem, ela conhece a jovem Jessica (Ophelia Lovibond), fã de um livro de auto-ajuda de bastante sucesso, que a presenteia com uma edição da obra como uma forma de motivá-la. Quando chegam em seu destino, Nancy acaba sendo confundida no encontro às cegas que Jessica marcou com Jack (Pegg) justamente em função do livro e ela, inocentemente, decide não revelar a sua verdadeira identidade.
O arco dramático da narrativa é extremamente previsível, mas o roteiro de Tess Moris permite que Simon Pegg e, especialmente,Lake Bell explorem ao máximo o sarcasmo e a ironia característicos do humor britânico como uma forma de torná-los igualmente atraentes e excêntricos, logo os diálogos entre a dupla representam o ponto alto do filme. Porém, "Desencontro Perfeito" não vive apenas da interação entre os dois, logo insere os personagens em uma narrativa atrapalhada que coloca Nancy em contato com um obcecado admirador do seu passado (Rory Kinnear, destoado) ao mesmo tempo que Jack esbarra na sua ex-mulher (Olivia Williams, aborrecida). E, nesse ponto, o humor do filme cai vertiginosamente, pois se limita a repetir uma série de situações rasteiras e escatológicas que estão presentes em 10 de cada 10 comédias do cinema besteirol norte-americano sem um pingo de originalidade ou sucesso na sua tentativa de extrair risos.
E se o filme tem problemas de ritmo, especialmente quando a narrativa se concentra nas ações que se passam durante o jantar de 40 anos dos pais de Nancy e que ela irá se atrasar, a dinâmica em cena de Lake Bell, que demonstra ser uma comediante de potencial, e Simon Pegg, que se limita a repetir a sua "persona", se mostra eficiente dentro das próprias limitações impostas pela narrativa que parece saltar da comédia escrachada para o drama sensível de maneira abrupta e imposta, como durante a conversa entre Nancy e Jack dentro de um banheiro. E se o filme é incapaz de criar um conflito dramático que legitime um ponto de virada no final do segundo ato, o clímax tenta se estabelecer como algo grandioso e dinâmico de maneira pouco natural.
Simpático e inofensivo, "Desencontro Perfeito" acaba sendo o resultado da mistura irregular entre o ácido humor britânico e a comédia besteirol norte-americana, sendo uma vítima da falta de sintonia entre os estilos, o que felizmente não acontece com Lake Bell e Simon Pegg que se esforçam para garantir o mínimo de risos e dignidade aos seus personagens. Eles merecem melhor sorte no próximo encontro. Se houver.
5.5/10
O Enigma de Outro Mundo
4.0 983 Assista AgoraO ENIGMA DE OUTRO MUNDO
Com roteiro de Bill Lancaster, baseado no livro de John Campbell Jr., e dirigido por John Carpenter, "O Enigma de Outro Mundo" é um ótimo filme que sabe mesclar gêneros como suspense, terror e ficção científica em uma narrativa que contém senso de urgência e boas doses de tensão, amplificados pela eficiente trilha sonora composta por Enio Morricone.
Um time de pesquisadores na Antártida descobre uma entidade alienígena que estava enterrada há milhares de anos e que dizimou uma equipe norueguesa não muito longe da estação polar americana. Cientes do perigo, eles descobrem que essas criaturas que vieram de outro planeta tem a capacidade de imitar a forma humana, provocando uma onda de caos e desconfiança entre os pesquisadores.
A partir do seu roteiro enxuto e objetivo, o filme não demora muito tempo para estabelecer a premissa e os principais conceitos que nortearão a narrativa ainda mais que os personagens se revelam muito práticos, especialmente o piloto de helicóptero MacReady (Kurt Russell), o que permite um desenvolvimento dinâmico aos eventos. Já John Carpenter consegue construir a onda de terror através da expectativa e do clima claustrofóbico que se cria diante da possibilidade de que qualquer um dos membros da equipe pode ser uma ameaça e essa tensão é muito bem ilustrada seja com movimentos lentos de câmera ou a utilização de closes para captar mais de perto a expressão dos atores. A trilha sonora de Enio Morricone explora esse universo através de composições que se utilizam de acordes graves, o que colaboradora ainda mais para o senso de urgência proposto.
O trabalho de John Carpenter também pode ser visto pelo bom uso de efeitos especiais e práticos ao estabelecer a arquitetura das criaturas e o processo de transformação enfrentado por alguns personagens, o que deixa as sequências ainda mais assustadoras, sem apelar para o apelo gráfico vazio e/ou o susto fácil. E o design das criaturas acaba sendo favorecido pela possibilidade de se mostrar como uma variação animalesca de um cachorro ou de ser humano, por exemplo, mas também assumindo contornos bizarros de outros animais, como o de uma aranha.
Contando com um clímax eficiente, apesar da desnecessária presença de um determinado "veículo", "O Enigma do Outro Mundo" é um filme perigoso já que se arrisca a realizar uma mistura de gêneros que não é garantia de sucesso, mas John Carpenter faz um filme que consegue extrair o melhor de cada estilo, tornando-a uma produção única e de personalidade própria.
9.0/10
ARQ
3.1 218ARQ
O mais curioso em "ARQ" é que mesmo com a clara sensação de dèja vu, afinal filmes cuja narrativa se concentram na repetição temporal não são uma novidade, sendo "No Limite do Amanhã" com Tom Cruise um dos mais recentes, mas ainda assim é uma produção que consegue se mostrar envolvente, criativa, com personalidade própria e uma boa dose de tensão. Escrito e dirigido pelo estreante Tony Elliott, a trama que se passa em um futuro distópico e não muito distante se concentra nas ações de Renton (Robbie Amell) e Hannah (Rachael Taylor) em escapar de um grupo de revolucionários que pretende roubar os últimos recursos que lhes mantém vivos e que envolve uma poderosa e cobiçada máquina que cria energia ilimitada denominada ARQ.
Essa trama básica, na verdade, esconde uma série de interesses que só são desvendados à medida que a narrativa se repete e as próprias motivações de cada um dos personagens é distorcida e/ou reinventada, como costuma acontecer nesse tipo de filme, porém é interessante perceber como Elliott não está apenas preocupado em executar essa repetição pelo mero artifício técnico até porque a narrativa se passa quase que exclusivamente em ambientes fechados nos cômodos de uma espécie de esconderijo. A repetição da narrativa não oferece apenas novas alternativas para a trama como os diálogos em cada um dos núcleos de ação oferecem cada vez mais pistas e subsídios para que o espectador monte na sua cabeça o contexto do universo em que aqueles personagens estão inseridos e que fazem justiça e com mérito a boa parte das melhores e principais produções de ficção científica de maneira inteligente e econômica, sem soar como exposição gratuita.
Tenso e dinãmico, "ARQ" não está isento de "furos", afinal existe uma imposição que determina a consciência da repetição para um ou mais personagens de maneira conveniente apenas para que o próprio propósito da narrativa, digamos assim, seja reciclado. Da mesma forma, certos personagens que inicialmente se mostram complexos e/ou ambíguos tendem com a repetição e com a revelação das suas reais intenções tornarem-se mais unidimensionais nas repetições seguintes, o que não chega a comprometer o filme de maneira absoluta. E ainda assim é essa "flexibilidade" que permite que o terceiro ato se torne mais imprevisível ou menos previsível, dependendo do ponto de vista, já que assistimos a algo já fora tentado, mas de uma forma diferente e mais contundente. Igual, mas diferente, certo?
E se existe diversão nesse tipo de proposta é justamente o fato de Elliott "brincar" com as expectativas, enganando o espectador, mas de maneira criativa e não desonesta. Tecnicamente eficiente, especialmente pelo design de som, a produção faz jus aquela máxima de que "menos é mais" já que utiliza a limitação de recursos como uma aliada e mesmo quando sugere algo mais grandioso, rapidamente retoma seu curso natural. Contando com um desfecho satisfatório e coerente, "ARQ" se revela uma produção competente por acreditar na sua proposta, explorando possibilidades, dissecando alternativas e depositando uma fé incondicional no seu próprio poder de reinvenção.
8.0/10
Histórias de Amor
3.5 354 Assista AgoraHISTÓRIAS DE AMOR
Jesse Fisher (Josh Radnor) tem 35 anos, acaba de enfrentar um traumático término de namoro e está sem grandes expectativas com relação ao futuro. Quando seu professor preferido (Richard Jenkins) lhe convida para participar de uma jantar para celebrar sua aposentadoria, Jesse retorna à faculdade e acaba redescobrindo o frescor, as emoções e as motivações de juventude à medida que desenvolve uma relação cada vez mais íntima, filosófica, intelectual e recíproca com a estudante Elizabeth (Elizabeth Olsen).
Escrito, dirigido e protagonizado pelo carismático Josh Radnor, "Histórias de Amor" é acima de tudo um filme intimista e nostálgico sobre a transição entre a juventude e a vida adulta, a excitação e a interação que o conhecimento e o senso crítico desperta na adolescência e a quebra de expectativa com uma vida pós-faculdade repleta de racionalidades e responsabilidades. O filme de certa forma explora esse distanciamento entre a doce expectativa e a dura realidade e de certa forma a relação entre Jesse e Elizabeth se desenvolve a partir das observações, da identificação e da interação entre eles através da música (ela grava um CD com composições de música clássica) e da literatura (eles passam a se corresponder através de cartas).
Como dois amantes que vivem em algum lugar do passado, eles se descobrem apaixonados e aqui o roteiro até de maneira didática (o que chega a ser irritante em alguns momentos, como quando ele faz contas para refletir sobre a diferença de idade entre ambos) estabelece um outro conflito entre expectativa e realidade já que por mais excitante que seja a troca de experiência entre ambos, assumir essa responsabilidade é uma situação completamente diferente. Josh Radnor e Elizabeth Olsen estão ótimos e possuem uma química em cena cativante até mesmo quando seus personagens duelam sobre quem quer ter razão. Nesse ponto, a diferença de personalidades entre Jesse e Elizabeth são bem exploradas já que ela se mostra determinada e madura enquanto ele se comporta de maneira mais instável e insegura, mas que mais cedo ou mais tarde precisam agir de acordo com as suas respectivas idades, seja por causa de uma crítica com relação ao valor literário da saga "Crepúsculo", uma discussão sensível e madura sobre a perda da virgindade ou até mesmo durante uma calorosa e irônica transa casual com uma antiga professora (Alisson Janney) .
A narrativa gira em torno de temas que são enfrentados em diferentes fases da vida, cada um com seu nível de importância relativa, sem a preocupação do certo ou errado, apenas realçando a natureza de ser uma questão de perspectiva e experiência. O arco dramático enfrentado pelo professor recém-aposentado diante da sua nova realidade e a interação de Jesse com um aluno introspectivo e recluso (que se assemelha muito com o seu passado) de certa forma também tratam sobre essa relação entre a ruptura provocada pelos diferentes pontos de virada da narrativa de nossas vidas e a maneira como lidamos com eles, mesmo que apenas moderadamente. No entanto, a participação de Zac Efron como uma visão de Jesse, uma espécie de representação do seu espírito jovem acaba sendo a mais desconectada dentro do contexto, não servindo nem mesmo como alívio cômico.
Contando com um desfecho satisfatório para todos os núcleos apresentados, "História de Amor" consegue ser reflexivo e inspirador sem ser superficial, mesmo não sendo particularmente complexo ou profundo, o que não deixa de funcionar como uma perfeita e irônica analogia ao temas abordados dentro do filme. E entre teoria, prática e a diferença entre ser sábio ou sabichão, viver continua sendo a melhor experiência, independente dos anos de vida que você já viveu até aqui.
7.5/10
Há Tanto Tempo Que Te Amo
4.0 290HÁ TANTO TEMPO QUE TE AMO
"Há Tanto Tempo Que Te Amo" é um drama lindo, sensível e sufocante que acompanha a readaptação de Juliette (Kristin Scott Thomas) ao convívio familiar ao lado da irmã Léa (Elsa Zylberstein) depois de 15 anos de afastamento. O diretor e roteirista Philippe Claudel realiza um filme muito sóbrio e emocional ao desvendar gradativamente os mistérios acerca do passado de Juliette e após a sua exposição, explorar o reflexo que esse trauma provoca nela, nas pessoas ao seu redor e garantindo no processo uma reviravolta dramática intensa e contundente.
O trabalho de composição de Kristin Scott Thomas é formidável, explorando a frieza e o distanciamento emocional da personagem com uma rigidez e uma limitação de expressões que a tornam uma figura profundamente triste, melancólica e amargurada. Quando revela-se pela primeira vez o motivo que provocou o isolamento de Juliette,a reação natural é de repulsa e a aceitação daquele julgamento tão cruel por parte dela é igualmente duro e comovente, como se ela mesmo não se perdoasse pelo que fez. Elsa Zylberstein também realiza um bonito trabalho já que a sua personagem precisa lidar com um dilema que lhe foi negado ao longo de sua vida toda, distante da irmã e ela traduz as frustrações contidas e as pequenas alegrias de Léa com elegância e simplicidade.
Gradativamente, o filme vai encenando uma espécie de redenção para a trajetória de Juliette com uma oportunidade de emprego, encontros amorosos e o crescimento de uma relação carinhosa e fraterna com Léa, algo que nunca tiveram no passado, mas especialmente com suas duas adoráveis e encantadoras sobrinhas que lhe dão a oportunidade de relaxar e se tornar uma figura menos rígida e mais amorosa. Esse processo de aceitação poderia recair em sequências comuns, repletas de clichês, mas Philippe Claudel conduz a narrativa com extrema serenidade, sem optar por soluções fáceis ou convencionais. Não há espaços para pieguices nos conflitos dramáticos propostos pela narrativa, o que torna o filme um drama maduro na forma de lidar com a complexidade da sua carga dramática.
Apresentando-se como um drama sensível, delicado e tocante, "Há Tanto Tempo Que Te Amo" é uma história de amor e um filme que transborda humanidade em sua mais alta e íntima complexidade que desafia a nos colocar diante de nossos próprios medos e das nossas próprias angústias e refletir sobre a nossa capacidade de se sacrificar através do amor, mesmo quando esse sentimento vem acompanhado de tanta dor.
9.0/10
Little Birds
3.1 86LITTLE BIRDS
"Little Birds" é um drama que se concentra na relação de amizade entre Lily (Juno Temple) e Alison (Kay Panabaker). Enquanto a primeira está entediada na pequena Salton Sea e não quer ter uma vida igual a da mãe (Leslie Mann), que teve que cuidar dela sozinha após o suicídio do seu pai, ou da tia (Kate Bosworth), responsável pelos cuidados do marido deficiente, a segunda parece mais conformada com seu estilo de vida simples e pacato. Quando elas conhecem três garotos que moram em Los Angeles, Lily resolve ir ao encontro deles e Alison acompanha a amiga e ambas terão que que enfrentar os dilemas de uma nova realidade repleta de irresponsabilidades.
O diretor e roteirista Elgin James realiza a sua maneira um filme sobre a transição entre a adolescência e a vida adulta, mas é uma produção sem grandes ambições ou eventos narrativos, concentrando-se quase que exclusivamente na dinâmica entre as personalidades tão distintas entre as duas amigas. Enquanto Lily é a mais inquieta diante da sua rotina em sua cidade natal e parece encarar todas as novidades com deslumbramento, Alison lida com mais mais naturalidade com as opções que lhe apresentam em Salton Sea e se mostra confusa e insegura diante da situações enfrentadas em Los Angeles. É o retrato distinto de duas garotas igualmente imaturas, mas que lidam de maneiras diferentes com isso.
Diante de um filme cuja narrativa se apresenta tão limitada, a maior virtude de "Little Birds" reside na atuação sensível e delicada de Kay Panabaker e na composição ousada, energética e sem pudores de Juno Temple. Embora frágeis em termos narrativos já que o roteiro parece mais interessado em explorar situações que transbordem imaturidade e inconsequência, tratam-se de duas personagens defendidas por duas jovens atrizes que demonstram bastante potencial. As participações de Leslie Mann e Kate Bosworth acabam sendo descartáveis e que cumprem uma função narrativa frágil já que o contexto familiar das duas garotas é explorado superficialmente.
Contando com um clímax forte e intenso que certamente marca emocionalmente a vida das duas amigas e a própria relação entre ambas, "Little Birds" acaba sendo um filme de mensagem sobre cicatrizes e segundas chances com direito a trilha sonora melancólica e chorosa, porém a mensagem final não evita a exposição da fragilidade da narrativa do próprio filme.
5.0/10
Palavrões
3.2 88PALAVRÕES
"Palavrões" marca a estréia do ator Jason Bateman na direção de um filme e trata-se de uma comédia independente de humor negro cuja embalagem é exótica e excêntrica, mas que na sua sua essência dialoga com temas sensíveis e bastante convencionais. Guy Trilby (Bateman) é um homem de 40 anos que participa de concursos de soletração através de uma brecha do regulamento que não estipula limite de idade, mas grau de instrução. Como ele não tem a oitava série completa, a sua participação se torna legítima, embora gere constrangimentos já que ele se mostra incrivelmente capaz de superar seus adversários, inclusive na televisionada competição nacional. O roteiro de Andrew Dodge precisa superar esses detalhes burocráticos para se assumir muito mais como um estudo de personagem do que uma comédia de situações.
O que torna "Palavrões" uma comédia atraente e atípica é a personalidade de Guy Trilby, um sujeito de caráter repulsivo, promíscuo, desbocado, chantagista, manipulador e que não tem o menor pudor em constranger crianças competidoras ou magoar pessoas apenas para alcançar seu objetivo, o que movimenta boa parte do segundo ato. Mesmo sendo competente no que faz já que é detentor de uma memória privilegiada, Trilby tem uma postura politicamente incorreta, o que faz com que ele colecione iinimigos até mesmo da jornalista Jenny Widgeon (Kathryn Hahn), interessada em ajudá-lo e narrar a história da sua vida, e do pequeno Chaitanya Chopra (Rohan Chandz), um competidor solitário que tenta se tornar seu amigo já que tem um relacionamento pouco afetivo com o pai.
E se a figura de Guy Trilby é detestável, mas ainda assim cômica, é porque o talento de Jason Bateman salta os olhos já que ele permanece com uma composição física fria e introspectiva que torna seu personagem um sujeito muito mais digno de pena do que de asco por piores que sejam as palavras usadas e suas atitudes. Nesse ponto, a sua redenção até seria uma forma de perdoá-lo, algo que Jenny também parece acreditar, mesmo que ele faça questão de manter o maior distanciamento emocional possível das pessoas. E pelo fato de Kathryn Hahn e Rohan Chandz serem duas figuras carismáticas dentro do filme e por seus personagens acreditarem tanto na humanidade que Guy faz tanta questão de esconder é que o apelo do filme se mantém aceitável, mesmo considerando que isso só acontece porque o personagem central baixa a sua guarda para aceitar a aproximação deles, o que é conveniente para a sua interação.
Abordando temas como abandono e solidão de diferentes naturezas, "Palavrões" acaba se mostrando um filme sobre os valores das relações que dão sentido a nossa vida, cujo clímax é previsível e premeditado antes mesmo de acontecer, o que se mostra frustrante em termos narrativos, mas que ainda assim consegue deixar o seu recado através do clichê mais antigo da história do cinema: o final feliz.
6.5/10
As Delícias da Tarde
2.9 116AS DELÍCIAS DA TARDE
"As Delícias da Tarde" é um filme que parte de uma premissa excitante em termos narrativos para se tornar um exemplar moralista do que se deve fazer para salvar um casamento. Rachel (Kathryn Hahn) é uma entediada esposa, mãe e dona de casa que vive um casamento em crise com Jeff (Josh Radnor) que em uma tentativa de apimentar a relação acaba conhecendo McKenna (Juno Temple), uma stripper que também se considera uma profissional do sexo, e a traz pra dentro de casa como uma forma de escapar da sua vida careta e comum.
A premissa proposta pelo roteiro da diretora Jill Soloway sugere certa ousadia e o primeiro ato é encenado com bastante competência, mostrando que a atitude de Rachel mais se parece com um gesto de desespero, como uma última solução para salvar seu casamento assim como ela estabelece uma relação quase que maternal com a jovem stripper que por sua vez demonstra pena e piedade de Rachel. É claro que existe uma certa tensão sexual entre as duas, porém muito mais pela postura de McKenna de se colocar como uma espécie de professora para que Rachel possa se tornar mais criativa com o marido. Nesse ponto, as atuações de Kathryn Hahn e Juno Temple são muito eficientes já que se apresentam como duas figuras femininas antagônicas, mas que de certa forma compartilham as mesmas angústias, embora lidem de maneiras diferentes com elas. A figura frágil, falha e humana de Rachel é muito bem representada por Kathryn Hahn e no caso de Juno Temple o seu hipnotismo é natural, afinal a diretora Jill Soloway faz questão de apresentar McKenna como uma garota atraente e que merece ser salva.
A partir do momento que Rachel "participa" de um dos programas de McKenna por vontade própria, o filme entra em uma espécie de catarse coletiva já que a relação entre as duas fica estremecida e as duas personagens parecem mudar o comportamento que tinham até então. E isso enfraquece o trabalho das duas atrizes, especialmente de Hahn já que a personagem de Temple acaba se transformando na vilã da história. E a falta de capacidade do roteiro em desenvolver esse conflito e/ou essa mudança de postura da narrativa se resume às sequências que mostram Rachel e suas amigas separadamente de Jeff e seus amigos em uma noite de bebedeira em que o roteiro joga para o alto qualquer sutileza, escancarando muito dos elementos que estavam subentendidos no decorrer da narrativa, especialmente traumas do passado e a infelicidade com a rotina, contando com reviravoltas (entenda-se briga de casal) e culminando em um desfecho feliz e moralista ("Desculpe por jogar uma bomba em nossa vida feliz.", what???), mesmo com uma cena final, digamos assim, orgástica e nem tão típica assim para os filmes do gênero.
Contando com uma participação morna e burocrática do carismático Josh Radnor, "As Delícias da Tarde" (título broxante em português) é uma comédia de situações que tenta fugir dos clichês e do convencionalismo, mas que não vai muito além do que a premissa sugere já que falta ousadia ao lidar com os próprios temas que o filme resolveu trazer para reflexão. E, ironicamente, como se mostra nas seções de terapia de Rachel, em uma divertida participação de Jane Lynch, acabamos não nos interessando muito no que ela tem pra nos dizer já que estamos preocupados demais com nossos próprios problemas, afinal a confusão emocional de Rachel acaba sendo a confusão do próprio filme na tentativa frustrada de desenvolvê-la.
5.5/10
Cavaleiro de Copas
3.2 412 Assista AgoraCAVALEIRO DE COPAS
O cinema do diretor norte-americano Terence Malick é contemplativo, reflexivo, filosófico, sensitivo, intuitivo, logo seus filmes funcionam muitas vezes como verdadeiros tratados filosóficos sobre a humanidade e os elementos que regem nossas vidas ou o mundo ao nosso redor. Goste dele ou não, Malick se especializou em adotar um estilo próprio de narrar histórias simples pela força e inquietação das imagens, da exploração de sons e ruídos e da admiração e das sensações que esse conjunto é capaz de despertar. A sua presunção intelectual é igualmente admirável e detestável e não é à toa que as suas obras são capazes de despertar sentimentos tão antagônicos.
Com uma narração em "off" poética e exaustiva, "Cavaleiro de Copas" é uma espécie de Arquivo Confidencial fantástico e surrealista do melancólico roteirista Rick (Cristian Bale) que está em uma espécie de crise criativa e/ou existencial, cansado da sua vida vazia e do universo fútil em que está inserido, repleto de festas banais e sem sentido. Portanto, ao longo da narrativa, ele revisita as suas principais relações, como a que tem com o pai (Brian Dennehy) e seu irmão (Wes Bentley), ressentidos pelo suicídio de um irmão mais novo, ou o relacionamento distante que tem com sua mãe (Teresa Palmer), assim como o que envolve sua ex-esposa (Cate Blanchett), uma médica que não conseguiu curar as suas angústias e que de certa forma provocaram o divórcio, embora ainda o ame, e até mesmo a casualidade dos seus relacionamentos com jovens e distintas modelos (Imogen Poots e Freida Pinto) ou até mesmo uma garçonete qualquer que trabalha como stripper à noite, mas que são igualmente incapazes de lidar com suas próprias inseguranças. Até alcançar a figura da sua última esposa Elisabeth (Natalie Portman), uma mulher perdida e confusa emocionalmente assim como o próprio Rick.
Na mente confusa e fragmentada de Rick (e consequentemente na visão de Malick) essa experiência se transforma em uma seleção prosaica e irregular de planos e imagens que se tornam uma viagem insólita e pretensiosa a sua consciência e ao que verdadeiramente lhe serve de motivação e inspiração. Ou não. Se em "Além da Linha Vermelha", Malick reflete sobre a natureza humana e da própria guerra, em "Um Novo Mundo" e "A Árvore da Vida" é a relação do homem com a natureza e o seu papel no universo que prevalecem, sendo "Amor Pleno" uma imersão às raízes dos sentimentos que nos movem, logo "Cavaleiro de Copas" está mais ligado a proposta desse último, embora os filmes de Malick estejam conectados não somente pela estética, mas pela proposta de explorar certas inquietações com traços claramente intimistas, reflexivos e filosóficos, onde se busca poesia, encantamento, fascínio e admiração assim como tristeza, melancolia, dor e amargura. Belissimamente fotografado, as imagens são capazes de explorar a beleza da claridade do sol assim como muitas vezes oferece um contorno mais opressivo quando vemos Rick em meio a um deserto, o que não deixa de ser ironicamente dúbio e belo.
Dividido por episódios que representam cartas do tarô, "Cavaleiro de Copas" tem todos os elementos que fazem parte do cinema de Terence Malick, inclusive alguns que ressaltam uma certa inclinação à religiosidade e/ou divindade, como ele já fizera em outros filmes e até com mais sucesso, porém o mais curioso é notar que o filme possui ingredientes que facilmente seriam utilizados em dramas convencionais, com começo, meio e fim e que serviriam para a construção de um arco dramático perfeitamente compreensível e com um alcance dramático virtuoso. Mas Malick não está interessado no caminho fácil e ele explora o potencial da sua premissa através de um outro conjunto de idéias que pretendem provocar um outro tipo de experiência, nem melhor ou pior. A questão é que ao longo desse processo, ele está disposto a pagar o preço das suas escolhas, custe o que custar, independente do resultado final, seja ele bom ou não. E é isso o que acontece.
6.5/10
TOP MALICK
ALÉM DA LINHA VERMELHA - 8.5/10
ÁRVORE DA VIDA - 7.5/10
O NOVO MUNDO - 7.0/10
CAVALEIRO DE COPAS - 6.5/10
AMOR PLENO - 6.5/10
O Amante da Rainha
4.0 365 Assista AgoraO AMANTE DA RAINHA
"O Amante da Rainha" é um ótimo filme dinamarquês que não deve em nada a nenhum drama de época já que se revela uma produção requintada e de qualidade técnica irrepreensível, além de trazer uma envolvente história de amor tendo como pano de fundo o contexto histórico da Dinamarca do século XVIII. Dirigido e co-roteirizado por Nikolaj Arcel, o filme estabelece uma relação entre a ascensão das idéias iluministas na sociedade dinamarquesa e que já imperavam em boa parte da Europa com a descoberta do amor pela jovem britânica Caroline Mathilde (Alicia Vikander), que fora prometida ao rei dinamarquês Christian VII (Mikkel Boe Følsgaard), um monarca grosseiro, manipulável e desequilibrado mentalmente, e que se sentia infeliz e miserável até a chegada de Johann Struensee (Mads Mikkelsen), o novo médico particular do rei.
Como roteirista, Nikolaj Arcel é muito feliz na apresentação da dinâmica do poder da corte dinamarquesa, mostrando que o rei era quase uma figura decorativa já que os conselheiros é que tomavam as decisões relevantes e desencorajam qualquer tentativa de Christian de ser influente, o que não era uma tarefa das mais difíceis já que ele era um sujeito de idéias patéticas. A aproximação intelectual e emocional que se mostra discreta e envolvente entre Struensee e Caroline faz com que ele também ganhe gradativamente a confiança do rei e quando eles se entregam ao sentimento que sentem um pelo outro, o médico se torna um conselheiro informal do rei permitindo inclusive que boa parte das idéias empregadas pelo Iluminismo sejam empregadas na Dinamarca. O terceiro ato acaba sendo prejudicado pelo artificialismo de novela mexicana (vide cena entre mãe e filho) e a teatralidade de algumas reviravoltas, porém naquela altura a legitimidade da trama já estava pra lá de consolidada, logo o alcance e o apelo dos conflitos permancem contundentes mesmo diante desses contratempos.
Os aspectos técnicos do filme são de ótima qualidade, especialmente os figurinos de época, sendo que no que se refere à direção de arte, se por um lado as sequências em ambientes internos valorizam os salões e os ambientes elegantes da realeza (que se justificam se levarmos em conta que se trata essencialmente de uma trama de um romance secreto e bastidores políticos), Arcel é eficiente e criativo ao mostrar o lado pobre da Dinamarca apenas pequenos lampejos da capital através dos vidros das carruagens, como uma forma de mostrar o distanciamento entre o poder e o povo, sem ser negligente e sem ter a necessidade de apelar para uma cidade cinematográfica e/ou excessivos efeitos visuais.
Ainda assim, por mais eficiente que seja a parte técnica, "O Amante da Rainha" só alcança o seu expressivo resultado em função do talentoso elenco, liderado por uma maravilhosa Alicia Vikander que realiza um trabalho forte e sensível, explorando a personalidade arrojada da sua personagem com uma atuação dramática, segura e intensa, sem dar nenhum sinal de imaturidade ou insegurança, muito pelo contrário. A frieza e a sutilidade de Mads Mikkelsen fazem com que seu personagem não se resuma a um mero herói romântico e ingênuo, logo a sua condução serena e discreta valoriza muito a postura ideológica de Struensee sem deixar que o seu viés romântico seja bem sustentado também, nunca soando como um interesseiro ou um aproveitador, mesmo quando ele de certa forma também se aproveita da condição intelectual do rei a favor das suas idéias. A química entre Vikander e Mikkelsen funciona já que os pequenos momentos de prazer e felicidade do casal são compartilhados com sensibilidade e intensidade. E não apenas o casal de protagonistas, mas Mikkel Boe Følsgaard também realiza um trabalho formidável na pele de um rei doente, perturbado, porém imaturo emocionalmente que não demonstra a menor condição de comandar uma nação em uma mescla de estupidez e insanidade que consegue irritar e em alguns momentos até mesmo soar de maneira cômica. A cena que reúne os três de mãos dadas enquanto estão sentados em uma cadeira diante de uma situação dramática resume perfeitamente a graça e o embaraço da relação entre eles.
O clichê praticamente pede para que seja mencionado ainda nesse comentário o velho bordão de que existe algo podre no reino da Dinamarca, uma piada que o próprio roteiro resolve utilizar de maneira irônica dentro do filme, mas o arco dramático legitima episódios politicamente fétidos que certamente envergonhariam qualquer país, inclusive esse de origem nórdica que possui uma História que acaba não sendo de conhecimento geral, como acontece com os EUA ou a Inglaterra, por exemplo. Deixando qualquer estereótipo de lado, "O Amante da Rainha" funciona como drama romântico de época, mas não deixa também de ter seu valor como registro histórico.
8.0/10
A Outra
3.8 981 Assista AgoraA OUTRA
O arco dramático da narrativa de "A Outra" é tão poderoso que fica difícil distinguir se seu impacto e seu apelo são alcançados pelos próprios e naturais méritos da história, repleto de intrigas e reviravoltas, ou pelas virtudes do roteiro de Peter Morgan e também do diretor Justin Chadwick em adaptar essa história para o cinema a partir da obra de Philippa Gregory. Seja como for, "A Outra" é um filme dramático e excitante na (des)construção da relação do rei britânico Henrique VII (Eric Bana) com as irmãs Ana (Natalie Portman) e Maria Bolena (Scarlett Johansson).
Embora tecnicamente impecável seja no trabalho de direção de arte de Matthew Gray ou nos belíssimos figurinos da experiente Sandy Powell, o objetivo do filme não é funcionar como um registro histórico catedrático e convencional, mas abordá-lo sob a perspectiva das duas irmãs e suas relações com o rei, logo os sentimentos despertados entre e pelo trio funcionam como o verdadeiro fio condutor da narrativa. É uma visão romanceada de fatos históricos, o que não deixa de ser uma visão parcial e relativa, mas ainda assim é uma visão válida já que é perfeitamente compreensível que os elementos abordados em "A Outra" tenham contribuído profundamente para a evolução dos eventos. Dito isto é necessário reconhecer que no processo de adaptação há uma certa velocidade na apresentação de algumas reviravoltas, nas idas e vindas de determinados personagens como uma forma de conferir mais dinâmica, o que funciona melhor em alguns momentos do que em outros.
Inicialmente, por exemplo, a sofisticada e ambiciosa Ana é a garota prometida para "entreter" o rei na sua obsessão de gerar um filho homem, algo que a rainha Catarina (Ana Torrent) tinha falhado, porém quando ele demonstra mais encantamento por Maria até mesmo em função da petulância de Ana, a condução do seu envolvimento com um jovem duque galanteador parece tão acelerado quanto impulsivo. E quando Ana retorna do seu exílio na França, ela retorna tão ou mais teimosa do que ela já era, o que desperta um interesse romântico do rei com sinais evidente de obsessão, demonstrando uma mudança de seu comportamento incoerente com a sua postura anterior. De qualquer forma, essa "pressa" em registrar certas transições ocorrem muito mais a favor da dinâmica da narrativa, como ao registrar o "sumiço" de alguns personagens ou a mudança e o casamento de outros, especialmente no terceiro ato quando tudo se torna mais crítico e urgente. Vale registrar que a própria Reforma Protestante, por exemplo, é praticamente uma nota de rodapé dentro do contexto histórico apresentado no filme e nem por isso a história perde o seu apelo muito em função também da legitimidade autêntica do elenco.
Natalie Portman incorpora uma Ana Bolena com muita habilidade, versatilidade, segurança, maturidade e competência, colocando-a como uma mulher ambiciosa e audaciosa que não tem escrúpulos para conseguir o que quer e não hesita nem mesmo em usar do apelo emocional e familiar. Já Scarlett Johanson tem a possibilidade interpretar uma Maria Bolena mais sensível, romântica, um contraponto à personalidade da irmã e que demonstra uma grandeza de caráter, levada as devidas proporções da época, que a torna uma figura feminina admirável muito bem defendida pela atriz com integridade, sensibilidade e autenticidade. Eric Bana traz peso e força a um personagem apresentado como poderoso, vingativo, porém manipulável, porém a sua presença é marcante e cumpre o seu papel. Em um elenco competente que conta com boas participações de Kristin Scott Thomas, Mark Rylance, Jim Sturgess, Eddie Redmayne e Benedict Cumberbatch, a presença de David Morrissey é uma espécie de mau necessário já que a sua atuação canastrona acaba servindo para o seu personagem Thomas Howard, tio de Ana e Maria, caricato, desprovido de qualquer sutileza, especialmente para atender as necessidade do roteiro, tornando-se o mais próximo de um vilão unidimensional.
Contando com um clímax avassalador e de tirar o fôlego, "A Outra" cumpre com competência boa parte das suas ambições narrativas, deixando uma impressão marcante, mesmo que seja um filme que em termos estéticos e/ou narrativos não ofereça nenhum tipo de ousadia artística. O peso da história consegue ser muito bem sustentado e valorizado mesmo com as inúmeras concessões que tiveram que ser feitas para funcionar como filme e, o mais importante, sem desrespeitar a História.
8.0/10
Filosofía natural del amor
2.0 6FILOSOFIA NATURAL DO AMOR
"Filosofia Natural do Amor" é um filme equivocado em sua tentativa de mesclar seu tom de documentário através do depoimento de casais reais com linhas narrativas que buscam explorar diferentes vertentes e definições do amor.
Com roteiro e direção de Sebastian Hiriart, o filme é uma sucessão de equívocos e constrangimentos a começar pelas declarações dos casais que revelam de que maneira surgiu o sentimento e/ou começou a relação de ambos, sendo que nenhum deles se revela especialmente interessante ou marcante, o que certamente faria Eduardo Coutinho ruborizar. E se não bastasse o fracasso dos depoimentos, Hiriart parece mais interessado em explorar uma espécie de saia-justa entre os casais, colocando-os diante de dilemas e/ou situações que expõem a sua falta de sintonia ou que ainda não tinham sido discutidos, como se tivesse o interesse de mostrar que eles não se conhecem tão bem assim. O sentimento de vergonha alheia é muito maior do que qualquer sentimento potencialmente amoroso.
As linhas narrativas escolhidas para intercalar os depoimentos (ou vice-versa) são fracas em sua premissa e frágeis em seu desenvolvimento. Em uma delas, mostra um casal de aventureiros que exploram uma região inóspita em busca de uma praia paradisíaca, mas acabam se perdendo no caminho de volta. Em outra, um homem de 35 anos passa a se interessar romanticamente por uma garota de 15 anos durante uma série de encontros entre os dois. O pai dela é um taxista que se revela apaixonado por uma cantora transexual de uma boate que ele tem o costume de frequentar secretamente. E em outra história um casal de velhos amigos se encontram casualmente nos corredores da faculdade quando segredos do passado dos dois são revelados. Nenhuma das histórias desperta um real interesse e os eventos que ocorrem ao longo da narrativa revelam a falta de propósito ou de algo que se torne realmente digno de ser contato.
O desfecho de cada uma das histórias quer estimular algum tipo catarse e/ou de ironia romântica, seja através do choque no encontro do casal de amigos, da hipocrisia no caso do taxista, da sensibilidade na relação entre o homem mais velho e a garota assim como da ironia entre os casal de aventureiros, porém só consegue aborrecer já que dá uma nítida sensação de perda de tempo, não justificando o mérito narrativo de nenhuma delas.
Intercalando os depoimentos e as linhas narrativas com imagens de acasalamento entre animais, o estrago provocado por "Filosofia Natural do Amor" alcança contornos biológicos que não merecem espaço nem mesmo em um programa qualquer especializado na vida animal muito menos diante da sua pretensão de ser de alguma forma um tratado filosófico sobre as relações humanas. É um engodo, apenas um engodo descartável e desinteressante.
1.0/10
O Solteirão
2.6 156O SOLTEIRÃO
Alguns filmes parecem ter sido feitos sob medida para determinados atores e "O Solteirão" (tradução equivocada e irresponsável para "Um Homem Solitário") é um filme pra lá de adequado à persona cinematográfica de Michael Douglas (alguns até dirão que também pela sua vida pessoal já que ele se assumiu viciado em sexo, mesmo que não seja o caso do seu personagem neste aqui). Pois bem, Ben Kalmen (Douglas) é um sessentão mulherengo que está em crise financeira, mas que não consegue manter o equilíbrio da sua própria vida que parece se resumir a relações promíscuas e um distanciamento cada vez maior da sua família.
Dirigido pela dupla Brian Koppelman e David Levien, "O Solteirão" foge das convenções dos dramas ao estabelecer a sua linha narrativa após um salto de tempo de aproximadamente 6 anos em que Ben é diagnosticado pelo seu cardiologista com uma alteração nas atividades cardíacas do seu coração. Em um filme convencional acompanharíamos a maneira como ele lida com essa notícia, mas no roteiro também escrito pela dupla, esse salto no tempo serve para estabelecer que Ben, após o diagnóstico, ignorou as recomendações médicas de realizar exames mais detalhados, separou-se da sua esposa (Susan Sarandon), distanciou-se da filha Susan (Jenna Fisher) e consequentemente do neto, declarou falência de sua rede de concessionárias em função de práticas ilegais que quase o levaram à prisão e mantém uma relação de aparências com Jordon (Mary Louise-Parker), uma ricaça, mãe de uma adolescente (Imogen Poots). Esse cenário desconstrói qualquer tentativa do filme de se transformar em um drama de auto-ajuda já que a situação-limite o tornou um sujeito mais egoísta e que foi se afundando cada vez mais.
Sustentado basicamente pela charmosa arrogância do personagem, o filme é uma espécie de veículo para que Michael Douglas explore algumas facetas que permitem que Ben esteja muito longe de um sujeito pelo qual vale a torcida, o que o torna mais atraente e interessante do ponto de vista narrativo. Dessa forma, quando ele se oferece para apresentar a filha de Jordon para o reitor da faculdade onde se formou, cuja biblioteca inclusive leva o seu nome, ele não tem escrúpulos em trair a confiança de todos os envolvidos. Sem relevar grandes detalhes, mas a sucessão de conquistas casuais que ele tem ao longo do filme o tornam um sujeito ainda mais solitário, auto-destrutivo, mas que afeta sensivelmente as pessoas ao seu redor. E mesmo assim, diante do caos emocional da sua vida, ele de certa forma tenta se estabelecer como uma espécie de tutor para Cheston (Jesse Eisenberg), vice-presidente do grêmio estudantil da faculdade, muito mais como um sinal de auto-afirmação, ao mesmo tempo que parece reencontrar na velha amizade com Jimmy (Danny DeVito) a sua única relação autêntica e verdadeira.
Assim exposto, o principal problema de "O Solteirão" acaba sendo também a falta de foco da narrativa já que ao mesmo tempo que oferece um arsenal de subtramas que exploram diferentes vertentes das ações do personagem, cada um dos núcleos acaba sendo explorado de maneira apenas moderada com praticamente dois ou três momentos de atenção, praticamente um começo, meio e fim que não necessariamente são suficientes por si só. A relação de Ben com sua ex-esposa, por exemplo, praticamente inexiste, mas graças aos esforços de Douglas e Sarandon ainda acreditamos que exista um carinho na relação de ambos. Jenna Fisher é uma agradável presença do elenco que consegue estabelecer em seu pouco tempo de cena todo amor, admiração e ressentimento que tem pelo pai em uma atuação sensível e delicada. Imogen Poots também tem uma importante participação, defendendo muito bem uma personagem jovem, determinada e ardilosa, o que não deixa de ser uma grata surpresa pela limitação que a atriz já demonstrou em outras oportunidades. Os demais atores, por sua vez, oferecem trabalhos competentes, mas que não conseguem se destacar mais pela própria negligência do roteiro, o que não deixa de ser relativamente frustrante.
Ainda assim, mesmo com tantos altos e baixos, "O Solteirão" consegue ser um drama pouco convencional e acima da média, pois tem um personagem central charmoso e politicamente incorreto que reserva certo carisma em função da competente e inspirada atuação de Michael Douglas que demonstra estar muito à vontade, o que faz toda a diferença a favor deste filme curioso e irregular, mas ainda assim enxuto.
7.5/10
Amaldiçoado
3.0 1,2KAMALDIÇOADO
Para o filme "Amaldiçoado" vale aquela máxima de que de boas intenções o inferno está cheio, mas... mas não é o bastante. Ig Perrish (Daniel Radcliffe) é um jovem radialista que precisa lidar com o luto pela morte da sua namorada Merrin (Juno Temple) ao mesmo tempo que sofre com as acusações de que foi o responsável pelo crime. Inocente até que se prove o contrário, um par de chifres nasce em sua cabeça e ele acaba recebendo o dom de ser uma espécie de confidente das pessoas já que quando estão diante dele, elas se mostram como realmente são e revelam seus piores pecados, o que permitirá que Ig encontre o verdadeiro responsável pelo crime.
Comandado por Alejandro Aja, o filme sofre de dupla personalidade. Em sua primeira metade funciona como uma espécie de drama com toques de suspense psicológico que mostra Ig tentando lidar com a injustiça e com a maneira com que as pessoas passam a lhe confessar seus pecados, encarnando o "diabo" em pessoa, o que gera algumas situações inusitadas, sarcásticas e ironicamente cômicas, especialmente quando Ig está diante da família, o que potencializa ainda mais o drama dele, mas que também funciona até como uma espécie de crítica à hipocrisia da sociedade. Nada que tenha muita substância, na verdade, chamando a atenção mais pela estranheza e a curiosidade despertadas pela postura das pessoas quando elas tiram suas "máscaras".
A partir da sua metade, o roteiro de Keith Bunnin transforma Ig em uma espécie de anti-herói que resolve fazer justiça com as próprias mãos, com direito a sequência de "transformação", punindo aqueles que de certa forma mentiram ao incriminá-lo, porém essa mudança de postura só enfraquece o personagem que perde o seu potencial dramático, além de outros personagens, especialmente o pai de Merrin vivido por David Morse que participa praticamente de duas sequências, uma em que oferece uma atuação forte e intensa, e outra que depõe contra a integridade do seu próprio personagem. Daniel Radcliffe mostra ser um ator bastante esforçado e mesmo diante de tantos altos e baixos, consegue conferir certa sensibilidade e melancolia ao seu personagem. Já Max Minghella e Joe Anderson que interpretam respectivamente o melhor amigo e o irmão de Ig não conseguem manter o mesmo ritmo do companheiro de cena. Juno Temple é uma presença cativante ao longo do filme, reforçando o talento da atriz de interpretar tipos sedutores e exóticos, justificando o apelo principal do drama vivido pelo personagem.
Embora seja um filme problemático, "Amaldiçoado" é um filme que com o que tem em mãos ainda assim tenta explorar o seu potencial dentro do gênero do terror, mesmo diante das limitações impostas pela própria proposta, o que não deixa de ser uma atitude corajosa e mesmo diante de um clímax bastante frágil e irregular que, literalmente, vai do céu ao inferno, há de se reconhecer que o filme não se permitiu certa ousadia. Valendo-se também de uma boa trilha sonora e uma reviravolta dramática envolvendo Merrin, "Amaldiçoado" deixa uma incômoda sensação de ter um bom material em mãos em que o diretor Alejandro Aja tentou explorar o máximo que pode, mas que ainda assim não teve um resultado bom e bizarro o bastante.
NOTA: 5.5/10
Killer Joe: Matador de Aluguel
3.6 880 Assista AgoraKILLER JOE - MATADOR DE ALUGUEL
"Killer Joe - Matador de Aluguel" é um filme que reúne um time de personagens desprezíveis em uma espécie de versão macabra de "A Grande Família". Chris (Emily Hirsch) é um jovem que está sendo ameaçado por traficantes que lhe cobram uma dívida em dinheiro e decide combinar com seu pai Ansel (Thomas Haden Church), com a conivência da sua madrasta Sharla (Gina Gershon), a morte da própria mãe para que a sua irmã Dottie (Juno Temple) resgate o dinheiro do seguro. Para executar o plano, eles contratam Joe Cooper (Matthew McConaughey), um policial frio, metódico e que também executa serviços de matador de aluguel por conta própria. Porém, ao perceber que não seria remunerado pelo seu trabalho, ele planeja sua vingança.
Neste aqui, o experiente diretor William Friedkin repete a sua parceria com a roteirista Tracy Letts vista anteriormente no ótimo "Possuídos" (também baseado em sua peça teatral) e realiza um filme cru, melancólico, desesperançoso e com toques de humor negro que realçam a falta de escrúpulos de seus personagens. Nesse sentido, o termo "cru" mostra que Friedkin e Letts não fazem concessões, mas reflete a falta de um acabamento maior e/ou melhor já que as transições entre as cenas muitas vezes são abruptas, muitos dos eventos ocorrem fora do campo de ação da narrativa e nem sempre há a preocupação com as consequências dos atos, como a transferência de responsabilidade sobre a dívida de Chris e/ou eventuais álibis que possam incriminá-los.
Sem esconder a sua origem teatral, o filme parece mais interessado em explorar a fragilidade emocional e de caráter dos seus personagens, logo a preocupação é muito maior com o que eles podem fazer com cada um deles. Nesse ponto, Chris é um sujeito azarado que parece afetar todos ao seu redor com a sua falta de coragem e mediocridade e dessa forma a atuação de Emily Hirsch é autêntica. Da mesma forma, Thomas Haden Church interpreta o pai de Chris em uma versão igualmente covarde, ingênuo e desprovido de inteligência. Gina Gershon explora com eficiência a falta de pudores da sua personagem, deixando de lado qualquer tipo de sutileza, o que a deixa ainda mais vulgar. E Juno Temple, que havia feito uma atuação insuportável em "Caminho Sem Volta", tem aqui a possibilidade de interpretar de maneira hipnótica uma figura feminina frágil, porém exótica e instável, funcionando como uma espécie de catalisador de emoções da narrativa quase sempre exibindo uma ingenuidade assustadoramente trágica. Porém, a atuação mais poderosa vem de Matthew McConaughey que interpreta com extrema energia e dedicação um sujeito muito seguro de si, que parece sempre estar um passo a frente dos demais e que não mede esforços para conseguir o que quer. É certamente um trabalho de composição bastante meticuloso e muito bem realizado por McConaughey.
Evoluindo de maneira irregular, alternando entre ritmos, exaltando-se pela sua crueza, mas pecando pela falta de acabamento e explorando mais a interação entre os personagens, "Killer Joe - Matador de Aluguel" alcança em seu terceiro ato o ápice da sua proposta em uma sequência que se passa dentro do trailer de Ansel que pode e merece ser classificada como antológica, pois é angustiante e aterrorizante. Aqui, os personagens expõem o que há de mais autêntico e bizarro em sua natureza, transformando o clímax em um festival esquizofrênico de fraqueza, repulsa e com direito a uma coxa de frango empanado. A frase final é emblemática e o desfecho abrupto é frustrante, mas estranhamente apropriado para esse seleto grupo de personagens que acabamos de conhecer e não sentiremos a menor saudade. Saudades mesmo eu tenho é de Agostinho Carrara, Lineu, Nenê e cia.
8.0/10
Terapia do Sexo
3.1 238 Assista AgoraTERAPIA DO SEXO
"Terapia do Sexo" é um filme que mescla drama e comédia com um resultado bastante exótico e curioso porque os conflitos jamais soam piegas e/ou chorosos assim como o humor não surge de maneira gratuita e/ou apelativa. E ao transitar entre dois gêneros tão distintos, o filme consegue ser digno e honesto em ambos em função da direção sóbria e do roteiro sensível de Stuart Blumberg, além é claro de ter um elenco extremamente carismático e talentoso que sustentam seus personagens com extrema maturidade e elegância, mesmo quando o filme parece ter algum tipo de recaída.
O tema central de "Terapia do Sexo" é o vício de sexo e a narrativa acompanha três homens que vivem e sofrem com essa dependência. Curioso notar que se fosse um filme que tratasse de alcoolismo ou qualquer tipo de droga ilícita, dificilmente teríamos a possibilidade dos assuntos serem abordados com tanta leveza e mesmo assim sem fugir do drama pesado como o visto neste aqui. E como é abordado dentro do próprio filme, aquele que se declara em recuperação desse vício certamente seria muito mais criticado do que qualquer outro tipo de viciado em recuperação, o que não deixa de ser irônico já que a comédia tende a suavizar o estigma, porém em nenhum momento o filme esconde os seus dilemas pesados. E esse equilíbrio é fundamental para o sucesso de "Terapia do Sexo" em sua aposta de lidar com tema.
Um desses três homens é Adam (Mark Rufalo), um homem que se declara sóbrio do seu vício por sexo a 5 anos, mas que desde então não se dispôs a se envolver em nenhum tipo de relacionamento com medo de algum tipo de recaída, porém ao conhecer a sexy Phoebe (Gwyneth Paltrow), ele se dê diante desse dilema. A maneira como a evolução do relacionamento entre Adam e Phoebe é desenvolvido é muito maduro já que coloca dois personagens atraentes, mas que precisam lidar de maneiras diferentes com a relação. Enquanto Phoebe que encarou um câncer de mama, pratica triatlo e se encontra em um momento totalmente à vontade com seu corpo, Adam se permite ser mais reservado, inclusive contendo os avanços da fogosa parceira até como uma forma de auto-defesa. E quando ele revela o seu segredo a ela, as dúvidas e as angústias dos dois são muito bem defendidas e justamente por isso que os anseios precisam ser encarados com extrema sensibilidade. Mark Rufalo realiza um trabalho de extremo bom gosto, conduzindo seu personagem com serenidade e integridade, mas sem deixar de expressar o peso que carrega e que a qualquer momento pode lhe causar problemas. Gwyneth Paltrow também tem uma participação especialmente marcante e atraente, interpretando um mulher de personalidade, segura de si e dona de um senso de humor irresístivel e a sua química em cena ao lado de Rufalo é um dos triunfos do filme. Cabe a ressalva de uma abordagem mais afoita de Phoebe justamente no momento seguinte à revelação de Adam que soa desproporcional ao entendimento do problema revelado, mas que não compromete o arco dramático.
O segundo homem é Mike (Tim Robbins), um homem casado que possui um histórico com o alcoolismo, mas que também encara há muito tempo o seu problema com o vício de sexo que inclusive fez com que a sua esposa (Joely Richardson) adquirisse Meningite C, sendo uma espécie de "padrinho" na recuperação de Adam, mas que mesmo assim não consegue resolver seus problemas com o filho Danny (Patrick Fugit) que por sua vez teve problemas com drogas. Mike é aquele tipo de personagem que se propõe a ajudar as pessoas, mas que tem os seus problemas mal resolvidos e repleto de frases de apoio não consegue manter um bom diálogo com o próprio filho. Tim Robbins tem uma participação bastante carismática, o que é até algo raro em sua carreira, e tem a difícil tarefa de explorar o drama através do silêncio ou da angústia do olhar de seu personagem já que Mike é um homem de poucas palavras ao lidar com seus conflitos familiares e a sua dinâmica ao lado de ótimo Patrick Fugit é muito bem sustentada, garantindo bons confrontos, o que até compensa certas convenções na evolução e na conclusão dos dramas.
Já Neil (John Gad) é um médico obeso que participa do grupo de terapia que tem Adam e Mike como participantes, mas que não é totalmente sincero na forma de lidar com seu problema já que esconde dos companheiros a manutenção de certos comportamentos nocivos e abusivos contra si mesmo e contra as mulheres que fazem parte do seu círculo social. Quando a também viciada Dede (a cantora Pink) entra no grupo, os dois acabam estabelecendo uma inesperada relação de amizade que acaba servindo para que ambos aprendam a lidar com seus próprios demônios. É certamente o núcleo mais cômico e a aproximação entre os dois acaba funcionando muito mais pela carismática interação entre Jonh Gad e Pink já que o roteiro pratica ignora a tensão sexual que poderia haver entre ambos (tensão esta que fica muito bem ilustrada na sequência do primeiro depoimento de Dede diante do grupo, inteiramente masculino) e aqui cabe a ressalva da aposta de usar a dança como uma espécie de terapia para os dois, colocando-os novamente em uma situação-limite em que eles exibem um auto-controle que não condiz com suas atitudes, surgindo de forma automático por imposição do roteiro. Ainda assim, o núcleo não deixa de oferecer elementos que abordam o tema e exploram a fraqueza do ser humano diante do problema que pode ser estimulado seja na rua ou em um metrô, tem a sua relação com a maneira que se deu a criação de Neil em sua infância e compromete sensivelmente a vida social do indivíduo, inclusive prejudicando a sua carreira.
Contando com um terceiro ato que cria tensão em dois dos seus núcleos e estabelece redenção em outro, "Terapia do Sexo" acaba sendo um filme que não promove nenhuma catarse definitiva, mas funciona como uma forma de ilustrar que independente do vício, os seus dependentes, mesmo em recuperação, sempre terão que lidar com estes problemas em uma jornada diária de superação e privação que necessitará de sacrifícios próprios e de todos aqueles que decidirem participar de suas vidas. E, a sua maneira, o filme acaba dando voz aqueles que sofrem desse tipo de problema, sabendo se equilibrar muito bem entre o drama e a comédia.
8.0/10
O Sinal
2.7 24O SINAL
O talentoso ator argentino Ricardo Darín escolheu homenagear o cinema "noir" em sua estréia na direção com este "O Sinal", ao lado de Martin Hodara, porém a rigidez da estética acaba prejudicando o resultado como um todo já que a evolução da narrativa é burocrática. Corvalán (Darín) é um detetive particular solitário, melancólico, que mora ao lado do seu cão "Lobo", que precisa lidar com seu divórcio recente e divide seu tempo entre as visitas ao seu pai em uma casa de repouso e os trabalhos mal remunerados ao lado do seu parceiro Santana (Diego Peretti), resumindo-se a casos envolvendo maridos traídos. Quando Gloria (Julieta Diaz), uma mulher linda e misteriosa, entra em seu escritório e lhe oferece um trabalho, ele adentra em um submundo de crimes, assassinatos e vingança.
Amparado por um lindo e impecável trabalho de fotografia, "O Sinal" é um clássico exemplar de filme que procura homenagear o estilo e a estética dos filmes "noir", inserindo a sua trama na Argentina do início da década de 50, marcada pelos desdobramentos do governo do general Juan Domingo Perón e da comoção com o estado de saúde de sua esposa Eva Perón. O filme tenta ir além da simples homenagem, oferecendo em algumas ocasiões um certo charme latino, mas a estrutura do filme acaba condicionando a narrativa a meras sequências de investigações a espreita, suspeitas previsíveis e fotografias e jornais que ajudam a ligar as pontas soltas. É como seguir a montagem de um quebra-cabeça com um manual de instruções na tela já que os clichês e os desdobramentos típicos de obras desse gênero já são historicamente conhecidos, inclusive do próprio cinema norte-americano.
Ricardo Darín oferece mais uma atuação segura e autêntica, porém o seu trabalho de direção ao lado de Hodara resume-se a emular o estilo, inclusive na utilização de efeitos de montagem e na transição de cenas, tendo poucas oportunidades para imprimir um lado mais autoral (destaco a sequência que se passa em uma ponte e que inúmeras pessoas fazem vigília por Eva Peron). E aqui cabe a observação de ser difícil a identificação do quanto representa o trabalho de cada um. Embora seja bonita e tenha talento, Julieta Diaz não mostra ser uma atriz tão arrojada e adequada para o que exige a sua personagem lhe faltando um pouco mais de carisma e "sexy appeal". Já Diego Peretti tem uma atuação crescente ao longo do filme e se torna uma figura que explora muito bem o lado amigo e companheiro de Santana, tornando-se uma espécie de anjo da guarda de Corvalán que por sua vez também se preocupa com a vida dele ao sugerir o rompimento da parceria quando vê que o caso investigado está indo por um caminho perigoso.
Contando com um desfecho irônico e cínico ao som de Frank Sinatra, "O Sinal" sobrevive como homenagem, mas empalidece pela falta de personalidade própria, embora tenha algumas poucas boas virtudes, especialmente no seu esmeril técnico. Pode parecer pouco, mas certamente não é quase nada.
6.0/10
Aura
3.3 84AURA
O diretor Fabián Bielinsky e o ator Ricardo Darin repetem a parceria vista em "Nove Rainhas", mas sem o mesmo brilho neste filme que de tão cadenciado deixa às claras a sua falta de criatividade em uma narrativa pouco intrigante. Esteban Espinosa (Darin) é um taxidermista que recebe o convite de um amigo para caçar cervos e após um dos seus ataques de epilepsia acaba matando acidentalmente o misterioso dono do chalé. A partir daí, uma série de eventos inserem Esteban em uma trama que envolve dois sujeitos que planejam um assalto ao carro forte responsável por recolher o dinheiro do cassino da região.
Desde já eu já peço desculpas por revelar tão prontamente a trama do filme que apresenta esse cenário ao longo de seus 134 minutos de duração através de um ritmo cadenciado e que até funciona, especialmente no primeiro ato, mas à medida que as pistas são reveladas, muitas delas sem a menor sutileza (vide a sequência que se passa dentro de uma casa de ferramentas), a dinâmica da narrativa depõe contra o próprio filme já que cria um clima que os eventos não sustentam e a série de personagens que gravitam em torno deles são desinteressantes, inclusive a jovem esposa do dono do chalé que se mostra uma figura melancólica e que apresenta sinais de que vive sob ameaça.
A base de sustentação da narrativa reside no personagem e na atuação de Ricardo Darin. Decorrente da sua profissão e/ou do seu problema de saúde, Esteban é um sujeito intuitivo e observador que tem uma forte capacidade de memorização, sejam números ou ambientes, internos ou externos, o que lhe dá uma condição de segurança de lidar com situações inusitadas e que não façam exatamente parte da sua rotina. Por isso, ele procura lidar com tranquilidade, utilizando-se da sua capacidade intelectual para lidar com os criminosos que atravessam o seu caminho com a promessa de cumprir o plano que o falecido executaria. Ricardo Darin realiza um trabalho de atuação sensível e discreto, mas funciona como uma espécie de oásis no meio do deserto já que muitas vezes a sua incrível capacidade de antecipação funciona muito mais pela limitação das figuras com quem precisa lidar do que propriamente pela sua própria inteligência.
Contando com um terceiro ato irregular, "Aura" acaba sendo um filme fraco que tenta manter a pose a qualquer custo, mas que gradativamente vai se mostrando rasteiro, óbvio e previsível, embora a embalagem ainda se mantenha mais sofisticada do que realmente é. Esse cão até tem cara de bravo, mas não morde.
NOTA: 5.0/10
Elefante Branco
3.5 196 Assista AgoraELEFANTE BRANCO
"Elefante Branco" é um drama argentino de cunho político-social que faz jus ao título já que é uma produção que tem como pano de fundo a marginalidade de uma imensa favela construída aos arredores da obra daquele que seria o maior hospital da América Latina. O diretor Pablo Trapero parece interessado em tratar o descaso das autoridades com o povo mais desfavorecido, mas a exploração acaba sendo muito mais pela exposição do "elefante branco" (entenda-se o contexto social) do que propriamente pela complexidade em discutir a sua natureza, como filme-denúncia que pretende ser. Aqui e ali é possível ver um efeito de causa e consequência que transforma a vida daquelas pessoas em uma enorme bola de neve auto-destrutiva (descaso político, ocupação de prédio e/ou terreno abandonado, um atrás do outro, corpos empilhados em cada esquina), mas a sensação é que a maior das intenções é a exploração do caos pelo viés cinematográfico mesmo.
A câmera Trapero acompanha a rotina dos padres e moradores com a mesma energia e intensidade que segue o percurso do corpo de um jovem sendo trazido em um carrinho de mão para ilustrar a fragilidade da vida humana naquelas circunstâncias de vida e, em um irônico e belo plano sequência, até acompanhamos uma invasão policial pela ótica de seus moradores (quantas vezes já não vimos esse mesmo tipo de cena pelo ponto de vista dos policiais, não é mesmo?), mas a conjuntura é apresentada de maneira superficial, especialmente por colocar no centro da narrativa a ação da igreja católica tão burocrática quanto as forças que estão no poder político e que realizam ações que mais se parecem com a de "enxugar gelo", o que no caso, muitas vezes é de enxugar sangue mesmo, afinal não é à toa que muitas vezes a sensação que se tem é de que estamos diante de uma zona de guerra. Da forma como as circunstâncias são exploradas no filme, no entanto, o alcance pelo choque, realçado pelo caloroso trabalho da direção de fotografia que incendeia os planos de tons quentes, acaba sendo limitado.
O roteiro de Trapero escrito ao lado de Santiago Mitre, Alejandro Fadel e Martin Mauregui soa mais contundente na construção dos dramas vividos pelos padres missionários Julian (Ricardo Darin) e Nicolas (Jerémie Renier) que precisam encarar as suas próprias limitações como seres humanos diante de suas conturbadas rotinas diante de um problema muito mais complexo. Julian, por estar muitos anos envolvidos nos problemas da comunidade, se sente na obrigação de zelar pela "harmonia" na favela, mesmo que para isso tenha que aceitar a rivalidade de facções que não aceitam a interferência de terceiros, embora não esconda seu nervosismo e mau humor. Embora sustentado por um clichê dramático, a atuação de Ricardo Darin é eficiente e serena ao encorporar o senso de responsabilidade e grandiosidade de espírito do seu personagem cujo desfecho é pertinente e coerente dentro da proposta. Já Nicolas vive um dilema dentro da sua própria vocação já que recém-chegado à comunidade se vê envolvido emocional e amorosamente com a líder comunitária Luciana (Martina Gusman) e embora Jerémie Renier e a própria Martina ofereçam atuações dignas, a sensação é que o conflito acaba ficando em segundo plano e sendo descartado lá pelo terceiro ato, deixando de lado uma importante oportunidade de explorar a natureza humana, suas convicções, renúncias e escolhas.
Tentando se equilibrar na balança do apelo de seus dramas narrativos e daqueles que aborda como filme-denúncia, "Elefante Branco" acaba tendo um resultado morno por um lado e chocante por outro já que é capaz de criar cenas de forte impacto visual em decorrência do contexto apresentado. É o quadro de um enorme elefante branco que chama muito mais a atenção pela mancha de sangue que deixa pelo caminho.
6.5/10
Tese Sobre um Homicídio
3.4 311TESE SOBRE UM HOMICÍDIO
Roberto Bermudez (Ricardo Darin) é um advogado aposentado que dá aulas de pós-graduação em um curso de especialização para jovens advogados que passa a ficar intrigado quando um homicídio é cometido no estacionamento da universidade e suas suspeitas recaem sobre Gonzalo (Alberto Ammann), um de seus alunos mais aficionados e filho de um velho amigo.
A partir dessa premissa de "Tese Sobre Um Homicídio" existiriam várias formas para se narrar a história, sendo que a opção escolhida pelo roteirista Patricio Vega, baseado no livro de Diego Paszkowski, e pelo diretor Hernán Golfrid é a de deixar evidenciado desde o primeiro momento que não existem mistério algum, ou seja, depois do crime, desde as primeiras trocas de olhares e as primeiras pistas, tudo leva a crer que Gonzalo é realmente o responsável pelo crime e que ele está interessado em realizar uma espécie de jogo de poder com Bermudez para instigar o veterano advogado. A exposição de elementos torna escancarada a suspeita, logo a missão do filme é costurar a narrativa de forma que Bermudez consiga expor Gonzalo, mas já que estamos diante de um "thriller" investigativo é de se esperar que Veha e Golfrid nos tire dessa nossa zona de conforto e quebre nossas expectativas.
Diante dessa escolha, o espectador está ao lado de Bermudez, sendo assim qualquer esforço que ele faça para desvendar o mistério é válida e concordamos com sua linha de raciocínio, logo ao chegar a conclusão que determinado recibo de compra obtido em uma farmácia equivale a soma dos itens ligados diretamente à morte, assentimos que aquele elemento é irrefutável, por mais absurdo que seja. Mas à medida que Bermudez vai montando o quebra-cabeça, inclusive remetendo a eventos do passado e a outros crimes anteriormente praticados pelo próprio Gonzalo, o dilema do filme recai sobre a possibilidade de que o experiente advogado não consiga convencer as autoridades de suas suspeitas, o que estabelece um interessante conflito, afinal as provas não são irrefutáveis, fazendo com que o crime cometido se aproxime de uma perfeição na qual não poderá ser comprovada.
Construindo um personagem inteligente e moralmente equilibrado, Ricardo Darín dá mais um show de atuação com um trabalho eficiente dramaticamente já que Bermudez vai desmoronando emocionalmente à medida que a narrativa avança, sendo sustentado por uma base sólida ao passo que os limites morais do personagem se tornam mais frágeis. Alberto Ammann, uma espécie de versão jovem e argentina de Clive Owen, tem uma atuação afetada e canastrona até construída de maneira proposital, porém o personagem nunca consegue se tornar um adversário à altura de Bermudez assim como Ammann precisa muito mais da credibilidade de Darin para conferir importância ao seu trabalho. Uma presença em cena mais interessante acaba sendo de Calu Rivero, que interpreta a irmã da vítima e que acaba sendo envolvida direta e perigosamente na obsessão de Bermudez em comprovar a culpa de Gonzalo.
"Tese Sobre Um Homicídio" é um filme intrigante, não há como negar, mesmo que ele faça questão de expor todas as cartas sobre a mesa tão cedo, o estilo de direção sofisticado e elegante de Hernán Golfrid mantém o interesse. Logo, consegue ser um filme que sustenta a sua narrativa sobre um bom clima de tensão, apesar de alguns diálogos excessivamente expositivos e de certos recursos didáticos. De qualquer forma, o que mais frusta o resultado do filme como um todo é o fato de só lá pelo terceiro ato oferecer o benefício da dúvida já que o filme não toma partido e parece mais interessado em construir uma espécie de "brincadeira" com o público. E aqui não está em questão o recurso inteligente de não oferecer respostas fáceis ao público, mas sim justamente o de mostrá-las ao longo do filme todo e querer enganar quem assiste justamente na hora da cartada final, como se fosse uma espécie de "pegadinha do Malandro". Ou seja, para um filme que promete uma tese, ficou apenas no quase.
7.5/10
O Homem Irracional
3.5 555 Assista AgoraHOMEM IRRACIONAL
Woody Allen é um diretor historicamente prolixo, curioso e criativo, mas ultimamente vem entregando filmes que apenas vão de regulares para medianos, sem se tornarem especialmente marcantes. "Homem Irracional" pode se enquadrar nesse grupo, porém ainda assim se destaca da maioria pela sua simplicidade e pela sua ousadia. Estes adjetivos antagônicos são pra lá de bem-vindos, pois refletem os extremos com os quais Allen lida ao narrar a chegada do melancólico e depressivo escritor Abe Lucas (Joaquin Phoenix) a uma pequena universidade do interior dos EUA, despertando a atenção de Jill (Emma Stone), uma jovem e otimista aluna que se mostra cada vez mais encantada e excitada com a chegada dele.
A simplicidade da premissa proposta por Woody Allen se observa pelo perfil dos dois personagens centrais. Abe é um daqueles sujeitos desesperançosos que ainda sobrevivem em função do sucesso de uma obra do passado já que não possuem mais um pingo de esperança, energia e capacidade para criar algo novo (qualquer semelhança com o verdadeiro Woody Allen não é mera coincidência). Jill é o seu contraponto já que é uma jovem que admira o trabalho de Abe e vê nesse encontro a possibilidade de servir de inspiração para que ele retome seu caminho de sucesso, inclusive deixando o seu namoro de lado apenas para servir como uma espécie de musa, enquanto troca tratados filosóficos ao lado do seu ídolo. O uso da narração em "off" para os dois personagens é uma muleta narrativa, mas ainda assim serve para que as duas perspectivas sejam costuradas, cada qual com sua motivação, afinal suas ações nem sempre correspondem à voz de suas consciências (sendo assim é impossível que acompanhemos dentro da narrativa ações que não sejam vividas pelos dois ou por pelo menos um dos dois).
O golpe de mestre de Woody Allen acontece quando o diretor e roteirista simplesmente faz com que o centro da narrativa saia da órbita de Abe e Jill para que tomemos conhecimentos do drama vivido por uma mãe que está em vias de perder a guarda dos seus filhos em função da ação tendenciosa de um juiz. Embora não seja uma novidade narrativa, esse evento faz com que a postura de Abe com relação o universo ao seu redor se modifique completamente e, sem revelar grandes detalhes, permite que o próprio ao lado de Jill e até mesmo em sua relação promíscua com a também professora universitária Rita (Parkey Posey) passe a ter motivações e ambições ainda maiores, promovendo discussões sentimentais e filosóficas sobre a ética, a moral, o certo e errado, causas e consequências. Digamos que a trama de "Homem Irracional" trata explicitamente de uma versão simplista e até mesmo didática de "Crime e Castigo", fragmentado basicamente através de suposições, fofocas e considerando especialmente os dilemas enfrentados por Abe e Jill, inclusive nas reviravoltas do terceiro ato.
Contando com uma atuação eficiente de Joaquin Phoenix (que empresta uma composição física desleixada ao seu personagem) e uma participação de Emma Stone em que ela felizmente não compromete o apelo da sua personagem (uma figura de espírito livre, mas que gradativamente trai a sua aparente natureza através de suas atitudes éticas e moderadas), "Homem Irracional" pode até ser um filme insignificante dentro da cinebiografia de Woody Allen, como o próprio parece se auto-analisar de certa forma, mas ainda assim é um filme que, mesmo com a recorrente falta de acabamento, conquista pela simplicidade, pelas suas ambições moderadas e que é capaz de arrancar aquele sorrisinho cínico de canto de boca que faz toda a diferença a favor do filme.
7.5/10
De Repente Pai
3.4 406DE REPENTE PAI
De repente você está assistindo um filme despretensioso e percebe com o tempo que ele vai te conquistando de tal maneira que se torna irresistível, mesmo contando com a sua dose de clichês e tendo Vince Vaughn como ator principal. "De Repente Pai" é um filme que acompanha a rotina de David Wozniak (Vaughn), um homem de meia idade, endividado, que descobre não apenas que sua namorada (Cobie Smulders) está grávida, mas que a doação de espermas que fez durante a adolescência contribuiu com a inseminação de outras 533 vidas. Curioso, ele decide procurar cada um dos seus "filhos" para se transformar em uma espécie de anjo da guarda, mesmo que seja por apenas um dia, porém a sua missão sai do seu controle, quando todos os seus "filhos" resolvem descobrir a sua identidade através de uma ação judicial. A atitude de David é infantil e imatura, logo por mais condenável que seja, é um comportamento que faz jus a sua personalidade. E por mais que seja uma forma de escapismo da sua rotina caótica, acompanhar as pequenas "vitórias" que David alcança ao lado dos seus "filhos" são reconfortantes e que acabam ajudando no seu processo de amadurecimento.
Contando com uma atuação minimamente convincente de Vince Vaughn, o filme ainda conta com uma excelente participação de Chris Pratt que rouba todas as cenas na pele do divertido e melhor amigo de David; a talentosa Cobie Smulders, mesmo com o pouco tempo que tem para explorar seu carisma; e uma intensa e esforçada Britt Robertson na pele de uma das filhas de David. Um dos acertos do roteiro foi não fazer com que o filme se tornasse aborrecido a partir do momento que a trama jurídica acaba tomando conta da narrativa, muito em função de Chris Pratt, mas também pela sensibilidade de mostrar diferentes realidades para cada um dos filhos, nem sempre representações de sucesso, mas também pela maneira aberta com que David se vê obrigado a lidar com um dos filhos que descobre o seu segredo e/ou o seu papel em fingir ser pai de um dos seus filhos, apenas para se aproximar de todos de uma vez só (a sequência que mostra vários de seus filhos em uma edição engraçadinha cumpre sua função).
O maior prejuízo da narrativa acaba sendo a subtrama envolvendo a necessidade de David em encontrar dinheiro para pagar as dívidas contraídas por ele e que vem prejudicando os negócios da sua família e o ritmo da narrativa. Contanto com um desfecho que evita o conflito, mas cria um sentimento de harmonia entre pai e filhos que se encarrega de encerrar o filme com um clima afetuoso, "De Repente Pai" é uma comédia capaz de divertir, encantar e emocionar mesmo que seja apenas mais uma cria oriunda da "torta" e imperfeita genética de David Wozniak.
7.0/10
PS: Confesso que fiquei um pouco desapontado ao perceber que esse filme é um "remake" americano do francês "Meus 533 Filhos" que acabei vendo posteriormente. Este filme é uma cópia exata, praticamente uma versão espelhada do filme francês, com quase nenhuma variação e/ou adaptação, não tem nada de original. O que a versão americana tem de melhor é o elenco, principalmente o personagem central já que o protagonista francês consegue ser menos talentoso e carismático que o Vince Vaughn e olha que para conseguir isso tem que ser um fenômeno. As duas versões, para o bem ou para o mal, são comandadas pelo menos diretor, logo a cópia foi feita pelo próprio criador.
Meus 533 Filhos
3.8 78MEUS 533 FILHOS
David Wozniak (Patrick Huard) é um homem de meia-idade, endividado e irresponsável que descobre que vai ser pai já que sua namorada está grávida, embora ela não esteja muito interessada que ele assuma a paternidade. Se não bastasse esse descrédito, ele acaba sendo informado que as doações de esperma que fez na adolescência resultaram no nascimento de 533 crianças que agora estão requerendo na justiça o direito de conhecer o pai biológico.
Essa comédia francesa (que rendeu o "remake" americano "De Repente Pai", estrelado por Vince Vaughn) é uma produção aparentemente despretensiosa, mas que resulta em uma experiência de simpático alcance cômico e desperta uma empatia dramática bastante legítima, mesmo fazendo a utilização de diversos clichês e lugares comuns do gênero. Em contrapartida, ao evitar o melodrama piegas, o filme trata de maneira sensata, as implicações e as reviravoltas da trama sem deixar de trair as expectativas do público.
Patrick Huard não é um ator dos mais talentosos e nem um comediante dos mais versáteis, mas o elenco de coadjuvantes, especialmente os jovens atores que interpretam os filhos de seu personagem o tornam uma figura carismática já que são generosos em cena, além do mais a própria postura de David de se colocar como uma espécie de "anjo da guarda" faz com que sua presença se torne simpática.
Apresentado-se como uma comédia leve, "Meus 533 Filhos" realça os laços que aproximam as pessoas que nem sempre são estabelecidos pela genética, mas sim pela capacidade de nos colocarmos no lugar do outro, fazendo com que nos tornemos membros de uma verdadeira família.
7.0/10