Toda história de amor é também uma história de ódio em potencial", ou ao menos assim acredita Paul Mazursky, nesta adaptação do romance de Isaac Singer, muito celebrados pelos estadunidenses, mas ainda pouco conhecido aqui do outro lado do Equador. A adaptação soa em muitos momentos como uma ideia que talvez tenha funcionado melhor na literatura, como fica evidente nas flutuações de gênero que nem sempre são orgânicas na tela, entre as gags cômicas protagonizadas pela ingênua esposa polonesa e pela fantasmagórica esposa sobrevivente do Holocausto, e os momentos mais melodramáticos que envolvem a amante interpretada por Lena Olin. Existe um gap entre esses núcleos da trama que torna tudo menos fluido do que eu esperaria de um autor já muito acostumado a mesclar o humor ao drama, como é o caso de Mazursky. “Inimigos, uma História de Amor” no final acaba sendo mais uma boa oportunidade em contemplar o talento em cena da oponente Anjelica Huston e da bela e promissora Lena Olin, do que uma adaptação digna de representar no cinema todo o legado deste medalhão da literatura norte-americana.
Mais um dos documentários etnográficos de Louis Malle, e devo dizer que este talvez seja o meu favorito entre eles. O olhar europeu do cineasta sob as idiossincrasias da sociedade norte-americana e sua cultura político-religiosa e vida social é um interessante alento para tentar desvendar o que existe por trás deste país que criou para si mesmo uma narrativa de "vencedor" nas relações geopolíticas mundiais, tornando-se a grande referência a "ser seguida" pelo mundo ocidental, por meio de personagens banais do cotidiano que não "se sentem" ou, pelo menos, não nos parecem fazer parte desta narrativa de vitória que a nação tanto tenta vender para o resto do mundo.
"Cada dia traz incessantemente sua parcela de espanto, de desespero, e o luto que me mantém recluso e incentiva o meu autismo social. Estou à beira do derrotismo e da resignação total, mas algo dentro de mim continua a gritar. É ensurdecedor."
Uma das poucas vezes em que uma grande produção de Hollywood se atreveu a olhar para os cantos sombrios da história norte-americana com sobriedade e é, infelizmente, uma obra que parece não alcançar todo seu potencial. A escrita melancólica de Kennedy parece funcionar melhor como prosa, já quando roteirizada soa um tanto quanto um lugar comum se repetindo diversas vezes sob a mesma cadência ao longo dessas 2 horas e meia. Devo destacar, no entanto, a excelente e realista caracterização dos personagens e as excelentes interpretações de Jack Nicholson e Meryl Streep. Com especial ênfase nesta última, quem protagoniza uma das cenas que melhor sintetiza a ideia da obra, na qual sua personagem tem um sonho lúcido enquanto canta em um café para uma platéia desinteressada, apenas para despertar do sonho e se deparar mais uma vez com a dura realidade.
Amores, vícios e obsessões se misturam neste bolero violento de um dos maiores provocadores do cinema francês. Gostaria que esse filme fosse mais lembrado, ele já traz muitas das características que vieram a consagrar o cinema de Chéreau, sobretudo seu olhar destemido para o ser humano e suas perversões.
Ainda que já fosse fã de todos os demais trabalhos de Ana Carolina, confesso que Sonho de Valsa ainda me surpreendeu em todos os sentidos. É provavelmente o filme mais íntimo e denso da diretora, ainda que isto não desprovido de seu peculiar senso de humor. A psicologia feminina segue sendo o foco assim como em suas duas obras anteriores, mas é talvez sua obra mais rica em simbolismos e que mergulha mais fundo na psíque de sua protagonista, talvez justamente por se debruçar sobre a "fase adulta" da feminilidade, diferente dos dois filmes anteriores, ocasionando em uma inevitável identificação maior da realizadora com sua personagem central, Tereza. E como é fascinante Tereza! Seus medos, anseios, desejos, sonhos, são constantemente compartilhados com o espectador seja por meio de textos ou imagens, tornando difícil, pelo menos para mim, não sentir compaixão com a personagem e sua via crucis pessoal. sua honestidade é desconcertante e sedutora, e não teria o mesmo efeito se não fosse uma intérprete tão profundamente familiarizada com o universo da autora como é Xuxa Lopes, em estado de graça naquela que é, para mim, a interpretação de sua carreira. Uma pequena joia que merece ser mais vista e comentada!
Ana Carolina já havia me arrebatado anteriormente com Amélia, o qual por si só já me havia feito fã da cineasta, mas agora, conferindo o restando de sua filmografia, fica bem claro, nós não temos nenhum outro realizador como ela em nosso país. Não consigo pensar em nenhum autor com uma obra tão coesiva, até mesmo em seus pontos mais baixos, como o mais recente A Primeira Missa. Seus projetos se dividem de forma bem clara entre a discussão sobre a identidade nacional (em seus documentários e todos seus filmes de ficção a partir de Amélia) e a condição feminina (na trilogia sobre o feminino, composta por este, Das Tripas Coração e Sonho de Valsa), temas muito valorizados pelo cinema brasileiro e mundial, mas jamais vistos desta forma, nesta mistura anárquica de comédia e tragédia, realidade e sonho. Em Mar de Rosas a autora cria um anti-thriller ácido, hilário em todas suas reviravoltas e ilogismos, uma longa jornada dia a dentro na qual uma mulher e sua filha tentam fugir do poder sufocante do masculino, mas acabam invariavelmente ligadas a ele.
Obra com toques autobiográficos, mas inteligente o suficiente para entender que a personagem mais interessante, e verdadeira protagonista, não é o alter ego do diretor, mas seu contraponto romântico, Ana, e o seu processo de lenta e agonizante desintegração mental, sobretudo quando a personagem é defendida por Maria Luísa Mendonça, que rouba o filme todo para si sempre que aparece.
Assistir a este filme sabendo que foi escrito por Lúcia Murat, uma mulher branca, de classe média alta, e já nos seus quase 60 anos à época de sua realização, torna o roteiro um pouco como aquele seu tio ou professor mais velho que quando vai falar com pessoas muito mais jovens tenta imitar o que ele pensa ser o comportamento do jovem moderno, utilizando de gírias e "expressões da contemporaneidade". O ambiente da periferia e, sobretudo, dos adolescentes da periferia, não é exatamente o mais habitual à Murat, ela tenta vencer essa barreira cultural com certo esforço, mas existe uma artificialidade na representação dessas personagens que é inevitável. Se não bastasse a artificialidade na representação desses jovens, o roteiro ainda é muito mais óbvio e expositivo nas ligações que pretende estabelecer com a obra de Shakespeare do que era desejável, tudo soa um pouco esquemático demais, e só volta para o campo da naturalidade quando decide focar na personagem da professora de dança interpretada por Marisa Orth, talvez justamente por ser o ponto de identificação da cineasta com o filme, o que faz com que este até mesmo flerte em certo ponto em dar à ela o protagonismo. Por mais estranho que possa parecer, no entanto, o filme ainda conseguiu me ganhar pelo seu carisma. As cenas envolvendo as aulas de dança possuem um desenvolvimento leve e divertido, e como já dito anteriormente, Marisa Orth está suficientemente confortável em cena nestes momentos para guiar todos esses jovens e inexperientes atores. entre os quais eu destacaria a estreante Cristina Lago. Pontos também para a maravilhosa e "gravidíssima" Deize Tigrona cantando em uma cena de baile funk.
Uma viagem lisérgica pelo idílio indiano, confesso que não entendia o que estava vendo na maioria das vezes, mas as imagens lúdicas e as estranhas e deliciosas canções que embalam a trilha sonora me fizeram ficar, e gostar.
- Imagine só se (o milagre) não durar. Seria tão cruel. Como Deus poderia fazer uma coisa dessas? - Se não durar, então não foi realmente um milagre, então Ele não está no comando. - Quem está então?
Pouquíssimos tempo antes de ver Beach Rats, minha primeira experiência no cinema da promissora Eliza Hittman, estava reclamando de como as produções com enfoque em temáticas LGBTQ que possuem enfoque em personagens masculinos pareciam seguir por uma fórmula previsível e desgastada de tentar retratar a solidão do homem branco, padrão e "fora do meio" que procura apenas por sexo casual, e não consegue se conectar emocionalmente com outros homens. Por ironia, decidi ver mesmo assim, após muito protelar, um filme que teoricamente segue exatamente a mesma cartilha, mas confesso, no entanto, que dessa vez fui pego de surpresa. Hittman, apesar de jovem, mostra a diferença que uma condução firme e sensível pode fazer em um filme. É sim, uma obra sobre um rapaz branco, padrão e fora do meio se aventurando sexualmente com estranhos, e recusando todas as formas de conexão emocional, mas a abordagem da cineasta é tão assertiva e profunda, sem quaisquer tentativas de fetichização deste personagem (como é tão comum nas outras obras), com um olhar honesto de seus profundos e desagradáveis defeitos, que eu não consegui deixar de ficar maravilhado com o seu talento. A sondagem psicológica seca, realista e sem firulas que ela realiza do protagonista lembra em muitos momentos o cinema duro e enigmático de Claire Denis, e me fez querer só ver mais dessa jovem e, ao que tudo indica, brilhante, diretora.
Apesar de muito esquecido atualmente, Lost in America é um comédia muito peculiar de Albert Brooks que parece funcionar muito melhor hoje do que em sua época. A geração de yuppies e workaholics que sucedeu ao lançamento do filme é muito bem retratada aqui através dos dilemas de um casal que deixa de ver sentido em suas vidas funcionais. A resolução dessa busca existencial, no entanto, apesar de previsível, me trouxe uma pontada de decepção.
A adesão ao establishment e retorno ao comodismo das escolhas práticas e convenientes termina por ser a única opção verdadeiramente viável para os personagens, o que de certa forma parece contradizer o ponto de partida do próprio roteiro.
Destaque para o bom desempenho de Julie Hagerty, que se mostrou ser uma atriz ainda melhor fora dos pastelões.
Passada a animosidade gerado pelas expectativas em relação ao Oscar e demais premiações em potencial, eu me sinto mais seguro para dizer que, infelizmente, A Vida Invisível não fisgou da maneira como eu esperava que fizesse. É sim, uma obra belíssima, importante, e que merece ser vista e comentada devido à discussão sempre muito bem-vinda que ela traz a respeito do machismo estrutural e das forças destrutivas do patriarcado, mas eu sinto que em termos de história, de sentimento, Karim Aïnouz, para mim, não "chega lá" completamente. Me parece que sua obsessão em arquitetar uma obra visualmente perfeita parece se sobrepor ao interesse do cineasta no próprio roteiro em certos momentos, o que pode ser responsável por uma força emotivo menor do que eu esperava. Tudo bem, a trama mergulha de cabeça no melodrama e novelesco em diversos momentos, mas não existe aqui a mesma carga dramática que torna inesquecível a experiência de ver outros filmes que seguem a mesma linha, como é o caso de "Central do Brasil". Alias, o filme só conseguiu atingir esse patamar de envolvimento com o espectador justamente quando Fernanda Montenegro aparece, no poderosíssimo ato final. Minha teoria para explicar a minha reação diante de A Vida Invisível é que essa abordagem mais fria, característica de um esteta, vem se repetindo cada vez mais nos últimos filmes do cineasta. Isso fica bem evidente O Abismo Prateado e, sobretudo, Praia do Futuro. Sinto falta da força sentimental que a "simplicidade" de outros de seus filmes como O Céu de Suely e Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo possuíam. Aqui, como já dito anteriormente, a simplicidade e sentimento acabam ficando para o epílogo, o que é uma pena. De toda forma, A Vida Invisível é uma obra que merece minha recomendação (até mesmo porque eu faço parte de uma minoria que não se sentiu arrebatada) e muita admiração, seja pela pertinência temática ou pela relevância que o filme adquiriu dentro de cinema. Vale ressaltar também que é uma obra muitíssimo bem acabada em sua parte técnica (da fotografia repleta de escuridões e cores quentes ao esmero na reprodução do período retratado) e que possui um dos melhores elencos femininos do ano, e meu destaque aqui fica para além das já muitos elogiadas Julia Stockler e Fernanda Montenegro, para Bárbara Santos, em uma participação que rouba a cena para si toda vez que aparece e deixa saudade sempre que sai de cena.
A estreia de Mati Diop na direção mostra desde já uma das jovens cineastas mais interessantes que surgiram na última década, em uma história belíssima e muito original sobre o luto, os fantasmas do primeiro amor (em uma acepção talvez literal demais) e a luta antioligárquica de uma comunidade no Senegal que se recusa a reproduzir os clichês e estereótipos neocolonialistas a respeito do país e do continente africano que a indústria cultural ocidental sempre difundiu em seus produtos. Uma grata surpresa que, felizmente, deve estar acessível a muitos graças a sua distribuição pela Netflix.
Infelizmente, envelheceu muito mal, a história que deveria ser uma crítica a hipocrisia e conservadorismo de uma comunidade hoje nem ao menos faz sentido ao se pensar em quão batidos estão o temas e "controvérsias" sobre os quais ele deveria discutir. Tenho impressão, alias, que até mesmo em sua época de lançamento, o filme já soava excessivamente carola em sua concepção de progressismo, e servia mais como uma tentativa de Hollywood em dialogar com o público cristão em uma trama contemporânea e não-bíblica. Lembra em alguns pontos outro filme mais recente também bastante água com açúcar, mas que, por sua vez, segue conquistando o público moderno: Chocolate, de Lasse Hallström.
Me lembrou em muitos aspectos ao universo criado por Louisa May Alcott em sua célebre e muito revisitada obra Little Women, mas confesso que este adorável musical de Vincente Minnelli me cativou mais do que qualquer adaptação do romance. Judy Garland na flor da juventude mostra mais uma vez porque foi e sempre será uma das maiores entertainers da história do show business. É impressionante como uma figura tão miúda e delicada possuía uma das maiores vozes de todos os tempos. Uma feliz descoberta ter o visto pela primeira vez agora. Depois de tantos anos de seu lançamento do início de minha cinefilia é incrível o quanto ainda podemos nos surpreender pelos filmes feito durante a golden age de Hollywood.
Uma bela reconstrução in loco de momentos de ternura em uma época sombria. Os depoimentos das entrevistadas são sinceros e emocionantes e a dramatização (artifício do qual, confesso, não sou grande fã) é utilizada de forma pontual e como um sensível recurso narrativo. Merece destaque entre os diversos documentários sendo lançados sobre o tema pelo seu conteúdo verdadeiramente novo e sua força emocional.
Confesso que esperava uma reação um pouco menos morna por minha parte ao ver o tão controverso filme de Adina Pintillie, uma das escolhas mais imprevisíveis e ousadas da história do mais vanguardista dos festivais europeus de "alto escalão". Talvez o tom excessivamente academicista que a autora emprega na narrativa tenha me afastado de um envolvimento maior com o universo ao qual ela nos introduz aqui. Nem mesmo a personagem de Laura Benson, atuando, ao que me parece, como uma espécie de alter-ego da diretora, consegue nos aproximar mais daqueles personagens, e talvez aí é que esteja o meu maior problema com o projeto, afinal, como é que algo que se proponha a falar sobre intimidade possa terminar com uma sensação tão grande de distanciamento dos personagens retratados? O fato do roteiro restringir-se demais em estudar unicamente a sexualidade e corporalidade daquelas personas, sem necessariamente apresentá-las como seres humanos em suas diferentes perspectivas, é o que o torna tão impessoal e acadêmico para mim, senti falta de uma contextualização maior daqueles microcosmos para poder me conectar melhor com eles. Ao final, no entanto, a obra ainda tem muitos méritos, o elenco de atores profissionais e amadores forma uma simbiose bastante interessante, e os momentos onde personagens reais como o Christian Bayerlein aparece são os que mais me aproximaram do filme, e também os mais ricos e genuínos ao retratar diferentes formas e percepções do corpo e do sexo. Outro fato a se destacar também, é o respeito com que a cineasta trata estes corpos, manifestando sim a sua diferença perante aquilo que é considerado padrão dentro da sociedade, mas sem torná-los objeto de ridicularização ou shock value, mas sim, como corpos que merecem ser vistos, mostrados e, acima de tudo, amados.
Como já era de se esperar, La Lectrice é um filme inerentemente literário, mas confesso que não comprei muito a ideia do cineasta. Não me entendam mal, eu amo a literatura e já a vi ser retratada de forma espetacular por outros realizadores, como Manoel de Oliveira, por exemplo. Mas este exercício narrativo de Michel Deville causa uma estranheza negativa em sua condução, e possui um desenvolvimento anedótico que torna o ritmo muito truncado e de difícil envolvimento para o espectador. Salvo da experiência a voz encantadora de Miou-Miou que compõe a narração constante do filme, e a inserção de um belíssimo conto no meio da trama sobre um homem que leva sua mulher para um passeio no distrito da luz vermelha de Paris.
Kent Jones pode ser um estreante no cinema de ficção, mas está bem longe de ser um estranho ao cinema. Jones, antes de embarcar nesta empreitada em A Vida de Diane, foi escritor de diversas obras sobre cinema e crítico de cinema, algo não muito difícil de se identificar pela sua trama que flerta em muitos momentos com o olhar poético do prosaico, aspecto bastante presente na literatura ocidental moderna. A forma como o roteiro trata as passagens do tempo na vida da personagem-título, de forma a construir um estudo que se estende pelo tempo, lembra de certa forma o universo da escritora canadense Alice Munro, da mesma forma que os raros momentos de distanciamento da realidade e utilização do fluxo de consciência na narrativa se assemelham à literatura de Clarice Lispector. Assim, podemos concluir que A Vida de Alice soa de certo modo como um romance sobre a passagem do tempo e o peso que esta tem nas escolhas feitas por uma mulher ao longo de sua vida. E já adianto aqui, o resumo da ópera não poderia mais comovente e brilhante. É de se esperar de estreias de críticos cinematográficos na direção uma maturidade maior na condução em relação à autores com menos experiência na área. Mas o que Kent Jones nos entrega aqui é um exemplar admirável de primeiro filme, com um roteiro de enorme sensibilidade na forma como aborda dramas familiares (talvez seja o mais próxima que eu já vi de um Kenneth Lonnergan no cinema estadunidense que não o próprio), além de um respeito impressionante pelos seus atores. Mary Kay Place volta aos holofotes pela primeira vez desde os anos 90 e mostra uma atriz que talvez ninguém sabia que existia, em uma performance absolutamente humana, compassiva, imensa na dimensão que a sua personagem assume para a obra. O elenco secundário, por sua vez, é afiadíssimo e oferece momentos para quase todos brilharem, sobretudo as maravilhosas atrizes veteranas que interpretam as amigas de Diane, atrizes estas com rostos conhecidíssimos por todo mundo, mas nomes sempre esquecidos (Estelle Parsons, Andrea Martin, Deirdre O'Connell e Phyllis Somerville). Por fim, cabe dizer que "A Vida de Diane" emociona pela universalidade da história que pretende narrar. Apesar do título dar um nome à personagem, não é difícil de se colocar em seu lugar e imaginar a si mesmo como Diane, e isto não se deve somente pelo fato da construção da personagem ser feita de forma bem-sucedida, mas também porque todos nós, enquanto seres humanos, devemos encarar todos os dias uma única certeza: nós, e todos a nossa volta, um dia vamos morrer.
Li em alguma crítica por aí que "Varda por Agnès" é um grande TED Talk apresentado por Varda, e como o título já diz, sobre ela mesma. A crítica não está errada, é inegável, o documentário soa muito menos com cinema do que eu esperava desta grande autora. Mas quer saber? Se tem um TED Talk no mundo que eu gostaria de ver, este seria, sem dúvida, um TED Talk apresentado por Agnès Varda, e sinceramente, tem forma melhor de se despedir do mundo do que em uma retrospectiva gloriosa como esta? Eu, pessoalmente, acredito que não.
Lovers Rock
4.2 24O mais inesperado feel-good movie do ano, não vai sair de mim tão cedo.
Inimigos, Uma História de Amor
3.1 7Toda história de amor é também uma história de ódio em potencial", ou ao menos assim acredita Paul Mazursky, nesta adaptação do romance de Isaac Singer, muito celebrados pelos estadunidenses, mas ainda pouco conhecido aqui do outro lado do Equador.
A adaptação soa em muitos momentos como uma ideia que talvez tenha funcionado melhor na literatura, como fica evidente nas flutuações de gênero que nem sempre são orgânicas na tela, entre as gags cômicas protagonizadas pela ingênua esposa polonesa e pela fantasmagórica esposa sobrevivente do Holocausto, e os momentos mais melodramáticos que envolvem a amante interpretada por Lena Olin. Existe um gap entre esses núcleos da trama que torna tudo menos fluido do que eu esperaria de um autor já muito acostumado a mesclar o humor ao drama, como é o caso de Mazursky.
“Inimigos, uma História de Amor” no final acaba sendo mais uma boa oportunidade em contemplar o talento em cena da oponente Anjelica Huston e da bela e promissora Lena Olin, do que uma adaptação digna de representar no cinema todo o legado deste medalhão da literatura norte-americana.
O País de Deus
4.1 3Mais um dos documentários etnográficos de Louis Malle, e devo dizer que este talvez seja o meu favorito entre eles. O olhar europeu do cineasta sob as idiossincrasias da sociedade norte-americana e sua cultura político-religiosa e vida social é um interessante alento para tentar desvendar o que existe por trás deste país que criou para si mesmo uma narrativa de "vencedor" nas relações geopolíticas mundiais, tornando-se a grande referência a "ser seguida" pelo mundo ocidental, por meio de personagens banais do cotidiano que não "se sentem" ou, pelo menos, não nos parecem fazer parte desta narrativa de vitória que a nação tanto tenta vender para o resto do mundo.
Não Pense que eu vou Gritar
3.9 13"Cada dia traz incessantemente sua parcela de espanto, de desespero, e o luto que me mantém recluso e incentiva o meu autismo social. Estou à beira do derrotismo e da resignação total, mas algo dentro de mim continua a gritar. É ensurdecedor."
Ironweed
3.6 51Uma das poucas vezes em que uma grande produção de Hollywood se atreveu a olhar para os cantos sombrios da história norte-americana com sobriedade e é, infelizmente, uma obra que parece não alcançar todo seu potencial.
A escrita melancólica de Kennedy parece funcionar melhor como prosa, já quando roteirizada soa um tanto quanto um lugar comum se repetindo diversas vezes sob a mesma cadência ao longo dessas 2 horas e meia.
Devo destacar, no entanto, a excelente e realista caracterização dos personagens e as excelentes interpretações de Jack Nicholson e Meryl Streep. Com especial ênfase nesta última, quem protagoniza uma das cenas que melhor sintetiza a ideia da obra, na qual sua personagem tem um sonho lúcido enquanto canta em um café para uma platéia desinteressada, apenas para despertar do sonho e se deparar mais uma vez com a dura realidade.
O Homem Ferido
3.7 12Amores, vícios e obsessões se misturam neste bolero violento de um dos maiores provocadores do cinema francês. Gostaria que esse filme fosse mais lembrado, ele já traz muitas das características que vieram a consagrar o cinema de Chéreau, sobretudo seu olhar destemido para o ser humano e suas perversões.
Southland Tales - O Fim do Mundo
2.2 168I got soul, but I'm not a soldier
Sonho de Valsa
3.5 12 Assista AgoraAinda que já fosse fã de todos os demais trabalhos de Ana Carolina, confesso que Sonho de Valsa ainda me surpreendeu em todos os sentidos. É provavelmente o filme mais íntimo e denso da diretora, ainda que isto não desprovido de seu peculiar senso de humor. A psicologia feminina segue sendo o foco assim como em suas duas obras anteriores, mas é talvez sua obra mais rica em simbolismos e que mergulha mais fundo na psíque de sua protagonista, talvez justamente por se debruçar sobre a "fase adulta" da feminilidade, diferente dos dois filmes anteriores, ocasionando em uma inevitável identificação maior da realizadora com sua personagem central, Tereza. E como é fascinante Tereza! Seus medos, anseios, desejos, sonhos, são constantemente compartilhados com o espectador seja por meio de textos ou imagens, tornando difícil, pelo menos para mim, não sentir compaixão com a personagem e sua via crucis pessoal. sua honestidade é desconcertante e sedutora, e não teria o mesmo efeito se não fosse uma intérprete tão profundamente familiarizada com o universo da autora como é Xuxa Lopes, em estado de graça naquela que é, para mim, a interpretação de sua carreira. Uma pequena joia que merece ser mais vista e comentada!
Mar de Rosas
3.7 33 Assista AgoraAna Carolina já havia me arrebatado anteriormente com Amélia, o qual por si só já me havia feito fã da cineasta, mas agora, conferindo o restando de sua filmografia, fica bem claro, nós não temos nenhum outro realizador como ela em nosso país. Não consigo pensar em nenhum autor com uma obra tão coesiva, até mesmo em seus pontos mais baixos, como o mais recente A Primeira Missa. Seus projetos se dividem de forma bem clara entre a discussão sobre a identidade nacional (em seus documentários e todos seus filmes de ficção a partir de Amélia) e a condição feminina (na trilogia sobre o feminino, composta por este, Das Tripas Coração e Sonho de Valsa), temas muito valorizados pelo cinema brasileiro e mundial, mas jamais vistos desta forma, nesta mistura anárquica de comédia e tragédia, realidade e sonho.
Em Mar de Rosas a autora cria um anti-thriller ácido, hilário em todas suas reviravoltas e ilogismos, uma longa jornada dia a dentro na qual uma mulher e sua filha tentam fugir do poder sufocante do masculino, mas acabam invariavelmente ligadas a ele.
Coração Iluminado
3.3 29Obra com toques autobiográficos, mas inteligente o suficiente para entender que a personagem mais interessante, e verdadeira protagonista, não é o alter ego do diretor, mas seu contraponto romântico, Ana, e o seu processo de lenta e agonizante desintegração mental, sobretudo quando a personagem é defendida por Maria Luísa Mendonça, que rouba o filme todo para si sempre que aparece.
Maré, Nossa História de Amor
3.1 44 Assista AgoraAssistir a este filme sabendo que foi escrito por Lúcia Murat, uma mulher branca, de classe média alta, e já nos seus quase 60 anos à época de sua realização, torna o roteiro um pouco como aquele seu tio ou professor mais velho que quando vai falar com pessoas muito mais jovens tenta imitar o que ele pensa ser o comportamento do jovem moderno, utilizando de gírias e "expressões da contemporaneidade". O ambiente da periferia e, sobretudo, dos adolescentes da periferia, não é exatamente o mais habitual à Murat, ela tenta vencer essa barreira cultural com certo esforço, mas existe uma artificialidade na representação dessas personagens que é inevitável.
Se não bastasse a artificialidade na representação desses jovens, o roteiro ainda é muito mais óbvio e expositivo nas ligações que pretende estabelecer com a obra de Shakespeare do que era desejável, tudo soa um pouco esquemático demais, e só volta para o campo da naturalidade quando decide focar na personagem da professora de dança interpretada por Marisa Orth, talvez justamente por ser o ponto de identificação da cineasta com o filme, o que faz com que este até mesmo flerte em certo ponto em dar à ela o protagonismo.
Por mais estranho que possa parecer, no entanto, o filme ainda conseguiu me ganhar pelo seu carisma. As cenas envolvendo as aulas de dança possuem um desenvolvimento leve e divertido, e como já dito anteriormente, Marisa Orth está suficientemente confortável em cena nestes momentos para guiar todos esses jovens e inexperientes atores. entre os quais eu destacaria a estreante Cristina Lago.
Pontos também para a maravilhosa e "gravidíssima" Deize Tigrona cantando em uma cena de baile funk.
Om Dar-B-Dar
3.7 4Uma viagem lisérgica pelo idílio indiano, confesso que não entendia o que estava vendo na maioria das vezes, mas as imagens lúdicas e as estranhas e deliciosas canções que embalam a trilha sonora me fizeram ficar, e gostar.
Lourdes
3.7 12- Imagine só se (o milagre) não durar. Seria tão cruel. Como Deus poderia fazer uma coisa dessas?
- Se não durar, então não foi realmente um milagre, então Ele não está no comando.
- Quem está então?
Ratos de Praia
3.0 236Pouquíssimos tempo antes de ver Beach Rats, minha primeira experiência no cinema da promissora Eliza Hittman, estava reclamando de como as produções com enfoque em temáticas LGBTQ que possuem enfoque em personagens masculinos pareciam seguir por uma fórmula previsível e desgastada de tentar retratar a solidão do homem branco, padrão e "fora do meio" que procura apenas por sexo casual, e não consegue se conectar emocionalmente com outros homens. Por ironia, decidi ver mesmo assim, após muito protelar, um filme que teoricamente segue exatamente a mesma cartilha, mas confesso, no entanto, que dessa vez fui pego de surpresa.
Hittman, apesar de jovem, mostra a diferença que uma condução firme e sensível pode fazer em um filme. É sim, uma obra sobre um rapaz branco, padrão e fora do meio se aventurando sexualmente com estranhos, e recusando todas as formas de conexão emocional, mas a abordagem da cineasta é tão assertiva e profunda, sem quaisquer tentativas de fetichização deste personagem (como é tão comum nas outras obras), com um olhar honesto de seus profundos e desagradáveis defeitos, que eu não consegui deixar de ficar maravilhado com o seu talento. A sondagem psicológica seca, realista e sem firulas que ela realiza do protagonista lembra em muitos momentos o cinema duro e enigmático de Claire Denis, e me fez querer só ver mais dessa jovem e, ao que tudo indica, brilhante, diretora.
Relax
3.5 4Apesar de muito esquecido atualmente, Lost in America é um comédia muito peculiar de Albert Brooks que parece funcionar muito melhor hoje do que em sua época. A geração de yuppies e workaholics que sucedeu ao lançamento do filme é muito bem retratada aqui através dos dilemas de um casal que deixa de ver sentido em suas vidas funcionais.
A resolução dessa busca existencial, no entanto, apesar de previsível, me trouxe uma pontada de decepção.
A adesão ao establishment e retorno ao comodismo das escolhas práticas e convenientes termina por ser a única opção verdadeiramente viável para os personagens, o que de certa forma parece contradizer o ponto de partida do próprio roteiro.
Destaque para o bom desempenho de Julie Hagerty, que se mostrou ser uma atriz ainda melhor fora dos pastelões.
A Vida Invisível
4.3 642Passada a animosidade gerado pelas expectativas em relação ao Oscar e demais premiações em potencial, eu me sinto mais seguro para dizer que, infelizmente, A Vida Invisível não fisgou da maneira como eu esperava que fizesse. É sim, uma obra belíssima, importante, e que merece ser vista e comentada devido à discussão sempre muito bem-vinda que ela traz a respeito do machismo estrutural e das forças destrutivas do patriarcado, mas eu sinto que em termos de história, de sentimento, Karim Aïnouz, para mim, não "chega lá" completamente. Me parece que sua obsessão em arquitetar uma obra visualmente perfeita parece se sobrepor ao interesse do cineasta no próprio roteiro em certos momentos, o que pode ser responsável por uma força emotivo menor do que eu esperava. Tudo bem, a trama mergulha de cabeça no melodrama e novelesco em diversos momentos, mas não existe aqui a mesma carga dramática que torna inesquecível a experiência de ver outros filmes que seguem a mesma linha, como é o caso de "Central do Brasil". Alias, o filme só conseguiu atingir esse patamar de envolvimento com o espectador justamente quando Fernanda Montenegro aparece, no poderosíssimo ato final.
Minha teoria para explicar a minha reação diante de A Vida Invisível é que essa abordagem mais fria, característica de um esteta, vem se repetindo cada vez mais nos últimos filmes do cineasta. Isso fica bem evidente O Abismo Prateado e, sobretudo, Praia do Futuro. Sinto falta da força sentimental que a "simplicidade" de outros de seus filmes como O Céu de Suely e Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo possuíam. Aqui, como já dito anteriormente, a simplicidade e sentimento acabam ficando para o epílogo, o que é uma pena.
De toda forma, A Vida Invisível é uma obra que merece minha recomendação (até mesmo porque eu faço parte de uma minoria que não se sentiu arrebatada) e muita admiração, seja pela pertinência temática ou pela relevância que o filme adquiriu dentro de cinema. Vale ressaltar também que é uma obra muitíssimo bem acabada em sua parte técnica (da fotografia repleta de escuridões e cores quentes ao esmero na reprodução do período retratado) e que possui um dos melhores elencos femininos do ano, e meu destaque aqui fica para além das já muitos elogiadas Julia Stockler e Fernanda Montenegro, para Bárbara Santos, em uma participação que rouba a cena para si toda vez que aparece e deixa saudade sempre que sai de cena.
Atlantique
3.6 129A estreia de Mati Diop na direção mostra desde já uma das jovens cineastas mais interessantes que surgiram na última década, em uma história belíssima e muito original sobre o luto, os fantasmas do primeiro amor (em uma acepção talvez literal demais) e a luta antioligárquica de uma comunidade no Senegal que se recusa a reproduzir os clichês e estereótipos neocolonialistas a respeito do país e do continente africano que a indústria cultural ocidental sempre difundiu em seus produtos.
Uma grata surpresa que, felizmente, deve estar acessível a muitos graças a sua distribuição pela Netflix.
O Bom Pastor
3.2 36Infelizmente, envelheceu muito mal, a história que deveria ser uma crítica a hipocrisia e conservadorismo de uma comunidade hoje nem ao menos faz sentido ao se pensar em quão batidos estão o temas e "controvérsias" sobre os quais ele deveria discutir. Tenho impressão, alias, que até mesmo em sua época de lançamento, o filme já soava excessivamente carola em sua concepção de progressismo, e servia mais como uma tentativa de Hollywood em dialogar com o público cristão em uma trama contemporânea e não-bíblica.
Lembra em alguns pontos outro filme mais recente também bastante água com açúcar, mas que, por sua vez, segue conquistando o público moderno: Chocolate, de Lasse Hallström.
Agora Seremos Felizes
4.0 89 Assista AgoraMe lembrou em muitos aspectos ao universo criado por Louisa May Alcott em sua célebre e muito revisitada obra Little Women, mas confesso que este adorável musical de Vincente Minnelli me cativou mais do que qualquer adaptação do romance.
Judy Garland na flor da juventude mostra mais uma vez porque foi e sempre será uma das maiores entertainers da história do show business. É impressionante como uma figura tão miúda e delicada possuía uma das maiores vozes de todos os tempos.
Uma feliz descoberta ter o visto pela primeira vez agora. Depois de tantos anos de seu lançamento do início de minha cinefilia é incrível o quanto ainda podemos nos surpreender pelos filmes feito durante a golden age de Hollywood.
Torre das Donzelas
4.2 23Uma bela reconstrução in loco de momentos de ternura em uma época sombria. Os depoimentos das entrevistadas são sinceros e emocionantes e a dramatização (artifício do qual, confesso, não sou grande fã) é utilizada de forma pontual e como um sensível recurso narrativo.
Merece destaque entre os diversos documentários sendo lançados sobre o tema pelo seu conteúdo verdadeiramente novo e sua força emocional.
Não Me Toque
3.4 19Confesso que esperava uma reação um pouco menos morna por minha parte ao ver o tão controverso filme de Adina Pintillie, uma das escolhas mais imprevisíveis e ousadas da história do mais vanguardista dos festivais europeus de "alto escalão".
Talvez o tom excessivamente academicista que a autora emprega na narrativa tenha me afastado de um envolvimento maior com o universo ao qual ela nos introduz aqui. Nem mesmo a personagem de Laura Benson, atuando, ao que me parece, como uma espécie de alter-ego da diretora, consegue nos aproximar mais daqueles personagens, e talvez aí é que esteja o meu maior problema com o projeto, afinal, como é que algo que se proponha a falar sobre intimidade possa terminar com uma sensação tão grande de distanciamento dos personagens retratados? O fato do roteiro restringir-se demais em estudar unicamente a sexualidade e corporalidade daquelas personas, sem necessariamente apresentá-las como seres humanos em suas diferentes perspectivas, é o que o torna tão impessoal e acadêmico para mim, senti falta de uma contextualização maior daqueles microcosmos para poder me conectar melhor com eles.
Ao final, no entanto, a obra ainda tem muitos méritos, o elenco de atores profissionais e amadores forma uma simbiose bastante interessante, e os momentos onde personagens reais como o Christian Bayerlein aparece são os que mais me aproximaram do filme, e também os mais ricos e genuínos ao retratar diferentes formas e percepções do corpo e do sexo. Outro fato a se destacar também, é o respeito com que a cineasta trata estes corpos, manifestando sim a sua diferença perante aquilo que é considerado padrão dentro da sociedade, mas sem torná-los objeto de ridicularização ou shock value, mas sim, como corpos que merecem ser vistos, mostrados e, acima de tudo, amados.
Uma Leitora Bem Particular
3.5 3 Assista AgoraComo já era de se esperar, La Lectrice é um filme inerentemente literário, mas confesso que não comprei muito a ideia do cineasta.
Não me entendam mal, eu amo a literatura e já a vi ser retratada de forma espetacular por outros realizadores, como Manoel de Oliveira, por exemplo. Mas este exercício narrativo de Michel Deville causa uma estranheza negativa em sua condução, e possui um desenvolvimento anedótico que torna o ritmo muito truncado e de difícil envolvimento para o espectador.
Salvo da experiência a voz encantadora de Miou-Miou que compõe a narração constante do filme, e a inserção de um belíssimo conto no meio da trama sobre um homem que leva sua mulher para um passeio no distrito da luz vermelha de Paris.
A Vida de Diane
3.3 11Kent Jones pode ser um estreante no cinema de ficção, mas está bem longe de ser um estranho ao cinema. Jones, antes de embarcar nesta empreitada em A Vida de Diane, foi escritor de diversas obras sobre cinema e crítico de cinema, algo não muito difícil de se identificar pela sua trama que flerta em muitos momentos com o olhar poético do prosaico, aspecto bastante presente na literatura ocidental moderna.
A forma como o roteiro trata as passagens do tempo na vida da personagem-título, de forma a construir um estudo que se estende pelo tempo, lembra de certa forma o universo da escritora canadense Alice Munro, da mesma forma que os raros momentos de distanciamento da realidade e utilização do fluxo de consciência na narrativa se assemelham à literatura de Clarice Lispector.
Assim, podemos concluir que A Vida de Alice soa de certo modo como um romance sobre a passagem do tempo e o peso que esta tem nas escolhas feitas por uma mulher ao longo de sua vida. E já adianto aqui, o resumo da ópera não poderia mais comovente e brilhante.
É de se esperar de estreias de críticos cinematográficos na direção uma maturidade maior na condução em relação à autores com menos experiência na área. Mas o que Kent Jones nos entrega aqui é um exemplar admirável de primeiro filme, com um roteiro de enorme sensibilidade na forma como aborda dramas familiares (talvez seja o mais próxima que eu já vi de um Kenneth Lonnergan no cinema estadunidense que não o próprio), além de um respeito impressionante pelos seus atores.
Mary Kay Place volta aos holofotes pela primeira vez desde os anos 90 e mostra uma atriz que talvez ninguém sabia que existia, em uma performance absolutamente humana, compassiva, imensa na dimensão que a sua personagem assume para a obra. O elenco secundário, por sua vez, é afiadíssimo e oferece momentos para quase todos brilharem, sobretudo as maravilhosas atrizes veteranas que interpretam as amigas de Diane, atrizes estas com rostos conhecidíssimos por todo mundo, mas nomes sempre esquecidos (Estelle Parsons, Andrea Martin, Deirdre O'Connell e Phyllis Somerville).
Por fim, cabe dizer que "A Vida de Diane" emociona pela universalidade da história que pretende narrar. Apesar do título dar um nome à personagem, não é difícil de se colocar em seu lugar e imaginar a si mesmo como Diane, e isto não se deve somente pelo fato da construção da personagem ser feita de forma bem-sucedida, mas também porque todos nós, enquanto seres humanos, devemos encarar todos os dias uma única certeza: nós, e todos a nossa volta, um dia vamos morrer.
Varda Por Agnès
4.4 40 Assista AgoraLi em alguma crítica por aí que "Varda por Agnès" é um grande TED Talk apresentado por Varda, e como o título já diz, sobre ela mesma.
A crítica não está errada, é inegável, o documentário soa muito menos com cinema do que eu esperava desta grande autora. Mas quer saber? Se tem um TED Talk no mundo que eu gostaria de ver, este seria, sem dúvida, um TED Talk apresentado por Agnès Varda, e sinceramente, tem forma melhor de se despedir do mundo do que em uma retrospectiva gloriosa como esta? Eu, pessoalmente, acredito que não.