Há muito que desejo ver esta que é uma das mais populares comédias do cinema francês, e talvez, justamente por conta das altas expectativas, não consegui embarcar totalmente na proposta do roteiro. Apesar da trama bastante promissora, sinto que as gags cômicas não se traduzem tão bem para o nosso contexto, é um filme caracteristicamente francês em seus defeitos e qualidades. Ao passo que oferece soluções pouco previsíveis para os problemas levantados, os personagens dificilmente cativam ou despertar a simpatia do público, algo que deveria ser essencial em um filme do gênero.
O homem que diz "dou" não dá, porque quem dá mesmo não diz O homem que diz "vou" não vai, porque quando foi já não quis O homem que diz "sou" não é, porque quem é mesmo é "não sou" O homem que diz "tô" não tá, porque ninguém tá quando quer Coitado do homem que cai no canto de Ossanha, traidor
Personal Problems é provavelmente o melhor filme do Cassavetes que não foi feito por ele, mas claro, este nem poderia o ter feito. A vivência que Ishmael Reed traz para o roteiro deste filme, muito pessoal como o próprio título o atesta, é inerente à situação de um indivíduo que nasceu e cresceu numa comunidade afro-americana como a aqui retratada. A situação feminina é dissecada pelo enredo com uma sutileza e atenção raras no cinema afro-americano dos anos 70, trazendo uma oposição aos tipo caricaturais comuns no blaxploitation. A protagonista interpretada pela antropóloga Vertamae Grosvenor é surpreendente em sua representação de vida comum, e suas interações com outras mulheres tem algo de extremamente verdadeiro e cativante, algo que só é realçado pela câmera de Bill Gunn, responsável por nos aproximar mais ainda daquele universo. O fato do filme ter sido completamente capturado em vídeo, alias, cria uma espécie de ambientação ainda maior com o público de hoje com a realidade da década de 70, e talvez tenha sido até mesmo um recurso proposital de Gunn. Afinal, gravar em vídeo era não só menos caro, como também mais moderno e casual, completando o ar de filme caseiro que a obra possui, mas claro,com uma complexidade narrativa e psicológica muito maior do que qualquer filmagem amadora poderia ter. Esta é uma daquelas pequenas jóias ocultas que só estão esperando para serem descobertas pelo público, e se este nos últimos anos têm ressuscitado a obra de Oscar Micheaux e Charles Burnett, agora é a hora de fazer o mesmo com Bill Gunn.
Punk até o talo, Border Radio é mais um interessante clássico independente da geração de cineastas norte-americanos que deu luz àqueles que hoje são alguns dos maiores autores deste cinema, como Jim Jarsmusch e Gus Van Sant. Esse trio de jovens, Allison Sanders, Dean Lent e Kurt Voss pode não ter se tornado tão conhecido assim, mas não deixa de ser muito gratificante notar o quão autêntica e efervescente era a produção artística do país nesta época, e como cada geração lida de formas diferentes com as próprias limitações financeiras para criar obras originais e divertidas como esta. Resumindo, trilha sonora e personagens cativantes embalados em um filme que não é mais longo do que o necessário
Borges estaria muito orgulhoso dessa realização de seu conterrâneo, uma série de crônicas sobre o absurdo e inesperado do cotidiano, com personagens que são ao mesmo tempo singulares e banais, cada um a sua maneira. Filme delicioso e roteiro bastante inteligente, me fez ter vontade de buscar por mais coisas de Mariano Llinás, mas não sei se ainda estou preparado para enfrentar La Flor, seu novo épico novelesco de quase 15 horas de duração.
Enquanto Coppola mesmo enquanto um jovem diretor tinha em mãos um orçamento e produção consideravelmente suntuosos para a realização de sua obra mais clássica, O Poderoso Chefão, Elaine May, uma mulher de talento já mais conhecido, recém-saída de dois sucessos de bilheteria, teve de penar para conseguir fazer com que esta pequena joia sobre o crime organizado nos Estados Unidos visse a luz dia. Longe de mim querer diminuir um dos grandes clássicos do cinema que é O Poderoso Chefão, mas a diferença no tratamento que os filmes de Coppola e May tiverem antes e depois de seus lançamentos é, no mínimo, um sinal do descaso com o qual mulheres cineastas são recebidas por Hollywood. Enquanto homens que dirigiam filmes sobre máfia e o mundo do crime eram largamente aplaudidos pela crítico e pelo público, filmes como este aqui permaneceram nas sombras e nunca receberam o devido reconhecimento. A obra de Elaine May é um belíssimo retrato sobre a amizade e o fracasso em um terra de ilusões, o Estados Unidos de Richard Nixon (Mikey e Nicky foi filmado em 1973, e demorou três anos para ser lançado comercialmente). A parte das restrições que May enfrentou para fazer seu filme, é inegável que muito de seu charme vem justamente de suas raízes no cinema independente. O protagonismo de John Cassavetes, ao lado do inspiradíssimo Peter Falk, torna inegável a clara influência do cineasta aqui, e é o elemento que hoje parece ser o maior responsável pela fascinação que Mikey e Nicky vem exercendo no público que o tem redescoberto.
Dos melhores trabalhos de André Téchiné, aqui ele explora a descoberta da sexualidade e o amadurecimento com uma elegância que nunca permite que ele penda para o melodrama fácil e sentimentalista, mesmo nos momentos mais dramáticos. Digamos que é uma espécie de quadrilha drummondiana à francesa, na qual se destaca a linda e surpreendente Élodie Bouchez.
Lembra muito a loucura do cinema do Nobuhiko Obayashi, mas sem ir all the way com o non sense e experimentalismo como fazia o velho cineasta de Hausu, e portanto, sem ter o mesmo impacto e memorabilidade deste.
É compreensível o fato deste filme de um dos mais badalados cineastas americanos dos anos 70, e realizado durante o auge de sua carreira, seja tão esquecido hoje em dia. Quase tudo em Shampoo soa tão datado que a obra perdeu muito da ligação com o espectador que deveria ter na época em que foi feito, sem falar no bizarro Oscar de Lee Grant por seu papel aqui, completamente one-note e sem qualquer desenvolvimento.
Uma boa refilmagem que respeita e mantém a sensibilidade e engenhosidade do original sem perder um centésimo que seja de sua potência e tensão dramáticas, e ouso dizer até que a versão americana alcança vôos ainda mais altos que a israelense por conta da competência da performance da subestimadíssima Maggie Gyllenhaal, em momento grandioso, interpretando uma personagem que desolada pela falta de sensibilidade das pessoas no mundo contemporâneo, busca refúgio em uma criança que não é nem mesmo sua.
O mais incrível do sucesso que tem sido Roma, pelo menos para mim, é o fato de uma obra tão particular em sua concepção, que retrata sem didatismos um momento histórico específico na história do México, e uma família muito latino-americana em suas singularidades, tenha se tornado um fenômeno mundial, tanto de crítica quanto de visibilidade pelo público. Digo, quantos filmes brasileiros, absolutamente excepcionais, não passam despercebidos pelo olhar estrangeiro justamente por retratarem uma realidade idiossincrática nossa? Espero que depois de Roma, o resto do mundo aprenda passe a olhar com a mesma atenção e alteridade realidade diversas expressas pelo cinema.
Ao final das Guerras Púnicas, os romanos salgaram a terra dos cartaginenses derrotados para que nada jamais voltasse a nascer lá, o que prova que os romanos, com certeza, não previram o "triunfo" do povo de Araya, essa gente que cresceu e se fez nesta terra salgada, e vivendo em função desta. Imagino que se vivessem hoje e testemunhassem essa realidade, os romanos se perguntariam, "como é possível haver vida em um lugar como este?". Talvez tenha sido esta mesma indignação e curiosidade que moveu Benacerraf na produção desta obra, e a resposta encontrada por ela, através de suas imagens belíssimas e de impacto atemporal, não poderia ser mais óbvia e aterradora: não importam os desafios impostos pela natureza diante de possibilidades de exploração encontradas pelo capitalismo predatório. Onde houver potencial econômico, haverá vida para server como mão-de-obra, não importando o quão desumanas e miseráveis forem as condições a que devem se submeter os homens. O que prova que pelo menos uma lição bíblica o capitalista aprendeu muito bem, o verdadeiro "sal da terra" não é a matéria-prima, não é o sal de Araya, mas sim, o seu povo.
Talvez o maior problema com este filme tenha sido mesmo bad timming. Se ao menos Tamara Jenkins tivesse filmado este mesmo roteiro logo depois do excelente The Savages, isto aqui seria tão relevante e digno quanto sua obra anterior, mas agora, 11 anos depois, com tantos outros filmes já feitos sobre o tema, e com abordagens muito similares, Private Life acaba não se destacando, e servindo mais como mostruário para o talento dos ótimos Kathryn Hahn e Paul Giamatti.
É impressionante o que Sandi Tan faz aqui, contar não apenas uma história interessantíssima e cheia de reviravoltas, mas contá-la de forma tão inteligente e bem pensada, que nos esquecemos que estamos diante de um documentário. Sua narração é um triunfo dramático, assim como o roteiro que vai aos pouco entregando ao espectador o desenrolar da trama, sem nunca perder o fio da meada, e mais surpreendentemente ainda, sem nunca ser autoindulgente ou narcisista, como obras autobiográficas muitas vezes costumam ser.
Morgan Neville é pra mim o pai do cinema documental afetivo norte-americano. Deixando minhas críticas ao país e minha ideologia de lado, tudo que o cineasta tem feito nos últimos anos exalta da melhor forma possível a cultura estadunidense no que ela realmente tem de melhor, sua música e sua inesgotável crença em um amanhã mais feliz. Dito isto, essa homenagem ao até então desconhecido, pelo menos para mim, Fred Rogers, faz muitíssimo sentido, e é capaz de emocionar até mesmo quem não o conhecia antes do filme. É belíssimo, mas um aviso deve ser feito, "deixai todo cinismo, vós que entrais".
Uma obra sobre o lado psicanalítico da performance e da transformação da emoção bruta em arte pelo artista. Possui ecos de Bergman e Cassavetes, mas tudo com uma roupagem quase que psicodélica do mundo do teatro, em um experimento onírico da até então desconhecida, pelo menos por mim, Josephine Decker. Decker, assim como Helena Howard, são dois grandes nomes a se observar. A primeira se mostra uma autora singular em seus experimentos durante todo o processo, enquanto que a segunda dá voz aos mesmos de forma brilhante, em um dos mais surpreendentes tour de forces do ano. Espero que com o recente reconhecimento que o filme vem ganhando nas premiações de cinema independente esta joia seja descoberta pelos cinéfilos.
Acho que no fundo, esta é uma história sobre a necessidade humana de amor e afeto. Todos precisam de pelo menos um pouco disto para sobreviver, e Charley, no fim de suas esperanças, busca por este amor em todos os lugares, seja em Lean on Pete, em seu pai, ou sua tia. É uma bela e triste jornada que vai continuar ecoando em mim por muito tempo...
Os escandinavos são quase que pioneiros em dramas psicológicos sobre a condição feminina. Escreveram peças muito "a frente de seu tempo", como "Miss Julie" e "Uma Casa de Bonecas", trazendo uma noção de feminilidade que nunca antes havia sido contemplada pela dramaturgia mundial. Seguindo a tradição de seu país, o sueco Björn Runge relembra aquela velha frase: "por trás de todo grande homem existe uma grande mulher", mas desta vez, coloca a "grande mulher" em ênfase, e questiona a grandiosidade do homem que lhe faz sombra. Um argumento bastante interessante mas que, infelizmente, não é tão bem defendido pelo roteiro, que julga ser muito mais inteligente do que realmente é em diversos momentos. É verdade que a discussão trazida vale muito a pena, e é ancorada por atuações imensas, seja por Jonathan Pryce, no papel de um escritor narcisista e vaidoso que insiste em diminuir a própria esposa, mesmo que de forma extremamente sútil, talvez com medo de que o enorme potencial que ela possui ultrapasse seu talento, mas principalmente por Glenn Close, numa atuação finamente calibrada e cheia de nuances, afastando-se do histrionismo (mesmo que muito bem aplicado) de sua personagem mais famosa, a vilã de "Atração Fatal". Além dos dois, vale destacar também a filha de Close, a estreante Annie Starke, que interpreta muito bem sua personagem na fase jovem. O roteiro derrapa aqui e ali, em personagens e tramas que só enfraquecem o arco central, além de alguns diálogos óbvios e artificiais demais para um filme que se pretende a tratar de "alta literatura", mas sobretudo pelo final covarde, muito distante da força apresentada por Strindberg e Ibsen em suas obras-primas naturalistas de temática similar.
-Você não tem medo? -De quê? - De que eles descubram a verdade. -Humanos são como animais, liberte-os e só aí eles se darão conta da própria condição de escravos, condenando-os ao próprio sofrimento. Agora eles sofrem, mas não sabem disso.
Eu não poderia me sentir mais distante do universo country como um todo, e talvez, exatamente por isso, fiquei tão encantado com o que Chloé Zhao atingiu aqui, uma obra com tanta humanidade que consegue despir qualquer reservas que tenhamos com o contexto em que ela se situa. O protagonista abandona o seu papel de vaqueiro para encarar antes seu papel como um indivíduo, com sonhos, desejos, amores, tristezas e felicidades. A dor interna que Brady vive após o acidente, é visível em cada gesto silencioso, e as interações com a sua família são momentos de grande sensibilidade, sobretudo, nas cenas em que ele divide com a irmã deficiente. Zhao disse em certa entrevista que a intenção de seu filme é trazer uma conciliação com povo americano consigo mesmo, em uma época de tanta fragmentação política pós-Trump. E olha, que exercício brilhante de humanidade que ela realizou aqui, impossível de não se envolver e passar a compreender esta família e essa parte da população estadunidense que é tantas vezes retratada de forma tão simplista e caricatural, como ignorantes e atrasados.
É impressionante o que Bo Burnham (um dos comediantes mais brilhantes de sua geração) consegue aqui. Um homem de quase 30 anos, representar com tanta fidelidade e naturalidade os dilemas de uma pré-adolescente que cresceu com vídeos do YouTube e boy bands teens, é uma verdadeira façanha, mostra alguém muito sintonizado com o mundo em que vive, e capaz de oferecer um olhar que talvez eu nunca tivesse visto antes no cinema, talvez exatamente por se tratar de uma geração que é ainda jovem demais, e nem chegou a maioridade ainda. Roteiro incrível, de uma graça e autenticidade impressionantes, trilha sonora eletrônica sensacional, e principalmente, um casting muito preciso. Todo mundo ali parece ter sido cuidadosamente pensado para se encaixar em um arquétipo da realidade da adolescente média norte-americana.
A Vida é um Longo Rio Tranquilo
3.8 2Há muito que desejo ver esta que é uma das mais populares comédias do cinema francês, e talvez, justamente por conta das altas expectativas, não consegui embarcar totalmente na proposta do roteiro. Apesar da trama bastante promissora, sinto que as gags cômicas não se traduzem tão bem para o nosso contexto, é um filme caracteristicamente francês em seus defeitos e qualidades. Ao passo que oferece soluções pouco previsíveis para os problemas levantados, os personagens dificilmente cativam ou despertar a simpatia do público, algo que deveria ser essencial em um filme do gênero.
Democracia em Vertigem
4.1 1,3KO homem que diz "dou" não dá, porque quem dá mesmo não diz
O homem que diz "vou" não vai, porque quando foi já não quis
O homem que diz "sou" não é, porque quem é mesmo é "não sou"
O homem que diz "tô" não tá, porque ninguém tá quando quer
Coitado do homem que cai no canto de Ossanha, traidor
High Life: Uma Nova Vida
3.1 175 Assista Agora2001: Uma Odisseia Niilista no Espaço
Personal Problems
4.0 1Personal Problems é provavelmente o melhor filme do Cassavetes que não foi feito por ele, mas claro, este nem poderia o ter feito. A vivência que Ishmael Reed traz para o roteiro deste filme, muito pessoal como o próprio título o atesta, é inerente à situação de um indivíduo que nasceu e cresceu numa comunidade afro-americana como a aqui retratada.
A situação feminina é dissecada pelo enredo com uma sutileza e atenção raras no cinema afro-americano dos anos 70, trazendo uma oposição aos tipo caricaturais comuns no blaxploitation. A protagonista interpretada pela antropóloga Vertamae Grosvenor é surpreendente em sua representação de vida comum, e suas interações com outras mulheres tem algo de extremamente verdadeiro e cativante, algo que só é realçado pela câmera de Bill Gunn, responsável por nos aproximar mais ainda daquele universo.
O fato do filme ter sido completamente capturado em vídeo, alias, cria uma espécie de ambientação ainda maior com o público de hoje com a realidade da década de 70, e talvez tenha sido até mesmo um recurso proposital de Gunn. Afinal, gravar em vídeo era não só menos caro, como também mais moderno e casual, completando o ar de filme caseiro que a obra possui, mas claro,com uma complexidade narrativa e psicológica muito maior do que qualquer filmagem amadora poderia ter.
Esta é uma daquelas pequenas jóias ocultas que só estão esperando para serem descobertas pelo público, e se este nos últimos anos têm ressuscitado a obra de Oscar Micheaux e Charles Burnett, agora é a hora de fazer o mesmo com Bill Gunn.
Border Radio
3.5 1Punk até o talo, Border Radio é mais um interessante clássico independente da geração de cineastas norte-americanos que deu luz àqueles que hoje são alguns dos maiores autores deste cinema, como Jim Jarsmusch e Gus Van Sant. Esse trio de jovens, Allison Sanders, Dean Lent e Kurt Voss pode não ter se tornado tão conhecido assim, mas não deixa de ser muito gratificante notar o quão autêntica e efervescente era a produção artística do país nesta época, e como cada geração lida de formas diferentes com as próprias limitações financeiras para criar obras originais e divertidas como esta. Resumindo, trilha sonora e personagens cativantes embalados em um filme que não é mais longo do que o necessário
Histórias Extraordinárias
3.9 4Borges estaria muito orgulhoso dessa realização de seu conterrâneo, uma série de crônicas sobre o absurdo e inesperado do cotidiano, com personagens que são ao mesmo tempo singulares e banais, cada um a sua maneira. Filme delicioso e roteiro bastante inteligente, me fez ter vontade de buscar por mais coisas de Mariano Llinás, mas não sei se ainda estou preparado para enfrentar La Flor, seu novo épico novelesco de quase 15 horas de duração.
Mikey and Nicky
3.8 11Enquanto Coppola mesmo enquanto um jovem diretor tinha em mãos um orçamento e produção consideravelmente suntuosos para a realização de sua obra mais clássica, O Poderoso Chefão, Elaine May, uma mulher de talento já mais conhecido, recém-saída de dois sucessos de bilheteria, teve de penar para conseguir fazer com que esta pequena joia sobre o crime organizado nos Estados Unidos visse a luz dia.
Longe de mim querer diminuir um dos grandes clássicos do cinema que é O Poderoso Chefão, mas a diferença no tratamento que os filmes de Coppola e May tiverem antes e depois de seus lançamentos é, no mínimo, um sinal do descaso com o qual mulheres cineastas são recebidas por Hollywood.
Enquanto homens que dirigiam filmes sobre máfia e o mundo do crime eram largamente aplaudidos pela crítico e pelo público, filmes como este aqui permaneceram nas sombras e nunca receberam o devido reconhecimento. A obra de Elaine May é um belíssimo retrato sobre a amizade e o fracasso em um terra de ilusões, o Estados Unidos de Richard Nixon (Mikey e Nicky foi filmado em 1973, e demorou três anos para ser lançado comercialmente).
A parte das restrições que May enfrentou para fazer seu filme, é inegável que muito de seu charme vem justamente de suas raízes no cinema independente. O protagonismo de John Cassavetes, ao lado do inspiradíssimo Peter Falk, torna inegável a clara influência do cineasta aqui, e é o elemento que hoje parece ser o maior responsável pela fascinação que Mikey e Nicky vem exercendo no público que o tem redescoberto.
Rosas Selvagens
3.9 45Dos melhores trabalhos de André Téchiné, aqui ele explora a descoberta da sexualidade e o amadurecimento com uma elegância que nunca permite que ele penda para o melodrama fácil e sentimentalista, mesmo nos momentos mais dramáticos. Digamos que é uma espécie de quadrilha drummondiana à francesa, na qual se destaca a linda e surpreendente Élodie Bouchez.
Hiruko o Duende
3.2 5Lembra muito a loucura do cinema do Nobuhiko Obayashi, mas sem ir all the way com o non sense e experimentalismo como fazia o velho cineasta de Hausu, e portanto, sem ter o mesmo impacto e memorabilidade deste.
Sem Sol
4.2 36Relato de um certo Oriente
Shampoo
2.9 37 Assista AgoraÉ compreensível o fato deste filme de um dos mais badalados cineastas americanos dos anos 70, e realizado durante o auge de sua carreira, seja tão esquecido hoje em dia. Quase tudo em Shampoo soa tão datado que a obra perdeu muito da ligação com o espectador que deveria ter na época em que foi feito, sem falar no bizarro Oscar de Lee Grant por seu papel aqui, completamente one-note e sem qualquer desenvolvimento.
A Professora do Jardim de Infância
3.6 85 Assista AgoraUma boa refilmagem que respeita e mantém a sensibilidade e engenhosidade do original sem perder um centésimo que seja de sua potência e tensão dramáticas, e ouso dizer até que a versão americana alcança vôos ainda mais altos que a israelense por conta da competência da performance da subestimadíssima Maggie Gyllenhaal, em momento grandioso, interpretando uma personagem que desolada pela falta de sensibilidade das pessoas no mundo contemporâneo, busca refúgio em uma criança que não é nem mesmo sua.
Roma
4.1 1,4K Assista AgoraO mais incrível do sucesso que tem sido Roma, pelo menos para mim, é o fato de uma obra tão particular em sua concepção, que retrata sem didatismos um momento histórico específico na história do México, e uma família muito latino-americana em suas singularidades, tenha se tornado um fenômeno mundial, tanto de crítica quanto de visibilidade pelo público. Digo, quantos filmes brasileiros, absolutamente excepcionais, não passam despercebidos pelo olhar estrangeiro justamente por retratarem uma realidade idiossincrática nossa?
Espero que depois de Roma, o resto do mundo aprenda passe a olhar com a mesma atenção e alteridade realidade diversas expressas pelo cinema.
Araya
4.2 5Ao final das Guerras Púnicas, os romanos salgaram a terra dos cartaginenses derrotados para que nada jamais voltasse a nascer lá, o que prova que os romanos, com certeza, não previram o "triunfo" do povo de Araya, essa gente que cresceu e se fez nesta terra salgada, e vivendo em função desta.
Imagino que se vivessem hoje e testemunhassem essa realidade, os romanos se perguntariam, "como é possível haver vida em um lugar como este?". Talvez tenha sido esta mesma indignação e curiosidade que moveu Benacerraf na produção desta obra, e a resposta encontrada por ela, através de suas imagens belíssimas e de impacto atemporal, não poderia ser mais óbvia e aterradora: não importam os desafios impostos pela natureza diante de possibilidades de exploração encontradas pelo capitalismo predatório. Onde houver potencial econômico, haverá vida para server como mão-de-obra, não importando o quão desumanas e miseráveis forem as condições a que devem se submeter os homens. O que prova que pelo menos uma lição bíblica o capitalista aprendeu muito bem, o verdadeiro "sal da terra" não é a matéria-prima, não é o sal de Araya, mas sim, o seu povo.
Mais Uma Chance
3.5 98 Assista AgoraTalvez o maior problema com este filme tenha sido mesmo bad timming. Se ao menos Tamara Jenkins tivesse filmado este mesmo roteiro logo depois do excelente The Savages, isto aqui seria tão relevante e digno quanto sua obra anterior, mas agora, 11 anos depois, com tantos outros filmes já feitos sobre o tema, e com abordagens muito similares, Private Life acaba não se destacando, e servindo mais como mostruário para o talento dos ótimos Kathryn Hahn e Paul Giamatti.
Shirkers - O Filme Roubado
4.1 45 Assista AgoraÉ impressionante o que Sandi Tan faz aqui, contar não apenas uma história interessantíssima e cheia de reviravoltas, mas contá-la de forma tão inteligente e bem pensada, que nos esquecemos que estamos diante de um documentário.
Sua narração é um triunfo dramático, assim como o roteiro que vai aos pouco entregando ao espectador o desenrolar da trama, sem nunca perder o fio da meada, e mais surpreendentemente ainda, sem nunca ser autoindulgente ou narcisista, como obras autobiográficas muitas vezes costumam ser.
Fred Rogers: O Padrinho da Criançada
4.3 43Morgan Neville é pra mim o pai do cinema documental afetivo norte-americano. Deixando minhas críticas ao país e minha ideologia de lado, tudo que o cineasta tem feito nos últimos anos exalta da melhor forma possível a cultura estadunidense no que ela realmente tem de melhor, sua música e sua inesgotável crença em um amanhã mais feliz.
Dito isto, essa homenagem ao até então desconhecido, pelo menos para mim, Fred Rogers, faz muitíssimo sentido, e é capaz de emocionar até mesmo quem não o conhecia antes do filme.
É belíssimo, mas um aviso deve ser feito, "deixai todo cinismo, vós que entrais".
A Madeline de Madeline
3.2 17Uma obra sobre o lado psicanalítico da performance e da transformação da emoção bruta em arte pelo artista. Possui ecos de Bergman e Cassavetes, mas tudo com uma roupagem quase que psicodélica do mundo do teatro, em um experimento onírico da até então desconhecida, pelo menos por mim, Josephine Decker.
Decker, assim como Helena Howard, são dois grandes nomes a se observar. A primeira se mostra uma autora singular em seus experimentos durante todo o processo, enquanto que a segunda dá voz aos mesmos de forma brilhante, em um dos mais surpreendentes tour de forces do ano.
Espero que com o recente reconhecimento que o filme vem ganhando nas premiações de cinema independente esta joia seja descoberta pelos cinéfilos.
Todas as Mulheres do Mundo
4.0 89-Que processo você sugere para tornar a vida mais digna?
-O suicídio.
A Rota Selvagem
3.7 73 Assista AgoraAcho que no fundo, esta é uma história sobre a necessidade humana de amor e afeto. Todos precisam de pelo menos um pouco disto para sobreviver, e Charley, no fim de suas esperanças, busca por este amor em todos os lugares, seja em Lean on Pete, em seu pai, ou sua tia. É uma bela e triste jornada que vai continuar ecoando em mim por muito tempo...
A Esposa
3.8 557 Assista AgoraOs escandinavos são quase que pioneiros em dramas psicológicos sobre a condição feminina. Escreveram peças muito "a frente de seu tempo", como "Miss Julie" e "Uma Casa de Bonecas", trazendo uma noção de feminilidade que nunca antes havia sido contemplada pela dramaturgia mundial.
Seguindo a tradição de seu país, o sueco Björn Runge relembra aquela velha frase: "por trás de todo grande homem existe uma grande mulher", mas desta vez, coloca a "grande mulher" em ênfase, e questiona a grandiosidade do homem que lhe faz sombra. Um argumento bastante interessante mas que, infelizmente, não é tão bem defendido pelo roteiro, que julga ser muito mais inteligente do que realmente é em diversos momentos.
É verdade que a discussão trazida vale muito a pena, e é ancorada por atuações imensas, seja por Jonathan Pryce, no papel de um escritor narcisista e vaidoso que insiste em diminuir a própria esposa, mesmo que de forma extremamente sútil, talvez com medo de que o enorme potencial que ela possui ultrapasse seu talento, mas principalmente por Glenn Close, numa atuação finamente calibrada e cheia de nuances, afastando-se do histrionismo (mesmo que muito bem aplicado) de sua personagem mais famosa, a vilã de "Atração Fatal". Além dos dois, vale destacar também a filha de Close, a estreante Annie Starke, que interpreta muito bem sua personagem na fase jovem.
O roteiro derrapa aqui e ali, em personagens e tramas que só enfraquecem o arco central, além de alguns diálogos óbvios e artificiais demais para um filme que se pretende a tratar de "alta literatura", mas sobretudo pelo final covarde, muito distante da força apresentada por Strindberg e Ibsen em suas obras-primas naturalistas de temática similar.
Lazzaro Felice
4.1 217 Assista Agora-Você não tem medo?
-De quê?
- De que eles descubram a verdade.
-Humanos são como animais, liberte-os e só aí eles se darão conta da própria condição de escravos, condenando-os ao próprio sofrimento. Agora eles sofrem, mas não sabem disso.
Domando o Destino
3.8 78 Assista AgoraEu não poderia me sentir mais distante do universo country como um todo, e talvez, exatamente por isso, fiquei tão encantado com o que Chloé Zhao atingiu aqui, uma obra com tanta humanidade que consegue despir qualquer reservas que tenhamos com o contexto em que ela se situa. O protagonista abandona o seu papel de vaqueiro para encarar antes seu papel como um indivíduo, com sonhos, desejos, amores, tristezas e felicidades.
A dor interna que Brady vive após o acidente, é visível em cada gesto silencioso, e as interações com a sua família são momentos de grande sensibilidade, sobretudo, nas cenas em que ele divide com a irmã deficiente.
Zhao disse em certa entrevista que a intenção de seu filme é trazer uma conciliação com povo americano consigo mesmo, em uma época de tanta fragmentação política pós-Trump. E olha, que exercício brilhante de humanidade que ela realizou aqui, impossível de não se envolver e passar a compreender esta família e essa parte da população estadunidense que é tantas vezes retratada de forma tão simplista e caricatural, como ignorantes e atrasados.
Oitava Série
3.8 336 Assista AgoraÉ impressionante o que Bo Burnham (um dos comediantes mais brilhantes de sua geração) consegue aqui. Um homem de quase 30 anos, representar com tanta fidelidade e naturalidade os dilemas de uma pré-adolescente que cresceu com vídeos do YouTube e boy bands teens, é uma verdadeira façanha, mostra alguém muito sintonizado com o mundo em que vive, e capaz de oferecer um olhar que talvez eu nunca tivesse visto antes no cinema, talvez exatamente por se tratar de uma geração que é ainda jovem demais, e nem chegou a maioridade ainda.
Roteiro incrível, de uma graça e autenticidade impressionantes, trilha sonora eletrônica sensacional, e principalmente, um casting muito preciso. Todo mundo ali parece ter sido cuidadosamente pensado para se encaixar em um arquétipo da realidade da adolescente média norte-americana.