Necessária animação que a Disney, corajosamente, abraçou. O novo sempre vem, porém, parece tabu falar de uma garota em seus 13 anos, época marcada pela puberdade e transição à vida adulta. E, aqui, não se trata de ritos e mitos sobre crescimento do corpo ou primeira menstruação, pois é sobre algo mais profundo e adorável - os monstros internos de uma pré-adolescente. Passando pela manutenção das tradições e estabelecimento das raízes, esta obra utiliza o surrealismo do absurdo como simbologia para a mudança que a vida pede. Assim, os elementos fantásticos servem para emocionar o espectador e unir as camadas geracionais de uma família em desavença. Só que tal "magia da Pixar" pode soar forçada em determinadas situações, resultando em desdobramentos previsíveis e redundantes. Mas as intenções são válidas e o resultado é efetivo, indo do humor às lagrimas de cena em cena. Vale a sessão!
Publicado pela primeira vez em 7 de abril de 1845, 'Os Sapatinhos Vermelhos' é o conto de fadas mais famoso do poeta e autor dinamarquês Hans Christian Andersen. Trata-se da história de uma garota camponesa que deseja um par de sapatos vermelhos a qualquer custo. E consegue. Porém, ao calçá-los, os sapatos, diferentemente da sua dona, não querem parar de dançar, levando a garota ao cansaço extremo, logo, à morte. Simbolicamente refletindo a cobiça e ambição em sustentar a vaidade e luxúria humana.
Tendo como base o supracitado conto, o excelente filme OS SAPATINHOS VERMELHOS (1948), de Emeric Pressburger e Michael Powell, trabalha a magnitude da arte em várias vertentes e abstrações. Além de requintado, mexe com a intersetorialidade cultural ao juntar, numa obra só, o cinema, a literatura, o teatro, a música e a dança. Ou seja, pra quem aprecia a discussão artística é um manjar delicioso e delirante.
Fazendo o bom uso do technicolor (pois à época as gravações ainda eram em preto e branco), os diretores ingleses produzem um longa que passeia na magia das grandes produções hollywoodianas e na solidez da cinematografia europeia para entregarem um lindo e trágico musical, daqueles que deixam o queixo caído e a alma leve por horas. E sem o moralismo cristão proposto na fábula dinamarquesa. Assim, a trama se desenvolve sobre uma aspirante a bailarina que precisa, num determinado momento, escolher entre a fama e o amor.
Pode-se citar algumas narrativas quebradas como fator desconfortável ao espectador, mas todos os arcos dramáticos são muito bem trabalhados, que vai desde a rigidez talentosa da dança russa ao cenário paradisíaco e glamoroso da estância monegasca de Monte Carlo, além do embate entre o sonho e a realidade fabulado pela edição. Ademais, a cena inicial do balé 'The Red Shoes' é algo próximo da perfeição.
Enfim, um filme fantástico que não se configura como um musical autêntico nem como um drama de suspense, até porque não há personagens dúbios na trama. Todos ali são o que são e, a partir disso, desenvolvem-se no pessimismo que a vida propicia. Infelizmente é uma obra subestimada e pouco conhecida do grande público (mesmo entre os cinéfilos), porém, grandiosa e seminal, sendo um pouco responsável pelo que a sétima arte é atualmente.
Mais um blockbuster filme apocalíptico cheio de clichês do gênero "ficção científica da catástrofe". O empenho foi completamente gasto nos aspectos técnicos e efeitos especiais enquanto a horda narrativa derramava platitudes na tela - diálogos sofríveis, reviravoltas ineptas, pouca inspiração dos atores. De aproveitável tem somente a excêntrica ideia da história que, dentro do universo _sci-fi_, pode render boas tramas quando bem cuidadas, além do não realismo das viagens espaciais que sai um pouco do lugar comum de sempre querermos não escutar som no espaço por causa do vácuo. Uma esquisitice sideral.
Lembranças e memórias são sempre mais significativas para os seus donos, e isso pode virar um problema quando se quer transportar para a telona. É o caso deste filme. Tem uma história interessante, um trabalho de áudio e imagem sensacional, personagens que se destacam, mas afunda numa narrativa psicológica e intelectual desconfortante para (a maioria) os espectadores. Talvez esse toque pesado seja para desencorajar o julgamento fácil, pois relacionamentos são sempre complicados, principalmente nas proximidades e separações. Enfim, uma obra britânica de ritmo lento que tentou ser universal.
Um primor técnico magnânimo, capaz de ativar emoções diversas por meio de uma experiência sensorial inigualável. O tom acinzentado da poeira do deserto embalsando o branco doloroso do céu só reforça o ambiente sombrio e urgente que a trama quer prever. Porém, falta futuro. Por mais que os subtemas estejam atuais (colonialismo, ativismo ecológico, exploração econômica), o deslumbramento ficcional da narrativa perde força e cansa rápido demais, tornando-se indecisa. As soluções do protagonista são fáceis e apressadas, falta humanidade nos personagens, muita apresentação e pouco aprofundamento, enfim, parece que mais está por vir do que o já apresentado. Mas é grandioso pelo tamanho de tudo. E, pra quem curte, é um apuro imagético que salva a produção.
Aparentemente digressivo e bagunçado, este filme ratifica o status quo "diferentão" do diretor, pois, embora pareça, a trama não é aleatória e as histórias não são soltas. Já que o famigerado acaso é um personagem importante dentre os vários (e dispensáveis) personagens do longa. Tudo isso ligado ao fator romance. E é incrível como a apatia e a resignação dos personagens principais são retratadas - com a mais sincera das aceitações porque eles não sabem (e não conseguem) se expressar/comunicar. É uma vida comum e sem rumo baseada na teoria behaviorista de Skinner: observo, logo, ajo. Porém, por mais que essa alienação possa ser incompreensível para os espectadores, é carismática ao extremo. Em suma, uma obra sobre amadurecimento, tal qual uma corrida para os sonhos. Ou para um abraço.
Uma verdadeira viagem sobre a psiquê humana e como a nossa monstruosidade nasce da ambição efervescente de cada dia. Sofrimento, castigo, morbidez e morte causam traumas, e estes se transformam em vazios que, automaticamente, precisam ser preenchidos. Mas com quais sentimentos? Quanto mais estímulos maléficos, mais cruel será a fera humana (cuja alimentação é administrada pelo próprio homem). Uma obra interessantíssima só que com graves problemas de desequilíbrio na trama e no roteiro. Dois cenários distintos, duas histórias que pouco se conectam, dois atos com personagens secundários diferentes, enfim, um neo noir que profana e titubeia na mesma intensidade. Mas sem deixar de ser um horror cru e moderno dos lixos viventes em nós, os reais criadores de tais monstros.
Possuindo todos os sentidos e temperos da excelência do cinema italiano, esta autobiografia real e surreal é deliciosa. Aludindo ao gol de Maradona e ao entorno que tal tento simbolizou, especificamente para os napolitanos, eis uma obra política, reveladora e dotada de esperança e dor tal qual a juventude que guerreia. É cativante e perspicaz mas apresenta certas desconexões por causa do excessivo número de personagens secundários, pois muitos são deixados pra trás e outros aparecem e somem sem explicações. Mas quem há de dizer que a vida não é desconexa? Assim, nessa picotada relação de beleza e tristeza eximiamente fotografada pelas câmeras de Paolo Sorrentino, há encantos e descobertas. Logo, saboroso.
Mistura de literatura, teatro e cinema numa realidade multilíngue onde o luto e o autoconhecimento são os donos do espetáculo. Além da reconstrução pessoal (não à toa Hiroshima é escolhida como cidade da narrativa), sobre relações e afetos. E são situações complexas e complicadas retratadas, como solidão, culpa, fuga e autoflagelo, no melhor estilo do cinema oriental, com calma e precisão de detalhes (vide a leitura meticulosa do roteiro repetidas vezes), o que justifica suas três horas de duração, pois o tempo também é personagem já que se pensa o passado como estrada pra construir o futuro. Outro personagem marcante é o carro Saab 900, local onde verdades surgem como simples piscar de olhos. E, de uma maneira singela e perfurante, o realismo de Anton Tchekhov encerra esta bela obra: "você nunca conheceu a felicidade, mas espere". Não recomendado àqueles que veem filmes com pressa, pois o cochilo virá invariavelmente.
Shows ao ar livre no verão estadunidense de 1969? Sim, quase todo o mundo vai responder Woodstock. Pois para a população negra e latina do Harlem, Nova Iorque, os olhos e ouvidos estavam virados para o Festival Cultural do Harlem durante seis finais de semanas seguidos. E que não teve exposição televisiva nem midiática porque se tratava de pretos. Guerra do Vietnã, Partido dos Panteras Negras, assassinatos de líderes emblemáticos como os Kennedys, Malcolm X e Martin Luther King, toda essa atmosfera contribuiu para a revolução cultural que não foi televisionada. E gratuitamente para um mar de pessoas negras que buscavam a igualdade identitária e se libertavam das amarras do racismo pela catarse cultural chamada música. Uma joia que ficou esquecida por 50 anos mas que é imprescindível a quem ama não só a arte, mas a humanidade.
Na esteira de desmitificar os contos de fadas de reis, rainhas, príncipes e princesas, a Disney, conhecida por sua excelência na produção de animações, toca num tema ardiloso mas urgente - a instituição familiar. Sem conotações do lar como refúgio doce e acolhedor, a questão abordada é: o quanto conhecemos as pessoas da nossa família? Ou melhor, o quanto nos conhecemos dentro das nossas relações familiares? Sob o mote da opressora colonização latina (especificamente a colombiana) e baseada na terapêutica constelação familiar (ordem, pertencimento e equilíbrio), esta bela obra apresenta diversas camadas de representatividade e aceitação que se discutem entre si. Porém, falta força na magia esperada do filme, pois tudo se resolve fácil demais. Só que, mesmo assim, funciona e encanta.
Retratar personagens icônicas é andar numa linha tênue, que se torna ainda mais ardilosa por se tratar de uma personagem midiática da evangelização na TV. E não se discute a fé (nem aqui nem no filme), mas os caminhos que levaram Tammy Faye (Jessica Chastain numa atuação de gala) ao estrelato, queda e redenção. Com excessivo foco nela e no marido, muitas questões da sociedade evangélica norte-americana ficaram sem resposta. E as saídas políticas e religiosas escolhidas pelo diretor foram preenchidas com humor, o que nem sempre funciona em cinebiografias. Ou seja, o contexto crítico esperado para a obra se perdeu. Ainda assim há algo de proveitoso no longa, como conhecer a história dos precursores do televangelismo e do fascínio que o amor de Deus causa nas pessoas. Seja pro bem ou pro mal. Vale a sessão.
É inevitável não fazer comparações com o clássico original. Porém, mais inevitável ainda é querer tapar os olhos para este remake. Que sensibilidade de Spielberg! Se, nos anos 60, a disputa entre os Jets e os Sharks se dava apenas por etnias imigrantes, esta nova obra trouxe todas as lutas que o mundo do século XXI precisa atentar - racismo, transfobia, desigualdade econômica, abismo social. Isso ao som da inesquecível e inalterada trilha sonora de Leonard Bernstein e tendo como pano de fundo o amor entre diferentes no estilo Romeu e Julieta. Praticamente uma aula de como fazer musicais no cinema (referências, domínio narrativo, cores, coreografias), até chegar ao ato final que, inexplicavelmente, sai do eixo. Sem contar que a entrada e a saída do casal apaixonado acontecem abruptamente. Agora, a Rita Moreno é uma emoção à parte.
Os interessantes conflitos que acontecem/acontecerão em famílias de pais surdos e filhos ouvintes são postos em cena nesta bela, tocante, sutil e hilária obra. Não tratando a surdez como pena nem com teor de caridade, estabelece-se a possibilidade de ouvirmos além da barreira do som. E, sob tal óptica, foge da pieguice e consegue comover e prender a atenção do espectador, principalmente no que tange à equivocada dependência pelos surdos dos seus entes ouvintes. Porém, o ato final cambaleia nos momentos cafonas e de água com açúcar que o filme sempre evitou, trazendo aquela previsibilidade dos filmes do gênero, mas nada que desabone o produto final. E a escolha das canções potencializou a emoção, que visa o coração e atinge o alvo.
Parece clichê falar de filmes biográficos que usam a mesma proposta formulaica para o gênero. Neste caso, o mote esportivo dobra o conceito para o clichê do clichê: luta de classe, moral familiar, superação de obstáculos e redenção. De ritmo propositadamente lento para beneficiar a estupenda atuação de Will Smith, o longa cansa e dá a impressão de repetição (talvez seja porque o jogo de tênis seja assim). Não há arco dramático na relação pai/filhas e tudo se resolve na base da fábula contada. Ainda assim, é um filme da nossa era, por apresentar as melhores tenistas de todos os tempos se consagrando pelos seus talentos num esporte predominantemente branco e abastado. E, assim como King Richard, Venus e Serena possuem o triunfo da autodeterminação. Pois, de louco, cada um tem um pouco.
No lugar do PIB, o Butão criou o FIB, Felicidade Interna Bruta, cujo índice é avaliado pelo rei em busca de melhorias do bem estar da população. Isto é bastante claro e segue como premissa deste belo exemplar de filme butanês. Essencialmente simplória, a obra viaja as montanhas do país subindo, literalmente, em direção aos céus, onde, metaforicamente, o homem é mais humilde, cortês e feliz. No estilo "a cidade grande torna o ser humano frio e desconectado com a natureza", o longa funciona muito bem como propaganda imagética de um lindo local a ser visitado. Pois fabular sobre a corrupção pela sociedade do homem puro, apesar de bonito e singelo, não funciona em pleno século XXI. Mas, por se tratar de costumes distantes e valorização do professor, há esperança de cativar os espectadores como lição de vida oferecendo uma reflexão pronta. E quem a receber assim com certeza irá se emocionar.
Os vários significados da maternidade foram explorados em mais um colorido filme de Almodóvar. Inclusive o da mãe Espanha repleta de cicatrizes ainda abertas e dolorosas por conta de sua guerra civil. E é esse simbolismo que permeia esta intrigante obra, porém, de maneira abrupta e desconexa. Inicia-se num tema, desfoca-se, entra outra narrativa, intensifica-se e finaliza-se num anticlímax não desejado, como se o espectador fosse forçado a acreditar nas sucessivas surpresas do enredo. Mas, mesmo com as pontas soltas, é prazeroso sentir o universo feminino como a rédea principal da sociedade. Afinal, existem e estão entre nós as mães paralelas, tão sedentas de atenção quanto as películas políticas do diretor, que nos ensinam a fechar ciclos e abraçar o novo. Uma abordagem moderna e madura da história e tradição.
Um filme estadunidense feito para estadunidenses. Quem não conhece o mínimo da história de Lucille Ball (Nicole Kidman excelente!) ficará sem saber que esta foi uma das pioneiras e importantes atrizes que popularizou o sitcom nos EUA, as famigeradas séries de comédia de televisão. Recheado de gente boa no elenco (Javier Bardem também está ótimo e J.K. Simmons rouba a cena quando aparece), o longa oferece, por meio de diálogos afiados, ágeis e inteligentes, dois dramas vividos por Lucy concomitantemente: o da perseguição política, era o auge da Guerra Fria, e o do casamento com o artista cubano Desi Arnaz. Em suma, um recorte de biografia que não conseguiu capturar a magia desejada, mas que serve de insight para buscar vídeos de 'I Love Lucy' no YouTube.
A mulher não nasce mulher, torna-se mulher. Sob a bênção de Simone de Beauvoir, este belo filme retrata a dor e a delícia da maternidade, sem adereços passionais e tradicionais que foram (e são) impostos nesta modalidade, como a romantização de ser mãe. "São minhas filhas, logo, eu as amo. Mas, se eu não suportar a ideia de ser mãe? Eu posso me priorizar ao invés das minhas filhas? Por que a culpa em ser mãe desnaturada?" Sem tabu ou panfletarismo, a agonia brutal dessas questões são transformadas num thriller psicológico que sufoca tanto a personagem principal quanto o espectador. Afinal, todo mundo possui segredos e conflitos. Infelizmente, a obra tem uma dramatização carregada que enerva. Mas as atuações fazem valer a pena.
Como diria seu prólogo, uma fábula de uma tragédia verdadeira. Ou como a Princesa Diana (nascida com o sobrenome Spencer) buscava o espírito perdido daquela pessoa feliz que um dia ela fora. Drama, medo, maneirismo e paranoia ambientados de maneira fictícia nos três dias de natal de 1991, o último antes do anúncio oficial da separação do casal real. Nisso, o filme falha pois faz pouco caso de informações. Joga a trama na fita esperando que todo espectador tenha uma ideia pré-concebida da relação conflituosa de Diana com a realeza, principalmente em seu tradicionalismo exacerbado. Aliás, aquela imagem de "lady do povo" se esvai completamente nesta obra, que nada tem a ver (ainda bem!) com fofocas da corte. É a atuação da vida de Kristen Stewart.
O título já vem carregado de baixa autoestima. Além de ser um soco no estômago da geração do novo milênio, tão acostumada com a facilidade tecnológica que se desespera e se sabota diante das adversidades normais da vida real. Até porque as fronteiras do amadurecimento precisam ser ultrapassadas, por mais delicadas e perigosas possam ser. Amor e família são o pano de fundo mas o foco fixa no individual - afinal, o que Julie quer? E os diálogos (ou a falta deles) são essenciais para desnudar tal radiografia proposta pelo diretor norueguês, que joga, propositalmente, a dúvida pra brigar com a incapacidade numa personagem altamente convicta e capaz. Uma dualidade encantadora, contestadora e reflexiva.
Um musical para conhecermos um dos mitos dos musicais modernos - Jonathan Larson, em toda sua genialidade, criatividade e loucura. E como o amor pela arte é arrebatador! Após um início meio bagunçado, o filme vai se alinhando e ganhando força e energia, inclusive nos números musicais. Andrew Garfield está tão singelo e delicado que até esquecemos das falhas da obra como cinema, pois a narrativa e cadência desordenadas podem atrapalhar, já que está mais para a Broadway que para Hollywood. Porque é, realmente, uma composição apaixonante aos adoradores do teatro. E os coadjuvantes, tão carismáticos e essenciais, deveriam ter um espaço maior em seus dramas e paixões. É a metalinguagem dentro da metalinguagem que se torna um bom divertimento, mesmo aos não afeitos aos musicais.
A vida é uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, significando nada. Esta frase, proferida pelo lorde Macbeth, personagem de Denzel Washington (uma atuação colossal!), sintetiza a concepção simbólica do que o Coen mais velho, afeito às comédias de erros, buscou no Shakespeare medieval alusão à corrupção do poder contemporâneo. A tragédia anunciada quando vaidade e negacionismo andam juntos. Uma obra teatral, reflexiva, fria, monocromática e belíssima. E difícil, pois não há economia no trato rebuscado escolhido pelo diretor, o que pode afastar e cansar certos espectadores. Mas é um filme meticuloso, virtuoso e poderoso, indicando um novo gênero da sétima arte: Expressionismo Cinematográfico Shakespeariano!
O fantástico e o extraordinário sempre povoaram as imaginações do cidadão comum. Principalmente no que tange à vida fora do planeta Terra. Que, por ser invisível aos olhos nus, navega numa discussão sofística religiosa cheia de vícios e vicissitudes. E, aqui, cabe uma crítica severa à arquitetura metafísica das catedrais que, conscientemente, impõe para que a fé seja professada. Enquanto, no cinema, os anos 50 formaram a década da inventividade e pioneirismo na exploração de outras galáxias, a começar pelo clássico 'O Dia Em Que A Terra Parou' (1951), do mestre Robert Wise, e culminando com o filosófico e inspirador PLANETA PROIBIDO (1956), de Fred McLeod Wilcox, mesmo diretor de 'Lassie: A Força Do Coração' (1943).
Levemente inspirado na peça 'A Tempestade', de William Shakespeare, 'Planeta Proibido' evoca os medos do nosso subconsciente sob a efígie galáctica, quando, em linhas gerais, o ser humano domina o universo e trafega nos quatro (?) cantos do espaço sideral em viagens acima da velocidade da luz. E, como já de costume em fitas de ficção científica, para parecer mais real, a trama acontece num futuro bem distante. Assim, com todos os ingredientes no prato, roda-se a câmera muito bem equipada do diretor estadunidense.
Talvez por se tratar de uma obra incipiente, o excesso de explicações deixa sua primeira metade bastante truncada, com pouco desenvolvimento de personagens, mas já aerando o terreiro pro desfecho da trama. E é nesse ato que conhecemos o imortal Robby, O Robô, um personagem que influenciou basicamente todos os filmes sci-fi desde então. Além do toque sempre cheio de suspense do teremim, instrumentação bastante difundida nos longas do gênero. Ainda, o preenchimento vazio dos espaços em cores cinzas luminosas reforça o toque da solidão do espaço e, mesmo sem nenhum habitante no novo planeta, sentimos a presença constante de algo extrafísico por lá.
Enfim, um filme envolvente, cativante e imaginativo que mescla, engenhosamente, as tecnologias sonhadas pelo homem com o poder de ser Deus que o homem deseja. Porém, nessa brincadeira de querer ser aquilo que não é, os monstros que habitam nosso id ganham força e tomam conta dos nossos desejos conscientes, que transformamos em mito presente que assusta há tempos. Em passados tão distantes quanto o futuro espelhado por nós nas artes mundanas. E que continua a nos assustar.
Red: Crescer é uma Fera
3.9 554 Assista AgoraNecessária animação que a Disney, corajosamente, abraçou. O novo sempre vem, porém, parece tabu falar de uma garota em seus 13 anos, época marcada pela puberdade e transição à vida adulta. E, aqui, não se trata de ritos e mitos sobre crescimento do corpo ou primeira menstruação, pois é sobre algo mais profundo e adorável - os monstros internos de uma pré-adolescente. Passando pela manutenção das tradições e estabelecimento das raízes, esta obra utiliza o surrealismo do absurdo como simbologia para a mudança que a vida pede. Assim, os elementos fantásticos servem para emocionar o espectador e unir as camadas geracionais de uma família em desavença. Só que tal "magia da Pixar" pode soar forçada em determinadas situações, resultando em desdobramentos previsíveis e redundantes. Mas as intenções são válidas e o resultado é efetivo, indo do humor às lagrimas de cena em cena. Vale a sessão!
Os Sapatinhos Vermelhos
4.3 171 Assista AgoraA ARTE ESPETACULAR QUE COLORE E DANÇA
Publicado pela primeira vez em 7 de abril de 1845, 'Os Sapatinhos Vermelhos' é o conto de fadas mais famoso do poeta e autor dinamarquês Hans Christian Andersen. Trata-se da história de uma garota camponesa que deseja um par de sapatos vermelhos a qualquer custo. E consegue. Porém, ao calçá-los, os sapatos, diferentemente da sua dona, não querem parar de dançar, levando a garota ao cansaço extremo, logo, à morte. Simbolicamente refletindo a cobiça e ambição em sustentar a vaidade e luxúria humana.
Tendo como base o supracitado conto, o excelente filme OS SAPATINHOS VERMELHOS (1948), de Emeric Pressburger e Michael Powell, trabalha a magnitude da arte em várias vertentes e abstrações. Além de requintado, mexe com a intersetorialidade cultural ao juntar, numa obra só, o cinema, a literatura, o teatro, a música e a dança. Ou seja, pra quem aprecia a discussão artística é um manjar delicioso e delirante.
Fazendo o bom uso do technicolor (pois à época as gravações ainda eram em preto e branco), os diretores ingleses produzem um longa que passeia na magia das grandes produções hollywoodianas e na solidez da cinematografia europeia para entregarem um lindo e trágico musical, daqueles que deixam o queixo caído e a alma leve por horas. E sem o moralismo cristão proposto na fábula dinamarquesa. Assim, a trama se desenvolve sobre uma aspirante a bailarina que precisa, num determinado momento, escolher entre a fama e o amor.
Pode-se citar algumas narrativas quebradas como fator desconfortável ao espectador, mas todos os arcos dramáticos são muito bem trabalhados, que vai desde a rigidez talentosa da dança russa ao cenário paradisíaco e glamoroso da estância monegasca de Monte Carlo, além do embate entre o sonho e a realidade fabulado pela edição. Ademais, a cena inicial do balé 'The Red Shoes' é algo próximo da perfeição.
Enfim, um filme fantástico que não se configura como um musical autêntico nem como um drama de suspense, até porque não há personagens dúbios na trama. Todos ali são o que são e, a partir disso, desenvolvem-se no pessimismo que a vida propicia. Infelizmente é uma obra subestimada e pouco conhecida do grande público (mesmo entre os cinéfilos), porém, grandiosa e seminal, sendo um pouco responsável pelo que a sétima arte é atualmente.
Moonfall: Ameaça Lunar
2.4 550 Assista AgoraMais um blockbuster filme apocalíptico cheio de clichês do gênero "ficção científica da catástrofe". O empenho foi completamente gasto nos aspectos técnicos e efeitos especiais enquanto a horda narrativa derramava platitudes na tela - diálogos sofríveis, reviravoltas ineptas, pouca inspiração dos atores. De aproveitável tem somente a excêntrica ideia da história que, dentro do universo _sci-fi_, pode render boas tramas quando bem cuidadas, além do não realismo das viagens espaciais que sai um pouco do lugar comum de sempre querermos não escutar som no espaço por causa do vácuo. Uma esquisitice sideral.
O Souvenir
3.0 51 Assista AgoraLembranças e memórias são sempre mais significativas para os seus donos, e isso pode virar um problema quando se quer transportar para a telona. É o caso deste filme. Tem uma história interessante, um trabalho de áudio e imagem sensacional, personagens que se destacam, mas afunda numa narrativa psicológica e intelectual desconfortante para (a maioria) os espectadores. Talvez esse toque pesado seja para desencorajar o julgamento fácil, pois relacionamentos são sempre complicados, principalmente nas proximidades e separações. Enfim, uma obra britânica de ritmo lento que tentou ser universal.
Duna: Parte 1
3.8 1,6K Assista AgoraUm primor técnico magnânimo, capaz de ativar emoções diversas por meio de uma experiência sensorial inigualável. O tom acinzentado da poeira do deserto embalsando o branco doloroso do céu só reforça o ambiente sombrio e urgente que a trama quer prever. Porém, falta futuro. Por mais que os subtemas estejam atuais (colonialismo, ativismo ecológico, exploração econômica), o deslumbramento ficcional da narrativa perde força e cansa rápido demais, tornando-se indecisa. As soluções do protagonista são fáceis e apressadas, falta humanidade nos personagens, muita apresentação e pouco aprofundamento, enfim, parece que mais está por vir do que o já apresentado. Mas é grandioso pelo tamanho de tudo. E, pra quem curte, é um apuro imagético que salva a produção.
Licorice Pizza
3.5 596Aparentemente digressivo e bagunçado, este filme ratifica o status quo "diferentão" do diretor, pois, embora pareça, a trama não é aleatória e as histórias não são soltas. Já que o famigerado acaso é um personagem importante dentre os vários (e dispensáveis) personagens do longa. Tudo isso ligado ao fator romance. E é incrível como a apatia e a resignação dos personagens principais são retratadas - com a mais sincera das aceitações porque eles não sabem (e não conseguem) se expressar/comunicar. É uma vida comum e sem rumo baseada na teoria behaviorista de Skinner: observo, logo, ajo. Porém, por mais que essa alienação possa ser incompreensível para os espectadores, é carismática ao extremo. Em suma, uma obra sobre amadurecimento, tal qual uma corrida para os sonhos. Ou para um abraço.
O Beco do Pesadelo
3.5 496 Assista AgoraUma verdadeira viagem sobre a psiquê humana e como a nossa monstruosidade nasce da ambição efervescente de cada dia. Sofrimento, castigo, morbidez e morte causam traumas, e estes se transformam em vazios que, automaticamente, precisam ser preenchidos. Mas com quais sentimentos? Quanto mais estímulos maléficos, mais cruel será a fera humana (cuja alimentação é administrada pelo próprio homem). Uma obra interessantíssima só que com graves problemas de desequilíbrio na trama e no roteiro. Dois cenários distintos, duas histórias que pouco se conectam, dois atos com personagens secundários diferentes, enfim, um neo noir que profana e titubeia na mesma intensidade. Mas sem deixar de ser um horror cru e moderno dos lixos viventes em nós, os reais criadores de tais monstros.
A Mão de Deus
3.6 189Possuindo todos os sentidos e temperos da excelência do cinema italiano, esta autobiografia real e surreal é deliciosa. Aludindo ao gol de Maradona e ao entorno que tal tento simbolizou, especificamente para os napolitanos, eis uma obra política, reveladora e dotada de esperança e dor tal qual a juventude que guerreia. É cativante e perspicaz mas apresenta certas desconexões por causa do excessivo número de personagens secundários, pois muitos são deixados pra trás e outros aparecem e somem sem explicações. Mas quem há de dizer que a vida não é desconexa? Assim, nessa picotada relação de beleza e tristeza eximiamente fotografada pelas câmeras de Paolo Sorrentino, há encantos e descobertas. Logo, saboroso.
Drive My Car
3.8 382 Assista AgoraMistura de literatura, teatro e cinema numa realidade multilíngue onde o luto e o autoconhecimento são os donos do espetáculo. Além da reconstrução pessoal (não à toa Hiroshima é escolhida como cidade da narrativa), sobre relações e afetos. E são situações complexas e complicadas retratadas, como solidão, culpa, fuga e autoflagelo, no melhor estilo do cinema oriental, com calma e precisão de detalhes (vide a leitura meticulosa do roteiro repetidas vezes), o que justifica suas três horas de duração, pois o tempo também é personagem já que se pensa o passado como estrada pra construir o futuro. Outro personagem marcante é o carro Saab 900, local onde verdades surgem como simples piscar de olhos. E, de uma maneira singela e perfurante, o realismo de Anton Tchekhov encerra esta bela obra: "você nunca conheceu a felicidade, mas espere". Não recomendado àqueles que veem filmes com pressa, pois o cochilo virá invariavelmente.
Summer of Soul (...ou, Quando A Revolução Não Pôde Ser …
4.3 61 Assista AgoraShows ao ar livre no verão estadunidense de 1969? Sim, quase todo o mundo vai responder Woodstock. Pois para a população negra e latina do Harlem, Nova Iorque, os olhos e ouvidos estavam virados para o Festival Cultural do Harlem durante seis finais de semanas seguidos. E que não teve exposição televisiva nem midiática porque se tratava de pretos. Guerra do Vietnã, Partido dos Panteras Negras, assassinatos de líderes emblemáticos como os Kennedys, Malcolm X e Martin Luther King, toda essa atmosfera contribuiu para a revolução cultural que não foi televisionada. E gratuitamente para um mar de pessoas negras que buscavam a igualdade identitária e se libertavam das amarras do racismo pela catarse cultural chamada música. Uma joia que ficou esquecida por 50 anos mas que é imprescindível a quem ama não só a arte, mas a humanidade.
Encanto
3.8 804Na esteira de desmitificar os contos de fadas de reis, rainhas, príncipes e princesas, a Disney, conhecida por sua excelência na produção de animações, toca num tema ardiloso mas urgente - a instituição familiar. Sem conotações do lar como refúgio doce e acolhedor, a questão abordada é: o quanto conhecemos as pessoas da nossa família? Ou melhor, o quanto nos conhecemos dentro das nossas relações familiares? Sob o mote da opressora colonização latina (especificamente a colombiana) e baseada na terapêutica constelação familiar (ordem, pertencimento e equilíbrio), esta bela obra apresenta diversas camadas de representatividade e aceitação que se discutem entre si. Porém, falta força na magia esperada do filme, pois tudo se resolve fácil demais. Só que, mesmo assim, funciona e encanta.
Os Olhos de Tammy Faye
3.3 177 Assista AgoraRetratar personagens icônicas é andar numa linha tênue, que se torna ainda mais ardilosa por se tratar de uma personagem midiática da evangelização na TV. E não se discute a fé (nem aqui nem no filme), mas os caminhos que levaram Tammy Faye (Jessica Chastain numa atuação de gala) ao estrelato, queda e redenção. Com excessivo foco nela e no marido, muitas questões da sociedade evangélica norte-americana ficaram sem resposta. E as saídas políticas e religiosas escolhidas pelo diretor foram preenchidas com humor, o que nem sempre funciona em cinebiografias. Ou seja, o contexto crítico esperado para a obra se perdeu. Ainda assim há algo de proveitoso no longa, como conhecer a história dos precursores do televangelismo e do fascínio que o amor de Deus causa nas pessoas. Seja pro bem ou pro mal. Vale a sessão.
Amor, Sublime Amor
3.4 355 Assista AgoraÉ inevitável não fazer comparações com o clássico original. Porém, mais inevitável ainda é querer tapar os olhos para este remake. Que sensibilidade de Spielberg! Se, nos anos 60, a disputa entre os Jets e os Sharks se dava apenas por etnias imigrantes, esta nova obra trouxe todas as lutas que o mundo do século XXI precisa atentar - racismo, transfobia, desigualdade econômica, abismo social. Isso ao som da inesquecível e inalterada trilha sonora de Leonard Bernstein e tendo como pano de fundo o amor entre diferentes no estilo Romeu e Julieta. Praticamente uma aula de como fazer musicais no cinema (referências, domínio narrativo, cores, coreografias), até chegar ao ato final que, inexplicavelmente, sai do eixo. Sem contar que a entrada e a saída do casal apaixonado acontecem abruptamente. Agora, a Rita Moreno é uma emoção à parte.
No Ritmo do Coração
4.1 752 Assista AgoraOs interessantes conflitos que acontecem/acontecerão em famílias de pais surdos e filhos ouvintes são postos em cena nesta bela, tocante, sutil e hilária obra. Não tratando a surdez como pena nem com teor de caridade, estabelece-se a possibilidade de ouvirmos além da barreira do som. E, sob tal óptica, foge da pieguice e consegue comover e prender a atenção do espectador, principalmente no que tange à equivocada dependência pelos surdos dos seus entes ouvintes. Porém, o ato final cambaleia nos momentos cafonas e de água com açúcar que o filme sempre evitou, trazendo aquela previsibilidade dos filmes do gênero, mas nada que desabone o produto final. E a escolha das canções potencializou a emoção, que visa o coração e atinge o alvo.
King Richard: Criando Campeãs
3.8 408Parece clichê falar de filmes biográficos que usam a mesma proposta formulaica para o gênero. Neste caso, o mote esportivo dobra o conceito para o clichê do clichê: luta de classe, moral familiar, superação de obstáculos e redenção. De ritmo propositadamente lento para beneficiar a estupenda atuação de Will Smith, o longa cansa e dá a impressão de repetição (talvez seja porque o jogo de tênis seja assim). Não há arco dramático na relação pai/filhas e tudo se resolve na base da fábula contada. Ainda assim, é um filme da nossa era, por apresentar as melhores tenistas de todos os tempos se consagrando pelos seus talentos num esporte predominantemente branco e abastado. E, assim como King Richard, Venus e Serena possuem o triunfo da autodeterminação. Pois, de louco, cada um tem um pouco.
A Felicidade das Pequenas Coisas
4.0 96 Assista AgoraNo lugar do PIB, o Butão criou o FIB, Felicidade Interna Bruta, cujo índice é avaliado pelo rei em busca de melhorias do bem estar da população. Isto é bastante claro e segue como premissa deste belo exemplar de filme butanês. Essencialmente simplória, a obra viaja as montanhas do país subindo, literalmente, em direção aos céus, onde, metaforicamente, o homem é mais humilde, cortês e feliz. No estilo "a cidade grande torna o ser humano frio e desconectado com a natureza", o longa funciona muito bem como propaganda imagética de um lindo local a ser visitado. Pois fabular sobre a corrupção pela sociedade do homem puro, apesar de bonito e singelo, não funciona em pleno século XXI. Mas, por se tratar de costumes distantes e valorização do professor, há esperança de cativar os espectadores como lição de vida oferecendo uma reflexão pronta. E quem a receber assim com certeza irá se emocionar.
Mães Paralelas
3.7 411Os vários significados da maternidade foram explorados em mais um colorido filme de Almodóvar. Inclusive o da mãe Espanha repleta de cicatrizes ainda abertas e dolorosas por conta de sua guerra civil. E é esse simbolismo que permeia esta intrigante obra, porém, de maneira abrupta e desconexa. Inicia-se num tema, desfoca-se, entra outra narrativa, intensifica-se e finaliza-se num anticlímax não desejado, como se o espectador fosse forçado a acreditar nas sucessivas surpresas do enredo. Mas, mesmo com as pontas soltas, é prazeroso sentir o universo feminino como a rédea principal da sociedade. Afinal, existem e estão entre nós as mães paralelas, tão sedentas de atenção quanto as películas políticas do diretor, que nos ensinam a fechar ciclos e abraçar o novo. Uma abordagem moderna e madura da história e tradição.
Apresentando os Ricardos
3.2 179Um filme estadunidense feito para estadunidenses. Quem não conhece o mínimo da história de Lucille Ball (Nicole Kidman excelente!) ficará sem saber que esta foi uma das pioneiras e importantes atrizes que popularizou o sitcom nos EUA, as famigeradas séries de comédia de televisão. Recheado de gente boa no elenco (Javier Bardem também está ótimo e J.K. Simmons rouba a cena quando aparece), o longa oferece, por meio de diálogos afiados, ágeis e inteligentes, dois dramas vividos por Lucy concomitantemente: o da perseguição política, era o auge da Guerra Fria, e o do casamento com o artista cubano Desi Arnaz. Em suma, um recorte de biografia que não conseguiu capturar a magia desejada, mas que serve de insight para buscar vídeos de 'I Love Lucy' no YouTube.
A Filha Perdida
3.6 573A mulher não nasce mulher, torna-se mulher. Sob a bênção de Simone de Beauvoir, este belo filme retrata a dor e a delícia da maternidade, sem adereços passionais e tradicionais que foram (e são) impostos nesta modalidade, como a romantização de ser mãe. "São minhas filhas, logo, eu as amo. Mas, se eu não suportar a ideia de ser mãe? Eu posso me priorizar ao invés das minhas filhas? Por que a culpa em ser mãe desnaturada?" Sem tabu ou panfletarismo, a agonia brutal dessas questões são transformadas num thriller psicológico que sufoca tanto a personagem principal quanto o espectador. Afinal, todo mundo possui segredos e conflitos. Infelizmente, a obra tem uma dramatização carregada que enerva. Mas as atuações fazem valer a pena.
Spencer
3.7 569 Assista AgoraComo diria seu prólogo, uma fábula de uma tragédia verdadeira. Ou como a Princesa Diana (nascida com o sobrenome Spencer) buscava o espírito perdido daquela pessoa feliz que um dia ela fora. Drama, medo, maneirismo e paranoia ambientados de maneira fictícia nos três dias de natal de 1991, o último antes do anúncio oficial da separação do casal real. Nisso, o filme falha pois faz pouco caso de informações. Joga a trama na fita esperando que todo espectador tenha uma ideia pré-concebida da relação conflituosa de Diana com a realeza, principalmente em seu tradicionalismo exacerbado. Aliás, aquela imagem de "lady do povo" se esvai completamente nesta obra, que nada tem a ver (ainda bem!) com fofocas da corte. É a atuação da vida de Kristen Stewart.
A Pior Pessoa do Mundo
4.0 601 Assista AgoraO título já vem carregado de baixa autoestima. Além de ser um soco no estômago da geração do novo milênio, tão acostumada com a facilidade tecnológica que se desespera e se sabota diante das adversidades normais da vida real. Até porque as fronteiras do amadurecimento precisam ser ultrapassadas, por mais delicadas e perigosas possam ser. Amor e família são o pano de fundo mas o foco fixa no individual - afinal, o que Julie quer? E os diálogos (ou a falta deles) são essenciais para desnudar tal radiografia proposta pelo diretor norueguês, que joga, propositalmente, a dúvida pra brigar com a incapacidade numa personagem altamente convicta e capaz. Uma dualidade encantadora, contestadora e reflexiva.
tick, tick... BOOM!
3.8 450Um musical para conhecermos um dos mitos dos musicais modernos - Jonathan Larson, em toda sua genialidade, criatividade e loucura. E como o amor pela arte é arrebatador! Após um início meio bagunçado, o filme vai se alinhando e ganhando força e energia, inclusive nos números musicais. Andrew Garfield está tão singelo e delicado que até esquecemos das falhas da obra como cinema, pois a narrativa e cadência desordenadas podem atrapalhar, já que está mais para a Broadway que para Hollywood. Porque é, realmente, uma composição apaixonante aos adoradores do teatro. E os coadjuvantes, tão carismáticos e essenciais, deveriam ter um espaço maior em seus dramas e paixões. É a metalinguagem dentro da metalinguagem que se torna um bom divertimento, mesmo aos não afeitos aos musicais.
A Tragédia de Macbeth
3.7 191 Assista AgoraA vida é uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, significando nada. Esta frase, proferida pelo lorde Macbeth, personagem de Denzel Washington (uma atuação colossal!), sintetiza a concepção simbólica do que o Coen mais velho, afeito às comédias de erros, buscou no Shakespeare medieval alusão à corrupção do poder contemporâneo. A tragédia anunciada quando vaidade e negacionismo andam juntos. Uma obra teatral, reflexiva, fria, monocromática e belíssima. E difícil, pois não há economia no trato rebuscado escolhido pelo diretor, o que pode afastar e cansar certos espectadores. Mas é um filme meticuloso, virtuoso e poderoso, indicando um novo gênero da sétima arte: Expressionismo Cinematográfico Shakespeariano!
Planeta Proibido
3.7 114 Assista AgoraNOSSOS PLANETAS PROIBIDOS DOS SÉCULOS PASSADOS
O fantástico e o extraordinário sempre povoaram as imaginações do cidadão comum. Principalmente no que tange à vida fora do planeta Terra. Que, por ser invisível aos olhos nus, navega numa discussão sofística religiosa cheia de vícios e vicissitudes. E, aqui, cabe uma crítica severa à arquitetura metafísica das catedrais que, conscientemente, impõe para que a fé seja professada. Enquanto, no cinema, os anos 50 formaram a década da inventividade e pioneirismo na exploração de outras galáxias, a começar pelo clássico 'O Dia Em Que A Terra Parou' (1951), do mestre Robert Wise, e culminando com o filosófico e inspirador PLANETA PROIBIDO (1956), de Fred McLeod Wilcox, mesmo diretor de 'Lassie: A Força Do Coração' (1943).
Levemente inspirado na peça 'A Tempestade', de William Shakespeare, 'Planeta Proibido' evoca os medos do nosso subconsciente sob a efígie galáctica, quando, em linhas gerais, o ser humano domina o universo e trafega nos quatro (?) cantos do espaço sideral em viagens acima da velocidade da luz. E, como já de costume em fitas de ficção científica, para parecer mais real, a trama acontece num futuro bem distante. Assim, com todos os ingredientes no prato, roda-se a câmera muito bem equipada do diretor estadunidense.
Talvez por se tratar de uma obra incipiente, o excesso de explicações deixa sua primeira metade bastante truncada, com pouco desenvolvimento de personagens, mas já aerando o terreiro pro desfecho da trama. E é nesse ato que conhecemos o imortal Robby, O Robô, um personagem que influenciou basicamente todos os filmes sci-fi desde então. Além do toque sempre cheio de suspense do teremim, instrumentação bastante difundida nos longas do gênero. Ainda, o preenchimento vazio dos espaços em cores cinzas luminosas reforça o toque da solidão do espaço e, mesmo sem nenhum habitante no novo planeta, sentimos a presença constante de algo extrafísico por lá.
Enfim, um filme envolvente, cativante e imaginativo que mescla, engenhosamente, as tecnologias sonhadas pelo homem com o poder de ser Deus que o homem deseja. Porém, nessa brincadeira de querer ser aquilo que não é, os monstros que habitam nosso id ganham força e tomam conta dos nossos desejos conscientes, que transformamos em mito presente que assusta há tempos. Em passados tão distantes quanto o futuro espelhado por nós nas artes mundanas. E que continua a nos assustar.