Este filme já valeria apenas pelas tomadas aéreas. Combate, textura, impacto, comando, imagem e som formam uma pintura artística que dificilmente alguém se esquecerá. Ainda mais por se tratar de um blockbuster hollywoodiano que arrasa quarteirões com sua fórmula esquemática mas sem indulgência. Incrível como tudo aqui é acertado - abstrações, emoções, personagens caricatos e trilha sonora inspiradíssimos, apesar do roteiro raso. Com um quê de nostalgia oitentista, este longa traz, inclusive, profundidade e dimensão ao seu antecessor de 1986. Pois, assim como Maverick, Tom Cruise é uma estrela que se recusa a desistir. Energia magnética de uma adrenalina pura, do início ao fim.
A maior chateação de se fazer um filme sobre cinema é que a maioria dos espectadores não captará os efeitos sinceros dessa metalinguagem, ainda mais numa obra situada nos anos 50 e 60. Mestre Spielberg embrulhou sua memória cinéfila e a pôs sobre a mesa do jantar dizendo: deliciem-se! São tantas referências magnânimas que até o desenvolvimento narrativo, ora brusco ora parado demais, faz-se não ser notado (personagens entram e somem numa facilidade veloz). Entrecortando a leveza das reminiscências, as situações sérias e problemáticas encaradas pelo protagonista, o alter ego do diretor, estão dispostas na fita enfatizando, sem muito impacto, seu mote dramático - família, vocação e crescimento. Assim, passando por 'O Maior Espetáculo Da Terra' (1952) e finalizando com as dicas do icônico e excelente John Ford (o cerebral David Lynch fazendo este papel é um deleite), este longa emociona os amantes da sétima arte de maneira singela e genuína. Aos que preferem um roteiro esquemático independente sem intertextualidades, paciência.
Um road movie ambientalista que, ao utilizar um burro como protagonista, a lembrança do clássico 'A Grande Testemunha' (1966), de Robert Bresson, é inevitável. Enquanto o primeiro é mais intrínseco e humanista, este aborda o bem e o mal de forma tanto racional quanto sinestésica. Paradoxalmente, suas várias sub-histórias, irrelevantes em termos narrativos, são essenciais para a mensagem que o diretor polonês quer transmitir: o homem que raciocina é o mesmo que se iguala aos animais. E Eo, o personagem principal inumano com sua feição antiexpressiva, é o espectador que convida o espectador a gritarem socorro juntos no som mais surdo que ambos conseguirem. Pois o mundo real é cruel e egoísta.
Gravada em idioma gaélico e situada em 1981, esta obra irlandesa acompanha Cáit (Catherine Clinch), uma menina de nove anos que, ao passar as férias de verão com parentes distantes, vivencia, enfim, o amor no dia a dia de um lar. Fora de sintonia e quieta na maior parte do tempo, ela está a todo momento praticando suas próprias lembranças, pois sabe que esses dias serão passageiros. Um filme poético e melancólico que demonstra as possibilidades de um mundo novo apenas ofertando o óbvio, como conversar com os familiares, tomar banho diariamente, lavar as roupas e, primordialmente, importar com as pessoas ao redor. Em resumo, um ato de esperançar para uma vida largada ao léu.
A união da crítica especializada com o público cinéfilo jovem, ambos sedentos por originalidade e inovação, foi mais fundamental pro sucesso deste filme (inclusive como favorito a ganhar todos os prêmios) do que o filme em si. Excetuando as ótimas atuações de todo elenco, esta obra é uma pândega linguística feita freneticamente que, de modo inexplicável, não responde anarquicamente às situações propostas, prefere o caminho moralista embalsamado das relações familiares. E, se o espectador não mergulhar na temática diegética da narrativa, pode sair da sala e recomeçar do zero numa outra vez. Pois a pretensão de mexer nas camadas dos versos, universos e multiversos é uma pífia desculpa para que tudo possa ser explicado arbitrariamente. Em suma, enche os olhos da geração tik tok com dinamismo e leveza e se sustenta na força feminina da história. Mas aquelas pedras com olhinhos e as mãos de salsicha foram longe demais.
Quando a gama de elogios é intensa, necessita-se de um olhar mais atento. E Brendan Fraser merece todo esse hype de aplauso por sua atuação neste pungente filme. Ele é o motor, o coração, a engrenagem e as lágrimas de uma trama que deambula em direção ao melodrama. Ao se passar quase que inteiramente num mesmo cenário, o longa namora o teatro e pincela traços claustrofóbicos, apelativos e emocionais de um personagem obeso, gay e sufocado em seus erros e arrependimentos. Cheia de camadas a serem dissecadas, inclusive sob o aspecto bíblico da libertação espiritual, a obra não se edifica e nem emociona com seus subtemas inúteis de encaixes insípidos. As palmas são, realmente, pra caracterização memorável do protagonista.
Na tradução literal temos 'Marcel A Concha Com Sapatos'. E isso faz toda diferença para o entendimento global deste comovente mocumentário, porque as críticas ao imediatismo nas redes (anti)sociais estão clarificadas em forma de "tik toks" que a geração atual adora como verdade absoluta (por que as pessoas vem tirar foto da minha casa e não atende o meu pedido?, questiona Marcel). Visto que o filme foi baseado num curta viralizado do próprio diretor, em 2010, no YouTube. Concomitantemente, há a amabilidade e a originalidade de uma história sobre as pequenas coisas que se interconectam e sustentam cada família existente no planeta, mesmo com o exagero que a narrativa oferece. Senciente, a irrealidade, nesta obra, é ressonante e vitimizada. Quanto às separações, estas partem pedaços e transformam.
Há quem diga que os gatos têm nove vidas (no Brasil, o dito afirma ser sete) e sempre caem em pé. E quando um destemido felino descobre estar na sua última vida? Sim, o medo da morte, tema incomum no mundo infanto-juvenil, ganha predicativos coloridos e brilhantes que divertem e emocionam todos os espectadores, inclusive os adultos. Pois feridas são abertas, heróis aposentados e erros do passado expostos e acolhidos, tudo isso para, inevitavelmente, demonstrar o quão a vida é valorosa. Segue a herança de seus antecessores como conto de fadas fora da curva e exemplifica, de forma lúdica e fantasiosa, os ensinamentos da vida ao público primariamente infantil. Sobretudo, com o respeito que a criançada merece.
Longe de ser desnecessária, já que tal personagem surgiu em 'Shrek 2', esta animação tem mais de bang bang italiano do que drama infanto-juvenil como na história do ogro verde. O que diverte, mesmo com o conto de fadas do pé de feijão como norte trazendo o absurdo nas magníficas e quase reais imagens tridimensionais da DreamWorks. Na verdade, o design tão bem produzido é um deleite a cada cena, seja de ação, de tristeza ou de riso. Ademais, precisaria de um elenco secundário mais bem talhado. O ovo Humpty Dumpty, por exemplo, surge criativo e se torna amoral sem argumentos robustos, o que, paradoxalmente, conflita com sua casca fina e fraca, desencascando a narrativa da trama em algumas passagens importantes da fita. Porém, o carisma natural dos seus personagens segura o espectador, bem como o charme natural dos felídeos. Enfim, um filme que navega entre aventuras e galanteios sem o humor ácido esperado que ficou nalgum lugar noutro longa.
Aproveitando os aspectos monstruosos da história original de Carlo Collodi, eis uma animação que dialoga, em tom e fidelidade, tanto com a paz infantil quanto com os assombros fascistas ecoados por aí. Sim, retratar a trama na Itália dos anos 40 mostrou-se tão acertada como necessária para apagar fagulhas que os sistemas supremacistas teimaram em cultivar. E o simbolismo da vida de Pinóquio é algo extraordinário, variando da rebeldia diante de um estado autoritário à aceitação de ser marionete deliberadamente manipulada. Há algumas soluções dramáticas fáceis demais e realidades exageradamente fantasiosas, porém, as modificações narrativas são interessantes e essenciais em cada plano do filme, como se existissem vários climaxes nesta obra sombria, poética, artesanal, emocionante e afirmativa. Guillermo Del Toro é gênio e Pinocchio é sua fábula familiar definitiva, pois não existe vida sem morte.
Você já viu esse filme em algum lugar: alguém que não é observado por ninguém entra num ambiente violento entre humanos e criaturas estranhas, torna-se amigo de um dos bichos e ensina a todos que tal selvageria é desnecessária. Porém, as ideias visuais desta animação são um deleite numa paleta de cores vivas de saturação exagerada e a trama, mesmo que derivativa, é inteligente e crítica. Até porque só se desconstrói um governo poderoso edificado por mentiras quando se usa simplesmente a verdade. E não deixa de ser uma jornada empolgante e cativante para descobrir que ser herói não significa estar sempre certo. Em resumo, não inova mas faz bem o que se propõe.
O título já traz uma ideia do quanto o diretor quer impor a cumplicidade do amor na tela. Em closes fechados, a primeira metade da fita é um ímã que aproxima Léo (Eden Dambrine) e Rémi (Gustav De Waele), dois jovens que se amam (no sentido philia da palavra), com os espectadores. Impossível imaginar um sem o outro, até que se iniciam na escola quando surge o único confronto moral da trama: seriam eles um casal homossexual? Concomitantemente à narrativa, os afetos masculinos são postos em cena e as discriminações emergem em detrimento à aceitação social, sendo necessária uma tragédia para que amizade e respeito ao próximo ganhassem vez e voz. Como se o filme rodasse numa tranquila zona de segurança. Porém, a reflexão sobre os efeitos devastadores do reacionarismo existe e desvenda uma dor silenciosa daqueles padecentes de tal preconceito. Bom filme belga.
Na parede da memória infantil, nem todas reminiscências são líricas, pois os retratos podem ser bem mais borrados que o real. Ou vice-versa. Porque as lacunas invariavelmente se tornam personagens principais numa relação quase nula. E este belo e sutil filme é sobre isso - reconstruir a imagem de uma pessoa perdida e se reconhecer na ausência. Porém, as pontas soltas são tantas (e propositais) que é preciso um espectador totalmente animado em imersões, já que as respostas não chegam e as perguntas só aumentam conforme a fita acaba. Como se não houvesse enredo, a trama, paradoxalmente, penetra e hipnotiza de forma madura sob o olhar inocente de uma criança que se encontra afetada no limite das pressões sociais e financeiras. Lembrança, conexão e pertencimento, a tríade do acolhimento necessária e carente de uma observação bem mais profunda.
Como escrito no título, um filme realmente pálido, apesar da ideia interessante de misturar o real com o irreal. O grande problema da licença poética é saber lidar com ela, pois Edgar Allan Poe não é um qualquer e isto pode trazer pré-conceitos esperançosos que tendem a dissipar à medida que a fita passa. Porque tudo aqui é trabalhado de maneira rasa, sem a profundidade dramática e engajadora que os filmes de mistério pedem. Mesmo com a costumeira excelente atuação de Christian Bale e pitadas de críticas ao engembrado sistema militar estadunidense e ao fanatismo religioso, a obra soçobra e torna-se esquecível assim que termina. Ou seja, tem bons ingredientes, panela boa e chef adequado, mas o prato veio ralo, sem sal e pouco satisfatório.
'Im Westen Nichts Neues' (1929) de Erich Maria Remarque já nasceu um clássico da literatura. Apenas em seu primeiro ano, foram vendidos mais de um milhão de exemplares. O que logo chamou a atenção do cinema fazendo com que Lewis Milestone o adaptasse, em 1930, para as telonas de Hollywood. Ou seja, nascia um mesmo clássico de uma outra arte. E, desde então, o olhar sobre as batalhas se anuviou. Por mais que quisessem dar um ar de brilhantismo ou graciosidade aos horrores de um conflito, o semblante já estava desenhado e intacto: não há nada de heroico numa guerra. O cheiro de morte é constante, o desejo por sobrevivência é primitiva e o desleixo patriótico é a regra entre os que não lutam. Neste caso, uma adaptação alemã puro sangue, o soco no estômago é ainda mais sinestésico, pois, em quatro anos da primeira guerra mundial, as trincheiras da Alemanha avançaram poucos metros, matando gerações inteiras de jovens iludidos pelo falso discurso de soberania e poderio militar. Muito bem dirigido e tecnicamente primoroso, o filme cumpre seu papel e dá um resultado satisfatório (ainda que inferior ao de Milestone), ratificando a qualidade da Netflix em produção cinematográfica. Uma imersão no horror dos campos sangrentos de batalha.
Talvez seja o cinema do absurdo mais bem trabalhado em toda história. Inicia-se com aspectos de mistério, vira romance e termina em tragédia, tudo isso trespassando pelo gênero policial especificamente hitchcockiano (o detetive apaixonado pela suspeita). É denso e virtuoso ao mesmo tempo que é confuso e soberbo, já que o uso de alguns planos-sequência são tão hiperbólicos que o resultado, para o espectador, chega a ser bem diferente daquilo que o diretor sul-coreano desejava. Até as pequenas estranhezas típicas do cinema oriental estão tomadas de presunção. Porém, não há como não se apaixonar pela personagem chinesa Seo Rae da linda atriz Tang Wei. Ela rouba a cena e nos entrega a dúvida em pele e osso, pois, às vezes, é o suspeito quem tem as perguntas. Outra coisa: dá uma vontade imensa de ver 'Um Corpo Que Cai' (1958) assim que sobem os letreiros.
A história perde força com o passar dos anos. E mesmo algo terrível que abominávamos outrora tenta retornar como farsa ao se apropriar do absolutismo das verdades em tempos de "meias notícias". Assim, o cinema, como arte cultural responsável e eficaz, necessita, de quando em quando, apresentar certos documentos que transcendem o desejo individual. É o caso desta magnífica obra que retrata, corajosamente, a humanidade perdida de uma ditadura militar argentina (não somente esta, mas de todas as outras ditaduras!) e a coragem de um povo que foi mutilado apenas por pensar diferente - ou por puro sadismo daqueles que simplesmente podiam. Com leveza e naturalidade impensadas à trama, o filme entrega um controle de câmera sensacional em sequências alternadas e crescentes, enfatizando, desde o início, a necessidade de colaboração entre as várias gerações a fim de combater um mal comum. Excelente e, sobretudo, necessário.
O som chegou ao cinema em 1927. O que é algo tão corriqueiro hoje fora uma revolução na época, tanto que este excelente filme, produzido pouco mais de cinco anos após tal "invenção", prima pela identidade sonora e musical daquilo que seria a própria identidade dos musicais que surgiriam. Namorando o teatro vaudeville (e aqui há uma nostalgia metalinguística interessante), há maravilhosas coreografias, danças e peças que só poderiam ser ofertadas em encenações fílmicas. Mesmo com roteiro inerme, a ambientação da história realizada quase que totalmente no local de trabalho preenche tanto o vazio narrativo que nem se sente falta de uma trama bem delineada. Enquadramento, ritmo, movimento de câmera, enfim, a preocupação cenográfica é total e o resultado é uma linda dança coreográfica capitaneada pelo intrépido James Cagney. Como diria Renato Russo, imaginar a vida é vê-la como um musical dos anos 30.
Enfatizando a cultura e tradições cantonesas, este divertido e extravagante filme retrata a postura tomada pelo lendário herói das artes marciais Wong Fei-Hung (1847-1924) contra a pilhagem de forças estrangeiras (inglesas, francesas e americanas) na China. Auxiliado pelas habilidades acrobáticas de um brilhante Jet Li, há presença constante da fantasiosa sensação sinestésica que o cinema de kung fu oferece, com maravilhosas sequências apesar das situações cômicas forçadas. O clímax exageradamente prolongado tira o ritmo empolgante do final, mas são admiráveis os sutis e pontuais comentários sociopolíticos ao longo da fita. Em suma, um filme de artes marciais consciente.
A arte homenageando a arte. Assim, o cinema homenageia o fascínio e a magia do teatro neste maravilhoso filme francês dos anos 40, escrito e produzido durante a ocupação nazista em Paris. E é a própria Cidade Luz a retratada num longínquo e efervescente 1840, quando quatro homens se apaixonam por uma mesma mulher. O título original, 'Les Enfants Du Paradis' (Os Filhos Do Paraíso), já é uma metalinguagem, pois faz referência ao andar mais alto dos teatros, com os ingressos mais baratos e a visão menos privilegiada do palco, conhecido como “paradis” (paraíso) ou “poulailler” (galinheiro). Tudo é encenação e poesia, lamento e destino, desejo e sofrimento. Cheia de diálogos imortais, é uma obra simples e bela tal qual o amor, que liberta o corpo e prende o coração numa exaltação a todos os sentimentos possíveis e reais.
O abuso psicológico que ocorre em situações de pseudoautoridade, principalmente quando um homem açoita a mente de uma mulher, é algo que fora denunciado há tempos mas que, infelizmente, neste mundo machista e reacionário, não se levara a sério. Esse tipo de manipulação, ora por palavras ora por gestos, ganhou notoriedade nesta obra prima do mestre nova-iorquino George Cukor, originalmente chamada 'Gaslight' (daí o nome gaslighting, que é o ato de o manipulador induzir à dúvida e, paradoxalmente, à certeza da loucura, acabando com autoestima e saúde mental da vítima indefesa). O roteiro é baseado na peça teatral de Patrick Hamilton, inaugurada em Londres sete meses antes da segunda guerra mundial começar, e disseca a opressão psicológica que se arrasta cruelmente na telona, castigando os espectadores mais empáticos em cada nova tomada de cena. Mesmo com furos e minúcias vãs na narrativa, eis um filme obrigatório e didático sobre como não olhar com inferioridade pessoa qualquer. Pois seres humanos podem ser perversos.
Apesar de estar intimamente ligado ao regime talibã, o título nada tem a ver com o terrorista Bin Laden. Filmado no Afeganistão e produzido por este país mais Japão, Irlanda, Irã e Países Baixos conjuntamente, este doloroso drama serve tanto como denúncia crua ou semidocumentário de um pensamento retrógrado e ortodoxo que mutila, literalmente, as mulheres. Principalmente Osama (estupenda atuação de Marina Golbahari), que necessitou fingir ser homem para que sua família não morresse de fome em terras afegãs. Ou o uso da fé como forma de coibir a liberdade e anular os direitos da população feminina. Um filme que não possui um roteiro engenhoso nem uma condução agradável, até porque o objetivo é incomodar o espectador. E consegue com sobras.
Esse pianista é simplesmente Charles Aznavour, que, sob a câmera de Truffaut, vive um desafortunado músico típico do imaginário do diretor francês. E, assim como veríamos nos anos posteriores da nouvelle vague truffautiana, as temáticas estão todas ali: homens indecisos e fracos, história de amor amarga, convenções e críticas sociais, natureza, reverência à música e literatura, uma ou outra criança e um ode apaixonado ao próprio cinema. Esquecido do grande público, este filme utiliza um inovador humor negro dentro do gênero policial, como os diálogos evasivos nas situações tensas da tela (alô, Quentin Tarantino!). E, ao priorizar o cinza nas cenas de perseguição, remete aos noir dos anos 40. Enfim, uma obra estranha, esquisita e desconcertante, porém, fruto de uma mistura de antagônicos que se completam, tal qual a vida de qualquer cidadão comum.
Top Gun: Maverick
4.2 1,1K Assista AgoraEste filme já valeria apenas pelas tomadas aéreas. Combate, textura, impacto, comando, imagem e som formam uma pintura artística que dificilmente alguém se esquecerá. Ainda mais por se tratar de um blockbuster hollywoodiano que arrasa quarteirões com sua fórmula esquemática mas sem indulgência. Incrível como tudo aqui é acertado - abstrações, emoções, personagens caricatos e trilha sonora inspiradíssimos, apesar do roteiro raso. Com um quê de nostalgia oitentista, este longa traz, inclusive, profundidade e dimensão ao seu antecessor de 1986. Pois, assim como Maverick, Tom Cruise é uma estrela que se recusa a desistir. Energia magnética de uma adrenalina pura, do início ao fim.
Os Fabelmans
4.0 388A maior chateação de se fazer um filme sobre cinema é que a maioria dos espectadores não captará os efeitos sinceros dessa metalinguagem, ainda mais numa obra situada nos anos 50 e 60. Mestre Spielberg embrulhou sua memória cinéfila e a pôs sobre a mesa do jantar dizendo: deliciem-se! São tantas referências magnânimas que até o desenvolvimento narrativo, ora brusco ora parado demais, faz-se não ser notado (personagens entram e somem numa facilidade veloz). Entrecortando a leveza das reminiscências, as situações sérias e problemáticas encaradas pelo protagonista, o alter ego do diretor, estão dispostas na fita enfatizando, sem muito impacto, seu mote dramático - família, vocação e crescimento. Assim, passando por 'O Maior Espetáculo Da Terra' (1952) e finalizando com as dicas do icônico e excelente John Ford (o cerebral David Lynch fazendo este papel é um deleite), este longa emociona os amantes da sétima arte de maneira singela e genuína. Aos que preferem um roteiro esquemático independente sem intertextualidades, paciência.
Eo
3.3 96 Assista AgoraUm road movie ambientalista que, ao utilizar um burro como protagonista, a lembrança do clássico 'A Grande Testemunha' (1966), de Robert Bresson, é inevitável. Enquanto o primeiro é mais intrínseco e humanista, este aborda o bem e o mal de forma tanto racional quanto sinestésica. Paradoxalmente, suas várias sub-histórias, irrelevantes em termos narrativos, são essenciais para a mensagem que o diretor polonês quer transmitir: o homem que raciocina é o mesmo que se iguala aos animais. E Eo, o personagem principal inumano com sua feição antiexpressiva, é o espectador que convida o espectador a gritarem socorro juntos no som mais surdo que ambos conseguirem. Pois o mundo real é cruel e egoísta.
A Menina Silenciosa
4.0 129 Assista AgoraGravada em idioma gaélico e situada em 1981, esta obra irlandesa acompanha Cáit (Catherine Clinch), uma menina de nove anos que, ao passar as férias de verão com parentes distantes, vivencia, enfim, o amor no dia a dia de um lar. Fora de sintonia e quieta na maior parte do tempo, ela está a todo momento praticando suas próprias lembranças, pois sabe que esses dias serão passageiros. Um filme poético e melancólico que demonstra as possibilidades de um mundo novo apenas ofertando o óbvio, como conversar com os familiares, tomar banho diariamente, lavar as roupas e, primordialmente, importar com as pessoas ao redor. Em resumo, um ato de esperançar para uma vida largada ao léu.
Tudo em Todo O Lugar ao Mesmo Tempo
4.0 2,1K Assista AgoraA união da crítica especializada com o público cinéfilo jovem, ambos sedentos por originalidade e inovação, foi mais fundamental pro sucesso deste filme (inclusive como favorito a ganhar todos os prêmios) do que o filme em si. Excetuando as ótimas atuações de todo elenco, esta obra é uma pândega linguística feita freneticamente que, de modo inexplicável, não responde anarquicamente às situações propostas, prefere o caminho moralista embalsamado das relações familiares. E, se o espectador não mergulhar na temática diegética da narrativa, pode sair da sala e recomeçar do zero numa outra vez. Pois a pretensão de mexer nas camadas dos versos, universos e multiversos é uma pífia desculpa para que tudo possa ser explicado arbitrariamente. Em suma, enche os olhos da geração tik tok com dinamismo e leveza e se sustenta na força feminina da história. Mas aquelas pedras com olhinhos e as mãos de salsicha foram longe demais.
A Baleia
4.0 1,0K Assista AgoraQuando a gama de elogios é intensa, necessita-se de um olhar mais atento. E Brendan Fraser merece todo esse hype de aplauso por sua atuação neste pungente filme. Ele é o motor, o coração, a engrenagem e as lágrimas de uma trama que deambula em direção ao melodrama. Ao se passar quase que inteiramente num mesmo cenário, o longa namora o teatro e pincela traços claustrofóbicos, apelativos e emocionais de um personagem obeso, gay e sufocado em seus erros e arrependimentos. Cheia de camadas a serem dissecadas, inclusive sob o aspecto bíblico da libertação espiritual, a obra não se edifica e nem emociona com seus subtemas inúteis de encaixes insípidos. As palmas são, realmente, pra caracterização memorável do protagonista.
Marcel a Concha de Sapatos
3.8 104 Assista AgoraNa tradução literal temos 'Marcel A Concha Com Sapatos'. E isso faz toda diferença para o entendimento global deste comovente mocumentário, porque as críticas ao imediatismo nas redes (anti)sociais estão clarificadas em forma de "tik toks" que a geração atual adora como verdade absoluta (por que as pessoas vem tirar foto da minha casa e não atende o meu pedido?, questiona Marcel). Visto que o filme foi baseado num curta viralizado do próprio diretor, em 2010, no YouTube. Concomitantemente, há a amabilidade e a originalidade de uma história sobre as pequenas coisas que se interconectam e sustentam cada família existente no planeta, mesmo com o exagero que a narrativa oferece. Senciente, a irrealidade, nesta obra, é ressonante e vitimizada. Quanto às separações, estas partem pedaços e transformam.
Os Batutinhas
3.7 1,4K Assista AgoraA nostalgia de um sábado à tarde.
Gato de Botas 2: O Último Pedido
4.1 450 Assista AgoraHá quem diga que os gatos têm nove vidas (no Brasil, o dito afirma ser sete) e sempre caem em pé. E quando um destemido felino descobre estar na sua última vida? Sim, o medo da morte, tema incomum no mundo infanto-juvenil, ganha predicativos coloridos e brilhantes que divertem e emocionam todos os espectadores, inclusive os adultos. Pois feridas são abertas, heróis aposentados e erros do passado expostos e acolhidos, tudo isso para, inevitavelmente, demonstrar o quão a vida é valorosa. Segue a herança de seus antecessores como conto de fadas fora da curva e exemplifica, de forma lúdica e fantasiosa, os ensinamentos da vida ao público primariamente infantil. Sobretudo, com o respeito que a criançada merece.
Gato de Botas
3.4 1,7K Assista AgoraLonge de ser desnecessária, já que tal personagem surgiu em 'Shrek 2', esta animação tem mais de bang bang italiano do que drama infanto-juvenil como na história do ogro verde. O que diverte, mesmo com o conto de fadas do pé de feijão como norte trazendo o absurdo nas magníficas e quase reais imagens tridimensionais da DreamWorks. Na verdade, o design tão bem produzido é um deleite a cada cena, seja de ação, de tristeza ou de riso. Ademais, precisaria de um elenco secundário mais bem talhado. O ovo Humpty Dumpty, por exemplo, surge criativo e se torna amoral sem argumentos robustos, o que, paradoxalmente, conflita com sua casca fina e fraca, desencascando a narrativa da trama em algumas passagens importantes da fita. Porém, o carisma natural dos seus personagens segura o espectador, bem como o charme natural dos felídeos. Enfim, um filme que navega entre aventuras e galanteios sem o humor ácido esperado que ficou nalgum lugar noutro longa.
Pinóquio
4.2 542 Assista AgoraAproveitando os aspectos monstruosos da história original de Carlo Collodi, eis uma animação que dialoga, em tom e fidelidade, tanto com a paz infantil quanto com os assombros fascistas ecoados por aí. Sim, retratar a trama na Itália dos anos 40 mostrou-se tão acertada como necessária para apagar fagulhas que os sistemas supremacistas teimaram em cultivar. E o simbolismo da vida de Pinóquio é algo extraordinário, variando da rebeldia diante de um estado autoritário à aceitação de ser marionete deliberadamente manipulada. Há algumas soluções dramáticas fáceis demais e realidades exageradamente fantasiosas, porém, as modificações narrativas são interessantes e essenciais em cada plano do filme, como se existissem vários climaxes nesta obra sombria, poética, artesanal, emocionante e afirmativa. Guillermo Del Toro é gênio e Pinocchio é sua fábula familiar definitiva, pois não existe vida sem morte.
A Fera do Mar
3.7 237 Assista AgoraVocê já viu esse filme em algum lugar: alguém que não é observado por ninguém entra num ambiente violento entre humanos e criaturas estranhas, torna-se amigo de um dos bichos e ensina a todos que tal selvageria é desnecessária. Porém, as ideias visuais desta animação são um deleite numa paleta de cores vivas de saturação exagerada e a trama, mesmo que derivativa, é inteligente e crítica. Até porque só se desconstrói um governo poderoso edificado por mentiras quando se usa simplesmente a verdade. E não deixa de ser uma jornada empolgante e cativante para descobrir que ser herói não significa estar sempre certo. Em resumo, não inova mas faz bem o que se propõe.
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4.2 470 Assista AgoraO título já traz uma ideia do quanto o diretor quer impor a cumplicidade do amor na tela. Em closes fechados, a primeira metade da fita é um ímã que aproxima Léo (Eden Dambrine) e Rémi (Gustav De Waele), dois jovens que se amam (no sentido philia da palavra), com os espectadores. Impossível imaginar um sem o outro, até que se iniciam na escola quando surge o único confronto moral da trama: seriam eles um casal homossexual? Concomitantemente à narrativa, os afetos masculinos são postos em cena e as discriminações emergem em detrimento à aceitação social, sendo necessária uma tragédia para que amizade e respeito ao próximo ganhassem vez e voz. Como se o filme rodasse numa tranquila zona de segurança. Porém, a reflexão sobre os efeitos devastadores do reacionarismo existe e desvenda uma dor silenciosa daqueles padecentes de tal preconceito. Bom filme belga.
Aftersun
4.1 701Na parede da memória infantil, nem todas reminiscências são líricas, pois os retratos podem ser bem mais borrados que o real. Ou vice-versa. Porque as lacunas invariavelmente se tornam personagens principais numa relação quase nula. E este belo e sutil filme é sobre isso - reconstruir a imagem de uma pessoa perdida e se reconhecer na ausência. Porém, as pontas soltas são tantas (e propositais) que é preciso um espectador totalmente animado em imersões, já que as respostas não chegam e as perguntas só aumentam conforme a fita acaba. Como se não houvesse enredo, a trama, paradoxalmente, penetra e hipnotiza de forma madura sob o olhar inocente de uma criança que se encontra afetada no limite das pressões sociais e financeiras. Lembrança, conexão e pertencimento, a tríade do acolhimento necessária e carente de uma observação bem mais profunda.
O Pálido Olho Azul
3.3 272 Assista AgoraComo escrito no título, um filme realmente pálido, apesar da ideia interessante de misturar o real com o irreal. O grande problema da licença poética é saber lidar com ela, pois Edgar Allan Poe não é um qualquer e isto pode trazer pré-conceitos esperançosos que tendem a dissipar à medida que a fita passa. Porque tudo aqui é trabalhado de maneira rasa, sem a profundidade dramática e engajadora que os filmes de mistério pedem. Mesmo com a costumeira excelente atuação de Christian Bale e pitadas de críticas ao engembrado sistema militar estadunidense e ao fanatismo religioso, a obra soçobra e torna-se esquecível assim que termina. Ou seja, tem bons ingredientes, panela boa e chef adequado, mas o prato veio ralo, sem sal e pouco satisfatório.
Nada de Novo no Front
4.0 611 Assista Agora'Im Westen Nichts Neues' (1929) de Erich Maria Remarque já nasceu um clássico da literatura. Apenas em seu primeiro ano, foram vendidos mais de um milhão de exemplares. O que logo chamou a atenção do cinema fazendo com que Lewis Milestone o adaptasse, em 1930, para as telonas de Hollywood. Ou seja, nascia um mesmo clássico de uma outra arte. E, desde então, o olhar sobre as batalhas se anuviou. Por mais que quisessem dar um ar de brilhantismo ou graciosidade aos horrores de um conflito, o semblante já estava desenhado e intacto: não há nada de heroico numa guerra. O cheiro de morte é constante, o desejo por sobrevivência é primitiva e o desleixo patriótico é a regra entre os que não lutam. Neste caso, uma adaptação alemã puro sangue, o soco no estômago é ainda mais sinestésico, pois, em quatro anos da primeira guerra mundial, as trincheiras da Alemanha avançaram poucos metros, matando gerações inteiras de jovens iludidos pelo falso discurso de soberania e poderio militar. Muito bem dirigido e tecnicamente primoroso, o filme cumpre seu papel e dá um resultado satisfatório (ainda que inferior ao de Milestone), ratificando a qualidade da Netflix em produção cinematográfica. Uma imersão no horror dos campos sangrentos de batalha.
Decisão de Partir
3.6 143Talvez seja o cinema do absurdo mais bem trabalhado em toda história. Inicia-se com aspectos de mistério, vira romance e termina em tragédia, tudo isso trespassando pelo gênero policial especificamente hitchcockiano (o detetive apaixonado pela suspeita). É denso e virtuoso ao mesmo tempo que é confuso e soberbo, já que o uso de alguns planos-sequência são tão hiperbólicos que o resultado, para o espectador, chega a ser bem diferente daquilo que o diretor sul-coreano desejava. Até as pequenas estranhezas típicas do cinema oriental estão tomadas de presunção. Porém, não há como não se apaixonar pela personagem chinesa Seo Rae da linda atriz Tang Wei. Ela rouba a cena e nos entrega a dúvida em pele e osso, pois, às vezes, é o suspeito quem tem as perguntas. Outra coisa: dá uma vontade imensa de ver 'Um Corpo Que Cai' (1958) assim que sobem os letreiros.
Argentina, 1985
4.3 334A história perde força com o passar dos anos. E mesmo algo terrível que abominávamos outrora tenta retornar como farsa ao se apropriar do absolutismo das verdades em tempos de "meias notícias". Assim, o cinema, como arte cultural responsável e eficaz, necessita, de quando em quando, apresentar certos documentos que transcendem o desejo individual. É o caso desta magnífica obra que retrata, corajosamente, a humanidade perdida de uma ditadura militar argentina (não somente esta, mas de todas as outras ditaduras!) e a coragem de um povo que foi mutilado apenas por pensar diferente - ou por puro sadismo daqueles que simplesmente podiam. Com leveza e naturalidade impensadas à trama, o filme entrega um controle de câmera sensacional em sequências alternadas e crescentes, enfatizando, desde o início, a necessidade de colaboração entre as várias gerações a fim de combater um mal comum. Excelente e, sobretudo, necessário.
Belezas em Revista
3.6 16O som chegou ao cinema em 1927. O que é algo tão corriqueiro hoje fora uma revolução na época, tanto que este excelente filme, produzido pouco mais de cinco anos após tal "invenção", prima pela identidade sonora e musical daquilo que seria a própria identidade dos musicais que surgiriam. Namorando o teatro vaudeville (e aqui há uma nostalgia metalinguística interessante), há maravilhosas coreografias, danças e peças que só poderiam ser ofertadas em encenações fílmicas. Mesmo com roteiro inerme, a ambientação da história realizada quase que totalmente no local de trabalho preenche tanto o vazio narrativo que nem se sente falta de uma trama bem delineada. Enquadramento, ritmo, movimento de câmera, enfim, a preocupação cenográfica é total e o resultado é uma linda dança coreográfica capitaneada pelo intrépido James Cagney. Como diria Renato Russo, imaginar a vida é vê-la como um musical dos anos 30.
Era Uma Vez na China
3.6 40 Assista AgoraEnfatizando a cultura e tradições cantonesas, este divertido e extravagante filme retrata a postura tomada pelo lendário herói das artes marciais Wong Fei-Hung (1847-1924) contra a pilhagem de forças estrangeiras (inglesas, francesas e americanas) na China. Auxiliado pelas habilidades acrobáticas de um brilhante Jet Li, há presença constante da fantasiosa sensação sinestésica que o cinema de kung fu oferece, com maravilhosas sequências apesar das situações cômicas forçadas. O clímax exageradamente prolongado tira o ritmo empolgante do final, mas são admiráveis os sutis e pontuais comentários sociopolíticos ao longo da fita. Em suma, um filme de artes marciais consciente.
O Boulevard do Crime
4.4 59 Assista AgoraA arte homenageando a arte. Assim, o cinema homenageia o fascínio e a magia do teatro neste maravilhoso filme francês dos anos 40, escrito e produzido durante a ocupação nazista em Paris. E é a própria Cidade Luz a retratada num longínquo e efervescente 1840, quando quatro homens se apaixonam por uma mesma mulher. O título original, 'Les Enfants Du Paradis' (Os Filhos Do Paraíso), já é uma metalinguagem, pois faz referência ao andar mais alto dos teatros, com os ingressos mais baratos e a visão menos privilegiada do palco, conhecido como “paradis” (paraíso) ou “poulailler” (galinheiro). Tudo é encenação e poesia, lamento e destino, desejo e sofrimento. Cheia de diálogos imortais, é uma obra simples e bela tal qual o amor, que liberta o corpo e prende o coração numa exaltação a todos os sentimentos possíveis e reais.
À Meia Luz
4.1 96 Assista AgoraO abuso psicológico que ocorre em situações de pseudoautoridade, principalmente quando um homem açoita a mente de uma mulher, é algo que fora denunciado há tempos mas que, infelizmente, neste mundo machista e reacionário, não se levara a sério. Esse tipo de manipulação, ora por palavras ora por gestos, ganhou notoriedade nesta obra prima do mestre nova-iorquino George Cukor, originalmente chamada 'Gaslight' (daí o nome gaslighting, que é o ato de o manipulador induzir à dúvida e, paradoxalmente, à certeza da loucura, acabando com autoestima e saúde mental da vítima indefesa). O roteiro é baseado na peça teatral de Patrick Hamilton, inaugurada em Londres sete meses antes da segunda guerra mundial começar, e disseca a opressão psicológica que se arrasta cruelmente na telona, castigando os espectadores mais empáticos em cada nova tomada de cena. Mesmo com furos e minúcias vãs na narrativa, eis um filme obrigatório e didático sobre como não olhar com inferioridade pessoa qualquer. Pois seres humanos podem ser perversos.
Osama
3.9 51Apesar de estar intimamente ligado ao regime talibã, o título nada tem a ver com o terrorista Bin Laden. Filmado no Afeganistão e produzido por este país mais Japão, Irlanda, Irã e Países Baixos conjuntamente, este doloroso drama serve tanto como denúncia crua ou semidocumentário de um pensamento retrógrado e ortodoxo que mutila, literalmente, as mulheres. Principalmente Osama (estupenda atuação de Marina Golbahari), que necessitou fingir ser homem para que sua família não morresse de fome em terras afegãs. Ou o uso da fé como forma de coibir a liberdade e anular os direitos da população feminina. Um filme que não possui um roteiro engenhoso nem uma condução agradável, até porque o objetivo é incomodar o espectador. E consegue com sobras.
Atirem no Pianista
3.7 52 Assista AgoraEsse pianista é simplesmente Charles Aznavour, que, sob a câmera de Truffaut, vive um desafortunado músico típico do imaginário do diretor francês. E, assim como veríamos nos anos posteriores da nouvelle vague truffautiana, as temáticas estão todas ali: homens indecisos e fracos, história de amor amarga, convenções e críticas sociais, natureza, reverência à música e literatura, uma ou outra criança e um ode apaixonado ao próprio cinema. Esquecido do grande público, este filme utiliza um inovador humor negro dentro do gênero policial, como os diálogos evasivos nas situações tensas da tela (alô, Quentin Tarantino!). E, ao priorizar o cinza nas cenas de perseguição, remete aos noir dos anos 40. Enfim, uma obra estranha, esquisita e desconcertante, porém, fruto de uma mistura de antagônicos que se completam, tal qual a vida de qualquer cidadão comum.