A tragédia dos Andes, realmente ocorrida em 1972, foi enredo de diversas criações artísticas e culturais desde então. Porém, cinema também é revisitação, e esta inebriante película espanhola cumpriu positivamente seu papel, tanto pelo realismo quanto pela dramatização. Pois a luta pela sobrevivência em ambientes hostis extrapolam os limites de sociedade cheirosa e limpinha. E, cá, sem a espetacularização do horror, o diretor dá um tapa bem encaixado no dogmatismo religioso e na meritocracia individual, abraçando e celebrando a união de classe para lograr o intento de todos: permanecerem-se vivos. Infelizmente, a estética se sobrepõe à trama quando, por já conhecida, poderia ser melhor lapidada. Mas nada que desabone o produto final, que, além de hipnotizar do início ao fim, é recomendado a estômagos fortes.
Um lindo filme islandês que medita sobre a fé e a fotografia de maneira interessantíssima, já que uma é revelação e a outra é imagem. E essa dicotomia perpassa toda a obra, acompanhando o pastor luterano dinamarquês Lucas (Elliott Crosset Hove) em sua árdua missão de construir uma igreja numa remota ilha da Islândia do século XIX, época em que fotografias eram raras e de manuseios difíceis. Assim como a provação do personagem principal no desenrolar da trama, seja pela viagem penosa, seja pelos pensamentos e atos maus - seria um desconforto existencial? Há ainda alfinetadas no colonialismo religioso, nas colisões culturais e na vaidade humana como pecado mortal. Logo, eis uma dolorosa fotografia fílmica cheia de revelações, tanto pela magia de Deus quanto pela derrota da fé.
No começo dos anos 80, surgia, na França, o movimento cinéma du look, onde jovens cineastas priorizavam mais o estilo que o conteúdo. Obviamente, criou-se um burburinho, pejorativo no início, que se tornou cult e influenciou gerações posteriores. Este longa, o primeiro do diretor, faz parte desse grupo, quando a pop art acompanha quase toda narrativa numa trama altamente aleatória. Porém, um êxtase cheio de desdobramentos frutos de um destino quimérico, místico e sublime. Tem um jeitão de filme B com ares de neo-noir que se transforma numa bagunça elegante - a mistura de fitas, literalmente, é uma sacada de gênio, levando à tela o encantamento da obsessão pela beleza e poder da voz humana. Uma elegante taquigrafia cinematográfica.
Como a Coreia do Norte é um dos países mais fechados e antidemocráticos do mundo, as informações sobre lá são sempre recheadas de dúvidas ou de invencionices mesmo. Neste corajoso documentário, a vida dos norte-coreanos pôde ser melhor aprofundada e trazida à tona em decorrência de um dos líderes e regimes mais opressores do globo. Se fugas, punições, violências, horrores e morte são as palavras mais comuns para quem ousa ter uma bíblia em casa, logo, os questionadores e/ou desertores viram imediatamente inimigos mortais a ponto de serem eliminados. É uma obra sobre até onde as pessoas vão para melhorar de vida, filmada de perto de maneira portátil e carregada com toda a tensão adquirida, apesar da parte histórica e cultural ter sido muito mal apresentada. Mas, a partir de ver e ouvir tais relatos, o espectador obrigatoriamente torna-se testemunha de um evento angustiante e entorpecedor.
O que o universo cor-de-rosa de um mundo fictício tem a oferecer ao mundo real? Tudo e mais um pouco! A começar pelo ruído baixio dos machistas de plantão: "este é um filme anti-homem!", como se a famigerada guerra dos sexos fosse o tema em discussão. A diretora chamou a atenção justamente pra inversão dos papéis acontecida no imaginário vívido da Barbielândia com o patriarcado vigente do planeta Terra. E olha que a boneca vem influenciando gerações desde 1959, até na acentuação do desejo mimético da estereotipação da beleza eterna. Em suma, mulheres podem (e devem!) ser médicas, físicas, escritoras, astronautas, presidentes, enfim, o que elas quiserem. E, ainda assim, serem mães e esposas. Pra finalizar, as referências cinematográficas são bem enriquecedoras e deliciosas.
Estocolmo, 1914, 1ª guerra mundial, 3 mulheres estão prestes a dar à luz numa clínica. Todas elas relembram os passados e as circunstâncias que as levaram até ali, cada qual com suas particularidades e vivências que se entrelaçam, seja em encontros, seja em situações de relacionamento. Enfim, será que as 3 crianças nascerão de um corpo saudável? Será que elas serão felizes? Ou melhor, as mães estão felizes? Incrível pensar como os questionamentos daquela época são os mesmos atualmente, inclusive nas opiniões sexistas que pululam na tela. Apesar dos avanços obstetrícios, a proteção ginecológica tranquilizadora é ineficaz em muitas situações, principalmente àquelas confundidas com um pedaço de carne. Talvez por ser o 1º longa da diretora sueca, alguns aspectos técnicos ficaram a desejar, assim como a pressa em cenas relevantes traz um aspecto meio caseiro. Mas a história é interessante e bota as mulheres como parte identitária do mundo real.
Impressionante quando uma história não é somente uma história, é um emaranhado de situações que participam e possuem relevância no produto final. Baseado livremente na história real de uma professora de 36 anos que apaixonou, relacionou e teve filhos com um aluno de 12 no início dos anos 90, este excelente filme navega entre os mares do pessoal, profissional e midiático de forma tranquila e cadenciada. Inteligentemente, os quebra-cabeças do fato não se completam, mas se sobrepõem habilmente de maneira precisa e necessária, lidando com o sombrio e triste na mesma passada. Natalie Portman e Julianne Moore estão excepcionais e seguram a fita a todo instante. Uma obra que precisava ser (bem) produzida e faz jus às críticas positivas que recebe. Essencial.
Um dos ícones hollywoodianos dos anos 80, o canadense Michael J. Fox tem ciência da escassez do seu tempo na Terra. A degeneração gradual do seu sistema nervoso, ocasionada pela doença de Parkinson, forçou sua aposentadoria e limita atividades cotidianas. O próprio diz que não se sabe até quando vai manter a lucidez. Tudo isso (e muito mais desse mal) se vê e ouve neste excelente documentário, onde o eterno Marty McFly do 'De Volta Pro Futuro' passa a ser mais que uma reminiscência, torna-se inspiração. E o resultado é magnânimo, pois a sensação prevalecida é a de uma longa conversa com alguém muito próximo que conta sua vida, literalmente - o alinhamento das cenas dos filmes com o tom confessional é maravilhoso. E, se o entrevistado-personagem não deseja piedade por sua condição, ele, de uma forma bem excêntrica, consegue, pois não há fatalismo nem dramatizações baratas. Há um grandioso estudo de caso que serve para levar ao conhecimento das pessoas como uma simples falta de dopamina no corpo pode retirar um cidadão da confortável sociabilidade.
As animações da Pixar têm o histórico de serem impecáveis graficamente e, ainda, desenvolverem fábulas fabulosas, cheias de camadas interessantes pra se dissecar. Porém, algo se perdeu no consciente criativo de seus produtores, tanto que este filme foi uma das piores estreias de bilheteria do estúdio (ainda que a maior arrecadação de 2023). É uma história morna (e olha que se trata de fogo!) e com boas intenções, como a questão migratória de se fixar e ter aceitação num lugar diferente ou mesmo a relação interpessoal de desiguais. Mas a previsibilidade narrativa é tão soberana que o clímax, criado pra fazer chorar, quase não emociona. Sem contar que os elementos ar e terra basicamente estão escanteados da trama, que navega muito no gênero comédia romântica. Contudo, o colorido mágico da obra é um manjar para os olhos e corações. Disponível no Disney+, vale a pipoca, apesar dos pesares.
O conflito militar russo-ucraniano ultrapassa uma abordagem cartesiana. Existem lados e motivos diametralmente opostos para esse confronto. Este excelente documentário também não busca solucionar nem explicar razões, porém, trata-se de um grupo de repórteres que ficaram sitiados 20 dias na cidade da Ucrânia mais desejada pela Rússia. E também não são montagens ou efeitos visuais adicionais trazidos à telona, são imagens reais, cruas e cruéis, como acontece em qualquer guerra pelo planeta, neste ou nos tempos idos. Há a parcialidade do diretor/jornalista ser ucraniano, mas, com o passar da fita, torna-se tão irrelevante quanto o aumento do número de mortes em Mariupol, praticamente reduzida a ferro, vidro e pó. Assim como o excesso de fotografias chocantes ratifica a ideia que, numa guerra, quem se ferra é a população civil. Um filme atordoante, corajoso e necessário sobre essa síndrome da qual a sociedade é portadora - a violência.
O renomado artista estadunidense Jon Batiste já recebeu todos os títulos possíveis dentro do universo musical. Logo, tentar compreender seu momento de criação vai ser sempre um exercício prazeroso, adicionando um profundo retrato humano por trás da fachada de sucesso. E vai além de ser um documentário promocional, torna-se, sobretudo, uma verdadeira lição de amor quando, no dia em que recebe a notícia das onze indicações pro Grammy, o músico descobre que sua esposa, Suleika Jaouad, enfrenta uma recorrência de câncer. Uma obra abrangente e sutil que explicita os vislumbres performáticos de um compositor talentoso e criativo concomitantemente ao sofrido drama no seu microcosmo particular.
É preciso partir do pressuposto que o filme se trata duma distopia, inclusive com críticas a regimes totalitários e exclusivistas, onde, numa Espanha de alguma época (talvez uma referência ao franquismo), para controlar a escassez de produtos e comidas o governo autorizou eliminar crianças e gestantes. Assim, a grávida Mia (Anna Castillo entregou muita coisa) busca fugir do país a fim de manter-se viva, tal qual seu bebê. Dentro de um contêiner, este, após uma tempestade, salta do barco e fica à deriva no oceano Atlântico. Em suma, um filme de sobrevivência que, acertadamente, remete à situação dos imigrantes ilegais ao redor do globo. Porém, é exagerado, sendo de bom tom lembrar que o demais é sempre demais, em qualquer situação. E nisso a obra escorrega, pois alguns conflitos são resolvidos com certa inverossimilhança, como se a coincidência impulsionasse a trama. Mas nada que faça o espectador não torcer para uma personagem que cresce na marra com o passar da fita. Pelo contrário, há um clímax decente e emocionante.
Em tempos de conflitos, internos e externos, um conto natalino recheado de clichês do gênero adoça a vida e nos faz sorrir, ainda mais quando um inspirado Paul Giamatti (talvez seja o ator mais subestimado do século) veste a casaca carrancuda de um severo e solitário professor obrigado a passar as festas de fim de ano em companhia de um aluno igualmente chato, metódico e irônico. Porém, há surpresas na trama, confundindo as expectativas e revelando novas profundidades de cada personagem apresentado, pois as fraquezas e falhas de um abrem a percepção da bondade no outro. E a ambientação do filme em 1970 só reforça o cheiro de saudade e nostalgia em tempos de anti-heróis cínicos da modernidade. Uma obra brilhante e acalentadora que faz jus à citação de Marco Aurélio, ídolo do docente John Hunman: "dê-se a si mesmo tempo para aprender algo novo e bom".
Uma cinebiografia muito bem feita onde, claramente, Bradley Cooper, que além de dirigir também interpreta o maestro Leonard Bernstein, busca indicações às estatuetas do Óscar. Isso atrapalha um pouco, principalmente nos maneirismos e enquadramentos forçados. Porém, não tira o brilho de uma produção grande, ousada e íntima à medida em que a fita passa. O amor entre o regente e sua companheira, a atriz costarriquenha Felicia Montealegre (Carey Mulligan numa atuação tranquila), é uma moldura pendurada nos panteões das paixões. Sem contar que, em vários momentos, o filme também é um ode à música e, sobretudo, à composição e aos compositores. Em resumo, um tributo emocionante de um cânone musical estadunidense que viveu intensamente em seus próprios termos.
Um terror psicológico que merecia atuações melhores. Porém, apesar destas, há coisas bastante interessantes a se dissecar nas entranhas de uma família que só pensa em juntar dinheiro para melhorar de vida - como o emprego sendo mais importante que a perda de um ente querido. Pois uma simples pergunta como "quer água?" é motivo de desorientar o espectador, tornando desconfortável cada cena seguinte gravada pelo diretor sul-coreano, mesmo as ousadas e ilógicas. Também denuncia a irresponsabilidade e o primitivismo do homem quando este pensa com o corpo, além de desacreditar a humanidade, já que todos os personagens (inclusive as crianças) são bem amorais. É tenso e sombrio do início ao fim, quando o epílogo ocorre e desconcerta muitos olhos atentos.
Impressionante como um fato tão horrendo passou despercebido do grande público durante quase cem anos. Só ratifica o quanto a narrativa histórica é machista e étnica. Porém, mesmo sob as mãos poéticas dum homem branco que ainda assim dá um soco emocional e intelectual na cara do espectador, um pouco da revolta foi exposta, tal como a ganância e a sordidez de uma classe média estadunidense em busca do "american dream". Contando a história do assassinato em massa da nação indígena Osage, Mestre Martin Scorsese luta consigo mesmo, com Hollywood e com o pecado original do próprio EUA, que popularmente romantiza a matança no velho oeste. Ademais, tudo funciona muito bem no filme - o desenvolvimento dos personagens, as atuações (ah, Lily Gladstone...), fotografia, figurino, edição. Em suma, uma verdadeira obra-prima que vale cada minuto da sua longa duração.
Também conhecido como 'A Cidade Das Tristezas', este filme conta a história de uma família envolvida no chamado "Terror Branco", ocorrido no final da década de 40, em Taiwan, quando o Japão, rendido pós segunda guerra, abandonou a ilha e esta foi tomada pelo governo nacionalista chinês Kuomintang (KMT). Em meio às prisões arbitrárias, revoltas e resistências, um núcleo familiar se deteriorava pelo simples correr do tempo e os dilemas que a opressão traz - prostituição, contrabando, desemprego, inflação e fome. Faltam ritmo, diálogos e sequências de ligação, mas nada que desabone a obra onde, possivelmente, ecoou-se, na câmera do diretor, a memória das feridas que não se cicatrizam. Contrastando com o tom contemplativo do drama humano em meio ao caos político. Uma fita complexa e significativa, quase como uma poesia triste oriunda das desilusões.
São 7 horas de um filme monumental. E, assim como a dança do tango que se dá meticulosos 6 passos pra frente e 6 pra trás, dividido em 12 capítulos onde cada evento é revisitado por ângulos diferentes mas linearmente, propiciando um engenhoso quebra-cabeça minuciosamente soturno. O que os trabalhadores (rurais) húngaros poderiam esperar do país pós-comunismo? Talvez seja esta a pergunta que acompanha a obra inteira e, devido às incertezas do futuro que as rupturas trazem, faz par ao tom apocalíptico aplicado na belíssima fotografia em preto e branco. Sensação de abandono, paredes descascadas e sujas, deterioração moral e física, enfim, qual é o mundo que se abre pra Hungria? Ou isso é que a Hungria de 94 tinha pra oferecer? Com aquela sensação de perda da esperança num existencialismo cru(el) que reflete opacamente nas retinas dos olhares vazios dos personagens. Uma obra-prima que assusta pela duração, apesar de ecoar como um tango satânico de 439 minutos. Pois seu tamanho, literalmente, é grandioso.
Nos idos anos 90 eu assisti à esta fita e, talvez por memória afetiva, a achava o máximo. Frequentemente vinha à lembrança mas a deixava guardada lá coberta de loas. Até que notei sua presença no catálogo do Prime Video e, corajosamente, revi o famigerado "filme intocável". Num resumo bem direto, aquelas boas recordações juvenis se dissipavam a cada minuto que se passava em frente à televisão. Uma obra completamente perdida, ora monótona ora acelerada e, soberbamente, metida a intelectual. O tom bíblico apocalíptico, que poderia ser um mote cheio de potencialidades, foi se definhando e adentrando numa mistureba danada onde até a lenda do judeu errante foi acionada, num duelo com o anjo caído sob a ira de Deus (?). Em suma: não mexamos nas nossas idiossincrasias artísticas! E, sim, a atuação de Demi Moore é alto nível.
Um raro exemplo de como um filme pode retratar tão bem as dores, loucuras e "inexplicações" de uma guerra. E o mais fantástico: com apenas dois atores. Os excelentes Lee Marvin (piloto estadunidense) e Toshirô Mifume (capitão japonês) entregam toda a trajetória da insanidade em conflitos que, no fundo, ambos querem a paz. Navegando entre o selvagem e o racional, esta fita explicita o simbolismo da eterna luta do homem contra o homem, seja em ações, pensamentos ou linguagens. Além de como a incomunicabilidade afeta o limite pela sobrevivência. Em suma, uma obra multifacetada que vigora conforme a dança da guerra, sem cor, sem perfume, sem rosa, sem nada.
Este é um filme que, literalmente, não tem meio termo. É 8 ou 80. E não se trata apenas do humor atemporal - poucas passagens ficaram datadas, mas, principalmente, da forma como homenageia e satiriza um gênero tão controverso: o western. Ao revisitar o povoamento do novo oeste dos Estados Unidos da América, o genial Mel Brooks salpica acidez num ritmo cadenciado de farsa sobre o racismo estrutural daquele país, que, infelizmente, perpetua até os dias atuais. Nem o exagero da estereotipação dos personagens retira as hilariantes boas risadas dos espectadores nesta obra que cresce a cada nova assistida. O faroeste nunca mais foi o mesmo depois desse banzé.
A partir de uma história estranha ouvida pelo Mestre Hawks, eis um filme sobre aviões e aviadores. Na verdade, um deleite de imagens e sons para os aficionados (ou não) pelo tema. A tradução literal do título original em inglês é 'apenas os anjos têm asas'. Porém, faltou o pronome condicional. Só que este é colocado, pelos espectadores, durante a sessão: 'se apenas os anjos têm asas, os homens não podem voar'. Certo? Errado, já que a aviação, além de ser o meio de transporte mais seguro do mundo, fascina e seduz desde os tempos de outrora. Ou, como disse em determinado momento da fita o personagem Kid, do amabilíssimo Thomas Mitchell, "eu tenho voado por 22 anos e até hoje não me faz nenhum sentido". Assim como o amor, a vida e a morte. Uma obra de diálogos deliciosos e subtramas apaixonantes nas várias esferas que produzem um prato cheio de emoções.
O exercício de futurologia é tão antigo quanto o tempo. E essa profecia idealizada sobre uma previsão qualquer possui, claramente, os mesmos desígnios do cinema, pois, a partir de uma ideia - original ou não, a imaginação torna-se imagem, por meio de carne, osso e tecnologia. Assim, considerada pela crítica especializada, esta fita é a primeira superprodução de ficção científica da cinematografia. Aos amantes do gênero, um manjar de apuro visual. Aos demais, um filme bagunçado e meio perdido na narrativa. O que não desabona a obra, onde, curiosamente, vê-se o ano 2000 idealizado na década de 30, além de uma fantasiosa corrida espacial que, atualmente, já faz parte de um passado distante. Alvíssaras para a ênfase na busca incessante do conhecimento pelo homem, cada vez mais minúsculo dentro do universo. Um filme deveras interessante.
Um verdadeiro estudo de personagem cheio de signos e significados. E, nisto, o cinema holandês é bem prolífico, beirando, inclusive, a esquisitice em muitas ocasiões. Este filme é um pouco assim. Situado em Rotterdam, nos anos 20 (ou seja, pós primeira guerra mundial quando as relações inter-humanas ficaram mais petrificadas em sua natureza), o silêncio ensurdecedor dos personagens principais em suas interações é tão importante quanto o desenvolvimento narrativo numa fria e escura delegacia - um noir literário sem a mortalmente loura femme fatale. O pai, a rudeza da lei, a mãe, a resignação carnal, e o filho, a renúncia social, formam os arquétipos morais de uma acalorada discussão: o que é caráter?
A Sociedade da Neve
4.2 713 Assista AgoraA tragédia dos Andes, realmente ocorrida em 1972, foi enredo de diversas criações artísticas e culturais desde então. Porém, cinema também é revisitação, e esta inebriante película espanhola cumpriu positivamente seu papel, tanto pelo realismo quanto pela dramatização. Pois a luta pela sobrevivência em ambientes hostis extrapolam os limites de sociedade cheirosa e limpinha. E, cá, sem a espetacularização do horror, o diretor dá um tapa bem encaixado no dogmatismo religioso e na meritocracia individual, abraçando e celebrando a união de classe para lograr o intento de todos: permanecerem-se vivos. Infelizmente, a estética se sobrepõe à trama quando, por já conhecida, poderia ser melhor lapidada. Mas nada que desabone o produto final, que, além de hipnotizar do início ao fim, é recomendado a estômagos fortes.
Terra de Deus
3.6 12 Assista AgoraUm lindo filme islandês que medita sobre a fé e a fotografia de maneira interessantíssima, já que uma é revelação e a outra é imagem. E essa dicotomia perpassa toda a obra, acompanhando o pastor luterano dinamarquês Lucas (Elliott Crosset Hove) em sua árdua missão de construir uma igreja numa remota ilha da Islândia do século XIX, época em que fotografias eram raras e de manuseios difíceis. Assim como a provação do personagem principal no desenrolar da trama, seja pela viagem penosa, seja pelos pensamentos e atos maus - seria um desconforto existencial? Há ainda alfinetadas no colonialismo religioso, nas colisões culturais e na vaidade humana como pecado mortal. Logo, eis uma dolorosa fotografia fílmica cheia de revelações, tanto pela magia de Deus quanto pela derrota da fé.
Diva - Paixão Perigosa
3.3 8 Assista AgoraNo começo dos anos 80, surgia, na França, o movimento cinéma du look, onde jovens cineastas priorizavam mais o estilo que o conteúdo. Obviamente, criou-se um burburinho, pejorativo no início, que se tornou cult e influenciou gerações posteriores. Este longa, o primeiro do diretor, faz parte desse grupo, quando a pop art acompanha quase toda narrativa numa trama altamente aleatória. Porém, um êxtase cheio de desdobramentos frutos de um destino quimérico, místico e sublime. Tem um jeitão de filme B com ares de neo-noir que se transforma numa bagunça elegante - a mistura de fitas, literalmente, é uma sacada de gênio, levando à tela o encantamento da obsessão pela beleza e poder da voz humana. Uma elegante taquigrafia cinematográfica.
Beyond Utopia
3.4 7Como a Coreia do Norte é um dos países mais fechados e antidemocráticos do mundo, as informações sobre lá são sempre recheadas de dúvidas ou de invencionices mesmo. Neste corajoso documentário, a vida dos norte-coreanos pôde ser melhor aprofundada e trazida à tona em decorrência de um dos líderes e regimes mais opressores do globo. Se fugas, punições, violências, horrores e morte são as palavras mais comuns para quem ousa ter uma bíblia em casa, logo, os questionadores e/ou desertores viram imediatamente inimigos mortais a ponto de serem eliminados. É uma obra sobre até onde as pessoas vão para melhorar de vida, filmada de perto de maneira portátil e carregada com toda a tensão adquirida, apesar da parte histórica e cultural ter sido muito mal apresentada. Mas, a partir de ver e ouvir tais relatos, o espectador obrigatoriamente torna-se testemunha de um evento angustiante e entorpecedor.
Barbie
3.9 1,6K Assista AgoraO que o universo cor-de-rosa de um mundo fictício tem a oferecer ao mundo real? Tudo e mais um pouco! A começar pelo ruído baixio dos machistas de plantão: "este é um filme anti-homem!", como se a famigerada guerra dos sexos fosse o tema em discussão. A diretora chamou a atenção justamente pra inversão dos papéis acontecida no imaginário vívido da Barbielândia com o patriarcado vigente do planeta Terra. E olha que a boneca vem influenciando gerações desde 1959, até na acentuação do desejo mimético da estereotipação da beleza eterna. Em suma, mulheres podem (e devem!) ser médicas, físicas, escritoras, astronautas, presidentes, enfim, o que elas quiserem. E, ainda assim, serem mães e esposas. Pra finalizar, as referências cinematográficas são bem enriquecedoras e deliciosas.
Casais Amorosos
2.8 1Estocolmo, 1914, 1ª guerra mundial, 3 mulheres estão prestes a dar à luz numa clínica. Todas elas relembram os passados e as circunstâncias que as levaram até ali, cada qual com suas particularidades e vivências que se entrelaçam, seja em encontros, seja em situações de relacionamento. Enfim, será que as 3 crianças nascerão de um corpo saudável? Será que elas serão felizes? Ou melhor, as mães estão felizes? Incrível pensar como os questionamentos daquela época são os mesmos atualmente, inclusive nas opiniões sexistas que pululam na tela. Apesar dos avanços obstetrícios, a proteção ginecológica tranquilizadora é ineficaz em muitas situações, principalmente àquelas confundidas com um pedaço de carne. Talvez por ser o 1º longa da diretora sueca, alguns aspectos técnicos ficaram a desejar, assim como a pressa em cenas relevantes traz um aspecto meio caseiro. Mas a história é interessante e bota as mulheres como parte identitária do mundo real.
Segredos de um Escândalo
3.5 279 Assista AgoraImpressionante quando uma história não é somente uma história, é um emaranhado de situações que participam e possuem relevância no produto final. Baseado livremente na história real de uma professora de 36 anos que apaixonou, relacionou e teve filhos com um aluno de 12 no início dos anos 90, este excelente filme navega entre os mares do pessoal, profissional e midiático de forma tranquila e cadenciada. Inteligentemente, os quebra-cabeças do fato não se completam, mas se sobrepõem habilmente de maneira precisa e necessária, lidando com o sombrio e triste na mesma passada. Natalie Portman e Julianne Moore estão excepcionais e seguram a fita a todo instante. Uma obra que precisava ser (bem) produzida e faz jus às críticas positivas que recebe. Essencial.
Still: A História de Michael J. Fox
4.1 28 Assista AgoraUm dos ícones hollywoodianos dos anos 80, o canadense Michael J. Fox tem ciência da escassez do seu tempo na Terra. A degeneração gradual do seu sistema nervoso, ocasionada pela doença de Parkinson, forçou sua aposentadoria e limita atividades cotidianas. O próprio diz que não se sabe até quando vai manter a lucidez. Tudo isso (e muito mais desse mal) se vê e ouve neste excelente documentário, onde o eterno Marty McFly do 'De Volta Pro Futuro' passa a ser mais que uma reminiscência, torna-se inspiração. E o resultado é magnânimo, pois a sensação prevalecida é a de uma longa conversa com alguém muito próximo que conta sua vida, literalmente - o alinhamento das cenas dos filmes com o tom confessional é maravilhoso. E, se o entrevistado-personagem não deseja piedade por sua condição, ele, de uma forma bem excêntrica, consegue, pois não há fatalismo nem dramatizações baratas. Há um grandioso estudo de caso que serve para levar ao conhecimento das pessoas como uma simples falta de dopamina no corpo pode retirar um cidadão da confortável sociabilidade.
Elementos
3.7 467As animações da Pixar têm o histórico de serem impecáveis graficamente e, ainda, desenvolverem fábulas fabulosas, cheias de camadas interessantes pra se dissecar. Porém, algo se perdeu no consciente criativo de seus produtores, tanto que este filme foi uma das piores estreias de bilheteria do estúdio (ainda que a maior arrecadação de 2023). É uma história morna (e olha que se trata de fogo!) e com boas intenções, como a questão migratória de se fixar e ter aceitação num lugar diferente ou mesmo a relação interpessoal de desiguais. Mas a previsibilidade narrativa é tão soberana que o clímax, criado pra fazer chorar, quase não emociona. Sem contar que os elementos ar e terra basicamente estão escanteados da trama, que navega muito no gênero comédia romântica. Contudo, o colorido mágico da obra é um manjar para os olhos e corações. Disponível no Disney+, vale a pipoca, apesar dos pesares.
20 Dias em Mariupol
3.9 56 Assista AgoraO conflito militar russo-ucraniano ultrapassa uma abordagem cartesiana. Existem lados e motivos diametralmente opostos para esse confronto. Este excelente documentário também não busca solucionar nem explicar razões, porém, trata-se de um grupo de repórteres que ficaram sitiados 20 dias na cidade da Ucrânia mais desejada pela Rússia. E também não são montagens ou efeitos visuais adicionais trazidos à telona, são imagens reais, cruas e cruéis, como acontece em qualquer guerra pelo planeta, neste ou nos tempos idos. Há a parcialidade do diretor/jornalista ser ucraniano, mas, com o passar da fita, torna-se tão irrelevante quanto o aumento do número de mortes em Mariupol, praticamente reduzida a ferro, vidro e pó. Assim como o excesso de fotografias chocantes ratifica a ideia que, numa guerra, quem se ferra é a população civil. Um filme atordoante, corajoso e necessário sobre essa síndrome da qual a sociedade é portadora - a violência.
Jon Batiste: American Symphony
3.3 25O renomado artista estadunidense Jon Batiste já recebeu todos os títulos possíveis dentro do universo musical. Logo, tentar compreender seu momento de criação vai ser sempre um exercício prazeroso, adicionando um profundo retrato humano por trás da fachada de sucesso. E vai além de ser um documentário promocional, torna-se, sobretudo, uma verdadeira lição de amor quando, no dia em que recebe a notícia das onze indicações pro Grammy, o músico descobre que sua esposa, Suleika Jaouad, enfrenta uma recorrência de câncer. Uma obra abrangente e sutil que explicita os vislumbres performáticos de um compositor talentoso e criativo concomitantemente ao sofrido drama no seu microcosmo particular.
Destinos à Deriva
3.2 287 Assista AgoraÉ preciso partir do pressuposto que o filme se trata duma distopia, inclusive com críticas a regimes totalitários e exclusivistas, onde, numa Espanha de alguma época (talvez uma referência ao franquismo), para controlar a escassez de produtos e comidas o governo autorizou eliminar crianças e gestantes. Assim, a grávida Mia (Anna Castillo entregou muita coisa) busca fugir do país a fim de manter-se viva, tal qual seu bebê. Dentro de um contêiner, este, após uma tempestade, salta do barco e fica à deriva no oceano Atlântico. Em suma, um filme de sobrevivência que, acertadamente, remete à situação dos imigrantes ilegais ao redor do globo. Porém, é exagerado, sendo de bom tom lembrar que o demais é sempre demais, em qualquer situação. E nisso a obra escorrega, pois alguns conflitos são resolvidos com certa inverossimilhança, como se a coincidência impulsionasse a trama. Mas nada que faça o espectador não torcer para uma personagem que cresce na marra com o passar da fita. Pelo contrário, há um clímax decente e emocionante.
Os Rejeitados
4.0 317Em tempos de conflitos, internos e externos, um conto natalino recheado de clichês do gênero adoça a vida e nos faz sorrir, ainda mais quando um inspirado Paul Giamatti (talvez seja o ator mais subestimado do século) veste a casaca carrancuda de um severo e solitário professor obrigado a passar as festas de fim de ano em companhia de um aluno igualmente chato, metódico e irônico. Porém, há surpresas na trama, confundindo as expectativas e revelando novas profundidades de cada personagem apresentado, pois as fraquezas e falhas de um abrem a percepção da bondade no outro. E a ambientação do filme em 1970 só reforça o cheiro de saudade e nostalgia em tempos de anti-heróis cínicos da modernidade. Uma obra brilhante e acalentadora que faz jus à citação de Marco Aurélio, ídolo do docente John Hunman: "dê-se a si mesmo tempo para aprender algo novo e bom".
Maestro
3.1 260Uma cinebiografia muito bem feita onde, claramente, Bradley Cooper, que além de dirigir também interpreta o maestro Leonard Bernstein, busca indicações às estatuetas do Óscar. Isso atrapalha um pouco, principalmente nos maneirismos e enquadramentos forçados. Porém, não tira o brilho de uma produção grande, ousada e íntima à medida em que a fita passa. O amor entre o regente e sua companheira, a atriz costarriquenha Felicia Montealegre (Carey Mulligan numa atuação tranquila), é uma moldura pendurada nos panteões das paixões. Sem contar que, em vários momentos, o filme também é um ode à música e, sobretudo, à composição e aos compositores. Em resumo, um tributo emocionante de um cânone musical estadunidense que viveu intensamente em seus próprios termos.
Hanyo, a Empregada
3.5 44Um terror psicológico que merecia atuações melhores. Porém, apesar destas, há coisas bastante interessantes a se dissecar nas entranhas de uma família que só pensa em juntar dinheiro para melhorar de vida - como o emprego sendo mais importante que a perda de um ente querido. Pois uma simples pergunta como "quer água?" é motivo de desorientar o espectador, tornando desconfortável cada cena seguinte gravada pelo diretor sul-coreano, mesmo as ousadas e ilógicas. Também denuncia a irresponsabilidade e o primitivismo do homem quando este pensa com o corpo, além de desacreditar a humanidade, já que todos os personagens (inclusive as crianças) são bem amorais. É tenso e sombrio do início ao fim, quando o epílogo ocorre e desconcerta muitos olhos atentos.
Assassinos da Lua das Flores
4.1 608 Assista AgoraImpressionante como um fato tão horrendo passou despercebido do grande público durante quase cem anos. Só ratifica o quanto a narrativa histórica é machista e étnica. Porém, mesmo sob as mãos poéticas dum homem branco que ainda assim dá um soco emocional e intelectual na cara do espectador, um pouco da revolta foi exposta, tal como a ganância e a sordidez de uma classe média estadunidense em busca do "american dream". Contando a história do assassinato em massa da nação indígena Osage, Mestre Martin Scorsese luta consigo mesmo, com Hollywood e com o pecado original do próprio EUA, que popularmente romantiza a matança no velho oeste. Ademais, tudo funciona muito bem no filme - o desenvolvimento dos personagens, as atuações (ah, Lily Gladstone...), fotografia, figurino, edição. Em suma, uma verdadeira obra-prima que vale cada minuto da sua longa duração.
A Cidade das Tristezas
4.1 16Também conhecido como 'A Cidade Das Tristezas', este filme conta a história de uma família envolvida no chamado "Terror Branco", ocorrido no final da década de 40, em Taiwan, quando o Japão, rendido pós segunda guerra, abandonou a ilha e esta foi tomada pelo governo nacionalista chinês Kuomintang (KMT). Em meio às prisões arbitrárias, revoltas e resistências, um núcleo familiar se deteriorava pelo simples correr do tempo e os dilemas que a opressão traz - prostituição, contrabando, desemprego, inflação e fome. Faltam ritmo, diálogos e sequências de ligação, mas nada que desabone a obra onde, possivelmente, ecoou-se, na câmera do diretor, a memória das feridas que não se cicatrizam. Contrastando com o tom contemplativo do drama humano em meio ao caos político. Uma fita complexa e significativa, quase como uma poesia triste oriunda das desilusões.
O Tango de Satã
4.3 139São 7 horas de um filme monumental. E, assim como a dança do tango que se dá meticulosos 6 passos pra frente e 6 pra trás, dividido em 12 capítulos onde cada evento é revisitado por ângulos diferentes mas linearmente, propiciando um engenhoso quebra-cabeça minuciosamente soturno. O que os trabalhadores (rurais) húngaros poderiam esperar do país pós-comunismo? Talvez seja esta a pergunta que acompanha a obra inteira e, devido às incertezas do futuro que as rupturas trazem, faz par ao tom apocalíptico aplicado na belíssima fotografia em preto e branco. Sensação de abandono, paredes descascadas e sujas, deterioração moral e física, enfim, qual é o mundo que se abre pra Hungria? Ou isso é que a Hungria de 94 tinha pra oferecer? Com aquela sensação de perda da esperança num existencialismo cru(el) que reflete opacamente nas retinas dos olhares vazios dos personagens. Uma obra-prima que assusta pela duração, apesar de ecoar como um tango satânico de 439 minutos. Pois seu tamanho, literalmente, é grandioso.
A Sétima Profecia
3.0 118 Assista AgoraNos idos anos 90 eu assisti à esta fita e, talvez por memória afetiva, a achava o máximo. Frequentemente vinha à lembrança mas a deixava guardada lá coberta de loas. Até que notei sua presença no catálogo do Prime Video e, corajosamente, revi o famigerado "filme intocável". Num resumo bem direto, aquelas boas recordações juvenis se dissipavam a cada minuto que se passava em frente à televisão. Uma obra completamente perdida, ora monótona ora acelerada e, soberbamente, metida a intelectual. O tom bíblico apocalíptico, que poderia ser um mote cheio de potencialidades, foi se definhando e adentrando numa mistureba danada onde até a lenda do judeu errante foi acionada, num duelo com o anjo caído sob a ira de Deus (?). Em suma: não mexamos nas nossas idiossincrasias artísticas! E, sim, a atuação de Demi Moore é alto nível.
Inferno no Pacífico
4.0 27 Assista AgoraUm raro exemplo de como um filme pode retratar tão bem as dores, loucuras e "inexplicações" de uma guerra. E o mais fantástico: com apenas dois atores. Os excelentes Lee Marvin (piloto estadunidense) e Toshirô Mifume (capitão japonês) entregam toda a trajetória da insanidade em conflitos que, no fundo, ambos querem a paz. Navegando entre o selvagem e o racional, esta fita explicita o simbolismo da eterna luta do homem contra o homem, seja em ações, pensamentos ou linguagens. Além de como a incomunicabilidade afeta o limite pela sobrevivência. Em suma, uma obra multifacetada que vigora conforme a dança da guerra, sem cor, sem perfume, sem rosa, sem nada.
Banzé no Oeste
3.7 117 Assista AgoraEste é um filme que, literalmente, não tem meio termo. É 8 ou 80. E não se trata apenas do humor atemporal - poucas passagens ficaram datadas, mas, principalmente, da forma como homenageia e satiriza um gênero tão controverso: o western. Ao revisitar o povoamento do novo oeste dos Estados Unidos da América, o genial Mel Brooks salpica acidez num ritmo cadenciado de farsa sobre o racismo estrutural daquele país, que, infelizmente, perpetua até os dias atuais. Nem o exagero da estereotipação dos personagens retira as hilariantes boas risadas dos espectadores nesta obra que cresce a cada nova assistida. O faroeste nunca mais foi o mesmo depois desse banzé.
O Paraíso Infernal
3.9 26A partir de uma história estranha ouvida pelo Mestre Hawks, eis um filme sobre aviões e aviadores. Na verdade, um deleite de imagens e sons para os aficionados (ou não) pelo tema. A tradução literal do título original em inglês é 'apenas os anjos têm asas'. Porém, faltou o pronome condicional. Só que este é colocado, pelos espectadores, durante a sessão: 'se apenas os anjos têm asas, os homens não podem voar'. Certo? Errado, já que a aviação, além de ser o meio de transporte mais seguro do mundo, fascina e seduz desde os tempos de outrora. Ou, como disse em determinado momento da fita o personagem Kid, do amabilíssimo Thomas Mitchell, "eu tenho voado por 22 anos e até hoje não me faz nenhum sentido". Assim como o amor, a vida e a morte. Uma obra de diálogos deliciosos e subtramas apaixonantes nas várias esferas que produzem um prato cheio de emoções.
Daqui a Cem Anos
3.5 36 Assista AgoraO exercício de futurologia é tão antigo quanto o tempo. E essa profecia idealizada sobre uma previsão qualquer possui, claramente, os mesmos desígnios do cinema, pois, a partir de uma ideia - original ou não, a imaginação torna-se imagem, por meio de carne, osso e tecnologia. Assim, considerada pela crítica especializada, esta fita é a primeira superprodução de ficção científica da cinematografia. Aos amantes do gênero, um manjar de apuro visual. Aos demais, um filme bagunçado e meio perdido na narrativa. O que não desabona a obra, onde, curiosamente, vê-se o ano 2000 idealizado na década de 30, além de uma fantasiosa corrida espacial que, atualmente, já faz parte de um passado distante. Alvíssaras para a ênfase na busca incessante do conhecimento pelo homem, cada vez mais minúsculo dentro do universo. Um filme deveras interessante.
Caráter
4.0 36Um verdadeiro estudo de personagem cheio de signos e significados. E, nisto, o cinema holandês é bem prolífico, beirando, inclusive, a esquisitice em muitas ocasiões. Este filme é um pouco assim. Situado em Rotterdam, nos anos 20 (ou seja, pós primeira guerra mundial quando as relações inter-humanas ficaram mais petrificadas em sua natureza), o silêncio ensurdecedor dos personagens principais em suas interações é tão importante quanto o desenvolvimento narrativo numa fria e escura delegacia - um noir literário sem a mortalmente loura femme fatale. O pai, a rudeza da lei, a mãe, a resignação carnal, e o filho, a renúncia social, formam os arquétipos morais de uma acalorada discussão: o que é caráter?